Com exposições, livros e itens raros, ‘Estadão’ ouviu especialistas
Conhecimento se adquire degustando, não engolindo inteiro, conta Alcida. Esta foi a lição que ela aprendeu junto ao povo Yanomami em 1968, quando começou sua pesquisa de doutorado com os Sanumá, Yanomamis da região do Rio Auaris, em Roraima. Ainda aprendendo o bê-á-bá da língua sanumá, uma das seis faladas na maior terra indígena do Brasil, Alcida conta que fez uma pergunta a uma mulher e recebeu uma resposta monossilábica. Meses mais tarde, a antropóloga fez a mesma pergunta à mesma mulher e recebeu um longo discurso como resposta. Quando Alcida questionou a resposta resumida de meses antes, a indígena respondeu: “Se eu lhe dissesse tudo naquele momento, você não ia entender nada!”.
A história que nos conta Alcida Rita Ramos, autora de inúmeros artigos de antropologia e livros dedicados a compreender o mundo Yanomami, fala sobre uma trajetória e um tempo que se leva para ter o vislumbre de uma outra cultura, aspecto que a voracidade colonizadora do homem branco materialista não tem condição de compreender, como mostra o líder Davi Kopenawa Yanomami ao escrever que “os brancos não sonham tão longe quanto nós. Dormem muito, mas só sonham com eles mesmos”.
Uma das formas para dar visibilidade a diferentes culturas e refletir sobre sua história é a arte, instrumento que tem sido usado pelo povo Yanomami. “Eu não vim à toa para passear, conhecer a cidade. Eu venho em nome do meu povo para dizer o que está acontecendo, para pedir apoio”, diz Morzaniel Iramari, por telefone, de Nova York para o Estadão. Morzaniel vive na região do Demini, na Terra Indígena Yanomami (TIY) situada entre os Estados de Roraima e do Amazonas, e assina a direção do filme Mãri hi – A Árvore dos Sonhos, curta-metragem de 17 minutos, que estreou no dia 3 de fevereiro na exposição The Yanomami Struggle (A Luta Yanomami), no museu The Shed, em NY.
O filme Thuë pihi kuuwi (Uma Mulher Pensando) também integra a exposição. Filmado e dirigido por mulheres Yanomamis e por Edmar Tokorino, o curta aborda o olhar de uma jovem sobre o trabalho dos xamãs. “Eu preciso muito mostrar a nossa cultura, é muito importante para os não indígenas. Para vocês defenderem o nosso direito também”, diz Edmar, que estava temporariamente em Boa Vista, Roraima.
A fotógrafa Claudia Andujar, pioneira na fotografia dos Yanomami, no IMS Foto: Denise Andrade/Estadão
“A presença de Davi Kopenawa, de Claudia Andujar, de vários artistas Yanomamis e da Associação Hutukara, que representa o povo Yanomami, despertou um interesse imenso em Nova York”, avalia João Fernandes, diretor artístico do Instituto Moreira Salles (IMS), instituição que já abrigou temporadas da exposição em São Paulo e no Rio e é uma das organizadoras.
Com mais de 200 fotografias de Claudia Andujar, fotógrafa dedicada às causas Yanomamis desde a década de 1970, mais de 80 desenhos e pinturas de artistas Yanomamis e filmes da produção recente indígena, a exposição vem ganhando maior presença e autoria do próprio povo. “A exposição passou a ser uma construção muito mais aberta e diversa a partir da obra da Claudia, que continua a ser um fio condutor”, conta João Fernandes, que também estava presente na inauguração em Nova York.
“Eu acho que arco e flecha hoje em dia não dão conta das metralhadoras, dos fuzis, das epidemias”, diz Angela Pappiani, comunicadora que desenvolve projetos com povos originários há mais de 30 anos. “Mas uma câmera de vídeo, um gravador, um celular, o rádio, a comunicação via internet são armas que protegem e que ajudam na sobrevivência.”
Eu acho que arco e flecha hoje em dia não dão conta das metralhadoras, dos fuzis, das epidemias – Angela Pappiani, comunicadora
A necessidade de usar a força da imagem – desde o trabalho de Claudia Andujar até as últimas produções dos cineastas Yanomamis – revela um conflito. “Esse recurso de defesa se faz contra a vontade dos próprios Yanomamis, que detestam ser fotografados e exigem que nunca se mostre a imagem de parentes que já morreram”, lembra Alcida. “Não deixa de ser paradoxal que, sendo uma prática anti-Yanomami, a fotografia tem o poder de ser, também, pró-Yanomami, pois a imagem é um dos recursos mais poderosos para sensibilizar os não indígenas.”
Assim como no cerne das culturas indígenas, a divisão em territórios e fronteiras não obedece à mesma lógica que na cultura do homem branco – tratam-se de culturas que cultivavam a terra muito antes de a cultura colonizadora chegar com suas regras de demarcação. A arte Yanomami também não é marcada pelas mesmas fronteiras da cultura ocidental. Ela se mistura ao cotidiano, ao artefato.
Dança dos índios yanomami (Crédito:Odair Leal/Reuters – 14/10/2012). Foto: STRINGER/BRAZIL/REUTERS
”A estética Yanomami é completamente entranhada na vida, ela faz parte da vida. O desenho Yanomami não existia enquanto tal, como uma atividade artística separada”, conta o sociólogo Laymert Garcia dos Santos que, em 2006, trabalhou na concepção artística da ópera Amazônia – Teatro Música em Três Partes com Yanomamis da aldeia Watoriki, no Amazonas. “O desenho Yanomami existia na pintura corporal, na pintura de cestos, de alguns instrumentos, na cerâmica, ou seja, sempre não associada a uma superfície, mas praticada num volume. Não existia essa noção de desenho tal como a gente entende pela história da arte ocidental, de uma superfície bidimensional na qual você distribui alguns elementos de figuração.”
Laymert explica que o desenho Yanomami parece integrado ao espaço, o papel faz as vezes de uma tela, onde se projeta uma ação. “Os Yanomamis têm uma relação com o movimento e com a ocupação do espaço que é totalmente diversa da maneira como a composição ocidental trabalhou a questão do desenho.”
Os Yanomamis têm uma relação com o movimento e com a ocupação do espaço que é totalmente diversa da maneira como a composição ocidental trabalhou a questão do desenho – Laymert Garcia dos Santos, sociólogo
Curioso é que a arte, instrumento capaz de sensibilizar o não indígena e abrir uma fresta potente para a compreensão de novas cosmologias, também pode servir a interesses menos nobres, como debateram curadores indígenas numa conversa promovida no dia 2 de fevereiro pelo IMS e o Museu da Língua Portuguesa.
“A arte mata, porque no livro da história da arte indígena bom é indígena morto ou ajoelhado na frente de uma cruz”, diz Daiara Tukano, curadora da exposição Nhe’ Porã: Memória e Transformação em exibição no Museu da Língua Portuguesa, São Paulo. “É dentro do campo da poesia, da literatura, daquilo que é chamado de arte pelo branco que se criou essa alegoria do indígena, essa imagem muito artificial, com a qual a gente não se identifica.”
Daiara Tukano na abertura da exposição Amõ Numiã na Galeria Millan Foto: Silvana Garzaro/Estadão
”Uma das figuras que sempre me arrepiaram, de me deixarem triste mesmo, de ter pesadelo era a imagem da Moema”, conta Daiara. A imagem da moça indígena morta na praia, retratada em pinturas e esculturas, personifica o amor de uma indígena pelo colonizador. Também das páginas do cearense José de Alencar emerge uma Iracema que morre de amor pelo português quando ele parte para a guerra, ilustrando quem sabe uma espécie de “síndrome de Estocolmo” – aquela patologia em que a vítima de abuso desenvolve uma relação sentimental pelo aproveitador.
Para confrontar esse tipo de visão, Daiara destaca a relevância de pensadores indígenas exporem sua arte. “Cada povo vai trazendo as suas narrativas e vai se empoderando de todas as linguagens. A música, a literatura, o desenho, a dança, o teatro, o cinema para trazer não apenas um relato de história, mas também uma maneira própria de contar essa história, de mostrar uma imagem que é própria da nossa linguagem, uma narrativa, um ritmo, uma relação de tempo, de mundo que é própria. São nossas cosmovisões, mas cada uma de nossas cosmovisões também carrega algo importante que é nossa cosmopotência. Nós somos culturas vivas, nós continuamos nos autogerando.”
Cada povo vai trazendo as suas narrativas e vai se empoderando de todas as linguagens – Daiara Tukano, artista
Em A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami, livro revelador da cosmologia Yanomami escrito pelo antropólogo Bruce Albert e por Davi Kopenawa, o líder indígena compartilha sua estranheza ao ver objetos de seu povo guardados num museu, como relíquias de um passado longínquo, e questiona: “Depois de ver todas as coisas daquele museu, acabei me perguntando se os brancos já não teriam começado a adquirir também tantas de nossas coisas só porque nós, Yanomamis, já estamos começando também a desaparecer”.
Marcelo Moura Silva, pesquisador da cultura Yanomami no Instituto Socioambiental (ISA), destaca: “Eles não são janelas para o passado, não são resquícios de uma humanidade perdida, são nossos contemporâneos, estão aqui agora, vivendo um tipo de vida que é possível dentro do mesmo mundo em que estamos vivendo”.
O líder Yanomami Davi Kopenawa Foto: Amanda Perobelli/Reuters
Ainda em A Queda do Céu, Kopenawa escreve: “Os brancos nos chamam de ignorantes apenas porque somos gente diferente deles. Na verdade, é o pensamento deles que se mostra curto e obscuro. Não consegue se expandir e se elevar, porque eles querem ignorar a morte”.
Marcelo lembra que uma das mais bonitas festividades Yanomamis é o cerimonial funerário, que reúne grupos e parentes para reforçar laços de amizade numa grande demonstração de generosidade e abundância de alimentos. A festividade ajuda a apagar a memória da pessoa que partiu para que ela tenha paz e os parentes consigam viver fora do luto. Acontece que até o cerimonial funerário tem sido atingido pelo garimpo. “Nos lugares atingidos, não há força física ou produção de alimentos para ofertar”, ressalta o antropólogo.
“Gostaria que os brancos parassem de pensar que nossa floresta é morta e que ela foi posta lá à toa. Quero fazê-los escutar a voz dos xapiri, que ali brincam sem parar, dançando sobre seus espelhos resplandecentes. Quem sabe assim eles queiram defendê-la conosco?”, clama Kopenawa nas folhas que ele chama de pele de papel.
O uso da arte como flecha atinge a percepção de que precisamos nos apressar para poder degustar os conhecimentos milenares dos povos originários. “Assim como cada árvore que tomba na Amazônia é como um arquivo que se queima, cada povo dizimado é uma amputação da humanidade”, acrescenta Alcida Ramos. “O flagelo que se abate sobre os Yanomamis não podia se encaixar melhor na definição de genocídio da ONU”, conclui.
Em entrevista exclusiva a SUMAÚMA, o líder político Davi Kopenawa conta de sua esperança de que Lula tenha se tornado mais sábio para ser capaz de proteger a Amazônia: “Antes, ele errou. Não quero que nos engane novamente”
O nome de Davi Kopenawa foi anunciado para compor a equipe de transição que discutirá a criação do Ministério dos Povos Originários, promessa de campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Grande liderança política dos Yanomami, que ocupam há milênios a floresta amazônica entre o Brasil e a Venezuela, Davi é uma referências dos povos originários no planeta. Em sua trajetória de enfrentamento dos invasores de suas terras, não há notícia de que tenha jamais se corrompido. Nem por riqueza material nem por vaidade, mal que acomete alguns líderes ao penetrar no insidioso mundo dos brancos – ou napëpë, na língua Yanomam, palavra traduzida também como “inimigo”. Davi se manteve fiel a sua ancestralidade, aos seus mais velhos, à cosmopolítica xamânica, o que faz dele uma árvore muito sólida no complexo mundo que une numa palavra impingida pelos colonizadores – “indígenas” – mais de 300 povos no Brasil com culturas muito diversas. O xamã chega à equipe de transição com esperanças, mas também com memória: “Antes, Lula errou. Ele está mais velho, talvez tenha ficado mais sábio. Talvez Lula tenha aberto o seu pensamento, mas ninguém sabe o que ele esconde em seu coração. Não quero que nos engane novamente”.
Radical no seu compromisso com a palavra, que na política que aprendeu não pode ser sacrificada em nome de interesses, a verdade para Davi Kopenawa é inegociável. Dessa retidão que não admite uma “boca que fala mentiras” vêm as respostas do intelectual da Amazônia nesta entrevista feita na língua Yanomam pela indigenista e antropóloga Ana Maria Machado (e traduzida por ela) a pedido de SUMAÚMA. Autor, com o antropólogo francês Bruce Albert, de A queda do céu (Companhia das Letras, 2015), livro que representa uma inflexão na antropologia, Davi sabe que fala para aqueles que chama de “povo da mercadoria”. Observador atento dos debates climáticos que frequenta pelos palcos do mundo, ele acredita que Lula só irá se mover se houver forte pressão e financiamento da proteção da Amazônia pelos países monetariamente mais ricos, em especial os europeus.
Davi Kopenawa é também um competente tradutor de mundos. Consegue traduzir o universo dos brancos para os Yanomami e também traz até nós, nesta entrevista, recados que lhes são passados pelos xapiripë [espíritos auxiliares dos xamãs]. Traduz ainda o pedido de socorro de uma velha liderança, que não conhece o mundo dos brancos para além do horror da destruição do garimpo que devora toda vida em sua aldeia. Com o território invadido por milhares de garimpeiros, hoje o contexto é pior do que qualquer outro na trajetória de brutalidades vivida pelos Yanomami desde o primeiro contato com os brancos, na primeira metade do século 20: há envolvimento do crime organizado, com armas pesadas, e aliciamento dos indígenas mais jovens.
O líder Yanomami espera que a expulsão dos invasores do território de seu povo seja o primeiro ato do presidente após a posse, em 1º de janeiro. Para que a vitória de Lula se tornasse possível em uma disputa tão apertada com o extremista de direita Jair Bolsonaro, ele conta ter sido necessário um esforço conjunto dos xamãs em 30 de outubro, data do segundo turno da eleição. Faz ainda um apelo aos leitores, para que deixem de comprar ouro, esse ouro com sangue Yanomami e também de outros povos originários, esse ouro que destrói a verdadeira riqueza, a floresta, para colocar valor no metal convertido em mercadoria ordinária.
A seguir, a palavra de Davi Kopenawa.
ANA MARIA MACHADO: Agora que Lula venceu a eleição, o que você espera do novo presidente?
DAVI KOPENAWA: Eu vou explicar para os napëpë [napë = branco, inimigo, estrangeiro + pë = plural] o que nós, da comunidade do Watorikɨ, estamos pensando. Nós ficamos sabendo que aquele que já foi presidente voltará ao poder, então dissemos assim: “Dessa vez, ele talvez tenha se tornado mais sábio. Antes, ele errou, mas agora talvez esteja pensando corretamente, e por isso quero que ele se torne um presidente de verdade. Não quero que nos engane novamente. Ele vai voltar a ser o presidente e ficará de fato atento às nossas terras. Ele irá olhar para nós e pensar sobre nós. Se ele nos defender, ficaremos contentes com ele”.
O que está acontecendo hoje na Terra Indígena Yanomami que Lula precisa resolver com mais urgência?
Hoje, a fala dos velhos, dos líderes Yanomami, é cheia de sofrimento. Apenas eu frequento a cidade, e por isso consigo espalhar essas palavras. Tudo está muito ruim em nossas terras, os garimpeiros levam o horror. Agora que Lula virou presidente, em primeiro lugar precisa expulsá-los, retirá-los de verdade. Eu não estou dizendo isso sem razão, mas sim porque estamos vivendo o caos. E por quê? Porque eles assorearam os rios, porque poluem as águas e porque as águas se tornaram muito turvas nos lugares onde só tem um rio correndo. Eles estragaram as cabeceiras dos rios que nascem em nossas serras. Aqueles de nós que vivem perto do garimpo estão sofrendo, passando fome. Os garimpeiros não param de chegar. Nós [Yanomami] conversamos entre os diferentes lugares da nossa terra, temos a radiofonia para nos comunicar. Um parente mais velho da região do Xitei, que me trata como filho, disse que a situação ali está calamitosa. Ele disse que as pessoas mais velhas como ele estão cansadas de ver os garimpeiros sempre chegando, sempre trabalhando nas águas, sempre sujando as águas. E não é só isso: estão muito bravos por causa das armas. Aqueles Yanomami mais ignorantes disseram que os garimpeiros poderiam chegar lá levando armas. Porém, aquelas pessoas que destroem a floresta têm armas pesadas. Essas armas não são como as flechas, os garimpeiros distribuem revólveres. Eles tratam os mais novos como se fossem lideranças, iludem os Yanomami mais jovens dizendo: “Pegue uma arma! Se você tiver uma arma, será nosso amigo. Se você ficar contra nós, não irá receber uma arma”. Ao falarem assim com os jovens, aumentaram a quantidade de armas entre os Yanomami, e os garimpeiros fazem que nos matemos entre nós. Esse meu pai lá do Xitei explicou: “Se não estivéssemos nos matando entre nós, eu não precisaria estar aqui explicando. Meu filho, vá e diga isso para aquele que se tornou o líder [presidente]. Que afaste os garimpeiros que trabalham em nossa terra. Diga isso a ele. Você conhece os líderes dos napëpë, cobre que façam isso, que acabem com essas pessoas que estão em nossas terras, que as levem para longe”. Foi isso que meu pai me disse, e estou passando para a frente. É por tudo isso que eu estou reivindicando: Lula, não comece trabalhando nas terras dos brancos primeiro. Antes, retire os garimpeiros da nossa terra. Agora, Lula, você se tornou o presidente e, no mês de janeiro, vai se sentar no Palácio do Planalto. Nesse dia, comece a mandar os garimpeiros embora.
Era isso que eu queria dizer para vocês, brancos. E não estou dizendo isso à toa. Não quero ficar aqui sofrendo enquanto tiram minha imagem [filmam], o que estou reivindicando é verdadeiro, a terra adoecida está se espalhando por todos os cantos. É porque tem malária demais e porque o descontrole da malária chegou com o garimpo, é porque as nossas mulheres estão sofrendo demais, é porque nos lugares das terras altas onde não tem mais caça o espírito da fome, Ohinari, se aproximou. Já que eu conheço o novo presidente, vou cobrar, dizendo: “Quando você discursou, eu o escutei. Todos nós guardamos suas palavras em nossos ouvidos. Nós indígenas e também os napëpë, todos ouvimos suas palavras pelo celular. Não queremos ficar com nosso pensamento em sofrimento caso você esteja mentindo. Que seja verdade o que você disse em reunião, que caso se tornasse presidente novamente iria proteger os povos indígenas, que estão sofrendo no Brasil. Eu não quero que continuem destruindo a floresta que vocês brancos chamam de Amazônia. Portanto, Lula, é isso que estou te cobrando, que você faça isso primeiro”.
É verdade. Lula disse que não irá aceitar garimpo em terra indígena. Mas, nos anos 1990, quando seus parentes mais velhos morreram na primeira invasão garimpeira [1986-1993], quando aconteceu a operação Selva Livre, que tirou 40 mil garimpeiros, naquele tempo não havia crime organizado e milícias envolvidos nem os jovens Yanomami eram aliciados como agora. Hoje em dia o tráfico de drogas está misturado ali, assim como pessoas que fugiram da prisão. Eles têm armas pesadas e bombas. Será que não vai ser mais difícil tirar os garimpeiros hoje? Será que os jovens Yanomami que estão envolvidos vão opor alguma resistência? Apesar de termos Lula agora no governo, será possível acabar com o garimpo?
É verdade que hoje em dia a situação está muito ruim, tem muitas coisas misturadas. Os napëpë têm trazido drogas, cachaça e até cocaína. Com tudo isso misturado, os garimpeiros ficam alterados. Eles trabalham drogados. Os homens cheiram cocaína e ficam sentindo tesão pelas nossas mulheres. Como eles não vêm acompanhados de suas mulheres, eles cheiram cocaína e o pensamento deles fica alterado, eles ficam destemidos e pensam assim: “Já que eu estou drogado, estou sem medo. Já que estou sem medo, eu chamo as mulheres Yanomami, como suas vaginas e faço filhos nelas”. Hoje em dia essas pessoas também têm metralhadoras, bombas, e os garimpeiros dizem: “Se quiserem nos expulsar, mesmo sendo a Polícia Federal, nós vamos matá-los”. Além disso, tem também o mercúrio usado para separar o ouro, que está no meio de tudo. Tudo isso é terrível. O presidente Lula vai mandá-los sair, mas talvez não o escutem. Eu também fico pensando sobre isso. Se o escutarem, todas as pessoas do Brasil e da Europa, aqueles outros que querem que ele mantenha a floresta amazônica em pé e saudável, para mim está certo se eles o mandarem cuidar da floresta e lhe derem dinheiro para que retire os garimpeiros. Se for criada uma frente mundial em que todos nós conversemos juntos, unindo as autoridades dos napëpë e nós, indígenas, então conseguiremos nos defender, pois nós, indígenas, já sabemos lutar. Essa não é a terra dos garimpeiros, e já que eles têm causado o horror em nossas terras, levando muita desgraça misturada, já que eles têm feito as crianças sofrerem, magras e desnutridas, já que o garimpo mata os Yanomami pelo mal das epidemias, pelo mal da fome nos rios Uraricoera, Mucajaí, nas cabeceiras do rio Catrimani, e também em Homoxi, Xitei, Parafuri e Parima, nós temos que lutar.
Mas, para curar a Terra-floresta, vocês precisam também baixar o preço do ouro, precisam cortar isso. Vocês, napëpë, que pedem ouro, que compram ouro, precisam parar. Vocês das lojas de ouro, precisam baixar o preço. Como o ouro é muito caro, os garimpeiros estão sempre invadindo minha terra. Você, mulher que entende nossa língua Yanomam, vai escrever e traduzir, e para aqueles que captam minha imagem, quando eu aparecer, quando vocês ouvirem minhas palavras, me levem a sério, concordem comigo, e digam: “Sim, é verdade! Nós erramos. Nós não sabemos respeitar. Até falamos em respeito, mas estamos enganando, nossas bocas não dizem a verdade”. Era isso que eu queria dizer a vocês.
Quando Lula se tornou presidente pela primeira vez, em 2003, ele mudou a regulação das ONGs, o que levou ao fim da Urihi-Saúde Yanomami. A Urihi fez um excelente trabalho de atendimento de saúde para os Yanomami [entre 1999 e 2004] e conseguiu erradicar a malária em sua terra. Hoje, estamos vendo a malária fora de controle. O que o governo deve fazer com relação à saúde indígena?
Foi o seguinte: no início, Lula errou. Ele não sabia pensar direito. E, por ter errado no início, aconteceu isso. Ele também fez [a Usina Hidrelétrica de] Belo Monte, e esse foi um grande erro. Estragou um grande rio sem razão. Também errou com a saúde indígena. Lula errou na saúde, no assunto de viver bem e saudável, e tudo enfraqueceu. Os remédios pararam de chegar, os funcionários napëpë que trabalham em nossas terras, como técnico de enfermagem, médico e dentista, passaram a trabalhar de forma precária, já que não enviavam material. Então eu sei um pouco sobre isso, mas escondo essas palavras. Quando Lula se tornar mesmo o presidente, eu quero falar de perto com ele. “Lula, você me conhece, você precisa melhorar a saúde indígena. Precisa limpar novamente a saúde indígena, fazer os técnicos e profissionais de saúde trabalharem de verdade”. No governo de Bolsonaro, são os políticos que escolhem os coordenadores de saúde; [com Lula] eu e os conselheiros locais [representantes de toda a Terra Indígena Yanomami] vamos sentar para indicar alguém que a gente conheça, que seja nosso amigo e que trabalhe bem com a gente, só assim a saúde vai melhorar. É isso que quero dizer a Lula. Já que a saúde é prioridade para podermos viver bem, para nossos filhos crescerem bem, e considerando que estamos em uma situação lastimável, vou reivindicar isso. O presidente Jair Bolsonaro acabou com a nossa saúde. Ele nos matou como se fôssemos peixes.
Lula disse que vai criar o Ministério dos Povos Originários. O que você pensa disso?
É verdade. Ele disse que faria isso caso se tornasse presidente. E, já que ele disse, agora temos mulheres indígenas jovens que possuem o conhecimento dos napëpë, sabem agir como napëpë. Existem também jovens que sabem agir como os napëpë, sabem usar as máquinas, os celulares. E, já que temos essas pessoas que sabem trabalhar assim, eu penso o seguinte: “Awei, presidente Lula, já que você disse com clareza, eu deixei isso fixado no meu pensamento”. Acho que a dra. Joenia [Wapichana] já tem experiência, pois ela trabalhou como deputada federal por 4 anos, ela já sabe lutar. Como ela é advogada, já sabe escutar os políticos, e por isso eu gostaria que Lula a indicasse para ministra. Se Joenia disser que deseja se tornar ministra dos Povos Originários, nós vamos apoiá-la, faremos ela assentar naquela cadeira. Ter uma mulher indígena assentada ali nos trará mais sabedoria. Temos outras, como Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, que acabaram de se eleger deputadas. A dra. Joenia não foi eleita, por isso estou pensando nela, que é muito inteligente e já sabe lutar. Então, foi isso que os meus sonhos disseram, e por isso fiz aparecer essa ideia.
Nós, napëpë, somos o povo da mercadoria e estamos acabando com as florestas e com o planeta. Por isso o mundo está preocupado com a crise climática, e para contê-la é preciso conservar as florestas. Sabemos que vocês têm sabedoria para isso. Que recado você teria a dar sobre esse assunto?
Todos os napëpë ficam falando de proteger as florestas. Falam de mudanças climáticas, desmatamento, poluição dos rios, mercúrio, doenças, mineração. Assim, Lula atentou para essas questões. Outras pessoas, os europeus, falam sobre as mudanças climáticas, fazem reuniões. Mas as pessoas não resolvem isso, não resolveram nada. Esse termo, “mudanças climáticas”, para mim é outra coisa. Eu chamo mesmo de “vingança da Terra”, de “vingança do mundo”, é assim que eu digo. Os napëpë chamam de “mudanças climáticas”, mas nós, Yanomami, quando fazemos xamanismo, chamamos de “transformação do mundo, tornar o mundo ruim já que os napëpë causam a revolta da Terra”. Os napëpë incendeiam as árvores; a Terra-floresta está com raiva, está se vingando, está fazendo chover muito, ter grandes ondas de calor, em alguns lugares está faltando água e em outros está chovendo demais, e outros ainda estão frios. Foi pelo fato de as pessoas dizerem isso, por termos ficado falando sobre isso, que Lula abriu seu pensamento. Ou melhor: talvez tenha aberto seu pensamento. Nós não sabemos o que ele esconde em seu coração. O que eu escondo em meu coração e em meu pensamento, o que nós escondemos das pessoas, é um segredo. Por isso talvez Lula esteja ainda nos enganando. Se o pensamento dele estiver nos enganando, ele vai resolver os pequenos problemas, mas não os grandes. Mas se outros napëpë, aqueles que vivem na outra margem do oceano [Europa], se eles forem ajudar e oferecerem um grande financiamento, talvez o pensamento de Lula mude. É assim que eu penso. Lula não cresceu sozinho. O povo levantou as palavras de Lula, vocês fizeram ele assentar naquela cadeira [da presidência]. Hoje em dia ele está mais velho, talvez tenha se tornado mais sábio.
Davi, você me disse que vocês, xamãs, ajudaram Lula a se eleger. Conte como foi isso, por favor.
Nós, xamãs que vivemos no Watorikɨ e também os outros xamãs de outras casas, como o Maxokapi, eu os mandei fazer isso [xamanismo para apoiar Lula]. Nós ajudamos Lula, nós o levantamos: eu, Carlos, os xamãs mais jovens, Tenose, Valmir, Dinarte, Geremias, Pernaldo, Manoel. Lula ficou apoiado na hutukara [céu]. Então os xamãs pediram para eu dizer a Lula: “Awei! Você quase perdeu. Se os espíritos xapiripë [xapiri = espírito auxiliar dos xamãs + pë = plural] não tivessem chegado ali, você não teria se tornado presidente outra vez. Você não os viu, eles estavam no Watorikɨ, e no dia 30 chegaram [até você]. Já que eles conhecem Brasília, já que Davi conhece aquela terra, nós, xapiripë, também conhecemos, nós olhamos no mapa e, pelo fato de termos chegado lá, nós tivemos vitória”.
Nós, xamãs de duas comunidades, trabalhamos por isso. Nós inalamos yakoana [pó da árvore virola sp, usado pelos xamãs para ver os xapiripë]. Chegamos até o grande xapiri, Omama, e dissemos a ele: “Awei! Você que é grande xapiri, que conhece o mundo inteiro, conhece todas as terras, já que seus olhos enxergam essas coisas por dentro e também pela superfície, já que seus olhos estão atentos a tudo o que ocorre no mundo, nós queremos elevar Lula para que ele se torne presidente outra vez, nós iremos apoiar o pensamento dele. Vamos manter nosso pensamento primeiro no céu, na hutukara, e assim ele vai se levantar [ter chances de ganhar a eleição]. O outro, Bolsonaro, aquele que tem a boca cheia de ignorância, se o povo dele o apoiar e o levantar, iremos sofrer muito. O presidente Jair Bolsonaro é terrível, e, se ele ganhar as eleições, aí sim ficaremos sofrendo. Ele é um apoiador da ditadura militar, portanto não faz amizade com a floresta. Não cuida dos rios e não sente tristeza por nós, povos da floresta”. Então, como Omama fez a nossa terra nos primeiros tempos, ele escreveu em um papel a expressão “defensor da floresta”, e foi isso que nós, xamãs, decidimos e dissemos: “Vamos escolher aquele que quer nos manter vivendo com saúde, vamos negar o papel onde está escrito o nome daquele que não quer o nosso bem-viver”.
Por causa disso, nós, do Watorikɨ, chegamos até Lula, chegamos a Brasília. Ao chegarmos lá, os napëpë não nos viram, pois chegamos bem suavemente. Com calma e devagar, chegamos até o pensamento dele. “Awei! Você, Lula, já que quer se tornar presidente outra vez, se apoie aqui onde Omama apoiou o nosso pensamento. Se você se apoiar aqui, vai se tornar o presidente. E, caso você se torne o presidente, queremos que você pense em nós em primeiro lugar. Diminua aqueles que estão sempre fazendo coisas ruins, torne-os pequenos. Feche esse buraco da maldade.”
Crise climática impacta chuvas, e dois terços do país enfrentam problemas no fornecimento de água
Maria Abi-Habib e Bryan Avelar
7 de agosto de 2022
O homem vestindo um boné de beisebol azul enche baldes com água de um caminhão do governo. Fonte: New York Times
O México —ou grande parte do país— está ficando sem água. Uma seca extrema tem deixado as torneiras secas, e quase dois terços dos municípios enfrentam escassez que vem obrigando as pessoas a encarar horas em filas para entregas de água feitas pelo governo em alguns locais.
A falta d’água está tão grave que moradores já fizeram barreiras em rodovias e sequestraram funcionários para exigir mais carregamentos. Os números são mesmo assustadores: em julho, 8 dos 32 estados enfrentaram estiagem de extrema a moderada, levando 1.546 dos 2.463 municípios a enfrentar cortes no fornecimento, segundo a Comissão Nacional de Água.
Em meados de julho, a seca atingia 48% do território do México —no ano passado, a situação afetou 28% do país.
