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O voo dos Gaviões pela liberdade e critica social nas arquibancadas do Brasil (Le Monde Diplomatique Brasil)

Por Sandro Barbosa de Oliveira

04 de Março de 2016

O estopim para que ocorressem tais manifestações talvez seja o fato do deputado estadual Fernando Capez (PSDB) estar envolvido em denúncias sobre o esquema de desvio de verbas das merendas das escolas públicas do estado de São Paulo. Não por acaso que os Gaviões miram em Capez: o inimigo número um das torcidas.

Muito tem se falado sobre as manifestações políticas da torcida Gaviões da Fiel nos jogos do Campeonato Paulista, mas pouco sobre a história que fundamenta tais manifestações. Por isso, esse artigo pretende apresentar alguns elementos que possam contribuir para elucidar esse fenômeno e problematizar os aspectos que envolvem o seu desenvolvimento. Para tanto, inicia com a seguinte pergunta: quando foi que a torcida realizou a primeira manifestação em 2016?

Final da Copa São Paulo de Futebol Júnior de 2016. Os Gaviões da Fiel Torcida, que tomaram parte das arquibancadas do lendário estádio do Pacaembu, decidiram realizar uma festa popular ao acenderem sinalizadores e gás de fumaça para festejar a partida decisiva entre Corinthians e Flamengo, com a presença das duas maiores torcidas do país. Até aí tudo bem se não fosse o fato de sinalizadores e fumaça serem proibidos pela Federação Paulista de Futebol (FPF) e coibidos pela Polícia Militar (PM) do estado de São Paulo. Mas essa não foi uma simples festa popular. Com essa ação, a torcida corinthiana iniciou uma série de protestos políticos contra FPF, o preço dos ingressos e as proibições que sofrem as torcidas para ingressar com bandeiras, faixas e sinalizadores inofensivos nas arquibancadas, fato que fez com que a torcida sofresse outra punição: ficar 60 dias proibida de entrar com faixas e bandeiras nos estádios.

Esse processo de proibições vem desde 1995 e se institucionalizou na forma de punição sobre as torcidas organizadas (elas que representam a organização coletiva e política de seus torcedores) após o infeliz acontecimento decorrente da briga entre torcidas dos times São Paulo e Palmeiras, também na final da Copa São Paulo daquele ano. De lá para cá a imprensa esportiva, o Ministério Público (sob ações do promotor Fernando Capez), a PM e a FPF construíram um discurso e passaram a criminalizar as torcidas organizadas ao realizar ações para que elas perdessem seu espaço nos estádios, com o objetivo de consolidar o padrão de outro tipo de torcedor: o torcedor “família”, consumidor e individual do chamado “futebol moderno”, aquele que consome, porém, não questiona enquanto sujeito político os problemas do esporte nas arquibancadas.

Nesse meio tempo, com as torcidas banidas por um período das arquibancadas e com o discurso da violência nos estádios, a Rede Globo de televisão, aliada de cartolas e dirigentes de clubes, federações e da CBF, estabeleceu a compra das transmissões para consolidar um sistema de transmissão fechado em canais pago, e deter preferência nas transmissões em canal aberto através de privilégios. Ela negociou diretamente com cada clube e estabeleceu contratos que amarram futuras decisões. Com isso, criou-se um público de torcedores que não iam mais ao estádio (com medo das torcidas) e que assistiam no conforto de suas casas, com seus familiares e amigos até que os estádios voltassem a ser “seguros” e compatíveis com certos interesses de classes desses agentes. Ao retornarem aos estádios, as torcidas foram fichadas pela PM e ficaram impedidas de entrar com bandeiras de bambu, sinalizadores inofensivos e com outros adereços.

Recentemente e não por acaso, foi perceptível que antes, durante e após a Copa do Mundo no Brasil em 2014 organizado pela Fédération Internationale de Football Association (FIFA) – entidade maior do futebol que também está manchada por escândalos de corrupção tal como a CBF e a FPF – construiu-se um discurso sobre o tal padrão de torcedor e estádio que deveria ser consolidado no país. A organização local desse torneio impediu que manifestantes se aproximassem dos estádios (chamados agora de arenas) por meio de um forte aparato repressor, ao se passar uma imagem para o mundo de que o país vivia alegre e festivamente a Copa (imagem veiculada pela transmissão oficial). No entanto, outros meios mostravam a real situação nas ruas através das manifestações organizadas pelos Comitês Populares da Copa e que foram reprimidas com violência e prisões, imagens estas veiculadas pelas mídias alternativas na Internet. Nesse momento, os Gaviões da Fiel estiveram calados e sequer se manifestaram contra o processo de elitização no futebol que vinha antes da Copa e que se potencializou com o torneio. Se tivessem se posicionado, teriam o apoio das organizações populares que estavam nas ruas lutando por uma Copa popular.

Mas por que os Gaviões da Fiel se manifestaram somente agora em 2016?

Um dos aspectos que chamam a atenção é o posicionamento da atual diretoria dos Gaviões através de seu presidente Rodrigo Fonseca, o Diguinho, que disse em entrevista ao jornal Brasil de Fato que “Não podemos assistir omissos ao processo de elitização do futebol”. De fato, ele reconhece que “não apenas o Corinthians está passando faz anos e tornando a arquibancada um lugar mais branco e rico que outrora”, e destaca que “CBF, FPF, Rede Globo, diretoria do Corinthians e os tais promotores, todos eles trabalham em conjunto para fazer do futebol um espetáculo de elite”.

Outro aspecto importante é que em 2015 os Gaviões soltaram notas em apoio à greve dos professores da rede pública estadual que durou 90 dias, e aos estudantes que lutaram contra a reorganização escolar e ocuparam com ousadia o coração do espaço público na sociedade – as escolas públicas do estado de São Paulo. Ambas as lutas contra o governo do estado que também puniu as torcidas com uma visão elitista de criminalizá-las. Essas lutas sem dúvida influenciaram os Gaviões e os fez alçar novos voos pela liberdade também nas arquibancadas, ao buscarem em sua própria história e origem o legado da luta contra um sistema opressor em defesa da liberdade e da crítica social nas arquibancadas por meio de um despertar político. Os Gaviões nasceram para fiscalizar e lutar contra os autoritarismos e as censuras impostas pela arbitrariedade de dirigentes e federações no clube e no futebol durante a ditadura militar. Foi a primeira (e talvez única) torcida a levantar em 1979 a faixa pela Anistia ampla aos presos políticos.

Regressando um pouco ao ano de 2007, ano em que a torcida corinthiana protagonizou o Movimento Fora Dualib, o futebol do Corinthians enfrentava crises sem tréguas que culminou com o rebaixamento no Campeonato Brasileiro daquele ano. A crise que estourou no clube foi resultado das tramas entre dirigentes que agiam de maneira oligárquica e o setor financeiro. No ano de 2005 eles realizaram uma parceria com a Media Sports Investment (MSI), representada pelo iraniano Kia Joorabchian, parceria que expressou a chegada de capitais britânicos e russos de origem duvidosa ao futebol brasileiro. A MSI estabeleceu um contrato em que iria realizar investimentos por dez anos no futebol do Corinthians ao contratar jogadores renomados e construir o estádio para o clube. Ela formou um time que auto intitulou de “galácticos” que conquistou o Campeonato Brasileiro de 2005, mas que na temporada seguinte, devido ao desgaste pelo controle do futebol do clube entre Kia e Dualib, deixou de enviar recursos ao clube que gerenciou o departamento de futebol por conta própria e acumulou uma dívida superior aos R$ 70 milhões. A parceria, que ganhou as manchetes e elevou o clube aos noticiários esportivos do mundo, terminou em 2007 nas páginas policiais com a intervenção do Ministério Público Federal e o bloqueio das contas da MSI e de seus representantes acusados de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha, aspectos que fizeram com que os Gaviões e as demais torcidas corinthianas se mobilizarem para retirar da presidência o responsável por essa trama: Alberto Dualib.

Mas o que esse episódio na história do Corinthians pode dizer sobre o futebol brasileiro? Em primeiro lugar, o futebol é a expressão da formação social, econômica e política da sociedade brasileira organizada para exportar “produtos primários”, aspecto estrutural de uma economia “voltada para fora” e que foi devidamente analisada pelo historiador Caio Prado Júnior quando desvelou o seu caráter dependente. No caso do futebol, isso implica em dizer que parte dos jogadores preparados aqui tem seus passes “vendidos” precocemente em transações financeiras para os grandes clubes da Europa, o que atribui um papel decisivo a um agente que não existia antes no futebol – o empresário de jogador, aquele que faz a ponte entre o clube daqui com os clubes estrangeiros de lá. O futebol expressa a desigualdade social já que 0,80% dos jogadores recebem salários entre R$ 50 mil a R$ 500 mil e 82,40% não recebem mais que R$ 1.000,00.[1] Em segundo lugar, os clubes que querem formar grandes elencos para a conquista de títulos e não criaram condições próprias para isso, acabam por depender de recursos externos e recorrem aos investidores, patrocinadores e parceiros na execução dos chamados “projetos” para aquela temporada ou para um período maior. O fato é que os clubes de futebol, que são entidades sem fins lucrativos e/ou associações, passaram a depender de agentes do setor financeiro que visam com os seus “investimentos” encontrar fontes mais rentáveis para suas receitas e viram nos clubes um jeito de gerar rentabilidade aos seus capitais livres de impostos. O problema é o descompasso entre os clubes, já que parte ainda são geridos de maneira oligárquica por seus dirigentes, e os agentes financeiros, empresas e pessoas físicas que investem recursos para obter lucro.

Em tal cenário de investimentos de capitais e mercantilização sem riscos as torcidas organizadas passaram a ser um problema, pois elas querem ver seus times com elencos fortes e disputando títulos, e questionam com força quando isso não acontece. Elas entraram também no jogo do “mercado” e deixaram de lado as manifestações política que marcaram suas trajetórias. Então, como o futebol não é uma ciência exata e depende da dinâmica dos jogos e da organização das equipes, nem sempre é provável que o elenco mais caro e forte saia vencedor daquele campeonato. Mas como os clubes brasileiros foram integrados em um mundo de economia globalizada, financeirizada e midiatizada, precisam lidar com “a propaganda como a alma do negócio”. Mesmo que não vençam campeonatos, o importante é a marca aparecer e se autovalorizar, e para isso o marketing dos clubes grandes foi ampliado. Outro aspecto é que as brigas entre as torcidas que expressava a organização das classes populares teria afastado o torcedor-consumidor do ideário liberal-econômico que manteria essa engrenagem funcionando.

Nesse sentido, estaria aí um nexo que articula uma explicação possível para a proibição das torcidas nos estádios em São Paulo: por um lado, altos investimentos de empresas e emissoras de televisão nos clubes grandes e nas federações, para que garantam o monopólio e o privilégio de valorização e transmissão das partidas, por outro, pacificação e aburguesamento nas arquibancadas, expresso inclusive no programa Fiel Torcedor que exclui e individualiza o acesso ao estádio, duplo movimento chamado pelas torcidas de “futebol moderno”, o qual é possível defini-lo por futebol elitizado. O futebol paulista e brasileiro, portanto, faz então um movimento de regresso às suas origens direto para a elitização, mas com os conflitos de nosso tempo histórico, já que o mesmo se popularizou a partir da década de 1930 e se tornou paixão nacional na década de 1950 entre as classes populares nos processos de industrialização da sociedade.

Por isso, e retomando a importância das recentes manifestações, por que os atos nas arquibancadas protagonizados pelos Gaviões ganharam ressonância geral para além do clubismo? Talvez porque a torcida corinthiana decidiu atacar de maneira politizada as raízes do problema que determinou a sua punição no estádio com uma pauta clara e direta. Com faixas nas partidas contra o Capivariano e o São Paulo no Campeonato Paulista de 2016 estabeleceu o seguinte diálogo com a sociedade: “Rede Globo, o Corinthians não é o seu quintal”; “Cadê as contas do estádio?”; “CBF, FPF a vergonha do futebol”; “Futebol refém da Rede Globo”; “Quem vai punir o ladrão de merendas?”; “Ingresso mais barato”. Foi a primeira vez que uma torcida se manifestou explicitamente nas arquibancadas contra essas entidades e emissora. Entretanto, ao denunciar os causadores da falta de liberdade de expressão e de sua punição das arquibancadas, os Gaviões enfrentaram a PM e a FPF que impediam que as torcidas se manifestassem politicamente nos estádios. Ao derrubarem os argumentos das “autoridades” com referência ao próprio Estatuto do Torcedor que seus algozes utilizavam, demonstraram conhecimento de causa e puderam deslegitimar a tentativa da FPF e da PM de criminalizá-los.

Cabe destacar que o primeiro movimento de torcedores corinthianos contra o “futebol moderno” dentro e fora do Itaquerão (estádio do Corinthians) foi protagonizado por um pequeno grupo de dissidentes dos Gaviões e torcedores comuns em 2014, quando resgataram o movimento criado pelas organizadas “Andrés aqui não tem burguês”. Eles se manifestaram com faixas e dizeres do tipo “Ingresso caro = corinthiano de fora”, ao se posicionar contra os ingressos caros no novo estádio e chamar a atenção para a exclusão dos corinthianos das classes populares (preto, pobre e periférico). Contudo, sofreram represália da PM e tiveram suas faixas tomadas sob alegação de que estavam violando a lei. Esse movimento ficou restrito a este grupo pequeno e não teve visibilidade como ocorreu agora com as ações dos Gaviões que sempre foi referência política e de canto na arquibancada. De qualquer maneira, o grupo criticou o ex-presidente Andrés Sanchez, responsável pela gestão do estádio, e conseguiu uma conquista importante já que foi ano de eleição: uma pequena baixa no preço dos ingressos. Só que o preço dos ingressos continuou alto para as condições de vida das classes populares que historicamente frequentaram os estádios, não só em jogos no Itaquerão, mas também em jogos com mando de campo de times do interior.

Mas no atual momento o que defendem os Gaviões?

Os Gaviões defendem o direito à liberdade de expressão e à livre manifestação da coletividade nas arquibancadas desse Brasil a fora. Essa liberdade foi garantida pela Constituição Federal de 1988 que diz que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição”. Todavia, segundo o Estatuto do Torcedor e o regulamento da FPF, os torcedores podem se manifestar pacificamente nas arquibancadas. Por isso, como disse o jornalista José Trajano “tudo o que eles manifestaram, através das faixas, tem o apoio da maioria da população brasileira. Eles são os nossos porta-vozes. Assino embaixo”. Esse sentimento particular de uma torcida que luta por sua liberdade de crítica social é o sentimento geral de maior parte da população brasileira que se reconhece e se identifica nesse tipo de manifestação, já que o futebol enquanto paixão nacional se tornou um lazer mercantilizado e gerido por dirigentes mafiosos que estão imersos em esquemas de corrupção e lavagem de dinheiro, dominado por uma emissora de TV e que parecem desconsiderar os valores afetivos e de sociabilidade que os torcedores têm por esse esporte popular.

Ademais, talvez o estopim para que ocorressem tais manifestações agora seja o fato de haver chegado ao público denúncias sobre o esquema de desvio de verbas das merendas das escolas públicas do estado de São Paulo, esquema que teria como principal articulador o promotor e deputado estadual Fernando Capez (Partido da Social Democracia Brasileira – PSDB). Não por acaso que os Gaviões miram em Capez: o inimigo número um das torcidas e que agora se encontra imerso em denúncias sobre atitudes ilícitas e criminosas de desvio de verbas, aspecto que sempre atribuiu em seus discursos às torcidas organizadas. Ironias da história que não só gira, mas, sobretudo, se desenvolve em um movimento espiral de contradições e conflitos sociais em que os agentes e os acontecimentos se convertem no seu contrário, o bom moço da promotoria está no banco dos réus enquanto que os Gaviões procuram resgatar sua imagem de torcida que faz a festa e manifestações legítimas com forte apelo social.

Por fim, os Gaviões apresentam uma crítica social e não só do futebol ao que ocorreu nas escolas públicas com a chamada propina da merenda escolar e parece conclamar as torcidas, os estudantes e os trabalhadores, já que entoaram o canto “Eu não roubo merenda, eu não sou deputado. Trabalho todo dia, não roubo meu Estado” e de “Ladrão, ladrão, devolve o futebol pro povão”, para lutar contra os desmandos e arbitrariedades da FPF e do partido do governo estadual nesses 21 anos de mandatos, o mesmo partido que proibiu as torcidas de se manifestarem nos estádios, os estudantes de se manifestarem nas escolas e os professores de se manifestarem nas ruas. Tal como analisou Marx, podemos inferir também que a história ocorre por assim dizer duas vezes: a primeira como tragédia, com a proibição das torcidas, reorganização escolar e derrota da greve dos professores, e a segunda como farsa, predominância de torcedores “coxinhas” nas arquibancadas, desorganização escolar camuflada e precarização do trabalho de professores nas escolas. É preciso então haver lutas pela liberdade e crítica social nas arquibancadas, nas escolas e nas ruas para que haja a transformação efetiva da sociedade. As demais torcidas do Corinthians e de outros clubes já estão seguindo o exemplo de politização dos Gaviões e se manifestando nas arquibancadas. Tomara que essas manifestações construa um movimento para além do clubismo e por um futebol que retorne ao poder e apropriação das classes populares.

Sandro Barbosa de Oliveira 

Sandro Barbosa de Oliveira é professor, educador popular, bacharel em Ciências Sociais pelo Centro Universitário Fundação Santo André (CUFSA), mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e doutorando em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Participa do Grupo de Pesquisa Classes Sociais e Trabalho da Unifesp. É também associado e cientista social da Usina Centro de Trabalhos para o Ambiente Habitado.

 

Foto: André Lucas Almeida, Jornalistas Livres

 

A ciência inútil de Alckmim (OESP)

14 Maio 2016 | 03h 00

Geraldo Alckmin insinuou, semanas atrás, que o dinheiro destinado à pesquisa científica no Estado de São Paulo é desperdiçado em estudos irrelevantes ou mesmo inúteis. Ninguém duvida que a aplicação do dinheiro público deve ser cuidadosa e sempre pode ser melhorada. O problema é saber o que é ciência útil.

Quinze páginas publicadas nesta semana na mais conceituada revista científica mundial podem ser consideradas uma resposta às criticas do governador. Principalmente porque seus autores foram, durante anos, considerados grandes produtores de ciência “inútil”. Mas vamos à história que culminou na publicação.

Faz mais de 20 anos, um amigo voltou da França com uma ideia fixa. Queria estudar a biologia molecular dos vírus. Argumentava que novos vírus surgiriam do nada para assombrar a humanidade. O HIV e o ebola eram o prenúncio do que nos esperava no futuro. Sua ciência sempre foi criativa e de qualidade. E foi por esse motivo, e não com medo do apocalipse, que a Fapesp passou a financiar o jovem virologista. O grupo cresceu.

A ciência que esses virologistas produziram nas últimas décadas pode ser classificada como básica ou pura, sem utilidade aparente. Talvez fosse considerada “inútil” pelo governador. Pessoas que pensam assim acreditam que o papel do Estado é financiar projetos que resultem em conhecimentos de utilidade óbvia e imediata, que resolvam os problemas da Nação. Como essa política científica utilitarista e de curto prazo não predomina na Fapesp, a virologia molecular “inútil” prosperou no Estado de São Paulo. Entre os anos 2000 e 2007, eles formaram uma rede de pesquisa, montaram laboratórios, formaram estudantes e publicaram trabalhos científicos. Depois cada um seguiu seu caminho, estudando vírus diferentes, com métodos distintos, nas mais diversas unidades da USP.

