Arquivo da tag: Racismo

Esquerda e direita dirigem o mesmo trem colonialista, diz quilombola Antônio Bispo (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

Autor de ‘A Terra Dá, a Terra Quer’ afirma não ver diferenças entre Lula e Bolsonaro quando o assunto é mineração em terras de quilombos

Marina Lourenço

28 de maio de 2023


Antonio Bispo dos Santos. Foto: Alexia Melo

Colonizar um povo é como adestrar um boi. Ambas ações consistem na remoção da identidade, mudança de território e condenação do modo de vida alheio. Essa é a associação que Antônio Bispo dos Santos, também conhecido como Nêgo Bispo, faz em “A Terra Dá, a Terra Quer”.

Lançado nesta segunda (29), o livro desmancha conceitos como ecologia, desenvolvimento e decolonialidade —a contraposição ao pensamento de perspectiva colonialista e eurocêntrica.

O autor propõe o que chama de contracolonialismo, que seria a recusa de um povo à colonização, o que, segundo ele, é praticado há séculos por africanos, indígenas e quilombolas.

Nascido na comunidade Saco do Curtume, no Piauí, Bispo ganhou notoriedade em movimentos sociais, na década de 1990, quando chegou a se filiar a partidos políticos, que abandonou anos depois. Desde então, se voltou para a defesa dos povos quilombolas.

Nesta entrevista, o autor comenta conceitos do novo livro, a polarização política no país, a relação do presidente Lula (PT) com os quilombos e programas como Minha Casa, Minha Vida.

Em “A Terra Dá, a Terra Quer”, o sr. critica o colonialismo e se opõe à chamada decolonialidade, termo cada vez mais usado em contraposição ao pensamento colonial. Em vez disso, fala em contracolonialismo. Por quê? Só pode ser decolonizado quem foi colonizado. Qualquer pessoa que se sinta colonizada pode lutar para ser um decolonial.

Mas decolonialidade é uma teoria, não trajetória. Nunca existiu um movimento decolonial que tenha atuado de forma resolutiva em prol de um povo. O contracolonialismo é diferente. Os quilombos não foram colonizados.

O povo da academia que se diz progressista e só lê autores europeus, sim, precisa se decolonizar.

O sr. também diz preferir usar ‘colonialismo’ a ‘racismo’. É bom discutir racismo, mas ele é apenas um dos elementos colonialistas. Quando se fala em racismo, habitualmente as pessoas pensam na sociedade eurocristã. O colonialismo vai além disso. É para todas as vidas existentes.

Como combater o colonialismo? Não queremos matar os colonialistas. Por isso, falo ‘contracolonialismo’. É uma fronteira que estamos estabelecendo entre nós e a sociedade eurocristã monoteísta.

[O extinto quilombo dos] Palmares poderia ter destruído o Recife, mas não devemos destruir nada. Nossa proposta é dizer: ‘Vivam do jeito de vocês e viveremos do nosso, mas, se porventura, perceberem que o nosso é bom, nos deixem ensinar’.

Além do contracolonialismo, o sr. destrincha o conceito de cosmofobia, que seria uma desconexão entre a humanidade e a natureza. Se opondo a essa lógica, diz, então, que não é humano, mas sim, quilombola. Em termos práticos, o que quer dizer? O povo eurocristão monoteísta tem medo do próprio Deus, da natureza, do cosmo. É tanto medo que tem dificuldade de se relacionar com rios, terra, vento —daí a palavra ‘cosmofobia’.

Em Gênesis, quando Adão e Eva estavam no caminho do Éden, interagiam com tudo, não precisavam trabalhar, se submeter a uma ordem externa. Mas Deus humaniza eles, cria o terror e diz que a terra será maldita porque comeram o fruto proibido. É a Bíblia que cria os seres humanos —e quem está fora dela é selvagem.

Nós, quilombolas, convivemos em harmonia com as demais vidas. Os quilombos são lugares de relacionamentos. As cidades, de civilizações. Precisamos animalizar a humanidade e desumanizar a animalidade.

Como assim? Só os humanos usam a linguagem escrita. Nós, outros seres, nos comunicamos de outras formas, inclusive sonora. Passamos a vida ouvindo esse povo das escrituras dizer que não sabemos ler. Ora, os humanos não sabem falar.

Ainda nessa linha de escrita versus oralidade, o sr. diz que em comunidades quilombolas as histórias são passadas de boca em boca, sem nenhuma monetização. Por que decidiu se tornar escritor? Não sou escritor. Sou uma pessoa que escreve para estabelecer uma fronteira entre os saberes. Sou um lavrador que também lavra palavras.

Quando a escola escrita chegou à nossa comunidade, no fim dos anos 1960, nosso povo se recusou a participar, mas ao ver que perderia tudo se continuasse assim, colocou as crianças para estudar a linguagem das escrituras. Entrei na escola para isso.

Me tornei um tradutor da comunidade. Não vou negar que sei falar e escrever muito bem. Mas decidi escrever somente três livros [dois foram lançados] porque sou mesmo da oralidade.

Ao traçar uma relação entre favelas e quilombos, o sr. critica programas como o Minha Casa, Minha Vida e o antigo Fome Zero, os classificando como colonialistas. Não há nada neles para elogiar? Nada é apenas bom ou apenas ruim. O problema desses programas é que tiram das pessoas o direito de arquitetar, compor e plantar o que querem. Claro, melhor ter Fome Zero do que deixar morrer de fome. É melhor ter o Minha Casa, Minha Vida do que ficar na rua. Mas não são coisas para festejar. São para escapar.

O Minha Casa, Minha Vida tirou a laje das favelas. As casas são pequenas, não têm quintal. As pessoas ficaram confinadas, sem festa.

No Piauí, o Fome Zero foi lançado em Guaribas [município que, na época, era considerado um dos mais pobres do país]. Nunca houve debate com as pessoas de lá. Falavam que ali era pobre porque não tinha nem restaurante nem hotel, mas gente rica não precisa disso.

O sr. também critica alguns discursos ambientalistas. O que o levou a isso? Tem muito ambientalista que vive nas cidades mas quer consertar a floresta. É engraçado. As cidades estão alagadas, cheias de lixo, mas querem mexer onde não sabem viver.

O livro traz a ideia de que, na prática, não há diferença entre gestão de esquerda e de direita. Nos últimos anos, o Brasil entrou numa crescente polarização política. Como analisa isso? A direita e a esquerda são maquinistas que dirigem o mesmo trem colonialista. Escolher o vagão permite decidir os passageiros com quem você vai viajar. Mas a viagem é a mesma, vai para o mesmo caminho.

É preciso uma mudança estrutural. Cabe a nós, quilombolas e indígenas, extrair tudo o que pudermos deste Estado para criar nossas próprias estruturas.

Lula não fez reforma agrária favorável aos agricultores familiares porque não teve coragem. Fez reforma agrária para o agronegócio. Ele diz que acabou com a fome do povo e fará isso de novo. Ora, o que acabou, acabou. Se voltou é porque não acabou.

E quanto à gestão Bolsonaro? Não tive a oportunidade de extrair tanto dele, mas pude conhecer melhor o Estado e certas pessoas. Foi um governo sem máscaras, literalmente —nem contra Covid nem política.

Também serviu para quebrar alguns intermediários. Tinham setores da esquerda que nunca protagonizavam a própria vida mas queriam mexer na nossa.

Para nós, quilombolas, foi o momento de preparar nossas defesas e refletir. Agora, ninguém trata Lula igual das outras vezes.

Há semelhanças entre Lula e Bolsonaro? Qual a diferença entre Bolsonaro e um governo que autoriza a mineração em território quilombola sem cumprir os protocolos da Convenção 169? Do ponto de vista da mineração, não há diferença. Quem manda são as mineradoras.

O que quero dizer é que, sim, Bolsonaro e Lula são diferentes, mas essas diferenças não são tão favoráveis.

O que Lula fez para o povo quilombola? Criou o quê? Qual é o nosso espaço de poder dentro deste governo? Pergunto porque é dos amigos que a gente deve cobrar o melhor acolhimento.

Apesar de hoje dizer que direita e esquerda caminham juntas para o mesmo destino, o sr. já foi filiado ao PSB e ao PT, considerados de esquerda. O que fez se desvincular desse meio? Atuei em movimento sindical, partido e movimentos sociais por um bom tempo. Ao contrário da minha criação, me deparei com um conhecimento todo escriturado. Tentaram me convencer de que a sociedade era composta por duas classes, a trabalhadora e a patronal. Eu nasci e me criei na roça, numa comunidade quilombola. Como lavrador, nunca fui ou tive patrão.

Também diziam que os quilombos são formados por povos que fugiram da escravidão. Isso é muito pouco. [Na época da escravidão] Você podia fugir e aceitar trabalhar na condição dos colonos, mas não foi o que aconteceu com os quilombolas. Os quilombos continuam resistindo ao sistema como um todo.

Desde então, qual sua relação com a política? A última vez que votei foi em 1996, e em 1998, me desvinculei do movimento sindical. Hoje participo de uma mobilização para estruturamos a nossa comunidade. Essa é a nossa grande luta de defesa.


RAIO-X | ANTÔNIO BISPO DOS SANTOS, 63
É membro da comunidade Saco do Curtume, no Piauí, onde atua em defesa dos povos quilombolas. Seus livros lançados são “Colonização, Quilombos, Modos e Significações” e “A Terra Dá, a Terra Quer”.

Opinion: Racist and sexist depictions of human evolution still permeate science, education and popular culture today (Phys.org)

phys.org

Rui Diogo

April 5, 2023


Racist and sexist depictions of human evolution still permeate science, education and popular culture today
Human evolution is typically depicted with a progressive whitening of the skin, despite a lack of evidence to support it. Credit: Viktor Mikhailovich Vasnetsov/Wikimedia Commons

Systemic racism and sexism have permeated civilization since the rise of agriculture, when people started living in one place for a long time. Early Western scientists, such as Aristotle in ancient Greece, were indoctrinated with the ethnocentric and misogynistic narratives that permeated their society. More than 2,000 years after Aristotle’s writings, English naturalist Charles Darwin also extrapolated the sexist and racist narratives he heard and read in his youth to the natural world.

Darwin presented his biased views as scientific facts, such as in his 1871 book “The Descent of Man,” where he described his belief that men are evolutionarily superior to women, Europeans superior to non-Europeans and hierarchical civilizations superior to small egalitarian societies. In that book, which continues to be studied in schools and natural history museums, he considered “the hideous ornaments and the equally hideous music admired by most savages” to be “not so highly developed as in certain animals, for instance, in birds,” and compared the appearance of Africans to the New World monkey Pithecia satanas.

“The Descent of Man” was published during a moment of societal turmoil in continental Europe. In France, the working class Paris Commune took to the streets asking for radical social change, including the overturning of societal hierarchies. Darwin’s claims that the subjugation of the poor, non-Europeans and women was the natural result of evolutionary progress were music to the ears of the elites and those in power within academia. Science historian Janet Browne wrote that Darwin’s meteoric rise within Victorian society did not occur despite his racist and sexist writings but in great part because of them.

It is not coincidence that Darwin had a state funeral in Westminster Abbey, an honor emblematic of English power, and was publicly commemorated as a symbol of “English success in conquering nature and civilizing the globe during Victoria’s long reign.”

Science isn’t immune to sexism and racism.

Despite the significant societal changes that have occurred in the last 150 years, sexist and racist narratives are still common in science, medicine and education. As a teacher and researcher at Howard University, I am interested in combining my main fields of study, biology and anthropology, to discuss broader societal issues. In research I recently published with my colleague Fatimah Jackson and three medical students at Howard University, we show how racist and sexist narratives are not a thing of the past: They are still present in scientific papers, textbooks, museums and educational materials.

From museums to scientific papers

One example of how biased narratives are still present in science today is the numerous depictions of human evolution as a linear trend from darker and more “primitive” human beings to more “evolved” ones with a lighter skin tone. Natural history museums, websites and UNESCO heritage sites have all shown this trend.

The fact that such depictions are not scientifically accurate does not discourage their continued circulation. Roughly 11% of people living today are “white,” or European descendants. Images showing a linear progression to whiteness do not accurately represent either human evolution or what living humans look like today, as a whole. Furthermore, there is no scientific evidence supporting a progressive skin whitening. Lighter skin pigmentation chiefly evolved within just a few groups that migrated to non-African regions with high or low latitudes, such as the northern regions of America, Europe and Asia.

Illustrations of human evolution tend to depict progressive skin whitening.

Sexist narratives also still permeate academia. For example, in a 2021 paper on a famous early human fossil found in the Sierra de Atapuerca archaeological site in Spain, researchers examined the canine teeth of the remains and found that it was actually that of a girl between 9 and 11 years old. It was previously believed that the fossil was a boy due to a popular 2002 book by one of the authors of that paper, paleoanthropologist José María Bermúdez de Castro. What is particularly telling is that the study authors recognized that there was no scientific reason for the fossil remains to have been designated as a male in the first place. The decision, they wrote, “arose randomly.”

But these choices are not truly “random.” Depictions of human evolution frequently only show men. In the few cases where women are depicted, they tend to be shown as passive mothers, not as active inventors, cave painters or food gatherers, despite available anthropological data showing that pre-historical women were all those things.

Another example of sexist narratives in science is how researchers continue to discuss the “puzzling” evolution of the female orgasm. Darwin constructed narratives about how women were evolutionarily “coy” and sexually passive, even though he acknowledged that females actively select their sexual partners in most mammalian species. As a Victorian, it was difficult for him to accept that women could play an active part in choosing a partner, so he argued that such roles only applied to women in early human evolution. According to Darwin, men later began to sexually select women.

Sexist narratives about women being more “coy” and “less sexual,” including the idea of the female orgasm as an evolutionary puzzle, are contradicted by a wide range of evidence. For instance, women are the ones who actually more frequently experience multiple orgasms as well as more complex, elaborate and intense orgasms on average, compared to men. Women are not biologically less sexual, but sexist stereotypes were accepted as scientific fact.

Textbooks and educational materials can perpetuate the biases of their creators in science and society.

The vicious cycle of systemic racism and sexism

Educational materials, including textbooks and anatomical atlases used by science and medical students, play a crucial role in perpetuating biased narratives. For example, the 2017 edition of “Netter Atlas of Human Anatomy,” commonly used by medical students and clinical professionals, includes about 180 figures that show skin color. Of those, the vast majority show male individuals with white skin, and only two show individuals with “darker” skin. This perpetuates the depiction of white men as the anatomical prototype of the human species and fails to display the full anatomical diversity of people.

Authors of teaching materials for children also replicate the biases in scientific publications, museums and textbooks. For example, the cover of a 2016 coloring book entitled “The Evolution of Living Things”” shows human evolution as a linear trend from darker “primitive” creatures to a “civilized” Western man. Indoctrination comes full circle when the children using such books become scientists, journalists, museum curators, politicians, authors or illustrators.

One of the key characteristics of systemic racism and sexism is that it is unconsciously perpetuated by people who often don’t realize that the narratives and choices they make are biased. Academics can address long-standing racist, sexist and Western-centric biases by being both more alert and proactive in detecting and correcting these influences in their work. Allowing inaccurate narratives to continue to circulate in science, medicine, education and the media perpetuates not only these narratives in future generations, but also the discrimination, oppression and atrocities that have been justified by them in the past.

This article is republished from The Conversation under a Creative Commons license. Read the original article.

Citation: Opinion: Racist and sexist depictions of human evolution still permeate science, education and popular culture today (2023, April 5) retrieved 17 April 2023 from https://phys.org/news/2023-04-racist-sexist-depictions-human-evolution.html

This document is subject to copyright. Apart from any fair dealing for the purpose of private study or research, no part may be reproduced without the written permission. The content is provided for information purposes only.

Vatican rejects ‘doctrine of discovery’ used to justify colonial rule (Washington Post)

washingtonpost.com

Niha Masih

March 31, 2023

The Vatican formally repudiated the “Doctrine of Discovery” that legitimized the colonial-era seizure of Native lands. (Gregorio Borgia/AP)

Using 15th-century papal decrees, European colonial powers captured and claimed Indigenous land in the Americas and elsewhere. Now, in a significant move centuries later, the Vatican on Thursday rejected the contentious “Doctrine of Discovery,” addressing a long-standing demand led by Indigenous groups in Canada.

The church acknowledged in a statement that these papal bulls “did not adequately reflectthe equal dignity and rights of indigenous peoples,” and said that the doctrine is not part of the teaching of the Catholic Church.

Indigenous groups have argued that European explorers used the principle of discovery — which was based on the presumed superiority of European Christians — to legally and morally justify the subjugation and exploitation Indigenous communities, and to rule over them.

The Vatican statement also recognized that acts of violence were committed against Indigenous communities by colonial settlers, and asked for forgiveness for “the terrible effects of the assimilation policies and the pain” they experienced. The doctrine of discovery was previously rejected by several faith communities in the United States and Canada.

The Canadian Minister for Justice David Lametti credited the Vatican’s declaration to the hard work of Indigenous communities. “A doctrine that should have never existed. This is another step forward,” he said in a tweet.

The latest move follows the reconciliation that Pope Francis sought in Canada during his visit last year, when he apologized for the role Christians played in the tragic history of its residential school systems, many of which were run by the Catholic Church in the 19th and 20th centuries.

Indigenous children in Canada were forcibly removed from their families to integrate them into a Euro-Christian society, where they had to give up their language and culture; many were sexually abused. Thousands of children died at these schools and their unmarked graves continue to be discovered.

During his trip last year, Francis was confronted by protesters holding banners calling on him to rescind the discovery doctrine.

The announcement this week was greeted by Indigenous advocates. The news was “wonderful,” Phil Fontaine, a former national chief of the Assembly of First Nations in Canada, told the Associated Press.

“The church has done one thing, as it said it would do, for the Holy Father,” said Fontaine, who was part of the First Nations delegation that met with Francis.“Now the ball is in the court of governments, the United States and in Canada, but particularly in the United States where the doctrine is embedded in the law.”

In a landmark 1823 case, U.S. Supreme Court Chief Justice John Marshall invoked the papal discovery doctrine to rule that Indigenous people only had rights of occupancy and not ownership. This jurisprudence on Native American lands has persisted through the years and was referred to as recently as 2005.

A New York court, in the case of City of Sherrill v. Oneida Nation, relied on the earlier acceptance of the discovery doctrine by courts. Those rulings inferred that land titles were vested with European colonists, and later, the U.S. government.

In recent years, the movement to reclaim Native American lands has grown in the United States. In January 2022, 523 acres of redwood forest in Mendocino County, Calif., were transferred to the InterTribal Sinkyone Wilderness Council and, in April, the Rappahannock Tribe reacquired 460 acres of ancestral land in Virginia after 350 years.

Most Native American lands are trust lands, the U.S. government says — lands where the title is held by the federal government but the beneficial interests are with the tribes.

TheUnited Nations said in 2012 that international law demands that governments rectify the wrongs caused by such colonial doctrines, “including the violation of the land rights of indigenous peoples, through law and policy reform.”

Aceito a expressão, mas racismo não é estrutural no Brasil, diz Muniz Sodré (Folha de S.Paulo)

Artigo original

Em novo livro, sociólogo diz que falta base científica ao conceito e propõe nova radiografia da discriminação racial

    18.mar.2023 às 23h00

    MAURÍCIO MEIRELES, repórter especial

    [RESUMO] Em novo livro, Muniz Sodré contesta o conceito de racismo estrutural, que a seu ver carece de base científica. Embora não se oponha ao uso da expressão, o sociólogo e colunista da Folha afirma que a discriminação racial no Brasil é difícil de combater por ser institucional e intersubjetiva, tendo como marca a negação do preconceito, e que teria se reconfigurado depois da Abolição com as ideias fascistas europeias. Sodré defende ainda que o pensamento da aproximação, manifestado em algumas situações brasileiras, traz oportunidade de combater o racismo.