Vincular uma seca isolada à crise climática requer análise, mas cientistas não têm dúvida de que o aquecimento global pode alterar os padrões de chuva no mundo e está elevando a probabilidade de ocorrência de secas.
A crise está especialmente aguda em Monterrey, um dos centros econômicos mais importantes do México, com uma região metropolitana de 5 milhões de habitantes. Alguns bairros estão sem água há 75 dias, levando escolas a fechar as portas antes das férias de verão. Um jornalista percorreu várias lojas à procura de água potável, incluindo um supermercado Walmart, em vão.
Baldes estão em falta no comércio ou são vendidos a preços astronômicos, enquanto os habitantes juntam recipientes para coletar a água distribuída por caminhões enviados aos bairros mais afetados. Alguns usam latas de lixo limpas, e crianças lutam para ajudar a carregar a água.
A crise afeta inclusive as regiões de alta renda. “Aqui a gente tem que sair à caça de água”, diz Claudia Muñiz, 38, cuja família frequentemente tem passado uma semana sem água corrente. “Num momento de desespero, as pessoas explodem.”
Monterrey fica no norte do México e viu sua população crescer nos últimos anos, acompanhando o boom econômico. O clima tipicamente árido da região não ajuda a suprir as necessidades da população, e a crise climática reduz as chuvas já escassas.
Hoje os moradores podem caminhar sobre o leito da represa da barragem de Cerro Prieto, que no passado era uma das maiores fontes de água da cidade e uma importante atração turística, com animados restaurantes à beira da água, pesca, passeios de barco e esqui aquático.
A chuva que caiu em julho em partes do estado de Nuevo León, que faz divisa com o Texas e cuja capital é Monterrey, representou apenas 10% da média mensal registrada desde 1960, segundo Juan Ignacio Barragán Villareal, diretor-geral da agência local de recursos hídricos. “Nem uma gota caiu no estado inteiro em março”, diz. Foi o primeiro março sem chuvas desde que se começou a registrar esses dados, em 1960.
Hoje o governo distribui 9 milhões de litros de água por dia para 400 bairros. O motorista de caminhão-pipa Alejandro Casas conta que, quando começou na função há cinco anos, ajudava os bombeiros e era chamado uma ou duas vezes por mês para levar água a um local incendiado. Ele passava muitos dias de trabalho apenas olhando para o telefone.
Mas desde janeiro ele trabalha sem parar, fazendo até dez viagens por dia, para suprir cerca de 200 famílias a cada vez. Quando ele chega a um local, uma longa fila já serpenteia pelas ruas. Pessoas levam recipientes que comportam até 200 litros e passam a tarde sob o sol para receber água só à meia-noite —e ela pode ser a única entregue por até uma semana.
Ninguém policia as filas, por isso é comum ocorrerem brigas, com moradores de outras comunidades tentando se infiltrar. Em maio o caminhão de Casas foi assaltado por jovens que subiram no assento do passageiro e o ameaçaram, exigindo que ele levasse o veículo ao bairro deles. “Se a gente não fosse para onde eles queriam, iam nos sequestrar.”
Casas seguiu a ordem, encheu os baldes dos moradores e foi libertado.
Maria de los Angeles, 45, nasceu e cresceu em Ciénega de Flores, cidade próxima a Monterrey. Ela diz que a crise está afetando sua família e seu negócio. “Nunca antes vi isso. Só temos água nas torneiras a cada quatro ou cinco dias”, diz.
O viveiro de plantas de jardim é a única fonte de renda de sua família e requer mais água do que a que chega apenas ocasionalmente às torneiras. “Toda semana sou obrigada a comprar um tanque que me custa 1.200 pesos [R$ 300] de um fornecedor particular”, diz. É metade de sua receita semanal. “Não aguento mais.”
Pequenos e microempresários como ela estão frustrados por serem abandonados à própria sorte, enquanto as grandes indústrias podem operar quase normalmente: as fábricas conseguem receber 50 milhões de metros cúbicos de água por ano, devido a concessões federais que lhes garantem acesso especial aos aquíferos da cidade.
O governo está tendo dificuldade em responder à crise. Para tentar mitigar estiagens futuras, o estado está investindo US$ 97 milhões na construção de uma estação de tratamento de águas servidas e pretende comprar água de uma estação de dessalinização em construção num estado vizinho. Também gastou US$ 82 milhões para alugar mais caminhões, pagar motoristas adicionais e cavar mais poços.
O governador de Nuevo León, Samuel García, recentemente exortou o mundo a agir em conjunto para combater a crise climática. “Ela nos alcançou”, escreveu no Twitter. “Hoje precisamos cuidar do ambiente, é uma questão de vida ou morte.”
O aniversário de 30 anos da homologação da Terra Indígena Yanomami, em 25 de maio de 1992, foi comemorado com uma série de eventos festivos e políticos em uma comunidade localizada na área ocupada pela etnia, entre os estados de Roraima e Amazonas.
Uma assembleia de líderes de diferentes comunidades de povos yanomami e ye’kwana marcou o encerramento de uma semana de atividades, na segunda-feira (30).
Em meio à festa, as ameaças recentes aos moradores da área foram narradas por vítimas diretas de estupros e agressões e debatidas por políticos e lideranças indígenas de todo o país, presentes para uma demonstração de união do movimento indígena e de apoio à Hutukara, a organização yanomami liderada por Davi Kopenawa, que coordenou o evento.
Durante o encontro foi anunciada a formação de uma associação de líderes das etnias mais afetadas pelas recentes invasões de garimpeiros e grileiros, desde o início do governo Jair Bolsonaro.
A Aliança em Defesa dos Territórios junta representantes kayapó, munduruku, yanomami e ye’kwana, tendo entre seus porta-vozes o cacique Megaron, liderança tradicional da Terra Indígena do Xingu e sobrinho do cacique Raoni Metuktire.
A comemoração aconteceu na comunidade de Xihopi, no sul da área yanomami, ao norte do Amazonas. A comunidade é localizada em uma vasta área de floresta bem preservada, distante das regiões mais assediadas pelo garimpo ilegal.
Os eventos foram marcados por manifestações políticas de yanomami, de diversos líderes indígenas de outras áreas do país e personalidades não indígenas do Brasil e de outros países, como a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), o cacique Megaron Txucarramãe e o ativista Ailton Krenak.
Também esteve presente o ex-presidente da Funai (1991-93) Sydney Possuelo, que foi responsável pela demarcação da terra, em 1992, durante o governo do presidente Fernando Collor.
Aos 82 anos, Possuelo foi homenageado pelas lideranças presentes como o presidente da Funai que reconheceu mais terras indígenas, cerca de 170, em sua gestão de três anos.
FESTA E DEBATES
As comemorações na comunidade de Xihopi tiveram início no dia 23, com uma festa de recepção para cerca de 500 pessoas. Os yanomami costumam receber os forasteiros para suas festas com danças e pinturas dos que chegam.
Depois, no centro da praça central da maloca, líderes de fora e da comunidade, dois a dois, fazem um ritual de troca de informações, em que narram, como em um espetáculo de repentistas, episódios acontecidos nos últimos tempos, desde o último encontro.
É um ritual ao mesmo tempo artístico (musical e poético) e informativo. Essa atividade pode durar toda a noite da chegada dos visitantes.
No dia seguinte, começou um fórum de dois dias, em que lideranças debateram as ameaças recentes aos direitos indígenas no cenário político nacional e perspectivas para os próximos 30 anos. Falaram representantes indígenas locais e os de outras regiões do país. À noite foram apresentados filmes.
O segundo dia do fórum foi marcado por uma série de depoimentos de representantes de comunidades da terra indígena.
Os mais chocantes foram os relatos dos moradores das comunidades mais assediadas pelos invasores, como Fernando, líder de Palimiú, onde no ano passado garimpeiros ligados a organizações criminosas dispararam tiros e jogaram bombas caseiras durante vários dias, depois que a comunidade realizou um bloqueio sanitário no rio Uraricoera, para impedir a disseminação da Covid-19 na região.
Outro depoimento impressionante foi o de uma líder chamada Noêmia, que descreveu a sedução de jovens de sua comunidade: os garimpeiros, que antes “compravam” adesões com ouro, agora usam sistematicamente a cocaína, até então desconhecida entre os indígenas –também mais um sinal da associação entre os traficantes de ouro e de drogas, na organização do garimpo.
DOCUMENTO DE UMA IDEOLOGIA
O ex-presidente da Funai Sydney Possuelo apresentou um documentário sobre a campanha pela criação da Terra Yanomami e sobre sua homologação, seguida da demarcação da terra em 90 dias, até hoje um recorde.
O filme narra o combate à invasão garimpeira iniciada em meados dos anos 1980, que chegou a juntar cerca de 40 mil mineradores ilegais dentro da área.
As invasões geraram uma epidemia de malária e a morte de cerca de 15% da população yanomami no Brasil. Antes de iniciar a demarcação, o governo federal retirou os invasores.
O documentário mostra também a fórmula usada para a expulsão: vigilância das entradas da terra indígena, asfixiando o abastecimento dos trabalhadores ilegais. Depois da exibição, Possuelo comentou que o método poderia ser usado para expulsar os invasores atuais.
O filme deixa clara a inversão do ideário conservador sobre a questão indígena ao longo das últimas décadas: 30 anos atrás, o reconhecimento da terra foi feito por um presidente conservador, eleito com um programa liberal, e o processo foi conduzido por um ministro da Justiça com formação militar, o coronel Jarbas Passarinho, que teve participação intensa como ministro de vários governos da ditadura.
Como relator na Assembleia Constituinte, Passarinho foi o autor do texto sobre direitos indígenas da Constituição de 1988, que ele baseou no Estatuto do Índio, da Constituição outorgada pelo governo militar, em 1969.
Em seu discurso, diante da sede da Presidência, em Brasília, Collor justificou a homologação com base no programa de governo vitorioso nas urnas na campanha de 1989 (ele venceu o PT de Lula).
Trinta anos depois, a cúpula do governo atual, que também se reivindica conservador e liberal, promete não demarcar terras indígenas, frequentemente defende o garimpo ilegal em terras protegidas e apresenta os direitos indígenas como se fossem ameaça à soberania nacional ou representação de interesses estrangeiros. Uma análise dessa mudança ideológica desafia os estudiosos de ciência política.
DISCURSO APOCALÍPTICO
A última intervenção da mesa que buscou projetar os desafios para a Terra Yanomami nos próximos 30 anos foi feita pelo anfitrião Davi Kopenawa.
Desafinando o tom festivo de outros líderes, que buscavam imprimir uma mensagem otimista, Davi fez um discurso bastante duro, de tom apocalíptico, referindo-se ao grave risco colocado pelas mudanças climáticas que afetam o planeta e o seu agravamento pela destruição das florestas, desde logo na Terra Yanomami.
“No começo do mundo, o céu caiu e matou o primeiro povo que nasceu. Nós somos o segundo povo, aquele que segurou o céu e pôde sobreviver”, narrou, resumindo a cosmogonia presente em seu livro “A Queda do Céu”, de 2015, para então dizer que atualmente vivemos o risco de um novo fim.
“Nós, povos indígenas do Brasil, não vamos morrer sozinhos. Vão morrer os indígenas, os não indígenas, o meio ambiente, morrem as florestas, suja a água, morre todo o planeta. O petróleo estragou o ar da terra, que foi criado para nós respirarmos. Agora, o que nós perguntamos é se vamos morrer queimados ou afogados? É o que estamos vendo por toda parte. Mas nós, yanomami, vamos morrer lutando.”
PAJELANÇA E ARCO-ÍRIS
Na quarta-feira, 25, à tarde, terminados os depoimentos, aconteceu um evento de forte significado espiritual para os indígenas: por ocasião dos 30 anos da criação da Terra Indígena, 30 xamãs realizaram uma “pajelança”, uma longa performance em que, um a um, ingerem o pó alucinógeno yãkoana usado pelos pajés.
Sob efeito da droga, empreendem uma viagem espiritual a um mundo invisível aos demais, onde encontram espíritos chamados “xapiri”, que têm função mercurial, de ligação entre os diversos planos do cosmos.
Durante esse processo, os xamãs, um após o outro, fazem um espetáculo de dança e cantos tradicionais, no qual narram o que estão ouvindo dos espíritos “xapiri”.
Depois dessa pajelança, na praça central da maloca de Xihopi, quando Davi Kopenawa se reunia com jovens da comunidade para fazer uma foto coletiva, um grande arco-íris se formou no céu, emoldurando seu encontro com Ailton Krenak, seu companheiro do início do movimento indígena que resistiu à ditadura militar, no fim dos anos 1970, e reivindicou os direitos conquistados na Constituição de 1988.
Davi atribuiu o arco-íris ao chamado dos xamãs.
LISTA DE PERSONALIDADES PRESENTES
Líderes indígenas presentes
Deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR);
Cacique Megaron Txucarramãe, Terra Indígena do Xingu;
Ativista e escritor Ailton Krenak;
Cacique Dotô Takak Ire, Kayapó da Terra Indígena Mekragnoti;
Alessandra Munduruku, da Federação de Povos Indígenas do Pará;
Pajé Fabiano Karo Munduruku, de Itaituba (PA);
Maial Paiakan Kayapó, Terra Indígena Kayapó;
Ianukulá Kaiabi, da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix);
Watatakalu Yawalapiti, do Movimento Mulheres do Xingu.
A líder da APIB (Associação dos Povos Indígenas do Brasil) Sonia Guajajara, não pode embarcar por ter contraído a Covid-19.
Outras personalidades presentes
Senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA);
Jan Jarab, observador para a América do Sul do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU;
Lívia Kramer, representante do governo da Noruega;
Fiona Watson, da ONG Survival International;
Anne Groenlund, da Rainforest Foundation;
Daniela Lerda, da ONG internacional Nia Tero;
Rodrigo Junqueira e Marcos Wesley, do Instituto Socioambiental;
Sydney Possuelo, ex-presidente da Funai;
Corrado Dalmonego, missionário católico;
Carlo Zacquini, missionário católico, trabalha com os Yanomami desde os anos 1960.
O jornalista viajou a convite da Hutukara Associação Yanomami
Povos da Amazônia viraram alvo de garimpeiros e facções que querem roubar suas terras e seus direitos
Carlos Fausto
21 de maio de 2022
[RESUMO] Em abril, mês em que se comemora o Dia do Índio, inúmeros relatos de assassinato, intimidação e estupro de indígenas ganharam repercussão na imprensa, exemplos trágicos que se repetem em um quadro de falta de fiscalização, investigações superficiais e normalização da violência por parte da sociedade.
“A Marca da Maldade”, filme de Orson Welles de 1958, começa com um plano-sequência no qual um homem arma uma bomba e a coloca no porta-malas de um carro. O plano dura mais de três minutos, nos quais a vida flui normalmente. A tragédia, porém, está anunciada. Sabemos o que vai acontecer, apesar de não sabermos quando.
Nos últimos anos, bombas vêm sendo colocadas em muitas partes da Amazônia, visando especialmente as terras indígenas. Como são múltiplas e plantadas por vários atores em diferentes lugares, acabam por minar nossa capacidade de reação. O excesso desorienta, e a violência se vê normalizada.
A ampla divulgação desses episódios é um fato positivo, que resulta, sobretudo, do acesso dos indígenas à internet. Contudo, sempre que são noticiados, logo surge uma reação para desacreditar os relatos.
Os órgãos responsáveis fazem uma investigação superficial e concluem que não há evidências de crime –como se crime não houvesse na própria invasão de terras protegidas, na derrubada da cobertura florestal, na contaminação de cursos d’água e nas ameaças à população indígena local.
Já assistimos a isso na história da Amazônia. O caso mais célebre é o do genocídio perpetrado pelos barões da borracha, no Peru e na Colômbia, nas primeiras décadas do século 20.
O sistema extrativista ali funcionava à base de assassinatos, tortura e estupros, mas poucos queriam acreditar nisso, mesmo quando testemunhas oculares davam conta de que se “matava a sangue frio”, que “os corpos eram devorados por cães”, que “as crianças eram desmembradas e jogadas ao fogo” (conforme registros do “Libro Azul Británico: Informes de Roger Casement y Otras Cartas sobre las Atrocidades en el Putumayo”).
Há algumas semanas, os parakanãs da bacia do Tocantins veem-se ameaçados pela população de Novo Repartimento (PA). Em 24 de abril, três jovens invadiram a terra indígena para caçar e desapareceram. Vários áudios logo começaram a circular na região: “Vamos entrar na aldeia e vamos começar a matar índio” ou “vamos reunir 200 homens armados para botar os índios para correr”.
Esses áudios desenterraram fantasmas que pareciam sepultados. Em 1930, o então diretor da Estrada de Ferro do Tocantins reuniu um grupo armado para atacar os asurinis, que, junto com os parakanãs, “atrapalhavam” a construção da ferrovia. O grupo alcançou um acampamento asurini e matou vários indígenas, incluindo mulheres e crianças.
No retorno da expedição, o chefe de polícia segredou ao funcionário local do Serviço de Proteção aos Índios: “O meu galão é o refrigério de minha família, mas eu prefiro perdê-lo a fazer outra viagem com o mesmo fim desta feita agora; nunca vi tanta barbaridade” (trecho do inquérito da Inspetoria do Pará e Maranhão sobre massacre sofrido por índios bravios em Tocantins, julho de 1930).
Quarenta anos depois do massacre, a Transamazônica cortaria o território dos parakanãs, levando à sua “pacificação”, como se costuma chamar o desastroso processo que, no caso, causou a morte de um terço da população. Desde então, as relações com a população local foram se acomodando, mas agora parecem ter azedado de vez.
Em 30 de abril, os corpos dos caçadores foram encontrados dentro da Terra Indígena Parakanã, levando a novas ameaças nas redes sociais, inclusive uma que propunha “leis de extermínio a toda essa raça e seus defensores”.
No dia 2 de maio, os parakanãs responderam, divulgando uma nota dirigida aos “Prezados amigos(as) e irmãos(ãs) toria (não indígena) de Novo Repartimento e familiares”, na qual afirmam: “Sempre nós vivemos aqui. Vocês chegaram depois, nasceram depois. Por isso nós queremos dizer para que não nos ameace, não digam que não nos querem na cidade, pois esse lugar é nosso também. Nós desejamos viver em paz. Não lancem o seu ódio contra os awaete, pois isso não é justo” (Grupo de Maroxewara –awaete parakanã).
Alguns dias antes desse episódio, a 2.000 quilômetros dali, os kanamaris da aldeia Jarinal, na Terra Indígena Vale do Javari, no sudoeste da Amazônia, tiveram suas casas invadidas por garimpeiros.
Eles chegaram exigindo tratamento médico pela equipe da Secretaria Especial de Saúde Indígena. Uma vez atendidos, não partiram. Fizeram festa até o amanhecer, obrigando os kanamaris a beber uma mistura de gasolina e água.
Situada no médio curso do rio Jutaí, Jarinal é uma aldeia bastante remota. No alto curso do rio, vivem povos em isolamento voluntário, tornando a área ainda mais sensível. Apesar das promessas, a Funai (Fundação Nacional do Índio) jamais implantou uma base avançada na região.
De início, aliás, o próprio órgão duvidou dos relatos dos kanamaris. Foi preciso que um representante do Conselho Indígena Kanamari do Juruá e Jutaí (Cikaju) enviasse áudios e fotos por WhatsApp para que se pudesse embasar a denúncia oferecida ao MPF (Ministério Público Federal).
Uma semana depois, o cacique de Jarinal comunicou que estava sendo ameaçado de morte, dessa vez por caçadores de uma fazenda contígua à terra indígena, que se utilizam regularmente de trilhas dentro da área.
Ainda no mesmo mês de abril, outra tragédia atingiu os povos indígenas, dessa vez em Roraima. Em 25 de abril, Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena local, denunciou que uma menina yanomami de 12 anos havia sido estuprada e morta por garimpeiros na comunidade de Aracaçá, na região de Waikás. Após ampla divulgação pela imprensa, uma equipe com agentes da Polícia Federal se deslocou para lá.
No dia seguinte, já se noticiava que não havia indícios de crime. Lançavam-se, assim, dúvidas sobre a veracidade da denúncia. A maquinaria para desacreditar os “relatos” indígenas fora novamente posta em ação.
Em nota de 29 de abril, Júnior Hekurari afirma que, ao chegarem à comunidade de Aracaçá, dois dias antes, encontraram a aldeia vazia e em chamas. Após certo tempo, alguns moradores apareceram, mas afirmaram que nada podiam dizer, pois haviam recebido 5 gramas de ouro para ficarem em silêncio. A cultura da sedução e do terror, tão bem-conhecida na história da Amazônia, impera na região.
Estupro e morte se tornaram fatos corriqueiros nas áreas invadidas da Terra Indígena Yanomami. No relatório “Yanomami sob ataque” (2022), da Hutukara Associação Yanomami, encontram-se vários depoimentos na língua indígena, acompanhados de tradução, que deixam isso nítido.
Eis um trecho ilustrativo de um depoimento de uma mulher: “Estão transando muito com as mulheres. É tanto assim que, em 2020, três moças, que tinham apenas por volta de 13 anos, morreram. Os garimpeiros transaram muito com essas moças, embriagadas de cachaça. Elas eram novas, tendo apenas tido a primeira menstruação”.
Bebida, estupro, violência, intimidação, morte. Os indígenas são violados, o ambiente é violado, e você que nos lê, também é (ainda que pense nada ter a ver com isso).
Não é de surpreender que facções criminosas estejam atuando nos garimpos da região. Afinal, é um negócio lucrativo, sem fiscalização, que conta com o beneplácito de várias instâncias de governo.
Os povos indígenas resistem, mas hoje viraram alvos do ódio de uma facção política que lhes quer roubar os direitos e as terras garantidos pela Constituição de 1988. Não se enganem: o que temos diante de nós não é uma derrota política, mas uma regressão civilizacional.
Segredo de polichinelo: ao final do magistral plano-sequência de Orson Welles, a bomba explode e o carro, lançado aos ares, é consumido pelas chamas. É urgente desarmar as bombas e, como costumam dizer os indígenas, “pacificar os brancos”.
São contundentes as conclusões do relatório da Hutukara Associação Yanomami sobre os efeitos nocivos do garimpo ilegal na maior reserva do país, que reúne cerca de 30 mil indígenas numa área de 9 milhões de hectares entre Amazonas e Roraima. Como mostrou O GLOBO, em apenas um ano (de 2020 a 2021), a devastação cresceu 46%, maior taxa desde a demarcação das terras ianomâmis em 1992. A destruição, evidenciada pelas crateras no meio da floresta e pelos rios contaminados com mercúrio, pode ser a ponta mais visível, mas não é a única tragédia. Com o desmatamento, forasteiros levam doenças, violência, drogas e terror.
Segundo o relatório, as aldeias enfrentam uma explosão de casos de malária — em algumas regiões, o aumento foi de mais de 1.000% em dois anos. Comida é outro problema crônico. Estudos mostram que 60% das crianças estão desnutridas. No fim do ano passado, imagens de crianças ianomâmis com as costelas à mostra chocaram o mundo. A situação é agravada pela estrutura precária de saúde e pelas grandes distâncias que separam as aldeias dos postos de atendimento médico.
Estima-se que existam 20 mil garimpeiros ilegais nas terras ianomâmis, sob vista grossa dos órgãos ambientais. Nesse cenário sem lei, os indígenas se tornam presas fáceis de esquemas criminosos. Há relatos de aliciamento de menores, abuso sexual de mulheres e crianças e oferecimento de drogas e bebidas alcoólicas aos indígenas. De acordo com a Hutukara, ao menos três crianças já foram mortas depois de ser abusadas por garimpeiros ilegais.
Não surpreende que a violência impere nesse ambiente de anomia. Na segunda-feira, um conflito entre indígenas numa área de garimpo dentro da terra ianomâmi deixou dois mortos (um indígena e um garimpeiro) e cinco feridos. Segundo relatos, índios tireis, apoiados por garimpeiros, invadiram a aldeia pixanehabi, contrária à exploração mineral na reserva.
Seria incorreto dizer que o Ibama e a Polícia Federal não agem. Na terça-feira, foi deflagrada a Operação Escudo de Palha, para combater o desmatamento ilegal numa comunidade indígena de Mato Grosso. Mas essas ações esporádicas são insuficientes. Além disso, são notórios o desmonte da fiscalização ambiental e a falta de empenho do governo para enfrentar madeireiros, grileiros e garimpeiros ilegais. Infelizmente, a sinalização que emana do Palácio do Planalto é outra.
Durante uma pajelança no Ministério da Justiça no mês passado, o presidente Jair Bolsonaro foi condecorado com a Medalha do Mérito Indigenista, concedida pela Funai “pelos serviços relevantes relacionados com o bem-estar, a proteção e a defesa das comunidades indígenas”. Bolsonaro foi um dos 26 agraciados, entre os quais estavam dez integrantes do primeiro escalão do governo. Para fazer jus à homenagem, presidente e ministros poderiam se esforçar para interromper a tragédia humanitária que se abate sobre os ianomâmis e envergonha o país.
Previsões incluem incerteza e instabilidade crescentes e mais polarização e populismo
A Comunidade de Inteligência dos EUA (CI), federação de 17 agências governamentais independentes que realizam atividades de inteligência, divulgou uma pesquisa sobre o estado do mundo em 2040.
E o futuro é sombrio: o estudo alerta para uma volatilidade política e crescente competição internacional ou mesmo conflito.
O relatório intitulado “Globo Trends 2040 – A More Contested World” (“Tendências Globais 2040 – Um Mundo Mais Disputado”, em português) é uma tentativa de analisar as principais tendências, descrevendo uma série de cenários possíveis.
É o sétimo relatório desse tipo, publicado a cada quatro anos pelo Conselho Nacional de Inteligência desde 1997.
Não se trata de uma leitura relaxante para quem é um líder político ou diplomata internacional – ou espera ser um nos próximos anos.
Em primeiro lugar, o relatório foca nos fatores-chave que vão impulsionar a mudança.
Um deles é a volatilidade política.
“Em muitos países, as pessoas estão pessimistas sobre o futuro e estão cada vez mais desconfiadas de líderes e instituições que consideram incapazes ou relutantes em lidar com tendências econômicas, tecnológicas e demográficas disruptivas”, adverte o relatório.
Tensão entre EUA e China pode dividir o mundo, diz relatório
Democracias vulneráveis
O estudo argumenta que as pessoas estão gravitando em torno de grupos com ideias semelhantes e fazendo demandas maiores e mais variadas aos governos em um momento em que esses mesmos governos estão cada vez mais limitados no que podem fazer.
“Essa incompatibilidade entre as habilidades dos governos e as expectativas do público tende a se expandir e levar a mais volatilidade política, incluindo crescente polarização e populismo dentro dos sistemas políticos, ondas de ativismo e movimentos de protesto e, nos casos mais extremos, violência, conflito interno, ou mesmo colapso do estado”, diz o relatório.
Expectativas não atendidas, alimentadas por redes sociais e tecnologia, podem criar riscos para a democracia.
“Olhando para o futuro, muitas democracias provavelmente serão vulneráveis a uma erosão e até mesmo ao colapso”, adverte o texto, acrescentando que essas pressões também afetarão os regimes autoritários.
Pandemia, uma ‘grande ruptura global’
O relatório afirma que a atual pandemia é a “ruptura global mais significativa e singular desde a 2ª Guerra Mundial”, que alimentou divisões, acelerou as mudanças existentes e desafiou suposições, inclusive sobre como os governos podem lidar com isso.
Analistas previram ‘grande pandemia de 2023’, mas não associaram à covid
O último relatório, de 2017, previu a possibilidade de uma “pandemia global em 2023” reduzir drasticamente as viagens globais para conter sua propagação.
Os autores reconhecem, no entanto, que não esperavam o surgimento da covid-19, que dizem ter “abalado suposições antigas sobre resiliência e adaptação e criado novas incertezas sobre a economia, governança, geopolítica e tecnologia”.
As mudanças climáticas e demográficas também vão exercer um impacto primordial sobre o futuro do mundo, assim como a tecnologia, que pode ser prejudicial, mas também trazer oportunidades para aqueles que a utilizarem de maneira eficaz e primeiro.
Competição geopolítica
Internacionalmente, os analistas esperam que a intensidade da competição pela influência global alcance seu nível mais alto desde a Guerra Fria nas próximas duas décadas em meio ao enfraquecimento contínuo da velha ordem, enquanto instituições como as Nações Unidas enfrentam dificuldades.
Pessoas estão gravitando em torno de grupos com ideias semelhantes e fazendo demandas maiores e mais variadas aos governos em um momento em que esses mesmos governos estão cada vez mais limitados no que podem fazer, diz relatório
Organizações não-governamentais, incluindo grupos religiosos e as chamadas “empresas superestrelas da tecnologia” também podem ter a capacidade de construir redes que competem com – ou até mesmo – driblam os Estados.
O risco de conflito pode aumentar, tornando-se mais difícil impedir o uso de novas armas.
O terrorismo jihadista provavelmente continuará, mas há um alerta de que terroristas de extrema direita e esquerda que promovem questões como racismo, ambientalismo e extremismo antigovernamental possam ressurgir na Europa, América Latina e América do Norte.
Os grupos podem usar inteligência artificial para se tornarem mais perigosos ou usar realidade aumentada para criar “campos de treinamento de terroristas virtuais”.
A competição entre os EUA e a China está no centro de muitas das diferenças nos cenários – se um deles se torna mais bem-sucedido ou se os dois competem igualmente ou dividem o mundo em esferas de influência separadas.
Um relatório de 2004 também previu um califado emergindo do Oriente Médio, como o que o autodenominado Estado Islâmico tentou criar na última década, embora o mesmo estudo – olhando para 2020 – não tenha capturado a competição com a China, que agora domina as preocupações de segurança dos EUA.
O objetivo geral é analisar futuros possíveis, em vez de acertar previsões.
Democracias mais fortes ou ‘mundo à deriva’?
Existem alguns cenários otimistas para 2040 – um deles foi chamado de “o renascimento das democracias”.
Isso envolve os EUA e seus aliados aproveitando a tecnologia e o crescimento econômico para lidar com os desafios domésticos e internacionais, enquanto as repressões da China e da Rússia (inclusive em Hong Kong) sufocam a inovação e fortalecem o apelo da democracia.
Mas outros são mais desanimadores.
“O cenário do mundo à deriva” imagina as economias de mercado nunca se recuperando da pandemia de Covid, tornando-se profundamente divididas internamente e vivendo em um sistema internacional “sem direção, caótico e volátil”, já que as regras e instituições internacionais são ignoradas por países, empresas e outros grupos.
Um cenário, porém, consegue combinar pessimismo com otimismo.
“Tragédia e mobilização” prevê um mundo em meio a uma catástrofe global no início de 2030, graças às mudanças climáticas, fome e agitação – mas isso, por sua vez, leva a uma nova coalizão global, impulsionada em parte por movimentos sociais, para resolver esses problemas.
Claro, nenhum dos cenários pode acontecer ou – mais provavelmente – uma combinação deles ou algo totalmente novo pode surgir. O objetivo, dizem os autores, é se preparar para uma série de futuros possíveis – mesmo que muitos deles pareçam longe de ser otimistas.
As negociações e os conflitos que decorrem delas fazem parte da vida em sociedade e, ainda que a prática da negociação seja mais fortemente associada ao ambiente empresarial, ela está presente em delicadas questões geopolíticas, impasses orçamentários em empresas e mesmo em questões domésticas e relações familiares e corporativas.
Para o psicólogo Daniel Shapiro, fundador do Programa Internacional de Negociação da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, o que essas situações têm em comum é a alta carga emocional, que despertam reações inconscientes que inviabilizam avanços.