Em dezembro, meu colega apareceu na Fapesp com outra ideia fixa. Argumentou que um vírus quase desconhecido poderia estar relacionado aos casos de microcefalia que pipocavam no Nordeste. Era o zika. Enquanto o pânico se espalhava em meio à total desinformação, em uma semana a rede dos virologistas moleculares se aglutinou e resolveu atacar o problema. Eram 45 cientistas agrupados em 15 laboratórios “inúteis”. Na semana seguinte, a Fapesp aumentou o financiamento desses laboratórios. Não tardou para um exército de virologistas moleculares paulistas desembarcar no palco da tragédia munidos de tudo que existia de “inútil” nos seus laboratórios. Isolaram o vírus dos pacientes e, enquanto um laboratório “inútil” cultivava o vírus, outro “inútil” sequenciou seu genoma. Rapidamente esse grupo de cientistas básicos se tornou “útil”. Demonstraram que o vírus ataca células do sistema nervoso, que atravessa a placenta e infecta o sistema nervoso do feto. E que provoca o retardo de seu crescimento.

Em poucos meses, a nova variante do vírus zika foi identificada, isolada, seu mecanismo de ação, esclarecido, e um modelo experimental para a doença foi desenvolvido. Essas descobertas vão servir como base para o desenvolvimento de uma vacina nos próximos anos. São essas descobertas “úteis”, descritas no trabalho realizado por cientistas “inúteis”, que agora foram publicadas pela revista Nature.

Premidos pela Segunda Guerra, cientistas “inúteis” dos EUA e da Inglaterra desenvolveram o radar, a bomba atômica e o computador. Premidos pela microcefalia, nossos virologistas estão ajudando a resolver o problema. Da mesma maneira que era impossível prever no entreguerras que o financiamento de linguistas, físicos teóricos, matemáticos e outros cientistas “inúteis” fosse ajudar no esforço de guerra, era impossível prever que os esforços de financiamento de jovens virologistas iriam, anos mais tarde, solucionar o enigma do zika antes da toda poderosa ciência americana.

Esse é um dos motivos que levam todo país que se preza a financiar essa tal de ciência “inútil”. Esse repositório de cientistas, laboratórios e conhecimento não somente aumenta nosso conhecimento sobre a natureza e ajuda a educar nossos jovens, mas pode ser aglutinado em uma emergência. Foi porque a Fapesp financiou ciência “inútil” por anos que agora temos a capacidade de responder rapidamente a uma emergência médica nacional. Do meu ponto de vista, a simples existência desse trabalho científico é uma resposta da comunidade científica às críticas ventiladas por nosso governador.

MAIS INFORMAÇÕES: THE BRAZILIAN ZIKA VÍRUS STRAIN CAUSES BIRTH DEFECTS IN EXPERIMENTAL MODELS. NATURE DOI:10.1038/NATURE18296 2016

Diretoria da Aciesp se manifesta contra as declarações do governador Geraldo Alckmin sobre o fomento à pesquisa científica no Estado

JC 5405, 28 de abril de 2016

Diretoria da Aciesp se manifesta contra as declarações do governador Geraldo Alckmin sobre o fomento à pesquisa científica no Estado

Segundo a Academia de Ciências do Estado de São Paulo, o artigo publicado na revista Veja “mostra a visão parcial e distorcida, que o Governador demonstra ter sobre a íntima relação ciência básica e aplicada e até sobre a ciência em São Paulo, que é motivo de orgulho para o Estado e para o País”

Veja abaixo o texto na íntegra:

A Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp) vê com grande preocupação a nota publicada em 26 de abril de 2016 pela colunista Vera Magalhães da revista Veja, sobre a crítica do governador Alckmin à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Apesar de uma segunda nota, publicada no dia 26, ter desmentido o uso do termo máfia de pesquisadores e de ter havido um bate-boca sobre o assunto durante a reunião do secretariado. O restante do que está no artigo mostra a visão parcial e distorcida, que o Governador demonstra ter sobre a íntima relação ciência básica e aplicada e até sobre a ciência em São Paulo, que é motivo de orgulho para o Estado e para o País, considerando que o impacto da produção acadêmica brasileira no cenário mundial, deve-se em grande parte ao que se produz em São Paulo, devido ao suporte financeiro da Fapesp.

A Fapesp tem sido vista como um exemplo nacional e mundial de financiamento à ciência, tecnologia e inovação, e elogiada em diferentes âmbitos, sendo um exemplo para todos os estados brasileiros, que copiaram o modelo e vêm fazendo com que verba estatal seja mais direcionada a ciência local de cada estado.

O esforço da Fapesp na interação entre os setores acadêmico e produtivo, público e privado tem sido enorme. Em particular, há programas específicos que tratam da interação com o setor produtivo (PIPE, PITE e PAPPE) que visam financiar diretamente iniciativas junto à indústria e/ou de formar novas indústrias em São Paulo. Os esforços nestes programas são comparáveis, em qualidade, ao de países como os Estados Unidos e Alemanha e não há iniciativa comparável na América Latina.

Além destes programas mais específicos, os quatro grandes programas da Fapesp (Bioen, Biota, Mudanças Climáticas, e Computação e Science) congregam a aplicação de milhões de reais para resolver problemas práticos reais que são importantes não somente para São Paulo, mas para todo o Brasil e para o mundo. O foco em energias renováveis, notadamente o etanol, congregado pelo Bioen, avançou o conhecimento científico sobre a cana e o etanol de maneira sem precedentes. Em poucos anos de estímulo a ciência brasileira das energias renováveis está pronta para ser aplicada e mudar o paradigma sobre o etanol de segunda geração. Mesmo com a grande crise que se abateu sobre o setor sucroalcoleiro, a Fapesp nunca deixou de fomentar a pesquisa na área, apoiando os projetos e mantendo o foco. É deste tipo de atitude que o Brasil precisa, ou seja, de consistência nas convicções e, criando uma identidade com base naquilo que fazemos melhor.  No caso do Biota, com mais de 20 anos de existência, o avanço no conhecimento da biodiversidade paulista e brasileira, com reflexos internacionais inquestionáveis, ajuda a nossa sociedade a entender e poder preservar o meio ambiente. Além da preservação há também o uso sustentável da biodiversidade. Por exemplo, as descobertas de compostos que podem se tornar novos fármacos, cosméticos e aditivos de alimentos é enorme. Já o programa de Mudanças Climáticas, irmão mais novo do Biota, se debruça sobre o que tem sido considerado com o problema mais importante que a humanidade já enfrentou: as Mudanças Climáticas Globais. O programa não somente vem gerando modelos climáticos, que são a base para decidir o que fazer para evitar os efeitos extremamente graves que os impactos das Mudanças Climáticas irão produzir, mas também os seus impactos sobre a produção de alimentos, a produção industrial em geral, a saúde da população, entre outros. O Programa de Computação da Fapesp, o mais novo dos quatro, foi montado para preparar a sociedade paulista para a era do big-data, em que temos que aprender a lidar com a imensa produção de informação advinda dos avanços na área de computação.

A aparente distorção da visão do governador sobre a Fapesp é maior quando despreza o financiamento à sociologia. Este é um dos principais focos da pesquisa no Estado de São Paulo, sendo a capital o maior grupo de pesquisadores do Brasil na área. Estes são os pesquisadores que pensam em como melhorar as políticas públicas, o que acontece e porque existem populações pobres e se dedicam a encontrar soluções sobre como podemos solucionar estes problemas. Se abandonarmos as pesquisas em Ciências Sociais, o que será da nossa população?

Na área de ciências da saúde, a Fapesp vem sim investindo em Dengue há muitos anos. Mas é importante lembrar que a pesquisa sozinha não consegue resolver todos os problemas. A Fapesp não tem como missão financiar fábricas que produzem por exemplo vacinas. Estas fábricas tem que ser mantidas pelo Governo. Se o Butantan não tem dinheiro para produzir vacinas, a culpa não é da Fapesp e sim do planejamento do governo que não manteve os Institutos de Pesquisa do Estado de São Paulo em funcionamento adequado. A Fapesp cumpriu sim a sua missão em financiar a pesquisa de como fazer as vacinas.

É preciso que as informações científicas sejam incorporadas pelos políticos da forma mais íntegra possível. É isto que faz com que a probabilidade de erro nas decisões diminua. No caso da crise da água, por exemplo, por mais que os cientistas (tanto da hidrologia e agricultura, quanto da sociologia) tenham tentado avisar o governo do perigo desde a primeira crise em 2009, não houve uma resposta baseada em ciência com a antecedência necessária, mas sim em crenças e em teorias pessoais sem base científica, que levaram São Paulo a atingir uma situação crítica, na qual ainda se encontra.

Mais importante ainda é falta de visão do Governador sobre o que significa a ciência básica, aquela que aparentemente, e só aparentemente, ainda não tem aplicações. É preciso compreender que a ciência básica é a ciência aplicada do futuro e o tempo que separa ambas tem encurtado com o passar dos anos. Sem compreender os fundamentos dos fenômenos da natureza, as aplicações cegas e sem base científica levam a tecnologias fracas e pouco competitivas. Ademais, a própria classificação entre ciências básica e aplicada tem sido cada vez mais questionada.

A Fapesp vem trabalhando incessantemente para encurtar o caminho ente a descoberta básica e a aplicação, principalmente, nas últimas três décadas. As pesquisas aplicadas e de cunho tecnológico só surgem depois que algum pesquisador trabalha em média 10 anos em um problema geralmente sem aplicação aparente. Aí sim surgem as possibilidades de aplicação. E a Fapesp foi sempre sensível a isto, mantendo a pesquisa básica (a nossa galinha dos ovos de ouro) e ao mesmo tempo criando programas cada vez mais focados e que tentam resolver os problemas mais importantes da sociedade contemporânea.

A ciência é um processo lento e a sociedade tem que compreender que não há como acelerar mais do que estamos fazendo, mesmo com investimentos excelentes que a Fapesp vem mantendo em São Paulo. Isto porque a sociedade científica paulista se formou não somente com as verbas para a pesquisa, mas também com as bolsas de estudo para a graduação, pós-graduação e pós-doutoramento, que formam os profissionais em alto nível. Tudo isto leva tempo para conseguir. No caso de São Paulo levamos décadas para chegar ao nível que estamos.

Achar que a dotação de 1% é muito para a pesquisa é uma visão muito perigosa para um Estado que se autodenomina a locomotiva do País. De que adianta uma locomotiva sem combustível?

A Aciesp convoca a população a defender a Fapesp não como um patrimônio dos pesquisadores, mas como um patrimônio de todos os paulistas e brasileiros. Sem a Fapesp o Brasil mergulhará na escuridão e na dependência da ciência e tecnologia feitas em outros países. É isto que a nossa sociedade quer?

Diretoria da Academia de Ciências do Estado de São Paulo

Jornal da Ciência

Leia também:

Anpocs – Nota da diretoria executiva da Anpocs sobre as declarações do governador Geraldo Alckmin acerca do fomento à pesquisa científica

Queda de homicídios em SP é obra do PCC, e não da polícia, diz pesquisador (BBC Brasil)

Thiago Guimarães
De Londres

12/02/2016, 15h21 

Policiais militares da Rota durante operação na periferia de São Paulo

Policiais militares da Rota durante operação na periferia de São Paulo. Mario Ângelo/ SigmaPress/AE

Em anúncio recente, o governo de São Paulo informou ter alcançado a menor taxa de homicídios dolosos do Estado em 20 anos. O índice em 2015 ficou em 8,73 por 100 mil habitantes – abaixo de 10 por 100 mil pela primeira vez desde 2001.

“Isso não é obra do acaso. É fruto de muita dedicação. Policiais morreram, perderam suas vidas, heróis anônimos, para que São Paulo pudesse conseguir essa conquista”, disse na ocasião o governador Geraldo Alckmin (PSDB).Para um pesquisador que acompanhou a rotina de investigadores de homicídios em São Paulo, o responsável pela queda é outro: o próprio crime organizado – no caso, o PCC (Primeiro Comando da Capital), a facção que atua dentro e fora dos presídios do Estado.

“A regulação do PCC é o principal fator sobre a vida e a morte em São Paulo. O PCC é produto, produtor e regulador da violência”, diz o canadense Graham Willis, em defesa da hipótese que circula no meio acadêmico e é considerada “ridícula” pelo governo paulista.

Professor da Universidade de Cambridge (Inglaterra), Willis lança nova luz sobre a chamada “hipótese PCC”, num trabalho de imersão que acompanhou a rotina de policiais do DHPP (Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa) de São Paulo entre 2009 e 2012.

A pesquisa teve acesso a dezenas de documentos internos apreendidos com um membro do PCC e ouviu moradores, comerciantes e criminosos em uma comunidade dominada pela facção na zona leste de São Paulo, em 2007 e 2011.

Teorias do ‘quase tudo’

O trabalho questiona teorias que, segundo Willis, procuram apoio em “quase tudo” para explicar o notório declínio da violência homicida em São Paulo: mudanças demográficas, desarmamento, redução do desemprego, reforço do policiamento em áreas críticas.

“O sistema de segurança pública nunca estabeleceu por que houve essa queda de homicídios nos últimos 15 anos. E nunca transmitiu uma história crível. Falam em políticas públicas, policiamento de hotspots (áreas críticas), mas isso não dá para explicar”, diz.

Em geral, a argumentação de Willis é a seguinte: a queda de 73% nos homicídios no Estado desde 2001, marco inicial da atual série histórica, é muito brusca para ser explicada por fatores de longo prazo como avanços socioeconômicos e mudanças na polícia.

Isso fica claro, diz o pesquisador, quando se constata que, antes da redução, os homicídios se concentravam de forma desproporcional em bairros da periferia da capital paulista: Jardim Ângela, Cidade Tiradentes, Capão Redondo, Brasilândia.

A pacificação nesses locais – com quedas de quase 80% – coincide com o momento, a partir de 2003, em que a estrutura do PCC se ramifica e chega ao cotidiano dessas regiões.

“A queda foi tão rápida que não indica um fator socioeconômico ou de policiamento, que seria algo de longo prazo. Deu-se em vários espaços da cidade mais ou menos na mesma época. E não há dados sobre políticas públicas específicas nesses locais para explicar essas tendências”, diz ele, que baseou suas conclusões em observações de campo.

Vídeo: http://tvuol.tv/bgdw3x

Canal de autoridade

Criado em 1993 com o objetivo declarado de “combater a opressão no sistema prisional paulista” e “vingar” as 111 mortes do massacre do Carandiru, o PCC começa a representar um canal de autoridade em áreas até então caracterizadas pela ausência estatal a partir dos anos 2000, à medida que descentraliza suas decisões.

Os pilares dessa autoridade, segundo Willis e outros pesquisadores que estudaram a facção, são a segurança relativa, noções de solidariedade e estruturas de assistência social. Nesse sentido, a polícia, tradicionalmente vista nesses locais como violenta e corrupta, foi substituída por outra ordem social.

“Quando estive numa comunidade controlada pela facção, moradores diziam que podiam dormir tranquilos com portas e janelas destrancadas”, escreve Willis no recém-lançado The Killing Consensus: Police, Organized Crime and the Regulation of Life and Death in Urban Brazil (O Consenso Assassino: Polícia, Crime Organizado e a Regulação da Vida e da Morte no Brasil Urbano, em tradução livre), livro em que descreve os resultados da investigação.

Antes do domínio do PCC, relata Willis, predominava uma violência difusa e intensa na capital paulista (que responde por 25% dos homicídios no Estado). Gangues lutavam na economia das drogas e abriam espaço para a criminalidade generalizada. O cenário muda quando a facção transpõe às ruas as regras de controle da violência que estabelecera nos presídios.

“Para a organização manter suas atividades criminosas é muito melhor ficar ‘muda’ para não chamar atenção e ter um ambiente de segurança controlado, com regras internas muito rígidas que funcionem”, avalia Willis, que descreve no livro os sistemas de punição da facção.

O pesquisador considera que as ondas de violência promovidas pelo PCC em São Paulo em 2006 e em 2012, com ataques a policiais e a instalações públicas, são pontos fora da curva, episódios de resposta à violência estatal.

“Eles não ficam violentos quando o problema é a repressão ao tráfico, por exemplo, mas quando sentem a sua segurança ameaçada. E a resposta da polícia é ser mais violenta, o que fortalece a ideia entre criminosos de que precisam de proteção. Ou seja, quanto mais você ataca o PCC, mais forte ele fica.”

Apuração em xeque

Willis critica a forma como São Paulo contabiliza seus mortos em situações violentas – e diz que o cenário real é provavelmente mais grave do que o discurso oficial sugere.

Ele questiona, por exemplo, a existência de ao menos nove classificações de mortes violentas em potencial (ossadas encontradas, suicídio, morte suspeita, morte a esclarecer, roubo seguido de morte/latrocínio, homicídio culposo, resistência seguida de morte e homicídio doloso) e diz que a multiplicidade de categorias mascara a realidade.

“Em geral, a investigação de homicídios não acontece em todo o caso. Cada morte suspeita tem que ser avaliada primeiramente por um delegado antes de se decidir se vai ser investigado como homicídio, enquanto em varias cidades do mundo qualquer morte suspeita é investigada como homicídio.”

Para ele, deveria haver mais transparência sobre a taxa de resolução de homicídios (que em São Paulo, diz, fica em torno de 30%, mas inclui casos arquivados sem definições de responsáveis) e sobre o próprio trabalho dos policiais que apuram os casos, que ele vê como um dos mais desvalorizados dentro da instituição.

“Normalmente se pensa em divisão de homicídios como organização de ponta. Mas é o contrário: é um lugar profundamente subvalorizado dentro da polícia, de policiais jovens ou em fim de carreira que desejam sair de lá o mais rápido possível. Policiais suspeitam de quem trabalha lá, em parte porque investigam policiais envolvidos em mortes, mas também porque as vidas que investigam em geral não têm valor, são pessoas de partes pobres da cidade.”

Para ele, o desaparelhamento da investigação de homicídios contrasta com a estrutura de batalhões especializados em repressão, como a Rota e a Força Tática da Polícia Militar.

“Esses policiais têm carros incríveis, caveirões, armas de ponta. Isso mostra muito bem a prioridade dos políticos, que é a repressão física a moradores pobres e negros da periferia. Não é investigar a vida dessas pessoas quando morrem.”

Outro lado

Críticos da chamada “hipótese PCC” costumam levantar a seguinte questão: se a retração nos homicídios não ocorreu por ação da polícia, como explicar a queda em outros índices criminais? Segundo o governo, por exemplo, São Paulo teve queda geral da criminalidade no ano passado em relação a 2014. A facção, ironizam os críticos, estaria então ajudando na queda desses crimes também?

“Variações estatísticas não necessariamente refletem ações do Estado”, diz Willis. Para ele, estudos já mostraram que mais atividade policial não significa sempre menor criminalidade.

Willis diz ainda que as variações estatísticas nesses outros crimes não são significativas, e que o PCC não depende de roubos de carga, veículos ou bancos, mas do pequeno tráfico de drogas com o qual os membros bancam as contribuições obrigatórias à facção.