    Muniz Sodré é um intelectual de luta. Faixa-preta de caratê, continua a praticar o esporte aos 81 anos. A idade só o obrigou a deixar para trás a capoeira, que ele treinou com mestre Bimba, um dos grandes capoeiristas do Brasil.

    Professor emérito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e colunista da Folha, ele é um dos mais influentes pesquisadores da comunicação no Brasil. Também é um dos obás de Xangô, espécie de ministros do Ilê Axé Opô Afonjá, um dos mais antigos terreiros de candomblé de Salvador.

    O sociólogo e colunista da Folha Muniz Sodré em seu apartamento no bairro Cosme Velho, no Rio – Eduardo Anizelli/ Folhapress

    Além de livros publicados sobre a mídia, Sodré também publicou obras acerca da cultura brasileira, em especial a cultura negra. Em seu novo lançamento, “O Fascismo da Cor” (Vozes), ele traça uma radiografia da discriminação racial no Brasil, construindo o argumento de que, passadas a Abolição e a Proclamação da República, uma outra forma de racismo se estabeleceu no país.

    Para o pesquisador, essa nova configuração tem laços com as ideias fascistas surgidas na Europa e com o eugenismo associado a elas. Um dos divulgadores desse discurso no país, lembra, era o escritor Monteiro Lobato.

    Além desse diagnóstico, Sodré dedica parte significativa do livro a contestar o conceito de racismo estrutural, tal como desenvolvido por Silvio Almeida, agora ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania. “Se fosse estrutural, já teria sido derrotado. O movimento negro é o movimento mais antigo da sociedade brasileira”, diz o autor, que propõe no lugar o conceito de “forma social escravista”.

    Em entrevista à Folha, Sodré analisa o perfil do racismo à brasileira e explica os motivos pelos quais discorda de Silvio Almeida. Ele também defende que as rodas de capoeira e os candomblés podem oferecer uma chave de saída para a discriminação racial.

    Na primeira metade do seu livro, o sr. contesta o conceito de racismo estrutural, hoje muito popular. Por que considera essa definição insuficiente para explicar o racismo no Brasil? 

    O conceito de estrutura é um conceito complexo. Primeiro, tenho que advertir que não tenho nada contra falar em racismo estrutural, porque acho que, do ponto de vista político, é bom, é fácil. Dá um ancoramento para a ideia de racismo aqui no Brasil.

    Mas eu digo que ele não é estrutural. Parto de coisas simples, como a frase do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, quando ele disse que, no Brasil, as estruturas são feitas para não funcionar. Ele está falando da estrutura jurídica, da estrutura econômica, e é verdade. As estruturas aqui são feitas para não funcionar. Por que a única a funcionar seria o racismo?

    Acho que o racismo funciona exatamente porque ele não é estrutural. Minha visão é que o racismo que existia no Brasil estava consolidado e ligado à escravatura. Portanto, a estrutura escravista existia. Há um livro do historiador Jacob Gorender em que ele mostra a estrutura existente na escravidão. Outros ensaístas, como Alberto Torres, mostram que era uma estrutura que funcionava.

    O Brasil se sustentou na escravidão, foi ela que fez a acumulação primitiva [de capital] aqui e foi a coisa mais bem-organizada neste país. Mas isso acabou com a Lei Áurea. Ao contrário do que acham alguns amigos meus escritores negros, a Abolição não foi uma farsa. Ela efetivamente acabou com a sociedade escravista e, portanto, acabou com a estrutura escravista, mas não acabou com o racismo. São duas coisas diferentes.

    Antes da Abolição, não era necessário um racismo atuante. Quatro quintos da população que trabalhavam como escravos eram torturados no Império de dom Pedro 2º. Mesmo assim, houve naquele momento uma classe média negra, uma intelectualidade negra que emergiu. Grandes figuras da literatura e das artes eram negras.

    O primeiro embaixador plenipotenciário do Brasil na Inglaterra, Francisco Jê Acaiaba Montezuma, era um negão baiano muito brilhante. Os artistas negros de Pernambuco formavam uma classe média com quase 2.000 pessoas. Só ouvimos falar deles hoje depois de livros focados nisso porque, como dizia Mário de Andrade, foi uma aurora que não deu dia. Quando veio a Abolição, se esqueceu de tudo isso. A cultura negra passou a ser a cultura popular, reconhecida muito tempo depois.

    Desenho de Angelo Agostini publicados na "Revista Ilustrada", que retrata a brutalidade do cotidiano escravocrata
    Desenho de Angelo Agostini publicados na “Revista Ilustrada”, que retrata a brutalidade do cotidiano escravocrata. Acervo Biblioteca Mário de Andrade
    Desenho de Angelo Agostini publicados na "Revista Ilustrada", que retrata a brutalidade do cotidiano escravocrata
    Desenho de Angelo Agostini publicados na “Revista Ilustrada”, que retrata a brutalidade do cotidiano escravocrata. Acervo Biblioteca Mário de Andrade

    Se o racismo brasileiro não é estrutural, qual seria a característica dele? 

    Ele é institucional. Defino no livro o que é estrutura. É um termo muito preciso na sociologia e na filosofia. O conceito pressupõe uma totalidade fechada de elementos interdependentes. Você pode falar, por exemplo, da estrutura jurídica: a doutrina do direito se reflete nos tribunais, no processo penal, nas leis. Isso é estrutural.

    Se dissermos que o racismo é uma estrutura, temos que mostrar qual é a interdependência dos elementos. Aí você diria que, quando se vai selecionar alguém para um emprego, só brancos são selecionados. Mas a estrutura é formal, tem uma forma escrita ou uma forma de costumes que é reconhecida por todos. A discriminação racial no Brasil não é reconhecida por ninguém. Nenhum Estado ou governante se diz racista. Às vezes, os racistas mais atrozes diziam que não eram racistas.

    A grande dificuldade do combate ao racismo no Brasil é que, aqui, a negação funciona. O grande mecanismo do racismo é a negação.

    Li o livro do Silvio Almeida (“Racismo Estrutural”), e ele não diz o que é uma estrutura. O racismo foi estrutural nos Estados Unidos, na África do Sul…

    Então, o sr. defende que, para ser estrutural, o racismo precisa estar explicitamente amparado pela burocracia do Estado. 

    Exatamente. Para mim, o racismo é institucional e intersubjetivo. Por isso ele é muito difícil de combater. Você não o pega. Se o racismo brasileiro fosse estrutural, já teríamos acabado com ele. O movimento negro é o movimento mais antigo da sociedade brasileira, ele vem desde a Abolição.

    Silvio Almeida fala de instituições que funcionam como uma correia de transmissão do racismo. 

    Sou obrigado a me perguntar: correia de transmissão a partir de onde? Quando Lênin diz que os jornais deveriam ser a correia de transmissão do partido para as massas trabalhadoras, você tem de um lado o partido, de outro, as massas, e no meio, o jornalismo.

    Sem dúvida, as instituições são uma correia de transmissão, mas não de uma estrutura. Onde é que está essa estrutura? No Estado? Mas o Estado não tem leis racistas, elas acabaram com a Abolição. Estão na economia? Não conheço leis econômicas racistas, conheço discriminações econômicas, mas não leis.

    Manifestantes pintam frase #vidaspretasimportam na avenida Paulista. Discriminação racial é o ato de discriminar alguém por conta de sua raça, origem étnica, cor e/ou condição que apresente diferença, com demonstração de suposta superioridade sobre a vítima e com o objetivo de anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou o exercício em igualdade de condições, de direitos e liberdades fundamentais no campo político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada
    Manifestantes pintam frase #vidaspretasimportam na avenida Paulista. Discriminação racial é o ato de discriminar alguém por conta de sua raça, origem étnica, cor e/ou condição que apresente diferença, com demonstração de suposta superioridade sobre a vítima e com o objetivo de anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou o exercício em igualdade de condições, de direitos e liberdades fundamentais no campo político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada. Folhapress/Bruno Santos – 21.nov.20
    Ato pelo Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, na avenida Paulista. RACISMO ou INJÚRIA RACIAL: A principal diferença entre o crime de injúria racial e racismo é a quem é dirigida a ofensa
    Ato pelo Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, na avenida Paulista. RACISMO ou INJÚRIA RACIAL: A principal diferença entre o crime de injúria racial e racismo é a quem é dirigida a ofensa . Folhapress/Jardiel Carvalho – 13.mai.21

    sistema tributário brasileiro, que pesa mais sobre os pobres, em sua maioria pretos e pardos, não tem um componente racial implícito? 

    Não tem uma implicação estritamente racial, são os pobres que pagam mais impostos. Entre eles, você tem claros e escuros —ainda que, sem dúvida, os salários mais baixos sejam dos negros. Acho importante que se estudem esses aspectos embutidos na economia, nas instituições, na remuneração da força de trabalho. Com esses dados, é possível intervir no debate público, tomar um partido antirracista.

    Não sou contra a expressão racismo estrutural, sou contra a cientificidade dela.

    O sr. disse que, depois da Abolição e da Proclamação da República, surgiu uma nova forma de racismo. Qual é o seu perfil? 

    O segundo ponto do livro é mostrar a diferença entre sociedade e forma social. Você não vai encontrar na literatura sociológica brasileira essa distinção, mas ela é feita por mim. A sociedade implica uma estrutura: ela tem uma interconexão de seus elementos, ou seja, o modo de produção está articulado com o sistema jurídico, com a política… Toda a visão marxista sobre a sociedade, para mim, é coerente. Nesse ponto, sou bem marxista.

    Mas a forma social é outra coisa. Ela é uma imagem que a sociedade projeta de si mesma, que ela tem ou quer ter de si. Isso nós temos individualmente: você tem uma imagem de si mesmo e quer que os outros reconheçam você como uma imagem válida.

    Isso também existe em termos coletivos. A imagem que a sociedade tem de si é gerida pelo Estado e pelas classes dirigentes. Ela pode ser oficial, mas também subterrânea, uma imagem oculta que existe e lhe determina. Isso eu chamei de forma social escravista.

    Aluna da Emef Ruben Bento Alves, em Caxias do Sul (RS), Sophya Domingues Marcos, 13, tem na família da mãe a afrodescendência
    Aluna da Emef Ruben Bento Alves, em Caxias do Sul (RS), Sophya Domingues Marcos, 13, tem na família da mãe a afrodescendência . /Carlos Macedo/Folhapress

    O que seria essa forma social escravista? 

    Ela é aparência, mas isso não quer dizer que seja uma ilusão. As aparências existem e continuam a existir por ter força, e é um erro querer lidar só com o que é material, concreto. Na forma social, falo de uma aparência que a sociedade quer ter sobre si mesma: as classes dirigentes querem se ver como brancas, europeias e cristãs, sem ter nada a ver com negros.

    Esse querer ver-se é a forma social. Dentro dessa imagem, se desenvolvem os mecanismos linguísticos, psicossociais, de subjetividade e de comunicação. Portanto, a aparência cria formas.

    Ou seja, acabou a escravidão, mas nasceu a forma social escravista. Ela mantém a escravidão como ideia e como discriminação institucional. Essa forma não é captada apenas objetivamente, não está em números. Portanto, não é pega pela sociologia quantitativa. São também as percepções, os afetos. A forma social é um conceito que vem da sociologia alemã e está na sociologia francesa contemporânea.

    O sr. dá um papel de destaque ao patrimonialismo nisso que chama de forma social. 

    A forma escravista está ancorada nesse modo de controle social que é o patrimonialismo, ou seja, no poder exercido por grandes famílias, pelo compadrio, pelo afilhadismo. Esse parentesco dominante no Brasil é branco e reproduz a forma social racista. Quis mostrar como essa forma é tão ampla, tão invasiva, tão maior que a estrutura que ela pode atingir o próprio preto. O preto pode se adequar a ela e ser racista contra pretos também.

    Vivemos essa forma no cotidiano. Podemos vê-la em explosões súbitas de fúria e agressões. No Maranhão, o cara estava passando com a mulher, veem um homem tentando abrir o próprio carro e acham que ele está tentando roubar o veículo. Aí os dois descem a porrada no homem. Quando foi jogado no chão, a mulher grita para o marido chutar a cabeça da vítima. O carro era dele. Isso é diário no Brasil.

    Kaique do Nascimento Mendes (de camisa da seleção) e seu advogado, Ewerton Carvalho
    Kaique do Nascimento Mendes (de camisa da seleção) e seu advogado, Ewerton Carvalho. Folhapress/Marlene Bergamo

    O sr. diz que essa nova manifestação do racismo está ligada ao fascismo europeu. Qual é a relação entre os dois fenômenos? 

    Diferentemente do período da escravidão, o racismo pós-abolicionista é plenamente doutrinário, ou seja, ele incorpora ideias europeias sobre o racismo. Essas ideias vêm principalmente da doutrina do eugenismo.

    Isso não coincide, em termos de data, só com o período pós-Abolição, mas, nesse momento no mundo, o eugenismo faz parte de uma atmosfera fascista. O que faz com que o fascismo se expanda para Portugal, Espanha e outros países é a questão da preservação do cristianismo e da pureza do homem europeu. É o nacionalismo extremado do homem branco.

    O racismo ocidental vem da Igreja Católica e é primeiro antissemita. O modelo do racismo [contra os negros] é o antissemitismo: as primeiras vítimas são os judeus, e os primeiros carrascos são os padres. Depois, isso se transfere para o negro. Os escritos do fascismo incorporam a ideia de eugenia e isso chega aqui muito tempo depois da Abolição, através de igrejas, mas principalmente por meio de intelectuais —Monteiro Lobato é o grande modelo.

    O fascismo é o espírito da época do racismo brasileiro. É dele que conflui, para as classes dirigentes brasileiras, a discriminação do negro, que já não era mais jurídica nem política.

    No livro, o sr. aponta Nilo Peçanha, que virou presidente em 1909 e era negro, como um caso a ser estudado. O que a história dele diz sobre o racismo à brasileira? 

    Examinaram pouco essa história. Nilo Peçanha veio de uma família pobre em Campos dos Goytacazes (RJ), a mãe era meio clarinha e o pai era preto, eram agricultores. Ele se tornou um político brilhante e abolicionista, mas não queria ser reconhecido como negro. Ele se maquiava para clarear a pele antes de ser fotografado, e as fotos eram retocadas.

    É o primeiro e único presidente negro do Brasil. É uma figura importante por mostrar esse mascaramento, ou seja, a tentativa de não parecer negro, que foi típico do mulato aqui no Brasil. A imprensa o ridicularizava. Faço uma análise linguístico-filosófica do discurso racial, mostrando como ele é atravessado pela ambiguidade. Quis mostrar como há jogos de linguagem no discurso racista, para mostrar como a forma social escravista opera.

    Nilo Peçanha lê jornais

    Retrato de Nilo Peçanha – Reprodução

    Há algumas semanas, participantes do Big Brother Brasil expressaram medo de um colega por ele seguir uma religião afro-brasileira. Qual o papel do medo na consolidação do racismo no país? 

    O medo é um elemento importante nas relações hierárquicas. Torturavam-se escravos para infligir medo. Uma tortura podia começar porque a sinhá achava que o negro olhou atravessado para ela.

    Mas o medo é uma faca de dois fios. O torturador tem medo também. Temer os negros foi algo que se intensificou com a Revolta dos Malês, em 1835, mas já vinha do Haiti e de Cuba e se disseminou entre as classes brasileiras.

    Mas como esse medo de revoltas negras nas Américas se transforma no medo de manifestações culturais? 

    O racismo cultural é o racismo do sentido que o outro produz. Junto com ter medo físico do negro vem, principalmente depois da Abolição, ter medo da cultura afro, do feitiço, que era um ponto de repulsa e atração, porque a classe média branca sempre se consultou nos cultos afros.

    Como você sabe, eu sou de candomblé, da hierarquia do Ilê Axé Opô Afonjá. Conheci ao longo da vida professores razoáveis, ateus, que têm medo do pertencimento ao candomblé. A pessoa não acredita em nada, mas tem medo. Isso é o preconceito.

    Ao mesmo tempo que há esse preconceito, as artes brasileiras promoveram uma celebração da cultura afro-brasileira, como na obra de tropicalistas ou de Jorge Amado. Como o racismo brasileiro comporta essa contradição? 

    Porque ele não é estrutural [risos] e essa celebração não foi insurrecional.

    Conheci bem o Jorge Amado. Ele dizia que não acreditava em nada, mas era do Axé Opô Afonjá como eu. Não viajava de avião sem que uma mãe de santo fizesse um jogo para ele, porque morria de medo. Quando me confirmei como obá de Xangô, Caymmi entrou comigo. Quando eu estava na Bahia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, esse pessoal não era de candomblé. Hoje, Gil também é obá de Xangô.

    Quando digo que essas celebrações na cultura brasileira não representam uma insurreição, quero dizer que não são algo contra o Estado, é mais uma posição existencial. Mas celebrar o candomblé é celebrar aquilo que a cultura afro traz de mais precioso, o apego à vida.

    Se o catolicismo é a religião do amor universal irradiado de Cristo, o candomblé é a alegria, uma alegria litúrgica. Quem é baiano é atravessado por essa liturgia. Jorge Amado foi o grande romancista disso. Ele inventa uma Bahia, a língua da Bahia para fora é o jorge-amadês. Todas aquelas histórias são e não são inventadas.

    Filhas de santo com trajes rituais e colares de conta nas cores de seus orixás, no terreiro Ilê Axé Oyó Ibessi, de pai Gegeo, no bairro Faceira, em Cachoeira, Recôncavo Baiano 
    Filhas de santo com trajes rituais e colares de conta nas cores de seus orixás, no terreiro Ilê Axé Oyó Ibessi, de pai Gegeo, no bairro Faceira, em Cachoeira, Recôncavo Baiano . Raul Spinassé/Folhapress/
    Filha de santo na subida que dá acesso ao terreiro Ilê Axé Oyó Ibessi em Cachoeira, no Recôncavo Baiano; ao fundo, o Rio Paraguaçu e, na outra margem, a cidade de São Félix
    Filha de santo na subida que dá acesso ao terreiro Ilê Axé Oyó Ibessi em Cachoeira, no Recôncavo Baiano; ao fundo, o Rio Paraguaçu e, na outra margem, a cidade de São Félix . Raul Spinassé/Folhapress

    Abdias do Nascimento via um racismo implícito na obra de Jorge Amado. 

    Jorge Amado é o ideólogo do povo nacional, e esse povo nacional era um povo mestiço, os baianos. Ele vai encontrar o modelo dessa mestiçagem no candomblé, em que essa mestiçagem não é só ideológica, é cultural também.

    No Axé Opô Afonjá, eu já vi padre bater cabeça, já vi judeu bater cabeça. É isso que sempre atraiu Jorge Amado. Quando Jean-Paul Sartre esteve na Bahia, passou o dia inteiro no Axé Opô Afonjá, sentado com mãe Senhora.

    No livro, o sr. tenta destacar as particularidades do racismo no Brasil, traçando a diferença em relação aos Estados Unidos. Nos últimos anos, alguns intelectuais têm criticado o que veem como uma influência excessiva do pensamento racial americano no debate público brasileiro. Como avalia essa questão? 

    Os negros americanos são diferentes. Acho que nossas condições de luta e opressão são bastante diferentes e o que é igual é a cultura negra. O samba nasceu na Praça 11 nas mesmas circunstâncias que o jazz nasceu na praça Congo, em Nova Orleans. Nasceu do candomblé, com os baianos que civilizaram o Rio de Janeiro.

    Falo da cultura como a vitalidade do povo. O que é forte nos Estados Unidos vem dos negros, nada é mais forte que a música, que o jazz. Isso cria uma ponte, é como se o ritmo viajasse pelos Estados Unidos, pelo Caribe, por Cuba, e essa ponte não está sob a égide do Estado, é também uma forma social.

    Em um mundo com trocas possibilitadas pelas tecnologias da informação, seria necessário pensar o racismo com um recorte global em vez de apenas nacional? 