Polarizações, sejam políticas ou entre pessoas da mesma família, diz, são reações emocionais complicadas, mas nem por isso impossíveis. Em “Negociando o Inegociável”, lançado em julho no Brasil pela GloboLivros, Shapiro detalha o que pretende ser um manual para lidar com essas emoções e chegar a soluções.
A experiência na mediação de conflitos –Shapiro trabalhou em negociações entre a China continental e Taiwan, em diferentes partes da África, no conflito israelo-palestino e na Europa central na virada do comunismo para o capitalismo– levou ao aprimoramento dessa metodologia que batizou de “teoria da identidade relacional”.
Daniel Shapiro, fundador do Programa Internacional de Negociação da Universidade de Harvard – Divulgação
Shapiro diz ter identificado as cinco principais tentações —vertigem, compulsão à repetição, tabus, ataque ao sagrado e política de identidade— a partir da observação de um exercício repetido por ele em diversos ambientes e com diferentes audiências.
Na simulação, o grupo é estimulado a se agrupar em tribos com valores comuns —uma identidade é forjada entre eles. Organizados esses grupos, um alienígena invade a sala e faz uma única exigência: “escolham um único líder para representá-lo ou destruirei o mundo.” Invariavelmente, diz Shapiro, o mundo explode.
A primeira dessas experiências foi no Estado da Macedônia, sob tensão e iminente conflito étnico, ainda nos anos 1990. Naquele que talvez seja o mais curioso, “o mundo explodiu em Davos” —45 líderes mundiais, entre políticos e grandes executivos, foram convidados a participar da dinâmica.
A racionalidade, ou pressupor que os lados estejam sendo racionais no diálogo, segundo ele, não é suficiente. “Supomos que cada lado realmente tenha uma preocupação racional e use processos racionais para satisfazer essas preocupações. Quando se trata desses conflitos de grande carga emocional, não é suficiente.”
Segundo Shapiro, é a identidade o elemento invisível que, em conflitos de grande carga emocional, acaba ativando o que ele chama de efeito das tribos, um estado mental de alerta e polarização.
Com a pandemia, diz o psicólogo, estamos todos sob intenso estresse, o que torna as chances de as negociações terminarem em um acordo ainda menores. “É como reunir grupos de identidades distintas para negociar em uma sala escura e apertada.”
Veja os principais trechos da entrevista concedida à Folha por videoconferência.
Novo livro O trabalho que faço é em negociação e solução de conflitos. Estou nessa área há 30 e poucos anos —e minha calvície é a prova disso. Tenho observado como as pessoas negociam, o que funciona e o que não funciona nos mais significativos conflitos de nossas vidas, sejam profundamente políticos, ou desafios diários carregados de emoção.
O que descobri é que as pessoas tendem a negociar em um nível irracional. Supomos que cada lado realmente tenha uma preocupação racional e use processos racionais para satisfazer essas preocupações. Quando se trata desses conflitos de grande carga emocional, a racionalidade não é suficiente.
Como podemos entender e lidar com as dimensões mais profundas desses conflitos? Então, “Negociando o Inegociável” é uma forma de explorar essas dimensões do conflito que levam à polarização e como podemos entender mais profundamente esses conflitos –e que eu coloco na categoria da identidade.
Existem tantos bons livros por aí que oferecem soluções rápidas, que oferecem respostas fáceis para lidar com problemas difíceis. Mas para realmente chegar à raiz dos problemas que enfrentamos em nossas sociedades e em nossas vidas, precisamos compreender profundamente essas dimensões. O papel da emoção, o papel da identidade e como eles nos afetam e como os afetamos para uma mudança construtiva.
As cinco tentações Por que as sociedades e as famílias estão polarizadas? Mesmo quando se trata de um enorme custo emocional para pais, filhos, avós, por que fazemos isso? Essa é a questão sobre a qual venho pensando há muitos anos.
Em “Negociando o Inegociável”, discuto os cinco principais instigadores da mentalidade da tribo, que chamo de tentações. Eles são os instigadores de conflitos. No momento em que nossa identidade parece ameaçada, essas tentações começam a nos tentar em direção à mente tribal.
Desenvolvendo o método Assistindo àquele exercício da tribo, e o mundo explodindo de novo e de novo, me pergunto o que está acontecendo. Como essas pessoas, os líderes mais racionais do mundo, pessoas afetivas e amorosas estão explodindo o mundo de novo. Por quê? Cinco tentações, cinco iscas.
Capa do livro Negociando o Inegociável, de Daniel Shapiro – Divulgação/Globo Livros
Vertigem Primeiro, entramos rapidamente no que chamo de vertigem. A ideia aqui é que, se entrarmos em um conflito com meu cônjuge, muito rapidamente podemos ser consumidos nesse conflito e uma discussão de dois minutos sobre quem deveria ter lavado a louça se transforma em duas horas de discussão horrível. Estamos em vertigem.
As polarizações dos Estados Unidos estão indiscutivelmente em um lugar de vertigem, consumidos no conflito, pensando estritamente sobre isso não podemos ver o quadro geral, estamos presos em nosso próprio pequeno lugar. Estamos presos na vertigem.
A palavra significa tontura, e essa é a experiência aqui. De repente, estou consumido pela vertigem, perco a noção de tempo e espaço e minha compreensão de tudo some. Parece sair daqui, um dos caminhos é perguntar “qual é o meu propósito nesse conflito?”.
Compulsão à repetição Como seres humanos, tendemos a repetir os mesmos padrões de comportamento disfuncionais de novo e de novo e de novo. Seja no sistema familiar, todos podemos prever os conflitos que teremos no domingo à noite, com a esposa ou filhos. Sabemos o que cada pessoa vai dizer, sabemos o que elas vão fazer e como vamos nos sentir depois. É uma compulsão à repetição.
E também somos muito bons em prever, por meio de intuição e palpite, em um nível nacional ou local, “opa, lá vamos nós de novo”. E esse é um daqueles momentos em que um grupo vai dizer isso, o outro vai dizer aquilo, e começarão apontar o dedo um para o outro e vai levar à violência.
O problema como essa repetição é que esse padrão vira parte da nossa identidade e vira uma tatuagem. É muito difícil de se livrar disso, é mais que um simples hábito, é muito mais profundo. A saída para a compulsão à repetição é tomar ciência disso e realmente olhar para esse padrão em que eu costumo entrar com aquela pessoa. Por que e como eu posso me livrar disso.
Tabus O que, na sociedade brasileira, é um tabu de se conversar? Se você falar de certo assunto, vai ter muitos problemas, será punido, rejeitado socialmente e corre o risco de ser agredido fisicamente.
Uma coisa que é um tabu nos Estados Unidos é um apoiador do Trump e um do Biden sentarem lado a lado para uma refeição. Como se um lado fosse contaminar o outro. O medo não é infundado.
Acho que, no momento em que uma pessoa de um lado olha alguém de sua tribo se associar com alguém da tribo oposta, bem, um tabu da associação acaba de ser quebrado. “Você está traindo nossa tribo? Está traindo nossa gente? Não fale com eles!” Bem, mas como você pode solucionar um conflito, como você reduz as polarizações se os lados não conversam.
Ataque ao sagrado Toda tribo política, toda família tem crenças, valores que considera sagrados. Se você sente que eu a ofendi ou ameacei aquilo que para você tem grande importância, religioso ou secular, bum, voltamos à mentalidade tribal.
A imagem na minha cabeça é a de uma cobra que salta sobre você, quando você ofende algo muito sagrado. Também penso que no contexto moderno, politicamente as pessoas podem tornar alguns assuntos sagrados, e são eles que constroem as tribos internas e tornam mais difícil a reconciliação com outros grupos.
Para mim, política de identidade é o uso ou o mau uso da identidade para atingir certos objetivos políticos. Quando um líder diz “nós temos que nos unir para melhorar o nosso país.” Temos que nos unir, mas quem é esse “nós” a que ele se refere? Na maior parte das vezes, não vale para todo mundo, vale somente para alguns grupos, e cria, com frequência de maneira explícita, uma dinâmica de nós contra eles. Nós temos que nos unir para brigar como eles. Políticas de identidade podem ser usadas para dividir.
Meu conselho: em uma democracia funcional, use política de identidade para unir. Foque em um “nós” mais amplo. Todos nós juntos. Sim, temos tribos menores com interesses políticos. Ótimo. E todos somos parte de um projeto maior. Você pode fazer o que Mandela fez, você pode unir, usar essas políticas de identidade para unir.
O efeito da tribo A pandemia colocou muito estresse em todos. Ansiedade, a dor de perder um parente, perder alguém próximo –e meu coração está com o Brasil, sei que sofreu muito. Acho que isso é um fardo, um peso emocional que está sobre os ombros de todos.
Enquanto isso, devemos fazer tudo o que fazíamos antes, agora no Zoom. Todos esses fardos emocionais nos fazem, em parte, querer buscar algum tipo de segurança emocional e ela pode vir na forma de nos aproximarmos de um grupo ao qual sinto que pertenço. Para uma tribo.
O problema é que as tensões também começam a aparecer entre os diferentes grupos, que estão muito mais comprimidos agora, estão mais apertados, por conta da pandemia.
Sob pressão Acho que a pandemia está tendo um grande impacto na busca de segurança. A tribo é uma forma de segurança, mas pode facilmente se transformar em uma mentalidade tribal de “nós contra eles”.
A pandemia comprimiu todos nós. É muito mais difícil passar pelo desagradável. E estar emocionalmente desconfortável é como estar em um campo aberto com seus arquiinimigos. Estamos em um ambiente comprimido e todos esses instintos tribais são ativados com muito mais facilidade.
Quando há hierarquia O poder é muito maleável. Acho que existem dezenas de fontes de poder. Algumas pessoas têm mais poder hierárquico. Se eu tenho dinheiro, as pessoas podem atender o telefone com mais frequência.
Mas, em uma negociação, é útil tentar descobrir quais são minhas fontes de poder. Se não chegarmos a um acordo, o que posso fazer? Há poder, por exemplo, em entender os interesses do outro lado. Se estou negociando com você uma nova política para a empresa e precisamos que o presidente diga sim, que o vice-presidente aceite. Quanto mais eu entendo os interesses dos outros, mais poderoso sou.
Saúde mental no trabalho Um dos conceitos mais fundamentais, em minha opinião, é o poder da apreciação. Apreciação, da forma como uso, não significa apenas dizer obrigado, não é gratidão. O que quero dizer é um entendimento profundo daquilo que a outra pessoa vive.
Enquanto passamos pela pandemia, acredito que, como seres humanos, precisamos de mais apreço do que nunca. Então, no local de trabalho, talvez a liderança executiva possa encontrar maneiras de ser um pouco mais gentil com a força de trabalho.
Não significa que as expectativas são menores, mas que o apoio é maior. É dizer ‘estamos aqui para você emocionalmente, nos preocupamos com você. Você não é apenas um objeto que está produzindo dinheiro para nós, é um ser humano que valorizamos’.
Vejo executivos agindo como ‘estou no comando, vou falar e mostrar o quanto sou inteligente’. A pandemia exige muito mais ouvir.
Ouvir mais, falar menos É comum que igualemos negociações a conversas. Nós as chamamos de conversas de negociação [negotiation talks]. Uma terminologia muito melhor seria chamá-las de “ouvintes de negociação” [negotiation listens].
Porque você vai liderar muito mais a negociação se ouvir. Se você escuta 80% do tempo, e fala 20% do tempo e vice-versa.
Penso isso também sobre minha própria vida. Sabe, encontre tempo e espaço para dar um passeio, sentar-se em silêncio por dez minutos e absorver o que está acontecendo, reconhecer suas emoções.
E a razão para isso é que serei muito mais eficaz em minha vida pessoal e profissional se entendo o luto, os sentimentos, ressentimentos ou o desejo por mais amor e conexão. Quanto mais estou ciente de minha própria experiência interna, mais posso realmente interagir com os outros. Estar atento e ouvir é mesmo muito importante.
Negociando o Inegociável: Como resolver conflitos que parecem impossíveis
Preço A partir de R$ 44,92 na versão impressa | R$ 39,90 na versão e-book
Joaquin Quiñonero Candela, a director of AI at Facebook, was apologizing to his audience.
It was March 23, 2018, just days after the revelation that Cambridge Analytica, a consultancy that worked on Donald Trump’s 2016 presidential election campaign, had surreptitiously siphoned the personal data of tens of millions of Americans from their Facebook accounts in an attempt to influence how they voted. It was the biggest privacy breach in Facebook’s history, and Quiñonero had been previously scheduled to speak at a conference on, among other things, “the intersection of AI, ethics, and privacy” at the company. He considered canceling, but after debating it with his communications director, he’d kept his allotted time.
As he stepped up to face the room, he began with an admission. “I’ve just had the hardest five days in my tenure at Facebook,” he remembers saying. “If there’s criticism, I’ll accept it.”
The Cambridge Analytica scandal would kick off Facebook’s largest publicity crisis ever. It compounded fears that the algorithms that determine what people see on the platform were amplifying fake news and hate speech, and that Russian hackers had weaponized them to try to sway the election in Trump’s favor. Millions began deleting the app; employees left in protest; the company’s market capitalization plunged by more than $100 billion after its July earnings call.
In the ensuing months, Mark Zuckerberg began his own apologizing. He apologized for not taking “a broad enough view” of Facebook’s responsibilities, and for his mistakes as a CEO. Internally, Sheryl Sandberg, the chief operating officer, kicked off a two-year civil rights audit to recommend ways the company could prevent the use of its platform to undermine democracy.
Finally, Mike Schroepfer, Facebook’s chief technology officer, asked Quiñonero to start a team with a directive that was a little vague: to examine the societal impact of the company’s algorithms. The group named itself the Society and AI Lab (SAIL); last year it combined with another team working on issues of data privacy to form Responsible AI.
Quiñonero was a natural pick for the job. He, as much as anybody, was the one responsible for Facebook’s position as an AI powerhouse. In his six years at Facebook, he’d created some of the first algorithms for targeting users with content precisely tailored to their interests, and then he’d diffused those algorithms across the company. Now his mandate would be to make them less harmful.
Facebook has consistently pointed to the efforts by Quiñonero and others as it seeks to repair its reputation. It regularly trots out various leaders to speak to the media about the ongoing reforms. In May of 2019, it granted a series of interviews with Schroepfer to the New York Times, which rewarded the company with a humanizing profile of a sensitive, well-intentioned executive striving to overcome the technical challenges of filtering out misinformation and hate speech from a stream of content that amounted to billions of pieces a day. These challenges are so hard that it makes Schroepfer emotional, wrote the Times: “Sometimes that brings him to tears.”
In the spring of 2020, it was apparently my turn. Ari Entin, Facebook’s AI communications director, asked in an email if I wanted to take a deeper look at the company’s AI work. After talking to several of its AI leaders, I decided to focus on Quiñonero. Entin happily obliged. As not only the leader of the Responsible AI team but also the man who had made Facebook into an AI-driven company, Quiñonero was a solid choice to use as a poster boy.
He seemed a natural choice of subject to me, too. In the years since he’d formed his team following the Cambridge Analytica scandal, concerns about the spread of lies and hate speech on Facebook had only grown. In late 2018 the company admitted that this activity had helped fuel a genocidal anti-Muslim campaign in Myanmar for several years. In 2020 Facebook started belatedly taking action against Holocaust deniers, anti-vaxxers, and the conspiracy movement QAnon. All these dangerous falsehoods were metastasizing thanks to the AI capabilities Quiñonero had helped build. The algorithms that underpin Facebook’s business weren’t created to filter out what was false or inflammatory; they were designed to make people share and engage with as much content as possible by showing them things they were most likely to be outraged or titillated by. Fixing this problem, to me, seemed like core Responsible AI territory.
I began video-calling Quiñonero regularly. I also spoke to Facebook executives, current and former employees, industry peers, and external experts. Many spoke on condition of anonymity because they’d signed nondisclosure agreements or feared retaliation. I wanted to know: What was Quiñonero’s team doing to rein in the hate and lies on its platform?
Joaquin Quiñonero Candela outside his home in the Bay Area, where he lives with his wife and three kids.
But Entin and Quiñonero had a different agenda. Each time I tried to bring up these topics, my requests to speak about them were dropped or redirected. They only wanted to discuss the Responsible AI team’s plan to tackle one specific kind of problem: AI bias, in which algorithms discriminate against particular user groups. An example would be an ad-targeting algorithm that shows certain job or housing opportunities to white people but not to minorities.
By the time thousands of rioters stormed the US Capitol in January, organized in part on Facebook and fueled by the lies about a stolen election that had fanned out across the platform, it was clear from my conversations that the Responsible AI team had failed to make headway against misinformation and hate speech because it had never made those problems its main focus. More important, I realized, if it tried to, it would be set up for failure.
The reason is simple. Everything the company does and chooses not to do flows from a single motivation: Zuckerberg’s relentless desire for growth. Quiñonero’s AI expertise supercharged that growth. His team got pigeonholed into targeting AI bias, as I learned in my reporting, because preventing such bias helps the company avoid proposed regulation that might, if passed, hamper that growth. Facebook leadership has also repeatedly weakened or halted many initiatives meant to clean up misinformation on the platform because doing so would undermine that growth.
In other words, the Responsible AI team’s work—whatever its merits on the specific problem of tackling AI bias—is essentially irrelevant to fixing the bigger problems of misinformation, extremism, and political polarization. And it’s all of us who pay the price.
“When you’re in the business of maximizing engagement, you’re not interested in truth. You’re not interested in harm, divisiveness, conspiracy. In fact, those are your friends,” says Hany Farid, a professor at the University of California, Berkeley who collaborates with Facebook to understand image- and video-based misinformation on the platform.
“They always do just enough to be able to put the press release out. But with a few exceptions, I don’t think it’s actually translated into better policies. They’re never really dealing with the fundamental problems.”
In March of 2012, Quiñonero visited a friend in the Bay Area. At the time, he was a manager in Microsoft Research’s UK office, leading a team using machine learning to get more visitors to click on ads displayed by the company’s search engine, Bing. His expertise was rare, and the team was less than a year old. Machine learning, a subset of AI, had yet to prove itself as a solution to large-scale industry problems. Few tech giants had invested in the technology.
Quiñonero’s friend wanted to show off his new employer, one of the hottest startups in Silicon Valley: Facebook, then eight years old and already with close to a billion monthly active users (i.e., those who have logged in at least once in the past 30 days). As Quiñonero walked around its Menlo Park headquarters, he watched a lone engineer make a major update to the website, something that would have involved significant red tape at Microsoft. It was a memorable introduction to Zuckerberg’s “Move fast and break things” ethos. Quiñonero was awestruck by the possibilities. Within a week, he had been through interviews and signed an offer to join the company.
His arrival couldn’t have been better timed. Facebook’s ads service was in the middle of a rapid expansion as the company was preparing for its May IPO. The goal was to increase revenue and take on Google, which had the lion’s share of the online advertising market. Machine learning, which could predict which ads would resonate best with which users and thus make them more effective, could be the perfect tool. Shortly after starting, Quiñonero was promoted to managing a team similar to the one he’d led at Microsoft.
Quiñonero started raising chickens in late 2019 as a way to unwind from the intensity of his job.
Unlike traditional algorithms, which are hard-coded by engineers, machine-learning algorithms “train” on input data to learn the correlations within it. The trained algorithm, known as a machine-learning model, can then automate future decisions. An algorithm trained on ad click data, for example, might learn that women click on ads for yoga leggings more often than men. The resultant model will then serve more of those ads to women. Today at an AI-based company like Facebook, engineers generate countless models with slight variations to see which one performs best on a given problem.
Facebook’s massive amounts of user data gave Quiñonero a big advantage. His team could develop models that learned to infer the existence not only of broad categories like “women” and “men,” but of very fine-grained categories like “women between 25 and 34 who liked Facebook pages related to yoga,” and targeted ads to them. The finer-grained the targeting, the better the chance of a click, which would give advertisers more bang for their buck.
Within a year his team had developed these models, as well as the tools for designing and deploying new ones faster. Before, it had taken Quiñonero’s engineers six to eight weeks to build, train, and test a new model. Now it took only one.
News of the success spread quickly. The team that worked on determining which posts individual Facebook users would see on their personal news feeds wanted to apply the same techniques. Just as algorithms could be trained to predict who would click what ad, they could also be trained to predict who would like or share what post, and then give those posts more prominence. If the model determined that a person really liked dogs, for instance, friends’ posts about dogs would appear higher up on that user’s news feed.
Quiñonero’s success with the news feed—coupled with impressive new AI research being conducted outside the company—caught the attention of Zuckerberg and Schroepfer. Facebook now had just over 1 billion users, making it more than eight times larger than any other social network, but they wanted to know how to continue that growth. The executives decided to invest heavily in AI, internet connectivity, and virtual reality.
They created two AI teams. One was FAIR, a fundamental research lab that would advance the technology’s state-of-the-art capabilities. The other, Applied Machine Learning (AML), would integrate those capabilities into Facebook’s products and services. In December 2013, after months of courting and persuasion, the executives recruited Yann LeCun, one of the biggest names in the field, to lead FAIR. Three months later, Quiñonero was promoted again, this time to lead AML. (It was later renamed FAIAR, pronounced “fire.”)
“That’s how you know what’s on his mind. I was always, for a couple of years, a few steps from Mark’s desk.”
Joaquin Quiñonero Candela
In his new role, Quiñonero built a new model-development platform for anyone at Facebook to access. Called FBLearner Flow, it allowed engineers with little AI experience to train and deploy machine-learning models within days. By mid-2016, it was in use by more than a quarter of Facebook’s engineering team and had already been used to train over a million models, including models for image recognition, ad targeting, and content moderation.
Zuckerberg’s obsession with getting the whole world to use Facebook had found a powerful new weapon. Teams had previously used design tactics, like experimenting with the content and frequency of notifications, to try to hook users more effectively. Their goal, among other things, was to increase a metric called L6/7, the fraction of people who logged in to Facebook six of the previous seven days. L6/7 is just one of myriad ways in which Facebook has measured “engagement”—the propensity of people to use its platform in any way, whether it’s by posting things, commenting on them, liking or sharing them, or just looking at them. Now every user interaction once analyzed by engineers was being analyzed by algorithms. Those algorithms were creating much faster, more personalized feedback loops for tweaking and tailoring each user’s news feed to keep nudging up engagement numbers.
Zuckerberg, who sat in the center of Building 20, the main office at the Menlo Park headquarters, placed the new FAIR and AML teams beside him. Many of the original AI hires were so close that his desk and theirs were practically touching. It was “the inner sanctum,” says a former leader in the AI org (the branch of Facebook that contains all its AI teams), who recalls the CEO shuffling people in and out of his vicinity as they gained or lost his favor. “That’s how you know what’s on his mind,” says Quiñonero. “I was always, for a couple of years, a few steps from Mark’s desk.”
With new machine-learning models coming online daily, the company created a new system to track their impact and maximize user engagement. The process is still the same today. Teams train up a new machine-learning model on FBLearner, whether to change the ranking order of posts or to better catch content that violates Facebook’s community standards (its rules on what is and isn’t allowed on the platform). Then they test the new model on a small subset of Facebook’s users to measure how it changes engagement metrics, such as the number of likes, comments, and shares, says Krishna Gade, who served as the engineering manager for news feed from 2016 to 2018.
If a model reduces engagement too much, it’s discarded. Otherwise, it’s deployed and continually monitored. On Twitter, Gade explained that his engineers would get notifications every few days when metrics such as likes or comments were down. Then they’d decipher what had caused the problem and whether any models needed retraining.
But this approach soon caused issues. The models that maximize engagement also favor controversy, misinformation, and extremism: put simply, people just like outrageous stuff. Sometimes this inflames existing political tensions. The most devastating example to date is the case of Myanmar, where viral fake news and hate speech about the Rohingya Muslim minority escalated the country’s religious conflict into a full-blown genocide. Facebook admitted in 2018, after years of downplaying its role, that it had not done enough “to help prevent our platform from being used to foment division and incite offline violence.”
While Facebook may have been oblivious to these consequences in the beginning, it was studying them by 2016. In an internal presentation from that year, reviewed by the Wall Street Journal, a company researcher, Monica Lee, found that Facebook was not only hosting a large number of extremist groups but also promoting them to its users: “64% of all extremist group joins are due to our recommendation tools,” the presentation said, predominantly thanks to the models behind the “Groups You Should Join” and “Discover” features.
“The question for leadership was: Should we be optimizing for engagement if you find that somebody is in a vulnerable state of mind?”
A former AI researcher who joined in 2018
In 2017, Chris Cox, Facebook’s longtime chief product officer, formed a new task force to understand whether maximizing user engagement on Facebook was contributing to political polarization. It found that there was indeed a correlation, and that reducing polarization would mean taking a hit on engagement. In a mid-2018 document reviewed by the Journal, the task force proposed several potential fixes, such as tweaking the recommendation algorithms to suggest a more diverse range of groups for people to join. But it acknowledged that some of the ideas were “antigrowth.” Most of the proposals didn’t move forward, and the task force disbanded.
Since then, other employees have corroborated these findings. A former Facebook AI researcher who joined in 2018 says he and his team conducted “study after study” confirming the same basic idea: models that maximize engagement increase polarization. They could easily track how strongly users agreed or disagreed on different issues, what content they liked to engage with, and how their stances changed as a result. Regardless of the issue, the models learned to feed users increasingly extreme viewpoints. “Over time they measurably become more polarized,” he says.
The researcher’s team also found that users with a tendency to post or engage with melancholy content—a possible sign of depression—could easily spiral into consuming increasingly negative material that risked further worsening their mental health. The team proposed tweaking the content-ranking models for these users to stop maximizing engagement alone, so they would be shown less of the depressing stuff. “The question for leadership was: Should we be optimizing for engagement if you find that somebody is in a vulnerable state of mind?” he remembers. (A Facebook spokesperson said she could not find documentation for this proposal.)
But anything that reduced engagement, even for reasons such as not exacerbating someone’s depression, led to a lot of hemming and hawing among leadership. With their performance reviews and salaries tied to the successful completion of projects, employees quickly learned to drop those that received pushback and continue working on those dictated from the top down.
One such project heavily pushed by company leaders involved predicting whether a user might be at risk for something several people had already done: livestreaming their own suicide on Facebook Live. The task involved building a model to analyze the comments that other users were posting on a video after it had gone live, and bringing at-risk users to the attention of trained Facebook community reviewers who could call local emergency responders to perform a wellness check. It didn’t require any changes to content-ranking models, had negligible impact on engagement, and effectively fended off negative press. It was also nearly impossible, says the researcher: “It’s more of a PR stunt. The efficacy of trying to determine if somebody is going to kill themselves in the next 30 seconds, based on the first 10 seconds of video analysis—you’re not going to be very effective.”
Facebook disputes this characterization, saying the team that worked on this effort has since successfully predicted which users were at risk and increased the number of wellness checks performed. But the company does not release data on the accuracy of its predictions or how many wellness checks turned out to be real emergencies.
That former employee, meanwhile, no longer lets his daughter use Facebook.
Quiñonero should have been perfectly placed to tackle these problems when he created the SAIL (later Responsible AI) team in April 2018. His time as the director of Applied Machine Learning had made him intimately familiar with the company’s algorithms, especially the ones used for recommending posts, ads, and other content to users.
It also seemed that Facebook was ready to take these problems seriously. Whereas previous efforts to work on them had been scattered across the company, Quiñonero was now being granted a centralized team with leeway in his mandate to work on whatever he saw fit at the intersection of AI and society.
At the time, Quiñonero was engaging in his own reeducation about how to be a responsible technologist. The field of AI research was paying growing attention to problems of AI bias and accountability in the wake of high-profile studies showing that, for example, an algorithm was scoring Black defendants as more likely to be rearrested than white defendants who’d been arrested for the same or a more serious offense. Quiñonero began studying the scientific literature on algorithmic fairness, reading books on ethical engineering and the history of technology, and speaking with civil rights experts and moral philosophers.
Over the many hours I spent with him, I could tell he took this seriously. He had joined Facebook amid the Arab Spring, a series of revolutions against oppressive Middle Eastern regimes. Experts had lauded social media for spreading the information that fueled the uprisings and giving people tools to organize. Born in Spain but raised in Morocco, where he’d seen the suppression of free speech firsthand, Quiñonero felt an intense connection to Facebook’s potential as a force for good.
Six years later, Cambridge Analytica had threatened to overturn this promise. The controversy forced him to confront his faith in the company and examine what staying would mean for his integrity. “I think what happens to most people who work at Facebook—and definitely has been my story—is that there’s no boundary between Facebook and me,” he says. “It’s extremely personal.” But he chose to stay, and to head SAIL, because he believed he could do more for the world by helping turn the company around than by leaving it behind.
“I think if you’re at a company like Facebook, especially over the last few years, you really realize the impact that your products have on people’s lives—on what they think, how they communicate, how they interact with each other,” says Quiñonero’s longtime friend Zoubin Ghahramani, who helps lead the Google Brain team. “I know Joaquin cares deeply about all aspects of this. As somebody who strives to achieve better and improve things, he sees the important role that he can have in shaping both the thinking and the policies around responsible AI.”
At first, SAIL had only five people, who came from different parts of the company but were all interested in the societal impact of algorithms. One founding member, Isabel Kloumann, a research scientist who’d come from the company’s core data science team, brought with her an initial version of a tool to measure the bias in AI models.
The team also brainstormed many other ideas for projects. The former leader in the AI org, who was present for some of the early meetings of SAIL, recalls one proposal for combating polarization. It involved using sentiment analysis, a form of machine learning that interprets opinion in bits of text, to better identify comments that expressed extreme points of view. These comments wouldn’t be deleted, but they would be hidden by default with an option to reveal them, thus limiting the number of people who saw them.
And there were discussions about what role SAIL could play within Facebook and how it should evolve over time. The sentiment was that the team would first produce responsible-AI guidelines to tell the product teams what they should or should not do. But the hope was that it would ultimately serve as the company’s central hub for evaluating AI projects and stopping those that didn’t follow the guidelines.
Former employees described, however, how hard it could be to get buy-in or financial support when the work didn’t directly improve Facebook’s growth. By its nature, the team was not thinking about growth, and in some cases it was proposing ideas antithetical to growth. As a result, it received few resources and languished. Many of its ideas stayed largely academic.
On August 29, 2018, that suddenly changed. In the ramp-up to the US midterm elections, President Donald Trump and other Republican leaders ratcheted up accusations that Facebook, Twitter, and Google had anti-conservative bias. They claimed that Facebook’s moderators in particular, in applying the community standards, were suppressing conservative voices more than liberal ones. This charge would later be debunked, but the hashtag #StopTheBias, fueled by a Trump tweet, was rapidly spreading on social media.
For Trump, it was the latest effort to sow distrust in the country’s mainstream information distribution channels. For Zuckerberg, it threatened to alienate Facebook’s conservative US users and make the company more vulnerable to regulation from a Republican-led government. In other words, it threatened the company’s growth.
Facebook did not grant me an interview with Zuckerberg, but previousreporting has shown how he increasingly pandered to Trump and the Republican leadership. After Trump was elected, Joel Kaplan, Facebook’s VP of global public policy and its highest-ranking Republican, advised Zuckerberg to tread carefully in the new political environment.
On September 20, 2018, three weeks after Trump’s #StopTheBias tweet, Zuckerberg held a meeting with Quiñonero for the first time since SAIL’s creation. He wanted to know everything Quiñonero had learned about AI bias and how to quash it in Facebook’s content-moderation models. By the end of the meeting, one thing was clear: AI bias was now Quiñonero’s top priority. “The leadership has been very, very pushy about making sure we scale this aggressively,” says Rachad Alao, the engineering director of Responsible AI who joined in April 2019.