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo disse considerar a hipótese de Willis sobre o declínio dos homicídios “ridícula e amplamente desmentida pela realidade de todos os índices criminais” do Estado.

Afirma que a taxa no Estado é quase três vezes menor do que a média nacional (25,1 casos por 100 mil habitantes) e “qualquer pesquisador com o mínimo de rigor sabe que propor uma relação de causa e efeito neste sentido é brigar contra as regras básicas da ciência”.

A pasta informou que todos crimes cometidos por policiais no Estado são punidos – citou 1.445 expulsões, 654 demissões e 1.849 policiais presos desde 2011 – e negou a existência de grupos de extermínio nas corporações.

Sobre o fato de não incluir mortes cometidas por policiais na soma oficial dos homicídios, mas em categoria à parte, disse que “todos os Estados” brasileiros e a “maioria dos países, inclusive os Estados Unidos” adotam a mesma metodologia.

A secretaria não comentou as considerações de Willis sobre a estrutura da investigação de homicídios no Estado e a suposta prioridade dada à forças voltadas à repressão.

Sabesp considera fim do Cantareira e corre contra o tempo (Exame)

JC, 5201, 22 de junho de 2015

A crise da água em São Paulo ainda não acabou

Depois que a seca do ano passado deixou São Paulo à beira de um racionamento severo de água, as chuvas do final do verão deram à Sabesp – a grande culpada pela crise, segundo autoridades municipais – uma segunda chance para aumentar investimentos em infraestrutura.

Com o início da estação seca, há uma corrida contra o tempo para desviar rios e conectar sistemas antes que os já prejudicados reservatórios de água fiquem baixos novamente.

A corrida contra o tempo ressalta a situação precária da maior metrópole da América do Sul após duas décadas sem nenhum grande projeto hídrico.

Os reservatórios ainda não se recuperaram da seca do ano passado e os meteorologistas estão prevendo meses mais quentes à frente por causa do fenômeno climático El Niño.

“A infraestrutura não foi a prioridade da Sabesp nos últimos anos. Eles não adotaram medidas para evitar a crise”, disse Pedro Caetano Mancuso, diretor do Centro de Referência em Segurança da Água da Universidade de São Paulo.

“Embora a Sabesp esteja disposta a fazer a lição de casa agora, a questão é se ela será concluída ou não a tempo de evitar um problema ainda maior”.

A Sabesp – empresa sob controle estatal -,disse que foi a severidade da seca do ano passado, e não a falta de investimentos em infraestrutura, a causa da crise.

“Nós estávamos preparados para uma seca tão ruim ou pior que a de 1953”, quando a Sabesp enfrentou uma crise similar, disse o presidente Jerson Kelman a vereadores, em uma audiência no dia 13 de maio.

“O que aconteceu em 2014 foi que tivemos metade do volume de chuva daquele ano. Para isso, nós não estávamos preparados”.

‘Previsível’

Em um relatório, em 10 de junho, a Câmara de Vereadores de São Paulo culpou a Sabesp pela crise que cortou o abastecimento em alguns bairros, dizendo que a seca já era previsível.

“Se a Sabesp tivesse investido os dividendos distribuídos na Bolsa de Nova York em obras para modernizar os sistemas que abastecem a capital e na manutenção da rede, não estaríamos enfrentando o racionamento travestido de redução de pressão”, disse Laércio Benko, vereador que liderou a comissão criada para investigar a escassez no abastecimento de água em São Paulo.

O maior dos projetos de infraestrutura que a Sabesp necessita neste ano para garantir o fornecimento de água potável está atrasado.

O projeto para conectar o Rio Pequeno ao reservatório da Billings, originalmente programado para ser concluído em maio, não será terminado até agosto devido a atrasos nas licenças ambientais e de uso da terra, disse a assessoria de imprensa da Sabesp em uma resposta a perguntas por e-mail. Se concluído neste ano, o pacote de cinco obras de emergência em que a Sabesp está investindo seria suficiente para evitar o racionamento, segundo a empresa.

Reservatório principal

Sem os projetos, e se as chuvas ficarem no nível do ano passado ou abaixo dele, a Sabesp projeta que seu reservatório principal – conhecido como Cantareira – poderá secar até agosto, segundo projeções internas obtidas pela Bloomberg News.

No pior cenário previsto pela empresa, poderá haver cortes no abastecimento de água na maior parte da área metropolitana de São Paulo cinco dias por semana, segundo o documento, que foi preparado como parte de um plano de contingência para São Paulo.

A Sabesp disse no e-mail que as chuvas, até agora, têm sido positivas. Para acelerar os investimentos de emergência agora, a Sabesp está cortando gastos e aumentando os preços da água. A empresa reduzirá os gastos com coleta e tratamento de esgoto pela metade neste ano, disseram executivos em uma teleconferência com investidores em abril. O aumento de tarifa reflete o “estresse financeiro” da Sabesp, disse o diretor financeiro Rui Affonso na conferência.

Queda das ações

As ações da Sabesp caíram 4,8 por cento na segunda-feira, pior desempenho das negociações em São Paulo, depois que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) afirmou ter entrado com uma liminar para impedir o aumento de tarifa.

“A seca do ano passado será totalmente sentida nos resultados deste ano”, disse Alexandre Montes, analista de ações da Lopes Filho Associados Consultores de Investimentos, em entrevista por telefone, do Rio. “Mesmo se a seca diminuir agora, e mesmo se tudo sair bem, os resultados da Sabesp vão cair”.

(Revista Exame)

Possibilidade de caos social por falta de água em SP mobiliza comando do Exército (Opera Mundi)

Lúcia Rodrigues | São Paulo – 30/04/2015 – 12h43

‘Painel sobre defesa’ organizado pelo Comando Militar do Sudeste tratou possibilidade de capital paulista ficar sem água a partir de julho deste ano como assunto de segurança nacional

Volume morto na represa Jaguari-Jacareí, no Sistema Cantareira, em janeiro desse ano (Mídia Ninja)

Por que o Comando Militar do Sudeste (CMSE) está interessado na crise da falta de água em São Paulo?

A resposta veio na tarde da última terça-feira, 28 de abril, durante o painel organizado pelo Exército, que ocorreu dentro de seu quartel-general no Ibirapuera, zona sul da capital paulista.

Durante mais de três horas de debate, destinado a oficiais, soldados e alguns professores universitários e simpatizantes dos militares que lotaram o auditório da sede do comando em São Paulo, foi se delineando o real motivo do alto generalato brasileiro estar preocupado com um assunto que aparentemente está fora dos padrões de atuação militar.

A senha foi dada pelo diretor da Sabesp, Paulo Massato, que ao lado de Anicia Pio, da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), e do professor de engenharia da Unicamp, Antonio Carlos Zuffo, traçaram um panorama sobre como a crise hídrica está impactando o Estado paulista.

Massato foi claro. Se as obras emergenciais que estão sendo feitas pela companhia não derem resultado e se chover pouco, São Paulo ficará sem água a partir de julho deste ano. O cenário descrito pelo dirigente da Sabesp é catastrófico e digno de roteiro de filme de terror.

“Vai ser o terror. Não vai ter alimentação, não vai ter energia elétrica… Será um cenário de fim de mundo. São milhares de pessoas e o caos social pode se deflagrar. Não será só um problema de desabastecimento de água. Vai ser bem mais sério do que isso…”, enfatiza durante sua intervenção, para na sequência lançar uma súplica de esperança: “Mas espero que isso não aconteça”.

Ele destaca que na região metropolitana de São Paulo vivem 20 milhões de pessoas, quando o ideal seriam quatro milhões. Destas, segundo Massato, três milhões seriam faveladas que furtariam água. “Furtam água ou pegam sem pagar”, conta, arrancando risos da platéia.

Blindagem

Nenhuma crítica, no entanto, foi dirigida ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) pelos presentes durante todo o evento. Apenas uma pessoa se manifestou durante a fala de Massato, afirmando que faltou planejamento estatal. Mas foi interrompido por uma espécie de mestre de cerimônias do comando militar  que ciceroneava o evento,  pedindo que ele deixasse a questão para as perguntas a serem dirigidas aos debatedores. A pergunta não voltou a ser apresentada.

Mas o resultado pela falta de investimento e planejamento do governo paulista já provoca calafrios na cervical do establishment do Estado. As cenas de Itu podem se reproduzir em escala exponencial na região metropolitana de São Paulo. E é contra isso que o Exército quer se precaver.

O dirigente da Sabesp citou um caso que ocorreu na região do Butantã, zona oeste da capital. De acordo com ele, houve uma reação violenta porque a água não chegou em pontos mais altos do bairro. “Não chegou na casa do ‘chefe’, e aí ele mandou incendiar três ônibus. Aqui o pessoal é mais organizado…”

Em sua intervenção, a dirigente da Fiesp, Anícia Pio, frisa que muito se tem falado sobre a crise de abastecimento da população, mas que não se pode desconsiderar o impacto sobre a indústria paulista. “A crise só não foi maior, porque a crise econômica chegou (para desacelerar a produção).”

De acordo com ela, o emprego de milhares de pessoas que trabalham no setor está em risco se houver o agravamento da crise hídrica.

Se depender das projeções apresentadas pelo professor Zuffo, da Unicamp, a situação vai se complicar.  Segundo ele, o ciclo de escassez de água pode durar 20, 30 anos.

Moradores do Jardim Umuarama, em rodízio não oficializado pelo governo de SP (Sarah Pabst)

A empresária destaca ainda que não se produz água em fábricas e que, por isso, é preciso investir no reuso e em novas tecnologias de sustentabilidade. E critica o excesso de leis para o setor, que de acordo com ela é superior a mil.

O comandante militar do Sudeste, general João Camilo Pires de Campos, anfitrião do evento, se sensibilizou com as criticas da representante da Fiesp e prometeu conversar pessoalmente com o presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, deputado Fernando Capez (PSDB),  sobre o excesso de legislação que atrapalha o empresariado.

Ele também enfatiza que é preciso conscientizar a população sobre a falta de água e lamenta a grande concentração populacional na região. “Era preciso quatro milhões e temos 20 milhões…”, afirma se referindo aos números apresentados por Massato.

O general Campos destaca a importância da realização de obras, mas adverte que “não se faz engenharia para amanhã”. E cita para a plateia uma expressão do ex-presidente, e também general do Exército, Ernesto Geisel, para definir o que precisa ser feito. “O presidente Geisel dizia que na época de vacas magras é preciso amarrar o bezerro.”

“Não há solução fácil, o problema é sério”, conclui o comandante.

Sério e, por isso, tratado como assunto de segurança nacional pelo Exército. O crachá distribuído aos presentes pelo Comando Militar do Sudeste trazia a inscrição: Painel sobre defesa.

Alckmin descarta repor volume morto até abril (Estadão)

Fabio Leite e Lucas Sampaio – O Estado de S. Paulo

31 Março 2015 | 03h 00

Pela primeira vez, governo admite que chuvas não vão tirar o Sistema Cantareira da dependência da reserva profunda

SÃO PAULO – Mesmo com as chuvas acima da média em fevereiro e março, o Sistema Cantareira não vai conseguir recuperar totalmente o volume morto até o fim de abril, admitiu pela primeira vez o governo Geraldo Alckmin (PSDB). Projeção feita pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) revela que o principal manancial paulista deve encerrar o próximo mês com nível 6% abaixo de zero, ou seja, ainda na reserva profunda.

“Poderemos atingir um total armazenado em torno de 420 bilhões de litros, ao fim de abril, 65 bilhões de litros abaixo do ‘zero’ do volume útil por gravidade”, afirmou o superintendente do DAEE, Ricardo Borsari, em ofício encaminhado ao presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, no dia 20 deste mês.

O volume de água é o mesmo registrado em 21 de agosto do ano passado. Os dois órgãos são responsáveis pela gestão conjunta do Sistema Cantareira.

Sistema Cantareira abastece 5,6 milhões 

Sistema Cantareira abastece 5,6 milhões

O manancial, formado por quatro represas, tem 1,47 trilhão de litros, dos quais 982 bilhões fazem parte do volume útil, porque ficam acima do nível dos túneis de captação e podem ser retirados por gravidade, e 485 bilhões, do volume morto, que só podem ser captados por bombas. Destes, 287,5 bilhões de litros foram liberados em duas cotas para a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) abastecer a região metropolitana, onde 5,6 milhões de pessoas ainda dependem da água do sistema.

Nesta segunda-feira, 30, o Cantareira operava com 18,9% da capacidade, segundo a Sabesp, que inclui as duas cotas do volume morto no cálculo. Na prática, contudo, o nível estava em -10,4%, se considerada a quantidade de água da reserva profunda usada como negativo, como quer o Ministério Público Estadual (MPE). No sábado, o Estado mostrou que o sistema tem atualmente 57% menos água do que há um ano, déficit de 243 bilhões de litros.

O documento faz parte das negociações entre a ANA, do governo Dilma Rousseff, e o DAEE, do governo Alckmin, para definir a retirada de água do Cantareira. Por causa das discordâncias entre os órgãos, desde 15 de março o manancial é operado pela Sabesp sem uma regra estabelecida.

O presidente da agência federal quer definir uma metodologia de operação e metas futuras de armazenamento até 30 de novembro.

No ofício, Borsari diz que a projeção considera a manutenção das atuais condições de entrada de água (60% das médias mensais históricas) e retirada (10 mil litros por segundo), como ocorre desde fevereiro. Neste cenário, o volume morto só será recuperado no dia 22 de julho, segundo o simulador lançado em janeiro pelo Estado.

Justiça. Em ação civil movida em 2014, o MPE pede que os gestores do Cantareira e da Sabesp operem o manancial para que ele chegue ao fim de abril com 10% positivos, mesmo índice registrado em 30 de abril do ano passado. O governo Alckmin afirma que essa meta é impossível de ser atingida.

Após duas liminares terem sido concedidas e depois derrubas pela Justiça, o juiz federal Wilson Zauhy Filho decidiu, na semana passada, suspender o processo até o dia 11 de maio, quando o DAEE se comprometeu a entregar, em juízo, os estudos da proposta que será feita pela Sabesp para a renovação da outorga do Sistema Cantareira e as respostas às propostas feitas pela ANA para a gestão do manancial durante a crise.

‘Escolha foi respeitar rito ambiental ou fornecer água’, diz secretário de SP (Folha de S.Paulo)

[Detalhe para o uso da palavra “rito”]

FABRÍCIO LOBEL
GUSTAVO URIBE
DE SÃO PAULO
EDUARDO SCOLESE
EDITOR DE “COTIDIANO”

30/03/2015  03h00

Em meio à pior crise de abastecimento enfrentada pela Grande SP, o secretário estadual Benedito Braga (Recursos Hídricos) diz que a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) teve de escolher: levar água para a população no período de seca ou respeitar o rito ambiental tradicional para dar andamento a obras emergenciais.

Foi escolhida a primeira opção, de acordo com ele.

“Se fossem respeitados os ritos, não teríamos condições de prover essa água à população em julho [de 2015]”, afirma o secretário, que diz que deverão ser usados “atalhos” para cumprir as exigências.

Em entrevista à Folha, o secretário, que assumiu a pasta em janeiro em meio à crise de abastecimento, avaliou como muito reduzidas as chances de um rodízio de água neste ano.

Para Braga, que é professor de engenharia hidráulica da USP e presidente do Conselho Mundial da Água, as pessoas que torcem pelo rodízio querem ver uma “situação realmente ruim” em SP.

Entre as principais obras emergenciais previstas para este ano está a ligação entre dois mananciais, o Rio Grande e o Alto Tietê. Outras deverão reverter rios da Serra do Mar, alguns em área de Mata Atlântica, para abastecer os reservatórios da Grande SP.

Karime Xavier/Folhapress
O secretário estadual Recursos Hídricos Benedito Braga (Recursos Hídricos)
O secretário estadual de Recursos Hídricos, Benedito Braga, durante entrevista à Folha

*

Folha – Um rodízio neste ano está completamente descartado em São Paulo?

Benedito Braga – Em função das condições que prevalecem nos nossos sistemas de armazenamento, as chances de termos um rodízio são bastante baixas –e nós estamos trabalhando da forma mais conservadora possível, não fazendo hipóteses de que vamos ter grandes chuvas daqui para frente.

É importante observar que, depois dessa crise, não temos uma condição de previsibilidade [de chuvas] muito boa, como tínhamos antes.

Então, não podemos garantir que não vamos ter rodízio. Temos tudo preparado para tomar as decisões dependendo da condição do clima que prevalecer neste ano. Tudo vai depender de como vem a estação seca [de abril a setembro].

Qual deve ser o custo da crise neste ano para a população?

O custo não será diferente do que está sendo agora. Durante este ano, nós teremos ainda que adotar medidas de redução de pressão que incomodam as pessoas, porque é uma situação fora do normal.

É muito importante termos em conta que a situação que vivemos é muito melhor do que uma situação de rodízio.

Haverá um custo muito menor do que aquele que teríamos se implantássemos o rodízio [interrupção completa do fornecimento de água].

O balanço financeiro da Sabesp relativo a 2014 mostrou que o lucro da empresa caiu pela metade. Essa queda será repassada ao consumidor?

O que houve foi uma queda no lucro [de R$ 1,9 bilhão para R$ 903 milhões]. A redução do lucro era esperada, em função da redução do consumo e da concessão de bônus.

Não tem como repassar para a população, isso é um resultado que tivemos em função da crise da água.

Mas essa queda poderá impactar as obras programadas para este ano?

Não. O custo dessas obras não é exagerado. Há previsão orçamentária e não há atraso nenhum nas obras sob o ponto de vista físico e financeiro.

Pela urgência das obras, a questão ambiental não está sendo atropelada?

Nós temos uma situação em que, se fossem seguidos os ritos tradicionais do setor ambiental, nós não teríamos condições de prover essa água à população em julho.

Então, a questão é uma escolha. O que vocês preferem: seguir o rito ambiental ou trazer água para a população?

O governo fez a escolha?

Fez a escolha de seguir o rito dentro da emergência. E, dentro da emergência, você tem atalhos para o setor ambiental. Tudo está sendo feito dentro da mais absoluta regra da lei e da ordem.

A única coisa é que isso teve que ser feito de uma forma mais rápida. E o rito, dentro dessa forma mais rápida, é diferente das obras tradicionais, em que você tem o relatório de impacto ambiental, audiência pública e assim por diante.

Mas a Cetesb faz todas as análises, (…) e o governo não está fazendo nada fora da lei.

Está sendo feita uma obra de emergência, mas dentro de todos os ritos da lei de licitações e da lei ambiental.

As chuvas recentes fizeram com que o governo estadual recuasse na transparência em relação à crise, como não informar o real risco de um rodízio? Não são os mesmos erros do ano passado?

Não, não há erros nem em 2014 nem em 2015 e não haverá erros em 2016. Trabalhamos com uma boa expectativa de passar este ano, mas nos preparando para o pior, que é um plano de contingência.

Estamos fazendo tudo dentro da mais absoluta técnica. Não existe falta de transparência, porque informamos diariamente a situação dos reservatórios da região metropolitana. Não há nenhuma falta de transparência.

Como o senhor classifica a atual situação?

Nós estamos caminhando para ocupar minimamente o volume morto, o que significa que ainda é uma situação muito difícil. Nós gostaríamos que o reservatório estivesse praticamente cheio.