    O pensamento nacional, se for forte, vai ser global. O pensamento global não atinge o núcleo do racismo, que está em conformações nacionais. O combate aqui no país tem que ser pensado em termos brasileiros para ser suficientemente forte e se irradiar transnacionalmente. É algo que o Brasil pode oferecer ao mundo, uma chave de saída do racismo.

    Como? 

    O principal modo de combater o racismo não é pensar intelectualmente a diferença. Não dou muita atenção a toda essa coisa de proteger linguisticamente a diferença, por exemplo. A filosofia da diferença é a grande filosofia moderna, que fala da necessidade de aceitar o diferente. É um pensamento avançado e global.

    Mas, para mim, o principal modo de combater o racismo é o pensamento da aproximação, que é mais completo. É o morar junto, a vizinhança na escola, no trabalho, nas relações amorosas. A aproximação está em qualquer unidade que se possa construir, e o racismo se exacerba quando os diferentes estão próximos.

    O Brasil já é um país que tem as oportunidades de aproximação pela própria heterogeneidade da população. Temos que pensar as diferentes formas de existir no Brasil e aprender com elas. Onde você não encontra racismo aqui? No Axé Opô Afonjá, no candomblé de Menininha do Gantois, no terreiro da Casa Branca, nas rodas de capoeira. Será que não pode vir daí uma lição?

    Não é que as pessoas sejam perfeitas, mas há modos de vida ali que são antirracistas. São casos pequenos, mas é do pequeno que você começa a pensar o grande. Foi assim que Davi matou Golias.

    O FASCISMO DA COR: UMA RADIOGRAFIA DO RACISMO NACIONAL
    • Preço: R$ 54,90 (280 págs.); R$ 41 (ebook)
    • Autor: Muniz Sodré
    • Editora: Vozes

    USC to keep using word ‘field’ despite departmental ban over slavery ‘connotations’ (Washington Times)

    washingtontimes.com

    Valerie Richardson

    Thursday, January 12, 2023

    Southern California quarterback Caleb Williams (13) throws during an NCAA college football practice Tuesday, April 5, 2022, in Los Angeles. Williams isn’t a typical transfer. Rather than adapting to a new coach and an entirely new system, Williams has followed Lincoln Riley from Oklahoma to USC. So he’s playing for the same coach, albeit at a different school. (AP Photo/Marcio Jose Sanchez, File)

    The University of Southern California isn’t banning the word “field,” no matter what its School of Social Work may say.

     Elizabeth A. Graddy, interim provost and senior vice president for academic affairs, said Thursday there is no campus prohibition on the use of “field” after an uproar over the USC Suzanne Dworak-Peck School of Social Work’s decision to replace the term with “practicum.”

     “The university does not maintain a list of banned or discouraged words. We will continue to use words – including ‘field’ – that accurately encompass and describe our work and research,” said Ms. Graddy in an email to The Washington Times.

     The School of Social Work was mocked relentlessly after the release of a Jan. 9 memo showing that the department had decided to abolish the word “field” from its curriculum, citing its association with slavery.

     The memo from the “Practicum Education Department” said the change aligns with initiatives including the 2021 National Association of Social Work’s “commitment to undoing racism through social work.”

     “This change supports anti-racist social work practice by replacing language that could be considered anti-Black or anti-immigrant in favor of inclusive language,” said the document. “Language can be powerful, and phrases such as ‘going into the field’ or ‘field work’ may have connotations for descendants of slavery and immigrant workers that are not benign.”

     The memo was apparently posted first on Twitter by Houman David Hemmati, a Los Angeles doctor who studied at crosstown rival UCLA.

     “Is this with merit or empty virtue signaling?” he asked.

     Most responders went with the latter. Comments included “Ridiculous,” “Total insanity,” “For the love of all that’s holy, please make it stop,” and “Are my dreams coming true that I can call a soccer field a pitch?”

     Others pointed out that USC has several large grassy expanses that include the f-word in their names, including Soni McAlister Field, Brittingham Intramural Field, and the Howard Jones Field/Brian Kennedy Field, where the Trojans football team practices.

     “The USC Trojans Come Out of the Locker Room and Line Up on the Practicum,” said a Thursday headline on National Review.

    The USC social-work school isn’t alone. The Michigan Department of Health and Human Services said it would discontinue using “field work” and “field worker,” suggesting alternatives such as “community office,” according to a Jan. 4 memo obtained by the Washington Free Beacon.

     USC’s School of Social Work offers advanced degrees that include a Master of Social Work and Master of Science in Nursing, which could be problematic, given that at least one realtors’ association has banned the word “master” over its connection to slavery.

     The departmental memo acknowledged that “changing terminology can be challenging, and a complete transition will take some time, but we thank you in advance for joining in this effort.”

    Ghosts of Science Past Still Haunt Us. We Can Put Them to Rest. (Undark)

    Essay

    By C. Brandon Ogbunu

    Dec 13, 2022

    Edward O. Wilson, known as the “father of biodiversity.” Visual: Rick Friedman/Corbis via Getty Images

    Conversations about famed scientists who held troubling views on race should center not on cancellation but on progress.

    One autumn afternoon during the mid-2010s, when I was a postdoctoral researcher at Harvard, I decided that I needed a break from the toil of a sinking project on viral population genetics. I left my small, dusty office in the Department of Organismic and Evolutionary Biology and walked across a street to a building that had a vending machine. Just ahead of me, in line, stood Edward O. Wilson — famed naturalist and “father of biodiversity.” He eventually purchased a pack of mints.

    Seeing a celebrity in their element is a groovy experience. That day at the vending machine, Wilson wasn’t “Professor Biophilia.” He was just an older man wrangling loose change in his pocket, trying to fix a sugar craving just like mine. But he was a legend. Through the years, I’ve read many of Wilson’s papers and trade books. I still cherish my signed copy of “Consilience: The Unity of Knowledge,” an ambitious if flawed book that contains one of my favorite-ever quotes by a scientist: “The ideal scientist thinks like a poet and works like a bookkeeper, and I suppose that if gifted with a full quiver, he also writes like a journalist.” 

    E.O. Wilson, as he was widely known, was beloved by many and respected by almost everyone in the science community. When he died in December 2021, even critics of his work paid their respects to the life of a wizard. But just days after his death, a posthumous revelation sparked a debate about what he really stood for. The controversy raised questions not only about Wilson, but about how the science community as a whole can confront its legacy of racism.

    One might say that the controversy was foreshadowed by the final chapter of Wilson’s “Sociobiology,” his 1975 manifesto on how the science of social behavior should embrace evolutionary reasoning in humans. The book was as bold a scientific pivot as you will see. It took courage to be a master in one set of domains — as Wilson was in evolution, entomology, and biodiversity — and engage in another, especially the thorny topic of human behavior and culture, which Wilson took on in his book’s final chapter. “Sociobiology” made several important, resonant observations, but it was also criticized on the grounds that it directly or indirectly put forward a sort of reasoning that is adjacent to scientific racism and sexism. Detractors felt Wilson’s heavy emphasis on evolutionary explanations for human social behaviors radiated the same sort of reductive evangelism that underlies eugenics — science founded upon the idea that certain classes of humans were unfit to reproduce.

    Naturalist and Harvard Professor, E.O. Wilson was beloved by many and respected by almost everyone in the science community. But after his death, controversy flared over his support of scientific racist J. Philippe Rushton. Hugh Brown/The Chronicle Collection via Getty Images

    Wilson’s dive into the human realm was, in my view, an exercise in the worst kind of carpetbagging, in which an expert uses their large reputation in one arena to justify parachuting into another where they are ignorant or out of their depth. In doing so, Wilson followed, and maybe helped write, a blueprint that continues to influence generations of dumpster fire biological determinists. The controversy encircled Wilson for years, but his excellent reputation eventually transcended it.

    After his death was announced, however, the conflict swirled anew. An essay in Scientific American revisited the connections between “Sociobiology”and scientific racism and, much more damningly, scholars uncovered archival evidence that Wilson was an ardent defender of J. Philippe Rushton, a scientific racist who spent a career peddling pulp science fiction about the essential differences between races, draped in the lingo of evolutionary theory. In the archival materials, Wilson referred to anti-racists as “scoundrels.” But apparently, he thought the actual scientific racist that he had a cuddly relationship with was a fine person.

    Amid all of this, a circus began. 

    A broad, mostly academic alliance formed to defend Wilson’s reputation. It included the typical cast of cancel culture vultures and race science grifters, along with a surprising number of enablers who should have known better. And most of it seemed to me to be driven by some bold hidden agenda: to portray critics of Wilson’s legacy as if they were some imaginary legion of scientific critical race theorists, destined to overtake your curricula, make you and your children sad, and cancel everyone you know and love. The fossil-clutching and fake outrage emboldened extremists, leading to the standard soup-and-salad of white supremacist threats and racist social media posts. Unhelpful, irrelevant debates surrounding Wilson’s character followed, and within a few weeks, people went on with their lives. 

    What I’ve observed is a predictable cycle that happens time and time again in science: We discover (or re-discover) a racist thing that a luminary or popular person did or said; the criticism arrives, sometimes with a proposal that their name be removed from some relic or that we no longer honor them for whatever good that they did; a vigorous defense of the accused ensues, often manifesting as lamentations of cancel culture, appeals to academic freedom, attestations to the goodness of the accused, and insistences that the punishment should not be harsher than the crime; then comes a flowering of distracting, irrelevant pontifications about what really lurks in the hearts of people. (“What is a racist person really?”) 

    Finally, everyone involved eventually gets tired and goes home. Discovery. Defense. Distraction. Departure. The issue vanishes from our mouths, minds, and social media timelines, and we move on, no one any smarter, no issues resolved.

    It is the same sequence that has played out in the aftermath of James Watson’s repeated rants against Black intelligence, and in the wake of another inflammatory Charles Murray article on race and IQ. The more contentious of these situations, however, involve revered figures from the past. Figures like the late Robert A. Millikan, a Nobel-prize winning physicist whose support for racist eugenics policies recently came to light.

    This steady drumbeat of revelations raises difficult questions: How can science live with its ghosts — the figures from days of old who are revealed to be the authors, supporters, or enablers of bigoted ideas? How do we hold a ghost accountable? And how can we emerge from these revelations as a smarter and stronger community of scientists and citizen-scientists, with a clear vision for moving forward?

    What’s certain is that we can do better than the race science Groundhog Day that we have been reliving since time immemorial. But first, we must shift the discussion away from arguments about the nature of the people who authored and supported these bad ideas, and toward frank assessments of the nature, scope, and consequences of their actions.

    The first thing we must do, when confronted by a ghost of science past, is reflect

    To reference an old concept from cultural critic Jay Smooth, in discussions of racism, the “what you are” conversation is less relevant than “what you did.” By freeing ourselves of the burden of having to debate the essential goodness of a bad actor, we can begin to have a more refined conversation about what accountability looks like. 

    In the case of Wilson, I don’t care whether we formally label him a racist (“what he is”). I do know, however, that his support of Rushton amplified race scientists and their rancid ideas (“what he did”). And I know that race science is perhaps the most destructive intellectual scam ever constructed. It has poisoned basic conversations about human evolution and genetics, even — perhaps especially — for people with non-racist leanings or tendencies. It has stymied progress, muddied conversation, and discouraged talented people from studying genetics and evolution. As far as misinformation problems go, it sits alongside scientific sexism on pseudoscience’s Mount Rushmore. (Give the anti-vax and climate change denial movements time to mature slightly, and they will take their rightful place there as well.) By extension, people who support race scientists promote destructive misinformation. And Wilson did just that. 

    Wilson and other scientists who have authored, enabled, platformed, or promoted racist ideas have failed in their primary job description: to participate in the scientific process in a responsible manner. We may even consider the infractions as acts of scientific malfeasance, rather than as the acts of insensitivity. Being mean is bad. Propagating dangerous misinformation might be worse. 

    Crucially, reflection needn’t always produce a guilty verdict. In 2020, the Society of Systematic Biologists seemed to call into question the past writings of evolutionary biologist Ernst Mayr, proposing to change the title of an award in his name. When I looked back on those writings, I didn’t feel the “what he did” amounted to much of an infraction. (The society later clarified that the proposed name change was not meant to be an indictment of Mayr, but rather part of a broader strategy to promote inclusion.) 

    How can science live with its ghosts — the figures from days of old who are revealed to be the authors, supporters, or enablers of bigoted ideas?

    But when an appraisal of a person’s actions does point to clear wrongdoing, how do we act on that knowledge? I believe that any revelation of a racist transgression committed by a scientist we admire — be it big or small — should meaningfully change the way we look at that person and their body of work. No, we need not embrace the charge of “cancellation,” which offers few opportunities to learn or solve the problem of how to truly hold bad actors accountable. But we must come to see the ghost’s legacy in a new light. 

    We must reconstruct.

    To reconstruct a person’s legacy is to grapple with complexity. We should not be afraid of the multiplicities that are the lives of the people that we admire. It is possible to carry several, maybe even competing understandings in our head at the same time. This is standard in science: Newtonian and quantum mechanics, natural selection and genetic drift, somatic and germline mutation. Science teaches us that keeping track of counterintuitive, incongruous, competing, or even incompatible ideas is the only way to understand nature. 

    This also goes for people. E.O. Wilson was a world-class scientist and made lasting contributions to several disciplines. But his amplification of pseudoscientists — and the misinformation they produced — are now part of his scientific legacy. That is, when we teach about him in our biology courses, when he is memorialized in biographies, we should tell the whole story. The bad should stand alongside the good. 

    Ronald Fisher, an early 20th century polymath who helped found the field of population genetics and pioneer modern statistical sciences, is a canonical example of this duality. There is no debate to be had about the importance of his scientific contributions: Virtually everyone who has ever conducted any form of empirical research has been influenced by Fisher’s inventions. But he was also an architect of eugenics. His contributions to that dark chapter of science are also a part of his story. 

    Most famous for his studies on ants, E.O. Wilson was a world-class scientist and made lasting contributions to several disciplines. But his amplification of pseudoscientists are now part of his scientific legacy. Hugh Brown/The Chronicle Collection via Getty Images

    Still, it is not enough to simply acknowledge that people are complicated and shrug our shoulders. After reflecting on a scientist’s misdeeds and working to reconstruct their legacy, we must address the damage and chart a path forward.

    We must repair.

    Modern efforts to repair the damage of racism often center around the naming and renaming of awards. Such was the case when the Society for the Study of Evolution decided, two years ago, to rename a prestigious prize that had commemorated Fisher, and when Caltech, after much debate and deliberation, decided to rename campus buildings named after Millikan and other eugenicists. 

    There are many sensible reasons to change the names of relics named after people. They include the idea that to name something after someone is to honor them. If the namesake was an avowed eugenicist, then we should not honor them, because the ideas had negative real-world consequences. And there are good arguments for doing away with named awards altogether: Names on relics often — though not always — imply a lone genius model of scientific achievement that is proving to be less true. All the greats had help, and history hasn’t been fair with regards to who gets credit. There is even an argument to be made for leaving the name of an award or other monument intact, despite the transgressions of its namesake: Removing a disgraced name allows society to sidestep discussions of the harms the person caused and to avoid wrestling with the question of what it means that society ever honored someone who harbored such racist perspectives in the first place. (Here, I’m borrowing from a viewpoint commonly expressed in a related debate over the removal of Confederate monuments in the United States.) 

    In my view, an organization’s decision to rename, dename, or keep the name of an award or other monument should be made collectively — by the group’s leadership, members, and other stakeholders — and should reflect that organization’s values and priorities. Whatever the decision, what is most important is that we recognize that symbolic decisions about names are not the solution to the problem of how we reconsider our past. These actions should not be the end goal of our efforts to repair, but rather the beginning of a longer and more important process. The same painful revelations that spur us to reconsider the names of awards and monuments can also serve as moments to pause, take stock of our efforts to foster inclusion, and even focus on building new statues that reflect our better angels. 

    To reconstruct a person’s legacy is to grapple with complexity. We should not be afraid of the multiplicities that are the lives of the people that we admire.

    Among my most esteemed scientific colleagues are several persons of African descent, some born in the United States around the time of the Civil Rights Act of 1964. They include a virologist who uses evolutionary theory to build viruses that kill the bacteria that cause illness, a computational biologist who has developed statistical tools that allow us to understand the link between genotype and phenotype with greater clarity, and a zoologist who studies the complex phylogeny of animals. They are not only great scientists, but they have dedicated much of their career to opening doors for others. These colleagues, and others of many backgrounds, remind me that there are new people to celebrate, and new scientific statues to build.

    Part of this statue building should also take the form of supporting the potential legends of tomorrow — many of whom are dealing with life challenges or languishing in self-doubt — and making it easier for them to participate in the scientific enterprise. Many young people with E.O. Wilson-like talent are currently sitting in, or outside of, biology classrooms, either unaware of their gifts, or seeing few avenues to become the next great scientist. They span geographical ancestries, nationalities, and gender identities. 

    This more enduring form of reparation should be the true goal of diversity, equity, and inclusion initiatives: not to place more “butts in seats” or to add color to departmental website photos, but to unearth talents from communities of people who have been told — by scientific racists and others — that they have little to offer. And it is the best way, perhaps the only way, to truly put to rest the ghosts of science past. 

    Properly executed, the method above — reflection, reconstruction, reparation — has none of the flavor of cancellation. It removes distracting conversation about whether or not the ghost was a nice person. It focuses on the bad ideas themselves and seeks to construct a fair but full picture of who these scientists were. And it proposes ways that the scientific enterprise can repair the damage done — not through empty and performative gestures, but through creating more opportunities for more people to participate in the science enterprise.

    Though I saw him in person several times, I didn’t know E.O. Wilson. I don’t know if he owned a pet or followed professional tennis; I don’t know if he listened to Charlie Parker or Frank Sinatra while counting the ants that he would become famous for; I don’t know if he voted for Obama or McCain in 2008. And I don’t care. 

    I’ve surely been force-fed an image for decades: Wilson as a nature-loving, southern gentleman who was out of his element among the unfriendly elites of Cambridge, Massachusetts.

    I don’t know if this is true. And I don’t care.

    Wilson was an evolutionary biologist who inspired many, opened our eyes to how nature worked, wrote many books with good ideas, and wrote others with corny and broken ones.

    I also know, without a shadow of a doubt, that he amplified the authors of vile, regressive drivel. And I can accept this while still having respect for his contributions.

    If I can remember the good and smile when I think of the mints that Wilson bought from a vending machine that one autumn day, then I owe it to his ghost to remember him for the wretched ideas that he and many others helped to propagate.

    And so do you.

    C. Brandon Ogbunu is an assistant professor in the Department of Ecology and Evolutionary Biology at Yale University, and is an external professor at the Santa Fe Institute.

    Opinião – Luiz Augusto Campos e Márcia Lima: Recomendações para a política de cotas (Folha de S.Paulo)

    www1.folha.uol.com.br

    Ações afirmativas devem ir além da graduação

    Luiz Augusto Campos e Márcia Lima

    20 de novembro de 2022


    Em 2022, comemoramos 20 anos da implementação das cotas sociais e raciais na Uerj e dez anos da lei federal 12.711/12. As cotas mudaram a cara do ensino superior e o debate acerca de nossas desigualdades.

    Com o objetivo de produzir um balanço de seus impactos e subsidiar cientificamente a revisão da lei federal, criamos o Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas (CAA). O CAA analisou dados de mais de 7 universidades federais e estaduais, tendo publicado mais de 30 textos na academia e na imprensa sobre o tema.

    A despeito de problemas pontuais, as cotas têm um saldo muito positivo. O percentual de jovens pretos, pardos e indígenas pulou de 31% em 2002 para 52% das matrículas em 2021. No mesmo período, o percentual de estudantes de baixa renda saiu de 19% para 52%. Os avanços maiores se deram nos cursos mais concorridos, e quase todas as pesquisas sobre o tema mostram que os cotistas têm desempenho muito similar aos não cotistas. Mais de 70% das pesquisas acadêmicas sobre as cotas as consideram uma política bem-sucedida.