It was a win for everybody in the room. Zuckerberg got a way to ward off charges of anti-conservative bias. And Quiñonero now had more money and a bigger team to make the overall Facebook experience better for users. They could build upon Kloumann’s existing tool in order to measure and correct the alleged anti-conservative bias in content-moderation models, as well as to correct other types of bias in the vast majority of models across the platform.
This could help prevent the platform from unintentionally discriminating against certain users. By then, Facebook already had thousands of models running concurrently, and almost none had been measured for bias. That would get it into legal trouble a few months later with the US Department of Housing and Urban Development (HUD), which alleged that the company’s algorithms were inferring “protected” attributes like race from users’ data and showing them ads for housing based on those attributes—an illegal form of discrimination. (The lawsuit is still pending.) Schroepfer also predicted that Congress would soon pass laws to regulate algorithmic discrimination, so Facebook needed to make headway on these efforts anyway.
(Facebook disputes the idea that it pursued its work on AI bias to protect growth or in anticipation of regulation. “We built the Responsible AI team because it was the right thing to do,” a spokesperson said.)
But narrowing SAIL’s focus to algorithmic fairness would sideline all Facebook’s other long-standing algorithmic problems. Its content-recommendation models would continue pushing posts, news, and groups to users in an effort to maximize engagement, rewarding extremist content and contributing to increasingly fractured political discourse.
Zuckerberg even admitted this. Two months after the meeting with Quiñonero, in a public note outlining Facebook’s plans for content moderation, he illustrated the harmful effects of the company’s engagement strategy with a simplified chart. It showed that the more likely a post is to violate Facebook’s community standards, the more user engagement it receives, because the algorithms that maximize engagement reward inflammatory content.
But then he showed another chart with the inverse relationship. Rather than rewarding content that came close to violating the community standards, Zuckerberg wrote, Facebook could choose to start “penalizing” it, giving it “less distribution and engagement” rather than more. How would this be done? With more AI. Facebook would develop better content-moderation models to detect this “borderline content” so it could be retroactively pushed lower in the news feed to snuff out its virality, he said.
The problem is that for all Zuckerberg’s promises, this strategy is tenuous at best.
Misinformation and hate speech constantly evolve. New falsehoods spring up; new people and groups become targets. To catch things before they go viral, content-moderation models must be able to identify new unwanted content with high accuracy. But machine-learning models do not work that way. An algorithm that has learned to recognize Holocaust denial can’t immediately spot, say, Rohingya genocide denial. It must be trained on thousands, often even millions, of examples of a new type of content before learning to filter it out. Even then, users can quickly learn to outwit the model by doing things like changing the wording of a post or replacing incendiary phrases with euphemisms, making their message illegible to the AI while still obvious to a human. This is why new conspiracy theories can rapidly spiral out of control, and partly why, even after such content is banned, forms of it canpersist on the platform.
In his New York Times profile, Schroepfer named these limitations of the company’s content-moderation strategy. “Every time Mr. Schroepfer and his more than 150 engineering specialists create A.I. solutions that flag and squelch noxious material, new and dubious posts that the A.I. systems have never seen before pop up—and are thus not caught,” wrote the Times. “It’s never going to go to zero,” Schroepfer told the publication.
Meanwhile, the algorithms that recommend this content still work to maximize engagement. This means every toxic post that escapes the content-moderation filters will continue to be pushed higher up the news feed and promoted to reach a larger audience. Indeed, a study from New York University recently found that among partisan publishers’ Facebook pages, those that regularly posted political misinformation received the most engagement in the lead-up to the 2020 US presidential election and the Capitol riots. “That just kind of got me,” says a former employee who worked on integrity issues from 2018 to 2019. “We fully acknowledged [this], and yet we’re still increasing engagement.”
But Quiñonero’s SAIL team wasn’t working on this problem. Because of Kaplan’s and Zuckerberg’s worries about alienating conservatives, the team stayed focused on bias. And even after it merged into the bigger Responsible AI team, it was never mandated to work on content-recommendation systems that might limit the spread of misinformation. Nor has any other team, as I confirmed after Entin and another spokesperson gave me a full list of all Facebook’s other initiatives on integrity issues—the company’s umbrella term for problems including misinformation, hate speech, and polarization.
A Facebook spokesperson said, “The work isn’t done by one specific team because that’s not how the company operates.” It is instead distributed among the teams that have the specific expertise to tackle how content ranking affects misinformation for their part of the platform, she said. But Schroepfer told me precisely the opposite in an earlier interview. I had asked him why he had created a centralized Responsible AI team instead of directing existing teams to make progress on the issue. He said it was “best practice” at the company.
“[If] it’s an important area, we need to move fast on it, it’s not well-defined, [we create] a dedicated team and get the right leadership,” he said. “As an area grows and matures, you’ll see the product teams take on more work, but the central team is still needed because you need to stay up with state-of-the-art work.”
When I described the Responsible AI team’s work to other experts on AI ethics and human rights, they noted the incongruity between the problems it was tackling and those, like misinformation, for which Facebook is most notorious. “This seems to be so oddly removed from Facebook as a product—the things Facebook builds and the questions about impact on the world that Facebook faces,” said Rumman Chowdhury, whose startup, Parity, advises firms on the responsible use of AI, and was acquired by Twitter after our interview. I had shown Chowdhury the Quiñonero team’s documentation detailing its work. “I find it surprising that we’re going to talk about inclusivity, fairness, equity, and not talk about the very real issues happening today,” she said.
“It seems like the ‘responsible AI’ framing is completely subjective to what a company decides it wants to care about. It’s like, ‘We’ll make up the terms and then we’ll follow them,’” says Ellery Roberts Biddle, the editorial director of Ranking Digital Rights, a nonprofit that studies the impact of tech companies on human rights. “I don’t even understand what they mean when they talk about fairness. Do they think it’s fair to recommend that people join extremist groups, like the ones that stormed the Capitol? If everyone gets the recommendation, does that mean it was fair?”
“We’re at a place where there’s one genocide [Myanmar] that the UN has, with a lot of evidence, been able to specifically point to Facebook and to the way that the platform promotes content,” Biddle adds. “How much higher can the stakes get?”
Over the last two years, Quiñonero’s team has built out Kloumann’s original tool, called Fairness Flow. It allows engineers to measure the accuracy of machine-learning models for different user groups. They can compare a face-detection model’s accuracy across different ages, genders, and skin tones, or a speech-recognition algorithm’s accuracy across different languages, dialects, and accents.
Fairness Flow also comes with a set of guidelines to help engineers understand what it means to train a “fair” model. One of the thornier problems with making algorithms fair is that there are different definitions of fairness, which can be mutually incompatible. Fairness Flow lists four definitions that engineers can use according to which suits their purpose best, such as whether a speech-recognition model recognizes all accents with equal accuracy or with a minimum threshold of accuracy.
But testing algorithms for fairness is still largely optional at Facebook. None of the teams that work directly on Facebook’s news feed, ad service, or other products are required to do it. Pay incentives are still tied to engagement and growth metrics. And while there are guidelines about which fairness definition to use in any given situation, they aren’t enforced.
This last problem came to the fore when the company had to deal with allegations of anti-conservative bias.
In 2014, Kaplan was promoted from US policy head to global vice president for policy, and he began playing a more heavy-handed role in content moderation and decisions about how to rank posts in users’ news feeds. After Republicans started voicing claims of anti-conservative bias in 2016, his team began manually reviewing the impact of misinformation-detection models on users to ensure—among other things—that they didn’t disproportionately penalize conservatives.
All Facebook users have some 200 “traits” attached to their profile. These include various dimensions submitted by users or estimated by machine-learning models, such as race, political and religious leanings, socioeconomic class, and level of education. Kaplan’s team began using the traits to assemble custom user segments that reflected largely conservative interests: users who engaged with conservative content, groups, and pages, for example. Then they’d run special analyses to see how content-moderation decisions would affect posts from those segments, according to a former researcher whose work was subject to those reviews.
The Fairness Flow documentation, which the Responsible AI team wrote later, includes a case study on how to use the tool in such a situation. When deciding whether a misinformation model is fair with respect to political ideology, the team wrote, “fairness” does not mean the model should affect conservative and liberal users equally. If conservatives are posting a greater fraction of misinformation, as judged by public consensus, then the model should flag a greater fraction of conservative content. If liberals are posting more misinformation, it should flag their content more often too.
But members of Kaplan’s team followed exactly the opposite approach: they took “fairness” to mean that these models should not affect conservatives more than liberals. When a model did so, they would stop its deployment and demand a change. Once, they blocked a medical-misinformation detector that had noticeably reduced the reach of anti-vaccine campaigns, the former researcher told me. They told the researchers that the model could not be deployed until the team fixed this discrepancy. But that effectively made the model meaningless. “There’s no point, then,” the researcher says. A model modified in that way “would have literally no impact on the actual problem” of misinformation.
“I don’t even understand what they mean when they talk about fairness. Do they think it’s fair to recommend that people join extremist groups, like the ones that stormed the Capitol? If everyone gets the recommendation, does that mean it was fair?”
Ellery Roberts Biddle, editorial director of Ranking Digital Rights
This happened countless other times—and not just for content moderation. In 2020, the Washington Post reported that Kaplan’s team had undermined efforts to mitigate election interference and polarization within Facebook, saying they could contribute to anti-conservative bias. In 2018, it used the same argument to shelve a project to edit Facebook’s recommendation models even though researchers believed it would reduce divisiveness on the platform, according to the Wall Street Journal. His claims about political bias also weakened a proposal to edit the ranking models for the news feed that Facebook’s data scientists believed would strengthen the platform against the manipulation tactics Russia had used during the 2016 US election.
And ahead of the 2020 election, Facebook policy executives used this excuse, according to the New York Times, to veto or weaken several proposals that would have reduced the spread of hateful and damaging content.
Facebook disputed the Wall Street Journal’s reporting in a follow-up blog post, and challenged the New York Times’s characterization in an interview with the publication. A spokesperson for Kaplan’s team also denied to me that this was a pattern of behavior, saying the cases reported by the Post, the Journal, and the Times were “all individual instances that we believe are then mischaracterized.” He declined to comment about the retraining of misinformation models on the record.
Many of these incidents happened before Fairness Flow was adopted. But they show how Facebook’s pursuit of fairness in the service of growth had already come at a steep cost to progress on the platform’s other challenges. And if engineers used the definition of fairness that Kaplan’s team had adopted, Fairness Flow could simply systematize behavior that rewarded misinformation instead of helping to combat it.
Often “the whole fairness thing” came into play only as a convenient way to maintain the status quo, the former researcher says: “It seems to fly in the face of the things that Mark was saying publicly in terms of being fair and equitable.”
The last time I spoke with Quiñonero was a month after the US Capitol riots. I wanted to know how the storming of Congress had affected his thinking and the direction of his work.
In the video call, it was as it always was: Quiñonero dialing in from his home office in one window and Entin, his PR handler, in another. I asked Quiñonero what role he felt Facebook had played in the riots and whether it changed the task he saw for Responsible AI. After a long pause, he sidestepped the question, launching into a description of recent work he’d done to promote greater diversity and inclusion among the AI teams.
I asked him the question again. His Facebook Portal camera, which uses computer-vision algorithms to track the speaker, began to slowly zoom in on his face as he grew still. “I don’t know that I have an easy answer to that question, Karen,” he said. “It’s an extremely difficult question to ask me.”
Entin, who’d been rapidly pacing with a stoic poker face, grabbed a red stress ball.
I asked Quiñonero why his team hadn’t previously looked at ways to edit Facebook’s content-ranking models to tamp down misinformation and extremism. He told me it was the job of other teams (though none, as I confirmed, have been mandated to work on that task). “It’s not feasible for the Responsible AI team to study all those things ourselves,” he said. When I asked whether he would consider having his team tackle those issues in the future, he vaguely admitted, “I would agree with you that that is going to be the scope of these types of conversations.”
Near the end of our hour-long interview, he began to emphasize that AI was often unfairly painted as “the culprit.” Regardless of whether Facebook used AI or not, he said, people would still spew lies and hate speech, and that content would still spread across the platform.
I pressed him one more time. Certainly he couldn’t believe that algorithms had done absolutely nothing to change the nature of these issues, I said.
“I don’t know,” he said with a halting stutter. Then he repeated, with more conviction: “That’s my honest answer. Honest to God. I don’t know.”
Corrections:We amended a line that suggested that Joel Kaplan, Facebook’s vice president of global policy, had used Fairness Flow. He has not. But members of his team have used the notion of fairness to request the retraining of misinformation models in ways that directly contradict Responsible AI’s guidelines. We also clarified when Rachad Alao, the engineering director of Responsible AI, joined the company.
For more than 30 years, the Inuit welcomed anthropologist Jean Briggs into their lives so she could study how they raise their children. Briggs is pictured during a 1974 visit to Baffin Island. Jean Briggs Collection / American Philosophical Society
For more than 30 years, the Inuit welcomed anthropologist Jean Briggs into their lives so she could study how they raise their children. Briggs is pictured during a 1974 visit to Baffin Island. Jean Briggs Collection / American Philosophical Society
Back in the 1960s, a Harvard graduate student made a landmark discovery about the nature of human anger.
At age 34, Jean Briggs traveled above the Arctic Circle and lived out on the tundra for 17 months. There were no roads, no heating systems, no grocery stores. Winter temperatures could easily dip below minus 40 degrees Fahrenheit.
Briggs persuaded an Inuit family to “adopt” her and “try to keep her alive,” as the anthropologist wrote in 1970.
At the time, many Inuit families lived similar to the way their ancestors had for thousands of years. They built igloos in the winter and tents in the summer. “And we ate only what the animals provided, such as fish, seal and caribou,” says Myna Ishulutak, a film producer and language teacher who lived a similar lifestyle as a young girl.
Briggs quickly realized something remarkable was going on in these families: The adults had an extraordinary ability to control their anger.
“They never acted in anger toward me, although they were angry with me an awful lot,” Briggs told the Canadian Broadcasting Corp. in an interview.
Myna Ishulutak (upper right, in blue jacket) lived a seminomadic life as a child. Above: photos of the girl and her family in the hunting camp of Qipisa during the summer of 1974. Jean Briggs Collection / American Philosophical Society
Even just showing a smidgen of frustration or irritation was considered weak and childlike, Briggs observed.
For instance, one time someone knocked a boiling pot of tea across the igloo, damaging the ice floor. No one changed their expression. “Too bad,” the offender said calmly and went to refill the teapot.
In another instance, a fishing line — which had taken days to braid — immediately broke on the first use. No one flinched in anger. “Sew it together,” someone said quietly.
By contrast, Briggs seemed like a wild child, even though she was trying very hard to control her anger. “My ways were so much cruder, less considerate and more impulsive,” she told the CBC. “[I was] often impulsive in an antisocial sort of way. I would sulk or I would snap or I would do something that they never did.”
Briggs, who died in 2016, wrote up her observations in her first book, Never in Anger. But she was left with a lingering question: How do Inuit parents instill this ability in their children? How do Inuit take tantrum-prone toddlers and turn them into cool-headed adults?
Then in 1971, Briggs found a clue.
She was walking on a stony beach in the Arctic when she saw a young mother playing with her toddler — a little boy about 2 years old. The mom picked up a pebble and said, “‘Hit me! Go on. Hit me harder,'” Briggs remembered.
The boy threw the rock at his mother, and she exclaimed, “Ooooww. That hurts!”
Briggs was completely befuddled. The mom seemed to be teaching the child the opposite of what parents want. And her actions seemed to contradict everything Briggs knew about Inuit culture.
“I thought, ‘What is going on here?’ ” Briggs said in the radio interview.
Turns out, the mom was executing a powerful parenting tool to teach her child how to control his anger — and one of the most intriguing parenting strategies I’ve come across.
Iqaluit, pictured in winter, is the capital of the Canadian territory of Nunavut. Johan Hallberg-Campbell for NPR
No scolding, no timeouts
It’s early December in the Arctic town of Iqaluit, Canada. And at 2 p.m., the sun is already calling it a day. Outside, the temperature is a balmy minus 10 degrees Fahrenheit. A light snow is swirling.
I’ve come to this seaside town, after reading Briggs’ book, in search of parenting wisdom, especially when it comes to teaching children to control their emotions. Right off the plane, I start collecting data.
I sit with elders in their 80s and 90s while they lunch on “country food” —stewed seal, frozen beluga whale and raw caribou. I talk with moms selling hand-sewn sealskin jackets at a high school craft fair. And I attend a parenting class, where day care instructors learn how their ancestors raised small children hundreds — perhaps even thousands — of years ago.
The elders of Iqaluit have lunch at the local senior center. On Thursdays, what they call “country food” is on the menu, things like caribou, seal and ptarmigan. Johan Hallberg-Campbell for NPR
Across the board, all the moms mention one golden rule: Don’t shout or yell at small children.
Traditional Inuit parenting is incredibly nurturing and tender. If you took all the parenting styles around the world and ranked them by their gentleness, the Inuit approach would likely rank near the top.(They even have a special kiss for babies, where you put your nose against the cheek and sniff the skin.)
The culture views scolding — or even speaking to children in an angry voice — as inappropriate, says Lisa Ipeelie, a radio producer and mom who grew up with 12 siblings. “When they’re little, it doesn’t help to raise your voice,” she says. “It will just make your own heart rate go up.”
Even if the child hits you or bites you, there’s no raising your voice?
“No,” Ipeelie says with a giggle that seems to emphasize how silly my question is. “With little kids, you often think they’re pushing your buttons, but that’s not what’s going on. They’re upset about something, and you have to figure out what it is.”
Traditionally, the women and children in the community eat with an ulu knife. Johan Hallberg-Campbell for NPR
Traditionally, the Inuit saw yelling at a small child as demeaning. It’s as if the adult is having a tantrum; it’s basically stooping to the level of the child, Briggs documented.
Elders I spoke with say intense colonization over the past century is damaging these traditions. And, so, the community is working hard to keep the parenting approach intact.
Goota Jaw is at the front line of this effort. She teaches the parenting class at the Arctic College. Her own parenting style is so gentle that she doesn’t even believe in giving a child a timeout for misbehaving.
“Shouting, ‘Think about what you just did. Go to your room!’ ” Jaw says. “I disagree with that. That’s not how we teach our children. Instead you are just teaching children to run away.”
And you are teaching them to be angry, says clinical psychologist and author Laura Markham. “When we yell at a child — or even threaten with something like ‘I’m starting to get angry,’ we’re training the child to yell,” says Markham. “We’re training them to yell when they get upset and that yelling solves problems.”
In contrast, parents who control their own anger are helping their children learn to do the same, Markham says. “Kids learn emotional regulation from us.”
I asked Markham if the Inuit’s no-yelling policy might be their first secret of raising cool-headed kids. “Absolutely,” she says.
Playing soccer with your head
Now at some level, all moms and dads know they shouldn’t yell at kids. But if you don’t scold or talk in an angry tone, how do you discipline? How do you keep your 3-year-old from running into the road? Or punching her big brother?
For thousands of years, the Inuit have relied on an ancient tool with an ingenious twist: “We use storytelling to discipline,” Jaw says.
Jaw isn’t talking about fairy tales, where a child needs to decipher the moral. These are oral stories passed down from one generation of Inuit to the next, designed to sculpt kids’ behaviors in the moment.Sometimes even save their lives.
For example, how do you teach kids to stay away from the ocean, where they could easily drown? Instead of yelling, “Don’t go near the water!” Jaw says Inuit parents take a pre-emptive approach and tell kids a special story about what’s inside the water. “It’s the sea monster,” Jaw says, with a giant pouch on its back just for little kids.
“If a child walks too close to the water, the monster will put you in his pouch, drag you down to the ocean and adopt you out to another family,” Jaw says.
“Then we don’t need to yell at a child,” Jaw says, “because she is already getting the message.”
Inuit parents have an array of stories to help children learn respectful behavior, too. For example, to get kids to listen to their parents, there is a story about ear wax, says film producer Myna Ishulutak.
“My parents would check inside our ears, and if there was too much wax in there, it meant we were not listening,” she says.
And parents tell their kids: If you don’t ask before taking food, long fingers could reach out and grab you, Ishulutak says.
Inuit parents tell their children to beware of the northern lights. If you don’t wear your hat in the winter, they’ll say, the lights will come, take your head and use it as a soccer ball! Johan Hallberg-Campbell for NPR
Then there’s the story of northern lights, which helps kids learn to keep their hats on in the winter.
“Our parents told us that if we went out without a hat, the northern lights are going to take your head off and use it as a soccer ball,” Ishulutak says. “We used to be so scared!” she exclaims and then erupts in laughter.
At first, these stories seemed to me a bit too scary for little children. And my knee-jerk reaction was to dismiss them. But my opinion flipped 180 degrees after I watched my own daughter’s response to similar tales — and after I learned more about humanity’s intricate relationship with storytelling.
Oral storytelling is what’s known as a human universal. For tens of thousands of years, it has been a key way that parents teach children about values and how to behave.
Modern hunter-gatherer groups use stories to teach sharing, respect for both genders and conflict avoidance, a recent study reported, after analyzing 89 stories from nine different tribes in Southeast Asia and Africa. With the Agta, a hunter-gatherer population of the Philippines, good storytelling skills are prized more than hunting skills or medicinal knowledge, the study found.
Today many American parents outsource their oral storytelling to screens. And in doing so, I wonder if we’re missing out on an easy — and effective — way of disciplining and changing behavior. Could small children be somehow “wired” to learn through stories?
Inuit parenting is gentle and tender. They even have a special kiss for kids called kunik. (Above) Maata Jaw gives her daughter the nose-to-cheek Inuit sniff. Johan Hallberg-Campbell for NPR
“Well, I’d say kids learn well through narrative and explanations,” says psychologist Deena Weisberg at Villanova University, who studies how small children interpret fiction. “We learn best through things that are interesting to us. And stories, by their nature, can have lots of things in them that are much more interesting in a way that barestatements don’t.”
Stories with a dash of danger pull in kids like magnets, Weisberg says. And they turn a tension-ridden activity like disciplining into a playful interaction that’s — dare, I say it — fun.
“Don’t discount the playfulness of storytelling,” Weisberg says. “With stories, kids get to see stuff happen that doesn’t really happen in real life. Kids think that’s fun. Adults think it’s fun, too.”
Why don’t you hit me?
Inuit filmmaker and language teacher Myna Ishulutak as a little girl. Anthropologist Jean Briggs spent six months with the family in the 1970s documenting the child’s upbringing. Jean Briggs Collection / American Philosophical Society
Back up in Iqaluit, Myna Ishulutak is reminiscing about her childhood out on the land. She and her family lived in a hunting camp with about 60 other people. When she was a teenager, her family settled in a town.
“I miss living on the land so much,” she says as we eat a dinner of baked Arctic char. “We lived in a sod house. And when we woke up in the morning, everything would be frozen until we lit the oil lamp.”
I ask her if she’s familiar with the work of Jean Briggs. Her answer leaves me speechless.
Ishulutak reaches into her purse and brings out Briggs’ second book, Inuit Morality Play, which details the life of a 3-year-old girl dubbed Chubby Maata.
“This book is about me and my family,” Ishulutak says. “I am Chubby Maata.”
In the early 1970s, when Ishulutak was about 3 years old, her family welcomed Briggs into their home for six months and allowed her to study the intimate details of their child’s day-to-day life.
Myna Ishulutak today in Iqaluit, Canada. As the mother of two grown boys, she says, “When you’re shouting at them all the time they tend to kind of block you. So there’s a saying: ‘Never shout at them.’ ” Johan Hallberg-Campbell for NPR
What Briggs documented is a central component to raising cool-headed kids.
When a child in the camp acted in anger — hit someone or had a tantrum — there was no punishment. Instead, the parents waited for the child to calm down and then, in a peaceful moment, did something that Shakespeare would understand all too well: They put on a drama. (As the Bard once wrote, “the play’s the thing wherein I’ll catch the conscience of the king.”)
“The idea is to give the child experiences that will lead the child to develop rational thinking,” Briggs told the CBC in 2011.
In a nutshell, the parent would act out what happened when the child misbehaved, including the real-life consequences of that behavior.
The parent always had a playful, fun tone. And typically the performance starts with a question, tempting the child to misbehave.
For example, if the child is hitting others, the mom may start a drama by asking: “Why don’t you hit me?”
Then the child has to think: “What should I do?” If the child takes the bait and hits the mom, she doesn’t scold or yell but instead acts out the consequences. “Ow, that hurts!” she might exclaim.
The mom continues to emphasize the consequences by asking a follow-up question. For example: “Don’t you like me?” or “Are you a baby?” She is getting across the idea that hitting hurts people’s feelings, and “big girls” wouldn’t hit. But, again, all questions are asked with a hint of playfulness.
The parent repeats the drama from time to time until the child stops hitting the mom during the dramas and the misbehavior ends.
Ishulutak says these dramas teach children not to be provoked easily. “They teach you to be strong emotionally,” she says, “to not take everything so seriously or to be scared of teasing.”
Psychologist Peggy Miller, at the University of Illinois, agrees: “When you’re little, you learn that people will provoke you, and these dramas teach you to think and maintain some equilibrium.”
In other words, the dramas offer kids a chance to practice controlling their anger, Miller says, during times when they’re not actually angry.
This practice is likely critical for children learning to control their anger. Because here’s the thing about anger: Once someone is already angry, it is not easy for that person to squelch it — even for adults.
“When you try to control or change your emotions in the moment, that’s a really hard thing to do,” says Lisa Feldman Barrett, a psychologist at Northeastern University who studies how emotions work.
But if you practice having a different response or a different emotion at times when you’re not angry, you’ll have a better chance of managing your anger in those hot-button moments, Feldman Barrett says.
“That practice is essentially helping to rewire your brain to be able to make a different emotion [besides anger] much more easily,” she says.
This emotional practice may be even more important for children, says psychologist Markham, because kids’ brains are still developing the circuitry needed for self-control.
“Children have all kinds of big emotions,” she says. “They don’t have much prefrontal cortex yet. So what we do in responding to our child’s emotions shapes their brain.”
A lot has changed in the Arctic since the Canadian government forced Inuit families to settle in towns. But the community is trying to preserve traditional parenting practices. Johan Hallberg-Campbell for NPR
Markham recommends an approach close to that used by Inuit parents. When the kid misbehaves, she suggests, wait until everyone is calm. Then in a peaceful moment, go over what happened with the child. You can simply tell them the story about what occurred or use two stuffed animals to act it out.
Just be sure you do two things when you replay the misbehavior, she says. First, keep the child involved by asking many questions. For example, if the child has a hitting problem, you might stop midway through the puppet show and ask,”Bobby, wants to hit right now. Should he?”
Second, be sure to keep it fun. Many parents overlook play as a tool for discipline, Markham says. But fantasy play offers oodles of opportunities to teach children proper behavior.
“Play is their work,” Markham says. “That’s how they learn about the world and about their experiences.”
Which seems to be something the Inuit have known for hundreds, perhaps even, thousands of years.
Inuit parents value the playful side of kids even when disciplining them. Above: Maata Jaw and daughter. Johan Hallberg-Campbell for NPR
This story is part of a series from NPR’s Science desk called The Other Side of Anger. There’s no question we are in angry times. It’s in our politics, our schools and homes. Anger can be a destructive emotion, but it can also be a positive force.
[Este artigo está postado neste blogue por tratar-se de material de pesquisa. Não sou apoiador dos métodos da antifa, ainda que esteja absolutamente alinhado com as sua agenda antifascista. RT]
Rachel Miller, 2 de julho de 2020
Quando você ouviu falar sobre a antifa pela primeira vez? Talvez foi com a filmagem viral onde uma figura mascarada socava o neonazista Richard Spencer no dia da posse de Donald Trump. Ou depois do protesto Unite the Right em Charlottesville, Virgínia, em 2017, onde supremacistas brancos gritaram “judeus não vão nos substituir” e espancaram um homem negro com barras de metal, e quando um neonazista assassinou uma mulher jogando seu carro contra uma multidão de contramanifestantes. Depois desse evento, Trump culpou os “dois lados” pelo caso e criticou a “anteeefa!”
No mesmo ano, vários vídeos de ativistas antifascistas viralizaram, mostrando caçambas de lixo sendo incendiadas em protesto contra o troll de extrema-direita Milo Yiannopoulos fazendo um discurso racista e antitrans na Universidade da Califórnia, Berkeley. A presidente da Câmara Nancy Pelosi, uma democrata, condenou as “ações violentas de pessoas que se chamam de antifa”.
Muita gente conheceu a “antifa” através da obsessão de Trump com ela como seu bicho-papão favorito. Nas últimas semanas, os EUA viu um dos levantes liderado por negros mais poderosos de uma geração. Segundo o presidente americano, seu Departamento de Justiça e a Fox News, a antifa é um grupo terrorista bem organizado, responsável pelos aspectos mais violentos dos protestos recentes, guiado por um desejo de destruição.
“Os EUA vai designar a ANTIFA como uma Organização Terrorista”, Trump escreveu num tuíte no começo de junho.
Uma reportagem da Fox News ecoou que a antifa estava “supostamente comandando a turbulência violenta atual”.
Então não é surpresa que muitos dos seus parentes e entes queridos tenham absorvido a noção de que a “antifa” é uma força mascarada terrível, voltada apenas para destruição, que mais atrapalha que ajuda a causa da justiça social. Muitas pessoas bem-intencionadas temem ou condenam a antifa – enquanto apoiam o movimento pelas vidas negras e se opõem a Trump.
Se seus parentes e amigos caem nessa categoria, há razões para ser importante corrigir narrativas falsas sobre o movimento. Primeiro: as falas de Trump sobre a antifa estão sendo usadas para desacreditar o movimento negro atual e para distrair da violência policial racista, enquanto criminalizam ainda mais uma variedade de atividades de protesto. Segundo: se vamos conversar seriamente sobre os tipos de ações que trazem as mudanças sociais e políticas que queremos para o mundo, é importante entender os motivos para certas pessoas escolherem certas táticas, incluindo confronto agressivo e físico com membros da extrema-direita.
Aqui você tem algumas perguntas que podem aparecer conversando com entes queridos sobre o que é a antifa, e qual sua real abordagem para lutar contra a supremacia branca. Esperamos que isso ajude a esclarecer as coisas.
Então: o que realmente é a antifa?
“Antifa” é uma abreviação de “antifascista”. Mas isso pode criar alguma confusão: afinal de contas, fora alguns nacionalistas brancos e neonazistas declarados, muitas pessoas se sentiriam confortáveis em se descrever como “antifascista”, mas não participariam necessariamente de atividades associadas com a antifa. Mas a “antifa” não é apenas uma abreviação para antifascista: a abordagem do movimento é combativa, tomada contra grupos, indivíduos e instituições que perpetuam atos e ideologias fascistas.
Por “combativo”, quero dizer que participantes da antifa se comprometem com o uso de uma variedade de táticas, algumas consideradas violentas, como lutar fisicamente com grupos supremacistas brancos nas ruas e danificar propriedade de instituições dispostas a receber palestrantes e grupos fascistas. Para a antifa, o uso de violência física sempre pode ser chamada de “contra-violência”: eles entendem que há uma violência inerente na ideologia da supremacia branca, e estão disposto a ir contra isso com força física, como socar um neonazista! Um antifa pode ser o primeiro a dar um soco numa briga com uma gangue de extrema-direita, mas supremacistas brancos, por suas crenças, introduzem a violência na cena em primeiro lugar.