Mas, com essa reserva que estamos acumulando e com as obras que estamos trazendo, temos a possibilidade de superar a crise, mas não é ainda uma situação confortável.

O sr. disse que não houve erros em 2014. Como eleitor, mesmo fora do cargo, o sr. se sentiu atendido pelas declarações do governo sobre a crise?

As decisões tomadas foram corretas. Em 2014, ainda havia o final do ano como uma época em que normalmente há as chuvas e os reservatórios enchem.

Então, tomar uma medida como o rodízio, como muita gente queria, eu sempre fui publicamente contra. Entraram com o incentivo econômico [bônus para quem economizar], depois com as válvulas redutoras de pressão. E foi tudo muito lógico.

Mas a sobretaxa veio só depois da eleição…

Não quero entrar nesse detalhe de sobretaxa [pagamento adicional para quem extrapolar o consumo médio]. O que estou dizendo é que o que foi feito em 2014 foi certo.

Esse negócio de dizer que o governo errou não está certo. Talvez, as pessoas que insistiram muito em rodízio queriam ver uma situação realmente ruim. Seria fácil fazer o rodízio, é só fechar a manivela. O duro é fazer o que a Sabesp fez: colocar válvulas e sofrer o impacto econômico de colocar o bônus.

Então o sr. acha que ter negado que haveria desabastecimento e que seriam usados os dois volumes mortos foram medidas acertadas?

O resultado foi muito bom. Não tivemos desabastecimento, tivemos 1% da população impactada com as medidas. Portanto não tenho crítica.

Mas há problemas de desabastecimento em alguns bairros na periferia de São Paulo…

Não se pode negar que haja uma crise hídrica. É como em uma guerra dizer: “Você vai me matar com uma uma [arma calibre] 45 ou com uma 22?”. É querer colocar regra em meio a uma situação muito complicada. É querer que todo mundo tenha água quando tivemos um ano de 2014 que teve 50% menos água que a mínima de 1953.

A tarifa hoje é muito barata?

São Paulo tem uma das menores tarifas do Brasil. Tem 21 Estados que praticam tarifas acima da tarifa da Sabesp.

Acho que o custo da água, em função da dificuldade de encontrar novos mananciais e dos custos operacionais… Acho que a tarifa hoje no Estado é aquém do necessário.

A crise traz algum benefício?

Acho que sim. O pessoal no Sudeste não sabia que tinha que fazer a barba abrindo e fechando a torneira. O nordestino já sabia disso há muito tempo. A crise trouxe essa consciência.

Sabesp inicia obras às pressas sem avaliar risco (OESP)

Fabio Leite – O Estado de S. Paulo

15 Março 2015 | 02h 01

Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo desengavetou planos sem ter tempo de estudar impacto ambiental

SÃO PAULO – A busca por novos mananciais para suprir a escassez hídrica a curto prazo e tentar evitar o rodízio oficial de água na Grande São Paulo levou a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) a tirar do papel uma série de projetos engavetados há anos e a executá-los a toque de caixa sem Estudo de Impacto Ambiental (EIA), aprovação em comitês ou decreto de estado de emergência.

Até o momento, são seis obras (uma já concluída) que envolvem transposições entre rios e reservatórios com o objetivo de aumentar a oferta de água para conseguir abastecer 20 milhões de pessoas durante o período seco (que vai de abril a setembro) sem decretar racionamento generalizado. A principal delas é a interligação do Sistema Rio Grande com o Alto Tietê, o segundo manancial mais crítico (21% da capacidade), melhor só que o Cantareira.

Segundo a Sabesp, já foi iniciada a construção de 11 quilômetros de adutora e uma estação de bombeamento para levar até 4 mil litros por segundo da Billings, no ABC, para a Represa Taiaçupeba, em Suzano. A conclusão está prevista para julho. Técnicos do governo Geraldo Alckmin (PSDB) afirmam, contudo, que uma obra desse porte precisaria de EIA, aprovação no Comitê da Bacia do Alto Tietê, além da outorga do Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo (DAEE).

A principal das obras é a interligação do Sistema Rio Grande com o Alto Tietê, o segundo manancial mais crítico (21% da capacidade), melhor só que o Cantareira.

A principal das obras é a interligação do Sistema Rio Grande com o Alto Tietê, o segundo manancial mais crítico (21% da capacidade), melhor só que o Cantareira.

Com a provável reversão das águas do poluído corpo central da Billings para o Braço Rio Grande, já manifestada pela Sabesp, seria preciso ainda aprovação prévia do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) e de outorga da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), já que a represa também fornece água para geração de energia na Usina Henry Borden, em Cubatão. Todo esse trâmite teve de ser seguido para a execução da ligação Billings-Guarapiranga, pelo Braço Taquacetuba, na crise de 2000.

“Ou o governo decreta estado de emergência para tocar as chamadas obras emergenciais sem licitação e estudo de impacto ambiental, com perda de capacidade de concorrência e de participação social, ou então licita e produz os relatórios necessários. Do jeito que está, há uma incoerência brutal”, afirmou o engenheiro Darcy Brega Filho, especialista em gestão de sustentabilidade e ex-funcionário da Sabesp.

Mar. No pacote de obras emergenciais estão a interligação de dois rios de vertente marítima (que deságuam no mar), Itatinga e Capivari, para rios que são afluentes das Represas Jundiaí (Alto Tietê) e Guarapiranga. As duas intervenções recém-anunciadas pela Sabesp já constavam do Plano Diretor de Águas e Abastecimento (PDAA) de 2004 e ficaram engavetadas. Cada uma deve aumentar a vazão dos sistemas em 1 mil litros por segundo e também precisariam de aprovação do Comitê da Bacia da Baixada Santista.

“Sem dúvida, é preciso de obras emergenciais para trazer água para a região metropolitana, mas isso não anula uma avaliação mais acurada desse conjunto de transposições para calcular a eficiência desses projetos e seus efeitos indiretos”, afirmou o especialista em recursos hídricos José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacional de Ecologia e vice-presidente do Instituto Acqua.

Um exemplo citado por funcionários do governo sobre a falta de avaliação dos projetos é a construção de 9 quilômetros de adutora para levar 1 mil litros por segundo do Rio Guaió para a Represa Taiaçupeba. As obras começaram em fevereiro e devem ser concluídas em maio, segundo a Sabesp. Técnicos da área afirmam que durante o período de estiagem a vazão média desse rio é de apenas 300 litros por segundo, ou seja, 70% menor do que a pretendida.

A Major Surge in Atmospheric Warming Is Probably Coming in the Next Five Years (Motherboard)

Written by NAFEEZ AHMED

March 2, 2015 // 08:25 PM CET

Forget the so-called ‘pause’ in global warming—new research says we might be in for an era of deeply accelerated heating.

While the rate of atmospheric warming in recent years has, indeed, slowed due to various natural weather cycles—hence the skeptics’ droning on about “pauses”—global warming, as a whole, has not stopped. Far from it. It’s actually sped up, dramatically, as excess heat has absorbed into the oceans. We’ve only begun to realize the extent of this phenomenon in recent years, after scientists developed new technologies capable of measuring ocean temperatures with a depth and precision that was previously lacking.

In 2011, a paper in Geophysical Research Letters tallied up the total warming data from land, air, ice, and the oceans. In 2012, the lead author of that study, oceanographer John Church, updated his research. What Church found was shocking: in recent decades, climate change has been adding on average around 125 trillion Joules of heat energy to the oceans per second.

How to convey this extraordinary fact? His team came up with an analogy: it was roughly the same amount of energy that would be released by the detonation of two atomic bombs the size dropped on Hiroshima. In other words, these scientists found that anthropogenic climate is warming the oceans at a rate equivalent to around two Hiroshima bombs per second. But as new data came in, the situation has looked worse: over the last 17 years, the rate of warming has doubled to about four bombs per second. In 2013, the rate of warming tripled to become equivalent to 12 Hiroshima bombs every second.

So not only is warming intensifying, it is also accelerating. By burning fossil fuels, humans are effectively detonating 378 million atomic bombs in the oceans each year—this, along with the ocean’s over-absorption of carbon dioxide, has fuelled ocean acidification, and now threatens the entire marine food chain as well as animals who feed on marine species. Like, er, many humans.

According to a new paper from a crack team of climate scientists, a key reason that the oceans are absorbing all this heat in recent decades so well (thus masking the extent of global warming by allowing atmospheric average temperatures to heat more slowly), is due to the Pacific Decadal Oscillation (PDO), an El Nino-like weather pattern that can last anywhere between 15-30 years.

In its previous positive phase, which ran from around 1977 to 1998, the PDO meant the oceans would absorb less heat, thus operating as an accelerator on atmospheric temperatures. Since 1998, the PDO has been in a largely negative phase, during which the oceans absorb more heat from the atmosphere.

Such decadal ocean cycles have broken down recently, and become more sporadic. The last, mostly negative phase, was punctuated by a brief positive phase that lasted 3 years between 2002 and 2005. The authors of the new study, Penn State climatologist Michael Mann, University of Minnesota geologist Byron Steinman, and Penn State meteorologist Sonya Miller, point out that the PDO, as well as the Atlantic Multidecadal Oscillation (AMO), have thus played a major role in temporarily dampening atmospheric warming.

“In other words, the ‘slowdown’ is fleeting and will likely soon disappear.”

So what has happened? During this period, Mann and his team show, there has been increased “heat burial” in the Pacific ocean, that is, a greater absorption of all that heat equivalent to hundreds of millions of Hiroshimas. For some, this has created the false impression, solely from looking at global average surface air temperatures, of a ‘pause’ in warming. But as Mann said, the combination of the AMO and PDO “likely offset anthropogenic warming over the past decade.”

Therefore, the “pause” doesn’t really exist, and instead is an artifact of the limitations of our different measuring instruments.

“The ‘false pause’ is explained in part by cooling in the Pacific ocean over the past one-to-two decades,” Mann told me, “but that is likely to reverse soon: in other words, the ‘slowdown’ is fleeting and will likely soon disappear.”

The disappearance of the ‘slowdown’ will, in tangible terms, mean that the oceans will absorb less atmospheric heat. While all the accumulated ocean heat “is certainly not going to pop back out,” NASA’s chief climate scientist Dr. Gavin Schmidt told me, it is likely to mean that less atmospheric heat will end up being absorbed. “Ocean cycles can modulate the uptake of anthropogenic heat, as some have speculated for the last decade or so, but… net flux is still going to be going into the ocean.”

According to Mann and his team, at some point, this will manifest as an acceleration in the rise of global average surface air temperatures. In their Science study, they observe: “Given the pattern of past historical variation, this trend will likely reverse with internal variability, instead adding to anthropogenic warming in the coming decades.”

So at some point in the near future, the PDO will switch from its current negative phase back to positive, reducing the capacity of the oceans to accumulate heat from the atmosphere. That positive phase of the PDO will therefore see a rapid rise in global surface air temperatures, as the oceans’ capacity to absorb all those Hiroshima bomb equivalents declines—and leaves it to accumulate in our skies. In other words, after years of slower-than-expected warming, we may suddenly feel the heat.

So when will that happen? No one knows for sure, but at the end of last year, signs emerged that the phase shift to a positive PDO could be happening right now.

In the five months before November 2014, measures of surface temperature differences in the Pacific shifted to positive, according to the National Oceanic and Atmospheric Administration. This is the longest such positive shift detected in about 12 years. Although too soon to determine for sure whether this is, indeed, the beginning of the PDO’s switch to a new positive phase, this interpretation is consistent with current temperature variations, which during a positive PDO phase should be relatively warm in the tropical Pacific and relatively cool in regions north of about 20 degrees latitude.

In January 2015, further signs emerged that the PDO is right now in transition to a new warm phase. “Global warming is about the get a boost,” ventured meteorologist Eric Holthaus. Recent data including California’s intensifying drought and sightings of tropical fish off the Alaskan coast “are further evidence of unusual ocean warming,” suggesting that a PDO transition “may already be underway a new warm phase.”

While it’s still not clear whether the PDO is really shifting into a new phase just yet, when it does, it won’t be good. Scientists from the UK Met Office’s Hadley Center led by Dr. Chris Roberts of the Oceans and Cryosphere Group estimate in a new paper in Nature that there is an 85 percent chance the faux ‘pause’ will end in the next five years, followed by a burst of warming likely to consist of a decade or so of warm ocean oscillations.

Roberts and his team found that a “slow down” period is usually (60 percent of the time) followed by rapid warming at twice the background rate for at least five years, and potentially longer. And mostly, this warming would be concentrated in the Arctic, a region where temperatures are already higher than the global average, and which is widely recognized to be a barometer of the health of the global climate due to how Arctic changes dramatically alter trends elsewhere. Recent extreme weather events around the world have been attributed to the melting Arctic ice sheets and the impact on ocean circulations and jet streams.

What this means, if the UK Met Office is right, is that we probably have five years (likely less) before we witness a supercharged surge of rapid global warming that could last a decade, further destabilizing the climate system in deeply unpredictable ways.

A luta pela água em SP (Conta d’Água)

25 fev 2015

Quem é quem nos diferentes movimentos e coletivos que se organizam diante da ineficácia do governo e da Sabesp perante a crise hídrica.

Por Ivan Longo da Revista Fórum

O racionamento de água no estado de São Paulo já está consolidado e não é novidade para ninguém. Independente da região, não é difícil encontrar casas ou estabelecimentos que fiquem um ou mais dias sem água, todas as semanas. Os que não ficam só conseguem se segurar graças aos caminhões pipa. Ainda que essa situação seja um consenso, o governador Geraldo Alckmin e a Sabesp seguem negando o rodízio, negligenciando informação e adiando medidas para conter, de fato, a crise pela qual eles mesmos são os responsáveis.

Diante da inércia do poder público, a população vem se organizando para encontrar maneiras de adiar o pior ou mesmo pressionar os governantes para que se mude a lógica de como a água é administrada no estado. Do final do ano passado para o início deste ano, uma série de atos, atividades e aulas públicas relacionadas à crise hídrica vêm acontecendo independentemente da ação do poder público.

Para esta quinta-feira (26), por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) convocou um grande ato — a Marcha pela Água — com o intuito de cobrar do governo transparência na gestão da crise e o direito universal à água.

Outros coletivos, entidades e movimentos pautados pela crise da água vêm nascendo e alguns deles, inclusive, atuando já há algum tempo. Com o objetivo em comum — o de garantir o acesso à água para todos — cada um desses grupos propõe diferentes métodos, caminhos e soluções.

Saiba quem é quem nessa nova configuração de lutas nascida no solo seco do estado de São Paulo.

Coletivo de Luta pela Água

O Coletivo de Luta pela Água publicou seu manifesto em janeiro deste ano diante do acirramento da crise no abastecimento no estado de São Paulo. Trata-se de um coletivo composto por movimentos sociais, sindicatos, gestores municipais e ONG’s que busca articular a sociedade civil na luta pelo direito à água. Como solução para a crise, a entidade propõe que o governo apresente imediatamente um Plano de Emergência que explicite de forma clara os próximos passos que serão tomados a partir de um amplo diálogo com a sociedade e representantes dos municípios.

Aliança pela Água

Aliança pela Água reúne uma série de entidades com diferentes áreas de atuação, mas principalmente as ligadas à questão ambiental. A ideia é construir, junto à sociedade — diante da inércia do governo estadual para com a crise no abastecimento — soluções para a segurança hídrica através de várias iniciativas.

Para isso, o coletivo tem realizado uma série de mapeamentos, aulas públicas, atos e consultas com especialistas para traçar caminhos, o que já levou à divulgação de uma Agenda Mínima, com 10 ações urgentes e 10 ações a médio e a longo prazo. Entre as propostas, estão a criação de um comitê de gestão da crise, a divulgação aberta de informações para a população, ação diferenciada das agências reguladoras para grandes consumidores (indústrias e agronegócio), incentivo às novas tecnologias, implantação de políticas de reuso, recuperação e proteção dos mananciais, transcrição de um novo modelo para a gestão da água, entre outras.

Assembleia Estadual da Água

Assembleia Estadual da Água surgiu a partir de entidades, como o coletivo Juntos!, do PSOL, que desde o ano passado vem realizando mobilizações contra a crise no abastecimento. No final do ano, a entidade teve contato com o movimento Itu Vai Parar, que lutava contra a calamidade ocorrida em Itu, uma das primeiras cidades a sentir mais intensamente os efeitos da crise. A partir do diálogo, diversas outras entidades decidiram se reunir para, em dezembro, realizar oficialmente a Assembleia Estadual da Água, em Itu, que contou com a participação de mais de 70 coletivos, entidades e movimentos. A Assembleia vem realizando uma série de atividades para mobilizar a população em torno do tema, inclusive em parceria com outros movimentos, como a Aliança pela Água.

MTST

O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) também resolveu abraçar a causa da água. O movimento, que conta com milhares de militantes e com o apoio de dezenas de entidades, vai realizar o ato Marcha pela Água, no próximo dia 26. Eles exigem transparência do governo estadual para com a situação, a elaboração urgente de um plano de emergência e o fim da sobre taxa em relação ao consumo.

Lute pela água

O coletivo Lute pela Água busca fazer reuniões de bairro para articular a população na luta pelo direito à água e já realizou, desde o ano passado, três protestos contra a crise no abastecimento. Formado por membros do coletivo Território Livre e da Frente Independente Popular (FIP), o movimento defende a estatização da Sabesp e a gestão popular da companhia.

Conta D’água

O Conta D’água é um coletivo de comunicação, que reúne diversos veículos de mídia independente, bem como movimentos e entidades, com o intuito de fazer um contraponto à narrativa da mídia tradicional, que insiste em blindar o governo estadual e a Sabesp pela crise no abastecimento. Com matérias, reportagens, informes, entrevistas e eventos, o Conta D’água vem, desde o ano passado, participando das principais mobilizações em torno do tema e pautando o assunto com o viés e as demandas da população.


Agenda das mobilizações

26/2 (quinta-feira) — Marcha pela Água em São Paulo
Local: Largo da Batata, Pinheiros
Horário: 17h

20/03 (sexta-feira) — Dia de Luta pela Água
Realização: Coletivo de Luta pela Água
Local: Vão livre do MASP
Horário: 14h30

27/03 (sexta-feira) — 4º Ato Sem Água São Paulo vai Parar
Realização: Lute pela Água
Local: Largo da Batata, Pinheiros
Horário: 18h00

Sabesp admite que rodízio pode contaminar água (Estadão)

Pedro Venceslau e Fabio Leite – O Estado de S. Paulo

26 Fevereiro 2015 | 03h 00

Diretor disse em CPI que problema não colocaria usuário em risco; empresa também afirmou que pressão está fora da norma

SÃO PAULO – O risco de contaminação da água admitido nesta quarta-feira, 25, pelo diretor metropolitano da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Paulo Massato, em caso de rodízio oficial já é realidade em algumas regiões altas da Grande São Paulo. São locais onde a rede fica despressurizada após o fechamento manual dos registros na rua, conforme um alto dirigente da empresa admitiu ao Estado no início do mês.

“Se implementado o rodízio, a rede fica despressurizada, principalmente em regiões de topografia acidentada, nos pontos em que a tubulação está em declive. Se o lençol freático está contaminado, isso aumenta o risco de contaminação (da água na rede)”, afirmou Massato, nesta quarta, durante sessão da CPI da Sabesp na Câmara Municipal.