    Por tudo isso, o CAA recomenda às forças políticas, eleitas em outubro, a manutenção e expansão do sistema existente, que combina critérios socioeconômicos —para estudantes de escola pública e baixa renda— com cotas raciais. No entanto, é necessário a criação de programas específicos, sensíveis às especificidades das populações indígenas, quilombolas e das pessoas com deficiência. Tendo em vista que pretos e pardos em processo de ascensão social também são vítimas de racismo, apoiamos a criação de subcotas complementares para eles, independentemente da origem escolar.

    Outra recomendação é a revisão da faixa de renda, presente na lei federal. O patamar de 1,5 salário mínimo familiar per capita não favorece os mais pobres. Isso vale para a implementação de um sistema de concorrência simultânea, que permita a potenciais cotistas disputarem, ao mesmo tempo, as vagas no sistema de ampla concorrência, fazendo com que as cotas funcionem como piso, não como teto de inclusão.

    No que concerne à permanência estudantil, é urgente avançarmos numa política federal, unificada e desburocratizada.

    A adequada avaliação da política depende da constituição de um sistema integrado de dados educacionais e do mercado de trabalho que seja aberto, transparente e desidentificado —e que possibilite compreender desde as mudanças na demanda por ensino superior à inserção dos cotistas na vida profissional.

    Seria importante incentivar com fomento público pesquisas sobre as comissões de heteroclassificação racial para identificar seu impacto no aprimoramento da inclusão étnico-racial compatível com a complexidade das classificações raciais no Brasil.

    Por fim, consideramos importante que as ações afirmativas não fiquem restritas às cotas na graduação. Urge uma lei específica para a pós-graduação, sensível às especificidades desse nível de formação, da mesma forma que instituir políticas de inclusão no mercado de trabalho.

    Negros relatam que precisam ir arrumados a consultas para serem mais bem atendidos (Folha de S.Paulo)

    www1.folha.uol.com.br

    Racismo estrutural prejudica a população negra da atenção básica à saúde mental; profissionais sugerem mudanças na formação

    Havolene Valinhos

    19 de novembro de 2022


    Mesmo não se sentindo bem de saúde, você se preocuparia com que roupa vestir antes de ir ao hospital ou a uma consulta médica? Ou teria receio da forma como seria tratada na hora de dar à luz por causa da cor de sua pele? Esta é apenas uma amostra do que passa pela cabeça da população negra brasileira.

    Ainda criança, a trancista Sara Viana, 22, recebia o conselho da mãe de que elas seriam mais bem atendidas se chegassem ao hospital bem vestidas. “Ela falava que os hospitais públicos não atendem bem as pessoas da comunidade. Então eu poderia estar morrendo, mas pensava: tenho que me arrumar minimamente.”

    Em 2020, a Sara sentiu na pele o que a mãe temia. Ela afirma que não sabia que estava com infecção na vesícula e foi levada ao hospital às pressas, de pijamas.

    “Até meu cabelo estava molhado, pois chovia no dia. Percebi o incômodo da enfermeira da triagem, que nem me examinou e disse que era cólica e deu a classificação como baixo risco. Como estava com muita dor, meu pai e meu irmão me levaram para outro hospital, onde fui atendida por uma médica negra que me deu atenção. A situação era tão grave que passei por cirurgia no mesmo dia”, relembra.

    Coordenadora de um grupo sobre maternidade na Casa de Marias, espaço de escuta e acolhimento para mulheres pretas em situação de vulnerabilidade social, a psicóloga Alessandra Marques diz ser comum ouvir relatos de violência obstétrica.

    “Há uma ideia de que a mulher negra suporta mais a dor. É comum pacientes relatarem medo antes do parto. Já é um momento de mais fragilidade, e essa mulher pode sentir ainda mais dor porque não consegue relaxar devido à tensão.”

    Como parte de um estudo publicado em 2016 e citado com frequência, pesquisadores da Universidade da Virginia (EUA) investigaram 222 estudantes e médicos residentes brancos e descobriram que mais de um terço deles acreditava equivocadamente que negros têm a pele mais espessa que brancos e, por isso, faziam recomendações menos adequadas para tratamentos contra dor. O estudo foi publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences.

    Essas situações têm consequências na saúde mental e podem ser agravadas quando não tratadas. “Elas nem sempre encontram escuta qualificada. Pacientes dizem que tiveram suas falas sobre racismo ou solidão da mulher negra invalidadas quando atendidas por psicólogos brancos. Esse tipo de atendimento pode agravar mais o quadro.”

    Coordenadora-geral da Casa de Marias, a também psicóloga Ana Carolina Barros Silva ressalta a importância de profissionais negros no atendimento a essa população e cita a própria experiência como exemplo. Ela conta que passou por vários dermatologistas e ginecologistas brancos até encontrar, enfim, profissionais negros que correspondessem a suas expectativas.

    “A dermatologia é composta majoritariamente de pessoas brancas, que dificilmente têm formação para lidar com a pele negra e, por isso, usam protocolos que não são adequados.”

    De acordo com a fisioterapeuta Merllin de Souza, doutoranda na Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo), o currículo básico dos cursos de saúde não têm disciplinas obrigatórias sobre atenção à população negra. Há, contudo, uma disciplina optativa, chamada Formação do Profissional de Saúde e Combate ao Racismo.

    “Esses profissionais estão sendo formados para atender os usuários do SUS, das UBSs, dos postinhos, pessoas pretas periféricas que passam por racismo estrutural?”, questiona. “Às vezes a pessoa chega num estágio grave porque não consegue ter o atendimento necessário.”

    Para Souza, a formação básica do médico deixa a desejar nesse aspecto. “O Código de Ética prevê respeito étnico racial, mas a maioria dos conselhos não discute essas questões. É preciso respeitar os direitos humanos e trabalhar o letramento racial com esses profissionais”, afirma.

    Ythalo Pau-Ferro, 22, cursa o quarto semestre de medicina na USP e diz que o racismo é evidente nos ambientes de saúde. “Um paciente negro que chega vomitando pode ser considerado um usuário de drogas”, critica. Como homem preto, ele afirma querer contribuir para que esse quadro mude.

    A pesquisadora Ana Claudia Sanches Baptista, 34, diz que nunca foi atendida por médicos negros, com exceção de sua psicóloga. “Ela é a primeira profissional negra da área da saúde por quem sou atendida”, diz. E relata que uma vez foi constrangida por uma ginecologista, durante um exame de rotina. “As mulheres negras são consideradas parideiras. Essa médica ficou indignada por eu não querer ter filhos.”

    O dentista Guilherme Blum, 31, conta que começou a pesquisar sobre a saúde bucal do homem negro porque sentiu falta dessa abordagem no curso de odontologia. “A população negra é a que mais perde dentes ou tem doença bucal, mas não se fala sobre isso”, diz ele, referindo-se a casos de dor, cárie, perda dentária e necessidade de prótese.

    Blum atua no Programa Saúde da Família e relata um episódio no qual um paciente o abraçou porque sentiu identificação e conforto. “Existe um conceito subjetivo de que pessoas pretas aguentam mais a dor, o que na verdade é racismo estrutural.”

    Outro atendimento que o marcou foi o de uma criança de 7 anos com a mãe. “Ela disse que ficou feliz por ter me encontrado e chorou ao lembrar que sofreu violência odontológica, tiraram muitos dos seus dentes.”

    A discriminação no ambiente de trabalho também traz riscos à saúde psíquica da população negra. A enfermeira Carla Mantovan, 38, relata que passou por situações de racismo ao longo de cinco anos que contribuíram para o avanço de quadros de depressão e também de vitiligo. Ela chegou a se afastar do trabalho por um período, para cuidar do emocional, mas acabou pedindo demissão no início deste ano porque o assédio continuou após seu retorno às atividades.

    “Tive que tomar essa decisão em nome da minha saúde mental, porém hoje pago um preço alto. A renda familiar caiu muito, meu marido também ficou sem emprego, e temos financiamentos atrasados e uma bebê de um ano e meio.” Ambos trabalham hoje por conta, como confeiteiros.

    “Não registrei boletim de ocorrência nem gravei o que acontecia. Quando reportei aos meus superiores o que acontecia, eu não tinha provas e não validaram o que falei. E quando levei um advogado, as testemunhas se omitiram”, afirma Carla.

    A psicóloga da Casa de Marias lembra que, além do racismo, as mulheres pretas enfrentam mais dificuldades no acesso a saúde, educação, moradia e emprego, o que contribui para uma vida “cada vez mais precarizada”. “Somados, todos esses elementos produzem sofrimento psíquico. Começam a surgir sintomas psicossomáticos, transtornos de ansiedade, depressão, insônia”, diz Silva.

    Quanto aos homens, ela ressalta que o homem preto é cobrado para ser forte e raramente busca ajuda profissional quando o assunto é saúde mental. “Muitos buscam apoio quando já estão em um estado de surto, de depressão grave.”

    Brasil pode levar quase 116 anos para atingir equilíbrio entre negros e brancos (Folha de S.Paulo)

    www1.folha.uol.com.br

    Em duas décadas, região Norte foi a única que chegou ao patamar de equilíbrio racial; Centro-Oeste teve maior avanço

    Douglas Gavras, Patrick Fuentes e Cristina Sano

    19 de novembro de 2022


    Concluindo um mestrado em comunicação na UFBA (Universidade Federal da Bahia), Mariana Gomes, 24, é de uma família que foi transformada pela educação. Seu avô deixou o interior da Bahia para se tornar médico, o que estimulou a geração seguinte a ter um diploma superior e, em seguida, a geração dos netos.

    Cotista, ela teve a possibilidade de dividir as cadeiras da graduação com outros alunos negros. “A minha geração já tem a referência da universidade como possibilidade real de manter esse processo de ascensão e conquistar direitos básicos.”

    Agora, além de ver a necessidade de manter e aprimorar as políticas de acesso ao ensino superior, ela quer pensar no dia seguinte. “É preciso que mais pretos e pardos percebam a educação como possibilidade de resguardar direitos e avançar em oportunidades de trabalho e autonomia.”

    Apesar de avanços no aumento da diversidade no ensino superior, mantido o ritmo atual, o Brasil deve levar quase 116 anos para que pretos e pardos tenham acesso às mesmas oportunidades que os brancos, de acordo com a mais recente edição do Ifer (Índice Folha de Equilíbrio Racial).

    Enquanto políticas, como o sistema de cotas raciais, ajudaram a melhorar o indicador de equilíbrio racial para a educação —e ainda assim, a diferença em relação aos brancos só deve ser superada em 34 anos— a redução da desigualdade de renda e longevidade decepciona.

    Quando considerada a renda, o tempo necessário até o equilíbrio é de 406 anos. No caso da sobrevida ou longevidade, a maior parte dos estados do país está em relativo equilíbrio racial, mas os indicadores têm piorado rumo ao desequilíbrio, segundo o Ifer.

    O índice é uma ferramenta cuja metodologia foi elaborada no ano passado pelos pesquisadores do Insper Sergio Firpo, Michael França —ambos colunistas da Folha— e Alysson Portella.

    Ele ajuda a medir a distância entre a desigualdade racial no país e um cenário hipotético de equilíbrio, em que a presença dos negros nas faixas com melhores condições de vida refletisse o peso que eles têm na população com 30 anos ou mais.

    Seus componentes são ensino superior completo, sobrevida e presença no topo da pirâmide de renda, tendo como base a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ao longo deste mês, outras reportagens irão detalhar o que ocorreu com esses itens.

    O resultado é um indicador que varia de -1 a 1. Quanto mais próximo de -1, maior é a representação dos brancos em relação aos negros; já o valor muito perto de 1 aponta um cenário hipotético, em que a população negra teria mais representação.

    Além disso, quanto mais próximo de zero estiver o número, mais perto o indicador vai estar do equilíbrio racial, considerando-se a população de referência.

    Para estimar o tempo que falta até chegar o equilíbrio, é feito um cálculo usando a linha temporal dos dados e considerando a tendência linear que mais se aproxima do que ocorreu no período. Essa tendência, então, é extrapolada para o futuro, para que saiba em quanto tempo se chegará a zero.

    MELHORA DA DESIGUALDADE É TÍMIDA, APONTAM NÚMEROS

    Na versão mais recente do índice, os pesquisadores compararam os indicadores por um período de 2001 a 2021 e concluíram que a redução do desequilíbrio racial no país caminhou de forma modesta.

    Em duas décadas, o indicador geral melhorou 0,071 ponto, indo de -0,389 para -0,318, apontando ainda a maior representação de brancos ante negros.

    Nesse período, a região Norte foi a única do país que conseguiu atingir o patamar de equilíbrio racial relativo, que varia de 0,2 a -0,2. Nos estados ao norte, o indicador geral do Ifer passou de -0,301 para -0,196 ponto.

    “São sociedades mais pobres também, com pouco espaço para ter uma desigualdade muito visível. Há uma certa homogeneidade, inclusive racial, na carência. São economias com crescimento e renda menores”, diz Firpo, que também é colunista da Folha.

    Ainda assim, a maior queda se deu no Centro-Oeste, com uma melhora de 0,133 ponto, indo de -0,378 para -0,245.

    Na outra ponta, nas regiões mais ricas do país, a desigualdade é bem mais forte: o Sudeste teve o pior indicador em 2021, de -0,383 ponto (já era o lanterninha em 2001, com -0,411); no Sul, passou de -0,308 em 2001 para -0,253 em 2021.

    Das 27 unidades da Federação, 22 melhoraram, 4 pioraram (Ceará, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe) e 1 ficou estagnada (Espírito Santo). No caso dos estados, como a base amostral para algumas UFs é muito pequena, optou-se por utilizar as médias móveis de três anos, e a série vai de 2004 a 2021.

    Quando se olha para os dados gerais do país, a pequena melhora foi impulsionada pelo indicador que aponta o acesso ao ensino superior, com uma melhora de 0,223 ponto, ao passar de -0,598 para -0,375.

    “O Brasil ainda não dá acesso à elite para os negros. Isso tem se reduzido, mas em uma velocidade muito pequena, o que deixa claro o quanto é necessário aumentar o número de políticas públicas integradoras”, diz Firpo.

    Ele avalia que o reflexo da redução da desigualdade só deve começar a aparecer com mais clareza nos demais indicadores após maiores investimentos em qualificação profissional.

    “Facilitar o acesso à universidade pública é uma demanda histórica e importante, mas a forma mais eficiente de reduzir a desigualdade de oportunidades é integrar negros e brancos, ricos e pobres desde cedo, fazer com que a parcela mais excluída da população conviva com pessoas que vão ampliar sua possibilidade de acesso a um conjunto de oportunidades lá na frente”, diz.

    No mesmo intervalo de tempo, o indicador nacional de renda melhorou apenas 0,068 ponto, de -0,516 para -0,448 ponto.

    Nesse caso, o cálculo da renda considera a proporção de pretos e pardos que alcançam ou ultrapassam a renda (incluindo salários e demais rendimentos) que separa os brancos 10% mais ricos dos demais 90%, além de seu peso populacional.

    Já os dados de sobrevida —apesar de seguirem no patamar de equilíbrio entre negros e brancos, na maioria dos casos— apontam uma piora: era de -0,052, em 2001, e foi para -0,130 duas décadas mais tarde.

    O cálculo do componente de sobrevida no Ifer é semelhante ao que é feito para o indicador de renda: extrai-se o grupo de brancos 10% mais idosos e calcula-se a idade que o separa dos demais 90%.

    O destaque negativo também é o Sudeste, onde o índice de Sobrevida passou de -0,104 para -0,202, saindo do nível de equilíbrio para o de maior representatividade branca.

    AVANÇO DE LONGEVIDADE E RENDA DEMANDA INVESTIMENTOS

    Mesmo celebrando os avanços em parte dos indicadores, os especialistas ouvidos pela reportagem destacam a necessidade de políticas públicas direcionadas para o combate ao racismo, tanto no mercado de trabalho quanto na rede pública de atendimento, para que os demais indicadores também avancem.

    “Não basta que apenas a educação melhore, cada um dos componentes possui o mesmo peso e deveria ser observado de forma consistente por políticas públicas de redução da desigualdade”, diz França, que também é colunista da Folha.

    Ele também destaca que a piora do índice de sobrevida no período, que caminha para o desequilíbrio, pode indicar a diferença no acesso a planos de saúde privados, um fator em que a população branca sempre leva vantagem, e a falta de investimentos adequados no SUS (Sistema Único de Saúde).

    “Já para o componente da renda é preciso começar a discutir mais seriamente as barreiras que existem para os negros. Ampliamos o acesso ao ensino superior, mas isso ainda não se reflete em melhores postos no mercado de trabalho”, complementa.

    Além de educação, saúde e renda, fatores como privilégios ligados a cor de pele e estrutura familiar economicamente saudável ajudam a explicar a queda tímida no desequilíbrio entre negros e brancos”, diz Portella. “Chegar aos 10% mais privilegiados no Brasil é difícil. Em um país tão desigual, muitas vezes os pequenos ganhos não são suficientes para colocar [os negros] no topo.”

    Sobre as diferenças regionais, ele acrescenta que locais com maior concentração de renda, como o Sudeste, possuem obstáculos adicionais para a população negra, dado o privilégio econômico dos brancos.

    “Pessoas realmente ricas contam com redes de contatos que desempenham um papel muito importante [na ascensão social]. Então, para um negro da periferia vai ser muito difícil acessar uma rede que vai te permitir entrar nesse grupo; já uma pessoa branca fica mais fácil se manter lá”, diz.

    “A população [negra] também acaba sendo mais vulnerável aos ciclos da economia e às decisões do governo”, avalia Marcelo Paixão, economista e professor da Universidade do Texas. Segundo ele, apesar de melhoras simbólicas e materiais no desequilíbrio entre brancos e negros no Brasil, momentos de crise econômica ou de alta na inflação, tendem a afetar mais pessoas negras.

    Para Paixão, a desigualdade passa por ciclos, no qual pode diminuir e se agravar em diferentes períodos históricos. No entanto, a falta de estrutura familiar mais organizada, as dificuldades no acesso ao mercado de trabalho formal e à Previdência são maiores para os negros.

    “Equidade é dar ferramentas específicas a grupos que tiveram uma desigualdade de oportunidade na origem. Se você nasce numa família que consegue suprir a ineficiência do setor público, seu filho larga na frente”, diz Carla Beni, economista e professora no MBA da FGV (Fundação Getulio Vargas).

    Ela destaca que a discriminação também impende o equilíbrio relativo entre negros e brancos. “A falácia da meritocracia dificulta o aprofundamento do debate e criação de novas políticas para aumentar representatividade da população negra e parda no país”, diz.

    Para o economista Mário Theodoro, autor de “A Sociedade Desigual – Racismo e Branquitude na Formação do Brasil”, ainda faltam políticas direcionadas para a redução da desigualdade.

    “Um estudo que fiz durante o governo anterior do presidente Lula mostrava a redução da pobreza entre negros e brancos, mas agora é preciso pensar em mecanismos que privilegiam os negros mais pobres. As políticas universais são fundamentais, mas se não forem complementadas pelas políticas de combate ao racismo, o patamar de diferença vai se manter.”

    Mariana Belmont – Movimentos negro e indígena lançam ‘Declaração de Resistência’ na COP27 (ECOA Uol)

    uol.com.br

    OPINIÃO

    Mariana Belmont – Colunista do UOL

    10/11/2022 06h00

    COP 27 acontece no Egito. Imagem: Sayed Sheasha/Reuters


    Os integrantes dos povos indígenas de Abya Yala e dos povos negros e afrodescendentes em representação dos povos e comunidades e diásporas do Canadá, Estados Unidos, México, Chile, Honduras, Nicarágua, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Uruguai, Brasil, Haiti, Argentina, Guatemala, República Dominicana, Trinidad e Tobago, Panamá, Suriname, Jamaica, Porto Rico, Uganda, Cuba, Venezuela, no marco da rememoração dos 530 anos de resistência dos Povos Indígenas, Negros e Afrodescendentes lançam na COP27 a “Declaração de Resistência anticolonial indígena, negra e afrodescendente“, com uma lista importante de proposições para outros tempos no mundo.