A antifa não é uma organização. Não há “líderes antifa” oficiais; não há membros oficiais. Não há uma liderança ou comitê centralizado. A antifa é melhor entendida como uma prática, ou um conjunto de práticas, que grupos podem usar; e às vezes certos coletivos usam o rótulo “antifa” para se descrever – para sinalizar que usam essas táticas e práticas, que incluem, mas não se limitam, a confronto físico com a extrema-direita. Grupos e indivíduos que se identificam como “antifa” em diferentes partes do país, do mundo, ou mesmo em uma cidade, geralmente não estão em contato uns com os outros, mas compartilham o compromisso comum de usar abordagens não-tolerantes similares quando confrontam racistas de extrema-direita se organizando em seu meio.
O historiador Mark Bray, que escreveu o excelente Antifa: O Manual Antifascista, oferece uma ótima analogia: Chamar a antifa de uma organização, ele escreveu, “é como chamar observação de pássaros de uma organização. Sim, há organizações de observação de pássaros, assim como há organizações antifa, mas nem observação de pássaros nem a antifa são organizações”.
Esquerdistas de todos os tipos – anarquistas, comunistas, socialistas democráticos e até liberais – já utilizaram práticas da antifa. Em termos práticos: a ação da antifa que chama mais a atenção do mainstream – lutar com supremacistas brancos nas ruas, ou acabar com comícios e palestras usando força física – é uma parte pequena, embora importante, do trabalho da antifa. Força física é apenas um fio do arco antifa. O arco é focado em fazer o que for necessário para impedir extremistas racistas de se reunir, organizar e espalhar suas ideologias de ódio.
Uma das atividades mais importantes da antifa não tem nada a ver com brigas de rua e protestos combativos. Ela envolve pesquisa: entrar em fóruns supremacistas brancos para descobrir que vozes e grupos estão ganhando tração e planejando eventos. O objetivo é expor as identidades de fascistas que atuam quase sempre anonimamente, e denunciar conteúdo racista em plataformas das redes sociais para que vozes fascistas sejam derrubadas desses sites. Nos melhores cenários, extremistas são removidos de plataformas como o YouTube, que já removeu as contas do ex-líder da Ku Klux Klan David Duke e do nacionalista branco canadense Stefan Molyneux, entre outros. Nessas plataformas, a extrema-direita pode ganhar mais seguidores entre jovens vulneráveis e confusos. É uma atividade antifa por excelência cortar o suprimento de oxigênio que permite que organizações fascistas respirem e se expandam.
Destacando esse aspecto do trabalho antifa, você pode ajudar parentes céticos a começar a entender o propósito da atividade antifa de maneira mais geral. Mesmo pessoas que não gostam de confronto físico vão apreciar que essas pessoas gastem horas e horas para expor a identidade de supremacistas brancos violentos, que podem morar no seu bairro, estar se organizando na sua faculdade e até, como muitas vezes é o caso, trabalhando em departamentos de polícia.
A maioria dos ativistas antifa que conheço tem um compromisso com outras atividades anticapitalistas e de organização para justiça social. Quando alguém veste sua máscara antifa (metaforicamente aqui – porque não existe uma máscara antifa oficial), é para expor e derrubar atividades de grupos supremacistas brancos, racistas, misóginos nacionalistas e anti-LGBTQ em seu meio.
As origens da antifa podem ser encontradas nos esquadrões que batalharam contra os capangas simpatizantes do líder fascista italiano Benito Mussolini e de Adolf Hitler no século passado. São coletivos como o 43 Group na Inglaterra: judeus britânicos que, depois da Segunda Guerra Mundial, formaram gangues para acabar com reuniões de fascistas antissemitas em Londres e outras cidades. Eles não usavam o termo “antifa” para se descrever. Mas usavam táticas que agora associamos com a antifa: eles pesquisavam, localizavam e expunham organizadores fascistas, e os confrontavam nas ruas, incluindo em brigas sangrentas. Acho o 43 Group um exemplo histórico útil, porque eles são considerados heróis por espancar fascistas do pós-guerra na Inglaterra. Mas eles realmente se envolviam em confrontos extremamente combativos, e arrebentavam a cara de fascistas.
Pode surgir a questão de como grupos antifa escolhem seus alvos para oposição combativa hoje. São decisões que essas comunidades precisam tomar no momento. O que não é algo ruim: isso significa levar a sério as ameaças que encaramos enquanto elas surgem. Não acho útil elaborar com antecedência uma lista totalmente clara de quem é ou não um fascista. O fascismo não funciona assim hoje – muitas vezes, simpatizantes de políticas fascistas, como fechar fronteiras, não se chamam de fascistas. Então precisamos entender o fascismo hoje como essas políticas e ideologias que visam exclusões racistas, nacionalistas e patriarcais. A antifa não espera um grupo ter todas as características tradicionais de um partido político fascista do século 20 para considerá-lo um inimigo. Nas últimas décadas, sob a faixa “antifa” pelo mundo todo, coletivos tomaram ações agressivas contra gangues, milícias, políticos e acadêmicos supremacistas brancos.
Por que um grupo antifascista não protesta pacificamente?
O aspecto mais espinhoso da ação antifa é a questão da violência. Debates sobre violência e não-violência dentro de movimentos de protesto continuam, sem acordo sobre uma resolução, há décadas. Tipicamente, defensores de protestos estritamente não-violentos argumentam que usar violência desacredita um movimento, tornando os manifestantes não melhores que as forças a que eles se opõem. Mas aqueles que estão dispostos a usar violência política tendem a também reconhecer a importância e sucessos de táticas de protesto não-violentas, mas acreditam que há ocasiões onde força física é necessária e benéfica: onde é necessário parecer uma ameaça real para as estruturas de poder existentes, ou, no caso da maioria das ações antifa, para criar consequências intoleráveis para fascistas tentando construir movimentos.
Acho que quando você tem esses debates, é necessário pensar sobre o que queremos dizer quando chamamos algo de “violência” e condenamos como tal. Qualquer discussão sobre violência e antifa deve apontar que, desde 1990, tivemos mais de 450 mortes causadas por violência supremacista branca, comparado com apenas uma supostamente relacionada com atividade da esquerda, nos EUA. Mais de 70% dos assassinatos extremistas entre 2008 e 2018 foram cometidos pela extrema-direita. Vale ressaltar isso para um parente que está seguindo a linha de Trump e chamando a “esquerda radical” de a força extremista mais violenta do país.
Como mencionei acima, aqueles que simpatizam com as táticas da antifa veem a abordagem do movimento como uma força radical de legítima defesa: uma ação preventiva para proteger a comunidade da violência inerente de uma organização fascista. O filósofo e ativista negro Cornel West, que participou de um contraprotesto no comício Unite the Right em Charlottesville, disse sobre a antifa: “Eles realmente salvaram nossas vidas. Teríamos sido completamente esmagados”. Ele disse sobre os supremacistas brancos: “Nunca vi esse tipo de ódio na vida”.
Quando surgem questões sobre o papel da antifa na onda atual de levantes negros, você pode explicar que, apesar de insistência sem fundamentos de Trump, grupos explicitamente identificados como antifa dificilmente estão tendo um papel neles. E mesmo que nem todo participante da antifa nos EUA seja branco, acredito que a maioria é – mas isso é difícil de verificar, porque a maior parte da antifa trabalha anonimamente. Conheço indivíduos brancos em Nova York e outras cidades que já se envolveram em ações e protestos da antifa, e que participaram dos protestos recentes mas não em papéis de liderança, apenas em solidariedade com a luta negra.
Neste momento histórico de protestos antirracismo, temos que lembrar que não são apenas grupos que se identificam como “antifa” que resistem de maneira radical a estruturas fascistas e supremacistas brancas. Esse é um legado da tradição radical negra. Num ensaio excelente de William C. Anderson e Zoé Samudzi – cujo trabalho recomendo para entender o antifascismo negro – eles apontam que “formações negras radicais são fundamentalmente antifascistas, apesar de funcionar fora dos espaços antifa ‘convencionais’, e pessoas negras se envolvem em resistência anarquista desde nossa chegada nas Américas”. Os autores fazem uma exigência crucial para aqueles que criticam ação combativa contra fascismo racista e supremacia branca nos EUA: “No mínimo”, ele escrevem, “uma conversa sobre legítima defesa que não confunda nossa sobrevivência como uma forma de violência é profundamente necessária”.
A antifa é eficaz?
Se estou conversando com alguém que é contra a ideia de recorrer a confronto físico ao interagir com extremismo racista ou violência policial, lembro que a pessoa não precisa gostar do uso de contra-violência. É preciso lembrar onde a violência real está nessas situações: com grupos se organizando para apoiar a ideologia assassina da supremacia branca.
As táticas da antifa têm suas limitações, como aqueles que as usam sabem: sabemos, por exemplo que não vamos destruir a história arraigada da supremacia branca nos EUA simplesmente acabando com comícios de extrema-direita e tirando a plataforma de supremacistas brancos. Essas figuras e grupos são a ponta do icebergue racista, mas são mortais, e se sentiram empoderadas com a eleição de Trump.
As táticas da antifa continuam mostrando sucesso em deter organizações racistas nas ruas, faculdades e na internet. Quando o neonazista Spencer cancelou sua turnê por universidades americanas, por exemplo, ele culpou explicitamente a antifa. Chamo isso de um sucesso. E ano passado, quando os misóginos fascistas do Proud Boys marcharam em Portland, eles foram ofuscados por uma multidão de mais de mil contramanifestantes antifascistas, numa intervenção em grande parte pacífica. Foi um exemplo de como a antifa pode usar seus números para humilhar alvos racistas.
Mas e aliberdade de expressão? Os antifascistas não deveriam respeitar o direito dos outros de expressar seus pontos de vista?
Na minha experiência, essa questão é a parte mais difícil de explicar sobre a antifa para parentes liberais. Algum parente pode perguntar se não era melhor a antifa trazer suas divergências com a extrema-direita para o tal “mercado de ideias”, ou levantar a questão do discurso de ódio no sistema judicial. Algumas pessoas ficam imaginando por que participantes da antifa acham que podem resolver as coisas com as próprias mãos.
A noção de que qualquer um, mesmo o racista mais vil, deve ter a permissão de desfrutar do direito de cuspir suas ideias em público é um princípio central do liberalismo americano. Há essa coisa de ver valor tático e moral em permitir que até neonazistas publiquem suas palestras e comícios, acreditando que as falácias de suas visões de ódio são melhores visíveis.
Há algumas maneiras de abordar isso. Primeiro e principalmente, todos vamos concordar que vidas negras e de imigrantes importam – o que um fascista negaria – e isso não é debatível. Isso não é uma questão acadêmica. É uma ameaça para as vidas de pessoas não-brancas.
Ativistas da antifa tomam ação direta e baseada na comunidade precisamente porque entendem que o estado (especialmente sob Trump), a polícia e o sistema legal são instituições racistas e muitas vezes fascistas.
Sempre achei que o aspecto da antifa que quero mais que meus parentes entendam é que o movimento é razoável, não sem noção; é uma resposta razoável para a natureza da organização fascista. As práticas da antifa entendem que o desejo por fascismo não é algo baseado na razão, então não dá pra argumentar com isso. O ponto no certe da ação antifa é trazer consequências desagradáveis na vida real para pessoa que se envolvem com organização fascista. Se a sensação de poder, dominação e pertencimento é o que torna o fascismo atraente – o motivo para jovens brancos estarem entrando nessa – ação antifascista combativa é uma questão de acabar com esse apelo.
A ação da antifa não é brigas e destruição pela própria destruição. Ela é baseada no entendimento de como o fascismo funciona, como o desejo por ele se espalha, e qual o melhor jeito de intervir nisso. As pessoas podem discordar sobre como e quando certas táticas são eficazes, mas as práticas da antifa são baseadas num entendimento estudado do fascismo, e na necessidade de que práticas fascistas simplesmente acabem.
Vou desafiar qualquer parente ou conhecido que exija que antirracistas respondam educadamente para quem está comprometido em manter e fortalecer o status quo da supremacia branca, que é mortal para negros e minorias. Se seu parente continuar mais preocupado com uma vitrine quebrada num protesto do Black Lives Matter, a divergência entre vocês pode não ser realmente sobre as táticas usadas pela antifa, mas sobre quais vidas importam. E, no espírito antifa, pode ser hora de acabar com a conversa.
Protestos não-violentos têm duas vezes mais chances de sucesso do que conflitos armados – e aqueles que atingem um limiar de 3,5% da população nunca falharam em provocar mudanças.
Em 1986, milhões de filipinos tomaram as ruas de Manila em protesto pacífico e oração no movimento People Power. O regime de Marcos caiu no quarto dia.
Em 2003, o povo da Geórgia expulsou Eduard Shevardnadze através da Revolução das Rosas, sem derramamento de sangue, na qual manifestantes invadiram o prédio do parlamento segurando flores.
No início deste ano, os presidentes do Sudão e da Argélia anunciaram que se afastariam depois de décadas no cargo, graças a campanhas pacíficas de protesto.
Em cada caso, a resistência civil de membros comuns do público superou a elite política na obtenção de mudanças radicais.
Obviamente, existem muitas razões éticas para usar estratégias não violentas. Mas uma pesquisa convincente de Erica Chenoweth, cientista política da Universidade de Harvard, confirma que a desobediência civil não é apenas a escolha moral; é também a maneira mais poderosa de moldar a política mundial – por larga vantagem.
A influência de Chenoweth pode ser vista nos protestos recentes do movimento Extinction Rebellion, cujos fundadores dizem terem sido diretamente inspirados por suas descobertas. Como ela chegou a essas conclusões?
Os organizadores da Extinction Rebellion declararam que o trabalho de Chenoweth inspirou sua campanha (Crédito: Getty Images)
É desnecessário dizer que a pesquisa de Chenoweth se baseia nas filosofias de muitas figuras influentes ao longo da história. O abolicionista afro-americano Sojourner Truth, a sufragista Susan B Anthony, o ativista da independência indiana Mahatma Gandhi e o defensor dos direitos civis dos EUA Martin Luther King, todos defenderam, de forma convincente, o poder dos protestos pacíficos.
No entanto, Chenoweth admite que, quando começou sua pesquisa em meados dos anos 2000, ela era inicialmente bastante cética a respeito da ideia de que ações não violentas poderiam ser mais poderosas que conflitos armados, na maioria das situações. Como estudante de doutorado na Universidade do Colorado, ela passou anos estudando os fatores que contribuem para o aumento do terrorismo quando foi convidada a participar de um workshop acadêmico organizado pelo Centro Internacional de Conflitos Não-Violentos (ICNC), uma organização sem fins lucrativos sediada em Washington, D.C. O workshop apresentou muitos exemplos convincentes de protestos pacíficos que provocam mudanças políticas duradouras – incluindo, por exemplo, os protestos do Poder Popular, nas Filipinas.
Chenoweth, porém, ficou surpresa ao descobrir que ninguém havia comparado de maneira abrangente as taxas de sucesso de protestos não-violentos com o dos violentos; talvez os estudos de caso tenham sido simplesmente escolhidos por algum tipo de viés de confirmação. “O ceticismo frente à ideia de que a resistência não-violenta poderia ser um método eficaz para alcançar grandes transformações na sociedade serviu de motivação para a pesquisa”, diz ela.
Trabalhando com Maria Stephan, pesquisadora do ICNC, Chenoweth realizou uma extensa revisão da literatura sobre resistência civil e movimentos sociais de 1900 a 2006 – uma base de dados que foi corroborada por outros especialistas da área. Elas consideraram principalmente tentativas de provocar mudanças de regime. Um movimento era considerado como tendo obtido sucesso se atingisse plenamente suas metas, no prazo de um ano após o pico de engajamento e como resultado direto de suas atividades. Uma mudança de regime resultante de intervenção militar estrangeira não seria considerada um sucesso, por exemplo. Enquanto isso, uma campanha era considerada violenta se envolvesse bombardeios, sequestros, destruição de infraestrutura – ou qualquer outro dano físico a pessoas ou propriedades.
“Estávamos tentando aplicar um teste bastante difícil à resistência não-violenta como estratégia”, diz Chenoweth. (Os critérios eram tão rigorosos que o movimento de independência da Índia não foi considerado evidência a favor de protestos não-violentos, nas análises de Chenoweth e Stephan – uma vez que os recursos militares em decadência da Grã-Bretanha foram considerados um fator decisivo, mesmo que os próprios protestos também tenham tido enorme influência).
Isso foi em parte resultado do fator demográfico. Chenoweth argumenta que as campanhas não-violentas têm maior probabilidade de sucesso porque podem recrutar mais participantes, de uma população muito mais ampla, aumentando a possibilidade de que os protestos causem a paralisia da vida urbana normal e no funcionamento da sociedade.
De fato, das 25 maiores campanhas que elas analisaram, 20 foram não-violentas, e destas 14 obtiveram sucesso estrondoso. No geral, as campanhas não violentas atraíram cerca de quatro vezes mais participantes (200 mil pessoas em média) do que as campanha violentas (média de 50 mil pessoas).
A campanha do Poder Popular contra o regime de Marcos, nas Filipinas, por exemplo, atraiu dois milhões de participantes no seu auge, enquanto os protestos brasileiros em 1984 e 1985 atraíram um milhão, e a Revolução de Veludo, na Tchecoslováquia, em 1989, atraiu 500 mil participantes.
Tendo atraído milhões de apoiadores, as manifestações do Poder Popular removeram o regime de Marcos nas Filipinas (Crédito: Getty Images)
“Os números realmente fazem a diferença para a construção da força dos movimentos que efetivamente representam ameaça para autoridades ou ocupações entrincheiradas”, diz Chenoweth – e protestos não-violentos parecem ser a melhor maneira de obter esse amplo apoio.
Uma vez que cerca de 3,5% de toda a população começa a participar ativamente, o sucesso parece ser inevitável.
Além do movimento Poder Popular, a Revolução do Canto na Estônia e a Revolução das Rosas na Geórgia atingiram a participação de 3,5% da população
“Não houve campanhas que fracassaram depois de atingirem 3,5% de participação durante um evento de pico”, diz Chenoweth – um fenômeno que ela chamou de “regra dos 3,5%”. Além do movimento Poder Popular, o mesmo foi observado na Revolução do Canto na Estônia, no final dos anos 80, e na Revolução das Rosas, na Geórgia, no início de 2003.
Chenoweth admite que inicialmente ficou surpresa com seus resultados. Mas ela agora cita diversas razões pelas quais protestos não-violentos podem obter níveis tão altos de apoio. Talvez, obviamente, os protestos violentos excluam necessariamente as pessoas que têm aversão ou medo ao derramamento de sangue, enquanto manifestantes pacíficos mantêm o movimento com alto nível moral.
Chenoweth ressalta que os protestos não-violentos também têm menos barreiras físicas à participação. Você não precisa estar em forma e saudável para se envolver em uma greve, enquanto campanhas violentas tendem depender do apoio de homens jovens e em boa forma física. E embora muitas formas de protestos não-violentos também apresentem sérios riscos – basta lembrar da Praça da Paz Celestial, na China, em 1989 – Chenoweth argumenta que as campanhas não-violentas são geralmente mais fáceis de discutir abertamente, o que significa que as notícias de sua ocorrência podem atingir um público mais amplo. Movimentos violentos, por outro lado, exigem um suprimento de armas e tendem a depender de operações subterrâneas mais secretas, e podem ter dificuldades em conectar-se à população em geral.
Uma mulher idosa fala às forças de segurança da Argélia durante protestos recentes (Crédito: Getty Images)
Ao envolver amplo apoio em toda a população, as campanhas não-violentas também têm maior probabilidade de obter apoio entre a polícia e as forças armadas – os mesmos grupos em que os governo se apoiam para promover a ordem.
Durante um protesto pacífico de milhões de pessoas nas ruas, os membros das forças de segurança também podem ter mais medo de que seus familiares ou amigos estejam na multidão – o que os induz a não reprimir o movimento. “Ou quando estão olhando para o grande número de pessoas envolvidas, podem chegar à conclusão de que o navio está afundando e não querem afundar com ele”, diz Chenoweth.
Em termos das estratégias específicas usadas, as greves gerais “provavelmente são um dos métodos mais poderosos, se não o mais poderoso, de resistência não-violenta”, diz Chenoweth. Mas eles têm um custo pessoal, enquanto outras formas de protesto podem ser completamente anônimas. Ela aponta os boicotes dos consumidores na África do Sul na era do apartheid, nos quais muitos cidadãos negros se recusavam a comprar produtos de empresas de proprietários brancos. O resultado foi uma crise econômica que afetou a elite branca do país e que contribuiu para o fim da segregação, no início dos anos 90.
Protestos não-violentos têm mais probabilidade de atrair apoio de toda a sociedade. Aqui, uma manifestante pró-reforma frente às forças de segurança no Marrocos, em 2011 (Crédito: Getty Images)
“Existem mais opções de resistência não-violenta que não colocam as pessoas em perigo físico, principalmente à medida que o número aumenta, em comparação à atividade armada”, diz Chenoweth. “E as técnicas de resistência não-violenta costumam ser mais visíveis, de modo que é mais fácil para as pessoas descobrir como participar diretamente e como coordenar suas atividades para a interrupção máxima”.
Número mágico?
Esses são padrões muito genéricos, naturalmente, e apesar de serem duas vezes mais bem-sucedidos do que os conflitos violentos, a resistência pacífica ainda falha 47% das vezes. Como Chenoweth e Stephan apontaram em seu livro, isso ocorre em alguns casos porque os movimentos nunca obtiveram apoio ou impulso suficientes para “erodir a base de poder do adversário e manter a resiliência diante da repressão”. Mas alguns protestos não-violentos relativamente grandes também falharam, como os protestos contra o partido comunista na Alemanha Oriental, na década de 1950, que atraíram 400 mil membros (cerca de 2% da população) no seu auge, e ainda assim não atingiram seus objetivos.
A base de dados de Chenoweth demonstra que é apenas quando os protestos não-violentos atingem o limiar de 3,5% de engajamento ativo que o sucesso está garantido – e chegar a esse nível de apoio não é uma tarefa fácil. No Reino Unido, isso representaria 2,3 milhões de pessoas ativamente envolvidas em um movimento (aproximadamente o dobro do tamanho de Birmingham, a segunda maior cidade do Reino Unido); nos EUA, envolveria 11 milhões de cidadãos – mais do que a população total da cidade de Nova York.
Contudo, permanece o fato de que campanhas não violentas são a única maneira confiável de manter esse tipo de envolvimento.
Um casal comemora a Revolução de Veludo de 1989, que ajudou a derrubar o regime comunista na Tchecoslováquia – outro exemplo da “regras dos 3,5%” de Chenoweth (Crédito: Getty Images)
O estudo inicial de Chenoweth e Stephan foi publicado pela primeira vez em 2011 e suas descobertas atraíram muita atenção desde então. “A influência delas sobre esse campo de pesquisa têm sido imensa”, diz Matthew Chandler, que pesquisa resistência civil na Universidade de Notre Dame, em Indiana.
Isabel Bramsen, estudiosa de conflitos internacionais na Universidade de Copenhague, concorda que os resultados de Chenoweth e Stephan são convincentes. “[Agora] é uma verdade estabelecida dentro do campo de analise que as abordagens não-violentas têm muito mais chances de sucesso do que as violentas”, diz ela.
Com relação à “regra dos 3,5%”, ela ressalta que, enquanto 3,5% é uma pequena minoria, esse nível de participação ativa provavelmente significa que muito mais pessoas concordam tacitamente com a causa.
Estes pesquisadores estão agora tentando desvendar os fatores que podem levar ao sucesso ou fracasso de um movimento. Bramsen e Chandler, por exemplo, enfatizam a importância da unidade entre os manifestantes.
Como exemplo, Bramsen aponta para o levante fracassado no Bahrein, em 2011. A campanha inicialmente envolveu muitos manifestantes, mas rapidamente se dividiu em facções concorrentes. A perda de coesão resultante, pensa Bramsen, impediu o movimento de ganhar impulso suficiente para provocar mudanças.
O interesse de Chenoweth recentemente se concentrou em protestos mais próximos de casa – como o movimento Black Lives Matter e a Marcha das Mulheres em 2017. Ela também está interessada na Extinction Rebellion, recentemente popularizada pelo envolvimento da ativista sueca Greta Thunberg. “Eles confrontam-se com muita inércia”, diz ela. “Mas acho que eles têm um grupo central incrivelmente inteligente e estratégico. E eles parecem ter todos os instintos certos sobre como se desenvolver e ensinar por meio de campanhas de resistência não violentas”.
Por fim, ela gostaria que nossos livros de história prestassem mais atenção às campanhas não violentas, em vez de se concentrarem tanto nas guerras. “Muitas das histórias que contamos uns aos outros se concentram na violência – e mesmo que se trate de desastres horríveis, ainda encontramos uma maneira de encontrar vitórias nela”, diz ela. No entanto, tendemos a ignorar o sucesso dos protestos pacíficos.
“Há pessoas comuns que o tempo todo estão envolvidas em atividades heroicas que estão realmente mudando o mundo – e elas também merecem atenção e comemoração”.
Nonviolent protests are twice as likely to succeed as armed conflicts – and those engaging a threshold of 3.5% of the population have never failed to bring about change.
In 1986, millions of Filipinos took to the streets of Manila in peaceful protest and prayer in the People Power movement. The Marcos regime folded on the fourth day.
In 2003, the people of Georgia ousted Eduard Shevardnadze through the bloodless Rose Revolution, in which protestors stormed the parliament building holding the flowers in their hands.
In each case, civil resistance by ordinary members of the public trumped the political elite to achieve radical change.
There are, of course, many ethical reasons to use nonviolent strategies. But compelling research by Erica Chenoweth, a political scientist at Harvard University, confirms that civil disobedience is not only the moral choice; it is also the most powerful way of shaping world politics – by a long way.
The organisers of Extinction Rebellion have stated that Chenoweth’s work inspired their campaign (Credit: Getty Images)
Needless to say, Chenoweth’s research builds on the philosophies of many influential figures throughout history. The African-American abolitionist Sojourner Truth, the suffrage campaigner Susan B Anthony, the Indian independence activist Mahatma Gandhi and the US civil rights campaigner Martin Luther King have all convincingly argued for the power of peaceful protest.
Yet Chenoweth admits that when she first began her research in the mid-2000s, she was initially rather cynical of the idea that nonviolent actions could be more powerful than armed conflict in most situations. As a PhD student at the University of Colorado, she had spent years studying the factors contributing to the rise of terrorism when she was asked to attend an academic workshop organised by the International Center of Nonviolent Conflict (ICNC), a non-profit organisation based in Washington DC. The workshop presented many compelling examples of peaceful protests bringing about lasting political change – including, for instance, the People Power protests in the Philippines.
But Chenoweth was surprised to find that no-one had comprehensively compared the success rates of nonviolent versus violent protests; perhaps the case studies were simply chosen through some kind of confirmation bias. “I was really motivated by some scepticism that nonviolent resistance could be an effective method for achieving major transformations in society,” she says
Working with Maria Stephan, a researcher at the ICNC, Chenoweth performed an extensive review of the literature on civil resistance and social movements from 1900 to 2006 – a data set then corroborated with other experts in the field. They primarily considered attempts to bring about regime change. A movement was considered a success if it fully achieved its goals both within a year of its peak engagement and as a direct result of its activities. A regime change resulting from foreign military intervention would not be considered a success, for instance. A campaign was considered violent, meanwhile, if it involved bombings, kidnappings, the destruction of infrastructure – or any other physical harm to people or property.
“We were trying to apply a pretty hard test to nonviolent resistance as a strategy,” Chenoweth says. (The criteria were so strict that India’s independence movement was not considered as evidence in favour of nonviolent protest in Chenoweth and Stephan’s analysis – since Britain’s dwindling military resources were considered to have been a deciding factor, even if the protests themselves were also a huge influence.)
This was partly the result of strength in numbers. Chenoweth argues that nonviolent campaigns are more likely to succeed because they can recruit many more participants from a much broader demographic, which can cause severe disruption that paralyses normal urban life and the functioning of society.
In fact, of the 25 largest campaigns that they studied, 20 were nonviolent, and 14 of these were outright successes. Overall, the nonviolent campaigns attracted around four times as many participants (200,000) as the average violent campaign (50,000).
The People Power campaign against the Marcos regime in the Philippines, for instance, attracted two million participants at its height, while the Brazilian uprising in 1984 and 1985 attracted one million, and the Velvet Revolution in Czechoslovakia in 1989 attracted 500,000 participants.
Having attracted millions of supporters, the People Power demonstrations removed the Marcos regime in the Phillipines (Credit: Getty Images)
“Numbers really matter for building power in ways that can really pose a serious challenge or threat to entrenched authorities or occupations,” Chenoweth says – and nonviolent protest seems to be the best way to get that widespread support.
Once around 3.5% of the whole population has begun to participate actively, success appears to be inevitable.
Besides the People Power movement, the Singing Revolution in Estonia and the Rose Revolution in Georgia all reached the 3.5% threshold
“There weren’t any campaigns that had failed after they had achieved 3.5% participation during a peak event,” says Chenoweth – a phenomenon she has called the “3.5% rule”. Besides the People Power movement, that included the Singing Revolution in Estonia in the late 1980s and the Rose Revolution in Georgia in the early 2003.
Chenoweth admits that she was initially surprised by her results. But she now cites many reasons that nonviolent protests can garner such high levels of support. Perhaps most obviously, violent protests necessarily exclude people who abhor and fear bloodshed, whereas peaceful protesters maintain the moral high ground.
Chenoweth points out that nonviolent protests also have fewer physical barriers to participation. You do not need to be fit and healthy to engage in a strike, whereas violent campaigns tend to lean on the support of physically fit young men. And while many forms of nonviolent protests also carry serious risks – just think of China’s response in Tiananmen Square in 1989 – Chenoweth argues that nonviolent campaigns are generally easier to discuss openly, which means that news of their occurrence can reach a wider audience. Violent movements, on the other hand, require a supply of weapons, and tend to rely on more secretive underground operations that might struggle to reach the general population.
An elderly woman talks to the Algerian security forces during the recent protests (Credit: Getty Images)
By engaging broad support across the population, nonviolent campaigns are also more likely to win support among the police and the military – the very groups that the government should be leaning on to bring about order.
During a peaceful street protest of millions of people, the members of the security forces may also be more likely to fear that their family members or friends are in the crowd – meaning that they fail to crack down on the movement. “Or when they’re looking at the [sheer] numbers of people involved, they may just come to the conclusion the ship has sailed, and they don’t want to go down with the ship,” Chenoweth says.
In terms of the specific strategies that are used, general strikes “are probably one of the most powerful, if not the most powerful, single method of nonviolent resistance”, Chenoweth says. But they do come at a personal cost, whereas other forms of protest can be completely anonymous. She points to the consumer boycotts in apartheid-era South Africa, in which many black citizens refused to buy products from companies with white owners. The result was an economic crisis among the country’s white elite that contributed to the end of segregation in the early 1990s.
Nonviolent protests are more likely to attract support from across society. Here a pro-reform protestor faces security forces in Morocco in 2011 (Credit: Getty Images)
“There are more options for engaging and nonviolent resistance that don’t place people in as much physical danger, particularly as the numbers grow, compared to armed activity,” Chenoweth says. “And the techniques of nonviolent resistance are often more visible, so that it’s easier for people to find out how to participate directly, and how to coordinate their activities for maximum disruption.”
A magic number?