O resultado desse contágio, segundo ele, não colocaria a vida dos consumidores em risco, mas poderia causar disenteria, por exemplo. “Nós temos hoje medicina suficiente para minimizar risco de vida para a população. Uma disenteria pode ser mais grave ou menos grave, mas é um risco (implementar o rodízio) que nós queremos evitar ”, completou. Apesar do alerta, ele disse que a estatal poderia “descontaminar” rapidamente a água afetada.

Hélvio Romero/Estadão

‘Estamos em uma situação de anormalidade. Nós não conseguiríamos abastecer 6 milhões de habitantes se mantivéssemos a normalidade’, disse Massato

No início do mês, um dirigente da Sabesp admitiu ao Estado que em 40% da rede onde não há válvulas redutoras de pressão (VRPs) instaladas, o racionamento de água é feito por meio do fechamento manual, flagrado pela reportagem na Vila Brasilândia, zona norte da capital. Segundo ele, a manobra “não esvazia totalmente” a rede, mas “despressuriza pontos mais altos”.

“A zona baixa fica com água. Se não houver consumo excessivo, a maior parte da rede fica com água. Acaba despressurizando zonas altas, isso acontece mesmo. Tanto é que quando abre (o registro) para encher de novo, as zonas mais altas e distantes acabam sofrendo mais, ficando mais tempo sem água”, afirmou.

Para o engenheiro Antonio Giansante, professor de Engenharia Hídrica do Mackenzie, é grande o risco de contaminação em caso de fechamento da rede. “Em uma eventualidade de o tubo estar seco, pode ser que entre água de qualidade não controlada, em geral, contaminada por causa das redes coletoras de esgoto, para dentro da rede da Sabesp.”

Segundo interlocutores do governador Geraldo Alckmin (PSDB), a declaração desagradou o tucano, uma vez que o rodízio não está descartado. Massato já havia causado constrangimento ao governo ao dizer, em 27 de janeiro, que São Paulo poderia ficar até cinco dias sem água por semana em caso de racionamento.

Fora da norma. Massato e o presidente da Sabesp, Jerson Kelman, que também prestou depoimento à CPI, admitiram aos vereadores que a empresa mantém a pressão da água na rede abaixo do recomendado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), conforme o Estado revelou no início do mês. Segundo o órgão, são necessários ao menos 10 metros de coluna de água para encher todas as caixas.

“Nós estamos garantindo 1 metro da coluna de água, preservando a rede de distribuição. Mas não tem pressão suficiente para chegar na caixa d’água”, admitiu Massato. “Estamos abaixo dos 10 metros de coluna de água, principalmente nas zonas mais altas e mais distantes dos reservatórios.”

“Essa é uma medida mitigadora para evitar algo muito pior para a população, que é o rodízio”, afirmou Kelman. “São poucos pontos na rede em que não se tem a pressão exigida pela ABNT para condições normais. Isso não é uma opção da Sabesp. Não estamos em condições normais”, completou.

Em dezembro, Alckmin disse que a Sabesp cumpria “rigorosamente” a norma técnica. A Sabesp foi notificada pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) e respondeu na terça-feira aos questionamentos feitos sobre as manobras na rede. O órgão fiscalizador, contudo, ainda não se pronunciou.

Ar encanado. Questionados sobre a investigação do Ministério Público Estadual que apura suposta cobrança por “ar encanado” pela Sabesp, revelada pelo Estado, os dirigentes da empresa disseram que a prática atingiu apenas 2% dos clientes. Das 22 mil reclamações registradas em fevereiro sobre aumento indevido da conta, 500 culpavam o ar encanado. O problema ocorre quando a água retorna na rede e empurra o ar de volta para as ligações das casas, podendo adulterar a medição do hidrômetro. / COLABOROU RICARDO CHAPOLA

Água: crise e colapso em São Paulo (Revista Greenpeace)

Reportagem: Luciano Dantas

Fotografia: Carol Quintanilha

Edição 1, 2014

Desde o início do ano os moradores de São Paulo têm ido dormir sem saber se haverá água pela manhã em suas casas. Por meio de diferentes fontes, reunimos informações para levantar as causas, consequências e soluções para a crise hídrica que atinge o Estado.

Omissão e descaso: a falta d’água era prevista

Marussia Whately, coordenadora do Instituto Socioambiental (ISA) e uma das maiores especialistas em recursos hídricos de São Paulo, dá o seu diagnóstico. Assista:

“O uso do volume morto não é uma solução. Ele seca a represa, os lençóis freáticos e a capacidade do sistema em se recompor. Isso mostra a falta de preparo do governo do Estado para a crise.”

Marussia Whately

Dias difíceis

Desde maio deste ano a Sabesp se utiliza da água proveniente do chamado volume morto do Sistema Cantareira, principal manancial abastecedor da Grande São Paulo, para nutrir a capital.

“…Não há medida que consiga reverter esta situação em menos de cinco anos.”

Antonio Carlos Zuffo

Para o professor Antonio Carlos Zuffo, da área de Hidrologia e Gestão de Recursos Ambientais da Unicamp, o prognóstico é de dias difíceis. Segundo ele, além de enfrentar a escassez, os paulistas terão de lidar com a impureza da pouca água do reservatório. “Os peixes já vêm sofrendo com a falta de oxigênio dos rios e represas, e isso tende a piorar. Com um volume menor de água para a diluição de impurezas, a saída será o tratamento com maiores quantidades de cloro, o que compromete a qualidade da água que abastece residências, a produção agropecuária e industrial do Estado”, explica.

Zuffo acredita que a estiagem dure entre três e quatro décadas, e que a única saída para minimizar os prejuízos a curto-prazo é conscientizar a população. “A água economizada hoje será responsável pelo abastecimento de amanhã”, diz. E garante: não há medida que consiga reverter esta situação em menos de cinco anos.

A seca vira arte

Foto: Marcelo Delduque

Foto: Marcelo Delduque

Na contramão do que pensa a maioria dos moradores do Estado, Marcelo Delduque, morador de Bragança Paulista, não enxerga com tanta estranheza a seca que toma conta da represa que passa por sua propriedade, a Fazenda da Serrinha, já que a barragem foi construída artificialmente na década de 1970 para compor o Sistema Cantareira.

“Quando nasci, a represa não existia. Acompanhei durante a infância o povoado sendo alagado por ela. Por isso, para mim não é estranho ver tudo seco novamente”, conta.

É na centenária fazenda da família que há 13 anos acontece o Festival de Arte da Serrinha, produzido por Marcelo e seu irmão, Fábio Delduque, curador-responsável do evento. O festival propõe uma reocupação poética da paisagem rural por meio da arte contemporânea. É lá que artistas, estilistas, apaixonados e curiosos pela arte se embrenham, a cada ano, em produções artísticas livres e muito criativas.

Hoje a paisagem no entorno da fazenda é completamente diferente de quando a represa comportava seu nível normal de água. Assim, o que Marcelo pode acompanhar é o movimento contrário do qual vivenciou quando criança: o resgate das condições naturais do local, a retomada das raízes da Serrinha.

Curiosamente, o tema do Festival de 2014 foi justamente “Raízes”, e a paisagem do chão de barro rachado, que antes dava lugar à represa, tornou-se protagonista do evento.

O festival de arte da Serrinha propõe uma reocupação poética da paisagem rural por meio da arte contemporânea. (Foto: Carol Quintanilha)

Performance artística na paisagem lamacenta que transformou a represa. Fazenda da Serrinha. (Foto: Carol Quintanilha)

Antes da seca: a represa da fazenda Serrinha é parte do Sistema Cantareira (Foto: Marcelo Delduque)

O festival de arte da Serrinha propõe uma reocupação poética da paisagem rural por meio da arte contemporânea. (Foto: Marcelo Delduque)

Performance artística na paisagem árida que antes dava lugar às águas da represa. Fazenda da Serrinha. (Foto: Marcelo Delduque)

Sistema Cantareira – vista geral do reservatório Cachoeira em sua capacidade normal. (Foto: Instituto Socioambiental)

A represa de Vargem, componente do sistema Cantareira com sua capacidade hídrica já bastante reduzida. (Foto: Luiz Augusto Daidone/ Prefeitura de Vargem)

Racionamento velado

  • Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Aenean euismod bibendum laoreet. (Foto: Fabio Nascimento/Greenpeace)

    Falta de transparência: João exibe a quantidade de cloro contida na água após horas sem abastecimento. (Foto: acervo pessoal)

Morador do Mandaqui, zona norte da cidade de São Paulo, o estudante de jornalismo João Tiago Soares, 32, se queixa da falta de transparência praticada pela Sabesp. “Inacreditável. Até a Copa, tudo correu bem. Dias depois da final do campeonato, sem aviso prévio, o racionamento começou” – relata.

João afirma que no início faltava água por quatro horas durante a tarde e que depois foi faltando água cada vez mais tarde e por mais tempo. “Fechavam os reservatórios por volta das 22h, quando as pessoas se preparavam para dormir. Só abriam lá pelas 04h, quando estavam prestes a acordar”, conta. João diz que sempre que ele ou algum vizinho telefonam para a Sabesp, a resposta é a mesma: estão realizando uma “adequação” no sistema hídrico.

“Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia.”

Declaração Universal dos Direitos da Água

No último dia nove de setembro, Catarina de Albuquerque, relatora da ONU (Organização das Nações Unidas), declarou que a crise da água não pode ser justificada pela estiagem: cabe ao Estado prever e prevenir a população de circunstâncias como esta. Diante da crise, o recém-eleito governador Geraldo Alckmin continua negando a interrupção do abastecimento – praticada há pelo menos três meses – e descartou a necessidade de racionamento em 2014. Com mais quatro anos de mandato, veremos que medidas ele tomará para tirar a população do sufoco. Nem o cantor Chico Science seria capaz de prever lama e caos tão próximos um do outro.

Brazil drought: water rationing alone won’t save Sao Paulo (The Guardian)

The solutions to the severe drought in Brazil must go deeper than water rationing and pressure changes, says the Alliance for Water network

An aerial view of the Atibainha dam, part of the Cantareira reservoir, during a drought in Nazare Paulista, Sao Paulo state in this November 18, 2014.

An aerial view of the Atibainha dam, part of the Cantareira reservoir, during the drought in Nazare Paulista, Sao Paulo state last November. Photograph: Nacho Doce/Reuters

It should be the rainy season. Instead Sao Paulo state is experiencing a third consecutive year with soaring temperatures and rainfall patterns well below historic records.

The main water reservoirs are operating at their lowest capacity. The Cantareira reservoir system, which serves more than nine million people in the state, is only 5% full. At the Alto Tietê reservoir network, which supplies three million people in greater Sao Paulo, water levels are below 15%.

Simple calculations indicate that given the current level of consumption versus the predicted raining patterns there is only enough water on the system to last four to six months. That means the water could run out before the next rainy season starts in November. State officials recently announced a potential rationing program of five days without water and two days with, in case the February and March rains do not refill the reservoirs.

This extreme climate scenario, combined with a series of management flaws, political negligence and a culture of waste and pollution, is bringing the largest metropolitan region of Brazil to the brink of collapse.

Since 2013, after decades of warnings about misguided development policies and destructive land use practices, experts and civil society organisations have been calling for increasingly strong measures to reduce water consumption to keep the minimum secure levels for supply reservoirs. The calls have been ignored by the state government – the system’s main operator – and federal and municipal authorities turned a blind eye to the severity of the situation.

The government took a few small steps in early 2014, such as offering a discount on water bills for people who voluntarily reduced their consumption. It also increased supply from the Billings and Guarapiranga reservoirs, but as these sources receive most of the urban waste from Sao Paulo, the water needs to be carefully tested and treated to be adequate for human consumption, adding to the complexity of securing safe water supply during the drought.

The government’s main initiative has been to reduce pressure on the distribution network, so that it pumps less water through the system. As the measure was not officially recognised by leaders or the media, people were unprepared to live without drinkable water for a couple of days when the supply glitches started to happen. Taken by the population as a de facto rationing, the lack of transparency about the times and places affected by pressure reduction caused more problems and increased distrust among Sao Paulo’s citizens.

brazil drought cracked ground

The Cantareira reservoir system serving more than nine million people in Sao Paulo state is only 5% full.Photograph: Nacho Cubero/Reuters

The recovery measures adopted so far account for a 22% reduction on the water volume extracted from reservoirs. Experts, however, advise that the reduction should be around 50% to sustain the minimal conditions needed for the system.

Many might be surprised that such a scenario is happening in a tropical country famous for its abundance of natural resources, crossed by hundreds of rivers and with plenty of underground water. But for regional environmentalists and experts it comes as no surprise. They have been raising the alarm on water pollution and campaigning for watershed protection and safety standards since the 1980s. But scientific and technical reports, advocacy measures and pressures on companies were lost among the apparently unstoppable powers of real estate, agriculture and industry development. Urban land use, extensive monocultures and illegal occupation of watersheds have damaged and polluted the water production areas, jeopardising their capacity to survive and recover from extended dry seasons.

National development policies strongly focus on macro-infrastructure plans such as large hydrodams, ports and roads, the expansion of agribusiness into the Amazon, and the predatory mining industry. These sustain the exports of soya, beef and pig iron while being responsible for the majority of Brazilian greenhouse gas emissions. More and more scientific studies show the link between deforestation in the north and the reduction of rainfall in the southeast, presenting further evidence of how the effects of climate change are already upon us.

Despite the relative gains in poverty reduction over the last decade, the imminent collapse of the water supply system of the richest region in Brazil shows that basic development structures have yet to be addressed and fundamental human rights have yet to be secured in this country. Millions of people from the poorest communities have entered the consumer market, but their access to housing, sanitation, clean water, citizen security and transport remain unguarded.

brazil drought dried reservoir

A sign reading ‘Don’t jump in the water’ at the dried up part of the Guarapiranga reservoir in November 2014. Photograph: Paulo Whitaker/Reuters

This is where an old cliché becomes real: major opportunities lie within this crisis. The transcending effect of the water shortage creates a space for unity and coordination among Brazilian social movements. It offers the chance for environmental organisations to link deforestation with urban issues, to communicate that social justice will not be achieved as long as the priority is given to an unequal and unsustainable development model. Moreover, the urgency and scale of the water crisis is likely to bring NGOs and labour unions closer to the organic and youth protests that drew hundreds of thousands of people to the streets in 2013. The time and place for a solid narrative that links poverty reduction to ecological protection seems finally to have arrived.

In October 2014, more than 40 NGOs, experts, independent collectives and social movements joined forces to launch the Alliance for Water, a network that is monitoring the government’s response to the crisis and presenting positive solutions for surviving the probable collapse. The alliance aims to collaborate to build a new culture of water use and conservation in Sao Paulo and is producing a series of technical reports and events to qualify the debate among a wide range stakeholders, from specialists to politicians to social movements and grassroots groups.

Today more than 13 million inhabitants of Sao Paulo state find themselves on the edge of an unprecedented public calamity. The absence of political leadership and government transparency fuels panic and fear. Until now, the government has not outlined a clear emergency plan to guarantee minimum water supplies for essential services such as hospitals, police stations and prisons, and for the poorest people who have no structure to store or buy mineral water. A chaotic scenario might take place where, faced with a severe and sustained lack of water, many communities will resort to polluted sources or even violence, raising significant concerns over safety and health.

Civil society has a pivotal role to play by challenging development models, establishing social control over emergency plans, securing human rights and promoting the values of ethics and solidarity. As is usual in calamity situations, the most vulnerable, poorest communities are likely to pay the highest price with their health and their dignity. These people need to know they can count on organised civil society to support them across the turbulent times that lie ahead.

Marussia Whately is the programme director and Rebeca Lerer is the communications coordinator for the Alliance for Water network.

SP, MG e Rio: 87% atribuem crise hídrica aos governantes, diz pesquisa (O Globo)

Na Grande São Paulo, segundo a consultoria Expertise, 92,5% colocam na conta do governo o problema

POR LEONARDO GUANDELINE

11/02/2015 6:00 / ATUALIZADO 11/02/2015 12:23

SÃO PAULO – Aumentou entre paulistas, cariocas e mineiros o número de pessoas que atribuem a responsabilidade pela atual crise hídrica ao governo (municipal, estadual e federal). É o que mostra pesquisa inédita sobre o tema realizada via internet pela consultoria mineira Expertise. Num primeiro levantamento, feito em outubro passado, 75% dos entrevistados colocavam a crise na conta dos governantes. Em fevereiro deste ano, esse número subiu para 87%. Na Grande São Paulo, região que enfrenta problemas no abastecimento de água há mais de um ano, 92,5% dos entrevistados acreditam que os governantes têm muita responsabilidade pela crise – eram 78% na pesquisa anterior.

Dos 2.138 entrevistados em São Paulo (interior e região metropolitana da capital), Minas (interior e Grande Belo Horizonte) e Rio, 75% responsabilizam a população (ante 78% da pesquisa anterior) pela crise e 74% as empresas responsáveis pelo abastecimento (eram 62% no levantamento anterior) pelo problema.

Em outubro, os entrevistados diziam que o principal fator que levou à crise foi o mau uso da água e dos recursos naturais pela população (o item agora ocupa a segunda posição, segundo 21% dos entrevistados). Na pesquisa atual, a falta de planejamento dos governantes (na opinião de 29% dos internautas), que ficava em terceiro lugar, lidera. Segunda posição no levantamento de outubro, a falta de chuva hoje ocupa o quinto lugar, segundo 13% dos entrevistados.

Segundo a pesquisa, 48% dos internautas disseram ter tido pelo menos um corte de água nos últimos dias. Na região metropolitana da capital paulista, esse número sobe para 70%.

À consultoria Expertise, 91% dos entrevistados acham que o governo poderia ter evitado que a crise chegasse a tal ponto. Outros 89% acreditam que a crise hídrica vai afetar o fornecimento de energia. Dos internautas, 87% demonstram estar “bem preocupados” com a falta d’água.

Para 66%, a tendência é de piora no quadro nos próximos 12 meses. E 90% disseram acreditar que o preço da água vai subir.

A Expertise realizou as entrevistas online em janeiro e fevereiro deste ano, com homens e mulheres de todas as classes sociais. A margem de erro da pesquisa é de 2,1 pontos percentuais, para mais ou para menos.

AUMENTO NO ESTOQUE DE ÁGUA

Se em outubro o número de entrevistados ouvidos pela consultoria que disseram estar estocando ou pensando em estocar água era de 64%, em fevereiro esse percentual subiu para 73%.

À consultoria Expertise, os entrevistados ainda responderam sobre uma série de mudanças no comportamento. 83% disseram ter diminuído o tempo no banho e 72% passaram a fechar a torneira ao escovar os dentes ou lavar a louça. Dos internautas, 60% contaram que estão, de alguma forma, reutilizando água e 57% passaram a lavar menos roupa.

Os favoráveis ao racionamento somam 73% ante 77% do levantamento feito pela consultoria em outubro.

VEJA TAMBÉM

Leia mais sobre esse assunto em  http://oglobo.globo.com/brasil/sp-mg-rio-87-atribuem-crise-hidrica-aos-governantes-diz-pesquisa-15302418#ixzz3RSX8INbJ
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Senado pode ter comissão externa para acompanhar falta d’água no Sudeste (Agência Senado)

Se a comissão temporária for mesmo criada, o trabalho será feito em parceria com a Agência Nacional de Águas

O senador Jorge Viana (PT-AC) anunciou nesta terça-feira (10) que vai propor a criação de uma comissão temporária do Senado para acompanhar a precariedade no abastecimento de água aos habitantes da Região Sudeste. Para Viana, há uma soma de duas situações: uma seca sem precedentes e a ocupação desordenada do solo, com a destruição de nascentes.