    A articulação se apresenta como um movimento anticolonial, antirracista, antixenofóbico, antipatriarcal, antihomofóbico e antilesbotransfóbico.

    Como Movimento de Libertação Negra e Indígena, a nossa luta é interseccional, transeccional, antirracista, feminista comunitária, Afrofeminista, mulherista africana, de identidades políticas diversas em comunidade.

    Buscamos evidenciar e questionar a inegável relação existente entre colonialismo, capitalismo, patriarcado e racismo. Reivindicando a autonomia de seus corpos e reconhecendo a complementaridade dos que habitam os territórios e a participação das mulheres e dissidências para a defesa da vida, o território e a preservação dos saberes e conhecimentos ancestrais.

    Em busca da formação de uma plataforma sustentada em redes comunitárias sólidas, integradas por organizações e coletivos sociais indígenas, negros e afrodescendentes do continente, com o fim de favorecer o acionar coletivo, solidário, coordenado e organizado.

    No Brasil organizações como Instituto de Referência Negra Peregum, Uneafro Brasil, Criola, Instituto Perifa Sustentável e Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) assinaram a declaração, reforçando a importância de um diálogo internacional entre os povos.

    Entre as proposições estão que o dia 12 de outubro seja declarado como o dia da resistência ao extermínio dos Povos Indígenas, Negros e Afrodescendentes de Abya Yala. Declarando que a luta dos povos é articulada, diversa, continental, inclusiva e plural. Sendo considerados com urgência protagonistas em igualdade de direitos em qualquer processo ou projeto que afete as comunidades e territórios.

    Criação de projetos e a implementação de ações diretas, políticas públicas, ações afirmativas e de reparação interculturais e interseccionais que garantam a distribuição justa e equitativa da riqueza, o acesso à saúde, à soberania alimentar, à água potável e de qualidade para que possamos viver em ambientes seguros e dignos.

    Direito ao território é direito e eles reivindicam isso. “Todas as terras indígenas e territórios negros devem ser devolvidos aos seus legítimos donos. As terras devem ser devolvidas aos seus respectivos povos. Todas as comunidades negras e afrodescendentes devem ter livre titulação sobre as terras em que habitam. E livre acesso aos seus recursos naturais como praias, selvas, pântanos, bosques andinos, planícies, bacias, rios, glaciares, vales interandinos, pântanos em altura, lagos, pradarias, manguezais, baías, ladeiras, quebradas e terras não-cultivadas as quais não devem ser privatizadas nem exploradas de nenhuma forma”.

    E reforçando que não pode existir justiça climática sem justiça racial. Entendendo que a justiça climática reconhece que a mudança climática tem impactos distintos de acordo às condições econômicas, sociais, raciais e de gênero. E que a justiça racial é um eixo fundamental na luta contra as desigualdades produto do sistema colonial, capitalista, extrativista e agroexportador.

    Crise climática é crise de classes, diz ator britânico que aponta racismo no debate (Folha de S.Paulo)

    www1.folha.uol.com.br

    Na peça ‘Can I Live?’, Fehinti Balogun, com rap, animação e poesia, apresenta a colonização e a exploração de países africanos como temas centrais na discussão

    Cristiane Fontes

    2 de novembro de 2022


    Foi em 2017, durante a preparação para a peça “Myth”, uma parábola climática da Royal Shakespeare Company, que o artista Fehinti Balogun acabou se dando conta da gravidade da crise do clima.

    “Após ter feito muitas coisas, consegui meu primeiro papel principal numa peça no West End em Londres. Era o ano mais quente da história”, lembra o ator e dramaturgo britânico. “E, pela primeira vez, percebi que as plantações estavam morrendo, os campos estavam secos. Comecei a desenvolver uma espécie de ansiedade que nunca tive antes”, completa.

    Com isso, veio o choque: “Eu tinha o trabalho que eu sempre sonhei, algo que eu tinha estudado para fazer, e, de repente, isso não significava nada”.

    Balogun se juntou ao grupo ativista Extinction Rebellion, participou de diversos protestos e organizou uma palestra sobre o tema. Essa jornada o levou à produção de uma peça teatral que, durante a pandemia, foi transformada em um filme.

    O ator britânico Fehinti Balogun, que criou a peça ‘Can I live?’, sobre mudanças climáticas. Fonte: New York Times/Tom Jamieson, 29.out.2021

    Intitulada “Can I Live?” (posso viver?), a produção explica as mudanças climáticas a partir da perspectiva de uma pessoa negra, usando diversas performances musicais.

    A mãe de Balogun, imigrante nigeriana, é quem guia a história. Fora da tela, também foi ela quem inspirou a criação do texto, a partir de questionamentos ao filho —que ele gravou secretamente para escutar de novo e pensar a respeito.

    “Por que você está sacrificando sua carreira para fazer parte desses grupos?”, ela perguntava.

    Mesmo discordando, o filho reconheceu na indignação da mãe um ponto muito importante: a discussão climática ficou elitizada e branca e ainda não foi capaz de incluir os segmentos mais pobres da população.

    “Can I Live?”, pelo contrário, se propõe a não só trazer os dilemas pessoais do autor, que se misturam aos problemas mundiais e aos dados científicos, como é didática e criativa ao explicar, por exemplo, o efeito estufa em forma de rap. Criado com a companhia de teatro britânica Complicité, o filme mescla linguagens como animação, poesia e música.

    “O objetivo é criticar descaradamente o sistema, sem culpar uma pessoa específica. Não se trata de envergonhar as pessoas, mas, sim, de educá-las e conectar-se com elas”, define Balogun.

    Depois de uma turnê online, o filme foi exibido em eventos como a COP26 (conferência da ONU sobre mudanças climáticas realizada em 2021 na Escócia) e a London Climate Action Week.

    A ideia, diz Balogun, é fazer “Can I Live?”, que ainda não foi lançado no Brasil, chegar a movimentos de base, para estimular conversas sobre a crise climática entre aqueles que não costumam se conectar com o assunto.

    Quando perguntado sobre a agenda climática no Reino Unido, o autor é categórico: “Temos um governo que não está levando isso tão a sério quanto deveria e que nunca levou o racismo tão a sério quanto deveria. Temos toda uma economia baseada num histórico de escravidão que não é debatida. Então, dentro das escolas, apagamos essa história. O que aprendemos neste país não está nem perto do que deveria ser”.

    Quando e por que você se envolveu com a agenda da crise climática?

    Após ter feito muitas coisas, consegui meu primeiro papel principal numa peça no West End em Londres. Era o ano mais quente da história, depois de outro ano ter sido o ano mais quente da história, depois de o último antes disso ter sido o mais quente… E, pela primeira vez, eu percebi que as plantações estavam morrendo, os campos estavam secos. Comecei a desenvolver uma espécie de ansiedade que nunca tive antes. Eu tinha o trabalho que eu sempre sonhei, algo que eu tinha estudado para fazer, e, de repente, isso não significava nada.

    Então comecei a tentar me envolver em diferentes projetos e me juntei ao [grupo ativista] Extinction Rebellion. E comecei a discutir tudo com minha mãe, que perguntava: “Por que você está sacrificando sua carreira para fazer parte desses grupos?”. E eu pensava: “Não, essa é a única coisa importante que estou fazendo”. E nós continuamos discutindo muito isso tudo.

    Eu gravei secretamente tudo o que ela me disse, peguei os pontos importantes dela e transformei numa apresentação sobre o clima, porque percebi que meu papel era poder usar meu privilégio de ser um ator e ter essa formação.

    Eu não sou de uma família particularmente rica. Cresci sem muito dinheiro, morando em habitação social, e o que eu tenho agora é devido ao meu trabalho como ator, aos meus contatos e a todas essas perspectivas diferentes. Então eu montei essa palestra, que é como um TED Talk, usando as mensagens de voz da minha mãe.

    Esse trabalho decolou, uma coisa levou à outra e começamos a trabalhar em uma peça, que depois virou um filme, “Can I Live?”. Foi assim que essa jornada climática de repente tomou conta da minha vida.

    Sua mãe é a verdadeira estrela do filme. Quais foram as coisas importantes que ela levantou sobre o assunto?

    Muitas. Uma delas é exatamente o que significa resistir quando você é uma minoria, e o que significa para a sua criação. Isso afeta não apenas o seu futuro, mas também a ideia que foi passada a pessoas como minha mãe, minhas tias, meus tios sobre o que é o “bom imigrante”.

    Não é algo que ela tenha me dito explicitamente, mas que eu intuí de tudo o que ela estava me dizendo. Você não é capaz de reagir porque tem sorte de ter o que tem, entende? Ela dizia: “Há pessoas que estão esperando para entrar no país. Há pessoas que estão esperando conseguir a cidadania. E você acha que eles vão criticar aquele país que diz que eles não deveriam estar lá?”.

    Para o público no Brasil que ainda não teve a chance de assistir ao filme, como você o descreveria?

    Basicamente, o filme é uma explicação das mudanças climáticas a partir da perspectiva de uma pessoa negra. O objetivo é criticar descaradamente o sistema, sem culpar uma pessoa específica. Não se trata de envergonhar as pessoas, mas, sim, de educá-las e conectar-se com elas.

    Eu quero que as pessoas assistam e vejam a si mesmas no filme todo ou em algumas partes, ou que vejam sua mãe ou sua avó ou seus amigos nas conversas. O filme tinha como objetivo levar as pessoas por essa jornada histórica até onde estamos agora e descobrirem o que podem fazer.

    Colocamos o filme para distribuição online durante a pandemia. As pessoas pagavam o que podiam. A ideia era tentar torná-lo o mais acessível possível. Não foi algo como: “Ei, nós fizemos uma obra de arte!”, mas ela é exibida num teatro muito metido onde as pessoas se sentem desconfortáveis e têm dificuldades para acessar.

    A ideia foi descentralizar esta obra e distribuí-la para o maior número de pessoas possível, e oferecê-la a movimentos de base, para que pudessem exibi-lo e conversar a partir disso e incluir nessas conversas pessoas que não costumavam se conectar.

    A propósito, como envolver nas questões climáticas pessoas que estão lutando para sobreviver?

    Acho que a coisa mais importante que aprendi sobre me comunicar com as pessoas é que você precisa ir ao encontro delas. Você não pode chegar em alguém esperando que essa pessoa tenha o seu mesmo nível de entusiasmo ou raiva, ou desgosto, ou desdém, porque todo mundo tem algo acontecendo em suas vidas.

    O que temos no sistema é que constantemente nos dizem que temos que consertar algo individualmente, e que é nossa culpa individual. O fato de você estar passando por tanta insegurança alimentar é porque você não trabalhou duro o suficiente, ou porque 20 anos atrás você não economizou isso, ou fez aquilo. E se você tivesse feito todas essas coisas, você estaria bem e a culpa é sua e blá, blá, blá.

    Você tem de olhar para essa questão de um ponto de vista estrutural. Estrutural e espiritual. Eu posso despejar todas as minhas ideias sobre estrutura e coisas de ativismo em cima de você, mas, no final das contas, se seu prato está cheio, seu prato está cheio; você já chegou no seu limite. A questão é muito mais profunda, e é muito solitário e difícil saber que você tem muitos problemas que precisa consertar. No final, o que está mesmo no centro disso é ter uma comunidade.

    E como você descreveria o debate sobre mudanças climáticas no Reino Unido no momento?

    Essa é uma pergunta difícil! Agora no Reino Unido temos um governo que não está levando isso tão a sério quanto deveria e que nunca levou o racismo tão a sério quanto deveria.

    Temos toda uma economia baseada num histórico de escravidão que não é debatida. Então, dentro das escolas, apagamos essa história. O que aprendemos neste país não está nem perto do que deveria ser, na verdade. Mas, se estivermos falando de pensamentos e sentimentos em relação às mudanças climáticas, as pessoas sabem disso, embora não saibam o que fazer.

    Na COP26, no ano passado, você participou de eventos com artistas e ativistas indígenas brasileiros. Como o discurso deles ecoou com você e no Reino Unido?

    A COP é um evento decepcionante, via de regra. Não me inspirou nem um pouco. O que foi inspirador foram todos os ativistas que estavam lá e pessoas diferentes de muitos países diferentes, fazendo coisas incríveis e falando sobre tantas coisas. É uma comunidade muito forte.

    Mas é muito difícil no Reino Unido. O patriotismo está apenas conectado a um ponto de vista ideológico e imperialista do mundo, que diz: “Eu sou superior a você”. Então por que aprender com aquele ativista brasileiro diferente? Já os indígenas eram o oposto disso. A mensagem deles era: “Estes somos nós! E vamos compartilhar isso com vocês! Vamos proteger isso para as gerações futuras!”.

    Na sua visão, como fortalecer o movimento global de justiça climática, considerando o atual contexto político?

    Parte do movimento dos direitos civis estava ligado à educação, à educação em massa e para certas comunidades. A ideia não é trabalhar com o medo, mas sim trabalhar através do medo para chegar a soluções.

    Então, para fortalecer o movimento, [precisamos de] educação em massa, especificamente em certas zonas; e precisamos que diferentes movimentos de base se unam.

    Em termos de mudança na narrativa, quais são as estratégias que você considera mais importantes?

    Precisamos mudar a narrativa sobre riqueza e propriedade. Nós realmente precisamos entender que a crise climática é uma crise de classes, e dentro dessa crise de classes, há uma interseccionalidade muito racista.

    Simplesmente entender essas coisas eu acho que vai ajudar muito; e é muito difícil, porque dentro do ideal capitalista, [a economia] só funciona se você sentir falta de alguma coisa. Eles só podem vender maquiagem para você se você acreditar que precisa de maquiagem. Eu não estou dizendo que as pessoas não devem usar maquiagem, mas, sim, que você só vai comprar algo se achar que precisa daquilo.

    São essas mudanças de narrativas sobre o que achamos que é necessário e o que é, na verdade, necessário.

    E precisamos de bondade radical. Radical no sentido de que não somos uma cultura muito indulgente.

    O debate político anda muito polarizado, inclusive no Brasil, como você deve saber. Você poderia descrever melhor a ideia de bondade radical?

    O que quero dizer com bondade radical não é apenas ser radicalmente gentil com a pessoa com opiniões opostas, mas também ser radicalmente gentil consigo mesmo.

    Por que estou tentando fazer com que alguém que, fundamentalmente, me odeia goste de mim? Como isso me ajuda ou ajuda a outra pessoa? No final das contas, independentemente de eles terem dito que gostavam ou não de mim, eles vão embora e eu fico com esse sentimento. A única maneira de lidar com isso é ter uma comunidade atrás de você que esteja disposta a compartilhar isso com você.

    Você sabe o que isso significa? Significa se afastar da postura individual de “eu vou consertar o mundo” para algo como “estas são as pessoas que eu preciso para poder fazer isso”.

    Eu sempre falo, você tem que fazer uma escolha quando você fala com alguém, especialmente com alguém com uma opinião oposta a você que não tem interesse direto no assunto, como por exemplo, racismo, sexismo, ou mesmo mudanças climáticas.

    Quando a pessoa não é afetada emocional, física e praticamente pela coisa e argumenta contra você, você tem que se perguntar: “Eu tenho condições de me envolver nisso hoje? Até onde quero ir? Vou ter alguém cuidando de mim quando a conversa terminar?”. Então a bondade radical não é apenas ter um espaço para a outra pessoa: é para você mesmo.


    Raio-X

    Fehinti Balogun

    Ator, dramaturgo, escritor e pintor britânico de origem nigeriana, nascido em Greenwich, em Londres. Além de “Can I Live?”, participou de peças como “Myth” (mito), “The Importance of Being Earnest” (a importância de ser prudente) e “Whose Planet Are You On?” (você está no planeta de quem?). No cinema, fez trabalhos como “Juliet, Nua e Crua”, “Duna” e “Walden”. Na TV, participou das séries “I May Destroy You” (posso te destruir), “Informer” (informante) e “O Filho Bastardo do Diabo”, cuja primeira temporada estreia no fim de outubro na Netflix no Brasil.

    Opinion | On Affirmative Action, What Once Seemed Unthinkable Might Become Real (New York Times)

    nytimes.com


    Guest Essay

    Oct. 28, 2022

    Credit: Michael Kennedy

    By Linda Greenhouse

    As affirmative action prepares to meet its fate before a transformed Supreme Court, after having been deemed constitutional in higher education for more than four decades, the cases to be argued on Monday bring into sharp focus a stunning reality.

    After all this time, after the civil rights movement and the many anti-discrimination laws it gave birth to, after the election of the first Black president and the profound racial reckoning of the past few years — perhaps because of all those things — the country is still debating the meaning of Brown v.Board of Education.

    A dispute over what the court meant when it declared in 1954 that racial segregation in the public schools violates constitutional equality is not what I expected to find when I picked up the daunting pile of briefs filed in two cases challenging racially conscious admissions practices at Harvard and the University of North Carolina. There are more than 100 briefs, representing the views of hundreds of individual and organizational “friends of the court,” in addition to those filed by the parties themselves.

    Both cases were developed by a made-to-order organization called Students for Fair Admissions Inc. The group asks the court in both cases to overturn Grutter v. Bollinger, its 2003 decision upholding affirmative action in student admissions to the University of Michigan’s law school.

    Justice Sandra Day O’Connor, writing for the majority in Grutter, said then that society’s interest in maintaining a diverse educational environment was “compelling” and justified keeping affirmative action going, as needed, for the next 25 years. Since that was 19 years ago, I expected to read an argument for why the timetable should be foreshortened or, more broadly, why diversity should no longer be considered the compelling interest the court said it was in 1978 in Regents of the University of California v. Bakke. The court concluded in that case that race could be used as one criterion by universities in their admissions decisions.

    Instead, I found this bold assertion on page 47 of the plaintiff’s main brief: “Because Brown is our law, Grutter cannot be.”

    Relying on a kind of double bank shot, the argument by Students for Fair Admissions goes like this: The Brown decision interpreted the 14th Amendment’s equal protection guarantee to prohibit racial segregation in public schools. In doing so, it overturned the “separate but equal” doctrine established 58 years earlier in Plessy v. Ferguson. Therefore, the court in Brown necessarily bound itself to Justice John Marshall Harlan’s reference in his dissenting opinion in Plessy to a “colorblind” Constitution.

    “Just as Brown overruled Plessy’s deviation from our ‘colorblind’ Constitution, this court should overrule Grutter’s,” the group asserts in its brief. “That decision has no more support in constitutional text or precedent than Plessy.”

    Briefs on the universities’ side take vigorous issue with what the University of North Carolina’s brief calls “equal protection revisionism.” Noting that Justice Harlan’s objection to enforced separation of the races was that it imposed a “badge of servitude” on Black citizens, the brief observes that “policies that bring students together bear no such badge.”

    Moreover, a brief by the NAACP Legal Defense and Educational Fund Inc., under the auspices of which Thurgood Marshall argued Brown before the Supreme Court, warns that the plaintiff’s position “would transform Brown from an indictment against racial apartheid into a tool that supports racial exclusion.” The “egregious error” in the court’s majority opinion in Plessy, the legal defense fund’s brief explains, was not its failure to embrace a “colorblind” ideal but its “failure to acknowledge the realities and consequences of persistent anti-Black racism in our society.” For that reason, the brief argues, the Grutter decision honored Brown, not Plessy.

    “Some level of race-consciousness to ensure equal access to higher education remains critical to realizing the promise of Brown,” the defense fund argues.

    Grutter was a 5-to-4 decision. While the court was plainly not at rest on the question of affirmative action, it evidently did not occur to the justices in 2003 to conduct their debate on the ground of which side was most loyal to Brown. Each of the four dissenters — Chief Justice William Rehnquist and Justices Anthony Kennedy, Antonin Scalia and Clarence Thomas — wrote an opinion. None cited Brown; Justice Thomas quoted Justice Harlan’s “our Constitution is colorblind” language from his Plessy dissent in the last paragraph of his 31-page opinion, which was mainly a passionate expression of his view that affirmative action has hurt rather than helped African Americans.

