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Solenidade marca entrega de título de doutor honoris causa da Unifesp ao Yanomami Davi Kopenawa (Unifesp)

Texto original

Quinta, 16 Março 2023 16:34

Cerimônia que contou com presenças de lideranças indígenas e de entidades acadêmicas destacou necessária união e encontro de saberes para a difusão do conhecimento e garantia da dignidade humana

Por Denis Dana
Fotos: Alex Reipert


Mesa de abertura da cerimônia de outorga do título de doutor honoris causa a Davi Kopenawa
Mesa de abertura da cerimônia de outorga do título de doutor honoris causa a Davi Kopenawa

Em cerimônia realizada na última quarta, 15 de março, que contou com presenças de lideranças indígenas e acadêmicas, além de representante do governo federal, por meio do Ministério dos Povos Indígenas, o Yanomami Davi Kopenawa, pensador, líder político e xamã de seu povo recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Inédita na universidade, a concessão do grau teve processo iniciado em 2021, após iniciativa da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos, da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro e do Projeto Xingu, com centenas de assinaturas de apoio de docentes, técnicos(as) e estudantes em reconhecimento ao trabalho e luta de Kopenawa pela defesa dos povos originários, do meio ambiente, da diversidade cultural e dos direitos humanos.

Odair Aguiar Junior, diretor acadêmico do Campus Baixada Santista e presidente da comissão de Títulos Honoríficos da universidade
Odair Aguiar Junior, diretor acadêmico do Campus Baixada Santista e presidente da comissão de Títulos Honoríficos da universidade

A mesa de honra da sessão solene foi composta por Raiane Assumpção, reitora pro tempore e presidenta do Conselho Universitário (Consu), Juma Xipaia, secretária de Articulações e Promoção dos Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, Odair Aguiar Junior, diretor acadêmico do Campus Baixada Santista, membro do Consu e presidente da comissão de Títulos Honoríficos da universidade, Renzo Taddei, docente do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) – Campus Baixada Santista e membro da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro, e Ilana Seltzer Goldstein, docente da Escola de Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) – Campus Guarulhos e membro da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos.

Ao abrir os discursos, Odair Aguiar celebrou a ocasião, que marcou o encerramento de todo o rito realizado na universidade, no processo de proposição do título honorífico para Davi Kopenawa, o primeiro da Unifesp. “Este é um momento histórico e de muita celebração para nós, não só como instituição, mas também como país, ao outorgar como doutor honoris causa essa grande liderança nacional que é Kopenawa”.

Ilana Seltzer Goldstein, docente da Escola de Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) - Campus Guarulhos e membro da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos
Ilana Seltzer Goldstein, docente da Escola de Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) – Campus Guarulhos e membro da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos

Responsável por apresentar o currículo de Davi Kopenawa ao público que acompanhava a sessão solene presencial e virtualmente, Ilana Goldstein teve como desafio resumir toda a trajetória de vida do agraciado. Ao construir uma linha do tempo, Ilana trouxe os principais passos de Kopenawa, desde seu nascimento, passando pelas dificuldades na infância e sua adolescência na cidade, onde aprendeu e desenvolveu o português, tão importante para lhe permitir a tradução entre mundos. A apresentação do currículo também destacou a construção de sua família, o desenvolvimento de atividades xamânicas e sua inserção nas mobilizações e lutas em defesa dos povos originários, bem como no universo da literatura e de outras manifestações artísticas, sempre com o objetivo de conscientização e educação para um planeta mais tolerante e mais saudável.


Marcos Antonio Pellegrini, docente da Universidade Federal de Roraima (UFRR) 

cineasta Edmar Tokorino Yanomami
Na primeira imagem, Marcos Antonio Pellegrini, docente da Universidade Federal de Roraima (UFRR) proferindo seu discurso. Já segunda imagem, o cineasta Edmar Tokorino Yanomami (de vermelho) fala sobre o filme Uma Mulher Pensando, exibido durante a cerimônia


Ao término da apresentação, a docente fez um agradecimento especial ao mais novo doutor da Unifesp: “neste encerramento do processo de titulação, diplomamos aqui um homem único e singular, celebrando sua vida e obra, de forma que possamos continuar aprendendo contigo outros modos de pensar a relação entre os seres humanos e os não humanos e de questionar os valores que nos movem. Muito obrigado Davi Kopenawa”.

Reconhecimento mais que necessário

Renzo Taddei docente do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) - Campus Baixada Santista e membro da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro, utiliza o púlpito para destacar o trabalho de Kopenawa
Renzo Taddei docente do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) – Campus Baixada Santista e membro da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro, utiliza o púlpito para destacar o trabalho de Kopenawa

Na sequência da cerimônia, ao ser convidado para um breve discurso, Marcos Antonio Pellegrini, docente da Universidade Federal de Roraima (UFRR), médico formado pela Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo e integrante do Projeto Xingu, destacou o necessário reconhecimento do agraciado. “Esse título é um reconhecimento à sua coragem, sua luta e todo o seu conhecimento relacionado aos povos indígenas que você representa. É uma grande alegria ver o reconhecimento autêntico e necessário do conhecimento indígena e seu modo diferente de ver o mundo. Parabenizo também a Unifesp por esse reconhecimento”

O reconhecimento foi novamente ressaltado durante o discurso panegírico, proferido por Renzo Taddei. Logo em suas primeiras palavras, Taddei referenciou que “a Unifesp está localizada justamente em território ancestral dos povos indígenas Guarani Mbya, Tupi-Guarani, Kaingang, Krenak e Terena, a quem possuímos dívidas históricas não saldadas de honra, gratidão e reparação”.

Davi Kopenawa recebendo o título de doutor honoris causa pela Unifesp
Davi Kopenawa recebendo o título de doutor honoris causa pela Unifesp

“Este é um momento ímpar na história da Unifesp. É de beleza sublime o fato de que o primeiro título honorífico da universidade seja concedido a Davi Kopenawa. Contudo, façamos dessa celebração, um momento de reflexão e apoio à luta do agraciado, que vem em um contexto de violência hedionda sofrida pelo povo Yanomami”, disse Taddei.

Além de celebrar a trajetória e feitos de Davi Kopenawa, o docente da Unifesp destacou em seu discurso panegírico as implicações mais importantes de sua grande obra literária, A Queda do Céu, e de seu pensamento para o fazer da ciência e para o mundo universitário.

O discente Willian Jorge Pires 

a secretária do Consu/Unifesp, Maristela Feldman
Na primeira imagem, o discente Willian Jorge Pires da Silva lê um trecho do livro A Queda do Céu, de Davi Kopenawa. Na segunda imagem, a secretária do Consu/Unifesp, Maristela Feldman, faz a leitura do termo concessivo

Após destacar a inclusão da sabedoria indígena em debates de coletividades de cientistas de alto nível mais diretamente ligadas ao combate à crise ambiental causada pela modernidade ocidental, como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), ambos diretamente ligados à ONU e suas agências, Taddei finalizou sua fala novamente com destaque à importância do reconhecimento do trabalho de Kopenawa: “a concessão desse título honorífico é mais do que simplesmente uma declaração de apreciação de sua atuação e de suas ideias, é também uma declaração de que somos seus aliados”.

Ritual contou com discursos impactantes

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Davi Kopenawa e os membros da mesa de abertura da cerimônia acompanhando os discursos

Davi Kopenawa passou por todo o ritual de concessão de título, incluindo a leitura e assinatura do ato concessivo do título de doutor honoris causa, a vestimenta doutoral, marcado pela colocação da beca com o auxílio de sua filha, Tuíra Kopenawa, o pronunciamento da concessão de grau, feito por Raiane Assumpção, e a entrega do diploma. Foram momentos de bastante atenção do público, bem como dos discursos que se seguiram, de maneira impactante.

Ao representar o Ministério dos Povos Indígenas do Brasil e sua ministra Sonia Guajajara, Juma Xipaia afirmou “estar honrada em fazer parte desse momento tão importante de respeito da ciência e dos saberes indígenas. Não há uma única ciência, há inúmeros povos com suas ciências. Esse título da Unifesp apresenta ao mundo o reconhecimento de toda a ancestralidade e de todo o saber dos povos indígenas do Brasil representada por essa grande liderança que é Davi Kopenawa”.

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Renzo Taddei docente do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) – Campus Baixada Santista e membro da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro

Em seu discurso, Juma fez um alerta para que a humanidade desperte para o que tem acontecido com o mundo. “Nossa luta nunca foi somente pelo povo indígena, algo isolado, é algo muito maior. Sempre foi por todos, pelo planeta e pela existência de todos nós. Temos que garantir para as nossas e para as próximas gerações o direito não somente de resistir, mas, principalmente, de existir”.

“É preciso que esse exemplo de valorização e reconhecimento que a Unifesp dá seja multiplicado, não só com os povos indígenas, bem como com todos aqueles detentores de saberes que habitam nessa diversidade ainda existente no Brasil,o que faz nosso país tão lindo e com tanta riqueza”, destacou.

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Juma Xipaia, secretária de Articulações e Promoção dos Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, discursando no evento

Seu discurso foi seguido pelo do então mais novo doutor da Unifesp, Davi Kopenawa, que logo em suas primeiras palavras agradeceu o título concedido pela universidade. “Estou muito contente com esse reconhecimento da universidade em ver a minha luta pela defesa dos Yanomami e de todos os povos indígenas do Brasil. Para mim, esse título representa mais uma flecha para seguir nessa luta”.

Sem deixar de citar o horror vivido pela comunidade Yanomami nos últimos anos em decorrência do avanço do garimpo ilegal, Kopenawa também aproveitou o momento para alertar os povos não indígenas sobre o necessário cuidado com o planeta. “Hoje, com vocês da universidade, vejo que nós não estamos sozinhos. Nossa defesa é por todos. Somos um planeta só”. (Veja aqui a íntegra do discurso de Davi Kopenawa).

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Raiane Assumpção, presidenta do Consu/Unifesp, durante seu discurso

O discurso final ficou por conta da reitora pro tempore da Unifesp, Raiane Assumpção. Honrada por ter Davi Kopenawa como o primeiro doutor honoris causa da universidade, Raiane ressaltou o significado da sessão pelo ineditismo e também pela figura do agraciado, mas também por toda a responsabilidade de reafirmação do compromisso compartilhado com Kopenawa e suas causas no que diz respeito à defesa do planeta e da sociedade.

“Há décadas a nossa instituição vem construindo vínculo com os povos indígenas, possibilitando assistência e produzindo conhecimento em conjunto, reiterando o compromisso da Unifesp com a formação na graduação, pela extensão e pela pesquisa e que não é no fazer por, mas no fazer com, numa produção de conhecimento que é feito com as pessoas”.

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A presidenta do Consu/Unifesp assinando o termo de outorga do título de doutor honoris causa

“Ao longo dos anos fomos construindo uma forma de encontro de saberes. Saberes científicos, tradicionais, populares, que são necessários para que a nossa sociedade caminhe mais e melhor. Que possamos seguir nesse rumo, construindo uma melhor forma de existência e de formação e uma contribuição para que nosso estado brasileiro tenha um desenvolvimento para a dignidade humana”, concluiu Raiane.

Um pouco da arte de Kopenawa

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Davi Kopenawa asssinando o termo de outorga do título de doutor honoris causa

Durante a cerimônia de entrega do título honoris causa à Davi Kopenawa, o público pode acessar um pouco da obra do agraciado, com a leitura de trecho do livro A Queda do Céu, feita pelo discente Willian Jorge Pires da Silva, e com a exibição de um trecho do filme Uma Mulher Pensando, do cineasta Edmar Tokorino Yanomami, que, em suas palavras, “foi feito com o objetivo de incomodar e de servir como sinal de alerta e apoio para a luta em defesa da vida”.

Autoridades presentes na sessão solene: Dácio Roberto Matheus, reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC); Soraya Smaili, reitora da Unifesp gestão 2013 a 2021; Andrea Rabinovici, vice-reitora da Unifesp gestão 2020 e 2021; Rafael Alves Scarazzati, pró-reitor de Extensão do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), representando o reitor da instituição; Dan Levy, chefe de gabinete da Unifesp; Maria Beatriz de Souza Henriques, coordenadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo; Carlos Papá, cineasta e líder espiritual do povo Guarani; Cristine Takuá, diretora do Instituto Maracá e educadora das Escolas Vivas; Zysman Neiman, coordenador da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro da Unifesp, Valéria Macedo, da coordenação colegiada da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos; Sofia Mendonça, coordenadora do Projeto Xingu; Douglas Rodrigues, médico coordenador do Ambulatório de Saúde dos Povos Indígenas do Hospital São Paulo; Artionka Capiberibe, diretora do Centro de Pesquisa em Etnologia Indígena, Áurea Gil, coordenadora do Centro de Memória da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Fernando Stickel, diretor-presidente da Fundação Stickel; Kelly Adriano de Oliveira, gerente adjunta de Ação Cultural do SESC São Paulo; Rubens Belfort Jr, professor emérito e membro titular da Academia Brasileira de Medicina; Marlon Alberto Weichert, Procurador Regional da República no Ministério Público Federal; Daniel Munduruku, diretor presidente do Instituto Uk´A; Tata Katuvanjesi, autoridade tradicional de matriz centro africana; Renato Sztutman, diretor do Centro Ameríndios da USP; Martin Grossman, diretor da Cátedra Olavo Setubal da USP; Ana Maria Gomes, docente da UFMG e coordenadora do Observatório Educacional Intercultural Indígena, Fernanda Pitta, curadora do Museu de Arte Contemporânea da USP; Luísa Valentini, supervisora do Centro de Pesquisa e Referência do Museu das Culturas Indígenas, além de representante da liderança indígena Xokleng.

‘A war society doesn’t see’: the Brazilian force driving out mining gangs from Indigenous lands (Guardian)

amp.theguardian.com

Tom Phillips

Tue 28 Feb 2023 11.53 GMT


Environmental special forces raid an illegal cassiterite mine near the Yanomami village of Xitei
Environmental special forces raid an illegal cassiterite mine near the Yanomami village of Xitei. Photograph: Tom Phillips/The Guardian

An elite unit is on a mission to expel the illegal miners who devastated Yanomami territory during Bolsonaro’s presidency

Tom Phillips in the Yanomami Indigenous territory

For the last four years Brazil’s rainforests bled. “They bled like never before,” said Felipe Finger as he prepared to venture into the jungle with his assault rifle to staunch the environmental carnage inflicted on the Amazon under the former far-right president Jair Bolsonaro.

Moments later Finger, a mettlesome special forces commander for Brazil’s environmental protection agency, Ibama, was airborne in a single-engine helicopter, hurtling over the forest canopy towards the frontline of a ferocious war on nature and the Indigenous peoples who lived here long before Portuguese explorers arrived more than 500 years ago.

Felipe Finger, a special forces commander for Brazil’s environmental protection agency, Ibama, leads his troops on a mission to destroy illegal mines into the Yanomami indigenous territory last Friday
Felipe Finger, a special forces commander for Brazil’s environmental protection agency, Ibama, leads his troops on a mission to destroy illegal mines into the Yanomami Indigenous territory. Photograph: The Guardian
Felipe Finger torches a motor used by illegal gold miners
Felipe Finger torches a motor used by illegal goldminers. Photograph: Tom Phillips/The Guardian

The group’s objective was Xitei, one of the most isolated corners of the Yanomami Indigenous territory on Brazil’s northern border with Venezuela. Tens of thousands of illegal miners devastated the region during Bolsonaro’s environmentally calamitous 2019-2023 presidency, hijacking Indigenous villages, banishing health workers, poisoning rivers with mercury, and prompting what his leftist successor, Luiz Inácio Lula da Silva, has called a premeditated genocide.

As Finger’s aircraft swooped down into a muddy clearing beside a Yanomami village, a handful of those miners scurried into the forest in their wellies in an attempt to avoid capture.

The motors fuelling their clandestine cassiterite mining operation were still growling as members of his six-strong unit leapt from their helicopters and fanned out across an apocalyptic landscape of sodden craters and fallen trees.

“Illegal mining on Yanomami land is finished,” declared Finger, a camouflage-clad forest engineer turned rainforest warrior whose team has been spearheading efforts to evict the prospectors since early February.

Environmental special forces burn down a mining camp in the Yanomami indigenous territory
Environmental special forces burn down a mining camp in the Yanomami Indigenous territory. Photograph: Tom Phillips/The Guardian

The raid in Xitei was part of what has been hailed by the government as a historic drive to expel miners from Yanomami lands and rescue the Amazon after four years of chaos, criminality and bloodshed such as that which saw the British journalist Dom Phillips and the Indigenous specialist Bruno Pereira murdered last June.

The Guardian was one of the first media organisations granted access to those efforts, traveling deep into Yanomami territory to accompany Finger’s elite squad, the Special Inspection Group (GEF).

The group’s agents gathered early last Friday at a camp on the Uraricoera River – one of the main arteries miners use to invade the territory, which is the size of Portugal and where about 30,000 Yanomami live in more than 300 villages.

Twenty-four hours earlier a gang of illegal miners – who the government has ordered to leave the territory by 6 April – had exchanged fire with troops who blockaded the waterway in order to cut off their supplies. One miner was shot in the face.

Shortly before 11am the agents took to the skies in two Squirrel helicopters and powered south-west towards Xitei where they had spotted a series of mines during a surveillance flight the previous day.

“This region has been absolutely devastated … there are villages that are now completely surrounded by the mines,” said Finger, 43.

Aerial view of mines in the Yanomami territory
Aerial view of mines in the Yanomami territory. Photograph: Tom Phillips/The Guardian

Thirty minutes later his first target came into view. The helicopters corkscrewed down from a cloud-filled sky into a tawny gash in the forest where miners had been pillaging gold from protected Yanomami lands.

The miners had fled, abandoning their equipment in a muddy pit where a small brook once flowed. “They left in a hurry – just a few days ago,” Finger said as his crew trudged through their deserted encampment.

Clothes, empty packets of cigarettes and painkillers and spent 12-gauge shotgun cartridges littered the ground near a wooden sluice used to separate gold from gravel and dirt.

Finger’s troops raid an illegal goldmine in the Yanomami Indigenous territory.
Finger’s troops raid an illegal goldmine in the Yanomami Indigenous territory. Photograph: Tom Phillips/The Guardian

After setting fire to the sluice and the motors that powered hoses used to blast away soil, Finger’s group reboarded their helicopters and raced towards their second target: a larger cluster of mines near the Venezuelan border.

When the Guardian last visited the Xitei region in 2007, it was a sea of largely pristine rainforest dotted with traditional communal huts and deactivated clandestine airstrips that were dynamited during the last major operation to evict miners, in the early 1990s.

Fifteen years later the jungle around Xitei has been shattered. Immense sand-coloured lacerations have replaced dark green woodlands. Ramshackle mining campsites stand where tapirs and deers once roamed. Unknown quantities of mercury have polluted rivers, poisoning the fish on which the Yanomami rely.

Yanomami villagers carry away the supplies from an illegal mining camp raided by environmental troops near the village of Xitei.
Yanomami villagers carry away the supplies from an illegal mining camp raided by environmental troops near the village of Xitei. Photograph: Tom Phillips/The Guardian

Dário Kopenawa, a prominent Yanomami leader, compared the environmental desecration to leishmaniasis, a disease carried by sand flies that causes horrific skin lesions and ulcers.

“Our land is so sick. Our rivers are sick. The forest’s sick … the air we breathe is sick,” he said, using a Yanomami word to describe the catastrophe that unfolded under Bolsonaro, whose anti-environmental rhetoric and crippling of protection agencies such as Ibama caused deforestation to soar.

“I would call it onokãe,” Kopenawa said. “It means a genocide which kills people, spills blood and ends lives.”

As the Ibama team landed in the cassiterite quarry, its operators scattered. Dozens of Yanomami villagers emerged from the jungle, curious about the arrival of Finger’s flying squad.

The women wore traditional red loincloths and had yellow and white beads draped over their bare chests. The men wore jaguar teeth necklaces and clutched arrows adorned with the black feathers of pheasant-like curassow birds. The children sported flip-flops and football shirts, given as gifts by the miners.

Yanomami villagers watch Finger’s troops arrive
Yanomami villagers watch Finger’s troops arrive. Photograph: The Guardian

The men shook their heads when asked to name Brazil’s current and former presidents. But the consequences of Bolsonaro’s incitement of environmental crime were visible all around: the wrecked forest, the bulging sacks of illegally extracted minerals, and the filthy encampment where beer cans and tins of sardines were strewn on the ground.

Yanomami villagers watch environmental troops land in an illegal mine near their community during a major operation to expel mining gangs
Yanomami villagers watch environmental troops land in an illegal mine near their community. Photograph: Tom Phillips/The Guardian

Nearby, Finger’s team chased down one fugitive miner, a former butcher named Edmilson Dias from the mid-western state of Goiás.

Dias, a weather-beaten 39-year-old whose eight years toiling in the mines had given him the appearance of a far older man, voted for Lula in last October’s crunch election. But the miner lambasted the new president’s crackdown and insisted it would fail.

“Mining’s a fever,” the dejected miner said as he sat on a tree trunk flanked by Finger’s heavily armed troops. “If you kick me out of this mine … I’ll just go somewhere else because illegal mining will never end.”

Similar defiance could be heard around the swimming pool of the best hotel in Boa Vista, the city nearest to the Yanomami enclave. On a recent afternoon one portly mining boss sat there, swigging beer and bragging how his team had buried its gear in the jungle to prevent troops destroying it. Miners had doused the earth over the concealed objects with petrol to help them relocate their equipment by stopping the forest from growing back.

Environmental agents frisk suspected miners at a blockade along the Uraricoera river
Environmental agents frisk suspected miners at a blockade along the Uraricoera River. Photograph: Tom Phillips/The Guardian

The boss predicted Lula’s clampdown would fade after six months, allowing miners to resume their multimillion dollar activities in more than 200 pits. But Lula allies are adamant they have come to the Yanomami territory to stay.

“This is Lula’s pledge and we’re all working … so this pledge becomes reality. We are determined to make this work,” said the environment minister, Marina Silva, vowing to defend other Indigenous territories ravaged by illegal mining such as those of the Munduruku and Kayapó peoples.

A Yanomami man sits beside an illegal cassiterite mining operation deep in the indigenous territory
A Yanomami man sits beside an illegal cassiterite mining operation deep in the Indigenous territory. Photograph: Tom Phillips/The Guardian

For the Yanomami such pledges are a matter of life and death. At least 570Yanomami children reportedly died of curable diseases during Bolsonaro’s administration, partly because rampant mining gangs had caused an explosion of malaria and made it impossible for health workers to operate.

“This is a crime. There’s no other name for it – an attempted genocide,” said Silva, denouncing the “ethically, politically, morally and spiritually degrading” conditions she believed the Yanomami had been deliberately subjected to under Bolsonaro.

André Siqueira, a malaria expert who visited the Yanomami territory recently to assess the health emergency, described horrifying scenes of malnourishment and neglect. “I saw five-year-old children who weighed less than my two-year-old. Even on trips to Africa I’d never seen such levels of malnutrition. I’d only seen it in books,” he said.

Bruce Albert, an anthropologist who has worked with the Yanomami since the 70s, when miners first stormed their territory, accused Bolsonaro of seeking to “totally annihilate” the Yanomami by sabotaging efforts to shield the lands they are thought to have inhabited for thousands of years.

“Bolsonaro’s plan was a species of genocide by means of intentional negligence,” Albert said of the politician, who he believed was obsessed with military dictatorship-era conspiracy theories that hostile foreign powers wanted to annex the border region by inciting an Indigenous separatist movement. “And if Bolsonaro had had another four years [in power] his plan would have succeeded.”

Brazil’s former president has called such accusations a leftist “farce”. Dias also rejected claims miners were destroying the Yanomami.

“When our machines are all working they eat well and they live well,” he said reeling off the names of three supposed Yanomami collaborators. “Miners aren’t crooks and what they are doing to us is a total disgrace.”

Dias also denied miners were collecting gold with the use of mercury, which can cause birth defects, kidney damage and even death. Moments later, however, Finger emerged from Dias’s shack brandishing a plastic flask filled with the toxic heavy metal. “It’s not just dangerous, it’s lethal – for them [the miners] and for the Indigenous,” he bristled.

Ibama agent Rafael Sant’Ana dismantles a wooden sluice used to separate gold from dirt
Ibama agent Rafael Sant’Ana dismantles a wooden sluice used to separate gold from dirt. Photograph: Tom Phillips/The Guardian

Dias confessed to paying about five grams of gold (£240) for the silvery substance. “It comes from X-ray machines, hospitals, that sort of thing,” he mumbled.

After Dias’s supplies were distributed to Yanomami villagers, his hovel was torched. He was fined and left in the forest to find his way home.

Finger’s troops soared back to base to clean their weapons and prepare for the next day’s mission at the vanguard of Lula’s campaign to write a new chapter for the environment, the Yanomami, and the global fight against climate change.

“We’re fighting a de facto war,” Finger said as Ibama agents frisked down a group of miners fleeing along the river behind him. “It’s a silent war that society doesn’t see – but those of us doing battle know it exists.”

‘Reverter crise dos Yanomami exige tempo e muitas ações’, diz antropólogo francês (Valor)

Antropólogo francês que trabalha há 50 anos com grupo critica auxílio garimpeiro

Artigo original

Daniela Chiaretti

10/02/2023

Bruce Albert, o antropólogo francês que trabalha há quase 50 anos com os Yanomami, acredita que levará tempo, esforço e muitas ações para reverter o cenário desolador de desnutrição e falta de assistência de saúde ao povo indígena. “Ainda há muito trabalho pela frente para articular um sistema de assistência em saúde eficiente na Terra Indígena Yanomami que permita reverter o quadro assustador do presente”, diz ele. “A dramática situação de saúde e desnutrição causada pela invasão da mineração ilegal na TI Yanomami, e a destruição da base da subsistência indígena com os rios poluídos, a caça afugentada e as roças devastadas, estão longe de ser resolvidas.”

Albert, um dos maiores antropólogos contemporâneos, acredita que, do mesmo modo que é preciso criar um sistema de saúde duradouro na terra indígena, será necessário criar um sistema de monitoramento com imagens de satélites e drones e intervenção rápida de equipes da Funai e do Ibama, para controlar invasões na área.

“Fora da TI Yanomami também é preciso ter um planejamento de inteligência eficiente para desmantelar a logística das mineradoras ilegais”, diz. “O comércio do ouro deve ser profundamente revisto para que seja implementada, de maneira sistemática, a fiscalização da origem do metal produzido e destinado ao setor financeiro e joalheiro”, defende.

Nascido no Marrocos e doutor em antropologia pela Université Paris X Nanterre, Albert é tido como uma das maiores referências entre estudiosos dos Yanomami. Começou a trabalhar com o povo em 1975, fala bem uma das línguas e foi um dos fundadores da Comissão Pró-Yanomami, a CCPY, que conduziu com o xamã Davi Kopenawa, a célebre fotógrafa Claudia Andujar e o missionário Carlo Zacquini a campanha nacional e internacional de 14 anos pela homologação da Terra Indígena Yanomami, em 1992.

Intérprete do inquérito que ouviu sobreviventes do massacre de Haximu em 1993 – que vitimou 16 crianças, velhos, mulheres e até um bebê- Albert enxerga duas causas básicas para o drama atual que acomete o povo indígena: a abertura “escancarada” da terra indígena “a verdadeiras empresas-piratas de extração de ouro e cassiterita” e “um cínico desmantelamento de todas as estruturas assistenciais -ambientais, sociais e sanitárias-, na TI Yanomami e na Amazônia em geral.” Atribui ambos “à mortífera desgovernança do ex-presidente Jair Bolsonaro’.