— Toda a floresta protetora ao longo de riachos e rios nessa região foi danificada. Não restaram mais de 6% da Mata Atlântica. Eu entendo que é como se o Brasil estivesse buscando essa situação há muitas décadas, afirmou.

Jorge Viana acentuou que a falta d’água atinge mais de 50 milhões de pessoas. Corresponde, segundo ele, a um quarto da população nacional e afeta 70% do produto interno bruto (PIB). Nesta terça, o sistema Cantareira, que abastece quase toda a capital paulista, operava com 6,1% da capacidade.

Se a comissão temporária for mesmo criada, o trabalho será feito, conforme explicou Jorge Viana, em parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA) e com o Centro de Monitoramento de Cachoeira Paulista.

— Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais estão passando por um gravíssimo problema. Eu, como engenheiro florestal e como senador da Amazônia e do Acre, quero dar minha contribuição me aprofundando nesse tema. É preciso por o dedo nessa ferida de ausência de investimentos e de políticas públicas adequadas — concluiu o senador.

(Agência Senado)

http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/02/10/senado-pode-ter-comissao-externa-para-acompanhar-falta-d2019agua-no-sudeste

Matéria complementar da Agência Senado:

Reforma política, água, energia e segurança serão temas de sessões especiais
http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/02/10/reforma-politica-agua-energia-e-seguranca-serao-temas-de-sessoes-especiais

Com chuva, Alckmin adia decisão sobre rodízio de água na Grande SP (Folha de S.Paulo)

FABRÍCIO LOBEL e GUSTAVO URIBE

DE SÃO PAULO

11/02/2015  02h00

O volume de chuvas no início de fevereiro, que já se aproxima da média para o mês, levou o governo Geraldo Alckmin (PSDB) a adiar a decisão sobre a implantação de um rodízio de água na Grande SP.

Nas palavras de um assessor do governo, “a Sabesp não jogou a toalha” e, diante de um cenário com chuvas até o final de março e o avanço simultâneo de algumas obras, será até mesmo possível atravessar o período de seca, de maio a setembro, sem rodízio.

Folha teve acesso a esse “plano antirrodízio”, o mais atualizado da Sabesp, a estatal da água. Ele envolve três pontos-chaves, todos interdependentes, sendo que o primeiro nada mais é do que uma ‘torcida meteorológica’:

1) O ritmo de chuvas de fevereiro, que já superou a metade do esperado para o mês e fez aumentar a entrada de água no sistema Cantareira, tem de ao menos permanecer como está até o fim de março;

2) A ligação da represa Billings com o sistema Alto Tietê precisa ser concluída; a obra prevê 11 km de dutos entre os dois mananciais e, segundo o governo de SP, deverá ficar pronta até maio;

3) A capacidade de interligação entre sistemas terá de ser ampliada. Dessa forma, águas do Guarapiranga e do Alto Tietê, por exemplo, poderão atender moradores hoje abastecidos pelo Cantareira em áreas de Guarulhos, na Vila Maria (zona norte), Mooca (zona leste) e Brás (centro).

Editoria de arte/Folhapress

Com tudo isso, aliado principalmente à política de racionamento por meio da redução da pressão na rede de abastecimento, a Sabesp acredita que poderá manter uma vazão de no mínimo 10 mil litros de água por segundo no Cantareira ao longo de 2015, o suficiente, segundo a estatal, para evitar o início do rodízio –a vazão atual é de 14 mil l/seg.

Qualquer falha em um desses três pontos, porém, provocará a reavaliação desse planejamento. O final de fevereiro, por ora, é o prazo tratado internamente como limite para definir o rodízio.

Questionado ontem (10/02) sobre o tema, Alckmin afirmou que não existe nada definido. “É uma decisão técnica, da Sabesp, que faz o monitoramento diário”.

NOVO ÂNIMO

Até o final de janeiro, quando o volume de chuvas seguia bem abaixo da média histórica e o Cantareira caminhava para um colapso completo, o governo paulista tratava o rodízio apenas como uma questão de tempo.

Foi nesse contexto, por exemplo, que um dirigente da Sabesp falou na possibilidade de um rodízio “pesado”, com cinco dias sem água e apenas dois com na semana.

As chuvas de fevereiro não tiraram o Cantareira de uma situação crítica, mas deram uma leve trégua ao governo.

O sistema operou nesta terça (10) com 6,1% de sua capacidade, após mais uma alta. Esse percentual já inclui duas cotas do volume morto, que são as reservas de água abaixo do nível original de captação.

Para evitar um rodízio em 2015, o governo espera que o sistema chegue ao final de março entre 10% e 12% –com o solo úmido após as recentes chuvas, foram reduzidos os danos do chamado “efeito esponja”, que impede o armazenamento da água da chuva.

Estiagem leva 16,8% dos municípios brasileiros a decretar desastre (UOL)

Leandro Prazeres

Do UOL, em Brasília

11/02/201506h00

No Brasil, 16,8% dos municípios estão, oficialmente, em situação de desastre, que inclui os estágios de calamidade pública e emergência, por conta da estiagem. Os dados são do Ministério da Integração Nacional, que centraliza e reconhece decretos do gênero registrados por municípios e Estados em todo o país. O Nordeste lidera a lista dos municípios afetados pela estiagem. No Ceará, por exemplo, 95% dos municípios estão oficialmente em situação de desastre por conta da seca.

De acordo com dados do ministério, dos 5.570 municípios brasileiros, 936 tinham decretos de situação de emergência ou calamidade pública em vigência. Os dados são de 2 de fevereiro, data em que o órgão fez a última atualização das informações. A partir do reconhecimento federal, municípios e Estados em situação de desastre ficam autorizados a contratar serviços e comprar mantimentos em regime emergencial sem precisar fazer licitação.

Segundo o ministério, não é possível fazer uma comparação entre os dados atuais e os da mesma época do ano passado porque as informações não são compiladas diariamente. Ainda de acordo com o ministério, em 2014, 1.265 municípios tiveram seus decretos de situação de emergência ou calamidade pública reconhecidos pelo governo federal. Em 2013, foram 1.514.

A assessoria de imprensa do ministério informa, no entanto, que não é possível afirmar que a estiagem neste início de ano é mais amena que as dos anos anteriores, pois os dados referentes a 2013 e 2014 só foram contabilizados ao final de cada ano.

Situação no Nordeste

Dos 936 municípios brasileiros oficialmente em situação de desastre, 843 estão no Nordeste, o equivalente a 90%. A região Sudeste é a segunda mais afetada, com 94 municípios em situação de desastre. As demais regiões (Norte, Centro-Oeste e Sul) não têm nenhum município com decreto de desastre reconhecido pelo governo federal.

Todos os nove Estados do Nordeste têm municípios com situação de desastre reconhecida pelo governo federal. A Paraíba lidera o “ranking” da estiagem com 197 decretos. Logo depois vem o Ceará, com 176. Em termos percentuais, no entanto, o Estado mais afetado foi o Ceará, onde 95% dos municípios estão, oficialmente, em situação de desastre.

De acordo com a Defesa Civil do Estado do Rio Grande do Norte, onde 91% dos municípios têm decretos de desastre reconhecidos pelo governo federal, algumas cidades estão em “colapso” — sem condições de atender à população.

Segundo o órgão, o governo tenta colocar em atividade 1.700 poços artesianos para minimizar os efeitos da estiagem. Pelo menos três cidades já enfrentam rodízio de água em regime 24/48 (um dia com água para cada dois sem).

Situação no Sudeste

Apesar de a crise hídrica estar afetando o abastecimento de água em municípios da região Sudeste, especialmente no Estado de São Paulo, apenas três municípios paulistas estão na lista do Ministério da Integração Nacional: Cristais Paulistas, Santa Rita do Passa Quatro e Tambaú.

Segundo o Ministério da Integração Nacional, “não há pedidos de reconhecimento federal dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo” esperando por análise dos técnicos do governo federal.

No Sudeste, o Estado mais afetado é Minas Gerais, com 90 municípios em situação de emergência ou calamidade pública. Segundo o ministério, Minas Gerais ainda tem 25 pedidos em análise.

Entenda a diferença entre situação de emergência e calamidade pública:

Situação de emergência

Situação anormal provocada por desastres (chuvas, estiagem, incêndio etc) que causam danos e prejuízos que comprometam apenas parcialmente a capacidade do Estado ou do município afetado de responder à situação

Calamidade pública

Situação anormal provocada por desastres (chuvas, estiagem, incêndio etc) que comprometem substancialmente a capacidade do Estado ou do município afetado responder à situação. Normalmente, quando um Estado ou Município decreta calamidade pública, o governo federal intercede com ações de socorro e transferência de recursos

Estiagem: imagens aéreas exibem seca nas represas brasileiras

3.fev.2015 – Vista aérea da represa de Jaguari, em Jacareí, no interior de São Paulo. Após fortes chuvas que caíram no Estado de São Paulo, o nível do reservatório registrou aumento e passou de 1,61% para 1,72% da capacidade Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo

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Rodízio seria ‘drástico’, 2 dias com água e 5 sem, diz diretor da Sabesp (Estadão)

Massato admite que medida pode ocorrer em SP e aumenta redução de pressão; para Alckmin, outros políticos tiram ‘casquinha’ da crise

27.01.2015 | 12:47

Ana Fernandes e Stefânia Akel – O Estado de S. Paulo

Atualizado às 14h25

SUZANO – O diretor metropolitano da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Paulo Massato, admitiu na manhã desta terça-feira, 27, que a Região Metropolitano de São Paulo pode ter rodízio de água no qual haveria até cinco dias sem abastecimento e dois com. Segundo ele, esse racionamento seria “drástico”.
“Para fazer rodízio, teria que ser muito pesado, muito drástico. Para ganhar mais do que já economizamos hoje, seriam necessários dois dias com água e cinco dias sem água”, afirmou em Suzano, na Grande São Paulo, durante o anúncio da ampliação da Adutora Guaratuba para o Sistema Alto Tietê.

Massato afirmou que o rodízio pode ocorrer se os órgãos reguladores acharem necessário e “se não chover”. “Nossa engenharia está correndo contra o relógio. Estamos batendo novos recordes de baixas precipitações”, disse.

Rodízio seria 'drástico', 2 dias com água e 5 sem, diz diretor da Sabesp‘Nossa engenharia está correndo contra o relógio. Estamos batendo novos recordes de baixas precipitações’, diz Paulo Massato 
JF Diório/Estadão

Segundo ele, a Sabesp não pretende usar a terceira cota do volume morto do Sistema Cantareira. “Pretendemos não usar, vamos correr com as obras”, disse.

Redução de pressão no período diurno. Massato declarou ainda que a Sabesp está ampliando o período de queda de pressão nas tubulações que atendem a Região Metropolitana de São Paulo. “Estamos deixando de fazer operação só noturna para fazer também a diurna. Isso atinge toda a região metropolitana”, afirmou. Segundo ele, “nunca foi necessário” informar a população da redução de pressão, mas agora, com a ampliação do período, a Sabesp informa os horários em seu site.

Massato explicou que a redução é diferente para cada área da região metropolitana. “A redução hoje é variável, cada setor tem uma regra diferente”, disse.

No mesmo evento, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou que a válvula redutora de pressão da Sabesp existe há pelo menos 15 anos. “O mundo inteiro tem, para evitar perdas. Mas o período de redução da pressão era mínimo”, afirmou. Segundo ele, a medida, tomada há um ano, evita contaminação, canos estourados e perdas maiores.

‘Tirar casquinha’. Alckmin (PSDB) disse que existem políticos tentando “tirar casquinha” da crise hídrica, que atinge principalmente o Sudeste do País. Questionado sobre o pedido de manifestantes nesta segunda-feira, 26, em frente ao Palácio dos Bandeirantes, na zona sul de São Paulo, para o governador falar da gravidade da falta de água, ele repetiu que o governo paulista tem trabalhado ininterruptamente há mais de um ano para mitigar os efeitos da estiagem.

“Não há ninguém que tenha falado mais sobre esse tema do que eu. Tem muita gente tentando tirar casquinha política, tentando levar uma vantagenzinha”, queixou-se, sem mencionar nomes.

Alckmin afirmou ainda que, através da política de bônus, São Paulo tem hoje o menor consumo per capita de água e criticou outros prefeitos e governadores que não adotaram políticas semelhantes. “Não tem nenhum governo do Brasil que tenha feito bônus, engraçado, né? Ninguém critica ninguém. Ninguém fez.”

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Ensaio sobre a cegueira hídrica (Conta D’Água)

por Conta D’Água

26 de janeiro de 2015

Foto: Mídia NINJA

A falta d’água afeta a dignidade humana, tem implicações de saúde pública, desespera, paralisa a atividade econômica. Pois prepare-se: 2015 começou sob a sombra da crise hídrica. O cenário que se está montando é gravíssimo.

Já quase terminado janeiro, contata-se que choveu muito menos do que era esperado. No Sistema Cantareira, choveu 35% da média histórica. No Sistema Alto Tietê, meros 26% da média histórica. E o quadro não encontra alívio nos demais mananciais, também deficitários.

A própria Sabesp admite que o que existe de água em todos os sistemas, considerando o padrão de consumo atual, vai dar pra 50 dias, ou seja, março. E daí? Aí, acabou. Não é que vai faltar um pouco de água. É que não tem água; não tem para onde correr.

Entrevista realizada coletivamente por Barão de Itararé, Brasil de Fato, Fórum, Outras Palavras, Mídia Ninja, Ponte e SpressoSP. Fotos: Mídia NINJA

Para entender melhor as dimensões humanas, sociais, econômicas e ambientais dessa crise, o projeto Conta D’Água procurou uma das maiores especialistas do tema, a ambientalista Marussia Whately, dirigente do projeto Água São Paulo, do Instituto Socioambiental (ISA), e uma das principais protagonistas da Aliança pela Água, uma iniciativa reunindo 30 ONGs, visando propor soluções e cobrar providências do poder público.

Distribuição de água em praça pública, Itu, dezembro de 2014. Foto: Mídia NINJA

A crise na vida real

MARUSSIA WHATELY: Tornou-se séria a perspectiva de o Sistema Alto Tietê, que abastece a zona leste de São Paulo, entrar em colapso. Isso quer dizer que quatro milhões de pessoas deixarão de ter água pra beber. Hoje, o nível do reservatório está em 10,4%, o que é extremamente crítico porque se trata de um reservatório com apenas metade da capacidade do sistema Cantareira. E está baixando.

Como você vai fazer pra manejar essa região? Onde as pessoas vão pegar água? Uma das possibilidades é levar água potável com caminhões-pipa provenientes de Ubatuba, São José. Quantos litros serão necessários para abastecer a zona leste todos os dias? Qual a qualidade da água que chegará aos consumidores?

Nessa região, você tem reservatórios de distribuição, as caixas d’água da Sabesp, como a que existe na avenida Consolação, ou no Paraíso. Esses reservatórios, logicamente, estarão vazios. Mas eles têm de ser o lugar para onde os caminhões-pipas serão levados.

Não se pode deixar caminhão-pipa no mercado. A partir de agora, será preciso que se mapeiem todos os poços que estão autorizados a captar água mineral. Num plano de contingência, todos esses 50 mil poços têm de ter sua outorga suspensa e a exploração será de uso exclusivo do Estado.

Agora, a Sabesp vai fazer isso? Não. Esta é uma responsabilidade do governo do Estado, com as prefeituras. É uma agenda que temos que trabalhar para que se torne realidade.

Vamos um pouco mais em frente com esse cenário.

“Os caminhões-pipas foram captar a água. E como essa frota chegará à zona leste? Será necessário organizar uma grande operação de logística durante as madrugadas, com menos trânsito, para transportar toda essa água. Porque serão centenas de caminhões-pipas.”

Os caminhões encherão o reservatório e amanhã, das 10h às 12h, a população de Ferraz de Vasconcelos, com seu comprovante de residência em mãos, vai poder retirar uma quantidade de água por pessoa. Das 12h a tal hora, vai ser a população da zona leste…

Coleta de água em postos improvisados na cidade de Itu, interior de SP. Foto: Mídia NINJA

Isso é um plano de contingência numa situação de estresse grave. Água pra escovar os dentes, tomar banho e cozinhar. Para outros fins —como dar descarga, lavar roupa, limpar a casa—, a saída será a água da chuva. Para isso, postos de saúde, escolas, creches, unidades de serviço público, precisarão se equipar com caixas para captar água da chuva, com filtro, tudo direitinho.

É preciso que a cidade se prepare. É preciso que o poder público se organize. A possibilidade de implantação de um racionamento de cinco dias sem água é bem concreta. Mas uma coisa é viver cinco dias sem água em uma situação organizada. Outra coisa, bem diferente, é ter o racionamento em uma área como a zona leste da Capital, com uma rede toda remendada, com áreas inteiras de ocupação irregular. O resultado torna-se muito mais imprevisível.

Para dar um exemplo. Ontem, a partir das 16h30, não tinha mais água da rua em minha casa. Mas se trata de uma casa com apenas dois moradores. Manejando o consumo, conseguimos ficar até cinco dias sem água da rua. Vamos ter restrição? Claro, mas dá para garantir as necessidades básicas. Essa situação é totalmente diferente da que é vivida em uma comunidade com poucas caixas d’água, com casas habitadas por um número muito maior de moradores.

Mas fica pior quando se considera que essas pessoas funcionam em horários difíceis –gente chegando muito tarde em casa, por causa do transporte deficiente (quando a água já foi fechada), e que sai muito cedo de casa, também por causa do transporte deficiente (e a água ainda não voltou).

“Uma creche que não abre porque não tem água gera um efeito cascata. Se as crianças não podem ir para a creche, a mãe tem de faltar no emprego.”

Tomemos o caso de uma diarista. Quantos dias ela poderá faltar no emprego? Será que ela vai poder levar os filhos ao emprego? E isso impacta a vida da patroa dela também. Assim, começa um efeito de instabilidade grande na sociedade. Esse é um dos efeitos que ainda não estão devidamente dimensionados. Os governantes estão desatentos a essa questão.

E há a situação crítica das populações mais sensíveis, que precisam ser levadas em consideração. Sabe-se que a população da terceira idade, mais de 60 anos, e as crianças até 7 anos têm uma vulnerabilidade maior à desidratação. E há ainda os acamados, com deficiência de mobilidade e idosos, aos quais é preciso garantir o suprimento básico de água no próprio domicílio. Em suma, há uma série de desdobramentos éticos envolvida na gestão da crise.

Já se esperam protestos. Em Itu, vizinho de São Paulo, até donas de casa colocaram fogo nas ruas. Aqui em São Paulo, vai haver um escalonamento de manifestações e de violência porque a água mexe com a questão da dignidade. Quantos dias nós aguentamos sem poder dar descarga?

Dona Rute e sua família vivem em cinco pessoas em uma casa que recebe água apenas seis horas por dia no Capão Redondo, periferia de São Paulo. Foto: Sarah Pabs

É preciso instalar um Comitê de Crise. Temos de falar e explicar que se trata de uma crise sem precedentes. O mais natural seria o governador do Estado de São Paulo [Geraldo Alckmin] puxar isso, mas se ele não puxar, a sociedade civil tem de fazê-lo.

