Arquivo mensal: dezembro 2023

Reinaldo José Lopes: Camadas do fundo de um lago retratam como presença humana transformou radicalmente a Terra (Folha de S.Paulo)

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Opinião

3.dez.2023 às 23h15

“O mundo está mudando: sinto-o na água, sinto-o na terra e farejo-o no ar.” Quem só assistiu aos filmes da série “O Senhor dos Anéis” se acostumou a ouvir essa frase na voz augusta de Cate Blanchett (a elfa Galadriel); nos livros, quem a pronuncia é o ent (gigante arvoresco) Barbárvore. Trata-se, no fundo, de um resumo da conclusão do romance de fantasia de J.R.R. Tolkien: o fim de uma era e o começo de outra, caracterizada pelo Domínio dos Homens. E se fosse possível detectar diretamente algo muito parecido com isso no nosso mundo do século 21? Algo que prove, para além de qualquer dúvida, que a nossa espécie passou a moldar a Terra de forma irreversível?

A resposta a essa pergunta pode ser encontrada em muitos lugares, mas tudo indica que a versão mais contundente e consolidada dela, a que entrará para os livros de geologia e de história, vem do lago Crawford, no Canadá. Os cientistas encarregados de definir formalmente o início do chamado Antropoceno –a época geológica caracterizada pela intervenção humana maciça em diversos aspectos do funcionamento do planeta– estão usando o lago como o exemplo por excelência desse fenômeno.

É por isso que convido o leitor para um mergulho naquelas águas alcalinas. Entender os detalhes que fazem do lugar um exemplo tão útil para entender o Antropoceno é, ao mesmo tempo, uma pequena aula de método científico e um retrato do poderio –frequentemente destrutivo– que desenvolvemos como espécie.

Uma das análises mais completas da lagoa canadense foi publicado na revista científica The Anthropocene Review por uma equipe da Universidade Brock, no Canadá. A primeira coisa a se ter em mente é que o lago Crawford parece um grande funil: relativamente pequeno (2,4 hectares de área) e fundo (24 m entre a superfície e o leito). Isso faz com que as camadas d’água, embora bem oxigenadas, misturem-se pouco. Por causa da salinidade e alcalinidade elevadas, há pouca vida animal no fundo.

E esse é o primeiro grande pulo do gato: tais características fazem com que camadas muito estáveis de sedimento possam se depositar anualmente no leito do lago Crawford. Todo ano é a mesma história: durante o outono, uma lâmina mais escura de matéria orgânica desce ao fundo (como estamos no Canadá, muitas árvores perdem as folhas nessa época); no verão, essa camada é recoberta por outra, mais clara, de minerais ricos em cálcio. Essa regularidade nunca é bagunçada pela chamada bioturbação (invertebrados aquáticos cavando o leito, por exemplo).

Ou seja, o fundo do lago é um reloginho, ou melhor, um calendário. Cilindros de sedimento tirados de seu fundo podem ser datados ano a ano com pouquíssima incerteza.

Isso significa que dá para identificar com precisão o aparecimento do elemento químico plutônio –resultado direto do uso de armas nucleares, principalmente em testes militares– a partir de 1948, com um pico em 1967 e uma queda nos anos 1980. Dada a natureza dos elementos radioativos, essa assinatura estará lá rigorosamente “para sempre” (ao menos do ponto de vista humano).

Algo muito parecido vale para as chamadas SCPs (partículas esferoidais carbonáceas, na sigla inglesa). Elas são produzidas pela queima industrial, em altas temperaturas, de carvão mineral e derivados do petróleo. Começam a aparecer nos sedimentos da segunda metade do século 19, mas sua presença só dispara mesmo, de novo, no começo dos anos 1950. Nada que não seja a ação humana poderia produzir esse fenômeno.

É por isso que os cientistas estão propondo o ano de 1950 como o início do Antropoceno. Ainda que a proposta não “pegue” nesse formato exato, o peso de evidências como as camadas do lago Crawford é dificílimo de contrariar. Está na água, na terra e no ar. E, para o bem ou para o mal, a responsabilidade é nossa.

Mônica Bergamo: Pesquisa Ipec revela que 7 em cada 10 brasileiros já vivenciaram um evento climático extremo (Folha de S.Paulo)

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3.dez.2023 às 23h15


Uma pesquisa inédita feita pelo Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica) a pedido do Instituto Pólis revela que 7 em cada 10 brasileiros já vivenciaram ao menos um evento extremo ligado às mudanças climáticas.

Entre os episódios sofridos mais citados pelos entrevistados estão chuvas muito fortes (20%), seca e escassez de água (20%), alagamentos, inundações e enchentes (18%), temperaturas extremas (10%), apagão (7%), ciclones e tempestades de vento (6%) e queimadas e incêndios (5%).

O Ipec ouviu 2.000 pessoas com 16 anos ou mais entre os dias 22 e 26 de julho deste ano. A pesquisa encomendada pelo Instituto Pólis, com apoio do Instituto Clima e Sociedade, tem uma margem de erro de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e um índice de confiança de 95%.

O levantamento mostra que as temperaturas extremas —seja muito frio ou muito calor— são as ocorrências mais associadas pela população (44%) à crise climática. Em termos práticos, porém, a falta de água e a seca são os eventos que mais preocupam, sendo apontados por 34% dos respondentes.

Na sequência são citados temores em relação a alagamento, inundação e enchente (23%), incêndios e queimadas (18%) e chuva forte (17%). A preocupação com o advento do calor ou do frio extremo surge em quinto lugar, sendo temido por 16% dos entrevistados.

Ainda de acordo com a pesquisa, as apreensões variam de acordo com a classe e com cor dos entrevistados. Alagamentos, inundações e enchentes preocupam mais as classes D e E, sendo indicadas por 25% dos entrevistados desses segmentos, do que as classes A e B (19%). A média nacional é de 23%.

A população negra, por sua vez, apresenta maior preocupação (25%) em relação a essas mesmas ocorrências do que a população branca (21%).

Para pesquisadores que integram o Pólis, as respostas também indicam que a população brasileira defende o investimento em fontes renováveis de energia para combater as mudanças climáticas.

Do total de entrevistados, 84% dizem se preocupar com o futuro e apoiar o investimento nessas modalidades. Para 57%, a energia solar deveria ser priorizada em termos de investimentos públicos. Fontes hídricas (14%) e a eólicas (13%) são citadas na sequência.

Por outro lado, os entrevistados afirmam que o petróleo (73%), o carvão mineral (72%) e o gás fóssil (67%) são as categorias que mais contribuem para o agravamento das mudanças climáticas.

“A pesquisa indica, de forma inédita, que há uma tendência de custo político cada vez mais elevado se o caminho das decisões governamentais continuar sendo no investimento de fontes não renováveis”, afirma o diretor-executivo do Instituto Pólis, Henrique Frota.

“Os números mostram que os brasileiros querem investimento prioritário em fontes renováveis e entendem essa decisão como fundamental para o combate às mudanças climáticas”, completa Frota.