Para Albert, criar o que chama de “auxílio garimpeiro” seria um erro que premiaria “a busca de lucro em atividades ilegais nas terras indígenas. E ainda pago pelo erário público, que já se encontra muito lesado pela mobilização necessária para conter e remediar estas ilegalidades, sem contar o prejuízo ecológico enorme ao patrimônio público”. Na visão do antropólogo “quem tem que financiar a saída dos garimpeiros da TI Yanomami são os donos das mineradoras clandestinas”.

Em 1992, a retirada dos garimpeiros da TI Yanomami foi “relativamente rápida, mas os Yanomami de Roraima tinham perdido 13% da sua população”, lembra. Alguns garimpeiros nunca saíram da região, conta, e quando o preço do ouro voltou a subir, retornaram em número muito maior, mecanizados e possivelmente apoiados pelo crime organizado. “As lideranças Yanomami e suas associações alertaram inúmeras vezes o governo e a imprensa sobre a iminência de uma crise humanitária sem precedentes na terra indígena. Sem resultado. Desde 2015 pouco foi feito para resolver a situação e, a partir de 2019, o governo Bolsonaro agravou a crise. Acabou se configurando uma verdadeira tentativa de genocídio.”

Albert acaba de voltar de viagem aos Estados Unidos com o amigo Davi Kopenawa e Claudia Andujar. Participaram da abertura da exposição “The Yanomami Struggle”, em Nova York, com fotos de Claudia Andujar e o trabalho de vários artistas Yanomami – Albert foi o consultor antropológico. Estiveram nas universidade de Princeton e Columbia, onde relataram o que vem ocorrendo com o povo Yanomami e encontraram o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres.

Albert, que escreveu com Davi Kopenawa “A Queda do Céu”, prepara em março o lançamento de “O Espírito da Floresta”, também em coautoria com o xamã e editado pela Cia. das Letras. O livro reúne reflexões e diálogos que, a partir do conhecimento xamânico Yanomami, evocam imagens e sons da floresta. Ao retornar dos EUA, concedeu esta entrevista ao Valor, por escrito:

Valor: O senhor já dizia, em entrevista em 2021, que a pior catástrofe que viu em 50 anos de convívio com os Yanomami, é a que assistimos nos últimos anos. Por quê?

Bruce Albert: A trágica situação na qual se encontram atualmente os Yanomami do Brasil – que é de fato a pior em 50 anos – tem duas causas imputáveis à mortífera desgovernança do ex-presidente Jair Bolsonaro entre 2019 e 2022. A primeira é a abertura escancarada da Terra Indígena Yanomami a verdadeiras empresas-piratas de extração de ouro e cassiterita, em desprezo total das leis e da Constituição brasileiras.

Valor: E a segunda causa?

Albert: A segunda: paralelamente [à abertura da terra indígena às empresas de mineração de médio porte que atuam clandestinamente na TI Yanomami] ocorreu um cínico desmantelamento de todas as estruturas assistenciais – ambientais, sociais e sanitárias -, na TI Yanomami e na Amazônia em geral. Eu me refiro à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

Valor: O senhor foi intérprete do inquérito que ouviu os sobreviventes do massacre de Haximu, em 1993, quando morreram 16 crianças Yanomami, idosos, mulheres e um bebê. O massacre foi caracterizado como genocídio pelo Superior Tribunal de Justiça, a única vez, na história do país. O senhor dizia, em 2021, que tolerar o garimpo em terras indígenas configurava um crime de genocídio por omissão.

Albert: O planejamento e a execução desses dois ataques complementares contra a integridade da TI Yanomami e de seus habitantes indígenas configuram exatamente a situação descrita no artigo 2o item c da Convenção para a Prevenção e Repressão de Crime de Genocídio promulgada por decreto no Brasil [decreto no 30.822/1952, assinado por Getúlio Vargas. O artigo 2o entende por genocídio “atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso” e o item c diz “submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial”]. Nos anos 90, Bolsonaro, então parlamentar, tentou por todos os meios legais impedir a demarcação da TI Yanomami. Em vão. Um decreto presidencial [assinado pelo então presidente Fernando Collor] e as disposições da Constituição de 1988 garantiram a sua homologação em 1992. Não podendo anular legalmente a TI Yanomami, Bolsonaro deixou, na sua Presidência, os Yanomami serem dizimados pelos garimpeiros. Ele deverá responder pelo crime diante da justiça nacional e/ou internacional.

Valor: O senhor pode contar algo do processo de desintrusão dos garimpeiros nos anos 90?

Albert: A desintrusão da invasão garimpeira do fim dos anos 80 começou em janeiro de 1990 com uma ação conjunta e simultânea da Polícia Federal, do Exército, do Ministério da Saúde. Imediatamente após a desintrusão entraram equipes médicas com voluntários do país inteiro mobilizadas pelo Ministério da Saúde e membros de ONG parceiras dos Yanomami, indigenistas e antropólogos, que conheciam a área e a língua yanomami. Eu mesmo trabalhei meses como intérprete nestas equipes. A desintrusão foi relativamente rápida, mas os Yanomami de Roraima tinham perdido 13% da sua população e núcleos de garimpeiros profissionais “radicais” permaneceram durante décadas entricheirados em lugares de difícil acesso na TI Yanomami.

Valor: E o que aconteceu depois?

Albert: Esse garimpo começou a expandir novamente com a subida do preço do ouro nos mercados internacionais no fim de 2015, e explodiu em proporções inéditas durante a presidência Bolsonaro, pelas razões que mencionei. No fim dos anos 80 estimava-se que os garimpeiros na TI Yanomami eram 40 mil. Em 2022 eram provavelmente ainda mais numerosos, em vista da extensão das áreas devastadas que quase quadruplicaram de 2018 a 2022 chegando a praticamente 4.500 hectares de florestas destruídas. Há anos estes garimpeiros estão submetendo mais da metade da população Yanomami a terríveis condições de degradação sanitária e desnutrição, violência, exploração sexual e degradação social. As lideranças Yanomami e suas associações alertaram inúmeras vezes o governo e a imprensa sobre a iminência de uma crise humanitária sem precedentes na terra indígena. Sem resultado. Desde 2015 pouco foi feito para resolver a situação e a partir de 2019, o governo Bolsonaro agravou a crise. Acabou se configurando uma verdadeira tentativa de genocídio.

Valor: Na sua visão, como o processo de desintrusão deveria ser feito agora, com o garimpo ilegal mecanizado e muito mais violento?

Albert: A situação é mais complexa hoje do que em 1990, é óbvio. Em 1990 assistimos a um início de mecanização e capitalização do garimpo. Em 2022 estamos frente a verdadeiras empresas ilegais de extração de ouro e cassiterita, altamente mecanizada e capitalizadas, operando com retroescavadeiras, abrindo estradas privadas na floresta, com frota de aviões e helicópteros. São protegidas por milícias com armamento pesado e provavelmente associadas ao crime organizado do sul do país, para lavagem de dinheiro. Não tem mais nada a ver com o que era, no passado, o garimpo artesanal. Aliás, chamar de “garimpo” a mineração ilegal na Terra Indígena Yanomami é hoje impróprio -pode esconder a verdadeira natureza da situação e sua extrema gravidade. O novo governo parece agir com prudência e determinação para retirar os garimpeiros da TI Yanomami, controlando o espaço aéreo para forçar, em um primeiro momento, a saída espontânea dos garimpeiros; e, em um segundo momento, implementar uma intervenção repressiva direta na área para quem tentar ficar e manter lugares de garimpo. Obviamente este planejamento, por mais bem-intencionado que seja, não é perfeito. Sabemos que os garimpeiros desabastecidos que devem sair por sua própria conta, sem controle, acabam muitas vezes roubando a ajuda humanitária levada aos Yanomami e cometendo mais violência. Muitos cruzam a fronteira da Venezuela para esperar a pressão baixar e poder voltar mais tarde, impunemente, na TI Yanomami do lado brasileiro.

Valor: O senhor acha que pode haver resistência?

Albert: Em 30 anos de garimpo na TI Yanomami, os invasores desenvolveram técnicas sofisticadas para esconder seus equipamentos. Vai ter uma grande resistência para manter a mineração clandestina na área. Os interesses econômicos envolvidos são poderosos e os políticos locais são favoráveis à mineração ilegal. Isto sem contar o envolvimento das facções criminosas no garimpo da TI Yanomami. Circulam também noticias sobre um possível auxílio público aos garimpeiros o que me parece o cúmulo do populismo.

Valor: Por quê?

Albert: “Garimpeiro” não é uma profissão permanente, só para muito poucos. Trata-se, em geral, de uma atividade ilegal temporária nas terras indígenas e pela qual abandonam um emprego. Ou buscam a atividade no desemprego, por ser mais lucrativa que um emprego legal na cidade – e isto sem falar da criminalidade profissional que é muito presente nos garimpos. Portanto, criar um “auxílio garimpeiro” seria premiar a busca de lucro em atividades ilegais nas terras indígenas. E ainda pago pelo erário público, que já se encontra muito lesado pela mobilização necessária para conter e remediar estas ilegalidades. Isso sem contar o prejuízo ecológico enorme ao patrimônio público. Nos caso dos Yanomami seria um verdadeiro “auxílio genocídio”. Quem tem que financiar a saída dos garimpeiros da TI Yanomami são os donos das mineradoras clandestinas cujos bens, mal adquiridos, devem ser confiscados e assim pagar a retirada de seus empregados abandonados na floresta.

Valor: O quadro atual levará tempo para ser revertido?

Albert: A dramática situação de saúde e desnutrição causada pela invasão da mineração ilegal na TI Yanomami, e a destruição da base da subsistência indígena com os rios poluídos, a caça afugentada e as roças devastadas, estão longe de ser resolvidas. Não basta o fluxo emergencial de cestas básicas. Pelo que soube, a ação sanitária de emergência em campo ainda é pouco organizada e sistemática, e não consegue atingir as piores áreas onde o garimpo ainda é ativo. As equipes de saúde trabalham em situações de alto risco com falta de pessoal competente e insumos médicos especializados. As ONGs médicas que conhecem a área começam apenas estes dias a ser autorizadas a colaborar no sistema de assistência emergencial. Enfim, o Distrito Sanitário Yanomami ainda não tem nova direção e não foi reestruturado, enquanto políticos locais, cúmplices do genocídio yanomami, rondam para interferir na nomeação. Ainda há muito trabalho pela frente para articular um sistema de assistência em saúde permanente e eficiente na Terra Indígena Yanomami que permita reverter o quadro assustador do presente.

Valor: Como fazer para que os garimpeiros não retornem?

Albert: Do mesmo modo que a assistência em saúde, será precisar articular um dispositivo de controle permanente na TI Yanomami. Este sistema deveria ser de monitoramento e contar com radares, imagens satélites e drones. E também com intervenção rápida de equipes da Funai, do Ibama e outros, em lugares estratégicos da terra indígena. Fora da TI Yanomami também é preciso ter um planejamento de inteligência eficiente para desmantelar a logística das mineradoras ilegais que compreende voos, combustíveis, circuitos comerciais dos insumos, por exemplo. O comércio do ouro deve ser profundamente revisto para que seja implementada, de maneira sistemática, a fiscalização da origem do metal produzido e destinado ao setor financeiro e joalheiro.

Valor: O governo Lula criou o Ministério dos Povos Indígenas. Como o senhor viu essa decisão?

Albert: Esta criação é obviamente uma vitória e um momento histórico para os povos indígenas do Brasil que reivindicaram esta decisão por muito tempo. É a primeira vez na história do Brasil que os povos indígenas ganham espaço no poder Executivo para administrar seu próprio destino.

Valor: O governador de Roraima Antônio Denarium deu entrevista à “Folha de S.Paulo” dizendo “que os Yanomami têm que se aculturar e não podem mais ficar no meio da mata, parecendo bicho”. O que acha deste pensamento, que é, também de boa parte da população?

Albert: Os ditos do governador de Roraima caracterizam um infame retorno do recalcado cultural e social do Brasil colônia, o que é inacreditável e inaceitável em 2023. Com estereótipos racistas só se pretende encobrir o extermínio dos Yanomami pela mineração selvagem invadindo suas terras. Isto é indigno de um cargo publico no Brasil contemporâneo. Alem disso, tais colocações parecem tão medíocres e anacrônicas quando o mundo inteiro reconhece a profunda sabedoria filosófica e ecológica da tradição do povo Yanomami, através de livros de pensadores como Davi Kopenawa [“A Queda do Céu”, com Bruce Albert], que foi publicado em oito idiomas. E a exposição de arte Yanomami nos museus e galerias de arte contemporâneas de São Paulo, Londres, Paris, Xangai e Nova Iorque com obras de Joseca Mokahesi e outros artistas Yanomami.

Cultura Yanomami luta contra sua extinção; conheça ícones da comunidade (Estadão)

Artigo original

Foto: Claudia Andujar/IMS

Por Sibélia Zanon

17/02/2023 | 05h00

Com exposições, livros e itens raros, ‘Estadão’ ouviu especialistas

Conhecimento se adquire degustando, não engolindo inteiro, conta Alcida. Esta foi a lição que ela aprendeu junto ao povo Yanomami em 1968, quando começou sua pesquisa de doutorado com os Sanumá, Yanomamis da região do Rio Auaris, em Roraima. Ainda aprendendo o bê-á-bá da língua sanumá, uma das seis faladas na maior terra indígena do Brasil, Alcida conta que fez uma pergunta a uma mulher e recebeu uma resposta monossilábica. Meses mais tarde, a antropóloga fez a mesma pergunta à mesma mulher e recebeu um longo discurso como resposta. Quando Alcida questionou a resposta resumida de meses antes, a indígena respondeu: “Se eu lhe dissesse tudo naquele momento, você não ia entender nada!”.

A história que nos conta Alcida Rita Ramos, autora de inúmeros artigos de antropologia e livros dedicados a compreender o mundo Yanomami, fala sobre uma trajetória e um tempo que se leva para ter o vislumbre de uma outra cultura, aspecto que a voracidade colonizadora do homem branco materialista não tem condição de compreender, como mostra o líder Davi Kopenawa Yanomami ao escrever que “os brancos não sonham tão longe quanto nós. Dormem muito, mas só sonham com eles mesmos”.

Árvores representadas em Sheroanawa Hakihiiwe Hii Hi frare frare
Árvores representadas em Sheroanawa Hakihiiwe Hii Hi frare frare  Foto: © Coleção de Claudia Andujar

Uma das formas para dar visibilidade a diferentes culturas e refletir sobre sua história é a arte, instrumento que tem sido usado pelo povo Yanomami. “Eu não vim à toa para passear, conhecer a cidade. Eu venho em nome do meu povo para dizer o que está acontecendo, para pedir apoio”, diz Morzaniel Iramari, por telefone, de Nova York para o Estadão. Morzaniel vive na região do Demini, na Terra Indígena Yanomami (TIY) situada entre os Estados de Roraima e do Amazonas, e assina a direção do filme Mãri hi – A Árvore dos Sonhos, curta-metragem de 17 minutos, que estreou no dia 3 de fevereiro na exposição The Yanomami Struggle (A Luta Yanomami), no museu The Shed, em NY.

O filme Thuë pihi kuuwi (Uma Mulher Pensando) também integra a exposição. Filmado e dirigido por mulheres Yanomamis e por Edmar Tokorino, o curta aborda o olhar de uma jovem sobre o trabalho dos xamãs. “Eu preciso muito mostrar a nossa cultura, é muito importante para os não indígenas. Para vocês defenderem o nosso direito também”, diz Edmar, que estava temporariamente em Boa Vista, Roraima.

A fotógrafa Claudia Andujar, pioneira na fotografia dos Yanomami, no IMS
A fotógrafa Claudia Andujar, pioneira na fotografia dos Yanomami, no IMS Foto: Denise Andrade/Estadão

“A presença de Davi Kopenawa, de Claudia Andujar, de vários artistas Yanomamis e da Associação Hutukara, que representa o povo Yanomami, despertou um interesse imenso em Nova York”, avalia João Fernandes, diretor artístico do Instituto Moreira Salles (IMS), instituição que já abrigou temporadas da exposição em São Paulo e no Rio e é uma das organizadoras.

Com mais de 200 fotografias de Claudia Andujar, fotógrafa dedicada às causas Yanomamis desde a década de 1970, mais de 80 desenhos e pinturas de artistas Yanomamis e filmes da produção recente indígena, a exposição vem ganhando maior presença e autoria do próprio povo. “A exposição passou a ser uma construção muito mais aberta e diversa a partir da obra da Claudia, que continua a ser um fio condutor”, conta João Fernandes, que também estava presente na inauguração em Nova York.

“Eu acho que arco e flecha hoje em dia não dão conta das metralhadoras, dos fuzis, das epidemias”, diz Angela Pappiani, comunicadora que desenvolve projetos com povos originários há mais de 30 anos. “Mas uma câmera de vídeo, um gravador, um celular, o rádio, a comunicação via internet são armas que protegem e que ajudam na sobrevivência.”

Eu acho que arco e flecha hoje em dia não dão conta das metralhadoras, dos fuzis, das epidemias – Angela Pappiani, comunicadora

A necessidade de usar a força da imagem – desde o trabalho de Claudia Andujar até as últimas produções dos cineastas Yanomamis – revela um conflito. “Esse recurso de defesa se faz contra a vontade dos próprios Yanomamis, que detestam ser fotografados e exigem que nunca se mostre a imagem de parentes que já morreram”, lembra Alcida. “Não deixa de ser paradoxal que, sendo uma prática anti-Yanomami, a fotografia tem o poder de ser, também, pró-Yanomami, pois a imagem é um dos recursos mais poderosos para sensibilizar os não indígenas.”

Assim como no cerne das culturas indígenas, a divisão em territórios e fronteiras não obedece à mesma lógica que na cultura do homem branco – tratam-se de culturas que cultivavam a terra muito antes de a cultura colonizadora chegar com suas regras de demarcação. A arte Yanomami também não é marcada pelas mesmas fronteiras da cultura ocidental. Ela se mistura ao cotidiano, ao artefato.

11/01/2023 CADERNO2 / CADERNO 2 / C2 / USO EDITORIAL EXCLUSIVO /  A Fundo / Dança dos índios yanomami (Crédito:Odair Leal/Reuters - 14/10/2012)
Dança dos índios yanomami (Crédito:Odair Leal/Reuters – 14/10/2012). Foto: STRINGER/BRAZIL/REUTERS

”A estética Yanomami é completamente entranhada na vida, ela faz parte da vida. O desenho Yanomami não existia enquanto tal, como uma atividade artística separada”, conta o sociólogo Laymert Garcia dos Santos que, em 2006, trabalhou na concepção artística da ópera Amazônia – Teatro Música em Três Partes com Yanomamis da aldeia Watoriki, no Amazonas. “O desenho Yanomami existia na pintura corporal, na pintura de cestos, de alguns instrumentos, na cerâmica, ou seja, sempre não associada a uma superfície, mas praticada num volume. Não existia essa noção de desenho tal como a gente entende pela história da arte ocidental, de uma superfície bidimensional na qual você distribui alguns elementos de figuração.”

Laymert explica que o desenho Yanomami parece integrado ao espaço, o papel faz as vezes de uma tela, onde se projeta uma ação. “Os Yanomamis têm uma relação com o movimento e com a ocupação do espaço que é totalmente diversa da maneira como a composição ocidental trabalhou a questão do desenho.”

Os Yanomamis têm uma relação com o movimento e com a ocupação do espaço que é totalmente diversa da maneira como a composição ocidental trabalhou a questão do desenho – Laymert Garcia dos Santos, sociólogo

Curioso é que a arte, instrumento capaz de sensibilizar o não indígena e abrir uma fresta potente para a compreensão de novas cosmologias, também pode servir a interesses menos nobres, como debateram curadores indígenas numa conversa promovida no dia 2 de fevereiro pelo IMS e o Museu da Língua Portuguesa.

“A arte mata, porque no livro da história da arte indígena bom é indígena morto ou ajoelhado na frente de uma cruz”, diz Daiara Tukano, curadora da exposição Nhe’ Porã: Memória e Transformação em exibição no Museu da Língua Portuguesa, São Paulo. “É dentro do campo da poesia, da literatura, daquilo que é chamado de arte pelo branco que se criou essa alegoria do indígena, essa imagem muito artificial, com a qual a gente não se identifica.”

Daiara Tukano na abertura da exposição Amõ Numiã na Galeria Millan
Daiara Tukano na abertura da exposição Amõ Numiã na Galeria Millan  Foto: Silvana Garzaro/Estadão

”Uma das figuras que sempre me arrepiaram, de me deixarem triste mesmo, de ter pesadelo era a imagem da Moema”, conta Daiara. A imagem da moça indígena morta na praia, retratada em pinturas e esculturas, personifica o amor de uma indígena pelo colonizador. Também das páginas do cearense José de Alencar emerge uma Iracema que morre de amor pelo português quando ele parte para a guerra, ilustrando quem sabe uma espécie de “síndrome de Estocolmo” – aquela patologia em que a vítima de abuso desenvolve uma relação sentimental pelo aproveitador.

Para confrontar esse tipo de visão, Daiara destaca a relevância de pensadores indígenas exporem sua arte. “Cada povo vai trazendo as suas narrativas e vai se empoderando de todas as linguagens. A música, a literatura, o desenho, a dança, o teatro, o cinema para trazer não apenas um relato de história, mas também uma maneira própria de contar essa história, de mostrar uma imagem que é própria da nossa linguagem, uma narrativa, um ritmo, uma relação de tempo, de mundo que é própria. São nossas cosmovisões, mas cada uma de nossas cosmovisões também carrega algo importante que é nossa cosmopotência. Nós somos culturas vivas, nós continuamos nos autogerando.”

Cada povo vai trazendo as suas narrativas e vai se empoderando de todas as linguagens – Daiara Tukano, artista

Em A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami, livro revelador da cosmologia Yanomami escrito pelo antropólogo Bruce Albert e por Davi Kopenawa, o líder indígena compartilha sua estranheza ao ver objetos de seu povo guardados num museu, como relíquias de um passado longínquo, e questiona: “Depois de ver todas as coisas daquele museu, acabei me perguntando se os brancos já não teriam começado a adquirir também tantas de nossas coisas só porque nós, Yanomamis, já estamos começando também a desaparecer”.

Marcelo Moura Silva, pesquisador da cultura Yanomami no Instituto Socioambiental (ISA), destaca: “Eles não são janelas para o passado, não são resquícios de uma humanidade perdida, são nossos contemporâneos, estão aqui agora, vivendo um tipo de vida que é possível dentro do mesmo mundo em que estamos vivendo”.

O líder Yanomami Davi Kopenawa
O líder Yanomami Davi Kopenawa  Foto: Amanda Perobelli/Reuters

Ainda em A Queda do Céu, Kopenawa escreve: “Os brancos nos chamam de ignorantes apenas porque somos gente diferente deles. Na verdade, é o pensamento deles que se mostra curto e obscuro. Não consegue se expandir e se elevar, porque eles querem ignorar a morte”.

Marcelo lembra que uma das mais bonitas festividades Yanomamis é o cerimonial funerário, que reúne grupos e parentes para reforçar laços de amizade numa grande demonstração de generosidade e abundância de alimentos. A festividade ajuda a apagar a memória da pessoa que partiu para que ela tenha paz e os parentes consigam viver fora do luto. Acontece que até o cerimonial funerário tem sido atingido pelo garimpo. “Nos lugares atingidos, não há força física ou produção de alimentos para ofertar”, ressalta o antropólogo.

“Gostaria que os brancos parassem de pensar que nossa floresta é morta e que ela foi posta lá à toa. Quero fazê-los escutar a voz dos xapiri, que ali brincam sem parar, dançando sobre seus espelhos resplandecentes. Quem sabe assim eles queiram defendê-la conosco?”, clama Kopenawa nas folhas que ele chama de pele de papel.

O uso da arte como flecha atinge a percepção de que precisamos nos apressar para poder degustar os conhecimentos milenares dos povos originários. “Assim como cada árvore que tomba na Amazônia é como um arquivo que se queima, cada povo dizimado é uma amputação da humanidade”, acrescenta Alcida Ramos. “O flagelo que se abate sobre os Yanomamis não podia se encaixar melhor na definição de genocídio da ONU”, conclui.

Davi Kopenawa: ‘A gente cuida do universo, para que o céu não caia outra vez’ (Nexo)

TÓPICO

Davi Kopenawa 15 Fev 2023(atualizado 15 fev 2023 às 12h05)

Um dos mais influentes líderes mundiais na luta pelos direitos indígenas, Davi Kopenawa fala sobre como a ação de garimpos ilegais na Amazônia levaram à crise sanitária, destruição ecológica, e ameaça de extermínio de seu povo. O discurso do xamã e líder Yanomami, autor do aclamado “A Queda do Céu”, foi apresentado no evento “The Falling Sky and The Yanomami Struggle”, organizado pelo Brazil LAB e o Departamento de Antropologia da Universidade de Princeton (EUA), em 31 de janeiro de 2023, na mesma universidade

Retrato Davi Kopenawa
 DAVI KOPENAWA

Vou dizer diretamente o que estou sentindo: eu estou de luto porque meu povo Yanomami está doente e morrendo. Nossas crianças estão adoecendo pela doença do homem branco, de doenças que chegam ao nosso território junto com os destruidores, que entram nas comunidades levando malária, gripe, diarreia, verminose e, agora, o coronavírus.

Este problema não é de hoje. Este é um problema antigo, que vem desde que os homens brancos chegaram à nossa terra indígena, e continua acontecendo. Essas são doenças que retornaram para destruir nossa saúde, nossa comunidade e nossa floresta. Isso não é bom. É algo muito triste. Quando você fica olhando de perto, começa a chorar.

Eu não estou aqui dizendo mentiras. Eu estou falando a verdade. Eu sou de lá. Minha casa fica no Território Yanomami. Eu estou vendo com meus próprios olhos nossas mulheres chorando quando as crianças morrem. Isso é muito triste – o que o homem branco está fazendo.

Atualmente, o número de não indígenas que vêm causando esses males é muito alto: 20 mil mil garimpeiros ilegais estão hoje na Terra Yanomami.

O preço do ouro aumentou. E é por isso que o número de garimpeiros aumentou.

Para eles, o preço do ouro tem valor. Para nós, povos indígenas, não tem. O ouro é só uma pedra, não é algo que se come. O ouro só cria problemas.

É por isso que estou contando tudo isso: para que vocês saibam o que está acontecendo e deem apoio à minha luta, a luta do povo Yanomami.

É importante que vocês ouçam os indígenas. Nós estamos sofrendo, nossas crianças estão morrendo. Nós, os povos tradicionais, não temos culpa. Culpado é quem rouba a terra do povo indígena. Esta é minha mensagem para que você saiba que meu povo está sofrendo.

Participantes sentado sà mesa em evento da Universidade de Princeton. À esquerda da mesa há um banner com o logo do Brazil LAB-Princeton. Da esquerda para direita: Deborah Yashar, João Biehl, Davi Kopenawa e Ana Laura Malmaceda
 MESA NO EVENTO “THE FALLING SKY AND THE YANOMAMI STRUGGLE”, NA UNIVERSIDADE DE PRINCETON (EUA). DA ESQUERDA PARA DIREITA: DEBORAH YASHAR, JOÃO BIEHL, DAVI KOPENAWA E ANA LAURA MALMACEDA

O povo Yanomami não pode sofrer. Nós somos seres humanos. Nós sabemos falar, sabemos lutar, sabemos cuidar de nosso lugar, sabemos defender nossos direitos, nossa saúde, nossa língua, nossos costumes. E é o povo Yanomami que está protegendo a Amazônia.