    While the contest at the court over Brown’s meaning is new in the context of higher education, it was at the core of the 2007 decision known as Parents Involved, which concerned a limited use of race in K-12 school assignments to prevent integrated schools from becoming segregated again. In his opinion declaring the practice unconstitutional, Chief Justice John Roberts had this to say: “Before Brown, schoolchildren were told where they could and could not go to school based on the color of their skin. The school districts in these cases have not carried the heavy burden of demonstrating that we should allow this once again — even for very different reasons.” In his dissenting opinion, Justice Stephen Breyer called the chief justice’s appropriation of Brown “a cruel distortion of history.”

    The invocation of a supposedly race-neutral 14th Amendment — as the former Reagan administration attorney general Edwin Meese III phrased it in his brief against the universities — goes to the very meaning of equal protection. That was clear earlier this month in the argument in the court’s important Voting Rights Act case in the new term.

    Alabama is appealing a decision requiring it to draw a second congressional district with a Black majority. Alabama’s solicitor general, Edmund LaCour, denounced the decision as imposing a racial gerrymander that he said placed the Voting Rights Act “at war with itself and with the Constitution.” “The Fourteenth Amendment is a prohibition on discriminatory state action,” he told the justices. “It is not an obligation to engage in affirmative discrimination in favor of some groups vis-à-vis others.”

    The newest member of the court, Justice Ketanji Brown Jackson, pushed back strongly with an opposite account of the 14th Amendment’s origins. “I don’t think that the historical record establishes that the founders believed that race neutrality or race blindness was required,” she said. “The entire point of the amendment was to secure the rights of the freed former slaves.”

    It is no coincidence that challenges to the constitutionality of both affirmative action and the Voting Rights Act appear on the court’s calendar in a single term. The conjunction reflects the accurate perception that the current court is open to fundamental re-examination of both. Indeed, decisions going back to the 1980s have held that in setting government policy, race cannot be a “predominant” consideration. But whether because the votes haven’t been there or from some institutional humility no longer in evidence, the court always stopped short of proceeding to the next question: whether the Constitution permits the consideration of race at all.

    That question, always lurking in the background, is now front and center. Not too long ago, it would have been scarcely thinkable that if and when the court took that step, it would do so in the name of Brown v. Board of Education. But if the last term taught us anything, it’s that the gap between the unthinkable and the real is very short, and shrinking fast.

    Ms. Greenhouse, the recipient of a 1998 Pulitzer Prize, reported on the Supreme Court for The Times from 1978 to 2008 and was a contributing Opinion writer from 2009 to 2021.

    Science must overcome its racist legacy: Nature’s guest editors speak (Nature)

    nature.com

    We are leading Nature on a journey to help decolonize research and forge a path towards restorative justice and reconciliation.

    Melissa Nobles, Chad Womack, Ambroise Wonkam & Elizabeth Wathuti

    EDITORIAL, 08 June 2022


    Four photos of people, clockwise from top left: Chad Womack, Elizabeth Wathuti, Ambroise Wonkam, Melissa Nobles.
    Clockwise from top left: Chad Womack, Elizabeth Wathuti, Ambroise Wonkam and Melissa Nobles.Credit: Bottom left: Gretchen Ertl; bottom right: University of Cape Town

    Science is a human endeavour that is fuelled by curiosity and a drive to better understand and shape our natural and material world. Science is also a shared experience, subject both to the best of what creativity and imagination have to offer and to humankind’s worst excesses. For centuries, European governments supported the enslavement of African populations and the subjugation of Indigenous people around the world. During that period, a scientific enterprise emerged that reinforced racist beliefs and cultures. Apartheid, colonization, forced labour, imperialism and slavery have left an indelible mark on science.

    Although valiant and painful freedom struggles eventually led to decolonization, the impacts of those original racist beliefs continue to reverberate and have been reified in the institutional policies and attitudes that govern the ‘who’ and ‘how’ of individuals’ participation in the modern, global scientific enterprise. In our opinion, racist beliefs have contributed to a lack of diversity, equity and inclusion, and the marginalization of Indigenous and African diasporic communities in science on a national and global scale.

    Science and racism share a history because scientists, science’s institutions and influential supporters of science either directly or indirectly supported core racist beliefs: the idea that race is a determinant of human traits and capacities (such as the ability to build civilizations); and the idea that racial differences make white people superior. Although the most egregious forms of racism are unlawful, racism persists in science and affects diverse communities worldwide. Following the murder of George Floyd in 2020 and the expansion of the Black Lives Matter movement into science, Nature was among those institutions that pledged to listen, learn and change. In an Editorial, it said, “The enterprise of science has been — and remains — complicit in systemic racism, and it must strive harder to correct those injustices and amplify marginalized voices.”1

    Nature invited us to serve as guest editors — notably, to advise on the production of a series of special issues on racism in science, the first of which is due to be published later this year. We accepted the invitation, although recognized the enormity of the challenge. How to define terms such as race, racism and scientific culture? How to construct a coherent framework of analysis: one that enables us to examine how racist beliefs in European colonial and post-colonial societies affect today’s scientists in countries that were once colonized; and how racism affects scientists of African, Asian, Central and South American and Indigenous heritage who are citizens and residents of former colonial powers?

    We are committed to pursuing honest dialogue and giving a voice to those most affected by racism in science. But we also seek to provide readers with hope and optimism. Accordingly, our aim is to showcase some of the many examples of successful scientists who are Black, Indigenous and People of Colour, to highlight best practices and ‘lift-up’ programmes, and to feature initiatives that empower full participation and scientific leadership of African, Indigenous and diasporic communities around the world.

    Articles will explore some key events and discoveries, drawn from both the scholarly literature and from lived experiences. Content will seek to understand the systemic nature of racism in science — including the institutions of academia, government, the private sector and the culture of science — that can lead either to an illusion of colour blindness (beneath which unconscious bias occurs) or to deliberate practices that are defiantly in opposition to inclusion. The articles will use the tools of journalism in all relevant media formats, as well as expert comment and analysis, primary research publishing and engagement, and will have a strong visual component.

    Protesters attend the Black Austin Rally and march for Black Lives at Houston Tillotson University. Austin, Texas in 2020.
    Protestors attend a march for Black Lives Matter in Austin, Texas, in June 2020.Credit: Mario Cantu/CSM/Sipa US/Alamy

    This opening Editorial — the first Nature has published signed by external authors — is a contribution to what will be a long, sometimes difficult, but essential and ultimately rewarding process for the journal and its readers, and, we hope, for its publisher, too. The journey to recognizing and removing racism will take time, because meaningful change does not happen quickly. It will be difficult, because it will require powerful institutions to accept that they need to be accountable to those with less power. It will be rewarding because it will enrich science. It is essential because it is about truth, justice and reconciliation — tenets on which all societies must be founded. As scientists, we know that where there are problems in the historical record, scientific rigour and scientific integrity demand that they be acknowledged, and, if necessary, corrected.

    Look at the record

    So how do we know that science has advanced racist ideas? We know because it is detailed in the published scholarly record. Some 350 years ago, François Bernier, a French physician employed in the court of the Mughal Emperor Aurangzeb, attempted to create a hierarchy of people by their skin colour, religion and geography2.

    Such ideas came into their own when colonization was at its peak in the 1800s and early 1900s. In 1883, Francis Galton, an English statistician, coined the term eugenics for the study of human improvement through genetics and selective breeding. Galton also constructed a racial hierarchy, in which white people were considered superior. He wrote that “the average intellectual standard of the negro race is some two grades below our own (the Anglo Saxon)”3.

    Although Charles Darwin opposed slavery and proposed that humans have a common ancestor, he also advocated a hierarchy of races, with white people higher than others. In The Descent of Man, Darwin describes what he calls the gradations between “the highest men of the highest races and the lowest savages”4. He uses the word ‘savages’ to describe Black and Indigenous people.

    In our own times, James Watson, a Nobel laureate and co-discoverer of the DNA double helix, voiced the opinion that Black people are less intelligent than white people. In 1994, the psychologist Richard Herrnstein and the political scientist Charles Murray claimed that genetics was the main determinant of intelligence and social mobility in American society, and that those genetics caused African Americans and European Americans to have different IQ scores5.

    Left: Cover of an essay from Arthur de Gobineau, Right: Cover of UNESCO Courier 1950.
    Cover of an essay by the nineteenth-century French diplomat and social theorist Arthur de Gobineau justifying white supremacy (left). Scientists publish a statement through the UN affirming that race is a social construct and not a biological phenomenon (right).Credit: Left, Daehan (CC BY-SA 4.0); right, UNESCO Courier 1950

    By 1950, the consensus among scientific leaders was that race is a social construct and not a biological phenomenon. Scientists affirmed this in a statement published that year by the United Nations science and education agency UNESCO (see go.nature.com/3mqrfcy). This has since been reaffirmed by subsequent findings showing there is no genetic basis for race, because humans share 99.9% similarity and have a single origin, in Africa6,7. There is more genetic variation within ‘races’ than between them.

    Researching race and science matters, not only because these ideas influenced science, but because they became attractive to decision-makers, with horrific effects. People in power who advocated or participated in colonization and/or slavery used science, scientists and scientific institutions to rationalize and justify these practices.

    Take Thomas Jefferson, the third US president, who drafted the Declaration of Independence of 1776. Jefferson is widely considered to be among the founders of liberalism and the idea of meritocracy. The declaration includes some of the most well-rehearsed words in the English language: that “all men are created equal”. And yet Jefferson, who was both a scientist and a slave owner, also thought that people of African descent were inferior to white people.

    In the mid-nineteenth century, the French diplomat and social theorist Arthur de Gobineau wrote an essay justifying white supremacy8. De Gobineau thought that “all civilizations derive from the white race [and] none can exist without its help”. He argued that civilizations eventually collapse when different peoples mix. To advance his theory, he classified people according to their skin colour and social backgrounds. White aristocrats were given the highest category, Black people the lowest. De Gobineau’s ideas subsequently influenced the development of Nazi ideology, as did Galton’s — eugenics gained support among many world leaders, and contributed to slavery, apartheid and colonization, and the related genocide.

    Addie Lee Anderson, age 87, in 2006 at her home in Fayetteville, North Carolina
    Addie Lee Anderson was involuntarily sterilized in 1950 by the Eugenics Board of North Carolina. She is pictured here in 2006 at the age of 87.Credit: Sara D. Davis/TNS/ZUMA Press

    In the early decades of the twentieth century, many US states passed eugenic sterilization laws. For example, North Carolina enacted such a law in 1929; by 1973, approximately 7,600 individuals had undergone involuntary sterilization in the state. The laws initially targeted white men who had been incarcerated for mental-health disorders, mental disabilities or crimes, but were later used to target Black women who received welfare benefits. It is estimated that between 1950 and 1966, Black women in North Carolina were sterilized at 3 times the rate of white women, and at 12 times the rate of white men9.

    Deconstruct, debate and decolonize

    Even today, colonization is sometimes defended on the grounds that it brought science to once-colonized countries. Such arguments have two highly problematic foundations: that Europe’s knowledge was (or is) superior to that of all others, and that non-European cultures contributed little or nothing to the scientific and scholarly record.

    These views are evident in the case of Thomas Babington Macaulay, a historian and colonial administrator in India during the British Empire, who famously wrote in 1835 that “a single shelf of a good European library was worth the whole native literature of India and Arabia”10. These were not idle words. Macaulay used these and similar arguments to justify stopping funding for teaching India’s national languages, such as Sanskrit, Arabic and Persian — which, he said, taught “false history”, “false astronomy” and “false medicine” — in favour of teaching English language and science. Some might question what is wrong with more English and science teaching, but the context matters. Macaulay’s intention (in his own words) was not so much to advance scholarship, but to educate a class of person who would help Britain to continue its Imperial rule.

    Portrait of Thomas Babington Macaulay (1800-1859), English writer and politician.
    Thomas Babington Macaulay, an influential British politician in colonial times, thought that to teach in Arabic and Sanscrit would be to teach “false history”, “false astronomy” and “false medicine”.Credit: Hulton Archive/Getty

    The erasure of Indigenous scholarship in this way has had incalculably damaging effects on formerly colonized countries. It has meant that future generations in Africa, Asia and the Americas would be unfamiliar with an unbroken history of their nations’ contributions to knowledge, even after decolonization. At present, much of the work to uncover non-Western scholarship is taking place in the universities and research centres of high-income countries. That is far from satisfactory, because it exacerbates the power imbalance in research, particularly in collaborative research projects between high-income and low- and middle-income countries. Although there is much talk of ‘local ownership’, the reality is that researchers in high-income countries hold much more sway in setting and implementing research agendas, leading to documented cases of abuses of power.

    The effects of historical racism and power imbalances have also found their way into the research funding and publishing systems of high-income countries11. The National Institutes of Health, the United States’ main funder of biomedical science, recognizes that there is structural racism in biomedical research. The funder is implementing solutions that are starting to narrow gaps. But not all funding institutions in high-income countries are studying or acknowledging structural or systemic racism in their funding systems or scholarly communities.

    Restore, rebuild and reconcile

    A wave of anti-racism statements followed Floyd’s murder in 2020. Research funders and universities, publishers and individual journals such as Nature all published statements in support of eliminating racism from science. Two years on, the journey from words to action has been slow and, in some respects, barely measurable.

    Nature’s upcoming special issues, its invitation to work with us as guest editors and its ongoing coverage of racism in science are necessary steps to inform, encourage debate and, ultimately, seek solutions-based approaches that propose ways to restore truth, repair trust and seek justice.

    We must have hope that the future will be better than the past, because every alternative is worse. But solutions must also acknowledge the reasons why solutions are necessary. Racism has led to injustices against millions of people, through slavery and colonization, through apartheid and through continuing prejudice today. The point of learning about and analysing racism in science must be to ensure that it is never repeated.

    Nature 606, 225-227 (2022)

    doi: https://doi.org/10.1038/d41586-022-01527-z

    Editor’s note: Melissa Nobles, Chad Womack, Ambroise Wonkam and Elizabeth Wathuti are currently working with Nature as guest editors to guide the creation of several special issues of the journal dedicated to racism in science. To the best of our knowledge, this Editorial is the first in Nature to be signed by guest editors. We are proud of this, and look forward to working with them on these special issues and beyond.

    Disclaimer: The opinions in this article do not necessarily reflect the views or policies of the authors’ organizations or their governing bodies.

    References

    1. Nature 582, 147 (2020).Article  PubMed  Google Scholar 
    2. Journal des Sçavans 12, 148–155 (1684). Google Scholar 
    3. Galton, F. Hereditary Genius (Macmillan, 1869). Google Scholar 
    4. Darwin, C. R. The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex (John Murray, 1871). Google Scholar 
    5. Herrnstein, R. J. & Murray, C. The Bell Curve (Free Press, 1994). Google Scholar 
    6. Collins, F. S., Morgan, M. & Patrinos, A. Science 300, 286–290 (2003).Article  PubMed  Google Scholar 
    7. Chan, E. K. F. et al. Nature 575, 185–189 (2019).Article  PubMed  Google Scholar 
    8. De Gobineau, A. Essai sur l’Inégalité des Races Humaines (Firmin Didot, 1853–55). Google Scholar 
    9. Stern, A. M. The Conversation (26 August 2020).
    10. Macaulay, T. B. in Selections from Educational Records, Part I (1781–1839) Sharp, H. (ed.) 109 (Government of India, 1920). Google Scholar 
    11. Ginther, D. K. Science 333, 1015–1019 (2011).Article  PubMed  Google Scholar 

      Related Articles

      Helio Santos propõe em livro novo acordo para equidade racial (Folha de S.Paulo)

      www1.folha.uol.com.br

      Professor reúne textos de 34 autores negros e negras tomando como base o bicentenário da independência do Brasil

      Gabriel Araújo

      18 de outubro de 2022


      O professor e consultor em desenvolvimento humano Helio Santos, autor de “A Busca de um Caminho para o Brasil: A Trilha do Círculo Vicioso” (ed. Senac, 2001), prefere usar o termo “sistêmico” a “estrutural” para descrever o racismo no país. À expressão, ele ainda acrescenta a palavra “inercial”.

      “Sistêmico não apenas porque é recorrente, mas por perpassar toda a sociedade e suas instituições”, ele escreve. “Inercial porque, como ensina a primeira lei de Newton, trafega numa direção de maneira uniforme ante a inação para contê-lo. Avassala, segue impune e resoluto”.

      O trecho acima foi retirado do livro “A Resistência Negra ao Projeto de Exclusão Racial – Brasil 200 Anos (1822 – 2022)”, organizado por Santos, que é também presidente do conselho da Oxfam Brasil e do Instituto Brasileiro da Diversidade (IBD).

      Trata-se de uma coletânea com 33 textos, entre artigos acadêmicos e textos literários, de 34 autores negros e negras. Ao tomar como ponto de partida o marco do bicentenário da independência do Brasil, os textos discutem aspectos sociais, culturais, históricos e econômicos do país por meio de uma perspectiva racializada.

      “É uma coletânea que tem lado e nasce num momento bastante interessante da sociedade brasileira, de grandes carências”, afirma Santos. “O bicentenário não deve ser celebrado sem que o país faça uma autocrítica em relação à maioria da população.”

      Ativista da questão racial desde a década de 1970, Santos foi, em 1984, presidente fundador do Conselho da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, iniciativa pioneira dedicada a pensar políticas para a comunidade negra da região. Hoje, ele preside o conselho deliberativo do Fundo Baobá, organização voltada para a promoção da equidade racial.

      Santos reuniu no livro intelectuais de diferentes gerações. Sueli Carneiro, Ana Maria Gonçalves, Conceição Evaristo e Kabengele Munanga assinam textos, assim como dois dos colunistas da Folha, a filósofa Djamila Ribeiro e o economista Michael França.

      Além dos ensaios, há também poemas escritos pela atriz Elisa Lucinda e pelo escritor Luiz Silva, conhecido como Cuti.

      Juntos, os autores condensam reflexões urgentes sobre o enfrentamento do racismo no Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão. “Para cada dez anos de Brasil, sete aconteceram sob o signo da escravidão”, afirma Santos.

      A questão se agrava quando é analisado o modo como a pessoa negra foi tratada após a lei Áurea, de 1888. Enquanto nenhuma política compensatória foi planejada tendo como foco a população negra (a lei de cotas, por exemplo, que visa mitigar a desigualdade na educação superior brasileira, é de 2012), o Estado brasileiro promoveu apoios, inclusive financeiros, para imigrantes residirem e trabalharem no país.

      “Esse apoio era necessário, pois eram colonos que vinham ocupar um país gigante”, diz o professor, lembrando que essas pessoas eram, em sua maioria, empobrecidas e de ocupação rural. “O absurdo é que essas iniciativas não tenham sido também destinadas aos negros, que já estavam no Brasil. O nosso apartheid se desencadeia a partir daí.”

      Para Santos, o período que vai de 1911, ano de assinatura do decreto de incentivo à imigração, a 2022 “ampliou a defasagem socioeconômica entre os grupos étnico-raciais que constituem o país”.

      No último capítulo do livro, o professor se vale de sua experiência na gestão pública e das reflexões suscitadas pelos demais autores da obra para propor um Novo Acordo para a Equidade Racial, que ele denomina de Naper.

      “O racismo sistêmico inercial requer política pública, que é o meu foco”, ele diz, propondo um “New Deal customizado, adequado para um país de maioria negra”. O organizador faz referência à experiência norte-americana de intervenção econômica para consolidar, na década de 1930, um Estado de Bem-Estar Social no país.

      “Nós temos que criar o estado do bem-estar sociorracial”, afirma Santos. “Isso leva o país para um patamar civilizatório avançado. Eu insisto nessa ideia: longe de ser um problema, a questão racial é parte da solução.”

      Para levar o novo acordo a cabo, o professor lista dez sugestões de ações afirmativas sistêmicas para a promoção da equidade mencionada. Há ideias para diminuir as desigualdades na educação, programas de apoio para garantir autonomia às famílias negras, e propostas para reduzir a violência e manter a juventude negra viva.