These are very general patterns, of course, and despite being twice as successful as the violent conflicts, peaceful resistance still failed 47% of the time. As Chenoweth and Stephan pointed out in their book, that’s sometimes because they never really gained enough support or momentum to “erode the power base of the adversary and maintain resilience in the face of repression”. But some relatively large nonviolent protests also failed, such as the protests against the communist party in East Germany in the 1950s, which attracted 400,000 members (around 2% of the population) at their peak, but still failed to bring about change.
In Chenoweth’s data set, it was only once the nonviolent protests had achieved that 3.5% threshold of active engagement that success seemed to be guaranteed – and raising even that level of support is no mean feat. In the UK it would amount to 2.3 million people actively engaging in a movement (roughly twice the size of Birmingham, the UK’s second largest city); in the US, it would involve 11 million citizens – more than the total population of New York City.
The fact remains, however, that nonviolent campaigns are the only reliable way of maintaining that kind of engagement.
A couple commemorate the Velvet Revolution of 1989, which helped bring down Communist rule in Czechoslovakia – another example of Chenoweth’s “3.5% rule” (Credit: Getty Images)
Chenoweth and Stephan’s initial study was first published in 2011 and their findings have attracted a lot of attention since. “It’s hard to overstate how influential they have been to this body of research,” says Matthew Chandler, who researches civil resistance at the University of Notre Dame in Indiana.
Isabel Bramsen, who studies international conflict at the University of Copenhagen agrees that Chenoweth and Stephan’s results are compelling. “It’s [now] an established truth within the field that the nonviolent approaches are much more likely to succeed than violent ones,” she says.
Regarding the “3.5% rule”, she points out that while 3.5% is a small minority, such a level of active participation probably means many more people tacitly agree with the cause.
These researchers are now looking to further untangle the factors that may lead to a movement’s success or failure. Bramsen and Chandler, for instance, both emphasise the importance of unity among demonstrators.
As an example, Bramsen points to the failed uprising in Bahrain in 2011. The campaign initially engaged many protestors, but quickly split into competing factions. The resulting loss of cohesion, Bramsen thinks, ultimately prevented the movement from gaining enough momentum to bring about change.
Chenoweth’s interest has recently focused on protests closer to home – like the Black Lives Matter movement and the Women’s March in 2017. She is also interested in Extinction Rebellion, recently popularised by the involvement of the Swedish activist Greta Thunberg. “They are up against a lot of inertia,” she says. “But I think that they have an incredibly thoughtful and strategic core. And they seem to have all the right instincts about how to develop and teach through a nonviolent resistance campaigns.”
Ultimately, she would like our history books to pay greater attention to nonviolent campaigns rather than concentrating so heavily on warfare. “So many of the histories that we tell one another focus on violence – and even if it is a total disaster, we still find a way to find victories within it,” she says. Yet we tend to ignore the success of peaceful protest, she says.
“Ordinary people, all the time, are engaging in pretty heroic activities that are actually changing the way the world – and those deserve some notice and celebration as well.”
—
David Robson is a senior journalist at BBC Future. Follow him on Twitter: @d_a_robson.
Os indígenas chamam a pandemia de xawara. Um jovem da etnia morreu de Covid-19, em Boa Vista, Roraima.
A imagem é da Expedição Yanomami Okrapomai (Christian Braga/Midia Ninja/2014)
São Gabriel da Cachoeira (AM) – “A floresta protege porque ela tem um cheiro muito saudável, isso é a proteção que a floresta dá para nós Yanomami. A floresta tem mais proteção porque o ar não é contaminado. Muitos já foram para se proteger na floresta porque evitam de pegar gripe e outras doenças aqui na comunidade. Estão por lá se alimentando com caça, pesca, agora é muito açaí e muita fruta que está tendo na floresta”.
É assim, como se vê na fala da liderança Yanomami, José Mário Pereira Góes, que os indígenas estão se protegendo contra o coronavírus. Ele é presidente da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), no Amazonas. Tal como os mais velhos fizeram para fugir de epidemias já enfrentadas no passado, como sarampo, gripes e coqueluche, os indígenas dessa etnia estão se refugiando no interior da floresta amazônica para se afastar do risco de contrair a Covid-19, a doença que causa uma pandemia no mundo e é responsável pela morte de um jovem da etnia.
Na comunidade Maturacá, localizada em São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do Amazonas, pelo menos 12 famílias partiram para o interior da floresta. Outros grupos familiares se preparam para seguir o mesmo caminho. “O nosso povo Yanomami está alerta. A hora que chega em São Gabriel essa doença, vamos nos deslocar e estamos fazendo farinhada para a gente se isolar os 40 dias no mato. E a hora que tiver três casos, quatro casos, não vai ficar ninguém na comunidade. Só vai ficar pelotão, missão. Só isso que vai estar aqui na comunidade”, diz José Góes.
Assembleia para discutir turismo no Pico da Neblina, em Maturacá (Foto: João Claudio Moreira/Amazônia Real)
Em Boa Vista, capital de Roraima, o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, Dario Vitório Kopenawa explica que esse movimento de isolamento no interior da floresta amazônica não é uma tarefa fácil para os Yanomami. Muitas das comunidades se fixaram perto de locais onde há posto de saúde. É por isso que há divisão entre quem se refugiou na floresta e quem permaneceu na comunidade. “Algumas minorias foram para o isolado. A maioria ainda está na comunidade, ficando isolado na maloca”, explica.
Dario acompanha a movimentação dos Yanomami para dentro da floresta, recebendo informações via radiofonia, da sede da Hutukara, e relata que a ida para o mato vem acontecendo no Marauiá (região do Rio Marauiá); Parawa-u e Demini, todos no Amazonas. Em Roraima, é o subgrupo Ninam que segue a mesma estratégia. A família de Dario – inclusive seu pai, a liderança e xamã Yanomami Davi Kopenawa -, está na região Demini, buscando proteção na floresta.
Também via rádio, o vice-presidente da Hutukara tem notícias de que os xamãs vêm trabalhando na tentativa de conhecer a doença. “Pandemia coronavírus para nós é xawara. Os Yanomami pajés e médicos da floresta estão trabalhando reconhecendo essa doença. Assim os xamãs me falaram”, diz Dario Kopenawa.
O isolamento em São Gabriel
Fiscais orientam população em São Gabriel da Cachoeira na terça-feira, 28 de abri (Foto: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real)
A viagem da sede de São Gabriel da Cachoeira para Maturacá leva cerca de 10 horas, dependendo das condições da estrada e de navegação pelo Rio Negro e seus afluentes. No domingo (26), a prefeitura do município confirmou os dois primeiros casos de coronavírus e, no dia seguinte, houve a confirmação outros dois. É grande a possibilidade de já estar havendo a transmissão comunitária. Desses quatro pacientes, três são indígenas e um é militar do Exército.
José Mário Góes, presidente da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), está em Maturacá e respondeu à reportagem da Amazônia Real por meio da mensagem de áudio de WhatsApp. O acesso à internet é possível porque durante parte do dia eles conseguem captar o sinal pela proximidade com o 5º Pelotão Especial de Fronteira do Exército.
“Quando uma família vai, outras famílias vão, a vizinhada vai. Porque na comunidade somos todos parentes, então eles levaram toda a família”, disse a liderança indígena. Cada grupo está construindo pequenos abrigos para morar por cerca de 40 dias. Além de se manterem com frutas, caça e pesca, levam alimentos. Se for necessário, voltam à comunidade para reforçar os mantimentos. “Levaram alimentos principais como farinha, banana, tapioca, beiju, e também café, açúcar, arroz, feijão e materiais de caça e pesca. E quando acaba os alimentos eles vêm buscar banana, pegar estoque de farinha”, relata Góes.
“Deixar as casas e ficar por um tempo na floresta é uma estratégia que algumas famílias já estão fazendo. Diferente de nós que estamos enfrentando pela primeira vez uma epidemia, os Yanomami têm experiências recentes que dizimaram comunidades inteiras e os sobreviventes foram os que se isolaram no mato”, explica o assessor do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA), Marcos Wesley de Oliveira.
Essa estratégia pode ser comparada ao isolamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde, aponta Marcos Wesley. “Os Yanomami sabem que até o momento não há remédio ou vacina eficazes contra a Covid-19”, reforça.
O município de São Gabriel da Cachoeira tem uma população de mais de 45 mil habitantes, a maioria indígenas de 23 etnias, segundo a taxa atualizada do Censo do IBGE. Desse total, 25 mil moram nas aldeias e comunidades, em territórios demarcados, segundo a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn).
Para evitar que os indígenas de Maturacá, cuja população total é de cerca de 2.000 pessoas, façam a viagem até São Gabriel para fazer compras, o ISA e a Foirn enviam cestas básicas e kits de higiene para a comunidade. Esse material será levado por avião do Exército, segundo protocolo de higienização e distribuição para evitar a contaminação da Covid-19.
Em artigo publicada na Amazônia Real, o antropólogo francês Bruce Albert citou um trecho do livro A queda do Céu, escrito em conjunto por ele e pelo xamã e líder Davi Kopenawa Yanomami, para falar sobre a morte do jovem, em Boa Vista. O adolescente foi sepultado sem o conhecimento dos pais e sem o respeito aos rituais de seu povo. Ao tratar do tema funeral, o antropólogo sugeriu ao leitor “reler A queda do Céu, pp. 267-68, onde Davi Kopenawa conta como sua mãe morreu numa epidemia de sarampo trazida pelos missionários da Novas Tribos do Brasil (aliás, Ethnos360) e como estes sepultaram o cadáver à revelia num lugar até hoje desconhecido: Por causa deles, nunca pude chorar a minha mãe como faziam nossos antigos. Isso é uma coisa muito ruim. Causou-me um sofrimento muito profundo, e a raiva desta morte fica em mim desde então. Foi endurecendo com o tempo, e só terá fim quando eu mesmo acabar. ”
Movimento nas ruas de São Gabriel da Cachoeira na manhã de segunda-feira (27/04/2020) (Foto: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real)
A morte do adolescente Yanomami despertou o temor desse povo, inclusive em Maturacá. “Essa morte traz alerta para que isso não acabe com povo Yanomami. Como aconteceu na região do Irokae, morrendo adultos, jovens e crianças, os idosos, como aconteceu isso não queremos que aconteça mais. Por isso estamos alerta por aqui”, afirma José Mário Góes.
Irokae é o primeiro acampamento para o Pico da Neblina, denominado pelos Yanomami de Yaripo, a Montanha de Vento. Essa trilha seria reaberta para o turismo em abril, mas foi adiada devido à pandemia. Anos atrás, na tentativa de fugir da coqueluche, os grupos seguiram por esse caminho, mas alguns acabaram morrendo.
“Essa doença de agora, o coronavírus, aqui em Maturacá, representa epidemia de coqueluche como aconteceu na região de Irokae. O que está acontecendo com os napë (forasteiro, homem branco), isso já aconteceu aqui para nós Yanomami na região do Irokae, onde fica a trilha do Yaripo”, relata José Mário. “Nossos avós já tiveram outra doença, como epidemia de coqueluche, que matou muitas crianças e os mais velhos. Eles não querem que repita essa história. Morreu até um pajé nessa epidemia. Então como fizeram agora, eles foram para a floresta, na região do frio, chegaram até lá no pico. É lá que ficam os restos mortais dos nossos parentes e por isso que nós falamos que temos histórias no caminho do Yaripo”, relata José Góes.
Outro problema enfrentado no passado foi o sarampo. “Aqui na comunidade, em Maturacá, onde está situado o polo base de saúde. Então era um xapono (casa coletiva) onde tivemos epidemia de sarampo. Também nós fizemos o movimento como estamos fazendo hoje aqui, mas não teve jeito. Pessoas fugiram, mas teve óbito nas crianças. Morreu muita criança e adulto. É a mesma história que eles não querem que repita. ”
Para os Yanomami, o vírus é um tipo de envenenamento. “Nós observamos que o próprio napë faz envenenamento no ser humano para dizer que é vírus. Isso é epidemia, é um vírus que afeta qualquer ser humano e acaba com a vida do ser humano. Isso tem na nossa realidade como aconteceu com nossos antepassados o que está acontecendo hoje no mundo inteiro. Até no Brasil e no exterior”, diz José Góes.
Em busca de proteção, os Yanomami recorrem a ensinamentos de seus antepassados. Após a confirmação dos casos em São Gabriel, as lideranças tradicionais iniciaram a chamada “recura’ para que a doença saia do lugar e seja levada pelo vento para onde não tem ser humano.
Ele ouviu batidas fortes na porta. Estranho, pensou o sacerdote –ele não estava esperando ninguém.
Marcos Figueiredo foi até a entrada do terreiro e abriu a porta.
Armas. Três delas. Todas apontadas para ele.
O “Bonde de Jesus” havia chegado. Eram três membros de uma quadrilha de cristãos evangélicos extremistas que assumiu o controle do bairro pobre de Parque Paulista, em Duque de Caxias.
Primeiro a quadrilha montou barreiras nas ruas para impedir a entrada da polícia e criar um refúgio seguro para o tráfico a uma hora de carro do Rio de Janeiro. Agora, estava atacando qualquer pessoa cuja religião não se alinhasse com a sua. Isso incluía impor o fechamento de templos de religiões de matriz africana, como o terreiro de candomblé de Marcos Figueiredo.
“Ninguém aqui quer saber de macumba”, disse um dos agressores a Figueiredo, segundo o depoimento que ele deu às autoridades. “Você tem uma semana para acabar com isso daqui tudo.”
Eles foram embora dando tiros no ar e deixando Figueiredo com uma escolha impossível: sua fé ou sua vida.
É uma decisão que mais brasileiros estão sendo forçados a tomar. À medida que o cristianismo evangélico reconfigura o mapa espiritual do maior país da América Latina, atraindo dezenas de milhões de fiéis, conquistando poder político e ameaçando a hegemonia histórica da Igreja Católica, seus fiéis mais radicais, em muitos casos filiados a gangues criminosas, vêm atacando com frequência crescente membros de minorias religiosas não cristãs no Brasil.
Sacerdotes foram mortos. Crianças foram apedrejadas. Uma idosa foi gravemente ferida. Provocações e ameaças de morte são comuns. As quadrilhas hasteiam a bandeira de Israel, país visto por alguns evangélicos como necessário para assegurar o retorno de Cristo à terra.
Como a santeria e o vodu, o candomblé tem suas raízes nas crenças trazidas para a América Latina por escravos vindos da África ocidental. E está desaparecendo de comunidades inteiras.
“Alguns deles se dizem ‘traficantes de Jesus’, criando uma identidade singular”, disse Gilbert Stivanello, comandante da unidade de crimes de intolerância da polícia do Rio de Janeiro. “Eles portam armas e vendem drogas, mas se sentem no direito de proibir as religiões de matriz africana, dizendo que estão ligadas ao demônio.”
A violência crescente deixa os evangélicos tradicionais chocados. “Quando vejo esses terreiros, rezo contra eles, porque há uma influência demoníaca em ação ali”, comentou o missionário americano David Bledsoe, que vive no Brasil há duas décadas. “Mas eu condenaria esses atos.”
O Rio de Janeiro, que durante muito tempo abrigou um conjunto diverso de religiões afro-brasileiras, hoje também é o centro do neopentecostalismo brasileiro, uma vertente acirrada do movimento evangélico que é mais frequentemente vinculada à intolerância.
Frequentemente defendidas pelos pastores pentecostalistas brasileiros, ideias como essas agora ecoam nas favelas cariocas.
As denúncias de ataques contra adeptos das religiões afro-brasileiras aumentaram de 14 em 2016 para 123 nos dez primeiros meses deste ano no estado do Rio de Janeiro. As autoridades estaduais dizem que essas cifras são inferiores ao número real; muitas vítimas teriam medo de abrir a boca.
Mais de 200 terreiros foram fechados neste ano em função de ameaças, segundo a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), sediada no Rio. É o dobro do número do ano passado. Milhares de pessoas foram privadas de seus locais de culto.
Marcos Figueiredo não tinha dinheiro para se mudar para outro lugar. Não podia fundar uma congregação nova. Tinha que fazer uma opção.
Resistir? Ou fechar seu terreiro?
Ele tinha uma semana para decidir.
REVOLUÇÃO ESPIRITUAL
Em uma geração o Brasil passou por uma transformação espiritual como a de poucos outros lugares no planeta. Ainda em 1980, cerca de nove em cada dez brasileiros se identificavam como católicos. Mas essa parcela caiu vertiginosamente, para 50%, e em pouco tempo será superada pela dos evangélicos, que hoje formam um terço da população.
O televangelismo corre solto na TV. A indústria de música evangélica movimenta cerca de US$1 bilhão. Políticos evangélicos puxaram o país para a direita nas questões sociais. E o sistema carcerário, há anos o maior centro de recrutamento das quadrilhas criminosas, virou o campo de uma conversão.
Pesquisas revelam que 81 das cem organizações religiosas que trabalham com questões sociais dentro dos presídios são evangélicas. A IURD diz que despachou um exército de 14 mil fiéis voluntários para converter os detentos.
A professora de sociologia Cristina Vital da Cunha, da Universidade Federal Fluminense, estuda há décadas o evangelismo nas favelas cariocas. Ela disse: “Alguns pastores e denominações fizeram uma aposta estratégica na conversão dos traficantes nos locais privilegiados na hierarquia do crime”.
Jorge Duarte, 63, era sacerdote do terreiro de candomblé mais antigo do Parque Paulista. Ele se recorda de quando o Terceiro Comando Puro tomou o poder, por volta de 2012.
O Terceiro Comando Puro controlava a programação dos terreiros, decretando um toque de recolher, permitindo as celebrações religiosas apenas em dias determinados e limitando o número de fiéis que podiam ir aos terreiros. Carros desconhecidos que entrassem na comunidade eram barrados por homens armados. O uso de roupas brancas, tradicionais no candomblé, foi proibido em público.
Começaram a chegar a Parque Paulista histórias de perseguição religiosa em outras partes da cidade: disseram a uma menina de 11 anos que ela ia arder no inferno e depois lhe deram uma pedrada na cabeça. Uma mulher de 65 anos foi apedrejada. Imagens de seu rosto ferido se espalharam pela televisão em toda a cidade.
Uma sacerdotisa de candomblé foi forçada sob a mira de armas a destruir todos os artefatos em seu terreiro, enquanto bandidos a atormentavam.
“Todo o mal precisa ser desfeito em nome de Jesus!”, disse um homem em um vídeo da agressão. “Sou a favor da honra e glória de Jesus!”, acrescentou outro. “Quebre tudo, porque você é o diabo!”, outro comandou.
Faz dois anos que Carmen Flores foi forçada a destruir seus artefatos –seus vasos de cerâmica e estatuetas de orixás. Mas ela ainda ouve as provocações em sua cabeça.
“Tenho medo de alguém vir para cá e nos massacrar”, disse Flores, 68. “Tenho medo de sair para a rua. Tenho medo de pegar o ônibus. E não sou só eu.”
TERROR RELIGIOSO
Pouco depois da visita que fizeram a Marcos Figueiredo, os homens do Bonde de Jesus foram ao terreiro mais antigo do Parque Paulista. Quatro membros da quadrilha bateram à porta, apontaram uma arma para a sacerdotisa de 86 anos e mandaram que ela destruísse todos os objetos religiosos da casa e ateasse fogo a ela.
“É tortura psicológica”, disse sua neta, Vivian Lessa. “Você tem uma coisa como sagrada e é forçada a quebrar essa coisa, enquanto eles ficam dizendo ‘ninguém vem te salvar’.”
Isso mostrou a Figueiredo tudo o que ele precisava saber. Se a quadrilha estava disposta a fazer isso com uma senhora de 86 anos, o que não faria com ele?
Ele não resistiria. Fecharia o terreiro.
Em agosto, a polícia anunciou a prisão do Bonde de Jesus, formado por oito membros do Terceiro Comando Puro. Segundo as autoridades, no prazo de algumas semanas seus integrantes haviam destruído ou forçado o fechamento de um terreiro depois de outro. Um dos homens era o líder do Terceiro Comando no Parque Paulista. Além de suas responsabilidades na quadrilha, trabalhava como pastor evangélico.
Figueiredo viu os relatos da imprensa mas não viu os rostos de seus agressores entre os detidos. Eles ainda estavam lá fora e retornariam. E quando o fizessem, como ele poderia confiar que outros moradores o ajudassem, sendo que não haviam ajudado antes? Como poderia confiar que o governo ajudaria, quando tantos políticos são evangélicos?
Seria mais seguro fechar o terreiro. Em pouco tempo, todos os terreiros que ele conhecia no Parque Paulista tinham desaparecido.
“Este daqui fechou”, disse Figueiredo, percorrendo o bairro de carro e apontando para uma casa abandonada.
“Fechado, também”, falou, vendo outra. “Lá na frente havia outro terreiro, mas fechou as portas.”
Olhando para o bairro, onde sua religião foi proibida, Figueiredo enxergou o futuro.
O que mudou na
política indigenista no último meio século
MANUELA CARNEIRO
DA CUNHA
Em 1967, o ministro
do Interior, general Afonso Augusto de Albuquerque Lima, ordenou a realização
de uma comissão de inquérito administrativo para apurar os delitos praticados
pelo Serviço de Proteção aos Índios (spi).
Queria punir funcionários e moralizar o órgão. Nomeou para presidir a comissão
o procurador federal Jáder de Figueiredo Correia. A iniciativa havia tardado
quatro anos e derivava das graves denúncias de desmandos administrativos e
financeiros no relatório de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (cpi), de 1963. Jader de Figueiredo Correia
fez valer que a cpi havia apenas
examinado os anos de 1962 e 1963 e ainda assim só três inspetorias do spi, uma no Amazonas e duas no Mato
Grosso. O ministro foi levado a estender o âmbito do inquérito a todo o Brasil.
A
Comissão Figueiredo percorreu uns cem postos indígenas dos cerca de 130
existentes, em cinco inspetorias regionais do spi
e apresentou um relatório de quase 7mil páginas datilografadas. Incluía uma
síntese em que descrevia muito mais do que problemas administrativos e os
corriqueiros desvios financeiros. Denunciava com indignação crimes e violações
de direitos humanos contra os indígenas. Dava nomes, detalhes e provas. Havia
conluio de funcionários do spi com
fazendeiros, políticos locais, arrendatários, mineradoras; havia corrupção e
desvio de dinheiro, apropriação de recursos, usurpação do trabalho dos índios; dilapidação
do patrimônio dos índios, com venda de gado, de madeira, de castanha e outros
produtos extrativistas, exploração de minérios, doação criminosa de terras;
havia trabalho obrigatório ou escravo, venda de crianças, maus-tratos,
espancamentos, prostituição, cárcere privado, seviciamento, torturas, suplício
no tronco que esmagava os tornozelos, mortes por deixar faltar remédios,
assassinatos, em suma um vasto rol de “crimes contra a pessoa e o patrimônio do
índio”. Em termos estatísticos, os crimes por ganância eram os mais comuns, mas
os crimes contra a pessoa mais hediondos.
Jáder
Figueiredo salientou também a omissão na
assistência devida pelo spi aos
índios, “a mais eficiente maneira de praticar o assassinato”. E por fim
explicitamente mencionou a omissão
institucional do spi diante de
massacres de extermínio. Citou o massacre por fazendeiros no Maranhão de toda
uma “nação” indígena sem que o spi
se interessasse. Mencionou denúncias, nunca apuradas pelo spi, de inoculação de vírus da varíola
que provocou a “extinção da tribo localizada em Itabuna na Bahia, para que se
pudesse distribuir suas terras entre figurões do governo”. Falou do que passou
a ser chamado de “Massacre do Paralelo 11”, quando os cintas-largas em Mato
Grosso, atacados por dinamite jogada de avião, foram envenenados por açúcar com
estricnina, abatidos por metralhadora e pendurados e cortados ao meio, de cima
a baixo com um facão, sem que se ninguém incomodasse os perpetradores do crime.
Esse relatório foi divulgado oficialmente em
1968. O próprio ministro Albuquerque Lima, diga-se em sua honra, deu uma
entrevista coletiva para a imprensa em 20 de março e consta que o Diário Oficial publicou o relatório
conclusivo em setembro de 1968.[1]
O ministro do Interior continuou a divulgar massacres dos craôs, dos canelas,
dos maxacalis, dos nhambiquaras, dos tapaiunas. Em dezembro de 1968, com o Ato
Institucional nº 5, a situação mudou e aparentemente os documentos foram
arquivados. O paradeiro do Relatório
Figueiredo ficou ignorado durante mais de quatro décadas e só reapareceu em
2012, graças ao pesquisador Marcelo Zelic, que o identificou no Museu do Índio,
no Rio de Janeiro. Tornou-se imediatamente uma fonte essencial para o capítulo
sobre os povos indígenas na Comissão da Verdade que investigou crimes do Estado
contra os índios de 1946 a 1988.
O Relatório Figueiredo levou à criação e
funcionamento efêmero de uma nova cpi
do Índio em 1968, encerrada por ocasião do ai-5,
com a cassação de alguns de seus membros; e ensejou a extinção do spi e a criação da Funai (Fundação
Nacional do Índio) para substituí-lo.
O
spi havia sido fundado em 1910,em
decorrência de outra acusação de chacinas de índios nos estados do Paraná e
Santa Catarina para dar lugar nas terras aos imigrantes europeus. A denúncia
foi feita no16º Congresso Internacional de Americanistas, em Viena, em 1908, e
provocou no Brasil forte reação de cunho nacionalista. Acabou desaguando, com a
participação de Cândido Mariano da Silva Rondon e do movimento positivista, na
criação do Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores
Nacionais. No intuito de proteger negocialmente os índios, o Código Civil de
1916 passou a classificá-los como “incapazes relativamente a certos atos ou à
maneira de os exercer”, o mesmo status que tinham as mulheres casadas (essa situação
perdurou até 1962) e os jovens entre 16 e 21 anos. Assim enquadrados no Código
Civil, os índios passaram a merecer a proteção de um tutor, papel que foi
atribuído ao Estado e que este delegou ao spi
e ao órgão que o substituiu em 1967, a Funai.
O
Relatório Figueiredo causou grande
indignação na opinião pública e repercutiu amplamente na imprensa do país e do
exterior. Chegou a ser assunto da primeira página do New York Times no dia seguinte à sua divulgação. Assinado por Paul
L. Montgomery e usando excertos do Relatório Figueiredo, mencionava um
escândalo de assassinatos, estupros e roubos cometidos contra os índios no
Brasil nos últimos vinte anos.
A
palavra “genocídio” foi criada em 1944 para designar a política nazista de
extermínio de judeus e ciganos. Uma Convenção para a Prevenção e a Repressão do
Crime de Genocídio, organizada pela onu
em 1948, caracterizou o crime e definiu as punições a ele. Desde então,“genocídio”
foi o termo empregado para caracterizar o que os turcos praticaram contra os armênios,
em 1915, ou os hutus aos tutsis, em Ruanda, em 1994.
A
lei brasileira no 2889, de 1o de outubro de
1956, seguindo a formulação da onu,
definiu como genocídio o crime praticado com a intenção de destruir, no todo ou
em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso. São eles: “a) matar
membros do grupo; b) causar lesão grave à integridade física ou mental de
membros do grupo; c) submeter intencionalmente o grupo a condições de
existência capazes de ocasionar-lhe a destruição física total ou parcial; d) adotar
medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) efetuar a
transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.”
Embora
as denúncias da comissão de inquérito presidida por Figueiredo se encaixassem
na definição acima, a palavra “genocídio” não constava no relatório final do
procurador-geral. Diante do risco de o tema entrar na pauta da primeira
Conferência Internacional sobre Direitos Humanos, em Teerã, e pressionado pelo
Itamaraty, o Ministério do Interior tentou minimizar a situação declarando: “Os
pretensos crimes de genocídio praticados contra índios brasileiros não passam
de conflitos muito mais violentos na história de outros povos entre a cobiça da
civilização sem humanismo e a propriedade do silvícola, desequipado mental e
materialmente para defendê-la.” (Jornal
do Brasil, 10 de abril de 1968)
A longa reportagem
que a Piauí publica da página 38 à 50
insere-se nesse contexto. Foi escrita por um celebrado jornalista do século xx, o inglês Norman Lewis (1908-2003),
que o diário The Sunday Times enviou ao
Brasil em 1968, acompanhado de um importante fotógrafo de guerra, Don McCullin.
Lewis era um escritor prolífico e muito respeitado – ficaria famoso por seus
livros de viagem e suas reportagens internacionais, a respeito de povos tribais
da Índia, de conflitos na Indonésia, da guerra francesa na Indochina e de um
clássico do jornalismo sobre a Segunda Guerra Mundial, o livro Nápoles 1944. Sua matéria, que estampava
em letras garrafais o título “Genocide”, foi publicada na Sunday Times Magazine, em 23 de fevereiro de 1969 – e seria posteriormente
editada no livro A View of the World:
Selected Journalism. A reportagem causou tal impacto na opinião pública
britânica e europeia, que motivou a criação da ong
inglesa Survival International, dedicada à defesa de povos indígenas no mundo
inteiro, ativa até hoje.
O texto de Lewis é autoexplicativo e tenho poucos comentários
a fazer sobre ele. O jornalista recua ao século xvi
para mostrar que a dizimação dos povos indígenas das Américas não representava
novidade na década de 60. Só os métodos haviam mudado. Em sua narrativa, dá muito
realce à figura do fazendeiro, à sua cobiça pelas terras dos índios. Pode-se
dizer que Lewis e McCullin viajam pelo Brasil numa época em que se encerra uma fase
do indigenismo, caracterizada pela iniciativa, digamos, privada do fazendeiro e
pela omissão institucional do spi e,
portanto, do Estado. Enquanto isso, está entrando em cena a Funai, criada às
vésperas do grande projeto dos anos 70 de “integração da Amazônia” para ser a
ponta de lança de uma política ativa do próprio Estado, que irá deslocar e
varrer os povos indígenas que estariam obstando os projetos de infraestrutura e
de ocupação de terras por aliados do regime. Foi sobretudo nessa época que se insistiu
na alegação de que os índios representariam um entrave ao desenvolvimento.
O que mudou
meio século depois do Relatório
Figueiredo? Na prática, pouca coisa. Os índios continuam sendo mortos a
bala e resistindo como podem à espoliação de suas terras. Declarações do
presidente Jair Bolsonaro estimularam, antes mesmo de sua posse, a violência
contra os índios, as populações tradicionais, os funcionários da Funai e os do Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (icmbio).
Os vários povos indígenas que, depois de uma primeira experiência desastrosa
com a dita civilização, preferiram se isolar, estão agora reaparecendo,
encurralados pelo “desenvolvimento”. São os mais vulneráveis e só terão alguma chance
se for mantida a política de não estimular novos contatos.
À
falta de mudanças nas velhas práticas, o que mudou, e muito, foi a teoria. A
ideia de “integração” deixou de ser sinônimo de assimilação. A missão do Estado
não é mais entendida como sendo a de descaracterizar sociedades indígenas para
trazê-las ao regaço da civilização,
até porque elas só têm a perder nesse regaço. Integrar não é mais tentar eliminar
diferenças, e sim articular com justiça as diferenças que existem. Assim, a
Constituição de 1988, no caput do
artigo 231, declara algo, isso sim, muito novo: “São reconhecidos aos índios
sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições…” E no
parágrafo 1º do mesmo artigo, ao caracterizar o que são terras indígenas, são
incluídas todas aquelas necessárias à reprodução física e cultural dos índios.