Todos sabem que a Floresta Amazônica é importante, e não apenas para nós, mas para o mundo inteiro.

O número de crianças Yanomami que morreram de doenças e de fome (nos últimos quatro anos): 570 crianças entre dez e catorze anos. E quando os pais morrem, as crianças também morrem. Uma criança sem mãe não consegue sobreviver. Se a mãe pegar malária, ela não vai conseguir procurar comida. É muito difícil para nós. É por isso que nós estamos aqui.

Essa notícia está rodando o mundo inteiro. Isso porque o povo Yanomami é conhecido no Brasil e fora por cuidar da floresta há muitos anos. Nossos antepassados e nossos pajés já cuidavam da floresta.

Essa é minha fala, que estou transmitindo para vocês, para vocês pensarem e sentirem vontade de proteger e defender os nossos filhos Yanomami.

Vocês, estudantes universitários, estão lendo o livro “A Queda do Céu”. Esse livro que nós, eu e meu shori 1 Bruce Albert, que foi à nossa Terra Yanomami e aprendeu a falar nossa língua, escrevemos.

Esse livro foi feito para vocês. Para que vocês conheçam a história do meu povo. Ele conta tudo que aconteceu ao longo de cinquenta, sessenta anos. Ele mostra a sabedoria do povo Yanomami e a minha sabedoria, a partir do que eu sonhei: uma ideia nova, sobre como levar nossa sabedoria para as pessoas da cidade.

Porque as pessoas da cidade não escutam o que é contado pela boca. Só “escutam” o que está escrito. Só entendem quando leem. Quando ouvem o que é dito espiritualmente, verbalmente, não escutam. Por isso eu tive a ideia de escrever nossa história. Eu queria contar nossa história através do livro “A Queda do Céu”. E ele está ajudando a divulgar nossa história.

Eu queria, aqui, também falar sobre os xapiris. Os xapiris da floresta. Eu não gosto de chamá-los de espírito. Espíritos são das igrejas. Esse nome, xapiri, veio viajando até chegar às nossas terras. Na língua Yanomami, eles chamam Xapiri. Eles são os protetores da floresta, da terra, do mundo. Quando está muita chuva, por exemplo, quando o tempo está muito feito, os xapiri trabalham. Trabalham para proteger nossas casas. Não deixam chover muito, porque se chove demais, nossas casas alagam. Eles também trabalham com o sol. Para que o tempo fique limpo, bonito, com os pássaros cantando, e as pessoas fiquem alegres.

Nosso universo, nosso planeta Terra, é disso que cuidamos. Não apenas de nossas casas. Nós, os pajés, a gente cuida do universo, para que o céu não caia outra vez. Essa é a mensagem que está escrita em “A Queda do Céu”. E é por isso que esse livro está entrando em universidades de todo o mundo, nos Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Itália. O livro está divulgando o nome do povo Yanomami e falando da proteção do universo, da proteção da Terra. Porque nós estamos morando aqui, em um planeta que é único para todo mundo. Nós somos um só povo em toda a Terra. E nós moramos aqui. Awe!

Davi Kopenawa é xamã e um dos principais porta-vozes do povo Yanomami. Intelectual que tem estado na vanguarda das lutas pelos direitos dos povos indígenas e das iniciativas de conservação da Amazônia, ele é autor de “A Queda do Céu”. Em 2021, estrelou e foi um dos roteiristas do documentário “A Última Floresta”, vencedor do Prêmio do Público da Mostra Panorama, do Festival de Cinema de Berlim.

Opinião – Desigualdades: Precisamos falar sobre a beleza dos yanomamis (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

Cenas de horror dizem mais sobre os napë, os não indígenas, do que sobre esse povo

Dário Kopenawa Yanomami

8 de fevereiro de 2023


Neste momento em que muito se fala sobre a tragédia yanomami, há quem atribua as causas do sofrimento desse povo ao seu modo de vida. Sugerem que a fome e a doença são produtos da suposta ineficiência do sistema produtivo indígena, não da economia predatória que há anos vem devorando povos e territórios planeta afora. Ignoram que esse mesmo modo de vida garantiu uma existência abundante por séculos, enquanto o extrativismo não indígena é o verdadeiro produtor da escassez —algo que se vê, por exemplo, nos grandes centros urbanos que se pretendem monumentos da civilização ocidental. Como diria Davi Kopenawa, “o povo da mercadoria” está condenado.

Não é difícil notar a contradição no discurso que imputa aos indígenas a culpa por esta tragédia. Basta observar o que acontece nos lugares cotidianamente consumidos pelo garimpo. Onde há garimpo não há prosperidade. Há pobreza e violência, nada mais. Nesses lugares, enquanto a maioria padece de moléstias como a malária ou é envenenada pelo mercúrio, apenas alguns poucos acumulam riquezas, que são ostentadas bem longe das crateras de onde são extraídas.

Em meio à tragédia, é urgente não perder de vista a beleza desse povo. A beleza das festas reahu, das danças de apresentação. Céu azul, corpos pintados de vermelho, o balé das palhas amarelas. Tampouco perder de vista a beleza da floresta e do conhecimento milenar que ajudou a construí-la e torná-la ainda mais bela. Abelhas comendo no jatobá-roxo, os perfumes do fundo da mata, a majestade das sumaúmas e as fantásticas ilhas de pupunheiras e cacauais. Não podemos perder de vista a beleza dos xamãs e de seus espíritos auxiliares, que contribuem para o equilíbrio cósmico. A beleza da língua yanomami e dos seus cantos, que têm a sutileza de haicais e o ritmo dos cantos dos bichos.

Para os inimigos dos povos indígenas, uma forma de extermínio é a destruição dessa beleza. Pois é por meio da beleza que os yanomamis afirmam a sua humanidade no mundo.

Viver com a floresta é uma arte e requer uma sabedoria que não pode ser fabricada em laboratório. Os yanomamis manejam mais de 160 espécies vegetais silvestres comestíveis, conhecem minuciosamente o comportamento de mais de 80 animais de caça, pescam cerca de 50 tipos de peixes, coletam 30 variedades diferentes de mel silvestre, 11 espécies de cogumelos, dezenas de invertebrados e cultivam mais de uma centena de alimentos, com destaque para a banana, a mandioca, a batata-doce, a taioba, o cará, a cana e o milho.

Davi Kopenawa, com sua perspicácia e inteligência fora do comum, há anos vem nos alertando sobre isso, assim como vem lutando para que os napë (os não indígenas) reconheçam a beleza do seu povo, a sua humanidade.

Leiam as suas palavras em “A Queda do Céu“. Assistam à poesia dos moradores da serra do vento em “A Última Floresta“. Deixem-se apaixonar por esse povo e por sua maneira própria de criar mundos. A aposta de Davi é que o respeito pelo seu povo só pode nascer da admiração, não da pena ou da comiseração.

Um povo cujas crianças podem nomear mais de duzentos tipos de flores durante uma brincadeira é um tesouro. E é desse tipo de tesouro de que o Brasil e a humanidade precisam.

As cenas de horror que circulam hoje, seguramente, dizem mais sobre quem são os napë do que sobre os yanomamis.

Como alcançar o céu Yanomami se a imagem capturada está disseminada na internet? (Sumaúma)

Reflexos luminosos do céu nas águas de um rio na Terra Indígena Yanomami, no estado de Roraima. Foto: Pablo Albarenga/SUMAÚMA

Perspectiva

O dramático impasse dos indígenas que, para denunciar seu genocídio ao mundo, precisam correr o risco de não alcançar a felicidade após a morte

Hanna Limulja

26 janeiro 2023

— Fátima, para onde vão os Yanomami quando morrem?

— Para o hutu mosi.

— E onde fica o hutu mosi? Você já foi pra lá?

— Eu já fui pra lá em sonho. O hutu mosi fica no céu, parece longe, mas é perto. É bonito, há muita fartura, os Yanomami sempre dançam, cantam, as mulheres e os homens viram moças e rapazes, estão sempre enfeitados. Todos vivem felizes no hutu mosi.

— Como podem viver felizes se estão mortos?

— O corpo morre, mas a imagem se transforma em pore. São pore, mas ainda vivem.

A imagem que se transforma em pore quando a pessoa morre é a parte da pessoa que desprende do corpo quando ela sonha. Na língua Yanomami, se diz pei utupë. Se traduz como a imagem que todos os seres possuem dentro de si. Utupë também pode ser um reflexo, uma sombra. Assim, a imagem que se vê no espelho é um utupë, da mesma forma que uma foto, uma imagem que se vê na TV.

Para que um Yanomami possa morrer, é preciso que todas as partes que compõem a pessoa sejam destruídas.

— O que vocês, brancos, fazem quando morre um parente?

— A gente enterra.

— Vocês colocam seus mortos debaixo da terra?? Vocês deixam ele apodrecer sozinho?? Como podem fazer isso??

— É assim que a gente faz com os nossos mortos. Às vezes a gente crema, igual vocês, Yanomami, fazem.

— E o que vocês fazem com as coisas que eram do morto?

— A gente deixa para os nossos filhos.

— Como vocês são capazes de deixar as coisas dos mortos para os que estão vivos? Dessa forma, os vivos ficarão olhando para essas mercadorias e não conseguirão esquecer os mortos, e irão sofrer. Vocês, brancos, são mesmo outra gente!!

Estes foram alguns dos diálogos que tive com Fátima, uma mulher Yanomami de 40 anos, com quem convivi e aprendi muito sobre o mundo do povo que segura o céu. O assombro de Fátima vem do fato de que as coisas do morto possuem a marca do morto, e, portanto, geram tristeza e nostalgia naqueles que ficam. Dentro do pensamento Yanomami, é preciso realizar a separação entre os mortos e os vivos, e tudo o que remete ao morto deve ser apagado, algo que ocorre ao longo de sucessivos e complexos rituais funerários que podem durar anos.

A imagem faz parte do morto, assim como seu nome. Por isso, quando alguém morre, o nome não deve ser pronunciado, pois chamar é trazer para perto, e é preciso estabelecer distância dos mortos, é preciso esquecê-los, para que possam ir definitivamente para o hutu mosi, e para que os vivos possam seguir vivendo.

Tudo o que pertencia ao morto precisa ser destruído. É por isso que a imagem, que é parte constituinte e fundamental da pessoa Yanomami, é algo tão precioso e precisa ser tratada com cuidado. É por essa razão que os Yanomami pediram, dias atrás, que a foto onde aparece uma velha mulher em estado de desnutrição severa fosse apagada. Ela faleceu, mas no pensamento Yanomami ela não pode morrer enquanto sua imagem permanecer nesse plano e reanimar nos vivos a dor de sua ausência.

Davi Kopenawa, xamã e líder político Yanomami, sabe que sua imagem vai permanecer mesmo após a sua morte. Abriu essa concessão com a consciência de que era preciso levar para o mundo a situação que os Yanomami estavam vivendo durante o fim da década de 1980 e início de 1990, quando houve a primeira corrida do ouro. Sim, essa tragédia já aconteceu antes, mas nunca na escala em que está acontecendo agora.

As imagens capturadas pela fotógrafa Claudia Andujar também tiveram que percorrer o mundo para dar testemunho do que foi a tragédia da construção da rodovia Perimetral Norte, na década de 1970 – e, mais tarde, na explosão do garimpo, nos anos 1980. A foto do missionário da Consolata Carlo Zacquini, em que aparecem mulheres com rostos pintados de preto segurando cabaças, estampada na capa dos principais jornais do mundo em 1993, são mulheres em luto. Nas cabaças estão as cinzas de seus mortos, que foram assassinados no massacre de Haximu, considerado o primeiro crime de genocídio reconhecido pela justiça brasileira: 16 Yanomami, crianças, adultos e velhos foram brutalmente assassinados por um grupo de garimpeiros.

Essas imagens tiveram que vir à tona e percorrer o mundo para que os napë pë (brancos) pudessem ter a dimensão da tragédia humana que os Yanomami estavam vivendo. Neste ano, fará 30 anos do genocídio de Haximu e a tragédia novamente se repete, mas dessa vez os registros fotográficos dão prova do que acontece no meio da floresta. Nós, povo da mercadoria, como pontua Davi Kopenawa, também somos o povo da imagem, e é por meio dela que podemos constatar a calamidade que os Yanomami estão vivendo.

Se os relatos viessem sem as imagens dilacerantes publicadas em SUMAÚMA, que depois proliferaram por todos os lados nas redes sociais, certamente não causariam o necessário impacto que tiveram. Nós, napë pë, só cremos naquilo que vemos, e por isso as imagens são tão importantes. Mas, porque precisamos da imagem, os Yanomami hoje morrem sem poder morrer. Do lado de lá da floresta Yanomami, a imagem também tem o seu lugar. Para os parentes que ficam, é impossível lidar com a dor da perda do morto sabendo que parte da pessoa continuará presente no mundo dos vivos, reavivando neles a lembrança daquele que é preciso esquecer.

No início da pandemia, mães Sanumä perderam seus bebês, que foram enterrados na cidade de Boa Vista, sem o seu consentimento e com um falso diagnóstico de covid-19. Essas mães voltaram para suas comunidades sem seus filhos, não apenas porque eles morreram, mas porque seus corpos não puderam ser chorados, para que o luto pudesse se realizar. A separação entre vivos e mortos não foi possível.

A dor de não poder destinar aos seus mortos o devido tratamento funerário, porque falta o corpo, ou parte do corpo – sua imagem – não é uma especificidade dos Yanomami. Nós, napë pë, também temos nossos ritos. Para as famílias das três pessoas que ainda não foram encontradas na tragédia de Brumadinho ou para as famílias que tiveram seus parentes e amigos “desaparecidos” pela ditadura empresarial-militar (1964-1985), existe um vazio que não pode ser preenchido, um luto que não cessa, porque os corpos não foram encontrados e seus mortos não puderam ser devidamente chorados.
Os Yanomami fazem um esforço permanente para esquecer seus mortos, sabendo que, quando morrerem, todos vão se encontrar no hutu mosi, um lugar muito melhor onde viverão felizes. Como diz Fátima, “são pore, mas ainda vivem”. A ideia de apagar os mortos da memória pode parecer estranha para nós, napë pë, que registramos tudo, e que fazemos questão de não sermos esquecidos, sobretudo após a nossa morte.

Mas se há algo que os Yanomami não esquecem são aqueles que mataram seus mortos. Nenhuma morte é natural, ela é sempre causada por um outro, que vem de fora. As 570 crianças Yanomami que morreram nos últimos quatro anos não morreram à toa, sem razão. Elas foram mortas por uma política deliberada do governo Bolsonaro. Sim, foi genocídio, e dessa vez não haverá anistia.


Hanna Limulja é antropóloga e indigenista. Trabalha com os Yanomami desde 2008, tendo atuado em ONGs no Brasil e no exterior, como Comissão Pró-Yanomami (CCPY), Instituto Socioambiental (ISA), Wataniba e Survival International. É autora do livro O Desejo dos Outros — Uma Etnografia dos Sonhos Yanomami (Ubu, 2022).

Vista aérea da aldeia Demini, na Terra Indígena Yanomami, no Amazonas. Foto: Pablo Albarenga/SUMAÚMA

Forças Armadas no governo Bolsonaro deixaram de agir na terra yanomami em sete ocasiões (Folha de S.Paulo)

Defesa barrou aeronaves a ações contra garimpo e faltou monitoramento de espaço aéreo; militares só agiriam em situações extremamente excepcionais, disse ex-ministro

www1.folha.uol.com.br

Vinicius Sassine

4 de fevereiro de 2023


Durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), as Forças Armadas deixaram de atuar no combate ao garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami ou tiveram uma atuação insuficiente em, pelo menos, sete ocasiões —o que enfraqueceu ações policiais e contribuiu para a expansão da atividade criminosa no território.

O ápice da atuação de mais de 20 mil invasores foi em 2022, o último ano do governo.

A Folha ouviu fontes com atuação direta em ações de tentativa de desmobilização de garimpeiros, consultou documentos enviados ao STF (Supremo Tribunal Federal) e ao MPF (Ministério Público Federal) e analisou decisões judiciais, o que permitiu identificar sete situações envolvendo os militares que, no fim das contas, favoreceram a permanência do garimpo na terra yanomami.

O território fica numa região de fronteira com a Venezuela. O Ministério da Defesa de Bolsonaro barrou o fornecimento de aeronaves a operações da PF (Polícia Federal) em 2022, feitas em cumprimento a decisão do STF. Quando forneceu, os militares cobraram ressarcimento.

Houve ainda pedidos do tipo para uso de base militar em Surucucu e falta de monitoramento do espaço aéreo do garimpo.

A conivência com o garimpo ilegal e a desassistência em saúde indígena na terra yanomami provocaram uma crise humanitária no território, com explosão de casos de malária, desnutrição grave e outras doenças associadas à fome, como infecções respiratórias.

No último dia 20, o governo Lula (PT) declarou estado de emergência em saúde pública na terra indígena. Os casos que demandam mais urgência –tanto na assistência em saúde no próprio território, nas regiões de Surucucu e Auaris, quanto nos transportes aéreos a hospitais em Boa Vista (RR)– são os de desnutrição grave e malária.

Cinco dias depois, em atendimento a uma determinação do ministro da Justiça, Flávio Dino, a PF em Roraima instaurou um inquérito para investigar a suspeita de crime de genocídio de indígenas yanomamis durante o governo Bolsonaro.

Serão investigados garimpeiros (tanto os que estão na linha de frente quanto os operadores da logística do garimpo, donos de maquinários e aviões), ex-coordenadores de saúde indígena e agentes políticos, o que pode incluir o próprio ex-presidente, incentivador de mineração em terras indígenas.

As frentes de investigação sobre genocídio foram ampliadas com uma decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, que determinou que a PGR (Procuradoria-Geral da República) investigue a suposta prática do crime por parte de autoridades do governo Bolsonaro.

Barroso encaminhou ainda a determinação de investigação sobre genocídio e outros crimes ao MPM (Ministério Público Militar), um indicativo de que crimes militares foram cometidos por fardados ou ex-fardados durante a gestão passada.

Em 2022, dos 3 ciclos de operações planejadas para a retirada dos invasores da terra yanomami, apenas 1 contou com aeronaves das Forças Armadas, segundo fontes da PF ouvidas pela reportagem sob a condição de anonimato.

Esses ciclos foram pensados para cumprimento de ordem do STF de desintrusão em sete terras indígenas tomadas por garimpo, entre as quais a terra yanomami, a maior do Brasil.

No único ciclo em que houve fornecimento de aeronaves, a PF desembolsou de seu orçamento R$ 2,5 milhões para o custeio de horas por voo de uma única aeronave. Na operação, houve destruição de motores e equipamentos a serviço do garimpo.


As 7 recusas militares no governo Bolsonaro

  • Fornecimento de aeronave para uma operação na terra indígena em 2022 somente mediante custeio pela PF
  • Negativa do fornecimento de aeronave em uma segunda operação em 2022
  • Negativa do fornecimento de aeronave em uma terceira operação em 2022
  • Recusa de solicitação de monitoramento do espaço aéreo nos moldes especificados pela PF
  • Cobrança pelo uso da base militar na região de Surucucu, onde crise de saúde foi mais intensa
  • Falta de apoio logístico para retomada de região de Homoxi, onde garimpeiros inviabilizaram uso de pista de pouso da saúde indígena e atearam fogo em unidade de saúde
  • Falta de controle do tráfego aéreo de Roraima e de intercepção de aeronaves supostamente usadas no garimpo

Nas outras duas operações em 2022 na terra indígena, o Ministério da Defesa também fez exigências de ressarcimentos orçamentários, o que inviabilizou a disponibilidade de aeronaves.

Em um caso, foram usados helicópteros do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), com destruição de maquinário no rio Uraricoera, um dos mais impactados pelo garimpo na terra yanomami.

No segundo caso de recusa de aeronaves pelos militares, policiais federais e agentes do Ibama fizeram a operação apenas por terra, o que resultou na destruição de uma aeronave do garimpo.

A ausência da Defesa impactou negativamente os resultados das operações. Os efeitos foram ínfimos na estrutura do garimpo ilegal, operado com maquinário pesado e com uma frota extensa de aviões e helicópteros irregulares.

A PF em Roraima não tem aeronaves disponíveis para ações como a de combate a garimpo ilegal, o que amplia a dependência de aviões e helicópteros das Forças Armadas.

Um documento da PF encaminhado ao STF, no curso da ação movida para retirada de garimpeiros de terras indígenas, dá mais detalhes sobre o papel desempenhado pelo Ministério da Defesa nessas operações.

Segundo o documento, em reuniões entre PF e Defesa, os militares apresentavam os custos necessários para o fornecimento de aeronaves.

Isso se deu numa ação prevista para desocupação da base de Homoxi, que acabou ficando pelo caminho por falta de apoio logístico.

Homoxi é uma região na terra yanomami que foi tomada por garimpeiros. Eles cercaram a unidade de saúde, tomaram a pista de pouso antes usada por aeronaves que transportam indígenas para atendimento médico e, por fim, em dezembro de 2022, atearam fogo na unidade. Desde maio, uma decisão da Justiça Federal em Roraima obrigava a retomada do lugar pelo governo Bolsonaro.

Fontes ligadas a ações de repressão ao garimpo afirmam ainda que pedidos para monitoramento do espaço aéreo na terra indígena não foram adiante, com alegação dos militares de que as aeronaves do garimpo voam muito baixo.

Também houve pedido para ressarcimento de recursos pelo uso de base militar em Surucucu. A região, uma das mais atingidas pela crise de saúde, tem um PEF (Pelotão Especial de Fronteira) do Exército.

A decisão de Barroso que determina investigação por PGR e MPM, a partir de um procedimento sigiloso no STF, traz detalhes sobre outros episódios envolvendo os militares e ações em terras indígenas.

O ministro disse que devem ser investigados crimes de genocídio, desobediência, quebra de segredo de Justiça e crimes ambientais com impactos na vida, saúde e segurança dos indígenas.

Os casos identificados pela reportagem dizem respeito ao período em que os ministros da Defesa eram o general da reserva Walter Braga Netto (PL), que depois foi candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro à reeleição, e o general da reserva Paulo Sérgio Nogueira, o último a exercer o cargo na gestão passada.

A Folha não conseguiu contato com os dois generais.

Em um ofício ao MPF em outubro de 2022, para explicar a falta de apoio logístico na terra yanomami, Nogueira disse que a solicitação de colaboração das Forças Armadas “é de iniciativa do órgão federal de assistência ao índio”. A atuação prioritária deve ser da PF, segundo o então ministro da Defesa.

“A atuação das Forças Armadas em matéria de segurança pública deve ocorrer em situações extremamente excepcionais, quando esgotados os meios e instrumentos dos órgãos de segurança pública”, afirmou o general.

“A Marinha, o Exército e a Aeronáutica não podem atuar na segurança pública interna do país, exceto em situações temporárias e justificadas pela incapacidade dos órgãos de segurança pública de garantirem a lei e a ordem, ou seja, diante de um quadro emergencial e temporário, dependendo, inclusive, do reconhecimento da falência dos órgãos por governador ou presidente.”

O Ministério da Defesa da gestão Lula não se manifestou sobre a atuação dos militares na terra yanomami durante o governo passado.

O projeto tem o apoio da Open Society Foundations.

Antídoto onírico (451)

quatrocincoum.com.br

Divulgação Científica | Os Melhores Livros de 2022

Livro sobre sonhos Yanomami mostra que a escuta das vozes dos povos originários é um ensinamento político

Christian Dunker
01dez2022 05h51 (01dez2022 12h11)


O desejo dos outros se insere no debate brasileiro contemporâneo sobre psicanálise e antropologia para além de sua contribuição rigorosa para a descolonização do pensamento. A escuta das vozes dos povos originários não é apenas um benfazejo exercício para tratar nosso etnocentrismo, mas um ensinamento político para todos que se perguntam: onde está a porta pela qual posso sair da bolha? Ou: onde está a catraca reversa que me colocará no antropoceno real e não no metaverso do Brasil paralelo? Hanna Limulja responde que a saída começa pelo sonho. O sonho tem um sentido, diria Artemidoro de Daldis. Este sentido é dado pelo sonhador e referido ao seu desejo, diria Freud. O “eu” do sonhador é um Outro, diria Rimbaud. Desejo de se tornar outro, diria Madame Bovary. Desejo do outro, diria Hegel. Desejo de desejo do desejo do Outro, diria Lacan. Outro desejo, nos dizem os Yanomami.

O desejo dos outros, de Hanna Limulja, se insere no debate brasileiro contemporâneo sobre psicanálise e antropologia para além de sua contribuição rigorosa para a descolonização do pensamento

Sonhar, para eles, é “antes de tudo viajar longe” e “escapar do familiar”. É estar no limite no lugar dos mortos, representados pela noite, e também dos vivos que habitam outros lugares, representados pelo dia. Entre os dois mundos há a experiência da penumbra, da transição, da passagem. Lá está o reino das imagens. Assim como nossos artistas criam linguagens para um mundo que não está ainda presente, os sonhos Yanomami criam mundos para linguagens que ainda não existem. Tais linguagens são o que se pode chamar de perspectiva, ou seja, o ponto de vista que corresponde a este mundo. A grande torção não consiste apenas em perguntar que mundo quero para meu desejo, mas que desejo é preciso inventar para o mundo que vejo em meus sonhos.

O sonho é um intermediário epistêmico entre o que sei porque testemunhei e o que sei porque ouvi falar sobre. É uma negação dos dois modos de funcionamento pois é uma experiência profundamente minha, ocorrida na solidão da noite; mas, ali onde vivi aquilo, não era só este eu que me habitava. Inversamente, o sonho só se torna sonho verdadeiro quando contado, quando passa a ser um saber dos outros. As tragédias, os genocídios (como o de Haximu, em 1993), as mortes irreparáveis (como a de Chico Mendes), a invasão de mineradores são enfrentadas com o sonho. As decisões amorosas, os casamentos, as guerras e os adoecimentos também. O sonho é um método de conhecimento, não apenas a expressão de uma individualidade. Como tal, envolve uma epistemologia política da maior importância, não só como retrato pitoresco ou folclórico que afinal seria a “expressão” de um primitivismo alegórico e harmonioso, mas como forma de vida que pode efetivamente nos ajudar a enfrentar a crise bio-necropolítica de nossos tempos.

O antítodo oniropolítico começa pela ideia de tornar os mortos agentes políticos — aliás, como sempre foram —, mas aqui em um sentido algo diferente. Primeiro porque envolve uma outra concepção de tempo e em particular do futuro. Não se trata de ver no sonho uma prescrição, um destino ou uma escritura, mas uma experiência de conhecimento testemunhal, que orienta a ação coletiva das pessoas. Segundo porque, em contraste dos brancos que reservam os sonhos ao cuidado restrito e sigiloso dos psicanalistas, os Yanomami entendem que um sonho só se completa quando é contado, partilhado socialmente, às vezes contado de viva voz no meio da aldeia. Ao colocar o sonho “na roda” e ao relacioná-lo com problemas concretos da comunidade, cria-se uma espécie de jogo em que a mesma situação se apresenta em outras perspectivas, sugerindo assim novas soluções. Terceiro, novas soluções de nada adiantam se continuamos a ser as velhas pessoas. Neste sentido, a decomposição da pessoa Yanomami envolve versões de si que fariam inveja à qualquer teoria contemporânea do self: “o rosto que expressa pelo olhar” (pei pihi), o “espectro de si mesmo como morto” (né porepé), “a imagem interna de uma unidade corporal: sombra, reflexo, eco” (pei utupé), o “alter ego animal” (rixi).