O Comitê é fundamental no sentido de começar a desenhar as linhas de ação de um Plano de Contingência. A população precisará de referências públicas em relação à água. Também é importante o acesso à informação.

Nós lançaremos em fevereiro um copilado de propostas de especialistas para a gestão dessa crise. Um dos itens importantes, por exemplo, é a questão da qualidade da água oferecida pelos caminhões-pipa. Teria haver em cada subprefeitura uma lista de caminhões-pipas autorizados a operar. E informações claras do tipo: “Aqui, na área desta Subprefeitura, faltará água nos próximos cinco dias; água potável poderá ser encontrada nesses endereços, de tal hora a tal hora”. Isso tem que ser feito e não é responsabilidade da Sabesp.

Em última instância, quem vai ter de decretar os estados de emergência são as prefeituras, mas elas estão receosas de assumir o protagonismo da crise. Pela lei de saneamento, as prefeituras são os titulares do saneamento. Teoricamente, seriam as prefeituras que deveriam mandar nessa confusão. O contrato de prestação de serviços da Sabesp é assinado com a prefeitura, que delega a regulação para a Arsesp, Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo.

Eu acredito que tem um canal, que vai ser começado pelo município de SP, que está revendo o contrato com a Sabesp, e está percebendo que os moradores do município vão ficar sem água, enquanto a empresa recebe uma grana incrível em cima e não reinveste.

Um acionista da Sabesp que eu acho que está sendo pouco questionado é o próprio governo do Estado, que detém 51% da empresa. Quando são pagos os dividendos, 51% voltam para o governo do Estado, e não necessariamente o governo tem reinvestido na Sabesp.

(Grande parte do investimento em infraestrutura que a Sabesp fez nos últimos anos foi com financiamento da Caixa, financiamento do Banco Mundial, várias fontes).

Plano de contingência

MARUSSIA WHATELY: O plano de contingência é a principal reivindicação da Aliança pela Água. Em final de outubro do ano passado, fizemos um processo rápido de escuta de mais ou menos 280 especialistas de diferentes áreas. E o plano de contingência apareceu como uma das principais reivindicações desses especialistas.

Volume morto na represa Jaguari-Jacareí, no Sistema Cantareira. Foto: Mídia NINJA

Naquela ocasião, a idéia predominante era que se adotasse um plano de contingência que permitisse que chegássemos a abril deste ano com um nível de reservação de água nas represas, que desse para aguentar o período da estiagem. Infelizmente, esse plano não foi elaborado e muito menos realizado.

O que aconteceu na prática foi uma negação da crise hídrica por parte do governo do Estado até dezembro de 2014 —uma negação que vai levar para outras instâncias de responsabilização.

O governador terminou o ano dizendo que não teríamos racionamento e que não haveria falta d’água. E começou 2015 dizendo que existe o racionamento e que pode ser que falte água.

Se fosse um novo governador, a gente até poderia aceitar, mas se trata do mesmo cara. Então tem uma questão aí: a forma como a crise foi conduzida nos fez perder muito tempo em termos de ações para chegar a um nível seguro em abril.

Realmente, existe um componente de clima na crise que não dá para negar. Já está confirmado que 2014 foi o ano mais quente da história. O que já seria um quadro de extrema gravidade, entretanto, tem sido agravado porque desde 2011 a Sabesp está super-explorando as represas. Ou seja, tirando delas mais água do que entra.

O governo do Estado deveria ter assumido a liderança em relação à crise da água em São Paulo. No caso do sistema Cantareira, essa liderança deveria ser dividida com o governo federal, por intermédio da Agência Nacional de Águas e do Ministério do Meio Ambiente, a quem compete organizar a Política Nacional de Recursos Hídricos. O problema é que muitos dos nossos instrumentos de gestão vem sendo desmantelados em escala federal, estadual e municipal.

“O Ministério do Meio Ambiente está omisso em relação aos recursos hídricos. A Agência Nacional de Águas transformou-se num mero órgão que faz a outorga, já que ficou enfraquecido nesse processo de construção de Belo Monte.”

A síntese é a seguinte: “Já basta a licença ambiental, não me venham inventar mais uma licença de recursos hídricos, pra empacar a hidrelétrica”.

É preciso recuperar as represas. O Sistema Cantareira está com o nível em torno dos 5%. Não dá mais! Não vai encher. Vai ter que ter racionamento.

A perspectiva com a qual a Aliança da Água trabalha é a de união entre diferentes setores (especialistas na pauta do meio ambiente e sociedade) para a elaboração de um Plano de Contingência mais sólido. Ficar refém, à espera de um plano elaborado pela Sabesp, além de não ser propositivo também não é eficaz. É fundamental que os movimentos sociais e as universidades debatam esse tema com profundidade e urgência.

Quem é o responsável?

MARUSSIA WHATELY: O padrão de chuvas, repito, foi aquém da média histórica, mas houve o acúmulo de infelicidades. Uma que é certamente muito grave foi a ausência de visão estratégica mínima do responsável, que é o governo estadual paulista. Ele deveria ter liderado a gestão da água, mas perdeu um ano negando a existência da crise, afirmando para a população que não faltaria água, criando uma medida que foi o bônus, apresentado como uma alternativa ao racionamento. Só que o bônus ele é muito questionável porque descapitaliza a empresa. Diminui a capacidade de investimento da Sabesp. Do ponto de vista econômico, no momento de escassez de um produto, você baixar o preço dele, é um contrassenso.

Durante os nove meses de campanha, não se conseguiu mudar o padrão de consumo. Metade dos consumidores aderiu e reduziu 20% o gasto de água. Um em cada quatro reduziu, mas não atingiu a meta. E um em quatro aumentou o consumo. A verdade é que junto com o bônus teria de ter a sobretaxa para o excesso de consumo e uma série de ações.

“O bônus foi apenas uma ação paliativa, tentando substituir uma ação mais
radical que seria o racionamento. “

Ao mesmo tempo, de um ponto de vista mais técnico e operacional, só isso não gerou a redução do consumo de água que seria necessário.

Represa Jaguari–Jacareí, no sistema cantareira. Foto: Mídia NINJA

Desde o início do ano passado, falava-se em reduzir pela metade a retirada de água do sistema Cantareira. Ou seja, sair de 31 metros cúbicos por segundo para 16. Mas isso só está sendo atingido agora. Eles foram baixando de 31 para 27, para 24…

No total do abastecimento de água de São Paulo, conseguiu-se reduzir o consumo de 69 metros cúbicos por segundo para 55. Ou seja, todas as medidas adotadas –bônus, redução da pressão, ampliação de captação, melhoria no índice de vazamentos — lograram uma economia de 20%. É pouco em termos de redução da retirada de água dos mananciais. Precisaria ser no mínimo 50%.

Em janeiro de 2014 houve um primeiro plano de contingência, que previa um plano de racionamento no sistema Cantareira. Esse primeiro plano simplesmente sumiu. Ele não está mais disponível. A proposta era que o Cantareira, que em janeiro de 2014 estava com 24% de reservação, sem contar o volume morto, já começasse a fazer um racionamento brando. Veja que esses 24% de reservação (sem contar o volume morto) equivaliam a 46% da capacidade total do sistema –e mesmo assim, já soou o alarme e se propôs o racionamento.

Hoje, o Cantareira está com um nível de reservação em 5,6%, já considerando o uso do segundo volume morto.

Corremos o risco de ter de decretar agora um racionamento de cinco dias sem água.

Quem deve ser o responsável pela gestão da crise?

MARUSSIA WHATELY: A questão das responsabilidades é essencial para estabelecer um plano de contingência. Qual é a grade de responsabilidades e atribuições? Quem tem de fazer o quê?

Obras do canal de escoamento do volume morto em represa do Sistema Cantareira. Foto: Mídia NINJA

A Sabesp é uma companhia prestadora de serviço. E, como prestadora de serviço tem de ter constância, indicador, desempenho, eficiência, meta… A Sabesp não é a gestora da política. Não é ela quem deve decidir onde é melhor investir, quem vai ficar sem água. Quem tem que decidir isso é a Arsesp, a agência reguladora. A gente tem feito cobranças equivocadas em cima da Sabesp, quando a cobrança tem de ser em cima da regulação.

É muito fácil colocar a Sabesp na linha de tiro. E ninguém fala nada sobre as responsabilidades da Secretaria de Recursos Hídricos, da Arsesp, da Secretaria de Meio Ambiente, que dá licenças, como a de uso do volume morto. Alguém viu o licenciamento ambiental desse uso extremo do Cantareira? Quais foram as condicionantes, os compromissos de mitigação? Foi uma licença emergencial?

Bacia do cantareira durante a seca. Foto: Mídia NINJA

Não é só que a água não está mais atingindo suas margens normais. É que, por centenas de quilômetros, o solo ficará ressecado, com impactos substanciais sobre todo o meio ambiente em torno.

Construir soluções para a crise vai depender de um plano de contingência que não é um plano da Sabesp, é um plano do governo federal, estadual, prefeituras e com a sociedade. Vai ter que entrar defesa civil, vigilância sanitária, secretaria de segurança…

Como resolver a crise

MARUSSIA WHATELY: O governo do Estado apostou alto que ia chover. E, na outra mão, ele veio com um conjunto de obras que conseguirão criar —daqui a cinco anos— mais 20 mil litros. A gente não precisa de mais 20 mil litros. A gente precisa consumir melhor a água que tem.

Obras durante a construção do segundo Volume Morto, no sistema Cantareira. Foto: Mídia NINJA

Daqui a cinco anos, eu terei feito a transposição de águas do rio Paraíba do Sul para cá, o Paraíba do Sul, aliás, que agora está com apenas 5% de água. Então, veja, eu faço uma mega-obra para trazer água e, de repente, pode não haver água pra ser trazida para cá.

E se, em vez disso, houvesse a recuperação da represa Billings, que está aqui ao lado? Nela, cabe a mesma quantidade de água do que a Cantareira é capaz de produzir. Ela não produz a mesma quantidade, mas ela pode guardar. Ou seja, eu posso trazer de outros lugares a água para a Billings em quantidades menores; posso interligar algumas represas do Alto Tietê; ou mesmo pensar em pequenos reservatórios no topo da serra do Mar, que seria uma água de altíssima qualidade, e trazer para Billings…

São várias idéias que nem chegaram a serem discutidas, a respeito de uma represa que está aqui, mais perto do que as alternativas de abastecimento colocadas na mesa. A Billings, como se sabe, é o destino do esgoto que a Sabesp não consegue tratar, que é jogado no Tamanduateí, no Anhangabaú, no Pinheiros, no Tietê, em todos os rios que a gente colocou avenidas em cima.

Depois, tem a drenagem urbana que é esquizofrênica porque uma parte quem cuida e o Estado, outra são as prefeituras. Só aí haveria uma capacidade de geração de água de chuva que seria mais ou menos o equivalente à vazão do rio São Lourenço, 4 metros cúbicos por segundo. O novo sistema São Lourenço, que deve ficar pronto em 2017, custará R$ 2 bi só em obras, terá custo operacional de mais R$ 6 bi em cima. Trata-se de uma mega-obra para trazer água lá de longe do rio Ribeira, sem pagar devidamente os encargos ambientais que serão gerados naquela região, sem que aquilo gere prosperidade naquela região.

Os ensinamentos da crise

MARUSSIA WHATELY: Com a água acontece uma coisa curiosa: como cai do céu, é difícil acreditar que vá faltar. Acaba a água da torneira, mas está tudo alagado lá fora. Isso, imagino, gera uma confusão pra muita gente… Mas ao mesmo tempo gera um aumento de consciência. Essa água que está alagando as ruas, será que ela não poderia ser usada?

Estoque de água doméstico em Itu, no interior paulista. Foto: Mídia NINJA

Essa água é própria para o consumo?, alguém poderia perguntar. Há controvérsias. Há pessoas filtrando e fazendo testes, dizendo que é melhor do que a água da Sabesp. Cada vez mais, eu acredito que, quanto mais a gente tornar as pessoas autônomas em relação a garantir o seu básico, mais a gente estará caminhando para um mundo sustentável. Ensinar a garantir o mínimo da sua água, o mínimo da sua comida, pode ser um caminho.

A gente está tendo falta de água, apagão de energia, enchentes. Todos esses eles problemas estão ligados à gestão da água. Todo esse processo é muito didático e deve induzir mudanças de atitude. Como continuar aceitando como normal descarregar a privada com água potável? O baixo nível dos reservatórios está mostrando o baixo nível das nossas políticas em relação a isso. Se não for didático, então a única saída é o êxodo.

Vídeo: Sintaema

Entrevista realizada coletivamente por Barão de ItararéBrasil de Fato,FórumOutras PalavrasMídia NinjaPonte e SpressoSP.

O que se pode fazer para vencer a crise da água? (A Conta d’Água)

26 de janeiro de 2015

Especialistas acreditam que medidas tomadas pela Sabesp e pelo governo do estado são insuficientes para resolver o problema do abastecimento, além de mascararem uma escassez que existe em diversas regiões do estado

Texto: Guilherme Franco e Vinicius Gomes da Revista Fórum

Fotos: Mídia NINJA

Na primeira segunda-feira (5) do ano, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) lançou mais uma de suas ações para combater a crise de saneamento de água: a distribuição de dispositivos de torneira para economizar água, com o mote “Se usar bem, ninguém fica sem”.

Como se ainda estivesse em 2014, a estratégia adotada para contornar o problema hídrico continuou sendo a mesma. Apelar para a boa vontade da população, atribuindo a ela, de forma direta ou indireta, parte da culpa pela crise. Há exatamente um ano, diversas cidades do litoral sul de São Paulo ficaram sem água próximo à época do Reveillon e, na ocasião, o governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou que a falta d´água havia ocorrido por conta de um “consumo inesperado” dos turistas que desceram a serra para as festas. Afinal, por que alguém esperaria aumento de consumo em períodos de forte calor, não é mesmo?

Ao longo de todo o ano passado, enquanto os paulistas incluíam as palavras “Sistema Cantareira” e “volume morto” em seu vocabulário diário, cada vez mais regiões da capital e do interior paulista passavam a sofrer com a falta sistemática de água. A cidade de Itu, na região metropolitana de Sorocaba, foi um dos casos mais simbólicos (Veja o vídeo).

Mesmo assim, o governador sempre foi resoluto em afirmar que não faltava água no estado. No último debate entre os postulantes ao governo paulista, no início de outubro passado, Alckmin, ainda candidato à reeleição, foi taxativo: “Não falta e nem vai faltar água em São Paulo”. Porém, neste novo ano que começa a notícia é velha. Para evitar o caos no abastecimento de água, o governo tucano decidiu impor uma sobretaxa para forçar a redução do consumo da população.

Se usar bem, ninguém fica sem?

“É importante que fique claro que a responsabilidade pela crise d´água não é da população”, afirma Edson Aparecido da Silva, sociólogo e coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental.

O especialista é um dos muitos que não possuem dúvida alguma de que o verdadeiro motivo para a crise hídrica em São Paulo não é a falta de consciência da população no uso d’água — que de fato existe — , mas sim porque os sucessivos governadores que passaram pelo Palácio dos Bandeirantes não tomaram as medidas necessárias. “Estamos enfrentando essa crise porque o governo não fez no tempo certo as obras que deveriam ter sido feitas. Ele não iniciou uma campanha de redução de consumo com a antecedência devida”, acrescenta.

Dona Rute, moradora do Jardim Umuarama, vive um racionamento não oficializado pelo governo, que pode durar até 9 dias sem água na torneira. Foto: Sarah Pabst

Na mesma linha de Aparecido, o diretor de base do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), José Mairton, afirma que o cenário atual poderia ser outro, caso o governador de São Paulo tivesse decretado o racionamento no início de 2014. “A estiagem prolongada previu a falta de água. Hoje poderíamos ter uma situação menos preocupante. A coordenação da campanha eleitoral do atual governador do PSDB não queria passar uma falha gravíssima de sua gestão anterior, sendo assim, persistiram em um erro que considero um dos maiores golpes políticos já visto”, avalia.

Mas, na contramão dos fatos, Alckmin nunca assumiu a necessidade de decretar racionamento, pelo menos assim o fez durante todo o ano de 2014 — um ano eleitoral.

De acordo com Edson Aparecido, apesar de o racionamento não ter sido decretado oficialmente, ele já existe desde que a Sabesp começou a fazer redução na pressão da rede durante o período noturno. “Quando uma pessoa chega em casa do trabalho, vai tomar banho, abre a torneira e descobre que a água só virá no dia seguinte, é um racionamento.”

Depoimentos que desmentem o discurso do governador são abundantes. “Aqui falta água faz tempo já, não é verdade que não tem racionamento em São Paulo”, relata o poeta Binho, fundador do Sarau que leva seu nome e morador do Campo Limpo, vizinho ao terminal de ônibus da região. “A gente tem que ficar de plantão o dia inteiro, esperando a água chegar. Aí corre pra encher balde, panela e guardar tudo”, conta a carroceira Dona Rute de Carvalho na favela Godoi, Jardim Umuarama — ambos na capital paulista.

Com o nível do segundo volume morte ora se estabilizando ora caindo, mas raramente subindo significativamente, e com o período de chuvas se aproximando do seu final, existe algum motivo para que o governador não decrete o racionamento?

Primeira solução para a crise: assumir que há uma crise

Pode parecer óbvio para muitos que, para se resolver um problema, precisa-se, primeiro, reconhecer que ele existe. Mas nem sempre o óbvio é assim tão evidente. “Em momentos de crise como esse, o governo estadual deveria fazer duas coisas — além de decretar oficialmente o racionamento : apresentar um “pacotão” de medidas — um plano de contingência para enfrentar essa crise que tende a se aprofundar ao fim do período de chuvas (final de março), e que esse pacote fosse precedido de um diálogo com as prefeituras diretamente envolvidas com a crise”, afirma Aparecido que cita as prefeituras das regiões metropolitanas da capital paulista e de Campinas, junto com os comitês de bacias hidrográficas do Alto Tietê e do PCJ (Piracicapa-Capivari-Jundiaí). “[Mas] o governo do Estado continua em uma linha de ação individual, autoritária, sem transparência e isso tem sido péssimo”, lamenta.

Fluxo de água na primeira cota do Volume Morto, inaugurado pelo governador Geraldo Alckmin. Foto: Mídia NINJA

Para ele, era necessária uma conversa com todas as prefeituras — com a ajuda do governo do estado e da Sabesp — para desenvolver um plano para a redução do consumo excessivo de água, além da adoção de algumas das medidas como: mapear todas as possibilidades de poços artesianos nas regiões e requisitar que o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo), que é o responsável pela outorga de utilização de poços, apresentasse, com as respectivas prefeituras envolvidas, uma lista com tais possibilidades, tendo como prioridade o abastecimento humano.

Outras medidas deveriam envolver também dois grandes consumidores de água no estado: os setores agrícola e industrial. Aparecido entende que o governo deveria negociar com ambos a busca por novas tecnologias para utilizar menos água em suas produções, inclusive com incentivos fiscais. “Partindo do princípio que a água tem que usar usada prioritariamente para o abastecimento humano, o governo também tinha que chamar a Fiesp [Federação das Indústrias de São Paulo] e fazer um plano de redução de consumo desse setor”, sugere o especialista.