A
diversidade biológica e social deixou de ser vista como um passivo: é um ativo,
como enfatizou recentemente a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
(sbpc). Foi-se o tempo em que
derrubar a mata significava fazer uma benfeitoria, em que massacrar índios era
“desinfestar os sertões”. Na era da biomimética e da busca por novos princípios
ativos, a floresta em pé e seus melhores conhecedores, que são as populações
tradicionais, tornam o Brasil um campo de imenso potencial para a inovação de
ponta. E consta que se conhecem até agora apenas uns 10% dos supostos 2 milhões
de espécies de fauna, flora e microorganismos da nossa biodiversidade.
Hoje,
o Brasil se orgulha internacionalmente de sua megadiversidade socioambiental.
No Censo do ibge de 2010,
contaram-se 305 etnias e 274 línguas diferentes, inclusive de troncos
linguísticos completamente distintos. E pela sua diversidade biológica, o Brasil
figura com grande destaque no seleto grupo de dezessete países.
Os
conhecimentos e práticas dos povos indígenas têm sido reconhecidos em foros
internacionais, como ficou patente no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas
(ipcc, na sigla em inglês), criado
em 1988, e na Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços
Ecossistêmicos (ipbes, na sigla em
inglês), de 2012. A arqueologia brasileira tem posto em evidência que o
enriquecimento da cobertura e dos solos da floresta – as fertilíssimas “terras
pretas” – é fruto das práticas de populações indígenas desde a era
pré-colombiana até hoje. E sabe-se agora que na Amazônia foram domesticadas
dezenas de plantas, entre as quais a batata-doce, a mandioca, o cará, a
abóbora, o amendoim e o cacau. Um artigo publicado recentemente mostra que até mesmo
o milho, originário do México, passou por uma segunda domesticação na Amazônia.
Os
povos indígenas e comunidades tradicionais são também provedores da diversidade
das plantas agrícolas, a chamada agrobiodiversidade, fundamental para a
segurança alimentar. A Revolução Verde do pós-guerra, que investiu nas
variedades mais produtivas de cada espécie agrícola, teve grande sucesso no
volume das colheitas, mas produziu danos colaterais. Um deles foi a perda
maciça de variedades agrícolas, como as de arroz na Índia e de milho no México.
Foi
a falta de diversidade das variedades cultivadas de batata que levou à Grande
Fome da Irlanda, entre 1845 e 1849. Domesticada nos Andes, onde existem até
hoje mais de quatro mil variedades com diferentes propriedades e resistência a
doenças, a batata se tornou no século xviii
a base da alimentação de boa parte da Europa, onde só poucas variedades,
entretanto, foram selecionadas. Quando um fungo destruiu por completo e por
vários anos seguidos as batatas plantadas na Irlanda, a fome causou a morte de um
milhão de pessoas e a emigração de outras tantas.
A
consciência do risco criado pela perda da diversidade levou o próprio pai da
Revolução Verde, Norman Borlaug, a propor a criação dos chamados bancos de
germoplasma pelo mundo afora, para a conservação das variedades de plantas. Mas
não basta: as plantas e seus inimigos, como os fungos, encontram-se em uma perpétua
escalada armamentista. A cada novo ataque, as plantas desenvolvem novas
defesas, num processo de coevolução, que também ocorre devido a mudanças de
outra natureza, como as climáticas.
Essa
coevolução não se dá em bancos de germoplasma, onde as variedades estão
depositadas para se conservarem sem mudanças. Por isso é essencial que elas
continuem a ser cultivadas. Órgãos científicos cuidam disso mediante pesados investimentos.
Mas povos indígenas e comunidades tradicionais também mantêm por conta própria,
por gosto e tradição, as variedades em cultivo e observam as novidades. É por
isso que no Alto Rio Negro há mais de 100 variedades de mandioca; nos caiapós, 56
variedades de batata-doce; nos canelas, 52 de favas; nos kawaiwetes, 27 de
amendoim; nos wajãpis, 17 de algodão; nos baniuas, 78 de pimenta – sem falar na
diversidade de espécies em cada roçado e quintal. Para os caiapós, bonito é um
roçado com muita diversidade, pois os povos indígenas são mais do que
selecionadores de variedades de uma mesma espécie. Eles são, de fato, colecionadores.
A
tragédia irlandesa das batatas se tornou uma história exemplar. Mostrou que se
deve dosar a produtividade e a diversidade. É coisa que o mercado financeiro tanto
quanto a ecologia ensinam: a homogeneidade é perigo sério. A quem pergunta o
que produzem os povos indígenas, pode-se responder que eles são e produzem
justamente a diversidade. De graça.
O chamado “interesse
nacional” é um coringa muito utilizado, mas pouco analisado. Onde exatamente
reside o interesse nacional no caso dos indígenas? Um exemplo interessante é o
da mineração em suas terras. A partir da década de 70, o projeto Radam (Radar
da Amazônia) começou a fazer o mapeamento aéreo da região e criou grande
expectativa para as companhias de mineração. Rapidamente, o mapa da Amazônia
ficou coberto de pedidos de pesquisa e de lavra.
Na
Constituinte de 1988, as mineradoras, em sua maioria de capital estrangeiro,
combateram com afinco as restrições à lavra em terras indígenas. Tinham o apoio
do economista Roberto Campos, então senador. Foi a Coordenação Nacional dos
Geólogos, a Conage, que defendeu essas restrições. Lembrou que, na exploração
mineral, não existe segunda safra, e que era de interesse nacional manter
reservas minerais em terras indígenas. Nesse embate, o interesse nacional foi
defendido pela Conage contra as mineradoras. O que mudou agora?
O
mapa das terras indígenas do Brasil é eloquente: as maiores estão em áreas que
até há pouco tempo não interessavam a ninguém, e são extensas justamente por
isso. Povos indígenas, como os macuxis, foram levados ou atraídos pelo próprio
Estado no século xviii para as
fronteiras mais sensíveis do país com o objetivo de lá constituir uma fronteira
viva, “uma muralha do sertão”. Hoje, são os ashaninkas do Acre que, por conta
própria, rechaçam invasores madeireiros do Peru. Seja como for, foi sábia a
Carta de 1988, ao ter mantido a tradição constitucional brasileira de definir
as terras indígenas como propriedade da União, embora de posse exclusiva
permanente dos índios. O Estado pode e deve estar presente nas fronteiras.
Inclusive para defender os índios e para ser defendido por eles quando
necessário.
Se
continuarmos a olhar o mapa das terras indígenas, veremos que, não por acaso,
nas áreas de colonização antiga, as terras indígenas são diminutas. E nas que
foram ocupadas por fazendas nos anos 40, durante a “marcha para o oeste” (sul de
Mato Grosso e oeste do Paraná), o conflito é permanente. Esses conflitos
incessantes são, aliás, um bom motivo para manter a Funai na alçada do
Ministério da Justiça, que teria maior agilidade, já que coordena a Polícia
Federal, para intervir quando necessário.
Quais
são os mais eficientes blocos políticos com que o Brasil poderia se alinhar na defesado
interesse nacional? O Ministério do Meio Ambiente publicou que o valor da
biodiversidade brasileira é incalculável e que os serviços ambientais que
oferece, “enquanto base da indústria de biotecnologia e de atividades
agrícolas, pecuárias, pesqueiras e florestais”, são estimados em trilhões de
dólares anuais. Dada a importante atuação do Brasil no bloco dos países
megadiversos, é favorável ao interesse nacional abandonar esse grupo?
Perguntaram-me
há alguns dias o que eu esperava da política do novo governo. Minha resposta é
esta: espero que cumpra a Constituição de 1988.
[1] Baseio-me
aqui na primorosa pesquisa de mestrado em memória social de Elena Guimarães,
defendido em 2015 na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (uni-Rio) com orientação de José R. Bessa
Freire, intitulada “Relatório Figueiredo: entre tempos, narrativas e memórias”.
GEZA TELEKI. A eleição de um macaco do norte do Parque Nacional de Gombe como macho alfa causou tensão na comunidade de chimpanzés e, principalmente, com dois rivais, Charlie e Hugh
A única guerra civil documentada entre chimpanzés selvagens começou com um assassinato brutal.
Era janeiro de 1974, e um chimpanzé chamado Godi fazia sua refeição, sozinho, nos galhos de uma árvore no Parque Nacional de Gombe, na Tanzânia.
Mas Godi não reparou que, enquanto comia, oito macacos o rodearam. “Ele pulou da árvore e correu, mas eles o agarraram”, disse o primatologista britânico Richard Wrangham ao documentário da BBC The Demonic Ape (O Macaco Demoníaco, em tradução livre).”Um deles conseguiu agarrar um de seus pés, outro lhe prendeu pela mão. Ele foi imobilizado e surrado. O ataque durou mais de cinco minutos e, quando o deixaram, ele mal conseguia se mover.
“Godi nunca mais foi visto.
O episódio é conhecido como o início do que a famosa primatologista britânica Jane Goodall chamou de “A Guerra dos 4 Anos”, o conflito que dividiu uma comunidade de chimpanzés em Gombe e desatou uma onda de assassinatos e violência que, desde então, nunca mais foi registrada.
GETTY IMAGES. O assassinato brutal do primata Godi marcou o início da sangrenta “Guerra de 4 anos” dos chimpanzés em Gombe
No entanto, o motivo exato e a causa da divisão são um “eterno mistério”, disse Joseph Feldblum, professor de antropologia evolutiva da Universidade de Duke, nos Estados Unidos, em um comunicado da instituição.
No mês passado, Feldblum liderou um estudo publicado na revista científica American Journal of Physical Anthropology que revela a história de “poder, ambição e ciúmes” que deu origem à guerra entre os primatas.
Macacos e humanos
Feldblum está há 25 anos arquivando e digitalizando as anotações que Goodall fez durante seus mais de 55 anos vivendo no Parque Nacional de Gombe.
A primatologista, que na última terça-feira completou 84 anos, mudou tudo o que acreditávamos saber sobre os chimpanzés (e sobre os seres humanos) ao descobrir que esses macacos fabricavam e usavam ferramentas, tinham uma linguagem primitiva e eram capazes de entender o que seus pares pensavam.
Mas Goodall também descobriu a crueldade que esses animais podiam demonstrar.
GETTY IMAGES. A primatologista Jane Goodall, que lidera uma fundação de pesquisa e conservação com seu nome, acompanhou toda a guerra dos chimpanzés nos anos 1970
Foram quatro anos documentando saques, surras e assassinatos entre as facções Kasakela e Kahama, que ficavam ao norte e ao sul do parque, respectivamente.
Nesse tempo, por exemplo, um terço das mortes de chimpanzés machos em Gombe foram perpetreadas pelos próprios animais.
A guerra, disse Goodall no documentário da BBC, “só fez com que os chimpanzés se parecessem ainda mais conosco do que se pensava”.
A violência foi tão excessiva e única que alguns investigadores sugeriram que ela foi provocada involuntariamente pela própria Goodall, que montou uma estação de observação no local onde os animais recebiam alimentos.
De acordo com essas teorias, “as duas comunidades de chimpanzés poderiam ter existido o tempo todo ou estavam se dissolvendo quando Goodall começou sua pesquisa, e a estação de alimentação os reuniu em uma trégua temporária até que eles se separaram novamente”, disse o comunicado da Universidade de Duke.
“Mas os novos resultados de uma equipe de Duke e da Universidade Estadual do Arizona sugerem que alguma coisa a mais estava acontecendo.”
GETTY IMAGES. Os chimpanzés são capazes de violência, mas pesquisadores dizem que o ocorrido entre 1974 e 1978 excedeu todos os registros de brutalidade
Amigos e inimigos
No novo estudo, os pesquisadores analisaram as mudanças nas alianças entre 19 chimpanzés machos durante os sete anos anteriores à guerra.
Para isso, elaboraram mapas detalhados das redes sociais dos primatas, nas quais os machos eram considerados amigos se fossem vistos chegando juntos à estação de alimentação com maior frequência.
“Sua análise sugere que, durante os primeiros anos, entre 1967 e 1970, os machos do grupo original estavam misturados”, disse Duke.
Foi aí que a comunidade começou a se dividir: enquanto alguns passavam mais tempo no norte, outros estavam a maior parte do tempo no sul.
Em 1972, a socialização entre os machos já ocorria exclusivamente dentro das facções Kasakela ou Kahama.
GETTY IMAGES. Ao ver chegar os macacos do sul, os do norte “subiam nas árvores, havia muitos gritos e demonstrações de poder”, diz um novo estudo sobre o episódio
Ao se encontrarem, eles começavam a atirar galhos uns nos outros, a gritar ou fazer outras demonstrações de força.
“Escutávamos gritos do sul e dizíamos: ‘Os machos do sul estão vindo!'”, relembra Anne Pusey, professora de antropologia evolutiva da Universidade de Duke que esteve em Gombe com Goodall e é coautora do estudo atual.
“Nessa hora, todos os machos do norte subiam nas árvores e ouvíamos muitos gritos e demonstrações de poder.”
Três suspeitos
A partir do momento que ocorreu a divisão entre os grupos, os pesquisadores acreditam que o conflito surgiu por causa de “uma luta pelo poder entre três machos de alta categoria”: Humphrey, um macho alfa recém-coroado pelo grupo do norte, e seus rivais do sul, Charlie e Hugh.
GETTY IMAGES. Violência entre três machos líderes afetou toda a rede de vínculos sociais, sem distinguir idade nem sexo
“Humphrey era grande e se sabia que ele atirava pedras, o que era assustador. Ele conseguia intimidar Charlie e Hugh separadamente, mas, quando estavam juntos, ele se mantinha fora do caminho”, diz Pussey no comunicado da universidade.
Durante quatro anos, o grupo de Humphrey destruiu o grupo do sul, e diversos machos “rebeldes” morreram ou desapareceram. O maior dos grupos invadia sistemativamente o território alheio e, se encontrasse um chimpanzé rival, o atacava cruelmente e o deixava morrer em decorrência dos ferimentos.
De acordo com a pesquisa, a disponibilidade de fêmeas foi mais baixa do que o normal nesse período, o que provavelmente exacerbou a luta pelo domínio do território.
A violência, por sua vez, não se limitou a esses três machos rivais, mas afetou toda a rede de vínculos sociais dos primatas, sem distinguir idade nem sexo.
Os pesquisadores reconhecem que a falta de outros eventos semelhantes na natureza torna mais difícil comparar os novos resultados, mas o trabalho pode trazer certa paz a Goodall.
“A situação foi terrível”, disse a britânica, reconhecendo que sua estação de observação de fato pode ter “aumentado a violência” entre os primatas.
“Acho que a parte mais triste foi ter observado a sequência de eventos em que uma comunidade maior aniquilou por completo a menor e tomou seu território.”
Why do people pay for experiences deliberately marketed as painful? According to a new study, consumers will pay big money for extraordinary — even painful — experiences to offset the physical malaise resulting from today’s sedentary lifestyles.
Why do people pay for experiences deliberately marketed as painful? According to a new study in the Journal of Consumer Research, consumers will pay big money for extraordinary — even painful — experiences to offset the physical malaise resulting from today’s sedentary lifestyles.
“How do we explain that on the one hand consumers spend billions of dollars every year on analgesics and opioids, while exhausting and painful experiences such as obstacle races and ultra-marathons are gaining in popularity?” asked authors Rebecca Scott (Cardiff University), Julien Cayla (Nanyang Technological University), and Bernard Cova (KEDGE Business School).
Tough Mudder is a grueling adventure challenge involving about 25 military-style obstacles that participants — known as Mudders — must overcome in half a day. Among others, its events entail running through torrents of mud, plunging into freezing water, and crawling through 10,000 volts of electric wires. Injuries have included spinal damage, strokes, heart attacks, and even death.
Through extensive interviews with Mudders, the authors learned that pain helps individuals deal with the reduced physicality of office life. Through sensory intensification, pain brings the body into sharp focus, allowing participants who spend much of their time sitting in front of computers to rediscover their corporeality.
In addition, the authors write, pain facilitates escape and provides temporary relief from the burdens of self-awareness. Electric shocks and exposure to icy waters might be painful, but they also allow participants to escape the demands and anxieties of modern life.
“By leaving marks and wounds, painful experiences help us create the story of a fulfilled life spent exploring the limits of the body,” the authors conclude. “The proliferation of videos recording painful experiences such as Tough Mudder happens at least partly because a fulfilled life also means exploring the body in its various possibilities.”
Journal Reference:
Rebecca Scott, Julien Cayla, Bernard Cova. Selling Pain to the Saturated Self. Journal of Consumer Research, 2017; DOI: 10.1093/jcr/ucw071
Brad Evans: Throughout your work you have dealt with the dangers of ignorance and what you have called the violence of “organized forgetting.” Can you explain what you mean by this and why we need to be attentive to intellectual forms of violence?
Henry Giroux: Unfortunately, we live at a moment in which ignorance appears to be one of the defining features of American political and cultural life. Ignorance has become a form of weaponized refusal to acknowledge the violence of the past, and revels in a culture of media spectacles in which public concerns are translated into private obsessions, consumerism and fatuous entertainment. As James Baldwin rightly warned, “Ignorance, allied with power, is the most ferocious enemy justice can have.”
The warning signs from history are all too clear. Failure to learn from the past has disastrous political consequences. Such ignorance is not simply about the absence of information. It has its own political and pedagogical categories whose formative cultures threaten both critical agency and democracy itself.
What I have called the violence of organized forgetting signals how contemporary politics are those in which emotion triumphs over reason, and spectacle over truth, thereby erasing history by producing an endless flow of fragmented and disingenuous knowledge. At a time in which figures like Donald Trump are able to gain a platform by promoting values of “greatness” that serve to cleanse the memory of social and political progress achieved in the name of equality and basic human decency, history and thought itself are under attack.
Once ignorance is weaponized, violence seems to be a tragic inevitability. The mass shooting in Orlando is yet another example of an emerging global political and cultural climate of violence fed by hate and mass hysteria. Such violence legitimates not only a kind of inflammatory rhetoric and ideological fundamentalism that views violence as the only solution to addressing social issues, it also provokes further irrational acts of violence against others. Spurrned on by a complete disrespect for those who affirm different ways of living, this massacre points to a growing climate of hate and bigotry that is unapologetic in its political nihilism.
It would be easy to dismiss such an act as another senseless example of radical Islamic terrorism. That is too easy. Another set of questions needs to be asked. What are the deeper political, educational, and social conditions that allow a climate of hate, racism, and bigotry to become the dominant discourse of a society or worldview? What role do politicians with their racist and aggressive discourses play in the emerging landscapes violence? How can we use education, among other resources, to prevent politics from being transformed into a pathology? And how might we counter these tragic and terrifying conditions without retreating into security or military mindsets?
Violence maims not only the body, but also the mind and the spirit.
B.E.: You insist that education is crucial to any viable critique of oppression and violence. Why?
H.G.: I begin with the assumption that education is fundamental to democracy. No democratic society can survive without a formative culture, which includes but is not limited to schools capable of producing citizens who are critical, self-reflective, knowledgeable and willing to make moral judgments and act in a socially inclusive and responsible way. This is contrary to forms of education that reduce learning to an instrumental logic that too often and too easily can be perverted to violent ends.
So we need to remember that education can be both a basis for critical thought and a site for repression, which destroys thinking and leads to violence. Michel Foucault wrote that knowledge and truth not only “belong to the register of order and peace,” but can also be found on the “side of violence, disorder, and war.” What matters is the type of education a person is encouraged to pursue.
It’s not just schools that are a site of this struggle. “Education” in this regard not only includes public and higher education, but also a range of cultural apparatuses and media that produce, distribute and legitimate specific forms of knowledge, ideas, values and social relations. Just think of the ways in which politics and violence now inform each other and dominate media culture. First-person shooter video games top the video-game market while Hollywood films ratchet up representations of extreme violence and reinforce a culture of fear, aggression and militarization. Similar spectacles now drive powerful media conglomerates like 21st Century Fox, which includes both news and entertainment subsidiaries.
As public values wither along with the public spheres that produce them, repressive modes of education gain popularity and it becomes easier to incarcerate people than to educate them, to model schools after prisons, to reduce the obligations of citizenship to mere consumption and to remove any notion of social responsibility from society’s moral registers and ethical commitments.
B.E.: Considering Hannah Arendt’s warning that the forces of domination and exploitation require “thoughtlessness” on behalf of the oppressors, how is the capacity to think freely and in an informed way key to providing a counter to violent practices?
H.G.: Young people can learn to challenge violence, like those in the antiwar movement of the early ’70s or today in the Black Lives Matter movement.
Education does more than create critically minded, socially responsible citizens. It enables young people and others to challenge authority by connecting individual troubles to wider systemic concerns. This notion of education is especially important given that racialized violence, violence against women and the ongoing assaults on public goods cannot be solved on an individual basis.
Violence maims not only the body but also the mind and spirit. As Pierre Bourdieu has argued, it lies “on the side of belief and persuasion.” If we are to counter violence by offering young people ways to think differently about their world and the choices before them, they must be empowered to recognize themselves in any analysis of violence, and in doing so to acknowledge that it speaks to their lives meaningfully.
There is no genuine democracy without an informed public. While there are no guarantees that a critical education will prompt individuals to contest various forms of oppression and violence, it is clear that in the absence of a formative democratic culture, critical thinking will increasingly be trumped by anti-intellectualism, and walls and war will become the only means to resolve global challenges.
Creating such a culture of education, however, will not be easy in a society that links the purpose of education with being competitive in a global economy.
B.E.: Mindful of this, there is now a common policy in place throughout the education system to create “safe spaces” so students feel comfortable in their environments. This is often done in the name of protecting those who may have their voices denied. But given your claim about the need to confront injustice, does this represent an ethically responsible approach to difficult subject matters?
Critical education should be viewed as the art of the possible rather than a space organized around timidity, caution and fear.
H.G.: There is a growing culture of conformity and quietism on university campuses, made evident in the current call for safe spaces and trigger warnings. This is not just conservative reactionism, but is often carried out by liberals who believe they are acting with the best intentions. Violence comes in many forms and can be particularly disturbing when confronted in an educational setting if handled dismissively or in ways that blame victims.
Yet troubling knowledge cannot be condemned on the basis of making students uncomfortable, especially if the desire for safety serves merely to limit access to difficult knowledge and the resources needed to analyze it. Critical education should be viewed as the art of the possible rather than a space organized around timidity, caution and fear.
Creating safe spaces runs counter to the notion that learning should be unsettling, that students should challenge common sense assumptions and be willing to confront disturbing realities despite discomfort. The political scientist Wendy Brown rightly argues that the “domain of free public speech is not one of emotional safety or reassurance,” and is “ not what the public sphere and political speech promise.” A university education should, Brown writes, “ call you to think, question, doubt” and “ incite you to question everything you assume, think you know or care about.”
This is particularly acute when dealing with pedagogies of violence and oppression. While there is a need to be ethically sensitive to the subject matter, our civic responsibility requires, at times, confronting truly intolerable conditions. The desire for emotionally safe spaces can be invoked to protect one’s sense of privilege — especially in the privileged sites of university education. This is further compounded by the frequent attempts by students to deny some speakers a platform because their views are controversial. While the intentions may be understandable, this is a dangerous road to go down.
Confronting the intolerable should be challenging and upsetting. Who could read the testimonies of Primo Levi and not feel intellectually and emotionally exhausted? Or Martin Luther King Jr.’s words, not to mention those of Malcolm X? It is the conditions that produce violence that should upset us ethically and prompt us to act responsibly, rather than to capitulate to a privatized emotional response that substitutes a therapeutic language for a political and worldly one.
There is more at work here than the infantilizing notion that students should be protected rather than challenged in the classroom; there is also the danger of creating a chilling effect on the part of faculty who want to address controversial topics such as war, poverty, spectacles of violence, racism, sexism and inequality. If American society wants to invest in its young people, it has an obligation to provide them with an education in which they are challenged, can learn to take risks, think outside the boundaries of established ideologies, and expand the far reaches of their creativity and critical judgment. This demands a pedagogy that is complicated, taxing and disruptive.
B.E.: You place the university at the center of a democratic and civil society. But considering that the university is not a politically neutral setting separate from power relations, you are concerned with what you term “gated intellectuals” who become seduced by the pursuit of power. Please explain this concept.
H.G.: Public universities across the globe are under attack not because they are failing, but because they are they are considered discretionary — unlike K-12 education for which funding is largely compulsory. The withdrawal of financial support has initiated a number of unsavory responses: Universities have felt compelled to turn towards corporate management models. They have effectively hobbled academic freedom by employing more precarious part-time instead of full-time faculty, and they increasingly treat students as consumers to be seduced by various campus gimmicks while burying the majority in debt.
My critique of what I have called “gated intellectuals” responds to these troubling trends by pointing to an increasingly isolated and privileged full-time faculty who believe that higher education still occupies the rarefied, otherworldly space of disinterested intellectualism of Cardinal Newman’s 19th century, and who defend their own indifference to social issues through appeals to professionalism or by condemning as politicized those academics who grapple with larger social issues. Some academics have gone so far as to suggest that criticizing the university is tantamount to destroying it. There is a type of intellectual violence at work here that ignores and often disparages the civic function of education while forgetting Hannah Arendt’s incisive admonition that “education is the point at which we decide whether we love the world enough to assume responsibility for it.”
Supported by powerful conservative foundations and awash in grants from the defense and intelligence agencies, such gated intellectuals appear to have forgotten that in a democracy it is crucial to defend the university as a crucial democratic public sphere. This is not to suggest that they are silent. On the contrary, they provide the intellectual armory for war, the analytical supports for gun ownership, and lend legitimacy to a host of other policies that lead to everyday forms of structural violence and poverty. Not only have they succumbed to official power, they collude with it.
B.E.: I feel your recent work provides a somber updating of Arendt’s notion of “dark times,” hallmarked by political and intellectual catastrophe. How might we harness the power of education to reimagine the future in more inclusive and less violent terms?
H.G.: The current siege on higher education, whether through defunding education, eliminating tenure, tying research to military needs, or imposing business models of efficiency and accountability, poses a dire threat not only to faculty and students who carry the mantle of university self-governance, but also to democracy itself.
The solutions are complex and cannot be addressed in isolation from a range of other issues in the larger society such as the defunding of public goods, the growing gap between the rich and the poor, poverty and the reach of the prison-industrial complex into the lives of those marginalized by class and race.
We have to fight back against a campaign, as Gene R. Nichol puts it, “to end higher education’s democratizing influence on the nation.” To fight this, faculty, young people and others outside of higher education must collectively engage with larger social movements for the defense of public goods. We must address that as the welfare state is defunded and dismantled, the state turns away from enacting social provisions and becomes more concerned about security than social responsibility. Fear replaces compassion, and a survival-of-the-fittest ethic replaces any sense of shared concern for others.
Lost in the discourse of individual responsibility and self-help are issues like power, class and racism. Intellectuals need to create the public spaces in which identities, desires and values can be encouraged to act in ways conducive to the formation of citizens willing to fight for individual and social rights, along with those ideals that give genuine meaning to a representative democracy.
Any discussion of the fate of higher education must address how it is shaped by the current state of inequality in American society, and how it perpetuates it. Not only is such inequality evident in soaring tuition costs, inevitably resulting in the growing exclusion of working- and middle-class students from higher education, but also in the transformation of over two-thirds of faculty positions into a labor force of overworked and powerless adjunct faculty members. Faculty need to take back the university and reclaim modes of governance in which they have the power to teach and act with dignity, while denouncing and dismantling the increasing corporatization of the university and the seizing of power by administrators and their staff, who now outnumber faculty on most campuses.
In return, academics need to fight for the right of students to be given an education not dominated by corporate values. Higher education is a right, and not an entitlement. It should be free, as it is in many other countries, and as Robin Kelley points out, this should be true particularly for minority students. This is all the more crucial as young people have been left out of the discourse of democracy. Rather than invest in prisons and weapons of death, Americans need a society that invests in public and higher education.
There is more at stake here than making visible the vast inequities in educational and economic opportunities. Seeing education as a political form of intervention, offering a path toward racial and economic justice, is crucial in reimagining a new politics of hope. Universities should be subversive in a healthy society. They should push against the grain, and give voice to the voiceless the powerless and the whispers of truth that haunt the apostles of unchecked power and wealth. Pedagogy should be disruptive and unsettling, while pushing hard against established orthodoxies. Such demands are far from radical, and leave more to be done, but they point to a new beginning in the struggle over the role of higher education in the United States.
Government says 330 million people are suffering from water shortages after monsoons fail
An armed guard at a reservoir in Tikamgarh in the central Indian state of Madhya Pradesh. Photograph: Money Sharma/AFP/Getty Images
Agence France-Presse
Monday 2 May 2016 08.38 BST / Last modified on Monday 2 May 2016 09.40 BST
As young boys plunge into a murky dam to escape the blistering afternoon sun, armed guards stand vigil at one of the few remaining water bodies in a state hit hard by India’s crippling drought.
Desperate farmers from a neighbouring state regularly attempt to steal water from the Barighat dam, forcing authorities in central Madhya Pradesh to protect it with armed guards to ensure supplies.
India is officially in the grip of its worst water crisis in years, with the government saying that about 330 million people, or a quarter of the population, are suffering from drought after the last two monsoons failed.
“Water is more precious than gold in this area,” Purshotam Sirohi, who was hired by the local municipality to protect the dam, in Tikamgarh district, told AFP.
“We are protecting the dam round the clock.”
An Indian villager walks between rocks as he crosses a depleted reservoir in Tikamgarh in the central Indian state of Madhya Pradesh. Photograph: Money Sharma/AFP/Getty Images
But the security measures cannot stop the drought from ravaging the dam, with officials saying it holds just one month of reserves.
Four reservoirs in Madhya Pradesh have already dried up, leaving more than a million people with inadequate water and forcing authorities to bring in supplies using trucks.
Almost a 100,000 residents in Tikamgarh get piped water for just two hours every fourth day, while municipal authorities have ordered new bore wells to be dug to meet demand.
But it may not be enough, with officials saying the groundwater level has receded more than 100 feet (30 metres) owing to less than half the average annual rainfall in the past few years.
“The situation is really critical, but we are trying to provide water to everyone,” Laxmi Giri Goswami, chairwoman of Tikamgarh municipality, told AFP.
“We pray to rain gods for mercy,” she said.
A man stands on a parched lake bed as he removes dead fish and rescues the surviving ones in Ahmadabad, India. Photograph: Ajit Solanki/AP
In the nearby village of Dargai Khurd, only one of 17 wells has water.
With temperatures hovering around 45C, its 850 residents fear they may soon be left thirsty.
“If it dries up, we won’t have a drop of water to drink,” said Santosh Kumar, a local villager.
Farmers across India rely on the monsoon – a four-month rainy season which starts in June – to cultivate their crops, as the country lacks a robust irrigation system.
Two weak monsoons have resulted in severe water shortages and crop losses in as many as 10 states, prompting extreme measures including curfews near water sources and water trains sent to the worst-affected regions.
Many farmers are now moving to cities and towns to work as labourers to support their families.
At a scruffy, makeshift camp in north Mumbai, in one of the worst-affected states, dozens of migrants who have fled their drought-stricken villages queue to fill plastic containers with water.
Pots are lined up to be filled with drinking water at a slum in Mumbai. Photograph: Rajanish Kakade/AP
Migrants from rural areas usually come to the city in January or February to get jobs on construction sites, but people were still arriving in March and April.
“There are some 300-350 families here. That’s a total of more than 1,000 people,” said Sudhir Rane, a volunteer running the camp in Mumbai’s Ghatkopar suburb. “There is a drought and there is no water back home so more families have come here this year.”
Families are allocated a small space in the dusty wasteland, where rickety tented homes are made from wooden posts and tarpaulin sheets.
“We had no choice but to come here. There was no water, no grain, no work. There was nothing to eat and drink. What could we do?” said 70-year-old Manubai Patole. “We starved for five days. At least here we are getting food.”