Saber-fazer

Se todos sonham, nem todos têm o mesmo saber-fazer com os sonhos. Ainda que os xamãs sejam particularmente vocados nessa matéria, alguns ficarão fracos de tanto sonhar, outros serão assombrados pelos mortos, outros ainda nem se lembrarão dos sonhos. Para usar os sonhos de modo oniropolítico é preciso criar e cultivar seus próprios xapiri-pë, versões intermediárias de si, espíritos protetores ou vozes ajudantes que “trançam os fios da rede até o ponto delas se tornarem antenas para o céu”. Inversamente, durante os sonhos, eles nos protegem na convivência com os mortos, impedindo que “venham para cá” ou que, movidos por saudades, nós queiramos “ir para lá”. Eles são a voz que diz: “Voltaremos para vocês, é claro! Mas sem pressa! Retornem ao lugar de onde vieram!”.

O sonho não é um presságio, mas uma espécie de enigma sobre o qual se deve agir

Em uma cultura que partilha seus sonhos, a interpretação funciona de outra maneira. Menos do que um produto inesperado de si mesmo, as visões oníricas são parte de um mundo possível e real, eventualmente já acontecido ou em vias de acontecer. Por exemplo, sonhar com um sobrinho enfeitado com penas pode indicar que seu adoecimento é mais sério do que se pensava e ele pode morrer, porque é nesta condição que os corpos podem ser enfeitados. Porém o sonho não é um presságio, mas uma espécie de enigma sobre o qual se deve agir: procurar um xamã, mudar o caminho da cura ou realizar um rito protetivo.

Isso sugere uma homologia com a política que a psicanálise tem com o sonho: ele também é uma realização de desejo, mas, em vez de perguntar qual desejo foi suprimido neste mundo, os Yanomami perguntam: para este mundo, oniricamente revelado, qual é o desejo que lhe corresponde? Se na psicanálise perguntamos pela relação que as pessoas mantêm com seu desejo, o xamanismo Yanomami pergunta pela pessoa que você precisa ser se o mundo assim se apresentar. Se na psicanálise lemos os sonhos para entender qual passado sexual infantil e recalcado corresponde ao futuro realizado pelas imagens oníricas, no transe xapiri o espírito do xamã fala do passado mítico tendo em vista um futuro indeterminado. Por isso o modelo proposto por Limulja para pensar os sonhos dos Yanomami como uma fita de Moebius — ou seja, o sonho como ponto de torção entre vivos e mortos, dia e noite, sonho individual e mito coletivo — é também a chave para pensar transformações políticas e clínicas: “O próprio xamã vai elaborando seu repertório mítico e ampliando suas experiências oníricas. Seus sonhos transformam o mundo, mas isso só é possível porque ele mesmo é transformado por esta experiência”. Isso vale para as pequenas decisões do cotidiano, para as escolhas inerentes à arte da caça, para os cuidados com a segurança, mas sobretudo para os sonhos que permeiam o trabalho de luto e cercam a experiência da morte.

Uma mulher que perdera a filha e acabara de incinerar os ossos dela se alegra ao reencontrar a filha morta, que não entende o que está acontecendo e pergunta: “Mãe, por que seu rosto está pintado de preto?” Mas a mãe tenta a todo custo despistar a morta. Então ela olha para o cesto que contém seus ossos incinerados e pergunta: “Mãe, o que há dentro do cesto?”. E a mãe dissimula, mas os papagaios respondem: “Esses são seus ossos queimados”. Neste momento os Inhambu [pássaros associados com a morte e o entardecer] cantam e levantam voo.

O sonho se insere na vida como uma forma atenuada de morte. Numa sociedade na qual jamais se pronuncia o nome do morto e todo rastro de vida é apagado depois da festa fúnebre, a presença da morte não faz monumento, história ou escrita. A decisão que interpreta o sonho como uma imagem mítica do passado ou como um mundo possível no futuro é sobretudo um ato político. Vindo a morte sempre a partir de fora, seja este fora o inimigo terreno ou as voluptuosas almas dos mortos, os vivos têm menos domínios de sua vida do que gostariam. Aqui, mais do que nunca, confirmamos o dito de Lévi-Strauss para quem o psicanalista é um xamã moderno:

Se por um lado o sonho é sempre desencadeado pela vontade de um outro, e o sonhador aparece como uma “presa”, uma vítima, alguém à mercê do sentimento que lhe é alheio, por outro, o sonhador não está de forma alguma inteiramente subjugado ao sentimentos deste outro. Os vivos resistem aos apelos destes outros, e é porque resistem que eles podem continuar existindo Yanomami. 

‘Para mim, o termo mudança climática significa vingança da Terra’ (Sumaúna)

O líder político Davi Kopenawa. Foto: Victor Moriyama/ISA

Voz da Floresta

Em entrevista exclusiva a SUMAÚMA, o líder político Davi Kopenawa conta de sua esperança de que Lula tenha se tornado mais sábio para ser capaz de proteger a Amazônia: “Antes, ele errou. Não quero que nos engane novamente”

Sumaúma

22 novembro 2022

O nome de Davi Kopenawa foi anunciado para compor a equipe de transição que discutirá a criação do Ministério dos Povos Originários, promessa de campanha do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Grande liderança política dos Yanomami, que ocupam há milênios a floresta amazônica entre o Brasil e a Venezuela, Davi é uma referências dos povos originários no planeta. Em sua trajetória de enfrentamento dos invasores de suas terras, não há notícia de que tenha jamais se corrompido. Nem por riqueza material nem por vaidade, mal que acomete alguns líderes ao penetrar no insidioso mundo dos brancos – ou napëpë, na língua Yanomam, palavra traduzida também como “inimigo”. Davi se manteve fiel a sua ancestralidade, aos seus mais velhos, à cosmopolítica xamânica, o que faz dele uma árvore muito sólida no complexo mundo que une numa palavra impingida pelos colonizadores – “indígenas” – mais de 300 povos no Brasil com culturas muito diversas. O xamã chega à equipe de transição com esperanças, mas também com memória: “Antes, Lula errou. Ele está mais velho, talvez tenha ficado mais sábio. Talvez Lula tenha aberto o seu pensamento, mas ninguém sabe o que ele esconde em seu coração. Não quero que nos engane novamente”.

Radical no seu compromisso com a palavra, que na política que aprendeu não pode ser sacrificada em nome de interesses, a verdade para Davi Kopenawa é inegociável. Dessa retidão que não admite uma “boca que fala mentiras” vêm as respostas do intelectual da Amazônia nesta entrevista feita na língua Yanomam pela indigenista e antropóloga Ana Maria Machado (e traduzida por ela) a pedido de SUMAÚMA. Autor, com o antropólogo francês Bruce Albert, de A queda do céu (Companhia das Letras, 2015), livro que representa uma inflexão na antropologia, Davi sabe que fala para aqueles que chama de “povo da mercadoria”. Observador atento dos debates climáticos que frequenta pelos palcos do mundo, ele acredita que Lula só irá se mover se houver forte pressão e financiamento da proteção da Amazônia pelos países monetariamente mais ricos, em especial os europeus.

Davi Kopenawa é também um competente tradutor de mundos. Consegue traduzir o universo dos brancos para os Yanomami e também traz até nós, nesta entrevista, recados que lhes são passados pelos xapiripë [espíritos auxiliares dos xamãs]. Traduz ainda o pedido de socorro de uma velha liderança, que não conhece o mundo dos brancos para além do horror da destruição do garimpo que devora toda vida em sua aldeia. Com o território invadido por milhares de garimpeiros, hoje o contexto é pior do que qualquer outro na trajetória de brutalidades vivida pelos Yanomami desde o primeiro contato com os brancos, na primeira metade do século 20: há envolvimento do crime organizado, com armas pesadas, e aliciamento dos indígenas mais jovens.

O líder Yanomami espera que a expulsão dos invasores do território de seu povo seja o primeiro ato do presidente após a posse, em 1º de janeiro. Para que a vitória de Lula se tornasse possível em uma disputa tão apertada com o extremista de direita Jair Bolsonaro, ele conta ter sido necessário um esforço conjunto dos xamãs em 30 de outubro, data do segundo turno da eleição. Faz ainda um apelo aos leitores, para que deixem de comprar ouro, esse ouro com sangue Yanomami e também de outros povos originários, esse ouro que destrói a verdadeira riqueza, a floresta, para colocar valor no metal convertido em mercadoria ordinária.

A seguir, a palavra de Davi Kopenawa.


ANA MARIA MACHADO: Agora que Lula venceu a eleição, o que você espera do novo presidente?

DAVI KOPENAWA: Eu vou explicar para os napëpë [napë = branco, inimigo, estrangeiro + = plural] o que nós, da comunidade do Watorikɨ, estamos pensando. Nós ficamos sabendo que aquele que já foi presidente voltará ao poder, então dissemos assim: “Dessa vez, ele talvez tenha se tornado mais sábio. Antes, ele errou, mas agora talvez esteja pensando corretamente, e por isso quero que ele se torne um presidente de verdade. Não quero que nos engane novamente. Ele vai voltar a ser o presidente e ficará de fato atento às nossas terras. Ele irá olhar para nós e pensar sobre nós. Se ele nos defender, ficaremos contentes com ele”.

O que está acontecendo hoje na Terra Indígena Yanomami que Lula precisa resolver com mais urgência?

Hoje, a fala dos velhos, dos líderes Yanomami, é cheia de sofrimento. Apenas eu frequento a cidade, e por isso consigo espalhar essas palavras. Tudo está muito ruim em nossas terras, os garimpeiros levam o horror. Agora que Lula virou presidente, em primeiro lugar precisa expulsá-los, retirá-los de verdade. Eu não estou dizendo isso sem razão, mas sim porque estamos vivendo o caos. E por quê? Porque eles assorearam os rios, porque poluem as águas e porque as águas se tornaram muito turvas nos lugares onde só tem um rio correndo. Eles estragaram as cabeceiras dos rios que nascem em nossas serras. Aqueles de nós que vivem perto do garimpo estão sofrendo, passando fome. Os garimpeiros não param de chegar. Nós [Yanomami] conversamos entre os diferentes lugares da nossa terra, temos a radiofonia para nos comunicar. Um parente mais velho da região do Xitei, que me trata como filho, disse que a situação ali está calamitosa. Ele disse que as pessoas mais velhas como ele estão cansadas de ver os garimpeiros sempre chegando, sempre trabalhando nas águas, sempre sujando as águas. E não é só isso: estão muito bravos por causa das armas. Aqueles Yanomami mais ignorantes disseram que os garimpeiros poderiam chegar lá levando armas. Porém, aquelas pessoas que destroem a floresta têm armas pesadas. Essas armas não são como as flechas, os garimpeiros distribuem revólveres. Eles tratam os mais novos como se fossem lideranças, iludem os Yanomami mais jovens dizendo: “Pegue uma arma! Se você tiver uma arma, será nosso amigo. Se você ficar contra nós, não irá receber uma arma”. Ao falarem assim com os jovens, aumentaram a quantidade de armas entre os Yanomami, e os garimpeiros fazem que nos matemos entre nós. Esse meu pai lá do Xitei explicou: “Se não estivéssemos nos matando entre nós, eu não precisaria estar aqui explicando. Meu filho, vá e diga isso para aquele que se tornou o líder [presidente]. Que afaste os garimpeiros que trabalham em nossa terra. Diga isso a ele. Você conhece os líderes dos napëpë, cobre que façam isso, que acabem com essas pessoas que estão em nossas terras, que as levem para longe”. Foi isso que meu pai me disse, e estou passando para a frente. É por tudo isso que eu estou reivindicando: Lula, não comece trabalhando nas terras dos brancos primeiro. Antes, retire os garimpeiros da nossa terra. Agora, Lula, você se tornou o presidente e, no mês de janeiro, vai se sentar no Palácio do Planalto. Nesse dia, comece a mandar os garimpeiros embora.

Era isso que eu queria dizer para vocês, brancos. E não estou dizendo isso à toa. Não quero ficar aqui sofrendo enquanto tiram minha imagem [filmam], o que estou reivindicando é verdadeiro, a terra adoecida está se espalhando por todos os cantos. É porque tem malária demais e porque o descontrole da malária chegou com o garimpo, é porque as nossas mulheres estão sofrendo demais, é porque nos lugares das terras altas onde não tem mais caça o espírito da fome, Ohinari, se aproximou. Já que eu conheço o novo presidente, vou cobrar, dizendo: “Quando você discursou, eu o escutei. Todos nós guardamos suas palavras em nossos ouvidos. Nós indígenas e também os napëpë, todos ouvimos suas palavras pelo celular. Não queremos ficar com nosso pensamento em sofrimento caso você esteja mentindo. Que seja verdade o que você disse em reunião, que caso se tornasse presidente novamente iria proteger os povos indígenas, que estão sofrendo no Brasil. Eu não quero que continuem destruindo a floresta que vocês brancos chamam de Amazônia. Portanto, Lula, é isso que estou te cobrando, que você faça isso primeiro”.

É verdade. Lula disse que não irá aceitar garimpo em terra indígena. Mas, nos anos 1990, quando seus parentes mais velhos morreram na primeira invasão garimpeira [1986-1993], quando aconteceu a operação Selva Livre, que tirou 40 mil garimpeiros, naquele tempo não havia crime organizado e milícias envolvidos nem os jovens Yanomami eram aliciados como agora. Hoje em dia o tráfico de drogas está misturado ali, assim como pessoas que fugiram da prisão. Eles têm armas pesadas e bombas. Será que não vai ser mais difícil tirar os garimpeiros hoje? Será que os jovens Yanomami que estão envolvidos vão opor alguma resistência? Apesar de termos Lula agora no governo, será possível acabar com o garimpo?

É verdade que hoje em dia a situação está muito ruim, tem muitas coisas misturadas. Os napëpë têm trazido drogas, cachaça e até cocaína. Com tudo isso misturado, os garimpeiros ficam alterados. Eles trabalham drogados. Os homens cheiram cocaína e ficam sentindo tesão pelas nossas mulheres. Como eles não vêm acompanhados de suas mulheres, eles cheiram cocaína e o pensamento deles fica alterado, eles ficam destemidos e pensam assim: “Já que eu estou drogado, estou sem medo. Já que estou sem medo, eu chamo as mulheres Yanomami, como suas vaginas e faço filhos nelas”. Hoje em dia essas pessoas também têm metralhadoras, bombas, e os garimpeiros dizem: “Se quiserem nos expulsar, mesmo sendo a Polícia Federal, nós vamos matá-los”. Além disso, tem também o mercúrio usado para separar o ouro, que está no meio de tudo. Tudo isso é terrível. O presidente Lula vai mandá-los sair, mas talvez não o escutem. Eu também fico pensando sobre isso. Se o escutarem, todas as pessoas do Brasil e da Europa, aqueles outros que querem que ele mantenha a floresta amazônica em pé e saudável, para mim está certo se eles o mandarem cuidar da floresta e lhe derem dinheiro para que retire os garimpeiros. Se for criada uma frente mundial em que todos nós conversemos juntos, unindo as autoridades dos napëpë e nós, indígenas, então conseguiremos nos defender, pois nós, indígenas, já sabemos lutar. Essa não é a terra dos garimpeiros, e já que eles têm causado o horror em nossas terras, levando muita desgraça misturada, já que eles têm feito as crianças sofrerem, magras e desnutridas, já que o garimpo mata os Yanomami pelo mal das epidemias, pelo mal da fome nos rios Uraricoera, Mucajaí, nas cabeceiras do rio Catrimani, e também em Homoxi, Xitei, Parafuri e Parima, nós temos que lutar.

Mas, para curar a Terra-floresta, vocês precisam também baixar o preço do ouro, precisam cortar isso. Vocês, napëpë, que pedem ouro, que compram ouro, precisam parar. Vocês das lojas de ouro, precisam baixar o preço. Como o ouro é muito caro, os garimpeiros estão sempre invadindo minha terra. Você, mulher que entende nossa língua Yanomam, vai escrever e traduzir, e para aqueles que captam minha imagem, quando eu aparecer, quando vocês ouvirem minhas palavras, me levem a sério, concordem comigo, e digam: “Sim, é verdade! Nós erramos. Nós não sabemos respeitar. Até falamos em respeito, mas estamos enganando, nossas bocas não dizem a verdade”. Era isso que eu queria dizer a vocês.

Quando Lula se tornou presidente pela primeira vez, em 2003, ele mudou a regulação das ONGs, o que levou ao fim da Urihi-Saúde Yanomami. A Urihi fez um excelente trabalho de atendimento de saúde para os Yanomami [entre 1999 e 2004] e conseguiu erradicar a malária em sua terra. Hoje, estamos vendo a malária fora de controle. O que o governo deve fazer com relação à saúde indígena?

Foi o seguinte: no início, Lula errou. Ele não sabia pensar direito. E, por ter errado no início, aconteceu isso. Ele também fez [a Usina Hidrelétrica de] Belo Monte, e esse foi um grande erro. Estragou um grande rio sem razão. Também errou com a saúde indígena. Lula errou na saúde, no assunto de viver bem e saudável, e tudo enfraqueceu. Os remédios pararam de chegar, os funcionários napëpë que trabalham em nossas terras, como técnico de enfermagem, médico e dentista, passaram a trabalhar de forma precária, já que não enviavam material. Então eu sei um pouco sobre isso, mas escondo essas palavras. Quando Lula se tornar mesmo o presidente, eu quero falar de perto com ele. “Lula, você me conhece, você precisa melhorar a saúde indígena. Precisa limpar novamente a saúde indígena, fazer os técnicos e profissionais de saúde trabalharem de verdade”. No governo de Bolsonaro, são os políticos que escolhem os coordenadores de saúde; [com Lula] eu e os conselheiros locais [representantes de toda a Terra Indígena Yanomami] vamos sentar para indicar alguém que a gente conheça, que seja nosso amigo e que trabalhe bem com a gente, só assim a saúde vai melhorar. É isso que quero dizer a Lula. Já que a saúde é prioridade para podermos viver bem, para nossos filhos crescerem bem, e considerando que estamos em uma situação lastimável, vou reivindicar isso. O presidente Jair Bolsonaro acabou com a nossa saúde. Ele nos matou como se fôssemos peixes.

Lula disse que vai criar o Ministério dos Povos Originários. O que você pensa disso?

É verdade. Ele disse que faria isso caso se tornasse presidente. E, já que ele disse, agora temos mulheres indígenas jovens que possuem o conhecimento dos napëpë, sabem agir como napëpë. Existem também jovens que sabem agir como os napëpë, sabem usar as máquinas, os celulares. E, já que temos essas pessoas que sabem trabalhar assim, eu penso o seguinte: “Awei, presidente Lula, já que você disse com clareza, eu deixei isso fixado no meu pensamento”. Acho que a dra. Joenia [Wapichana] já tem experiência, pois ela trabalhou como deputada federal por 4 anos, ela já sabe lutar. Como ela é advogada, já sabe escutar os políticos, e por isso eu gostaria que Lula a indicasse para ministra. Se Joenia disser que deseja se tornar ministra dos Povos Originários, nós vamos apoiá-la, faremos ela assentar naquela cadeira. Ter uma mulher indígena assentada ali nos trará mais sabedoria. Temos outras, como Sônia Guajajara e Célia Xakriabá, que acabaram de se eleger deputadas. A dra. Joenia não foi eleita, por isso estou pensando nela, que é muito inteligente e já sabe lutar. Então, foi isso que os meus sonhos disseram, e por isso fiz aparecer essa ideia.

Nós, napëpë, somos o povo da mercadoria e estamos acabando com as florestas e com o planeta. Por isso o mundo está preocupado com a crise climática, e para contê-la é preciso conservar as florestas. Sabemos que vocês têm sabedoria para isso. Que recado você teria a dar sobre esse assunto?

Todos os napëpë ficam falando de proteger as florestas. Falam de mudanças climáticas, desmatamento, poluição dos rios, mercúrio, doenças, mineração. Assim, Lula atentou para essas questões. Outras pessoas, os europeus, falam sobre as mudanças climáticas, fazem reuniões. Mas as pessoas não resolvem isso, não resolveram nada. Esse termo, “mudanças climáticas”, para mim é outra coisa. Eu chamo mesmo de “vingança da Terra”, de “vingança do mundo”, é assim que eu digo. Os napëpë chamam de “mudanças climáticas”, mas nós, Yanomami, quando fazemos xamanismo, chamamos de “transformação do mundo, tornar o mundo ruim já que os napëpë causam a revolta da Terra”. Os napëpë incendeiam as árvores; a Terra-floresta está com raiva, está se vingando, está fazendo chover muito, ter grandes ondas de calor, em alguns lugares está faltando água e em outros está chovendo demais, e outros ainda estão frios. Foi pelo fato de as pessoas dizerem isso, por termos ficado falando sobre isso, que Lula abriu seu pensamento. Ou melhor: talvez tenha aberto seu pensamento. Nós não sabemos o que ele esconde em seu coração. O que eu escondo em meu coração e em meu pensamento, o que nós escondemos das pessoas, é um segredo. Por isso talvez Lula esteja ainda nos enganando. Se o pensamento dele estiver nos enganando, ele vai resolver os pequenos problemas, mas não os grandes. Mas se outros napëpë, aqueles que vivem na outra margem do oceano [Europa], se eles forem ajudar e oferecerem um grande financiamento, talvez o pensamento de Lula mude. É assim que eu penso. Lula não cresceu sozinho. O povo levantou as palavras de Lula, vocês fizeram ele assentar naquela cadeira [da presidência]. Hoje em dia ele está mais velho, talvez tenha se tornado mais sábio.

Davi, você me disse que vocês, xamãs, ajudaram Lula a se eleger. Conte como foi isso, por favor.

Nós, xamãs que vivemos no Watorikɨ e também os outros xamãs de outras casas, como o Maxokapi, eu os mandei fazer isso [xamanismo para apoiar Lula]. Nós ajudamos Lula, nós o levantamos: eu, Carlos, os xamãs mais jovens, Tenose, Valmir, Dinarte, Geremias, Pernaldo, Manoel. Lula ficou apoiado na hutukara [céu]. Então os xamãs pediram para eu dizer a Lula: “Awei! Você quase perdeu. Se os espíritos xapiripë [xapiri = espírito auxiliar dos xamãs + = plural] não tivessem chegado ali, você não teria se tornado presidente outra vez. Você não os viu, eles estavam no Watorikɨ, e no dia 30 chegaram [até você]. Já que eles conhecem Brasília, já que Davi conhece aquela terra, nós, xapiripë, também conhecemos, nós olhamos no mapa e, pelo fato de termos chegado lá, nós tivemos vitória”.

Nós, xamãs de duas comunidades, trabalhamos por isso. Nós inalamos yakoana [pó da árvore virola sp, usado pelos xamãs para ver os xapiripë]. Chegamos até o grande xapiri, Omama, e dissemos a ele: “Awei! Você que é grande xapiri, que conhece o mundo inteiro, conhece todas as terras, já que seus olhos enxergam essas coisas por dentro e também pela superfície, já que seus olhos estão atentos a tudo o que ocorre no mundo, nós queremos elevar Lula para que ele se torne presidente outra vez, nós iremos apoiar o pensamento dele. Vamos manter nosso pensamento primeiro no céu, na hutukara, e assim ele vai se levantar [ter chances de ganhar a eleição]. O outro, Bolsonaro, aquele que tem a boca cheia de ignorância, se o povo dele o apoiar e o levantar, iremos sofrer muito. O presidente Jair Bolsonaro é terrível, e, se ele ganhar as eleições, aí sim ficaremos sofrendo. Ele é um apoiador da ditadura militar, portanto não faz amizade com a floresta. Não cuida dos rios e não sente tristeza por nós, povos da floresta”. Então, como Omama fez a nossa terra nos primeiros tempos, ele escreveu em um papel a expressão “defensor da floresta”, e foi isso que nós, xamãs, decidimos e dissemos: “Vamos escolher aquele que quer nos manter vivendo com saúde, vamos negar o papel onde está escrito o nome daquele que não quer o nosso bem-viver”.

Por causa disso, nós, do Watorikɨ, chegamos até Lula, chegamos a Brasília. Ao chegarmos lá, os napëpë não nos viram, pois chegamos bem suavemente. Com calma e devagar, chegamos até o pensamento dele. “Awei! Você, Lula, já que quer se tornar presidente outra vez, se apoie aqui onde Omama apoiou o nosso pensamento. Se você se apoiar aqui, vai se tornar o presidente. E, caso você se torne o presidente, queremos que você pense em nós em primeiro lugar. Diminua aqueles que estão sempre fazendo coisas ruins, torne-os pequenos. Feche esse buraco da maldade.”

Aniversário da terra yanomami tem rituais e discussão sobre ameaças (Folha de S.Paulo)

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Leão Serva

3 de junho de 2022


​​O aniversário de 30 anos da homologação da Terra Indígena Yanomami, em 25 de maio de 1992, foi comemorado com uma série de eventos festivos e políticos em uma comunidade localizada na área ocupada pela etnia, entre os estados de Roraima e Amazonas.

Uma assembleia de líderes de diferentes comunidades de povos yanomami e ye’kwana marcou o encerramento de uma semana de atividades, na segunda-feira (30).

Em meio à festa, as ameaças recentes aos moradores da área foram narradas por vítimas diretas de estupros e agressões e debatidas por políticos e lideranças indígenas de todo o país, presentes para uma demonstração de união do movimento indígena e de apoio à Hutukara, a organização yanomami liderada por Davi Kopenawa, que coordenou o evento.

Durante o encontro foi anunciada a formação de uma associação de líderes das etnias mais afetadas pelas recentes invasões de garimpeiros e grileiros, desde o início do governo Jair Bolsonaro.

A Aliança em Defesa dos Territórios junta representantes kayapó, munduruku, yanomami e ye’kwana, tendo entre seus porta-vozes o cacique Megaron, liderança tradicional da Terra Indígena do Xingu e sobrinho do cacique Raoni Metuktire.

A comemoração aconteceu na comunidade de Xihopi, no sul da área yanomami, ao norte do Amazonas. A comunidade é localizada em uma vasta área de floresta bem preservada, distante das regiões mais assediadas pelo garimpo ilegal.

Os eventos foram marcados por manifestações políticas de yanomami, de diversos líderes indígenas de outras áreas do país e personalidades não indígenas do Brasil e de outros países, como a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), a deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR), o cacique Megaron Txucarramãe e o ativista Ailton Krenak.

Também esteve presente o ex-presidente da Funai (1991-93) Sydney Possuelo, que foi responsável pela demarcação da terra, em 1992, durante o governo do presidente Fernando Collor.

Aos 82 anos, Possuelo foi homenageado pelas lideranças presentes como o presidente da Funai que reconheceu mais terras indígenas, cerca de 170, em sua gestão de três anos.

FESTA E DEBATES

As comemorações na comunidade de Xihopi tiveram início no dia 23, com uma festa de recepção para cerca de 500 pessoas. Os yanomami costumam receber os forasteiros para suas festas com danças e pinturas dos que chegam.