Continuar pedindo o sacrifício da população é insuficiente

Perguntado se um, até o momento, hipotético decreto de racionamento residencial seria suficiente para aplacar a crise, Aparecido Silva é direto: não.

Segundo dados oficiais do DAEE, o setor industrial utiliza 40% de toda água disponível para abastecimento em rios, poços e reservatórios da Grande São Paulo e Baixada Santista e, como afirmou o geógrafo Wagner Ribeiro, professor titular da Universidade de São Paulo (USP), outras medidas futuras podem começar a ser discutidas, como a presença de indústrias nas regiões metropolitanas, que são áreas de escassez hídrica. “É fundamental reavaliar a conveniência de manter indústrias funcionando aqui”, acredita.

E quanto aos empregos na área industrial? O estudo mais recente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, feito entre os dias 12 e 26 de maio de 2014 com 229 empresas de micro e pequeno porte (até 99 empregados), 140 de médio porte (de 100 a 499 empregados) e 44 de grande porte (500 ou mais empregados), revelou que já foram fechados mais de 3 mil postos de trabalho devido à falta de água. As demissões decorrem da redução do ritmo da produção e da queda da produtividade das indústrias pela falta do recurso hídrico. A tendência, segundo a Fiesp, é que o quadro se agrave nos próximos meses.

“A situação já estava muito ruim no que diz respeito ao crescimento econômico”, declarou Anicia Pio, gerente de meio ambiente da Fiesp. “Naturalmente, que a falta d’água teve uma parcela importante nessas demissões. A escassez de água está levando à redução da produtividade e toda vez que isso acontece é necessário cortar custos, ou seja, demitir o funcionário. A nossa perspectiva é que a nova equipe que vai assumir decrete medidas amargas, mas necessárias para que cause o mínimo de sofrimento a todos os setores”, ponderou.

O estudo ainda apontou que, em cada três empresas, duas estão preocupadas com a possível interrupção no fornecimento de água na região. A possibilidade de racionamento ainda neste ano é um fator de preocupação para 67,6% das 413 indústrias entrevistadas pelo Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depecon) da Fiesp.

Calamidade Privada — A crise da água em Itu from A conta da Agua on Vimeo.

Anicia defende que o racionamento deveria ser decretado em todos os setores, inclusive para as empresas. “O correto é que a redução seja para todo mundo. As indústrias têm feito a lição de casa nesse sentido. Desde 2007, as empresas que captam água direto dos mananciais tiveram uma redução de mais de 50%. O setor industrial, na região metropolitana, responde por 10,6% de toda a água utilizada em termos de uso direto (rios, águas subterrâneas)”, afirma.

Além do plano de contingência, ela sugere incentivos fiscais para empresas que atuam no segmento de produtos químicos. “Quanto menos água, mais caro fica o tratamento. O governo poderia diminuir ou dar incentivo para a redução dos impostos de produtos químicos, evitando assim que a população seja obrigada a pagar mais caro pela água”, conclui.

De acordo com Aparecido, o governo do estado deveria enviar à Assembleia Legislativa de São Paulo uma lei reduzindo ou isentando de impostos da esfera estadual, como ICMS, equipamentos hidráulicos que possam reduzir o consumo de água para incentivar a indústria e o comércio — com os usuários domésticos substituindo seus equipamentos por outros de baixo consumo.

Outras medidas sugeridas pelo especialista seriam revisão de calendário de eventos nesses períodos de muito calor, onde se consome muita água; rever o calendário escolar — como campeonatos esportivos, feiras, congressos, a extensão do período de férias de verão e o cancelamento das férias de inverno, além de um controle maior para que todas as administrações, tanto estadual quanto municipal, reduzissem o uso de água na lavagem de equipamentos públicos e rega de jardins, por exemplo.

E a Sabesp?

Em 1994, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) se tornou uma empresa de capital misto com o argumento de que vendendo parte de suas ações seria possível arrecadar mais recursos para investir na sua função: saneamento básico e abastecimento de água.

Passados 20 anos, a empresa viu seu faturamento saltar de R$ 6 bilhões para R$ 17,1 bilhões entre 2002 e 2012. A quantia nada modesta seria mais do que o suficiente para a ampliar a rede de captação e saneamento, evitando assim qualquer problema relacionado à escassez de água. Enquanto parte da população da região metropolitana vê as torneiras secas há meses, os acionistas da Sabesp têm um faturamento nada escasso.

Festa em Nova York, seca em São Paulo: ao som de “Oh Happy Day”, diretores da Sabeps comemoraram o lucro de R$ 4,3 bilhões em 2012 Foto: Sabesp

Diante da lógica da maximização dos lucros, a companhia não tomou as medidas necessárias para conter a crise já em 2013, quando o nível dos reservatórios estava baixando. Políticas de racionamento, com penalização de quem desperdiçasse água, e de informação não foram feitas, como explica Anderson Guahy, técnico em gestão da Sabesp e diretor de formação do Sintaema.

“Em vez da empresa buscar a universalização do saneamento, levar saneamento e saúde para toda a população do estado, ter feito a manutenção das redes de água, ela vem atuando no sentido de garantir lucros cada vez maiores para seus acionistas. No que diz respeito à Sabesp, a responsabilidade pela crise deve ser direcionada à alta gestão e não aos trabalhadores concursados que vêm sendo perseguidos nos últimos meses”, diz Guahy.

Seguindo uma linha de raciocínio semelhante, Anicia Pio sugere que dois blocos de ações que deveriam ter sido executados mas não foram: obras e transparência. “Desde 2004 o governo sabia da necessidade de investir no sistema de abastecimento da Grande São Paulo, mas nada foi feito. Ao mesmo tempo, faltou autoridade e competência para chegar na população através da mídia e explicar a gravidade da situação”, afirma. O caso de 2004 a qual ela se refere é a outorga que autorizava a Sabesp a retirar água do Sistema Cantareira e fornecê-la para oito milhões de pessoas na capital paulista e na região metropolitana, ação que já constava entre as diretrizes para reduzir a demanda, pois o sistema poderia não suportar uma situação como a atual.

“E a Sabesp ainda não apresentou nenhum plano para a redução da perda de água, quer dizer continua perdendo um terço da água ainda na distribuição”, argumenta Aparecido. O especialista afirma que seria importante que ela interrompesse o pagamento de dividendos ou de juros sobre o capital próprio para os seus acionistas.

Em meio a pior crise enfrentada pelo Estado mais rico do Brasil, que possui a maior cidade da América Latina em um país que diferente de muitos outros, foi “abençoado” por inúmeros recursos hídricos disponíveis em seu território, os acionistas podem comemorar o ano que passou: somente em 2014, a Sabesp captou aproximadamente R$ 800 milhões. A população paga a conta.

Brazil Drought: Worst Water Crisis In 80 Years Affecting Four Million People In Country’s South East (International Business Times)

     on January 25 2015 12:17 AM

Brazil drought

View of the bed of Jacarei river dam, in Piracaia, during a drought affecting Sao Paulo state, Brazil on November 19, 2014. The Jacarei river dam is part of the Sao Paulo’s Cantareira system of dams, which supplies water to 45% of the metropolitan region of Sao Paulo –20 million people– and is now at historic low.  NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images 

Water cuts and blackouts have spread across large areas of south-east Brazil as a result of the worst drought in the country since 1930. The drought has hit Brazil’s three most populous states: São Paulo, Rio de Janeiro, and Minas Gerais.

More than four million people have been affected by water rationing and power cuts. In the Madureira district of Rio residents have mounted demonstrations, beating empty buckets and cans to express their frustration. The district has been without tap water since before Christmas. Other cities have seen similar demonstrations.

The drought first hit in São Paulo, where hundreds of thousands of residents have had water supplies cut. The region should normally be experiencing its rainy season.

São Paulo state suffered similar serious drought problems last year. At an emergency meeting of five government ministers in the country’s capital, Brasilia, Environment Minister Izabella Teixeira says that the three states must save water.

“Since records for Brazil’s south-eastern region began 84 years ago we have never seen such a delicate and worrying situation,” said Teixeira.

The water shortage will inevitably affect industry and agriculture. There will also be reductions in energy supplies, given reduced output from hydroelectric dams. The latter is a particular problem because there is extra demand for energy to power air conditioning during the summer months.

São Paulo Governor Geraldo Alckmin has increased charges for high water consumption and offered discounts for reduced usage. He has also capped the quantities extracted by companies and farmers from rivers. Nevertheless, critics blame poor planning and politics for the worsening situation.

Meanwhile, in Rio de Janeiro state, the BBC reports that reserves in the main water reservoir are exhausted, for the first time since its construction.

Environment Secretary Andre Correa said that the state was experiencing “the worst water crisis in its history”.

He stated there was sufficient water in other reservoirs to avoid rationing in Rio for at least six months. Even so, Rio and Minas Gerais are requesting asking residents and companies to reduce water consumption by up to 30 percent.

Crise da água em SP: Especialistas apontam cenários para quando a água acabar e lições a serem tomadas pelo colapso estadual (Brasil Post)

Publicado: 21/01/2015 11:29 BRST  Atualizado: 21/01/2015 11:53 BRST 

MONTAGEMCRISEDAAGUA

Promessa de campanha do governador Geraldo Alckmin (PSDB), a falta de água em São Paulo é uma realidade há meses em diversos pontos do Estado. Na semana passada, ele admitiu que há sim racionamento (diante da repercussão, tentou voltar atrás), algo que a população – sobretudo a dos bairros mais carentes – já sabia. O que também já se sabe é que, sim, a água vai mesmo acabar. Se não chegar a zerar, terá níveis baixíssimos que afetarão a vida de todos, a partir de março.

Os especialistas ouvidos pelo Brasil Post viram com bons olhos o fato de que o governo paulista, com atraso, reconheceu o racionamento. Também aprovaram a aplicação de multa contra aqueles que consomem muita água – embora a medida, tardia, devesse ser uma política sempre presente, e não para ‘apagar incêndios’ como agora. Contudo, o cenário que se colocará com a chegada do período de estiagem, entre o fim de março e começo de abril, se estendendo até outubro, vai requerer novos hábitos, seja dos gestores ou da população.

“Quando acabar a água serão interrompidas atividades que não são consideradas essenciais, com cortes para o comércio, para a indústria e o fechamento de locais com muito uso de água, como shoppings, escolas e universidades”, analisou o professor Antonio Carlos Zuffo, especialista na área de recursos hídricos na Unicamp. Parece exagerado, mas não é. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo desta quarta-feira (21), os seis mananciais que abastecem 20 milhões de pessoas na Grande São Paulo têm registrado déficit de 2,5 bilhões de litros por dia em pleno período no qual deveriam encher para suprir os meses de seca.

Já em 2002, a Saneas, revista da Associação dos Engenheiros da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (AESabesp), publicava um texto no qual apontava “uma inegável situação de estresse hídrico”, a qual podia “ter um final trágico, com previsões de escassez crônica em 15 anos”. A Agência Nacional de Águas (ANA) apontava, na outorga de uso do Sistema Cantareirade 2004, que era preciso diminuir a dependência desse sistema. Em plena crise, na tentativa de renovação em 2014, havia uma tentativa de aumentar, e não diminuir, o uso do Cantareira. Ou seja, algo impraticável e ignorando as previsões. Não, a culpa não é de São Pedro.

“Hoje a situação é muito pior que no ano passado. Em janeiro de 2014 tínhamos 27,2% positivos no Cantareira, hoje temos 23,5% negativos. Ou seja, consumimos 50% do volume nesse período. Mantida a média de consumo, a água acaba no fim de março. É preciso lembrar que janeiro é o mês com maior incidência de chuva em SP, seguido por dezembro. No mês passado, choveu 25% a menos do que a média. Esse mês só choveu 22%, 23% da média. A equação é simples: não vai ter água para todo mundo”, completou Zuffo.

Informação e transparência

Para a ambientalista Malu Ribeiro, da ONG SOS Mata Atlântica, a demora em admitir o óbvio por parte das autoridades trouxe mais prejuízos do que benefícios ao longo dos últimos 13 meses. “A sociedade precisa ter a noção clara da gravidade dessa crise. Quando as autoridades passam certa confiança, como era o caso do governo Alckmin, a tendência é que não se alerte da forma necessária e as pessoas se mantenham em uma situação confortável. Muita gente não acredita na proporção dessa crise, muito se agravou e agora é preciso cautela”, avaliou.

As mudanças na Secretaria de Recursos Hídricos e na presidência da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), com as entradas de Benedito Braga e Jerson Kelman, respectivamente, também foram benéficas, já que colocam em posições estratégicas dois especialistas no tema. Entretanto, isso não basta. A necessidade de discutir a gestão da água sob o âmbito estratégico, algo muito teórico e pouco prático no Brasil, é vista como fundamental em tempos de crise.

“Há ainda muita ocupação em áreas de mananciais, por exemplo. Então vemos que o comportamento, apesar da crise não ser nova, não mudou. Veja em Itu, onde eu moro, onde a crise foi muito pior e, agora que choveu um pouco, as pessoas acham que não precisam mais poupar, que tudo voltou ao normal. O combate ao desperdício deve ser permanente e temos de ter prevenção. É preciso doer no bolso, por isso a multa deve ser permanente”, disse Malu.

“A falta de informação resultou em uma insegurança, sem informar à população sobre o seu papel na crise. A ONU já apontava que a década entre 2010 e 2020 seria da água, e não por acaso, mas no Brasil há uma timidez nesse sentido. É preciso mudar essa cultura de abundância que se tem no Sudeste e desenvolver um plano estratégico, com mais poder aos comitês de bacia. É absurdo o desperdício de água na agricultura, e isso não é discutido. É hora de acordar”, completou a ambientalista.

‘Água cara’ veio para ficar

De acordo com os especialistas, a crise da água expõe também um cenário já esperado, já que a Terra passa por ciclos alternados entre seca e chuvas a cada 30 anos. O atual, iniciado em 2010 e que segue até 2040, será recheado de períodos de seca em regiões populosas, quadro a se inverter apenas daqui a 25 anos. Assim, é preciso mudar hábitos, antes de mais nada. Mesmo em tempos de calor excessivo, há quem ainda não tenha se dado conta disso.

“Muita gente se vê alheia ao problema e, com o calor, acaba correndo para compras piscininhas e usa a água para o lazer. O Carnaval que está chegando também ajuda a tirar o cidadão comum do foco, como ocorreu durante as eleições. Isso não é mais possível. Há a responsabilidade dos gestores, mas também é preciso que o cidadão se atente ao seu papel, sob pena de termos novas ‘cidades mortas’, como no Vale do Paraíba ou no Vale do Jequitinhonha, onde os recursos naturais foram exauridos”, afirmou Malu.

E que ninguém se anime com a promessa da Sabesp de que ainda há uma terceira cota de 41 bilhões de litros do volume morto do Cantareira, cujo uso deve ser solicitado pelo governo paulista junto à ANA nos próximos dias. “Sabemos que 45% do Cantareira que não é captado é volume morto. A terceira cota restante não é toda ela captável. Teríamos com ela mais uns 10%, suficiente só para mais algumas semanas”, comentou Zuffo.

Medidas sugeridas ao longo da crise, o reuso da água e a dessalinização são medidas caras e que dependem de outros aspectos para serem implementadas – e, com o possível racionamento de energia elétrica, podem não sair do papel. Ou seja, não são a solução a curto prazo. O uso de mais água de represas como a Billings (com sua notória poluição) também dependem de obras – outro entrave para quem gostaria de não ver a falta de água por dias seguidos se tornar uma realidade por meses a fio. Sem chuva, só há um caminho a seguir.

“Há uma variabilidade cíclica natural, que nada tem a ver com o aquecimento global, mas não temos engenharia para resolver a questão no curto prazo. Temos é que ter inteligência para nos adaptar e reduzir de 250 litros para 150 litros, ou ainda menos, o consumo de água por cada pessoa. Há países europeus em que o uso não passa de 60 litros/pessoa. É preciso usar menos e tratar a água de maneira que ela possa ser reutilizada. Tudo depende de tecnologia e novos hábitos”, concluiu Zuffo.

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Crise hídrica: Alarme! (Rede Nossa São Paulo)

19/1/2015 – 03h10

por Oded Grajew*

suspensao racionamento nh Crise hídrica: Alarme!

Diante da crise da água em São Paulo, o coordenador geral da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis faz um apelo às autoridades e aos cidadãos para que assumam as devidas responsabilidades. Confira:

A cidade de São Paulo está diante de uma catástrofe social, econômica e ambiental sem precedentes. O nível do sistema Cantareira está em cerca de 6% e segue baixando por volta de 0,1% ao dia. O que significa que, em aproximadamente 60 dias, o sistema pode secar COMPLETAMENTE!

O presidente da Sabesp declarou que o sistema pode ZERAR em março ou, na melhor das hipóteses, em junho deste ano. E NÃO HÁ UM PLANO B em curto prazo. Isto significa que seis milhões de pessoas ficarão praticamente SEM UMA GOTA DE ÁGUA ou com enorme escassez. Não é que haverá apenas racionamento ou restrição. Poderá haver ZERO de água, NEM UMA GOTA.

Você já se deu conta do que isto significa em termos sociais, econômicos (milhares de estabelecimentos inviabilizados e enorme desemprego) e ambientais? Você já se deu conta de que no primeiro momento a catástrofe atingirá os mais vulneráveis (pobres, crianças e idosos) e depois todos nós?

O que nos espanta é a passividade da sociedade e das autoridades diante da iminência desta monumental catástrofe. Todas as medidas tomadas pelas autoridades e o comportamento da sociedade são absolutamente insuficientes para enfrentar este verdadeiro cataclismo.

Parece que estamos todos anestesiados e impotentes para agir, para reagir, para pressionar, para alertar, para se mobilizar em torno de propostas e, principalmente, em ações e planos de emergência de curto prazo e políticas e comportamentos que levem a uma drástica transformação da nossa relação com o meio ambiente e os recursos hídricos.

Há uma unanimidade de que esta é uma crise de LONGUÍSSIMA DURAÇÃO por termos deixado, permitido, que se chegasse a esta dramática situação. Agora, o que mais parece é que estamos acomodados e tranquilos num Titanic sem nos dar conta do iceberg que está se aproximando.

Nosso intuito, nosso apelo, nosso objetivo com este alarme é conclamar as autoridades, os formadores de opinião, as lideranças e os cidadãos a se conscientizarem urgentemente da gravíssima situação que vive a cidade, da dimensão da catástrofe que se aproxima a passos largos.

Precisamos parar de nos enganar. É fundamental que haja uma grande mobilização de todos para que se tomem ações e medidas à altura da dramática situação que vivemos. Deixar de lado rivalidades e interesses políticos, eleitorais, desavenças ideológicas. Não faltam conhecimentos, não faltam ideias, não faltam propostas (o Conselho da Cidade de São Paulo aprovou um grande conjunto delas). Mas faltam mobilização e liderança para enfrentar este imenso desafio.

Todos precisamos assumir nossa responsabilidade à altura do nosso poder, de nossa competência e de nossa consciência. O tempo está se esgotando a cada dia.

Oded Grajew é empresário, coordenador da secretaria executiva da Rede Nossa São Paulo, presidente emérito do Instituto Ethos e idealizador do Fórum Social Mundial.

** Publicado originalmente no site Rede Nossa São Paulo.

(Rede Nossa São Paulo)