      Prevê políticas afirmativas financeiras, de modo semelhante ao que, no século 20, foi feito com os imigrantes, e um programa de apoio à economia informal.

      Santos também sugere a ampliação das cotas raciais, que deveriam valer até 2042. “A razão é simples: ações tão tardias somente causarão impacto numa sociedade apartada racialmente, como a nossa, se perdurarem por um tempo adequado, para que possam consolidar uma mudança efetiva.”

      Como o professor aponta, é estratégico o lançamento da coletânea em meio aos debates do segundo turno da eleição brasileira. “O fortalecimento geral da população negra também vai levar a uma maior participação política”, acredita.

      Fala de Bolsonaro sobre canibalismo entre indígenas gera indignação, diz líder yanomami (Folha de S.Paulo)

      www1.folha.uol.com.br

      Presidente do conselho de saúde indígena afirma que prática não existe, e antropólogo vê delírio em frase resgatada na campanha

      Vinicius Sassine

      7 de outubro de 2022


      A afirmação do presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre canibalismo entre indígenas na região de Surucucu, feita em 2016 e resgatada na disputa eleitoral em segundo turno, é mentirosa, repulsiva, ofensiva e causadora de indignação entre os indígenas. É o que afirma Júnior Yanomami, presidente do Condisi (Conselho Distrital de Saúde Indígena) dos Yanomami e Ye’kuana.

      “Estou indignado, com raiva. Como um presidente que é candidato fala isso? Ele é uma pessoa que não conhece o Brasil. Meu povo não é canibal, não come humanos. Isso não existe nem nunca existiu, nem entre ancestrais”, diz Júnior à Folha.

      O presidente do Condisi é da região de Surucucu, uma das maiores áreas da Terra Indígena Yanomami, na região de Alto Alegre (RR). Ali vivem 3,5 mil yanomamis, em 34 comunidades. O Exército tem um PEF (Pelotão Especial de Fronteira) na região.

      O antropólogo Rogério Pateo, professor do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), morou em Surucucu por nove meses para um doutorado sobre os indígenas. O convívio com eles se dá desde 1998. Para Pateo, a referência de Bolsonaro é aos yanomami da região de Surucucu em Roraima.

      “O que ele fala é um delírio. É uma coisa absurda num nível. Típica de quem vive nessa bolha de preconceito contra os indígenas. Os yanomamis têm códigos alimentares rigorosos. Eles não comem nem carne de bicho mal passada”, afirma o antropólogo, que disse não saber de nenhuma prática de canibalismo entre outros indígenas brasileiros.

      As afirmações de Bolsonaro, feitas quando era deputado federal, ressurgiram nas redes sociais e foram exploradas pela campanha do ex-presidente Lula (PT), que levou as falas à propaganda eleitoral na TV. A campanha de Bolsonaro disse que acionará o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) contra o vídeo.

      O vídeo está no próprio canal de Bolsonaro no Youtube. Ele identifica o material, que tem mais de uma hora de duração, como uma entrevista dada ao jornal The New York Times. A data da postagem é 24 de março de 2016.

      “Quase comi um índio em Surucucu uma vez”, afirma o então deputado no vídeo. Bolsonaro diz ter estado uma vez em Surucucu. “Comecei a ver lá as mulheres índias passando com um carregamento de bananas nas costas. E o índio passa limpando os dentes com capim. ‘O que está acontecendo?’ Eu vi muita gente andando. ‘Morreu um índio e eles estão cozinhando.’ Eles cozinham o índio.”

      Bolsonaro prossegue na fala ao jornalista: “É a cultura deles. Bota o corpo. É para comer. Cozinha por dois, três dias, e come com banana. E daí eu queria ver o índio sendo cozinhado. Daí o cara: ‘Se for, tem de comer.’ ‘Eu como.’ Aí da comitiva ninguém quis ir.”

      O então deputado ainda reforça: “Eu comeria o índio sem problema nenhum. É cultura deles”.

      Não existe essa cultura, nem hábito, nem prática, nem histórico de ações do tipo entre os yanomamis de Surucucu, segundo Junior Yanomami, que nasceu e cresceu na comunidade, onde permanece com a família.

      “Não tinha conhecimento dessa fala de Bolsonaro”, diz Júnior.

      Ele detalha como funcionam os rituais fúnebres entre os yanomamis. Primeiro, são dois dias de reunião entre os indígenas. Depois, duas pessoas são escolhidas para colocar o corpo na floresta adentro, onde fica entre 30 e 45 dias, guardado e suspenso em estruturas finas de madeira.

      Em seguida ocorre a cremação, e as cinzas são guardadas em utensílios. Se o indígena que morreu é uma pessoa considerada importante para a comunidade, como um pajé, uma liderança ou um caçador, a retenção das cinzas pode durar anos. E pode haver repartição do material entre os indígenas.

      “O que Bolsonaro disse ofende e chateia muito. Não há nenhum registro de que ele tenha ido a Surucucu”, afirma Júnior. “A sociedade vai pensar que somos canibais. Essa pessoa não está bem da cabeça. Não tem o que oferecer ao Brasil.”

      Para o antropólogo Rogerio Pateo, o que Bolsonaro faz é reproduzir uma imagem de desenho animado.

      “Os relatos que existem são sobre guerreiros tupinambás, no litoral e no século 16, capturarem e assarem inimigos”, afirma. “Os yanomamis não comem nem carne de onça, porque dizem que onça come gente.”

      Segundo Pateo, as afirmações de Bolsonaro são a manifestação de um “preconceito num nível baixíssimo”. “Ele tem na cabeça aquela imagem que assustou a Europa 500 anos atrás. É preconceito e racismo. Atualmente, não há resquício dessa imagem de canibalismo entre indígenas brasileiros.”

      Opinião – Hélio Schwartsman: Está tudo dominado (Folha de S.Paulo)

      www1.folha.uol.com.br

      21.ago.2022 às 23h15


      “Elite Capture”, do filósofo nigeriano-americano Olúfémi O. Táíwò, é um livro interessante. O texto é daqueles bem militantes, contrastando um pouco por minha preferência por obras mais analíticas. Mas Táíwò, que é professor na Universidade Georgetown, levanta problemas relevantes, que frequentemente passam despercebidos.

      Para Táíwò, está tudo dominado. Para início de conversa, as estruturas sociais são desenhadas para sempre favorecer as elites. É o que ele chama de capitalismo racial. Mas, como se isso não bastasse, vemos agora essas mesmas elites se apropriando da política de identidade, originalmente um movimento de resistência, para fazer avançar seus interesses, num fenômeno que o autor batizou de política de deferência.

      Hoje, a fina flor do capitalismo mundial, isto é, grandes bancos e “big techs”, não só encampa o discurso identitário como também promove a elite dos grupos marginalizados a posições privilegiadas. Os diretamente envolvidos ganham. Os empresários sinalizam sua virtude, os promovidos ficam com a promoção, mas a maior parte dos marginalizados continua marginalizada. No Brasil, as cotas em universidades fazem um pouco isso. A sociedade fica com a sensação de dever cumprido por ter instituído essa política e os bons estudantes negros ganham vagas em boas escolas. Mas os mais discriminados, isto é, o garoto negro que não consegue concluir o ensino fundamental e acaba em subempregos ou no crime, continua quase tão discriminado quanto seus trisavós escravizados.

      O que me incomodou no livro é que Táíwò não deixa muito espaço para respostas que difiram da sua. Precisamos necessariamente ver os empresários como cínicos tentando faturar em cima dos movimentos identitários? Não dá para imaginar que um “capitalista” considere o racismo imoral e esteja disposto a agir contra ele, embora sem deflagrar um movimento revolucionário, que é o que o autor cobra?

      Lei de Cotas pode ser alterada com exclusão de critérios raciais para seleção de alunos (Carta Capital)

      cartacapital.com.br

      No texto sancionado por Dilma Rousseff, está prevista uma revisão do sistema após dez anos de implantação, o que ocorrerá em agosto próximo

      Por Fabíola Mendonça e Rodrigo Martins | 11.03.2022 05h30


      No início de 2021, uma família negra de Caçapava, no interior paulista, teve uma dupla conquista para celebrar. A técnica de enfermagem Sandra Baptista, de 53 anos, obteve uma bolsa de estudos integral para cursar Gestão Pública em uma universidade privada de Santos. Já a filha Lívia ­Gabrielle dos Santos da Silva, de 18 anos, foi aprovada no processo seletivo do curso de Engenharia Química da USP, no campus de Lorena, e tornou-se a primeira integrante do núcleo familiar a ter acesso a uma universidade pública. Até então, apenas outro filho teve a oportunidade de cursar uma faculdade, com financiamento pelo Fies.

      Sandra precisou adiar por muitos anos o sonho do ensino superior. Chegou a iniciar alguns cursos no passado, mas precisou abandoná-los em decorrência de problemas financeiros. Agora, com os filhos crescidos, acredita ser possível conciliar o trabalho com a graduação a distância. Lívia, por sua vez, entrou na USP logo após o Ensino Médio. Não foi uma tarefa fácil, ainda mais em tempos de pandemia. “Começava às 7 e meia da manhã e seguia com os estudos até 9 da noite, sem descanso”, relembra. Um sacrifício necessário para dar conta das aulas remotas da escola, a elaboração do trabalho de conclusão de curso e o reforço do Emancipa, um cursinho popular, mantido por voluntários.

      ANTES EM MINORIA, OS NEGROS HOJE SOMAM 51,2% DOS ALUNOS DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS. AS VAGAS PARA BRANCOS TAMBÉM CRESCERAM

      Beneficiária do sistema de cotas, ela recebe uma bolsa de 500 reais para custear a moradia e tem direito a refeições gratuitas no restaurante universitário. “Como divido o apartamento com duas amigas, consigo pagar a maior parte dos gastos. Ainda assim, preciso da ajuda dos meus pais para cobrir algumas despesas”, comenta. “Sem as cotas e sem esse auxílio financeiro do programa de permanência, eu jamais conseguiria fazer esse curso na USP. Os alunos da escola pública estão em muita desvantagem em relação aos de colégios particulares. E acho muito justo que a população negra tenha acesso facilitado às universidades, até para reparar os três séculos e meio de escravidão e toda a exclusão que sofremos desde então. Após a Abolição, por muitos anos nos impediram de estudar e até mesmo de trabalhar em algumas profissões, como cocheiro. Nada mais justo do que termos, ao menos, a possibilidade de modificar o nosso futuro.”

      Assim como Lívia, centenas de milhares de brasileiros tiveram acesso à universidade pública facilitado pelas cotas raciais, implantadas oficialmente no Brasil a partir da Lei 12.711, de 2012. No texto sancionado por Dilma Rousseff, está prevista uma revisão do sistema de cotas após dez anos de implantação, o que ocorrerá em agosto próximo. O governo ainda não se pronunciou formalmente sobre o tema, mas o ministro da Educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, já se manifestou no passado contra a reserva de vagas por critérios étnico-raciais. Pior: no Congresso, representantes da base bolsonarista e da autointitulada “direita liberal” se articulam para derrubar o mecanismo, mantendo apenas os critérios sociais.

      Em artigo publicado no Jornal da Ciência, um veículo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o advogado José Eduardo Cardoso, ex-ministro da Justiça, esclarece que a lei não tem prazo de validade. “No seu texto não existe nenhuma data estabelecendo o fim da sua vigência. Ao contrário, o que existe, no seu art. 7º, é a previsão de que se realize uma revisão dos seus termos, ‘no prazo de dez anos’, e não a afirmação da ‘perda­ da sua vigência’ após o período de dez anos”. Ou seja, a legislação não vai caducar, caso os parlamentares decidam analisar o tema com calma em outro momento, fora do afogadilho do período eleitoral.

      “Sim, podemos ocupar espaços de poder“, diz Joana Guimarães, primeira reitora negra do País – Imagem: UFSB

      Cleber Santos, presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e professor da Unifesp, reforça essa linha de raciocínio e não descarta judicializar a questão, caso seja retirada da lei a reserva de vagas nas universidades para pretos, pardos e indígenas (PPI). “A lei não tem uma expiração prevista para ocorrer em 2022. Fala de monitoramento e avaliação por parte dos órgãos públicos responsáveis, o que não ocorreu”, observa. “É preciso entender a revisão como um processo de aperfeiçoamento a partir desse monitoramento e avaliação, com dados concretos.”

      A possibilidade da exclusão dos critérios raciais preocupa os defensores das cotas, sobretudo quando se considera o perfil do governo Bolsonaro, sempre refratário a políticas públicas inclusivas. “Há o enorme risco de aprovarem uma nova legislação que limite as cotas ou abram a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro vetar um trecho específico, que leve à exclusão de algum grupo beneficiado”, chama atenção Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação e atual presidente da SBPC. “É preciso destacar que todas as cotas são sociais, pois os beneficiários precisam ser, necessariamente, egressos de escolas públicas. Você pode ser negro, pode ser indígena, pode ter alguma deficiên­cia… Não terá direito à reserva de vagas a menos que tenha cursado os três anos do Ensino Médio na rede pública. Não vejo por que mudar esse sistema. Ele não prejudica ninguém. As cotas levam em conta a proporção de todos os grupos étnicos e pessoas com deficiência existentes em cada estado, nem mais nem menos.”

      Uma das iniciativas para acabar com as cotas raciais foi apresentada pelo deputado Kim Kataguiri, do DEM. Em tramitação na Câmara, o Projeto de Lei 4125/21 estabelece que as vagas deveriam ser destinadas exclusivamente aos alunos de baixa renda. “Além de inconstitucionais, as políticas de discriminação positiva não fazem o menor sentido. Quem é excluído da educação é o pobre, que entra cedo no mercado de trabalho e depende dos serviços educacionais do Estado, que, em geral, são de péssima qualidade”, diz o parlamentar. “A pobreza não tem cor.”

      Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Pesquisas Anuais de Domicílios (1996, 2003 e 2014) e Censo 2010. V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos(as) graduandos(as) das Ifes (2018).

      O militante do MBL, que recentemente lamentou o fato de a Alemanha ter criminalizado o nazismo em um podcast, parece ignorar os indicadores sociais, sempre mais desfavoráveis à população negra, mesmo quando se comparam grupos com a mesma escolaridade ou faixa de renda. “Perder o componente racial é retroceder mais de 130 anos de história. As cotas ainda não respondem a toda necessidade da população brasileira, sobretudo a que vive discriminação histórica. É visível que avançou a presença dos estudantes negros nas universidades federais, mas é também visível a imensidão do lado de fora”, afirma Matilde Riberio, ex-ministra da Secretaria Especial de Igualdade Racial no governo Lula. “A manutenção do componente racial é uma responsabilidade do Estado e da sociedade, considerando que, em todos os dados estatísticos de todas as áreas das políticas públicas, você identificará que a população negra é preterida.”

      A lei determina que todas as universidades e institutos federais de ensino devem reservar ao menos 50% das vagas dos cursos de graduação para alunos que tenham cursado integralmente o Ensino Médio em escolas públicas. Desse montante, metade das vagas será destinada a pessoas com renda de até um salário mínimo e meio per capita. A outra é distribuída entre pretos, pardos e indígenas e pessoas com deficiência, considerando a proporcionalidade das populações em cada estado, segundo o último Censo do ­IBGE. “O sistema de ensino é ruim para todos, brancos e não brancos, mas, quando a gente olha para o Ensino Médio, 71,7% dos jovens fora da escola são negros”, comenta José Nilton, professor de Educação das Relações Étnico-Raciais, disciplina obrigatória em todos os cursos da UFRPE.

      A maior virtude da Lei de Cotas é o fato de ser uma política abrangente e multidimensional, com uma combinação de critérios que combate, simultaneamente, as desigualdades socioeconômicas e as raciais, ressalta Adriano Senkevics, doutor em Educação pela USP e pesquisador do Inep. Dessa forma, democratizou-se o acesso às universidades federais, inclusive nas carreiras mais prestigiadas, como medicina e engenharia. “Não se pode dizer que a legislação privilegia grupos que teriam condições financeiras de disputar vagas pelo sistema universal, pois todos os cotistas, sem exceção, precisam ser egressos de escola pública, dos quais metade deles também de renda baixa. E não bastaria manter apenas os critérios sociais, pois a desigualdade possui especificidades de cunho racial”, explica Senkevics.

      O ministro-pastor Milton Ribeiro e o deputado Kim Kataguiri acreditam que a pobreza não tem cor. Quem sabe na Suécia, vai saber… – Imagem: Luis Fortes/MEC e Deputados do DEM

      Em estudo publicado há três anos na Cadernos de Pesquisa, revista científica da Fundação Carlos Chagas, Senkevics e ­Ursula Mattioli Mello, pesquisadora do Institute for Economic Analysis, de ­Barcelona, revelaram o impacto da Lei de Cotas nas universidades. O porcentual de alunos egressos de escolas públicas e com renda de até um salário mínimo e meio, independentemente do perfil racial, aumentou de 48,12%, em 2012, para 54,8% em 2016. Dentro desse grupo, a maior expansão deu-se entre pretos, pardos e indígenas, cuja participação cresceu de 24,9% para 34% no mesmo período. “Ou seja, se a legislação não contemplasse os critérios raciais, haveria uma menor representatividade étnica no ensino superior.”

      O impacto da Lei de Cotas foi ainda mais expressivo nas instituições de ensino que tardaram a adotar políticas afirmativas. A UFC, para citar um exemplo, não possuía qualquer sistema de reserva de vagas até então e dobrou o porcentua­l de ingressantes provenientes da escola pública em quatro anos – a participação desse grupo aumentou de 28,4%, em 2012, para 56,9%, em 2016. No caso da Ufes, que desde 2008 reservava de 40% a 50% das vagas para alunos da rede pública, o aumento foi tímido, de apenas 1,2%.

      Autor do projeto pioneiro sobre cotas no Brasil, implantado na UnB em 2003, o antropólogo e professor José Jorge Carvalho acompanha esse debate há mais de 30 anos e diz ser incalculável a evolução da participação de pretos, pardos e indígenas nas universidades públicas. “Uma revolução foi feita. Eu lembro de dar aula há 20 anos em uma turma que eram todos brancos, às vezes tinha um único estudante negro. Agora, se você entrar na sala de aula, ela está integrada racialmente, com estudantes negros, brancos, indígenas, de baixa renda. É uma revolução social, racial e étnica gigantesca”, avalia. “A partir das cotas, os estudantes negros e indígenas começaram a questionar o currículo­ ensinado – eurocêntrico, centrado na cultura branca europeia. Queriam saber quando iriam estudar os escritores e poetas negros, a psicologia e a filosofia negras, a arte e o pensamento indígenas. A universidade cresceu intelectualmente.”

      “SE REVISAR A LEI NESTE MOMENTO, HÁ O ENORME RISCO DE APROVAREM UMA NOVA LEGISLAÇÃO QUE LIMITE AS COTAS”, ALERTA JANINE RIBEIRO

      Embora não considere o momento mais adequado para a revisão da Lei de Cotas, em razão da pressão de grupos reacionários pela supressão dos critérios raciais, Senkevics acredita que há, sim, aspectos que podem ser aperfeiçoados. Hoje, para definir o porcentual de vagas reservadas aos PPI em cada estado, são utilizados os dados do Censo Demográfico, realizado a cada dez anos. Além disso, a pandemia atrasou a realização do último levantamento, que deveria ter acontecido em 2020. O Censo está defasado e poderia perfeitamente ser substituído pela Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar, atualizada constantemente pelo IBGE.

      Outro ponto sensível é a ausência de regulamentação sobre o trabalho das comissões verificadoras das cotas, criadas para combater as fraudes na autodeclaração racial dos alunos. “Isso tem provocado uma crescente judicialização de casos, além de trazer prejuízos para todos os envolvidos: o estudante que é expulso nos anos finais de conclusão do curso, a universidade que gastou recursos para a formação desse aluno e o próprio cotista que perdeu aquela vaga”, observa ­Senkevics. “Com critérios mais claros, esse problema tende a ser minimizado.”