Depois, no centro da praça central da maloca, líderes de fora e da comunidade, dois a dois, fazem um ritual de troca de informações, em que narram, como em um espetáculo de repentistas, episódios acontecidos nos últimos tempos, desde o último encontro.

É um ritual ao mesmo tempo artístico (musical e poético) e informativo. Essa atividade pode durar toda a noite da chegada dos visitantes.

No dia seguinte, começou um fórum de dois dias, em que lideranças debateram as ameaças recentes aos direitos indígenas no cenário político nacional e perspectivas para os próximos 30 anos. Falaram representantes indígenas locais e os de outras regiões do país. À noite foram apresentados filmes.

O segundo dia do fórum foi marcado por uma série de depoimentos de representantes de comunidades da terra indígena.

Os mais chocantes foram os relatos dos moradores das comunidades mais assediadas pelos invasores, como Fernando, líder de Palimiú, onde no ano passado garimpeiros ligados a organizações criminosas dispararam tiros e jogaram bombas caseiras durante vários dias, depois que a comunidade realizou um bloqueio sanitário no rio Uraricoera, para impedir a disseminação da Covid-19 na região.

Outro depoimento impressionante foi o de uma líder chamada Noêmia, que descreveu a sedução de jovens de sua comunidade: os garimpeiros, que antes “compravam” adesões com ouro, agora usam sistematicamente a cocaína, até então desconhecida entre os indígenas –também mais um sinal da associação entre os traficantes de ouro e de drogas, na organização do garimpo.

DOCUMENTO DE UMA IDEOLOGIA

O ex-presidente da Funai Sydney Possuelo apresentou um documentário sobre a campanha pela criação da Terra Yanomami e sobre sua homologação, seguida da demarcação da terra em 90 dias, até hoje um recorde.

O filme narra o combate à invasão garimpeira iniciada em meados dos anos 1980, que chegou a juntar cerca de 40 mil mineradores ilegais dentro da área.

As invasões geraram uma epidemia de malária e a morte de cerca de 15% da população yanomami no Brasil. Antes de iniciar a demarcação, o governo federal retirou os invasores.

O documentário mostra também a fórmula usada para a expulsão: vigilância das entradas da terra indígena, asfixiando o abastecimento dos trabalhadores ilegais. Depois da exibição, Possuelo comentou que o método poderia ser usado para expulsar os invasores atuais.

O filme deixa clara a inversão do ideário conservador sobre a questão indígena ao longo das últimas décadas: 30 anos atrás, o reconhecimento da terra foi feito por um presidente conservador, eleito com um programa liberal, e o processo foi conduzido por um ministro da Justiça com formação militar, o coronel Jarbas Passarinho, que teve participação intensa como ministro de vários governos da ditadura.

Como relator na Assembleia Constituinte, Passarinho foi o autor do texto sobre direitos indígenas da Constituição de 1988, que ele baseou no Estatuto do Índio, da Constituição outorgada pelo governo militar, em 1969.

Em seu discurso, diante da sede da Presidência, em Brasília, Collor justificou a homologação com base no programa de governo vitorioso nas urnas na campanha de 1989 (ele venceu o PT de Lula).

Trinta anos depois, a cúpula do governo atual, que também se reivindica conservador e liberal, promete não demarcar terras indígenas, frequentemente defende o garimpo ilegal em terras protegidas e apresenta os direitos indígenas como se fossem ameaça à soberania nacional ou representação de interesses estrangeiros. Uma análise dessa mudança ideológica desafia os estudiosos de ciência política.

DISCURSO APOCALÍPTICO

A última intervenção da mesa que buscou projetar os desafios para a Terra Yanomami nos próximos 30 anos foi feita pelo anfitrião Davi Kopenawa.

Desafinando o tom festivo de outros líderes, que buscavam imprimir uma mensagem otimista, Davi fez um discurso bastante duro, de tom apocalíptico, referindo-se ao grave risco colocado pelas mudanças climáticas que afetam o planeta e o seu agravamento pela destruição das florestas, desde logo na Terra Yanomami.

“No começo do mundo, o céu caiu e matou o primeiro povo que nasceu. Nós somos o segundo povo, aquele que segurou o céu e pôde sobreviver”, narrou, resumindo a cosmogonia presente em seu livro “A Queda do Céu”, de 2015, para então dizer que atualmente vivemos o risco de um novo fim.

“Nós, povos indígenas do Brasil, não vamos morrer sozinhos. Vão morrer os indígenas, os não indígenas, o meio ambiente, morrem as florestas, suja a água, morre todo o planeta. O petróleo estragou o ar da terra, que foi criado para nós respirarmos. Agora, o que nós perguntamos é se vamos morrer queimados ou afogados? É o que estamos vendo por toda parte. Mas nós, yanomami, vamos morrer lutando.”

PAJELANÇA E ARCO-ÍRIS

Na quarta-feira, 25, à tarde, terminados os depoimentos, aconteceu um evento de forte significado espiritual para os indígenas: por ocasião dos 30 anos da criação da Terra Indígena, 30 xamãs realizaram uma “pajelança”, uma longa performance em que, um a um, ingerem o pó alucinógeno yãkoana usado pelos pajés.

Sob efeito da droga, empreendem uma viagem espiritual a um mundo invisível aos demais, onde encontram espíritos chamados “xapiri”, que têm função mercurial, de ligação entre os diversos planos do cosmos.

Durante esse processo, os xamãs, um após o outro, fazem um espetáculo de dança e cantos tradicionais, no qual narram o que estão ouvindo dos espíritos “xapiri”.

Depois dessa pajelança, na praça central da maloca de Xihopi, quando Davi Kopenawa se reunia com jovens da comunidade para fazer uma foto coletiva, um grande arco-íris se formou no céu, emoldurando seu encontro com Ailton Krenak, seu companheiro do início do movimento indígena que resistiu à ditadura militar, no fim dos anos 1970, e reivindicou os direitos conquistados na Constituição de 1988.

Davi atribuiu o arco-íris ao chamado dos xamãs.

LISTA DE PERSONALIDADES PRESENTES

Líderes indígenas presentes

  • Deputada federal Joênia Wapichana (Rede-RR);
  • Cacique Megaron Txucarramãe, Terra Indígena do Xingu;
  • Ativista e escritor Ailton Krenak;
  • Cacique Dotô Takak Ire, Kayapó da Terra Indígena Mekragnoti;
  • Alessandra Munduruku, da Federação de Povos Indígenas do Pará;
  • Pajé Fabiano Karo Munduruku, de Itaituba (PA);
  • Maial Paiakan Kayapó, Terra Indígena Kayapó;
  • Ianukulá Kaiabi, da Associação Terra Indígena do Xingu (Atix);
  • Watatakalu Yawalapiti, do Movimento Mulheres do Xingu.

A líder da APIB (Associação dos Povos Indígenas do Brasil) Sonia Guajajara, não pode embarcar por ter contraído a Covid-19.

Outras personalidades presentes

  • Senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA);
  • Jan Jarab, observador para a América do Sul do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU;
  • Lívia Kramer, representante do governo da Noruega;
  • Fiona Watson, da ONG Survival International;
  • Anne Groenlund, da Rainforest Foundation;
  • Daniela Lerda, da ONG internacional Nia Tero;
  • Rodrigo Junqueira e Marcos Wesley, do Instituto Socioambiental;
  • Sydney Possuelo, ex-presidente da Funai;
  • Corrado Dalmonego, missionário católico;
  • Carlo Zacquini, missionário católico, trabalha com os Yanomami desde os anos 1960.

O jornalista viajou a convite da Hutukara Associação Yanomami

Defensor da causa Ianomâmi, Davi Kopenawa receberá título de doutor honoris causa da Unifesp (O Globo)

oglobo.globo.com


Pensador é reconhecido internacionalmente por sua luta pelos direitos dos povos indígenas

Por O GLOBO — RIO

13/05/2022 16h11

Davi Kopenawa Yanomami, liderança indígena brasileira Agência O Globo — Foto:
Davi Kopenawa Yanomami, liderança indígena brasileira Agência O Globo

O pensador e xamã Yanomami, Davi Kopenawa, vai ser a primeira pessoa a receber o título de doutor honoris causa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A instituição escolheu a liderança indígena em reunião do Conselho Universitário realizada nesta quarta-feira.

A titulação é concedida a personalidades com destaque nas ciências, nas artes, na cultura, na educação, e na defesa dos direitos humanos. De acordo com a Unifesp, a escolha de Kopenawa “coroa um processo de busca por diálogos e descolonização de saberes em andamento na Unifesp”.

Kopenawa autor da obra A Queda do Céu: palavras de um xamã yanomami, em coautoria com o antropólogo Bruce Albert. O livro questiona a noção de progresso e desenvolvimento dos homens brancos.

— Davi Kopenawa é uma das vozes mais lúcidas e importantes a respeito dos problemas contemporâneos, no nosso contexto brasileiro e no que tange aos desafios planetários, como a emergência climática. É de fundamental importância que as suas ideias sejam disseminadas e discutidas. Espero que o título ajude, ainda, na mobilização da sociedade contra os ataques brutais que o povo Yanomami tem sofrido em seu próprio território — disse o professor Renzo Taddei, integrante do grupo que iniciou o processo da concessão do título, ao site da Unifesp.

O homenageado é reconhecido internacionalmente por sua luta pelos direitos do povo Ianomâmi. Para ele, os 30 anos da demarcação da maior terra indígena, neste mês, não é motivo para comemoração.

Para o indígena, este é o pior momento para os 30 mil ianomâmis que vivem nas comunidades invadidas em Roraima, onde há, segundo ele, muito mais garimpeiros.

Ações do governo Bolsonaro chegam a apenas 2% dos garimpos na terra yanomami, e faltam aviões (Folha de S.Paulo)

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MPF aponta ainda que só 25% dos pontos de apoio logístico à mineração ilegal foram alvo de fiscalização

Vinicius Sassine e João Gabriel

23 de maio de 2022


Apenas 9 de 421 pontos de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, a maior do Brasil, contaram com algum tipo de ação policial, dentro de um plano formulado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) para tentativa de retirada de garimpeiros que estão na região ilegalmente atrás de ouro. Isso significa que incursões policiais só ocorreram em 2,1% das áreas de garimpo.

A constatação foi feita pelo MPF (Ministério Público Federal) em Roraima, numa investigação sobre a execução do plano operacional formulado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública para a desintrusão de garimpeiros no território yanomami. A retirada foi uma determinação da Justiça Federal.

Investigadores que atuam diretamente em ações de repressão aos garimpos afirmam que não há aeronaves disponíveis em Boa Vista para o combate à atividade ilegal.

Uma aeronave usada pela Polícia Federal fica em Manaus, a mais de 600 km do território, segundo esses investigadores.

As Forças Armadas têm se recusado a fornecer aeronaves, e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) conta com apenas oito veículos do tipo para atender às necessidades no país inteiro, conforme as fontes ouvidas pela reportagem sob a condição de anonimato.

A Funai (Fundação Nacional do Índio) em Roraima não tem um avião disponível. O MPF não tem nenhuma aeronave.

Em contraponto ao apagão de apoio logístico aéreo para repressão ao garimpo na terra yanomami, mais de cem aeronaves garantem a exploração ilegal de minérios, principalmente ouro e cassiterita, segundo as investigações do MPF e PF. Em maioria, são helicópteros operados por empresários que continuam lucrando com os garimpos ilegais.

Um único grupo, com 12 pilotos de helicóptero, movimentou mais de R$ 200 milhões em dois anos. O grupo fez ainda uso de empresa fantasma e transferências de recursos ao exterior, conforme investigação da PF revelada pela Folha na última quinta-feira (19).

O empresário responsável, Rodrigo Martins de Mello, é pré-candidato a deputado federal pelo PL, partido de Bolsonaro. Ele passou a coordenar um movimento de garimpeiros que tenta legitimar a atividade criminosa na terra indígena e ameaça processar líderes indígenas que os denunciam. Mello não se pronunciou sobre as acusações da polícia.

PF, Ministério da Justiça, Funai, Ministério da Defesa, Exército e Aeronáutica não responderam aos questionamentos da reportagem sobre a falta de aeronaves para combater as atividades ilegais.

Em nota, o Ibama afirmou que não há “indisponibilidade” de aeronaves para suas operações. “[O órgão] possui contrato de locação de oito aeronaves para apoio às atividades de fiscalização ambiental, emergências ambientais e combate a incêndios florestais em todo o território nacional”, disse.

Desde a eleição de Bolsonaro em 2018, explodiu a quantidade de garimpeiros na terra indígena. São 20 mil, segundo associações de indígenas.

O vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) contesta essa cifra e diz que há cerca de 3.000 garimpeiros na região. O número, no entanto, é considerado subestimado por pessoas ligadas ao combate do garimpo.

O presidente Bolsonaro defende a atividade ilegal, estimula o garimpo no território e tenta regularizar a mineração em terras indígenas.

O plano do Ministério da Justiça foi elaborado no contexto de decisões da Justiça Federal obrigando a retirada dos garimpeiros. Já houve decisões nesse sentido na primeira instância da Justiça, no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) e no STF (Supremo Tribunal Federal).

A falta de ação nos pontos de garimpo ilegal “evidencia, a mais não poder, a absoluta insuficiência das medidas protetivas a cargo do Executivo federal”, afirmou o MPF em Roraima em uma recomendação expedida no último dia 10.

Os procuradores da República Alisson Marugal e Matheus Bueno recomendaram que a ANM (Agência Nacional de Mineração) leiloe 200 toneladas de cassiterita apreendidas e destine os recursos à Funai, para atendimento aos indígenas. O valor é estimado em R$ 24,7 milhões.

A ausência de ações policiais nos pontos mapeados de garimpo é apenas um dos problemas no combate à atividade ilegal na maior terra indígena do país, que na próxima semana comemora 30 anos de sua demarcação.

Dos 277 pontos de apoio usados pelos garimpeiros, como pistas de pouso e portos clandestinos, somente 70 (25,3%) foram fiscalizados desde 2020, segundo levantamento feito pelo MPF.

O apoio aéreo para o combate ao garimpo ilegal é crucial para uma região de difícil acesso. Os percursos por rio são longos e demorados. Órgãos de fiscalização alugam horas de voos de parceiros terceirizados para suas operações.

A recomendação do MPF afirma que, “ao menos de modo constante, as forças estatais não dispõem de, ou não disponibilizam, aeronaves que possibilitem a realização com a frequência necessária de incursões na TI [Terra Indígena] Yanomami objetivando o combate ao garimpo ilegal”.

O garimpo em terras indígenas é proibido por lei. A Constituição Federal determina que a atividade precisa de regularização e de aval do Congresso, o que ainda não existe.

Em 2020, a Justiça determinou que o governo federal expulsasse os garimpeiros da região, o que não ocorreu.

Conforme o MPF, foram registrados 3.059 alertas de desmatamento para o garimpo na terra yanomami, entre agosto de 2020 e fevereiro de 2022. O desmatamento atingiu quase 11 km². Num único mês, em janeiro deste ano, foram 216 alertas.

Caiapós fazem dança da chuva (Folha de S.Paulo)

Artigo original

São Paulo, sábado, 28 de março de 1998

da Reportagem Local

Dois pagés caiapós de Mato Grosso irão a Roraima no domingo para fazer um ritual de dança da chuva, com o objetivo de tentar acabar com o fogo.

Os dois pagés deverão partir de Colider, no norte do Estado, perto do Pará. A viagem de avião até Boa Vista demora cerca de 5h.

De acordo com o índio caiapó Pitisiaru Metupire, o ritual é secreto e deverá ser feito pelos dois pagés, sozinhos, no meio do mato. Antes de fazer o ritual, os pagés passarão algum tempo no interior da mata “estudando” a situação.

“Não dá para explicar como é, porque o trabalho do pagé é bem diferente do do doutor”, diz Metupire. Segundo o índio, os pagés vão conversar com espíritos dos antepassados que, por sua vez, pedirão aos espíritos da chuva e do trovão que provoquem chuva.

O ritual deverá ser feito na aldeia do Demini, onde há montanhas, consideradas fontes de energia.

“A chuva vai começar e não vai parar mais”, disse Metupire, que é da mesma aldeia dos pagés que irão a Boa Vista. De acordo com ele, os caiapós decidiram ajudar os índios ianomâmis e ofereceram a realização do ritual.

“Eles estão precisando de ajuda e nós vamos lá para tentar resolver o problema”, afirmou Metupire. Depois do ritual, os índios ainda ficarão em Roraima para “estudar” os resultados.

Além dos pagés, o administrador da Funai em Colider, Megaron Txucarramãe, também irá a Boa Vista.

É preciso interromper a tragédia humanitária na terra ianomâmi (O Globo)


Malu Gaspar

Por Editorial 15/04/2022 00:00

Ianomâmis (Reuter) Ianomâmis (Reuter) | Reuters

São contundentes as conclusões do relatório da Hutukara Associação Yanomami sobre os efeitos nocivos do garimpo ilegal na maior reserva do país, que reúne cerca de 30 mil indígenas numa área de 9 milhões de hectares entre Amazonas e Roraima. Como mostrou O GLOBO, em apenas um ano (de 2020 a 2021), a devastação cresceu 46%, maior taxa desde a demarcação das terras ianomâmis em 1992. A destruição, evidenciada pelas crateras no meio da floresta e pelos rios contaminados com mercúrio, pode ser a ponta mais visível, mas não é a única tragédia. Com o desmatamento, forasteiros levam doenças, violência, drogas e terror.

Segundo o relatório, as aldeias enfrentam uma explosão de casos de malária — em algumas regiões, o aumento foi de mais de 1.000% em dois anos. Comida é outro problema crônico. Estudos mostram que 60% das crianças estão desnutridas. No fim do ano passado, imagens de crianças ianomâmis com as costelas à mostra chocaram o mundo. A situação é agravada pela estrutura precária de saúde e pelas grandes distâncias que separam as aldeias dos postos de atendimento médico.

Estima-se que existam 20 mil garimpeiros ilegais nas terras ianomâmis, sob vista grossa dos órgãos ambientais. Nesse cenário sem lei, os indígenas se tornam presas fáceis de esquemas criminosos. Há relatos de aliciamento de menores, abuso sexual de mulheres e crianças e oferecimento de drogas e bebidas alcoólicas aos indígenas. De acordo com a Hutukara, ao menos três crianças já foram mortas depois de ser abusadas por garimpeiros ilegais.

Não surpreende que a violência impere nesse ambiente de anomia. Na segunda-feira, um conflito entre indígenas numa área de garimpo dentro da terra ianomâmi deixou dois mortos (um indígena e um garimpeiro) e cinco feridos. Segundo relatos, índios tireis, apoiados por garimpeiros, invadiram a aldeia pixanehabi, contrária à exploração mineral na reserva.

Seria incorreto dizer que o Ibama e a Polícia Federal não agem. Na terça-feira, foi deflagrada a Operação Escudo de Palha, para combater o desmatamento ilegal numa comunidade indígena de Mato Grosso. Mas essas ações esporádicas são insuficientes. Além disso, são notórios o desmonte da fiscalização ambiental e a falta de empenho do governo para enfrentar madeireiros, grileiros e garimpeiros ilegais. Infelizmente, a sinalização que emana do Palácio do Planalto é outra.

Durante uma pajelança no Ministério da Justiça no mês passado, o presidente Jair Bolsonaro foi condecorado com a Medalha do Mérito Indigenista, concedida pela Funai “pelos serviços relevantes relacionados com o bem-estar, a proteção e a defesa das comunidades indígenas”. Bolsonaro foi um dos 26 agraciados, entre os quais estavam dez integrantes do primeiro escalão do governo. Para fazer jus à homenagem, presidente e ministros poderiam se esforçar para interromper a tragédia humanitária que se abate sobre os ianomâmis e envergonha o país.

Foto de criança expõe crise na assistência à saúde dos yanomamis (Folha de S.Paulo)

Território sofre com o aumento da malária e com a desnutrição infantil crônica

9.mai.2021 às 12h00 Atualizado: 9.mai.2021 às 20h02

Fabiano Maisonnave

Manaus Na aldeia Maimasi, em Roraima, uma criança yanomami jaz sobre a rede. Com as costelas expostas pela desnutrição, ela foi diagnosticada com malária e verminose. Mas a primeira equipe médica no local em seis meses não dispunha de medicamentos suficientes para tratar toda a aldeia.

A foto dessa criança e a história por trás dela foram obtidas pelo missionário católico Carlo Zacquini, 84, que atua entre os yanomamis desde 1968. Ele é cofundador da Comissão pela Criação do Parque Yanomami (CCPY), que deu visibilidade aos problemas causados pelos brancos, promoveu atendimento em saúde e lutou pela demarcação, concluída em 1992.

O território yanomami sofre com o aumento da malária e com a desnutrição infantil crônica, que atinge 80% das crianças até 5 anos, segundo estudo recente financiado pela Unicef e realizado em parceria com a Fiocruz e o Ministério da Saúde.

Os indígenas também enfrentam uma grande invasão de garimpeiros, incentivados por promessas do presidente Jair Bolsonaro de legalizá-los e pelo alto preço do minério. São cerca de 20 mil não indígenas morando ilegalmente na Terra Indígena Yanomami, contaminando os rios com mercúrio e contribuindo para espalhar Covid-19 e malária, além do álcool e da prostituição.

Procurado, o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami, do Ministério da Saúde, informou que a criança, do sexo feminino, foi transferida a Boa Vista (RR) dois dias após a visita médica, acompanhada dos pais e dos irmãos.

Ela tem 8 anos e pesa 12,5 kg. Internada desde 23 de abril, está em tratamento para pneumonia, anemia e desnutrição grave —a malária foi curada. Ela está estável e em acompanhamento pelo serviço social. Segundo o órgão, trata-se de um caso isolado.

O Dsei negou a escassez de medicamentos e afirma que a quantidade é definida de acordo com a demanda prevista pela semana epidemiológica. O órgão não informou sobre como está o tratamento de outros yanomamis doentes na mesma região, mas alega que o atendimento de saúde é dificultado pelo fluxo constante dos indígenas e atribuiu a alta de incidência de malária à presença do garimpo ilegal.

A seguir, o depoimento de Zacquini:

É uma criança da aldeia Maimasi, a dois dias a pé da Missão Catrimani. Ela está sem assistência há muito tempo, com malária e verminose.

A fotografia foi feita por volta de 17 de abril. O pessoal das equipes de saúde tem receio de denunciar essa situação, pois podem ser punidos, colocados em lugares mais penosos ou ser demitidos. Vários polos de saúde estão abandonados. Não há estoque de medicamentos para verminose na sede do Dsei (Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami), em Boa Vista. Até para malária a quantidade é limitada.

O posto de saúde tem muita dificuldade para conseguir medicamentos. Faltam profissionais para revezamento e falta gasolina para deslocamento. Há três meses, eles usam a canoa com rabeta [motor] dos próprios yanomamis.

Criança magra ao ponto de ter ossos visíveis sob a pele, em rede
Com quadro de verminose e malária, criança yanomami dorme em rede na aldeia Maimasi, perto da Missão Catrimani, na Terra Indígena Yanomami, em Roraima – Divulgação

Para chegar a Maimasi, seriam oito minutos de helicóptero, mas, a princípio, isso só ocorre em casos de emergência. Evidentemente, essa criança é um caso de emergência!

Para levar medicamento ao pólo-base, foram deslocados um avião com uma equipe médica, porém eles ficaram aguardando inutilmente a chegada do helicóptero.

Havia seis meses que ninguém visitava a aldeia. Dessa vez, foram medicamentos para malária, mas não deu para repetir a dose. Uma equipe da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde), incluindo médico, foi de avião até a Missão Catrimani para levar esses medicamentos.

O pessoal da saúde faz tratamentos com medicamentos, mas o tratamento não tem continuidade quando trocam de equipe. Assim, quando possível, fazem a primeira dose de tratamento, mas depois de um tempo os doentes devem recomeçar a partir da primeira dose.

Estou revoltado e com o sangue fervendo. É uma situação que parece estar se generalizando na Terra Indígena Yanomami.

O vaivém de garimpeiros é contínuo e isso implica voos de avião, barcos, helicópteros e a pé. São milhares os invasores da Terra Indígena Yanomami, e o presidente da República anuncia que irá pessoalmente falar com os militares que estão ali e com os garimpeiros também. Faz questão de dizer que não vai prender estes últimos, mas somente conversar.

Até para malária os medicamentos são contados, incluindo a cloroquina. Tem cloroquina para Covid, mas não para malária. A criança desnutrida está numa aldeia a oito minutos de helicóptero de um posto de saúde, mas leva um dia a pé. E depois dessa aldeia há outras, que na época estavam reunidas para o cerimonial funerário em outra aldeia mais afastada.

A equipe do pólo-base se deslocou a pé para a aldeia e encontrou um grupo grande de yanomamis que fazia um ritual funerário para uma criança que tinha morrido sem assistência. Eles ministraram medicamentos para verminose a todos, mas esse medicamento acabou e não puderam dar uma outra dose, o que é a praxe.

Aliás, havia mais de um ano que aquelas aldeias não recebiam atendimento contra verminose. A criança da foto e outros 16 indígenas presentes estavam com malária, a maioria deles com falciparum, a variedade mais agressiva. Os demais 84 estavam todos com sintomas de gripe e de febre.

‘A Queda do Céu – Palavras de um xamã yanomami’. Entrevista com Bruce Albert (National Geographic Brasil)

ENTREVISTA 29/09/2015

“A produção indígena na cena cultural é, de fato, cada vez mais importante no Brasil, mas ainda muito aquém de suas imensas possibilidades”, afirma Bruce Albert, um dos autores do livro. Confira uma entrevista com o etnólogo francês

por Felipe Milanez 
Capa do livro A Queda do Céu

Da amizade de 30 anos entre o etnólogo francês Bruce Albert e o xamã e porta-voz do povo YanomamiDavi Kopenawa nasceu A Queda do Céu, lançado agora pela Companhia das Letras no Brasil. 720 páginas, R$ 69,90). Publicado originalmente em francês em 2010, na prestigiosa coleção Terre Humaine, o livro é um libelo contra a destruição da Floresta Amazônica e traz as meditações do xamã a respeito do contato com o homem branco, ameaça constante para seu povo desde os anos 1960.

Davi Kopenawa nasceu por volta de 1956, em Marakana, grande casa comunal situada na floresta tropical de piemonte do alto Rio Toototobi, no norte do estado do Amazonas, próximo à fronteira com a Venezuela. A vocação de xamã desde a primeira infância, fruto de um saber cosmológico adquirido graças ao uso de potentes alucinógenos, é o primeiro dos três pilares que estruturam o livro. O segundo é o relato do avanço dos brancos pela floresta e seu cortejo de epidemias, violência e destruição. Por fim, os autores trazem a odisseia do líder indígena para denunciar a destruição de seu povo. Recheada de visões xamânicas e meditações etnográficas sobre os brancos, A Queda do Céu não é apenas uma porta de entrada para um universo complexo e revelador. É uma ferramenta crítica poderosa para questionar a noção de progresso e desenvolvimento defendida por aqueles que os Yanomami – com intuição profética e precisão sociológica – chamam de “povo da mercadoria”.

Na entrevista abaixo, o jornalista Felipe Milanez entrevista Bruce Albert, doutor em antropologia pela Université de Paris X-Nanterre e pesquisador sênior do Institut de Recherche pour le Développement (IRD, Paris). Albert participou em 1978 da fundação da ONG Comissão Pró-Yanomami (CCPY), que conduziu com Davi Kopenawa uma campanha de 14 anos até obter, em 1992, a homologação da Terra Indígena Yanomami. Viaja à terra yanomami praticamente todos os anos, há quatro décadas.