Weather forecasters in New Delhi this month predicted an above-average monsoon, offering a ray of hope for the country’s millions of farmers and their families.
But many, like Gassiram Meharwal from Bangaye village in Madhya Pradesh, are not optimistic as they struggle to cultivate their crops.
Meharwal’s two-acre farm has suffered three wheat crop failures in as many years, costing him an estimated 100,000 rupees ($1,500 or £1,000).
“Our fields are doomed, they have almost turned into concrete,” he said.
Thousands of acres of land in his village go uncultivated and fears are mounting for the cattle, which face a shortage of fodder.
Desperate for income, 32-year-old Meharwal, who supports eight members of his family including his children and younger brothers, left to work as a labourer in the city of Gwalior, four hours away.
“There is no guarantee that it will rain this year. Predictions are fine but no one comes to your help when the crops fail,” he said.
“It is better to use your energy breaking stones.”
Ano 4 – nº 289 – 22 de março de 2016 – FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO
Estudo lançado hoje pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) discute a violência letal no país, que tem evoluído de maneira bastante desigual nas unidades federativas e microrregiões, atingindo crescentemente os moradores de cidades menores no interior e no Nordeste. Segundo o estudo, naqueles estados em que se verificou queda dos homicídios, políticas públicas qualitativamente consistentes foram adotadas, como no caso de São Paulo, Pernambuco, Espírito Santo e Rio de Janeiro. O gráfico abaixo mostra a evolução das taxas de homicídio no país por regiões de 2004 a 2014.
Segundo o estudo, os homicídios no Brasil em 2014 representam mais de 10% dos homicídios registrados no mundo e colocam o Brasil como o país com o maior número absoluto de homicídios. O Brasil apresentaria ainda uma das 12 maiores taxas de homicídios do mundo. Tal tragédia, segundo o estudo, traz implicações na saúde, na dinâmica demográfica e, por conseguinte, no processo de desenvolvimento econômico e social, uma vez que 53% dos óbitos de homens na faixa etária de 15 a 19 anos são ocasionados por homicídios.
Quanto à escolaridade, o estudo mostra que as chances de vitimização para os indivíduos com 21 anos de idade e menos de oito anos de estudo são 5,4 vezes maiores do que os do mesmo grupo etário e oito ou mais anos de estudo: a educação funciona como um escudo contra os homicídios. Ainda, o estudo mostra que, aos 21 anos de idade, quando há o pico das chances de uma pessoa sofrer homicídio no Brasil, negros possuem 147% a mais de chances de ser vitimados por homicídios, em relação a indivíduos brancos, amarelos e indígenas. Ocorreu também, de 2004 a 2014, um acirramento da diferença de letalidade entre negros e não negros na última década.
O estudo ainda chama a atenção para as especificidades da violência de gênero no país, que por vezes fica invisibilizada diante dos ainda maiores números da violência letal entre homens ou mesmo pela resistência em reconhecer este tema como um problema de política pública.
No caso de mortes causadas por agentes do Estado em serviço, o estudo aponta uma “evidente a subnotificação existente”. Argumenta-se que a letalidade policial é a expressão mais dramática da falta de democratização das instituições responsáveis pela segurança pública no país.
O estudo ainda aponta, por meio de um modelo estatístico, que, ao contrário do que deseja parcela do nosso congresso nacional, se a vitimização violenta assumiu contornos de uma tragédia social no Brasil, sem o Estatuto do Desarmamento a tragédia seria ainda pior.
O Atlas é uma rica fonte de informações sobre a violência no país, se contrapondo ao senso comum sobre o tema no país.
Policiais militares da Rota durante operação na periferia de São Paulo. Mario Ângelo/ SigmaPress/AE
Em anúncio recente, o governo de São Pauloinformou ter alcançado a menor taxa de homicídios dolosos do Estado em 20 anos. O índice em 2015 ficou em 8,73 por 100 mil habitantes – abaixo de 10 por 100 mil pela primeira vez desde 2001.
“Isso não é obra do acaso. É fruto de muita dedicação. Policiais morreram, perderam suas vidas, heróis anônimos, para que São Paulo pudesse conseguir essa conquista”, disse na ocasião o governador Geraldo Alckmin (PSDB).Para um pesquisador que acompanhou a rotina de investigadores de homicídios em São Paulo, o responsável pela queda é outro: o próprio crime organizado – no caso, o PCC (Primeiro Comando da Capital), a facção que atua dentro e fora dos presídios do Estado.
“A regulação do PCC é o principal fator sobre a vida e a morte em São Paulo. O PCC é produto, produtor e regulador da violência”, diz o canadense Graham Willis, em defesa da hipótese que circula no meio acadêmico e é considerada “ridícula” pelo governo paulista.
Professor da Universidade de Cambridge (Inglaterra), Willis lança nova luz sobre a chamada “hipótese PCC”, num trabalho de imersão que acompanhou a rotina de policiais do DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa) de São Paulo entre 2009 e 2012.
A pesquisa teve acesso a dezenas de documentos internos apreendidos com um membro do PCC e ouviu moradores, comerciantes e criminosos em uma comunidade dominada pela facção na zona leste de São Paulo, em 2007 e 2011.
Teorias do ‘quase tudo’
O trabalho questiona teorias que, segundo Willis, procuram apoio em “quase tudo” para explicar o notório declínio da violência homicida em São Paulo: mudanças demográficas, desarmamento, redução do desemprego, reforço do policiamento em áreas críticas.
“O sistema de segurança pública nunca estabeleceu por que houve essa queda de homicídios nos últimos 15 anos. E nunca transmitiu uma história crível. Falam em políticas públicas, policiamento de hotspots (áreas críticas), mas isso não dá para explicar”, diz.
Em geral, a argumentação de Willis é a seguinte: a queda de 73% nos homicídios no Estado desde 2001, marco inicial da atual série histórica, é muito brusca para ser explicada por fatores de longo prazo como avanços socioeconômicos e mudanças na polícia.
Isso fica claro, diz o pesquisador, quando se constata que, antes da redução, os homicídios se concentravam de forma desproporcional em bairros da periferia da capital paulista: Jardim Ângela, Cidade Tiradentes, Capão Redondo, Brasilândia.
A pacificação nesses locais – com quedas de quase 80% – coincide com o momento, a partir de 2003, em que a estrutura do PCC se ramifica e chega ao cotidiano dessas regiões.
“A queda foi tão rápida que não indica um fator socioeconômico ou de policiamento, que seria algo de longo prazo. Deu-se em vários espaços da cidade mais ou menos na mesma época. E não há dados sobre políticas públicas específicas nesses locais para explicar essas tendências”, diz ele, que baseou suas conclusões em observações de campo.
Criado em 1993 com o objetivo declarado de “combater a opressão no sistema prisional paulista” e “vingar” as 111 mortes do massacre do Carandiru, o PCC começa a representar um canal de autoridade em áreas até então caracterizadas pela ausência estatal a partir dos anos 2000, à medida que descentraliza suas decisões.
Os pilares dessa autoridade, segundo Willis e outros pesquisadores que estudaram a facção, são a segurança relativa, noções de solidariedade e estruturas de assistência social. Nesse sentido, a polícia, tradicionalmente vista nesses locais como violenta e corrupta, foi substituída por outra ordem social.
“Quando estive numa comunidade controlada pela facção, moradores diziam que podiam dormir tranquilos com portas e janelas destrancadas”, escreve Willis no recém-lançado The Killing Consensus: Police, Organized Crime and the Regulation of Life and Death in Urban Brazil (O Consenso Assassino: Polícia, Crime Organizado e a Regulação da Vida e da Morte no Brasil Urbano, em tradução livre), livro em que descreve os resultados da investigação.
Antes do domínio do PCC, relata Willis, predominava uma violência difusa e intensa na capital paulista (que responde por 25% dos homicídios no Estado). Gangues lutavam na economia das drogas e abriam espaço para a criminalidade generalizada. O cenário muda quando a facção transpõe às ruas as regras de controle da violência que estabelecera nos presídios.
“Para a organização manter suas atividades criminosas é muito melhor ficar ‘muda’ para não chamar atenção e ter um ambiente de segurança controlado, com regras internas muito rígidas que funcionem”, avalia Willis, que descreve no livro os sistemas de punição da facção.
O pesquisador considera que as ondas de violência promovidas pelo PCC em São Paulo em 2006 e em 2012, com ataques a policiais e a instalações públicas, são pontos fora da curva, episódios de resposta à violência estatal.
“Eles não ficam violentos quando o problema é a repressão ao tráfico, por exemplo, mas quando sentem a sua segurança ameaçada. E a resposta da polícia é ser mais violenta, o que fortalece a ideia entre criminosos de que precisam de proteção. Ou seja, quanto mais você ataca o PCC, mais forte ele fica.”
Apuração em xeque
Willis critica a forma como São Paulo contabiliza seus mortos em situações violentas – e diz que o cenário real é provavelmente mais grave do que o discurso oficial sugere.
Ele questiona, por exemplo, a existência de ao menos nove classificações de mortes violentas em potencial (ossadas encontradas, suicídio, morte suspeita, morte a esclarecer, roubo seguido de morte/latrocínio, homicídio culposo, resistência seguida de morte e homicídio doloso) e diz que a multiplicidade de categorias mascara a realidade.
“Em geral, a investigação de homicídios não acontece em todo o caso. Cada morte suspeita tem que ser avaliada primeiramente por um delegado antes de se decidir se vai ser investigado como homicídio, enquanto em varias cidades do mundo qualquer morte suspeita é investigada como homicídio.”
Para ele, deveria haver mais transparência sobre a taxa de resolução de homicídios (que em São Paulo, diz, fica em torno de 30%, mas inclui casos arquivados sem definições de responsáveis) e sobre o próprio trabalho dos policiais que apuram os casos, que ele vê como um dos mais desvalorizados dentro da instituição.
“Normalmente se pensa em divisão de homicídios como organização de ponta. Mas é o contrário: é um lugar profundamente subvalorizado dentro da polícia, de policiais jovens ou em fim de carreira que desejam sair de lá o mais rápido possível. Policiais suspeitam de quem trabalha lá, em parte porque investigam policiais envolvidos em mortes, mas também porque as vidas que investigam em geral não têm valor, são pessoas de partes pobres da cidade.”
Para ele, o desaparelhamento da investigação de homicídios contrasta com a estrutura de batalhões especializados em repressão, como a Rota e a Força Tática da Polícia Militar.
“Esses policiais têm carros incríveis, caveirões, armas de ponta. Isso mostra muito bem a prioridade dos políticos, que é a repressão física a moradores pobres e negros da periferia. Não é investigar a vida dessas pessoas quando morrem.”
Outro lado
Críticos da chamada “hipótese PCC” costumam levantar a seguinte questão: se a retração nos homicídios não ocorreu por ação da polícia, como explicar a queda em outros índices criminais? Segundo o governo, por exemplo, São Paulo teve queda geral da criminalidade no ano passado em relação a 2014. A facção, ironizam os críticos, estaria então ajudando na queda desses crimes também?
“Variações estatísticas não necessariamente refletem ações do Estado”, diz Willis. Para ele, estudos já mostraram que mais atividade policial não significa sempre menor criminalidade.
Willis diz ainda que as variações estatísticas nesses outros crimes não são significativas, e que o PCC não depende de roubos de carga, veículos ou bancos, mas do pequeno tráfico de drogas com o qual os membros bancam as contribuições obrigatórias à facção.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo disse considerar a hipótese de Willis sobre o declínio dos homicídios “ridícula e amplamente desmentida pela realidade de todos os índices criminais” do Estado.
Afirma que a taxa no Estado é quase três vezes menor do que a média nacional (25,1 casos por 100 mil habitantes) e “qualquer pesquisador com o mínimo de rigor sabe que propor uma relação de causa e efeito neste sentido é brigar contra as regras básicas da ciência”.
A pasta informou que todos crimes cometidos por policiais no Estado são punidos – citou 1.445 expulsões, 654 demissões e 1.849 policiais presos desde 2011 – e negou a existência de grupos de extermínio nas corporações.
Sobre o fato de não incluir mortes cometidas por policiais na soma oficial dos homicídios, mas em categoria à parte, disse que “todos os Estados” brasileiros e a “maioria dos países, inclusive os Estados Unidos” adotam a mesma metodologia.
A secretaria não comentou as considerações de Willis sobre a estrutura da investigação de homicídios no Estado e a suposta prioridade dada à forças voltadas à repressão.
Summary: Problems of anti-social behavior, privacy, and free speech on social media are not caused by anonymity but instead result from the way technology changes our presence. That’s the startling conclusion of a new book by an expert on the information society and developing media.
Problems of anti-social behaviour, privacy, and free speech on social media are not caused by anonymity but instead result from the way technology changes our presence.
That’s the startling conclusion of a new book by Dr Vincent Miller, a sociologist at the University of Kent and an expert on the information society and developing media.
In contending that the cause of issues such as online anti-social behaviour is the design/software of social media itself, Dr Miller suggests that social media architecture needs to be managed and planned in the same way as physical architecture. In the book, entitled The Crisis of Presence in Contemporary Culture: Ethics, Privacy and Speech in Mediated Social Life, Dr Miller examines the relationship between the freedom provided by the contemporary online world and the control, surveillance and censorship that operate in this environment.
The book questions the origins and sincerity of moral panics about use — and abuse — in the contemporary online environment and offers an analysis of ethics, privacy and free speech in this setting.
Investigating the ethical challenges that confront our increasingly digital culture, Dr Miller suggests a number of revisions to our ethical, legal and technological regimes to meet these challenges.
These including changing what he describes as ‘dehumanizing’ social media software, expanding the notion of our ‘selves’ or ‘bodies’ to include our digital traces, and the re-introduction of ‘time’ into social media through the creation of ‘expiry dates’ on social media communications.
Dr Miller is a Senior Lecturer in Sociology and Cultural Studies within the University’s School of Social Research, Sociology and Social Policy. The Crisis of Presence in Contemporary Culture: Ethics, Privacy and Speech in Mediated Social Life, is published by Sage.
Tuesday, 19 January 2016 00:00 By Josmar Trujillo, Truthout | News Analysis
Bronx activist Shanice Farrar wants to honor her son, who was killed by police, and stop violence in her neighborhood. (Photo: Lyssy Pastrana)
Dozens of alleged gang members were arrested in December when police raids swept through public housing developments in the Bronx, following similar raids in September and July of 2015. A December multipart Daily News special investigation, packaged behind a “Gangs of New York” front-page cover, reported on the prevalence of gangs throughout New York City, even publishing a map detailing alleged “ganglands.” New York City Police Department (NYPD) Commissioner Bill Bratton, in an op-ed published in the same edition, called the gang activity “violence for its own sake.”
As arrests and indictments pile up to form a media narrative of senseless violence and seemingly irredeemable youth, there are public housing and criminal justice reform advocates who want a different approach. They say that poverty is the underlying root cause of violence – one that cops and gang raids cannot solve.
Shanice Farrar, 42, is the mother of Shaaliver Douse, a teenager killed by cops in 2013 while, police say, he was chasing and shooting at another young man. Farrar is a single mother who has worked as a fire guard (someone who patrols areas lacking functioning fire protection systems) for almost eight years, at times working in the same Bronx public housing development, the Morris Houses, where she and her son lived. She always had dual concerns for Shaalie, as his friends called him: the neighborhood violence and the police who harassed him. She vividly remembers the night he didn’t come home. After calling and texting Shaalie’s phone all night, Farrar woke up on the morning of August 4, 2013, to the sounds of cops banging on her door. NYPD detectives told Farrar that her son had been killed in a shoot-out with police. They said Shaalie was shot in the face after ignoring orders to drop a gun.
Ray Kelly, the NYPD police commissioner at the time, said that Shaalie’s death was justified. Police said they had surveillance footage of him running with a gun. But footage released by the NYPD is incomplete. Images show a young man in a white shirt, purportedly Shaalie, chasing someone around a corner on 151st Street in the Melrose section of the Bronx. The confrontation with cops, where police claim he was told to drop the gun, isn’t seen. Farrar says she’s been denied access to other video angles, as well as the names of the rookie cops who shot her son.
Shaalie’s name and reputation were scrutinized immediately following his death. The newspapers’ presentation of his past arrests as an affirmation of his criminality weren’t fair to him or his family, Farrar says. The New York Daily News described Shaalie as a young man with a “growing rap sheet” and a follow-up story used unnamed sources to claim that Shaalie was, in fact, in a gang. Criminal charges her son was facing were bogus, Farrar insists. In 2012, Shaalie, then 13, was charged with attempted murder. Shaalie told his mom that he’d in fact been robbed at gunpoint by some boys from another housing complex. When cops showed up, everyone ran. Cops caught Shaalie, who didn’t want to cooperate. They told him that if he didn’t tell them whose gun it was, they’d pin the gun, which they found abandoned in some nearby grass, on him. Attempted murder charges were dropped to weapons possession charges when witnesses recanted. After several court dates, the judge in the case suggested that the whole case would soon be thrown out, Farrar says.
New York’s Turn Toward Gang Conspiracy Charges
Building criminal cases and indicting young men with gang conspiracy charges is quickly becoming a favored law enforcement approach in New York – one that’s getting more sophisticated. The NYPD and some of the city’s top prosecutors are targeting mostly young men, usually those living in public housing, with a blend of modern surveillance and conspiracy charges developed in the 1970s to take down the mafia. Raids are usually the final leg of the NYPD’s Operation Crew Cut, a police tactic that targets “crews” – a looser grouping of young people often compared to gangs – by building criminal cases often off of what is obtained from their online activity. Manhattan District Attorney Cyrus Vance’s office has been involved in gang raids in East Harlem, indicting 63 men in 2013, and West Harlem, indicting 103 in 2014 – the city’s largest raid ever. Bronx District Attorney Robert Johnson launched several smaller raids in the Bronx in 2015.
If attempts to get young people to turn away from violence can be described as either carrot or stick approaches, then Operation Ceasefire, a law enforcement initiative based largely on the work of John Jay College’s David Kennedy, is said to offer some carrots. With the help of Susan Herman, a former Pace University professor turned NYPD deputy commissioner, Kennedy’s ideas have gained traction at the police department under Bratton. Herman’s husband, John Jay College president Jeremy Travis, works with Kennedy and used to work for Bratton in the 1990s. With a nearly $5 million grant from the Department of Justice and early influence on the president’s national police reform agenda, Kennedy is one of the most in-demand criminal justice minds in the country.
Like Crew Cut, Ceasefire focuses on a small amount of alleged perpetrators, said to be responsible for a large portion of shootings and murders. This so-called “focused-deterrence” strategy also claims to offer pathways away from violence for suspected perpetrators as cops and community figures partner to dissuade young people from violence. A similar NYPD program focused on robberies, the Juvenile Robbery Intervention Program (J-RIP), has, even by police accounts, shown no effect. The Ceasefire model, perhaps, can differ from city to city. In New York, the chief of department sat down with alleged gang members, mandated to attend through parole agreements, to eat pizza and inform them that they’re being watched. In other cases, cops simply keep close tabs on who they say are the city’s most likely killers, busting them for small infractions like jaywalking. In the 12 precincts where Ceasefire is being formally implemented, shootings are down, but murders are up.
While Ceasefire ostensibly offers a multilayer approach, described by Bratton as a mix between “intensive enforcement” and “genuine offers of assistance,” there is a clear emphasis on the enforcement side as police efforts “pretty much hang a sword over (gang members’) heads.”
“Look, if you or your gang is involved in violent activities then we’re all going to come after you. It’s not just going to be local authorities but the feds and we’ll try to get you every which way we can,” Bratton warned. “When we get them convicted, we get them shipped off to federal prisons so they’re not going to be able to hang out with all their buddies up in the state prisons.”
Criticisms of the Ceasefire Approach to Policing
Alex Vitale, an associate professor of sociology at Brooklyn College, says that some of the city’s efforts to fight violence seem “contradictory” and make little sense. “On the one hand, we’ve seen small increases in the amount of money being devoted to community-based violence reduction efforts in the form of peer violence interrupters and increased services for high-risk youth,” he told Truthout. “On the other hand, the city has invested heavily in new policing strategies that rely on intensive punitive enforcement measures targeting these same populations of young people.” Vitale believes that the law enforcement approach can “actually disrupt the efforts of community-based groups to encourage young people off the streets and into school and employment.”
Programs like Crew Cut and Ceasefire “rely on threats and punishment” and often “run counter to the efforts to reduce youth crime,” Vitale said. He thinks violence intervention work and community-based peer violence mediation offer much more promising alternatives without hinging on police raids or lengthy prison sentences. “Intensive policing undermines those efforts and destabilizes the relationships they are building with these young people,” he added. Wraparound social services, and not gang raids, should be the focus, Vitale says, because poor communities “need more access to real resources that can provide these young people real avenues out of poverty and despair.”
Shaaliver Douce was killed a few yards from his high school. (Photo: Lyssy Pastrana)
Lessons From New Orleans
Ethan Brown is a licensed investigator in Louisiana. He works on the defense side of drug cases in New Orleans and moved there from New York in 2007. Brown is a critic of Ceasefire and of Kennedy, whom he describes as “this generation’s George Kelling” (a prominent criminologist who is credited with developing the “broken windows” theory of policing). Brown says New Orleans’ supposed success with its own Ceasefire-style efforts, which it launched in 2012, isn’t necessarily backed up by the numbers. Post-Katrina New Orleans has been the murder capital of the United States almost every year. It had the highest murder rate for a US city every year between 2000 and 2011, except for 2005. Brown says that despite dedicating tremendous police resources to fight violence, the city has only seen a modest reduction in the murder rate.
New Orleans offers an interesting test case, since the city has also employed a historically abusive police force – creating a barrier between police and the community with which they’re supposed to collaborate. In 2012, the New Orleans Police Department (NOPD) was placed under a federal consent decree after authorities described the police there as “lawless.” Federal investigations had gone back to the 1990s, but the monitoring program was an overt acknowledgement that the department could not reform itself.
The stories were the stuff of nightmares. Henry Glover was killed by cops in 2005, a few days after Hurricane Katrina struck. His body was found shot and burned inside a car, the fire used as a cover-up by police officers. The infamous Danziger Bridge incident, where NOPD cops shot six people, killing two, and lied that they had been shot at, invited national outrage. There was also the tale of Melvin “Flattop” Williams, the infamously aggressive Black cop ultimately convicted of killing an unarmed man in 2012, fracturing his ribs and rupturing his spleen.
In 2010, a new mayor, Democrat Mitch Landrieu, became the first white mayor of New Orleans since 1978, when Moon Landrieu, his father, ran the city. Landrieu’s administration brought with it promises of police reform and a new police chief, Ronal Serpas. While Serpas was expected to deal with the controversial misconduct and killings at the NOPD, he instead sought to tackle the murder rate. In 2012, he and Landrieu brought in Kennedy to help form “NOLA for Life,” an anti-violence initiative built largely on the Ceasefire model. Reductions in the murder rate seemed promising, falling in 2013 and 2014. However, the murder rate rose again in 2015. And, in fact, murders had already begun to fall from 2011 to 2012, before NOLA for Life. Other cities, like Los Angeles, have seen similarly mixed results. Boston, where Ceasefire originated, initially had big drops in murders, but saw those numbers climb again as the model proved unsustainable.
While NOLA for Life promotes an inspiring array of “carrots,” like job postings and mentoring, the law enforcement “stick” was more like a “bazooka” in New Orleans, according to Brown. “Since 2012, there’ve been an extraordinary number of gang indictments. The sentences that people face are immense, like ones you’d give to drug cartels,” he told Truthout. Brown also thinks that police and prosecutors are casting too wide a net when gangs are targeted.
“The notion of a ‘crew’ or ‘gang’ affiliation is spread so wide, the definition becomes completely elastic,” he said. In this regard, Brown sees business as usual. “[Ceasefire] is presented as some radically new law enforcement approach … but actually, particularly at the federal level, these things have been going on for decades,” he said. And the “carrot” side of the equation? “The cure is unspecified social services that no one has been able to figure out.”
More Sticks Than Carrots
A 2007 Justice Policy Institute report by Judith Greene and Kevin Pranis found not only that the Ceasefire model failed to deliver on some of its violence-reducing claims, but also that the “carrot” side of the model “always lagged behind the suppression side,” or the “stick.” Greene and Pranis criticized the broader gang enforcement tactics that operate on the suppression end as “ineffectual, if not counterproductive.” Specifically, the report points to efforts of police to intensely target gang “leaders” as problematic because destabilizing gangs, which can produce new leaders, can also risk more violence.
Resources spent on gang suppression include money spent on arrests, prosecutions and jail terms. Neighborhood costs include young people being carted off to jail for things they may or may not have done, or simply said they might do, and serving long sentences in prisons – where gangs thrive – only to come home in as bleak a situation as they went in. More importantly, however, is that the police-community partnership narrative that Ceasefire promotes hinges on a questionable equivalency of power between police and community, which can affect how resources are divvied up. Public and private funding made available for social services, or “carrots,” will likely go to groups with established, deferential relationships with law enforcement. In other words, law enforcement is always in control.
Benny, 31, grew up in the Morris Houses in the Bronx. He says the hunt for gangs is unfair to people who live in the community and grow up together, especially young men. “Black lives do matter. When you grow up in a neighborhood like this, they judge you. You see this group right here,” he said, pointing to a group of men and women hanging out on nearby benches. “They’ll consider this like gang activity, even though all we did was grow up together. Next thing you know they’ll be hitting you with conspiracy [charges].” On an unusually warm Friday afternoon in December, people are sitting around on park benches. People of all ages, from teenage boys to older women pushing shopping carts, stop to talk and laugh.
“They’re taking my friends and they’re not helping,” a young woman named Daisy said about police. Daisy, 19, was Shaalie’s friend. She mourned not only Shaalie’s death, but also that of Jujuan Carson, a 19-year-old friend of hers and Shaalie’s who was just killed in November 2015. “They still haven’t found the person who killed Jujuan, but yet they indicted his friends the day before his funeral,” she said angrily. Daisy says she doesn’t trust police. “Whatever comes out of their mouths are lies.”
Jumping to Conclusions About Gang Activity
The Morris Houses stretch down the east side of the Metro North railroad, which runs along Park Avenue, separating them from the Butler and Morris senior houses on the other side. The New York Daily News’ gang map lists “Washside” as an active gang based in the Morris Houses. Farrar objects to that label. “Washside” is the name some Morris kids identify with, but isn’t an actual gang, she says. While she doesn’t deny gun violence, she vividly remembers how her son was characterized as a gang member for all sorts of reasons. If he posted a picture of himself pointing to a new pair of sneakers or holding a new belt, people would say that those were gang hand signs. “Shaalie’s World,” the words on shirts and sweaters Farrar made after Shaalie’s death, is now rumored to be a gang.
Shaalie’s friends often make tributes to him in songs and on social media. Farrar worries that law enforcement may be deliberately conflating a song, tweet or Instagram post with a sign of gang activity. Amateur music videos that mention Shaalie or refer to “Washside” are probably being collected as cops and prosecutors build cases on more young men, she suspects. In 2015, a Brooklyn man was sentenced to 12 life sentences for a string of murders after prosecutors used rap lyrics of songs he posted on YouTube against him.
“I feel it’s like a cycle. That’s how I feel. It’s like this shit is designed for you to either end up dead or in jail,” Benny said as he tested out his new remote-controlled helicopter. “Right now, my little brother got 10 years for conspiracy,” he said. “It’s guilt by association, who you hang with.” Benny knows police are surveilling them, using all of the New York City Housing Authority (NYCHA) and NYPD cameras posted around the neighborhood. “I could be chillin’ with you, you makin’ money, but you been my man since we was kids, and now they taking pictures of us. Let me walk out here with a hoodie tonight and watch me get stopped five times.” Farrar quickly jumps in to recall how Shaalie started wearing hoodies after the death of Trayvon Martin, the Florida boy killed by a neighborhood vigilante. “They really killed him because he was wearing a hoodie, ma?” she recalled him asking.
The Morris Houses are the targets of a national gang enforcement trend. (Photo: Lyssy Pastrana)
Farrar, like many of her neighbors, is distrustful of the police and of these new efforts to target alleged gang members. Sitting at some park benches near her building on Washington Avenue, about a mile from where Shaalie died, she and her friends talk about the neighborhood and both the violence and poverty that plague it. For them, poverty is inextricable from the violence – which is something police can’t solve.
“The Kids Need Somewhere to Play”
While Farrar will be the first to agree that youth violence is a problem, the neighborhood’s antagonistic relationship with cops puts them between a rock and a hard place. It was the police, she says, who locked up the basketball courts for two months during the summer. She points at the fence, describing how people were forced to cut and crawl through openings just to play basketball. If cops locked up the courts to prevent violence, then they failed to do even that, some say. A man walks over and says closing the park “wasn’t the solution.” “Now you make it worse,” said the man, who didn’t want to be identified. “Now they got nothin’ to do. Now all they gon’ do is fight now.”
“The kids need somewhere to play,” said Dee, a 35-year-old trainer and boxer who used to train Shaalie. He wants the younger generation to come off of the street and stop fighting with each other, but he says they need resources. He recalls block parties when he was younger that have since become too few and far between. The city-funded health tables and community programming nowadays are directed at very young children and the elderly, not the teens and young adults most susceptible to violence. Worse yet is that programs are limited in scope and time: “They go from like 10 [am] to 12 [pm] and that’s it,” Dee said.
Ms. Betty is 58 and has raised three boys in the Morris Houses. “They’ve got nothing for them to do, that’s our problem. If they find something to do, maybe they’ll stop fighting each other,” she said. For her, the lack of fully functioning community centers contributes to the violence. “It doesn’t make sense. Families got to be crying over their kids and kids fighting for no reason.” While she feels that police are needed, she’s taken aback at the way cops crack down on many in the neighborhood just for hanging out around the buildings. “We just want to be out here like normal people,” she said. She recalls playgrounds inexplicably closed and benches removed from the front of buildings. Asked about the city’s efforts to lease some NYCHA property for private development, she says what the neighborhood needs is an expanded community center. “That don’t make no sense. And they know that.”
Once a basketball court, an empty lot sits in the Morris Houses development. (Photo: Lyssy Pastrana)
“I gave my son a lot of attention. But my son was the child of a single parent who felt his mother, you know, was struggling too hard,” Farrar told Truthout. Asked about the Black Lives Matter movement, Farrar is supportive of marches and protests in response to police killings, but she’s also painfully aware of the fact that many may not jump to stand behind her son’s life because of the questions around his case. Shaalie’s funeral was attended by Constance Malcolm and Frank Graham, the parents of Ramarley Graham, a young man fatally shot by cops who chased him into his grandmother’s house. However, few others in the anti-police brutality movement have made her pain their pain. Asked about the future of the movement, Farrar wants the scope to extend beyond cops. “I’d like Black Lives Matter to help the community come together, do things for kids, help stop the beefing,” Farrar said.
During a march that Farrar and her friends put together a few years back in memory of Shaalie, some of his friends began to chant “Fuck the police, RIP Shaalie” to the cops walking alongside. These were Shaalie’s friends, all from the surrounding buildings. Farrar pulled out her camera phone and kept watch of the cops as the march continued to the spot Shaalie died. The group, too large for the sidewalk, formed a big circle. A police car pulled up and a cop insisted the event clear out because it was blocking the road. Farrar told them they wouldn’t be going anywhere until they were done. They released white balloons into the sky and promised never to forget Shaalie’s name.
Josmar Trujillo is an activist and organizer with New Yorkers Against Bratton. Follow him on Twitter: @Josmar_Trujillo.
Você precisa fazer login para comentar.