Como surgiu a ideia do livro e como ele pode inspirar novos trabalhos literários de lideranças indígenas?

Bruce Albert A ideia do livro nasceu durante a invasão garimpeira da terra yanomami no fim dos anos 1980. O caos sanitário e ambiental era total. A sobrevivência do povo Yanomami no Brasil estava em jogo. Davi estava profundamente angustiado e revoltado. Pensou que, para evitar o fim de seu povo devia contar sua história e transmitir seus conhecimentos. Ele sabia que, para os brancos, o que não está escrito não existe. Queria, portanto, que as palavras yanomami, inaudíveis nas cidades, saíssem da floresta e se espalhassem pelo mundo afora na forma de um livro. Nós já éramos amigos, engajados contra o garimpo, eu falava yanomami o suficiente. Ele decidiu pedir minha ajuda para escrever suas palavras, que são também as antigas palavras do seu povo. Inventamos assim juntos este livro “falado-escrito” que acabou tecendo uma mensagem xamânico-política com um projeto de descolonização da escrita etnográfica.

O que acho fundamental nesta parceria, foi justamente essa vontade de cruzar, em pé de igualdade, nossas perspectivas intelectuais num projeto político-etnográfico comum. Eu acho que esta forma de etnografia colaborativa tem bastante potencial para divulgar a história e o pensamento de muitos povos sem acesso à escrita. Mas trata-se de uma forma transitória. Muitos letrados indígenas já surgiram e continuam surgindo e estão hoje, Brasil afora, inventando seus próprios gêneros de autoetnografia, estilos de escrita e formas literárias. É um movimento de reapropriação da etnografia que tem como pano de fundo o surgimento progressivo dos povos indígenas como sujeitos políticos desde os anos 1970.

O que mais marcou a sua vida na sua relação com os yanomami e como o pensamento deles se situa em meio a grande diversidade de pensamentos indígenas no Brasil?

Bruce Albert Encontrei os yanomami muito jovem, há mais de três décadas, e obviamente marcaram muito minha vida intelectual e pessoal em muitos aspectos. Acho que a lição mais interessante que podem nos dar os yanomami – os povos indígenas em geral – não remete nem as experiências individuais, necessariamente anedóticas, nem a saberes específicos, inevitavelmente recortados ao sabor de nossas fantasias utilitaristas.

O que os índios nos ensinam fundamentalmente é que existem outros universos humanos e não humanos possíveis e pensáveis, e que o nosso mundo, tão arbitrário quantos os outros e consideravelmente mais mortífero, não é necessariamente o mais digno de apreço. Este efeito de comparação perturbador constitui uma contribuição fundamental para destabilizar a cegueira de nosso narcisismo autodestrutivo e assim, tal vez, garantir nossa sobrevivência intelectual e física. Sem isso, estamos condenados à morte dos xamãs e à queda do céu, como nos ensina Davi Kopenawa. Esta é a vocação do livro, além de sua dimensão etnobiográfica.

O que era “ecologia” para o senhor, na época em que conheceu Davi? E o que é ecologia hoje?

Bruce Albert Conheci Davi em 1978, tinha 26 anos e “ecologia” era ainda um tema muito incipiente. Suponho que, na época, eu não pensava muito além das noções de senso comum da minha sociedade de origem. Inventamos a noção de “natureza” como um vasto espaço exterior a humanidade ocidental – um espaço “selvagem” dedicado ao desbravamento e à exploração sem limites. Este imenso espaço misterioso e ameaçador circundava o espaço outrora restrito da (boa) sociedade e da “civilização”. Mais tarde a perspectiva se inverteu. Com o avanço da industrialização, chegamos à noção de “meio ambiente”, uma “natureza” vencida e transformada em uma variedade de espaços cada vez mais residuais, englobados pela sociedade dominante (reservas, parques, etc).

São estas nossas categorias que a contra-etnografia do Davi Kopenawa contribui a descontruir com muita perspicácia. Ele desafia, por um lado, nossa velha categoria de natureza através de sua tradução da urihi a pree, a “terra-floresta mundo”, que engloba uma fervilhante sociedade de seres visíveis ou invisíveis, humanos e não-humanos. Ele sugere que nossa noção de “ecologia” deveria hoje se aproximar desta perspectiva anti-antropocêntrica para poder conversar com a tradição xamânica indígena. Por outro lado, ele reduz nossa categoria de “meio ambiente” a uma fórmula impiedosa : “é o resto do que vocês ainda não destruíram”.

Vivemos hoje uma crise política e econômica, e sobretudo uma grande crise ecológica. Que perspectivas de saída podemos vislumbrar através do ponto de vista yanomami?

Bruce Albert Davi Kopenawa propõe uma poética, humorada e muito certeira etnografia de nosso absurdo fascínio por mercadorias que ironiza chamando de “mercadorias-namoradas”. Além disso, ele nos oferece um sábio diagnóstico xamânico sobre a queda do céu cujas conclusões são basicamente as mesmas que a dos cientistas do IPCC: se persistimos com nosso mito do crescimento infinito e nossa economia predadora de combustíveis fósseis, chegaremos a um catástrofe socioambiental de magnitude ainda pouco imaginável para o público em geral, porém já muito bem pensada pelo xamãs dos povos indígenas. A mensagem é, portanto : ter a audácia de pensar/construir um novo mundo para deixar de ser o grotesco e perigoso “Povo da Mercadoria” descrito pelos xamãs yanomami.

Como o senhor analisa a atual conjuntura dos povos indígenas no Brasil?

Bruce Albert A situação é a pior possível. Da novela do genocídio dos guarani à mortalidade infantil subsaariana dos yanomami ou dos povos do Vale do Javari, assistimos hoje a uma volta inquietante aos tempos do indigenismo sombrio da ditadura. O modelo de economia de commodities, apresentado como novo milagre desenvolvimentista pelos governos recentes, não passou de um lamentável remake – em versão chinesa – dos sonhos falidos da ditadura. Sob a fachada de um “progressismo” traído, os velhos tempo neocoloniais vigoram como nunca para os povos indígenas.

A antropologia às vezes é vista como uma ciência que fala de situações muito específicas, e difíceis de serem generalizadas. No livro, a crítica da Davi parece estender-se para um plano geral, e somos convidados a refletir sobre o mundo através da visão yanomami. Há uma mudança, nesse sentido, de rumos na antropologia?

Bruce Albert A (nossa) antropologia escreve em nome dos outros e idealmente o faz (ou deveria fazê-lo) com empatia, solidariedade política e com um esforço de tradução à altura intelectual de seus interlocutores. Resta que, mesmo assim, guarda um indevido monopólio sobre a descrição e a publicação dos mundos vividos alheios e sobre a antropologia dos outros. Esse caminho não é mais sustentável. Como falei, os povos indígenas da Amazônia emergiram, há algumas décadas, enquanto sujeitos políticos no cenário nacional e internacional. Esta situação está aos poucos abrindo espaço não somente às crescentes experiências de autoetnografia e de etnografia colaborativa, como mencionei, mas também à possibilidade de uma contra-etnografia indígena sobre nosso mundo, portanto de uma antropologia reversa, como a elaborada por Davi Kopenawa. A (nossa) antropologia, ao dialogar cada vez mais com os intelectuais indígenas num pé de igualdade, deveria portanto tornar-se cada vez mais simétrica e fonte de cruzamentos conceituais.

Nos últimos anos os povos indígenas têm sido responsáveis por uma grande e intensa produção cultural. O que tem impedido que a produção seja ainda maior e qual o papel da academia nesse sentido?

Bruce Albert A produção indígena na cena cultural é, de fato, cada vez mais importante no Brasil, mas ainda muito aquém de suas imensas possibilidades : existem no pais 243 povos falando mais de 150 línguas. A razão essencial, me parece, é que, no Brasil de 2015, a maior parte dos povos indígenas tem ainda que lutar para sobreviver fisicamente face a espoliações e violências. Acho portanto que os antropólogos, além da sua solidariedade política, têm mesmo, nestes tempos críticos, que intensificar os seus esforços para apoiar o movimento indígena de expressão autônoma na escrita, artes plásticas, música, vídeos, etc. Existem experiências históricas neste sentido no Brasil, como o projeto Vídeos nas Aldeias ou a série Narradores do Rio Negro, do Instituto Socioambiental. Me parece que o mundo acadêmico poderia se abrir mais à novas experiências etnográficas centradas na autoria indígena. Espero que A Queda do Céu seja um incentivo para isto.

Nesse ano também foi lançado o livro de Ailton Krenak, alguns anos atrás foi Álvaro Tukano. São alguns exemplos de livros produzido por indígenas de uma mesma geração (hoje com 50 a 70 anos), que foram jovens lideranças nos anos 1980 e que lutaram para alcançar os direitos que estão hoje na Constituição Federal. Como o senhor vê essa geração, o que mudaram e romperam com a anterior, e o que deixam para as próximas?

Bruce Albert As lideranças indígenas da geração do Davi Kopenawa, formam uma geração histórica, de pioneiros das lutas e da organização do movimento indígena. É uma geração de líderes carismáticos, cujas singularidades fora do comum foi capaz de representar simultaneamente seus povos e os povos indígenas da Amazônia de maneira mais ampla. A partir dos anos 1990, estas figuras emblemáticas, até então solitárias, começaram a abrir espaço para as gerações mais novas, que passaram por experiências diversas de escolarização e constituíram o viveiro das inúmeras associações indígenas que se formaram desde então. A trajetória do Davi é exemplar nesta geração. Sua pequena infância se desenvolveu longe do brancos, foi depois alfabetizado por missionários evangélicos, trabalhou em sua juventude na FUNAI como intérprete, tornou-se uma liderança de destaque nacional e internacional no anos 1980-1990 e, enfim, promoveu a fundação da Hutukara Associação Yanomami em 2004. No livro, Davi relata com uma emoção vibrante todos os momentos chaves desta incrível odisseia entre dois mundos, do medo que teve dos primeiros brancos vistos na infância, até sua primeira visita a Nova York. É realmente um depoimento fundamental para a história dos Índios no Brasil, mas também, simplesmente, para a história do Brasil contemporâneo.

‘We Don’t Want to Die Again’: Yanomami Leader Kopenawa (Indian Country Today Media Network)

Courtesy Survival International. Davi Kopenawa, a Yanomami shaman, who has been fighting for his peoples rights for more than 20 years will be in California in April to speak about protecting the rainforest and his spiritual life. Kopenawa is seen here surrounded by Yanomami children.

5/16/14

“It’s very important to talk to everybody here. We don’t want what happened 500 years ago to happen again. We, the Yanomami people, don’t want to die again,” said Davi Kopenawa in an interview with ICTMN at the end of April.

Kopenawa, an internationally known advocate for the Yanomami people of Brazil and the rainforest, was in San Francisco at the end of April to meet with activists, scholars and political officials to alert them to an escalating crisis involving gold miners in Yanomami territory and to speak about his book “The Falling Sky.”

For the interview on April 25th, Kopenawa sat down with ICTMN along with his interpreter and friend, Fiona Watson, Research Director for Survival Internationaland longtime ally of the Yanomami and other indigenous peoples of Brazil.

During the 35 minute conversation Kopenawa began by asserting how dangerous the gold mining operations have been for the people and the environment in their territory.

“The gold miners are people with lots of vices. They bring alcohol, they bring illnesses. They couldn’t find jobs in the cities and got no help from the government and the only thing they want to do is get gold from Indigenous Peoples territories. They have spread all over our land.

“The gold miners (garimpeiros) only work in the rivers,” he explained. “They use mercury to clean and separate the gold from the sand. When they wash the gold with mercury, the mercury sinks to the bottom of the river bed. The communities who live downstream use this water for drinking, washing and bathing. The fish also swallow mercury when they are eating which in turn affects the people who eat the fish. So the Yanomami get ill from mercury poisoning. That’s how the mercury contaminates our place.”

Kopenawa also emphasized that there are laws currently being proposed in Brazil that would make it easier for miners and others to invade indigenous territories. Watson noted that the indigenous communities and their allies such as SI are very worried about three potential laws in particular: PEC 215 is a constitutional amendment that would allow congress, which has members influenced by a strong anti-indigenous lobby, to be involved with demarcation of land; Portaria 303 which would prohibit extending any indigenous territory and that indigenous rights to use their resources would not extend to preventing large scale hydro-electric and mining projects; and Law Project 1610 would open up all indigenous territories to large scale mining (and there were already hundreds of petitions to start mining in Yanomani territory).

“I will talk about these things,” Kopenawa said in regards to his then upcoming presentations (he later spoke with California Governor Jerry Brown about the mining issues).

“I want to talk about the concerns of the Yanomami people. We are beginning to get nervous and sad because the government is preparing to invade our territory even though it is demarcated and recognized by law.”

He stated that his book, “The Falling Sky,” explains those concerns and how the Yanomami are guardians of their region of the earth.

“It is important to explain this to the city people who know about their land and mountains and places but we Yanomami needed a book to explain things to white people so they would know our story. We are guardians of the knowledge of our region of earth, of the mountains and the rivers. For us, the forest is a thing of great beauty and it is our story. Some white people think that the Yanomami know nothing, so for this reason I thought about writing a book about the traditional knowledge of the Yanomami, my people.”

At the end of the interview, Kopenawa re-iterated his principal message to the people of the United States.

“All we Indigenous Peoples in Brazil are very worried because of the project to mine in the Yanomami’s territory and in the territories of other indigenous brothers and sisters. We Yanomami people don’t want mining because we don’t want to suffer and die of the white peoples’ diseases. Mining will not bring positive benefits to the Indigenous Peoples. It will only bring a lot of diseases and problems and fights with the indigenous people. For this reason all we Indigenous Peoples are against mining.

“I, Davi Kopenawa Yanomami, an indigenous leader, ask for support from the American people not to allow mining to start in the Yanomami territory. I would like you to help to defend the lungs of the earth. I thank you for your strength. Thank you very much.”

Read more athttp://indiancountrytodaymedianetwork.com/2014/05/16/yanomami-leader-kopenawa-we-dont-want-die-again-154849

From Amazon to Garden State (CBS)

http://www.cbsnews.com/videos/from-amazon-to-garden-state

MAY 11, 2014, 9:53 AM|David Good’s mother grew up in a remote village in the Amazon jungle. After meeting an American anthropologist, she moved to New Jersey and started a family. After she decided to return to her village, her son made an extraordinary trip to reconnect with her. Steve Hartman reports.

Sua flecha é a palavra (Boletim da UFMG)

Nº 1845 – Ano 40
18.11.2013

Bárbara Pansardi

“Pra quem não me conhece, sou Davi Kopenawa, filho da Amazônia, que vive no meio da floresta.” As palavras simples e fortes do líder indígena são certeiras como uma flecha que acerta direto no coração – é o que ele mesmo diz. O xamã yanomami acredita que sua arma é a palavra, com a qual protege a floresta amazônica e os povos autóctones.

“Nós, Yanomami, somos guerreiros para defender nossos direitos, nosso povo, nossas crianças, nossa terra própria. Nossos antepassados não sabiam se defender, não sabiam brigar por não compreender a língua portuguesa”, explica o xamã e intérprete da Funai, que utiliza o idioma como instrumento político. “Eu não posso viver isolado. Meu povo yanomami já foi isolado. Hoje não, nós conversamos com políticos sobre o problema da nossa terra, da saúde”, afirma.

Sua mensagem é firme, mesmo quando sua expressão parece hesitar, revelando a cadência de quem não tem o português como língua materna. “Minha fala é diferente; não é fala de cidade, não. Eu falo sobre natureza, sobre meio ambiente, terra, sobre o que é bom pra nós todos”, justifica Kopenawa.

A convite do Programa Cátedras do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat), Davi veio à UFMG ensinar o que os napë [homem branco, não índio] parecem não saber. “Será que o homem não tem pensamento, não pensa em seu futuro, nas gerações que vão sofrer? Consciência dos napë é diferente da consciência indígena. Terra é nossa vida, sustenta a barriga, é nossa alegria”, alega, tecendo dura crítica às atividades econômicas que se valem da exploração das riquezas naturais.

Para Kopenawa, o problema gerado pelo homem branco com a extração dos recursos é incontornável, não há reflorestamento que o resolva. “Reflorestar não vai trazer ar limpo, não vai chamar a chuva; só miséria, fome, sofrimento”, afirma, fazendo uma analogia com as cicatrizes que se formam quando ferimos a pele, sobre as quais não voltam a nascer pelos. “Na terra, depois que corta, não cresce de novo, não nasce urihi [cobertura florestal], porque não tem força, não tem água lá embaixo. Derrama sangue da terra e ela fica seca, a água vai embora.”

Davi explica o que em sua filosofia indígena designa por “coração da terra”. De acordo com ele, trata-se de um processo cíclico segundo o qual a água é conduzida por caminhos subterrâneos que a elevam para que em seguida se precipite novamente, em movimento continuamente circular, como na corrente sanguínea. “Nós estamos circulando juntos”, acrescenta, esclarecendo que o coração humano pulsa sob mesmo ritmo. Homem e natureza, portanto, estão ligados. Então, “destruímos a nós mesmos ao devastar a terra; nosso coração bate junto com a hutukara, terra-mãe”.

Diferentes, porém complementares

O xamã acredita na capacidade de mobilizar os outros como multiplicadores de uma consciência ambiental renovada, e se alegra porque vê seu conhecimento reconhecido na esfera acadêmica. “Sou analfabeto, mas tenho saber tradicional. Eles estão me escutando e achando bom. Estão interessados, gostando muito. Eu também estou gostando. Venho para me aproximar do homem branco que nunca conheceu de mim e para conhecê-lo como amigo. Não índio também está reconhecendo minha imagem, minha fala, a experiência que eu tenho e aprendi desde pequeno.”

Entre os xamãs yanomami, boa parte dos saberes advêm do campo onírico. Os sonhos – muitas vezes associados ao transe induzido pelo sopro do pó de yãkoana [alucinógeno] – funcionam como revelações esclarecedoras. Os xapiri [espíritos] são os responsáveis por alumbrar as ideias e desvelar a sapiência do líder. Davi conta que ele próprio “sonha terra, floresta, chuva, trovão, tudo o que tem no universo”. Por isso, irrita-se com os antropólogos que, “como formigas, andam procurando sabedoria” e valem-se do conhecimento alheio. “Eu não quero antropólogo falso, que só quer trair o meu povo, que só quer aprender, tirar e copiar conhecimento yanomami”, revolta-se, em alusão à experiência com o americano Napoleon Chagnon, que trata os yanomami como ferozes e violentos.

No livro La chute du ciel, escrito em conjunto com o antropólogo francês Bruce Albert, Kopenawa conta que pediu ao xori [amigo] que o ajudasse. Como discordava dos pesquisadores que frequentavam sua aldeia e imputavam juízos sobre o modo de vida indígena, resolveu manifestar-se. “Quem vai falar sobre meu povo yanomami sou eu. Eu não sou antropólogo, mas Bruce me ajudou a escrever como no meu sonho, um sonho conhecimento. Eu queria escrever para os antropólogos da cidade, para mostrar como o Yanomami pensou. Esse livro é um mensageiro para entrar na capital. Antropólogo que não conhece índio, não conhece aldeia, não conhece mato vai ler. Esse livro foi escrito para fazer antropólogo respeitar. Foi muito bom pra mostrar minha capacitação, a capacidade que eu tenho de quem conhece rio, terra, mato”, relata.

Quanto à sua participação nas palestras ao longo da semana, o xamã mostrou-se alegre e satisfeito por cumprir a tarefa que lhe foi confiada pelos anciões. “Estou com orgulho de mim. Sou um yanomami em paz. Estou dizendo boas coisas pra eles [homens brancos] entenderem, pensarem e depois fazer respeitar. Nós somos povo indígena, guardião da terra; estamos aqui para proteger”, assevera.

A Thousand Kinds of Life: Culture, Nature, and Anthropology (Dissent)

Yanomami villagers at an indigenous expo in Caracas (Luigino Bracci, 2011, Flickr creative commons)

By David Moberg – March 21, 2013

In the latest twist in an unusually public academic dispute, one of the world’s most influential and highly regarded anthropologists resigned in protest from the prestigious National Academy of Sciences in late February. In quitting the academy, Marshall Sahlins took aim in part at the work of fellow anthropologist Napoleon Chagnon, whose contentious memoir, Noble Savages: My Life Among Two Dangerous Tribes—The Yanamamö and the Anthropologists, was recently published by Simon & Schuster. But his action is also a skirmish in a much longer and very important debate over what it means to be human—a debate with consequences for the broader public discussion.

Sahlins, the Charles F. Grey Distinguished Service Professor Emeritus of Anthropology at the University of Chicago, said that he was leaving the 150-year-old academy for two reasons: the election of Chagnon to the NAS last year and the involvement of the NAS in research for the military. His action prompted an outpouring of petitions and statements of support from colleagues, including several hundred in Brazil.

The academy says that principled resignations like Sahlins’ are “rare”—so rare that the only precedent anyone could identify was famed Harvard biologist and geneticist Richard Lewontin’s 1971 departure in protest against NAS military work related to the war in Vietnam. In the 1960s Sahlins himself was helping to launch campus teach-ins against the Vietnam War and to raise issues about the relationship of anthropology to the military.

Sahlins initially tried to resign last year in May, after Chagnon was named to the NAS, then again in October, when he received a request sent to all eighty-four anthropologists at the academy for advice on two research projects aimed at making the military more effective. The request arrived at a time when a controversy was already smoldering in the field about anthropologists’ involvement in implementing the Human Terrain Systems counterinsurgency strategy in Iraq (the October request for help appears unrelated to HTS). The academy had indirectly been involved in military research since the allied National Research Council was established in 1916 specifically for military research. But Sahlins objected to any NAS involvement in projects such as the two proposed in October. One focused on “contextual factors that influence individual and small unit behavior,” and the other sought scientifically valid methods, including any suggested by neuroscience, for improving individual and group military performance.

The publication of Chagnon’s memoirs prompted a third, successful attempt at resignation. Sahlins had objected to the NAS admitting Chagnon—formerly at the Universities of Michigan and of California at Santa Barbara, now at the University of Missouri—because of the quality of his research and his ethics in the field. Sahlins is also critical of both the theoretical and empirical underpinnings of sociobiology, more often referred to now as evolutionary psychology. A minority of anthropologists adopt its viewpoint. But many non-anthropologists—such as Richard Dawkins, Stephen Pinker, and Jared Diamond—have used the work of Chagnon and like-minded anthropologists to reach a large audience.

Fundamentally, this group of writers and researchers see biology as destiny. They argue that biological evolution defines human nature through the inheritance of traits that provide individuals with a reproductive advantage—that is, with more offspring.

In the late 1960s Chagnon worked among the Yanomami people living on both sides of the border between Venezuela and Brazil. He portrayed the Yanomami—which he dubbed “the fierce people,” for their frequent inter-village warfare—as living in a “state of nature” essentially like that of our Paleolithic ancestors. And he claimed to present evidence that men who were “killers” had many more offspring—which, even when he occasionally hedged, others took as proof that evolution favored and preserved traits for male aggression and violence.

Anthropologists, including Sahlins, have since criticized nearly every aspect of Chagnon’s research. (See “Natural Born Nonkillers.”) For example, many note that other tribal people have relatively peaceful, cooperative cultures. Research from various perspectives also runs counter to Chagnon’s argument that evolution rewards killers with more offspring—including computer simulations of evolution, studies of animal behavior showing that killing within a species is rare, even military studies of how men in combat try to avoid killing others. In any case, critics say, the Yanomami were not in a pristine state of nature when Chagnon first visited: they had a history, including likely displacement from their original land by pressures from European colonial settlers and some continuing contact with the wider world that led to the acquisition of a few trade goods. There were many more charges that his data were flawed. To take one example, Chagnon categorized Yanomami men as killers or not killers based on their own classification as unokai or not unokai. But the term identifies a man who has gone through a purification ritual, which was used by both real “killers” and by men who, say, had employed sorcery.

In 2000 journalist Patrick Tierney published Darkness in El Dorado, which accused Chagnon of spreading fatal diseases (like measles) through his collaboration with geneticist James V. Neel, of fomenting some of the inter-village fighting, and other ethical offenses. The American Anthropological Association established a taskforce that dismissed some of Tierney’s most lurid charges but concluded that Chagnon, among other lapses, did not get informed consent from Yanomami research subjects and may have improperly delayed immunizations he and Neel were providing. At its convention, the AAA adopted the taskforce’s report and criticisms, but later Chagnon’s supporters moved to rescind the report largely on procedural grounds. With only 10 percent of members voting, the AAA reversed its endorsement of the report—which Chagnon backers inappropriately claimed as the profession’s vindication of his work.

Sahlins first weighed in against sociobiology in the mid-1970s with The Use and Abuse of Biology, but he has continued to pursue many of the same critical themes in recent books, such as What Kinship Is—And Is Not and The Western Illusion of Human Nature. He argues that human nature is culture—that is, the learned values, beliefs, and patterns of behavior that social groups follow or believe they should follow, as well as the capacity to change those ideas passed from previous generations. Culture—and not some special features of biological evolution, like a carnivore’s teeth or the short beak of a seed-eating bird—provides humans with a flexible, varied means of adapting to a wide and changing variety of circumstances.

Homo sapiens evolved biologically and mentally from our hominid ancestors over several million years within the context of the hominid tool-making culture. “What evolved was our capacity to realize biological necessities, from sex to nutrition, in the thousand different ways that different societies have developed,” Sahlins says. “Hence, culture, the symbolically organized modes of the ways we live, including our bodily functioning, is the specifically ‘human nature.’”

Sahlins argues against the sociobiologists’ neo-Hobbesian view of human nature as a war of all against all—with a brutal, competitive nature clashing with culture. This view of human nature has deep roots in Western cultural traditions, he writes, but it also projects a more modern capitalist view of self-interested, even selfish, behavior on both humanity and the rest of the natural world. In many other societies, people do not see the same sharp division between nature and culture. And all human societies have systems of kinship, which Sahlins defines as “mutuality of being,” meaning that “kinfolk are members of one another, intrinsic to each other’s identity and existence.”

“Symbolically and emotionally, kinfolk live each other’s lives and die each other’s deaths,” Sahlins says. “Why don’t scientists base their ideas of human nature on this truly universal condition—a condition in which self-interest at the expense of others is precluded by definition, insofar as people are parts of one another?” Sahlins cites a classic definition of kinship first developed by Aristotle: kinfolk are in various degrees other selves of ourselves.

Moreover, this kinship is not biological. There are many ways besides birth that societies have developed notions of mutual being, Sahlins says. For example, in the highlands of New Guinea, strangers can become your kin by eating from the land where your ancestors are buried. The food raised on that land is in effect the transubstantiation of the ancestors. Accordingly, people who eat from it share ancestral being. In the local conception, they are as much kin to each other as people who have the same parents.

In the West, and even in much anthropological writing past and present, kinship is treated as genealogy, or biology. But even biological reproduction, Sahlins argues, takes place within the context of a particular kinship system, and to reproduce children is to reproduce that culturally defined kinship order. And in most cultures, notions of kinship diverge, often dramatically, from our “folk theory,” with its emphasis on biological genealogy. In any case, all human societies exist within some framework of “mutuality of being,” which starkly contrasts with the view of human life run by selfish genes.


In an email interview, Sahlins responded to a few questions about his resignation, incorporating some passages from his recent writings.

DM: You offered two reasons for your resignation from the National Academy of Sciences. Starting with the election of Napoleon Chagnon to the NAS, what were your most important objections to that election—the quality of his scholarship, professional ethics in the field, or other issues?

MS: He deals in caricature: of the people he studies, of science, of anthropological theory, of fellow anthropologists, and of himself as a beleaguered “fierce person.” His vicious misrepresentations of Yanomami as savage and disgusting have, as many local scholars have pointed out, aided and abetted national and entrepreneurial forces anxious to exploit and pollute their land and, directly or indirectly, drive them to extinction. Likewise, his own fieldwork methods have contributed to the sufferings and destabilization of the Yanomami (as I discussed in an article for the Washington Post).

The idea that the Yanomami represent the primordial human condition of the Stone Age is preposterous. Why them and not the numerous other, quite different societies—including many, such as Australian aboriginals, with just as modest economies but a quite different social order and inter-group relationships? In fact, all have long histories, including dynamic relations with other societies, that remove them as far from the Paleolithic as modern nations. Moreover, as other studies of Yanomami show, they have a richness of oral tradition (so-called mythology), a spiritual pantheon, and a metaphysics of culture and nature that is virtually totally ignored by Chagnon where it is not simply dismissed.

Compared to the rich fieldwork of many Amazonian anthropologists, his ethnography is shallow. His generalizations are sophomoric. His thesis about the reproductive success of Yanomami warriors, contradicted by his own data, has been thoroughly refuted by others. His evolutionary anthropology is from the ancien régime, outdated by almost a century.

DM: You argue that “biologism” is the problem, that “human nature is culture,” and that Western thought in general is dominated by the idea that there is a conflict between a disruptive human nature and vulnerable culture. How would you address a predictable layperson’s view that surely human nature must be at least in part an independent biology as well as culture? What essential qualities, if any, do you think “human nature” may have if it is indeed defined in terms of culture?

MS: Yes, all cultures have sex, aggression, etc., but whether and how it is expressed is subordinate to the cultural order. Sociobiologists say that individuals achieve immortality by having many children, but apparently no one ever told that to the Catholic clergy. The important point is not that all cultures have sex, but that all sex has culture, that is, social norms that specify with whom, how, where, and when sexual relations are appropriate or inappropriate. Culture preceded modern human physical form by a million years or more. The body of the modern human species, Homo sapiens, was formed under the aegis of culture. What evolved was the ability and necessity to realize our bodily needs and dispositions in cultural forms.

Biology became the dependent variable. These needs had to be subordinate to and encompassed by their cultural forms of expression, otherwise how could the same needs or dispositions be realized in the thousands of different ways known to history and ethnography—the various cultural ways of having sex, eating, being aggressive, and the like? As Clifford Geertz put it, we “all begin with the natural equipment to live a thousand kinds of life but end in the end having lived only one.” That can only be if our natural dispositions were subject to cultural ordering rather than the source thereof.

For over two thousand years, Western people have been haunted recurrently by the specter of their own inner being: an apparition of human nature so covetous and contentious that unless it is somehow governed it will plunge society into anarchy. Indeed, by the twentieth century the worst in us had become the best. In the neoliberal view, self-interest in the form of each person’s pursuit of happiness at the cost of whom it might concern was a god-given right. The insatiable love of the flesh that for Augustine was slavery became “freedom” itself. Likewise, then, political Augustinism has been reversed: self-interest having been transformed from slavery to liberty, the least government is now the best. Although for neoliberalism the ancient vice of self-love is greatly to be desired, in other native anthropologies it remains a potentially fatal quality of the human make-up.

DM: Given the harsh criticism of Chagnon’s work by the American Anthropological Association, the leading professional academic organization in the field, how do you account for the NAS decision and for the apparent popular appeal of his work, such as suggested by two recent, highly sympathetic articles about him and his new memoir in the New York Times?

MS: NAS decision? I am not sure, but I believe that many members, those who elected him, have a natural science sense of anthropology, as archaeologists almost have by necessity, and Chagnon promotes himself under that description. Popularity? Mostly on college campuses, I would think, from his textbooks and movies, which resonate with certain popular undergraduate preoccupations: sex, drugs, and violence. America.

DM: You also said that you were resigning because the NAS was supporting social science research on improving combat performance of the U.S. military. To what extent is support for such military-related research a new or growing development within the NAS?

MS: Since resigning I have learned that the NAS, with its charter of research for the nation, engaged in secret military research as far back as the Vietnam War, and who knows how much before or since. At least one prominent scientist, the extraordinary biologist Richard Lewontin, has resigned from the NAS for that reason. Professor Lewontin did so in 1971.

DM: You suggest that NAS should instead, if it does anything in the field, study how to promote peace. Do you have any suggestions about what sort of research would be useful for anthropologists or others to pursue to that end?

MS: What are the consequences of attempts to forcefully impose democracy on societies with no such traditions? Especially, how does the imposition of “winner-take-all” democratic elections in ethnically divided societies exacerbate violence, as has happened time and again in many postcolonial societies in recent decades? How does the reframing of local differences in terms of international issues, backed by opposed international forces, create a virtual state of nature, as happened in Iraq, India, Sri Lanka, and many other similar situations, going back to the encompassment of local disputes in the opposition between democratic-imperial Athens and oligarchic Sparta in the Peloponnesian War? (See “Iraq, The State of Nature Effect.”)

DM: Finally, do you see any connection between your two reasons for resigning or are they independent motivations?

MS: There is a connection: it is referenced in one of my answers in a Counterpunch article by David Price. The premise of American overseas aggression, according to Donald Rumsfeld and others, is something like the line in the movie Full Metal Jacket: “inside every gook there is an American trying to get out.” All we have to do to liberate this innately freedom-loving, self-interested, democracy-needing, capitalist-in-waiting is to rid him of the oppressive, evil-minded regime holding him down—by force if necessary. That is, Chagnon’s view of self-aggrandizing human nature is the sociobiological equivalent of the neocon premise of the virtues of American imperialism: making the world safe for self-interest. It is the same native Western ideology of the innate character of mankind. A huge ethnocentric and egocentric philosophy of human nature underlies the double imperialism of our sociobiological science and our global militarism.


David Moberg is a senior editor at In These Times.

Notas sobre a violência – De antropólogos e outras tribos ferozes (Folha de S.Paulo)

DOMINGO, 17 DE MARÇO DE 2013

MARCELO LEITE

RESUMO Antropólogo Napoleon Chagnon retoma em novo livro teoria sobre agressividade ianomâmi e ataca adversários da sociobiologia. Jared Diamond escreve obra de bases semelhantes, mas mais generosa com ‘primitivos’, aproximando-se de adversários de Chagnon, como Manuela Carneiro da Cunha, que lança coletânea.

É preciso ter estômago forte para digerir a narrativa de um antropólogo que escolhe iniciar o relato de seu primeiro dia de campo entre os ianomâmis -meio século depois- com a frase: “Nunca antes tinha visto tanto ranho verde”. Não é a antropologia, porém, a disciplina que ensina a combinar o máximo de disciplina com o mínimo de conforto em benefício do entendimento do homem?

Leia-se então com dose generosa de bonomia antropológica a obra mais recente do americano Napoleon Chagnon, “Noble Savages – My Life among two Dangerous Tribes – The Yanomamö and the Anthropologists” [Simon & Schuster, 531 págs., R$ 87,50]. Em desagravo, que seja, porque Chagnon pagou um preço alto demais por sua crença nas explicações ultradarwinistas do comportamento, cuja matriz -a natureza humana- acredita ter desvendado nas selvas do Orinoco.

O estudioso americano dedicou pelo menos duas décadas de sua vida a longas permanências em terras ianomâmis, quase sempre na Venezuela (com desastradas incursões também do lado brasileiro). As três seguintes ele ocupou em defesa da carreira e da reputação quase arruinadas por dois outros livros: “O Povo Feroz” (1968), trabalho acadêmico de sua própria lavra, e “Trevas no Eldorado”, um panfleto do jornalista Patrick Tierney (2000).

Os que desconhecem a crônica dessa guerra entre os clãs cultural e biológico da antropologia encontrarão um resumo devastador das acusações mútuas no documentário “Os Segredos da Tribo”, de José Padilha. Não se recomenda o consumo de pipoca na sessão de barbaridades que a fita apresenta.

O povo feroz do título de Chagnon são os ianomâmis. Sua caracterização pelo antropólogo como uma etnia violenta, de homens “maliciosos, agressivos e intimidadores”, que acumulam homicídios para obter mais mulheres e maior sucesso reprodutivo, despertou a ira dos antropólogos culturalistas.

Primeiro, Chagnon foi acusado de distorcer a imagem do grupo e, assim, facilitar sua dizimação por brancos dos dois lados da fronteira. Depois, foi denunciado por Tierney como genocida, pois teria -intencional ou negligentemente, sob a tutela do médico americano James V. Neel- contribuído para uma epidemia de sarampo que matou centenas de índios.

BOM SELVAGEM “Noble Savages” (“bons selvagens”) é um acerto de contas com as duas tribos que infernizaram sua vida. A partir da descrição para o público não especializado de seu convívio de cinco anos com os ianomâmis, Chagnon retoma sua conclusão de que o “bom selvagem” concebido por Rousseau é um mito politicamente correto e que só há uma resposta biológica (evolucionista) -e simploriamente hobbesiana- para a questão de por que seres humanos são sociais: a luta de todos contra todos para aumentar a própria prole (ou pôr mais cópias dos próprios genes no mundo, na vulgata sociobiológica).

Não faltam páginas desairosas para os ianomâmis no livro. “Olhei para cima e arfei, em choque, quando vi uma dúzia de homens corpulentos, nus, suados e pavorosos nos encarando por trás dos caniços de suas setas apontadas!” -conta sobre a primeira visita a uma casa coletiva dos índios.

“Imensos rolos de tabaco verde estavam enfiados entre os dentes e os lábios inferiores, tornando sua aparência ainda mais pavorosa. Veios de ranho verde escuro pingavam ou pendiam de suas narinas -tão longos que se desprendiam de seus queixos, caíam sobre os músculos peitorais e escorriam preguiçosamente sobre seus ventres, mesclando-se com a pintura vermelha e o suor.”

Chagnon também não economiza relatos sobre tentativas mal sucedidas de engodo dos ianomâmis contra ele. Sempre eficazes, por outro lado, eram seus próprios ardis para levá-los a ceder amostras de sangue (para Neel) e a revelar nomes de ancestrais mortos -um tabu- para rechear suas genealogias e estatísticas. As mesmas informações, pagas com machados, facas e panelas de metal, que lhe permitiriam afirmar, depois, serem os homens com mais homicídios nas costas também os de prole mais numerosa.

Muito antes das acusações de Tierney, as conclusões sociobiológicas e os métodos traficantes de Chagnon já vinham sendo questionados por seus pares na comunidade antropológica. Até a correlação estatística entre ferocidade e fertilidade masculina, formulada num famigerado artigo de 1988 para a revista acadêmica “Science”, teve seus dados postos em dúvida (o autor foi acusado de excluir da amostra aqueles pais que já haviam sido mortos por vingança, portanto sem meios de multiplicar descendência).

Os antropólogos culturais, refratários à moldura biológica em que Chagnon queria enquadrar o painel exuberante das culturas, já estavam no seu encalço. Nada se compara, porém, com a virulência do ataque de Tierney. Assim que um capítulo do livro foi publicado na revista “New Yorker”, em outubro de 2000, a Associação Antropológica Americana entrou na briga -do lado dos culturalistas. Foi montado um comitê de investigação, que acabou por inocentar o médico Neel e descartar a epidemia intencional, mas recriminou Chagnon por desvios éticos.

O caso teve enorme repercussão na imprensa mundial, brasileira inclusive. Contudo, quando a obra do “jornalista investigativo” Tierney e os próprios investigadores da AAA passaram a ser investigados, a começar pela historiadora da ciência Susan Lindee, o vento virou.

Forçada por um referendo entre seus membros, a associação renegaria o relatório. As acusações de Tierney não paravam de pé, como reconstitui com farta documentação um ensaio demolidor da também historiadora Alice Dreger publicado em 2011 no periódico acadêmico “Human Nature”, sob o título “Darkness’s descent on the American Anthropological Association. A cautionary tale” (trevas sobre a Associação Antropológica Americana – uma fábula moral; leia em bit.ly/adreger).

Dreger puxa vários fios da teia de perseguição a Chagnon. Levanta a suspeita, intrigante, de que a cruzada de Tierney pode ter ocorrido sob o patrocínio da Igreja Católica, mais especificamente da ordem de padres salesianos, que já mantinha missões junto aos ianomâmis da Venezuela quando o antropólogo por lá baixou.

Após alguns meses de convívio e cooperação, cientista e religiosos se estranharam. Na versão fantástica narrada em “Noble Savages”, isso ocorreu depois de um hierarca pedir a Chagnon ajuda para matar um padre amasiado com índia. Na passagem do livro que mais se avizinha do estilo de Tierney, o antropólogo também acusa os salesianos de distribuir espingardas cartucheiras entre os índios para conquistar seu favor.

A inconsistência mais relevante da obra, porém, não decorre do ânimo retaliatório, e sim da pretensão de ter localizado entre os ianomâmis as nascentes da agressividade que supõe inerente à natureza humana. A antropóloga Elizabeth Povinelli assinalou, numa resenha escaldante de “Noble Savages” para o “New York Times”, que a tese se assenta sobre a premissa falaciosa de que os ianomâmis sejam relíquias de uma infância neolítica da humanidade.

FÓSSEIS Desde esse ponto de vista, compreende-se melhor o esforço retórico de Chagnon em degradar os ianomâmis, acentuando nas suas descrições uma animalidade que serve para relocar sua cultura na vizinhança da biologia. Ora, não há básica empírica nenhuma para afirmar que sociedades “primitivas” como a dos ianomâmis se mantiveram à margem da história, fósseis de um passado inaugural da espécie humana.

Como lembra Manuela Carneiro da Cunha -que presidia a Associação Brasileira de Antropologia quando esta cerrou fileiras contra Chagnon- na coletânea de ensaios “Índios no Brasil – História, Direitos e Cidadania” [Claro Enigma, 160 págs., R$ 29,50], essa é uma visão originária do século 19, que atribui “à natureza e à fatalidade de suas leis o que é produto de política e práticas humanas, […] consoladoras para todos à exceção de suas vítimas”.

Os ianomâmis, por exemplo, só permaneceram mais ou menos isolados (na realidade, longas redes de contatos já lhes garantiam acesso a artefatos de metal) porque suas terras montanhosas não interessavam a colonizador algum.

A perspectiva adotada por Chagnon -um engenheiro convertido para a antropologia- faz tábula rasa de tudo que há de peculiar no modo de vida ianomâmi. Por que cargas d’água esses índios cremam seus mortos, moem os ossos calcinados e ingerem as cinzas com um mingau de banana? É esse tipo de manifestação simbólica que a antropologia cultural se esforça por sistematizar e elucidar, mas que a obra de Chagnon relega à penumbra dos detalhes irrelevantes para a “natureza humana”.

Ótica semelhante anima o último best-seller de outro adepto declarado da sociobiologia (rebatizada psicologia evolucionista), Jared Diamond, mas com resultados muito diversos, se não opostos. Em “The World until Yesterday – What Can We Learn from Traditional Societies?” [Viking, 512 págs., R$ 96,90], Diamond acredita piamente ter aberto uma janela para o passado nas suas décadas de visitas à Nova Guiné para estudar pássaros.

A ilha, fervilhante com centenas de tribos e línguas em contato e conflito, constitui um continente cultural descoberto como tal por ocidentais só nas primeiras décadas do século 20. Fornece a Diamond, portanto, o equivalente dos ianomâmis para Chagnon, em matéria de isolamento e primitivismo.

As diferenças entre esses dois generalizadores prodigiosos, contudo, salta já do título de Diamond. Ao contrário de Chagnon, ele está aberto -mais que isso, interessado- a aprender algo com os nativos, e não só sobre eles. São muitas as lições úteis que o observador de pássaros e homens extrai para o aperfeiçoamento marginal do indubitavelmente superior modo de vida ocidental: ingerir menos sal, aleitar bebês à vontade até os três anos, dar educação bilíngue às crianças, fazer refeições lentamente com amigos…

Até das ameaças constantes da natureza e do estado de guerra crônica entre os primitivos Diamond retira um ensinamento, centro de gravidade do livro, que chama de “paranoia construtiva”: o estado de vigilância permanente para os muitos perigos que a vida oferece aos homens. Depois de embasbacar multidões com as generalizações audazes de “Armas, Germes e Aço” (livro pelo qual ganhou o Pulitzer em 1998), Diamond corteja com leveza o gênero da autoajuda e compila um volume de leitura bem mais amena que

“Noble Savages”. Os ilhéus são feios e sujos como os ianomâmis, mas simpáticos e sábios.

Já a paranoia de Chagnon, se cabe falar assim, é corrosiva. Nos termos da controvérsia que animou o Brasil escravizador de índios nos séculos 18 e 19, relatada por Manuela Carneiro da Cunha, eles podem ser encarados como cães, canibais e ferozes, ou como homens, diferentes e por isso exemplares de capacidade adaptativa e perfectibilidade. É uma questão de escolha, ou de ponto de vista.

Como diz a antropóloga, repetindo o que ouviu em conferência de Claude Lévi-Strauss, a sociodiversidade pode ser tão preciosa quanto a biodiversidade: “Creio, com efeito, que ela constitui essa reserva de achados na qual as futuras gerações poderão encontrar exemplos -e quem sabe novos pontos de partida- de processos e sínteses sociais já postos à prova”.

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Em 2012, Napoleon Chagnon foi eleito para a prestigiada Academia Nacional de Ciências (NAS) dos Estados Unidos. Ato contínuo, em protesto, o antropólogo Marshall Sahlins -que em 2000 se engajara na campanha contra ele- renunciou à sua cadeira na NAS.

Manifesto de 17 antropólogos que trabalham com ianomâmis deblaterou mais uma vez contra a noção de “povo feroz” reiterada no novo livro, que poderia ser usada por governos para prejudicar a etnia. Uma nota do líder ianomâmi David Kopenawa sobre a obra aponta as guerras dos brancos como muito mais ferozes que as de seu povo -uma observação antropologicamente perspicaz, ao menos no que respeita às tribos dos culturalistas e dos sociobiólogos.

‘Noble Savages’: Chagnon’s new book triggers resignation and protests (Survival International)

http://www.survivalinternational.org/news/8997

26 February 2013

Davi Kopenawa, Yanomami spokesperson and shaman, has spoken out against Napoleon Chagnon's new book 'Noble Savages'.

Davi Kopenawa, Yanomami spokesperson and shaman, has spoken out against Napoleon Chagnon’s new book ‘Noble Savages’. © Fiona Watson/Survival

A new book by controversial American anthropologist Napoleon Chagnon has triggered a wave of protests among experts and Yanomami Indians:

  • Marshall Sahlins, ‘the world’s most respected anthropologist alive today’, has resigned from the US National Academy of Sciences in protest at Chagnon’s election to the Academy. Sahlins previously wrote a devastating critique of Chagnon’s work in the Washington Post.
  • Davi Kopenawa, a spokesman for Brazil’s Yanomami and President of the Yanomami association Hutukara, has spoken out about Chagnon’s work: ‘[Chagnon] said about us, ‘The Yanomami are savages!’ He teaches false things to young students. ‘Look, the Yanomami kill each other because of women.’ He keeps on saying this. But what do his leaders do? I believe that some years ago his leader waged a huge war – they killed thousands of children, they killed thousands of girls and boys. These big men killed almost everything. These are the fierce people, the true fierce people. They throw bombs, fire machine guns and finish off with the Earth. We don’t do this…’
  • A large group of anthropologists who have each worked with the Yanomami for many years have issued a statement challenging Chagnon’s assessment of the tribe as ‘fierce’ and ‘violent’. They describe the Yanomami as ‘generally peaceable.’
  • Survival International’s Director Stephen Corry has said, ’Chagnon’s work is frequently used by writers, such as Jared Diamond and Steven Pinker, who want to portray tribal peoples as ‘brutal savages’ – far more violent than ‘us’. But none of them acknowledge that his central findings about Yanomami ‘violence’ have long been discredited.’

Napoleon Chagnon’s autobiography ‘Noble Savages: My Life Among Two Dangerous Tribes – the Yanomamö and the Anthropologists’, has just been published. His 1968 book ‘Yanomamö: The Fierce People’ portrayed the Yanomami as ‘sly, aggressive and intimidating’, and claimed they ‘live in a state of chronic warfare’. It is still a standard work in undergraduate anthropology.

The Yanomami live in Brazil and Venezuela and are the largest relatively isolated tribe in South America. Their territory is protected by law, but illegal goldminers and ranchers continue to invade their land, destroying their forest and spreading diseases which in the 1980s killed one out of five Brazilian Yanomami.

Napoleon Chagnon's view that the Yanomami are 'sly, aggressive and intimidating' and that they 'live in a state of chronic warfare' has been widely discredited.Napoleon Chagnon’s view that the Yanomami are ‘sly, aggressive and intimidating’ and that they ‘live in a state of chronic warfare’ has been widely discredited. © Fiona Watson/Survival

Chagnon’s work has had far-reaching consequences for the rights of the Yanomami. In the late 1970s, Brazil’s military dictatorship, which was refusing to demarcate the Yanomami territory, was clearly influenced by the characterization of the Yanomami as hostile to each other and in the 1990s, the UK government refused funding for an education project with the Yanomami, saying that any project with the tribe should work on ‘reducing violence’.

Most recently, Chagnon’s work was cited in Jared Diamond’s highly controversial book ‘The World Until Yesterday’, in which he states that most tribal peoples, including the Yanomami, are ’trapped in cycles of violence and warfare’ and calls for the imposition of state control in order to bring them peace.

Survival International’s Director Stephen Corry said today, ‘The greatest tragedy in this story is that the real Yanomami have largely been written out of it, as the media have chosen to focus only on the salacious details of the debate that rages between anthropologists or on Chagnon’s disputed characterizations. In fact, Yanomamö: The Fierce People had disastrous repercussions both for the Yanomami and tribal peoples in general. There’s no doubt it’s been used against them and it has brought the 19th century myth of the ‘Brutal Savage’ back into mainstream thinking.’

Note to editors:
The full statements and additional information about the controversy can be found here.

Janet Chernela Interview with Davi Kopenawa (Affinities Blog)

Published 23 FEBRUARY 2013

Janet Chernela Interview with Davi Kopenawa
Recorded in Demini, Parima Mountain Range, Brazil
June 7, 2001

This interview was conducted June 7, 2001, in the Yanomami village of Demini, Parima Highlands, Brazil. I had known Davi, who is a recognized spokesperson on indigenous affairs, through prior meetings in New York and in Brazil. Arrangements for the interview were made through CCPY, a Brazilian non-governmental organization working on behalf of the Yanomami. In this I relied on long-term contacts with CCPY and their abilities to reach Davi by radio. (Individuals who provided assistance included Marcos Wesley de Oliveira, Bruce Albert, Gale Gomez, and Ari Weidenshadt.) Although Davi now lives in Demini, he is from Totoobi, where, as a child of 9 he was vaccinated by the Neel team. Davi’s comments about the period of the Neel collections must be understood as childhood recollections. In the measles epidemic of 1968 Davi lost his mother and siblings. He and his older sister are the only remaining members of his immediate family. Both recall having supplied blood to the researchers. As you will see in the interview, they are not concerned with the whereabouts of their own blood as they are the whereabouts of the blood of their deceased relatives.

I invited Davi to participate in what I call “reciprocal interviewing” — that is, he could interview me as I could interview him. You will see that he exercises his privilege toward the end of the interview. He understood that he was invited to speak to the American Anthropological Assocation in this interview, and refers to the Association in the course of his talk.

Davi and I spoke in Portuguese. The interview was recorded on audio and video-tape, and later translated from tapes into English. Paragraphs, titles, and bracketed comments were added. Since Portuguese is not first language to either of us, it is not clear that the word choices were ideal. In some cases I included Davi’s choice of Portuguese term.

The publication of Patrick Tierney’s Darkness in El Dorado is dated Jan. 17, 2002; an English-language copy was circulating on the internet about six months prior to its publication. At the time of the interview no Spanish or Portuguese version yet existed. A number of anthropologists had discussed the Tierney book with Davi before my arrival. Among these were Bruce Albert, Leda Martins, and an anthropologist whose name Davi could not recall. That anthropologist may have been Javier Carrera Rubio, a Venezuelan anthropologist who worked briefly for CCPY. I was accompanied in this interview by Ari Weidenshadt of CCPY, who participated actively in the discussion. For an understanding of events in 1968 the interview should be evaluated in light of documents that have been released since it was conducted. The words of Davi Yanomami, however, continue to have resonance beyond the past to include the enterprise of anthropological research, in general. The implications for globalization, cultural rights, and morality, are far-reaching.

“RECIPRICAL INTERVIEWS”

While walking to the shabono, a circular, thatch-roofed communal dwelling, I can overhear Ari speaking to Davi in the distance. Through my tape-recorder, I first hear Davi:

Davi: “hunt, tapir, monkey…bringing relatives together…call together people to kill the guy who killed own member…remembering, crying, everyone is angry..ai…Everyone goes there, they paint themselves. Prepare arrows. Get together alot of people — 50 Yanomami. They go to another shabono. Bring food, arrows, sleep in the forest. Next day get closer, and sleep close to the shabono. So they know..they will be avenged. At dawn, the enemy approaches. While people are sleeping inside, they wait…then when people go out to urinate — tchong! They strike with arrows. Arrows. Everyone wakes up, grabs his bow and arrows [and flees]. Everyone is running. They run out another exit, shootong as they go. There are three types of fighting. This is the third. THIS is war.

Janet: Does this actually happen?

Davi: Yes.

Janet: Did it happen in your lifetime?

Davi: Yes. I know about it because when I was small my uncle carried out alot of wars like this.

Janet: So it no longer occurs?

Davi: No, no one does this anymore. The warriors died. We are their children and we don’t make war. You can’t fight any more.

Janet: Is that group in Surucucú fighting?

Davi: Yes, they are fighting there. Because there they killed alot of people — they killed the headman of Surucucú so they [group from Surucucú] went over to Moxavi and killed the headman over there. The headman of Surucucú was a valiant warrior and a hard worker. He was an honest person. So his children avenged his death and killed the headman of Moxavi. Now it’s calm.

Janet: Where are the children today?

Davi: They are over there in Surucucú — Xerimú, Vinice, Hakoma, Tarimú Davi’s comments about the period of the Neel collections must be understood as the recollections of a child at the time., they are in Surucucú — enemies of Moxavi. Three groups are friends: Piris, Surucucú, Arawapu.

Janet: How many people live in Surucucú Davi’s comments about the period of the Neel collections must be understood as the recollections of a child at the time?

Davi: Thirty-something people, divided. The group that is making war is four hours walk away. They stopped fighting — they had to go back to work in their gardens. Food began to run out — there were no more bananas because they were afraid to leave the house to work in the gardens. They were afraid that people from Moxavi would attack. They are using fire arms over there at Surucucú [army post in Brazil near Venezuelan border].

Janet: How did they get these fire arms?

Davi: They got them from the goldminers who invaded our land.

Janet: Are there Yanomami in the army base at Surucucú Davi’s comments about the period of the Neel collections must be understood as the recollections of a child at the time?

Davi: No. In the beginning they [government] wanted that. They called Yanomami to serve in the army base. But no. Life in the armed forces isn’t a good thing. It’s very bad. It’s another kind of work — another fight. So they went back. They continue to be Yanomami. You must be who you are, the way you are. If not, you will suffer alot. It will be wrong. You will do many things wrong.

Janet: In Homoxi do they have war?

Davi: I don’t know. The Escurimuteri were allies of the Wahakuwu and they are enemies of people of Thirei and Homoxi [villages I visited in 2000].

Janet: Do people of Thirei use shotguns?

Davi: Yes.

Janet: From where did they get them?

Davi: From the miners.

Formal Interview: Davi on the book Darkness in El Dorado by Patrick Tierney

Davi: An anthropologist entered Yanomami lands in Venezuela. Many people know about this. …This book told stories about the Yanomami and it spread everywhere. So I remembered it when our friend [unnamed anthropologist] mentioned his name. When that young man spoke the name I remembered. We called him Waru. He was over there in Hasabuiteri… Shamatari…A few people — Brazilian anthropologists — are asking me what I think about this.

Anthropologists who enter the Yanomami area — whether Brazil or Venezuela — should speak with the people first to establish friendships; speak to the headman to ask for permissions; arrange money for flights. Because nabu (the white) doesn’t travel without money. Nabu doesn’t travel by land. Only by plane. It’s very far. So he’s very far away, this anthropologist who worked among the Shamatari. Those people are different.

He arrived, like you, making conversation, taking photos, asking about what he saw. He arrived as a friend, without any fighting. But he had a secret. You can sleep in the shabono, take photos, I’m not saying no. It’s part of getting to know us.
But, later what happened was this. After one or two months he started to learn our language. Then he started to ask questions, “Where did we come from, who brought us here?” And the Yanomami answered, we are from right here! This is our land! This is where Omam placed us. This is our land. Then the anthropologist wanted to learn our language. I know a little Shamatari, but not much. So, he stayed there in the shabono, and he thought it was beautiful. He thanked the headman and he took some things with him. He brought pans, knives, machetes, axes. And so he arrived ready, ready to trick the Yanomami. This is how the story goes. I was small at the time…[pointing to a boy] like this..about nine. I remember. I remember when people from there came to our shabono. They said, “A white man is living over there. He speaks our language, he brings presents, hammocks.” They said that he was good, he was generous. He paid people in trade when he took photos, when he made interviews, [or] wrote in Portuguese [likely Spanish], English, and Yanomami, and taperecording too. But he didn’t say anything to me. [tape changes here]

An anthropologist should really help, as a friend. He shouldn’t deceive. He should defend…defend him when he is sick, and defend the land as well…saying “You should not come here — the Yanomami are sick.” If a Yanomami gets a cold, he can die. But he didn’t help with this. The first thing that interested him was our language. So today, we are hearing — other Yanomami are talking about it — people from Papiu, Piri, and here. People of Tootobi — my brothers-in-law — they also are talking about the American anthropologist who worked in Hasabuiteri. He wrote a book. When people made a feast and afterward a fight happened, the anthropologist took alot of photos and he also taped it. This is how it began. The anthropologist began to lose his fear — he became fearless. When he first arrived he was afraid. Then he developed courage. He wanted to show that he was brave. If the Yanomami could beat him, he could beat them. This is what the people in Tootobi told us. I am here in Watorei, but I am from Tootobi. I am here to help these people. So I knew him. He arrived speaking Yanomami. People thought he was Yanomami. There was also a missionary. He didn’t help either. They were friends. That’s how it was. He accompanied the Yanomami in their feasts…taking [the hallucinogen] ebena, and after, at the end of the feast, the Yanomami fought. They beat on one anothers’ chests with a stone, breaking the skin. This anthropologist took photos. And so he saved it, he “kept” the fight. So, after, when the fight was over, and the Yanomami lay down in their hammocks, in pain, the anthropologist recorded it all on paper. He noted it all on paper. He wrote what he saw, he wrote that the Yanomami fought. He thought it was war. This isn’t war, no! But he wrote without asking the people in the community. You have to ask first. He should have asked, “Yanomami, why are you fighting? You are fighting, hitting your very brother.” He should have helped us to stop fighting. But he didn’t. He’s no good.

I will explain.

The nabu [whites] think that every type of fighting is war. But there are three kinds of fighting [as follows].

Ha’ati kayu [titles were added later]: the chest fight to relieve anger. Let’s say your relatives take a woman. So you get angry. The Yanomami talk and form a group to fight against the other group that took the woman. So they make a feast. They call him [the relative that took the woman.] They hold him and use this club [gesturing to indicate a length about a foot long] to hit him on the chest. This club-striking is not war. It’s fighting. So, let’s say this guy took my woman. I become his enemy. So I hit him here [pointing to chest]. I want to cause him pain. He can hit me too. This club is not war. It’s to get rid of a mess in the community. Then there’s the headman. What does the headman do? He says, “OK, you have already fought. Now stop this.” So they stop. This fight doesn’t kill anyone.

Xeyu. There’s another kind of fight, Xeyu. Let’s say I have a friend who speaks badly of me. He might say I’m a coward, or he might say I’m no good. So he has to fight my relatives, my family. I have ten brothers. So I can decide whether he’s a man, whether he has courage. So we call friends from other shabonos and set a date. We go into the forest and make a small clearing for the fight, so people can see that we are angry. We take this weapon — it’s a long stick — about 10 ms long. So everyone is there. I’m here, and the enemy is there. Everyone is ready to hit. When I hit the enemy he hits me as well. My brother hits his brother and his brother hits mine back. This is how we fight [two lines with people fighting in pairs].

Janet: How does it end?

Davi: When everyone is covered with blood — heads bloodied, everyone beaten. So the headman says, ‘OK, enough. We’ve already shed blood. So, it’s over. This isn’t war either, no.

Janet: It’s not war. But it includes one group lined up on one side, and another on the other — yes?

Davi: Yes. One group of brothers or the members of a shabono in one line and the other brothers in another line.

Davi: Then there is another kind of fight with a club that’s about a meter long — Genei has one. Everyone gathers and stands in the center of the shabono. The enemy comes over. But again the headman is there. He says, ‘you can’t hit here, you can’t hit here [gesturing] — you can only hit here — in the middle of the head. It doesn’t kill anyone.

Yaimu, Noataiyu, Nakayu, Wainakayu, Bulayu. But if you hit in the wrong place, he can die. So, if this happens, a brother will grab an arrow and go after the one who killed his brother. They will both die — the first with club, the second with arrow. So, what happens? The relatives of the man killed with the club carry the body to the shabono. They take it there. They put it in the fire, burn it, gather the ashes and remaining bones and pound them into powder. They put the ash in a calabash bowl. His father, his mother, his brothers, all of his relatives sit there at the edge of the fire, crying. So the warrior thinks. If they have ten warriors, all angry, they are going to avenge the death. So the father may say, “Look, they killed my son with a club, not with arrow.” He can stop the fighting right there and then. Or, he can say, “Now we will kill them with arrows.” Then they would get all their relatives and friends from the shabono and nearby communities. They make a large feast, bringing everyone together. We call this Yaimu, Noataiyu, Nakayu, Wainakayu, Bulayu. Then they get manioc bread [beiju] and offer food to everyone. Everyone is friends — the enemies are way over there. Then they leave together. The women stay in the house, and the warriors leave to make war. They cover themselves in black paint. This is war. This is war: Waihu, Ni’aiyu. Waihu, Ni’aiyu, Niaplayu, Niyu aiyu. Then, at about nine or ten o’clock at night they start walking. These warriors are going to sleep at about 5 AM. In the forest they make a small lean-to of saplings. The next day they leave again. They are nearing the enemy. After tomorrow they are there. They don’t arrive in the open — they sneak up on the shabono. They move in closer about 3 or 4 in the morning. The enemies are sleeping in the shabono. The warriors arrive just as the sun is coming up. This is ‘fighting with arrows’ — Waihu, Ni’aiyu, Niaplayu, Niyu aiyu. These are war — war with arrows, to kill. He [the enemy] can be brother, cousin, uncle.

Janet: Is it vengeance?

Davi: It is vengeance.

Davi: So this Chagnon, he was there; he accompanied it. He took photographs, he recorded on tape, and he wrote on paper. He wrote down the day, the time, the name of the shabono, the name of the local descent group. He put down these names. But he didn’t ask us. So we are angry. He worked. He said that the Yanomami are no good, that the Yanomami are ferocious. So this story, he made this story. He took it to the United States. He had a friend who published it. It was liked. His students thought that he was a courageous man, an honest man, with important experience.

Janet: What is the word for courageous?

Davi: Waiteri. He is waiteri because he was there. He is waiteri because he was giving orders. He ordered the Yanomami to fight among themselves. He paid with pans, machetes, knives, fishooks.

Janet: Is this the truth or this is what is being said?

Davi: It’s the truth.

Janet: He paid directly or indirectly?

Davi: No, he didn’t pay directly. Only a small part. The life of the indian that dies is very expensive. But he paid little. He made them fight more to improve his work. The Yanomami didn’t know his secret.

Janet: But why did he want to make the Yanomami fight?

Davi: To make his book. To make a story about fighting among the Yanomami. He shouldn’t show the fights of the others. The Yanomami did not authorize this. He did it in the United States. He thought it would be important for him. He became famous. He is speaking badly about us. He is saying that the Yanomami are fierce, that they fight alot, that they are no good. That the Yanomami fight over women.

Janet: It is not because of women.

Davi: It’s not over women that we go to war.

Janet: It’s not over women that one goes to war with arrows?

Davi: It’s not over women that we go to war with arrows. It is because of male warriors that kill other male warriors.
Janet: to avenge the death?

Davi: [Yes,] to avenge. I no longer think that the Yanomami should authorize every anthropologist who appears. Because these books come out in public.

I ask if he has message.

Davi: I don’t know the anthropologists of the United States. If they want to help, if …you whites use the judicial process ..
Janet: Would you like to send a message to the American Anthropological Association?

DAVI’S MESSAGE TO THE AMERICAN ANTHROPOLOGICAL ASSOCIATION

Davi: I would like to speak to the young generation of anthropologists. Not to the old ones who have already studied and think in the old ways. I want to speak to the anthropologists who love nature, who like indigenous people — who favor the planet earth and indigenous peoples. This I would like. This is new, clean, thinking. To write a new book that anyone would like, instead of speaking badly about indigenous peoples. There must be born a new anthropologist who is in favor of a new future. And the message I have for him is to work with great care. If a young anthropologist enters here in Brazil or Venezuela, he should work like a friend. Arrive here in the shabono. He should say, “I am an anthropologist; I would like to learn your language. After, I would like to teach you.” Tell us something of the world of the whites. The world of the whites is not good. It is good, but it is not all good. There are good people and bad people. So, “I am an anthropologist here in the shabono, defending your rights and your land, your culture, your language, don’t fight among yourselves, don’t kill your own relatives.”

We already have an enemy among us — it is disease. This enemy kills indeed. It is disease that kills. We are all enemies of disease. So the anthropologist can bring good messages to the Indian. They can understand what we are doing, we can understand what they are doing. We can throw out ideas to defend the Yanomami, even by helping the Yanomami understand the ways of the whites to protect ourselves. They cannot speak bad of the Yanomami. They can say, “The Yanomami are there in the forest. Let’s defend them. Let’s not allow invasions. Let’s not let them die of disease.” But not to use the name of the indian to gain money. The name of the Indian is more valuable than paper. The soul of the Indian that you capture in your image is more expensive than the camera with which you shoot it. You have to work calmly. You have to work the way nature works. You see how nature works. It rains a little. The rain stops. The world clears. This is how you have to work, you anthropologists of the United States.

I never studied anything. But I am a shaman, hekura. So I have a capacity to speak in Yanomami and to speak in Portuguese. But I can’t remember all the Portuguese words.

Ari: You have to be clear, this is important.

Davi: To repeat, Chagnon is not a good friend of our relatives. He lived there, but he acted against other relatives. He had alot of pans. I remember the pans. Our relatives brought them from there. They were big and they were shallow. He bought them in Venezuela. When he arrived [at the village], and called everyone together, he said, [Yanomami]…”That shabono, three or four shabonos,” as if it were a ball game. “Whoever is the most courageous will earn more pans. If you kill ten more people I will pay more. If you kill only two, I will pay less.” Because the pans came from there. They arrived at Wayupteri, Wayukupteri, and Tootobi. Our relatives came from Wayupteri and said, “This Chagnon is very good. He gives us alot of utensils. He is giving us pans because we fight alot.”

Janet: They killed them and they died?

Davi: Yes. Because they used poison on the point of the arrow. This isn’t good. This kills. Children cried; fathers, mothers, cried. Only Chagnon was happy. Because in his book he says we are fierce. We are garbage. The book says this; I saw it. I have the book. He earned a name there, Watupari. It means king vulture — that eats decaying meat. We use this name for people who give alot of orders. He smells the indians and decides where he will land on the earth. He ordered the Yanomami to fight. He never spoke about what he was doing.

Davi: And, the blood. If he had been our friend he would not have helped the doctor of the United States. He would have said, you can go to the Yanomami. The Yanomami don’t kill anyone — only when you order them to. Chagnon brought the doctors there, he interpreted because the Yanomami don’t speak English. When the doctor requested something he translated it. So when the doctor wanted to take blood, Chagnon translated it. But he didn’t explain the secret. We didn’t know either — no one understood the purpose of giving blood; no one knew what the blood had inside it. …

After, the missionaries who lived in Totoobi spoke to my uncle, my father-in-law. He said, “Look, this doctor would like to take your blood; will you permit it?” And the Yanomami said, “Yes.” He agreed because he would receive pans — pans, machetes.

Janet: But he didn’t explain why?

Davi: The Yanomami was just supposed to give blood and stand around looking. He didn’t talk about malaria, flu, tuberculosis, or dysentery. He said nothing about these things. But he took alot of blood. He even took my blood. With a big bottle like this. He put the needle here [pressing the veins of his inner arm]; put it here, the rubber tube over here. He took alot! I was about nine or ten. He arrived there in Totoobi with the doctor. Chagnon translated. The missionaries, Protestants, lived there in Totoobi. They camped there. They slept there. And they ordered us to call other relatives: there were three shabonos. They called everyone together. Husband, wife, and children, altogether. They always took the blood of one family together. They took my mother’s blood. They took my uncle’s blood. My father had already died. And me. And my sister. She remembers it too. It was a bottle — a big one — like this. He put a needle in your arm and the blood came out. He paid with matihitu– machete, fishhooks, knives. The doctor asked him to speak for him. He translated. He would say, “Look, this doctor wants you to allow him to take your blood.” And the Yanomami understood and allowed it. The missionaries who lived there hardly helped. They were mimahodi, innocents.

Janet: The law controls this now.

Davi: Nobody can do this anymore. So now we are asking about this blood that was taken from us without explanation, without saying anything, without the results. We want to know the findings. What did they find in the blood — information regarding disease? What was good? Our relatives whose blood was taken are now dead. My mother is dead; our uncles, our relatives have died. But their blood is in the United States. But some relatives are still alive. Those survivors are wondering — “What have the doctors that are studying our blood found? What do they think? Will they send us a message? Will they ask authorization to study and look at our blood?” I think that Yanomami blood is O positive. Is it useful in their bodies? If that’s the case, and our blood is good for their bodies — then they’ll have to pay. If it helped cure a disease over there, then they should compensate us. If they don’t want to pay, then they should consider returning our blood. To return our blood for our terahonomi. If he doesn’t want to return anything, then lawyers will have to resolve the issue. I am trying to think of a word that whites do…sue. If he doesn’t want to pay, then we should sue. If he doesn’t want a suit, then he should pay. Whoever wants to use it, can use it. But they’ll have to pay. It’s not their blood. We’re asking for our blood back. If they are going to use our blood then they have to pay us.

Janet: I don’t know where it is. It may be in a university.

Davi: The blood of the Yanomami can’t stay in the United States. It can’t. It’s not their blood.

Janet: So this is a request for those who have stored the blood?

Davi: I am speaking to them. You take this recording to them. You should explain this to them. You should ask them, “What do you Nabu think?” In those days no one knew anything. Even I didn’t know anything. But now I am wanting to return to the issue. My mother gave blood. Now my mother is dead. Her blood is over there. Whatever is of the dead must be destroyed. Our customs is that when the Yanomami die, we destroy everything. To keep it, in a freezer, is not a good thing. He will get sick. He should return the Yanomami blood; if he doesn’t, he [the doctor] and his children will become ill; they will suffer.

Janet: Were there repercussions in the area of medical services after this book came out?

Davi: No. FUNAI used to bring in vaccines. When they stopped the government health agency, FUNASA, took over. Now it’s [the NGO] URIHI. They have ten posts in the region and bring vaccines to all the villages. Each post has an employee.

Janet: Are these services only on the Brazilian side of the border?

Davi: Only in Brazil.

Janet: Is that why Yanomami from Venezuela frequent the URIHI posts?

Davi: Yes. Here we have a chief. The president of Brazil. He is bad, but he is also good. He provides a little money for us to get medicines. He provides airplanes and nurses to bring vaccinations and treatments from Boa Vista all the way here. The Brazilian government is now helping — somewhat. It’s not very much, but it is something. We in Brazil are very concerned about our Venezuelan relatives. Because over there people are dying — many people — from malaria, flu.

Ari: I am talking about the epidemic of measles in 1968. I am asking Davi if this began before or after the arrival of Neel and Chagnon.

Davi: I think it began before their arrival. Many were dying. After they took blood, many died. So this missionary, Kitt, went to Manaus. He went to Manaus and there his daughter became ill with measles. She picked up measles in Manaus. At first they didn’t know it was measles. They took a plane from Manaus to Boa Vista and from there to Totoobi. She arrived sick there, all three — father, mother and child. Then they realized that it was measles. So they asked us to please stay away from them. He said, “If you get measles you will all die. Please stay far away.” They had no vaccine in those days. A Yanomami entered to greet her and he ordered the Yanomami to leave. But he had already caught it. So then the missionary spoke to us all, saying, “Look, you can’t come to our house because my daughter is ill with measles. Stay in your house.” It didn’t accomplish anything. The disease spread. It went to the shabono. Everyone began to get sick, and to die. Three nearby shabonos — each of them with people ill and dying. My uncle was the first to die. Then my mother died. Another sister, uncle, cousin, nephew. Many died. I was very sick but I didn’t die. I think Omam protected me to give this testimony. My sister and I remained.

Janet: Your uncle died, your nephew, your mother…

Davi: uncle, nephew, mother, relatives…So, later [when the road opened], we died also. This place was part of Catrimani. When the road [BR 210, Perimetral Norte] was open, there were MANY people here. Most died then of measles. Only a few survived [he recalls the names of the survivors] — only ten men survived. I was here [working with FUNAI at the time], we brought vaccines for the measles epidemic then. These things happened in our land…FUNAI didn’t take care of us before the road opened.

Janet: What years are we discussing?

Davi: 1976, no 1975.

Ari: The road went from the Wai Wai to the mission at Catrimani.

Davi: They had roads BR 210-215.

Ari: After it was closed the forest reclaimed the road.

Janet: When was it closed?

Davi: After the invasion of the garimpeiros.

Janet: Did the garimpeiros come in this far by road?

Davi: Yes. We would try to stop them. I once got everyone together to go to the road with bows and arrows to block the entrance. I said, this isn’t a place for miners. We won’t allow it. I said if you want to mine, it had better be far from here, because if you stay here you will die here. Our warriors are angry. So they left. I invented all that so they would leave and they did. So they passed by. There were more than 150 — more people than we had.

Janet: Is there a word for “warrior” in Yanomami?

Davi: Yes, waiteri.

Janet: Waiteri means warrior.

Davi: Yes; waiteri is courageous, brave. Those that aren’t are horebu.

Janet: And that means..?

Davi: Scared, fearful, weak.

Janet: Do these concepts have power still today?

Davi: No. This fight isn’t going on any more. But we are still waiteri. No one controls us. Here, we control ourselves. And there are some warriors. There’s one over there in Ananebu. A waiteri is over there in Ananebu, in the forest. Here at home, in THIS shabono, we are all cowards [chuckles].

Davi Interviews Janet

Davi: I want to ask you about these American anthropologists. Why are they fighting among themselves? Is it because of this book? Is this book bad? Did one anthropologist like it and another one say it’s wrong?

Janet: First, in the culture of anthropologists there is a type of fighting. This fight comes out in the form of publications. One anthropologist says, ‘things are like this,’ the other one says, ‘no, things are like this.’ So, after Chagnon’s book came out he received many criticisms from other anthropologists. Some said, this should not be called war. Just as you said. But Chagnon provided a definition of war and continued to use that word. This was one of the criticisms made by anthropologists. After this there were others, and these debates went on in the publications and in conferences. In the year 1994 there was a conference in which anthropologists debated the anthropology of Chagnon and others among the Yanomami. In 1988-89, when there was a struggle over demarcation of Yanomami lands and the Brazilian government favored demarcation in island fragments, the anthropologists of Brazil criticized Chagnon’s image of the Yanomami as “fierce,” saying it served the interests of the military in limiting Yanomami land rights. At that time the American Anthropological Association did not have explicit ethical guidelines. At that point they formed a committee to develop guidelines for ethical fieldwork and a committee of human rights. Now, with the book by Tierney and the support of anthropologists who have had criticisms of Chagnon, the issue was brought before the Association. This raises questions about the ethical conduct of anthropologists.

Davi: But will the anthropologists resolve this problem?

Janet: They will demand that anthropologists conform to the norms of the newly revised ethics. They will explicitly clarify the obligations of the anthropologists.

Ari: In 1968 when Chagnon worked, there was no code of ethics of the Association.

Davi: What about the taking of blood?

Janet: Performing any experimentation has been controlled by the medical profession since 1971. It is now prohibited to involve people in experiments without their explicit authorization. They must be made completely aware of the advantages and disadvantages, and all purposes. They must decide whether they will agree or disagree to participate. Nowadays, this consent has to be in writing or taped.

Davi: This Yanomami blood is going to stay there? Or will they return the blood?

Janet: I don’t know. It must be in a blood bank, perhaps at the University of Michigan.

Ari: Chagnon [once] proposed an exchange between the Universidade Federal of Roraima and the University of California at Santa Barbara. He was proposing a collaboration in human genetics with a graduate student in biology. She worked with DNA. He invited her there. Her name is Sylvana Fortes. She is now doing a doctorate at FIUCRUZ in Rio de Janeiro. Another issue in this dispute is Darwinian evolutionism. Is this the idea of the impact of the environment on man?

Davi: I don’t like this, no. I don’t like these anthropologists who use the name of the Yanomami on paper, in books. One doesn’t like it. Another says its wrong. For us Yanomami, this isn’t good. They are using our name as if we were children. The name Yanomami has to be respected. It’s not like a ball to throw around, to play with, hitting from one side to another. The name Yanomami refers to the indigenous peoples of Brazil and Venezuela. It must be respected. This name is authority. It is an old name. It is an ancient name. These anthropologists are treating us like animals — as they would fish or birds. Omam created us first. We call him Omam. He created earth, forest, trees, birds, river, this earth. We call him Omam. After him, he called us Yanomami [Yan-Omam-i]. So it must be respected. No one uses it on paper to fight — they have to respect it. It is our name and the name of our land. They should speak well of us. They should say, “These Yanomami were here first in Brazil and Venezuela.” They should respect us! They should also say that we preserve our land. Yanomami know how to conserve, to care for their lands. Yanomami never destroyed the earth. I would like to read this. Speaking well of Omam, and of the Yanomami. This would be good. But if they are going to go on fighting like this–I think that the head of the anthropologists has money …

Ari: But Tierney’s book, even as it criticizes Chagnon, has become a major seller. He is earning money selling his book because of the theme. …

Davi: Bruce Albert, Alcida Ramos are not Yanomami. You have to call the very Yanomami, to hear them speak. Look, Alcida speaks Sanuma. Chagnon speaks Shamatari. And Bruce speaks our language. So there are three anthropologists who can call three Yanomami to speak at this meeting. The anthropologists should ask us directly. The Yanomami can speak his own language. These anthropologists can translate. They have to hear our language. They have to hear us in our own language. What does the Yanomami think? What does the Yanomami think is beautiful? You have to ask the Yanomami themselves. These people are making money from the Yanomami name. Our name has value. They are playing with the name of an ancient people. I don’t know alot about politics. But I see and hear that an anthropologist is becoming famous. Famous — why? Some think its good. So he became famous, like a chief. So among them nothing will be resolved. One becomes famous, the other one [his critic] becomes famous, and they go on fighting among themselves and making money…

Janet: Did you know Tierney?

Davi: I met him in Boa Vista. I went to his house. He didn’t say anything to me about what he was doing. So, Chagnon made money using the name of the Yanomami. He sold his book. Lizot too. I want to know how much they are making each month. How much does any anthropologist earn? And how much is Patrick making? Patrick must be happy. This is alot of money. They may be fighting but they are happy. They fight and this makes them happy. They make money and fight.

Janet: Yes; the anthropologists are fighting. Patrick is a journalist.

Davi: Patrick left the fight to the others! He can let the anthropologists fight with Chagnon, and he, Patrick, he’s outside, he’s free. He’s just bringing in the money — he must be laughing at the rest. Its like starting a fight among dogs. Then they fight, they bark and he’s outside. He spoke bad of the anthropologist — others start fighting, and he’s gaining money! The name Yanomami is famous [and valuable] — more famous than the name of any anthropologist. So he’s earning money without sweating, without hurting his hands, without the heat of the sun. He’s not suffering. He just sits and writes, this is great for him. He succeeded in writing a book that is bringing in money. Now he should share some of this money with the Yanomami. We Yanomami are here, suffering from malaria, flu, sick all the time. But he’s there in good health — just spending the money that he gained in the name of the Yanomami Indians.

Ari: One American had patented the name Yanomami on the internet.

Davi: She was using our name for an internet site or to write a book and earn US$20,000. A Canadian working for CCPY discovered this. My friend explained that they are using the name of the Yanomami without requesting authorization. I said I didn’t like it. So I sent her a letter. She was an American journalist. So she stopped. So I was able to salvage the name of the Yanomami. … They have alot of names. They don’t know the trunk and the roots of the Yanomami. They only know the name. But the trunk and the roots of the Yanomami, they don’t know. They don’t know where we were born, how we were born, who brought us here. Without knowing these things, no one can use the name.

I am speaking to the American Anthropology Association. They are trying to clean up this problem. They should bring three Yanomami to their meeting. There are three anthropologists who understand our three languages: Chagnon, Alcida, and Bruce. These anthropologists could translate. We could speak, and people could ask questions of us. I could go myself, but it would be best to have three from Venezuela, or four, perhaps one from Brazil. They need to see our faces. Alcida doesn’t look like a Yanomami. Nor do Bruce or Chagnon. They don’t have Yanomami faces. The Americans will believe us if they see us. I went to the United States during the fight against the goldminers. They believed me. For this reason, I say, it’s important to go there and speak to them. … This is a fight between men who make money.

I ask what the appropriate form of compensation for an anthropology interview, and he says money. “That way he can buy what he wants — pan, machete, axe, line, fishing hooks. It is good to speak to Yanomami. If you give money to the whites, they put it in their pocket. Nabu loves money. It’s for this reason that the nabu are fighting. Its not for him, for friends, its for money.”