      Fonte: IBGE, Pnad Contínua, 2018.

      Autor de um projeto que propõe a prorrogação da Lei de Cotas por 50 anos e inclui na proposta políticas de assistência para a permanência dos estudantes, o ­deputado Valmir Assunção, do PT, defende a criação do Conselho Nacional das Ações Afirmativas do Ensino Superior, cuja finalidade seria monitorar a aplicação das regras, com a participação dos movimentos negro e estudantil das próprias universidades. Com os sucessivos cortes e congelamentos de recursos para o ensino superior desde 2015, as instituições de ensino enfrentam uma dificuldade cada vez maior de oferecer auxílio-moradia e refeições gratuitas aos alunos de baixa renda.

      “Essa política material que garante assistência educacional é o que proporciona aos estudantes em vulnerabilidade a possibilidade de permanecerem nesses cursos onde a exigência é bem maior, como medicina. Mas, com os cortes, a gente não consegue atender a todos”, lamenta ­Cássia ­Virgínia Maciel, pró-reitora de Ações Afirmativas da UFBA, ressaltando que, em 2021, o corte na assistência estudantil da instituição foi de 7,2 milhões de reais. “Os valores repassados nunca deram para as universidades trabalharem com folga. Mas não havia essa política de negação do conhecimento como existe no governo atual”, completa Denise Góes, coordenadora da ­Comissão de Políticas Raciais da UFRJ, ressaltando que a universidade fluminense, a partir de 2019, precisou limitar a concessão de bolsas para alunos com renda ­per capita­ de até meio salário mínimo – antes, o benefício estendia-se a quem tinha até um salário mínimo e meio.

      Importante observar que os brancos e asiáticos sofreram uma perda apenas relativa, em termos meramente proporcionais. “O número de vagas nas universidades federais passou de cerca de 100 mil, em 2001, para mais de 230 mil em 2011. Ou seja, o número de vagas para alunos não cotistas aumentou 15% nesse período, de 100 mil para 115 mil”, observa ­Janine Ribeiro. “A expansão da rede federal de ensino superior permitiu que ninguém fosse prejudicado com as cotas. Foi um jogo de ganha-ganha.”

      “É VISÍVEL A PRESENÇA DOS NEGROS NAS UNIVERSIDADES, MAS É TAMBÉM VISÍVEL A IMENSIDÃO DO LADO DE FORA”, DIZ A EX-MINISTRA MATILDE RIBEIRO

      A 5ª Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos(as) Graduandos(as) dos Ifes, realizada pela Andifes, corrobora a avaliação de Janine Ribeiro. Em termos porcentuais, a participação da população branca nas universidades federais caiu de 53,9%, em 2010, para 43,3%, em 2018. Não houve, porém, redução do número de alunos brancos. Ao contrário, o quantitativo aumentou de 353,8 mil para 520 mil no mesmo período. As cotas apenas asseguraram maior participação de grupos étnicos sub-representados. A população preta e parda, antes minoritária, passou a representar 51,2% do total de alunos.

      O Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa, vinculado à Uerj, também tem dados que mostram a evolução das cotas nas universidades federais. Segundo o estudo, em 2012, havia pouco mais de 30 mil vagas para os cotistas e 110 mil para ampla concorrência. Sete anos depois, quase 138 mil pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência puderam fazer um curso superior graças ao sistema. E isso não significou redução de vagas para brancos, pois havia mais de 125 mil ofertas para ampla concorrência, 15 mil a mais que em 2012. “A reserva de vagas foi e é a principal política de mobilidade social do País. É preciso não só manter, mas ampliar, e acabar com a visão de que não existe racismo no Brasil”, diz Penildo Silva Filho, pró-reitor de graduação da UFBA.

      “A reparação mal começou“, observa Matilde – Imagem: Valter Campanato/ABR

      Primeira mulher negra eleita reitora de uma universidade federal, a geóloga Joana Guimarães chama atenção para o caráter simbólico, histórico, cultural e socioeconômico das cotas. “O fato de eu estar como reitora de uma universidade tem um significado, passa a mensagem de que temos o direito de ocupar espaços de poder. Contribui para uma mudança de olhar, para que os alunos negros se sintam capazes”, destaca a docente, da UFSB. “O que faltou a eles foi oportunidade, pois são tão inteligentes quanto qualquer aluno branco. A única diferença são as condições, o ponto de partida.”

      A representatividade também é percebida pela população indígena. Formado em jornalismo pela UFPE, Tarisson Nawa, de 25 anos, está concluindo mestrado e já foi aprovado para o doutorado da UFRJ, dentro da reserva para indígenas. Isso porque, mesmo sem a obrigatoriedade de cota na pós-graduação, muitos programas instituíram a ação afirmativa. “A gente não via perspectiva de entrar na universidade”, comenta. “As cotas são uma possibilidade de deixarmos de ser objeto de pesquisa para sermos autores da pesquisa. Não precisamos mais ser pesquisados por não indígenas, vamos construir as nossas próprias narrativas a partir das nossas vidas, numa cosmovisão dos povos indígenas.”

      Sobre a adoção das cotas no mestrado e no doutorado, o coordenador dos Programas de Pós-Graduação em Direito da PUC Minas, Marciano Seabra Godoi, destaca a necessidade de pessoas negras e indígenas passarem a produzir conhecimento. “Quem pesquisa e cria teorias é o público da pós-graduação. É preciso colocar essa população para disputar narrativas. Se você coloca os cotistas só na graduação, nega a eles a produção do saber.” •

      PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1199 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE MARÇO DE 2022.

      Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O revide da casa-grande”

      Leia mais em https://www.cartacapital.com.br/politica/lei-de-cotas-pode-ser-alterada-com-exclusao-de-criterios-raciais-para-selecao-de-alunos/. O conteúdo de CartaCapital está protegido pela legislação brasileira sobre direito autoral. Essa defesa é necessária para manter o jornalismo corajoso e transparente de CartaCapital vivo e acessível a todos.

      Preceitos da Pombagira: mulheres de terreiros e lutas (Outras Palavras)

      outraspalavras.net

      por AzMina

      Publicado 17/02/2022 às 15:11 – Atualizado 17/02/2022 às 15:23

      Visita a espaços de culto de religiões de matriz africana – que historicamente têm mulheres como líderes. As Iaôs e Ialorixás tornam-se referências nas lutas pelo direito à igualdade religiosa, de raça e de gênero

      Por Aymê Brito, no AzMina

      “Exu (…) exerce forte domínio sobre as mulheres e as moças”, dizia uma coluna de opinião no jornal O Estado de São Paulo, em 1973. Escrito no período da Ditadura Militar no Brasil, o artigo demonizava as religiões de matriz africana e demonstrava preocupação que as mulheres abandonassem o “lar” em troca da vida nos terreiros. Quase cinco décadas depois, o machismo e o racismo seguem presentes na vida das mulheres que escolhem fazer parte das religiões afro-brasileiras, mas elas resistem e lideram terreiros.

      Não é comum vê-las em cargos de liderança em outras religiões, como na Igreja Católica com padres e papas homens. Já nas religiões de matriz africana, as mulheres quase sempre são maioria, ocupando os postos mais altos. Quem frequenta os barracões (como também são chamados os terreiros) percebe isso.

      Seja como mulheres de santo, senhoras do ilê, sacerdotisas ou herdeiras do axé, elas conquistaram um protagonismo que não ficou restrito aos terreiros. Axé Muntu! Essa é uma expressão criada pela intelectual Lélia Gonzalez – uma mistura das línguas Iorubá (axé: poder, energia) com o dialeto Kimbundo (muntu: gente). A socióloga e ativista usou muito de sua vivência como mulher do candomblé na produção intelectual que fez sobre a vida e posição das mulheres negras na sociedade brasileira.

      Nesta reportagem trazemos as falas de Mãe Du, Nailah, Kenya e Renata, que, assim como Lélia, mostram que a influência dos povos de terreiros pode ser encontrada hoje no espaço acadêmico, na militância, na política, na culinária e em vários outros campos da sociedade.

      Num país marcado por profundas desigualdades sociorraciais como o Brasil, os terreiros e as mulheres à frente deles – as macumbeiras, como elas mesmas se chamam – desempenham um papel social muito além da religião. Elas realizam uma verdadeira “feitiçaria” ao conciliar a tradição de diferentes povos, resistir às opressões e ajudar a proporcionar um espaço de acolhimento a quem sempre foi excluído.

      Perseguição à cultura e às mulheres

      A perseguição aos terreiros e barracões, que já dura mais de 500 anos, e as campanhas de difamação na imprensa geraram uma falta de conhecimento generalizada. “A umbanda, com seus sucedâneos e religiões assemelhadas, é entre nós um subproduto da ignorância associada à politicalha. Seu terreno de eleição já foi o quilombo e o mocambo. Modernamente é a favela e o escritório eleitoral” – dizia mais um trecho da coluna do jornal paulista, publicada logo após uma festa em comemoração ao Dia de Oxóssi.

      Noticiários racistas como esse não eram (e não são) raros. Resquícios de uma sociedade que até 1832 obrigava todos a se converterem à religião oficial do Estado – na época, a Cristã. Isso fez com que outras expressões religiosas fossem criminalizadas, sofrendo com opressão policial e apreensão de objetos sagrados – que até hoje nunca foram devolvidos.

      A cientista política e também praticante do Candomblé, Nailah Neves, Ìyàwó ty Ọ̀ṣun (seu nome de santo), afirma que essa perseguição também era resultado do fato de as mulheres serem maioria e liderarem as casas de axé. “Terreiros, quilombos e escolas de samba, que eram espaços de resistência e de valorização da cultura negra matriarcal, eram um grande risco para o projeto eugenista e patriarcal do Estado brasileiro.”

      Passados 34 anos da Constituição Federal que, em seu artigo 5, passou a garantir a liberdade de crença e proteção aos locais de cultos religiosos diversos, a discriminação não teve fim. Em 2021, um estudo da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa apontou que 91% dos ataques que ocorreram no estado do Rio de Janeiro eram contra as mesmas religiões – as de Racistradição africana. 

      Ensinamentos da pombagira

      Kenya Odara (primeira na imagem), de 23 anos, é uma das cofundadoras do coletivo de mulheres negras Siriricas Co e atualmente frequenta o terreiro de Candomblé Àse Efon Omibainà, composto apenas por mulheres. “Quando estamos nos terreiros não nos preocupamos só com a questão religiosa, somos mulheres negras, toda a nossa existência é política.” Foto: Divulgação/ Arquivo Pessoal

      Embora as investidas contra os afro-religiosos não tenham sido poucas, os terreiros e as mulheres continuam passando de geração em geração os preceitos e fundamentos do povo de axé. Renata Pallottine, de 36 anos, é bisneta de Dona Maria, Mãe de Santo, de uma casa de umbanda no interior de São Paulo, e cresceu aprendendo os valores civilizatórios desta comunidade.

      Advogada pelos direitos das mulheres e atuante no combate ao racismo religioso, Renata atualmente é responsável pela área jurídica do coletivo Terreiro Resiste, movimento de defesa das comunidades tradicionais. Hoje, como uma das filhas de santo mais velhas de um terreiro na capital paulista, ela conta que foi essa vivência que contribuiu para o seu engajamento na luta:

      “Quem nasce umbandista já aprende com a Pombagira que a desigualdade de gênero mata, aniquila e silencia, e que mulheres, sobretudo as racializadas, devem ocupar lugar de poder e decisão dentro das nossas comunidades.”

      A Pombagira é uma das entidades cultuadas nessas religiões, que representa as encruzilhadas e é conhecida por simbolizar uma figura feminina ligada ao prazer e à liberdade sexual. Renata explica que a figura da pombagira em muitos lugares é temida exatamente por romper com a lógica patriarcal: “mulher que poeticamente nos ensina a autonomia dos corpos femininos”.

      Renata também chama atenção para a história dessas religiões, que vêm de uma cultura de valorização de povos ancestrais socialmente excluídos, mas passou por um forte embranquecimento nos últimos anos. “Em 1908, um homem branco, militar, espírita, de São Gonçalo, teria fundado a religião só porque deu nome às práticas que já existiam nos morros cariocas. Como é possível fundar algo que já existe?”, questionou a advogada.

      A família de santo

      Eu, repórter desta matéria, cresci ouvindo as histórias das macumbeiras, contadas por Elza Mendes, baiana de 72 anos, mulher negra e minha avó. Ela lida com a ignorância da sociedade sobre sua cultura há pelo menos 50 anos. “Ninguém vê com bons olhos, ainda hoje as pessoas têm muito medo, acham que é magia”, desabafa. Mas ressalta sempre o sentimento que há no terreiro de pertencer a uma comunidade. “Quando você abraça um terreiro, você começa a fazer parte de uma comunidade”, diz ela.

      Hoje candomblecista, Elza foi a primeira a se tornar uma Iaô num dia de feitura, recebendo o título de dofona.

      Glossário:

      Iorubá: é um grupo étnico-linguístico da África Ocidental, principalmente na Nigéria e no Congo. Varia conforme o local e é usada nos rituais de matrizes africanas.

      – Feitura no santo: é a iniciação de alguém no culto aos orixás. Pode vir com novo nome e assume novas funções. O ritual varia segundo a religião e pode durar até três meses.

      Orixás (em iorubá: Òrìṣà): divindades representadas pela natureza, acredita-se que tenham existido anteriormente em Orum (céu em iorubá).

      Aborós: orixás de energia masculina. Podem ser incorporados por pessoas de todos os gêneros.

      Ayabás: orixás de energia feminina. Podem ser incorporados por pessoas de todos os gêneros.

      Dona Elza conta que quando se começa a fazer parte de um terreiro você se torna também integrante de uma família de santo. “Tanto é que a gente diz irmão, tio, filho de santo”, comentou. Em muitos lugares os terreiros são conhecidos por serem receptivos a todo tipo de gente. “Uma mãe de santo nunca deixa de acolher um filho, mesmo se não tiver onde morar, será bem recebido no terreiro.”

      Esse acolhimento está intimamente ligado à presença das mulheres na religião e a própria história dos negros no Brasil, conforme explica a pesquisadora Jacyara Silva, professora e coordenadora do núcleo de estudos afro-brasileiros da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). “É importante lembrar que as famílias dos negros que chegavam ao Brasil eram separadas por estratégia de dominação.”

      Após o sequestro da população negra do continente africano, a formação das “famílias de santo” foi o jeito encontrado para preservar a identidade cultural e reconstruir essa ideia de família que havia sido destruída na escravidão. As grandes responsáveis por refazer esses laços familiares, dentro das religiões afro-brasileiras, foram as mulheres negras, as Yalorixás. Os barracões passaram a se tornar presentes na maior parte das regiões periféricas do país, acolhendo as pessoas que eram estigmatizadas pela sociedade, como mães solo e o público LGBTQIA+. 

      “Não quer dizer que não existam nos terreiros os mesmos problemas que existem fora deles”, explicou Jacyara. As religiões de matriz africana estão inseridas dentro de uma sociedade onde racismo, machismo e transfobia são estruturais. Por isso, o cotidiano dos terreiros não está isento dessas questões. Mas, “pode estar na estrutura, mas não é institucionalizado”, ponderou a pesquisadora.

      Debatendo fora dos terreiros

      Maria do Carmo, Omó de Omolú Iemanjá Oxalá, conhecida como Mãe Du, é uma das mulheres à frente de um terreiro de Umbanda, na cidade de Viçosa, no interior de Minas Gerais. Apesar do grande respeito que conquistou entre os seus, teve que encarar o preconceito das mães e professoras da escola em que a sua filha estudava. “As pessoas ficaram meio cismadas”, conta.

      A força de seguir por mais de 20 anos na defesa dos povos de terreiros vem da crença de que o amanhã será melhor que o hoje. A trajetória dela no culto aos orixás já tem, na verdade, 50 anos. “Fui a primeira Yaô daqui, andei pela cidade toda de branquinho.” Atualmente Mãe Du está na Umbanda, mas foi iniciada dentro do Candomblé, onde teve que passar por diversos processos até se tornar de fato umaIaô – filha de santo. Se tornar feita no santo é uma vitória para a maioria das mulheres de axé, por ser um processo de várias etapas, que requer muito tempo de dedicação e prática dentro do terreiro.

      Ela também é líder espiritualista e integra o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Viçosa. Os cargos fora do terreiro são um marco e uma representação importante para quem é de religiões de matriz africana, mas também são espaços arriscados. “Defender aquilo que se é, hoje em dia, é perigoso, principalmente para nós mulheres.”

      O preconceito acaba afastando outros praticantes dos encontros e debates religiosos, por preferirem se resguardar. Mas, Mãe Du – que tem viajado nos últimos anos para falar das religiões de matriz africana nas universidades – sente que agora as pessoas começaram a querer entender mais sobre sua cultura.

      Hierarquia ancestral

      Em boa parte da tradição africana, a hierarquia não se baseia no gênero, mas sim na experiência e conhecimento. “O matriarcalismo é natural de vários povos africanos, até porque a hierarquia não é por gênero como os europeus impuseram, é por ancestralidade”, explicou a candomblecista Nailah Neves.

      As religiões de matriz africana não dividem o mundo entre bem e mal, emoção e ciência, corpo e alma, homens e mulheres. Nailah argumenta que essa lógica binária foi imposta aos povos que estavam sendo colonizados, por influência do eurocentrismo cristão. Existe na Umbanda e no Candomblé uma outra forma de ver e se relacionar com o mundo. “Não são apenas religiões, são povos e comunidades tradicionais, assim como são os quilombos.”

      As religiões afro-brasileiras que conhecemos hoje são fruto das características de diversos povos africanos que se encontram no país e, exatamente por isso, elas variam conforme a nação ou tradição de origem, como acontece no caso do Candomblé, da Umbanda, do Batuque e do Xangô.

      Sem nenhum tipo de livro oficial, como a Bíblia, os fundamentos são passados por gerações via tradição oral, e nem sempre são os mesmos em todos os lugares. Os preceitos e costumes não estão “escritos em pedra”.

      AÇÕES E ESPAÇOS OCUPADOS PELAS MULHERES DE AXÉ NOS ÚLTIMOS ANOS:

      • No Brasil, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, 21 de janeiro, data que assegura a diversidade religiosa, foi criado em homenagem a uma líder religiosa, a Mãe Gilda. Em 1999, ela teve seu terreiro em Salvador invadido e depredado por fundamentalistas religiosos e acabou falecendo no ano seguinte.
      • Em 2021, a Organização das Mulheres de Axé do Brasil (MAB) realizou uma campanha de combate a violência menstrual. Elas distribuíram mais de 23 mil pacotes de absorventes higiênicos para pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social.
      • O Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA), presidido pela médica e líder religiosa Kato Mulanji, é uma das organizações que lutam para garantir soberania alimentar aos povos tradicionais.
      • Desde 2017, as mulheres de axé conquistaram o reconhecimento da profissão de baiana de acarajé e passaram a ter direitos aos benefícios profissionais. Em 2005 elas já tinham sido reconhecidas como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
      • Pelo país todo, terreiros são responsáveis por projetos de atendimento à comunidade, oficinas, distribuição de alimentos e ações de combate a violência. O Ilê Omolu Oxum, liderado pela ialorixá Mãe Meninazinha de Oxum, em atividade na Baixada Fluminense desde 1968, é um dos que oferece orientação às mulheres vítimas de violência. 

      Ressignificação da Semana de Arte Moderna incorpora aspectos da cultura negra (Pesquisa Fapesp)

      José Tadeu Arantes | 18 de fevereiro de 2022

      Agência FAPESP – O esforço de reinterpretação de um passado imaginário, cheio de silêncios e ausências, por um presente que também não está livre de ambiguidades, mas no qual certos ocultamentos começam a ser desvelados: este foi, em certa medida, o fio condutor da mesa “Escritas, arquivos e ressignificações”, que deu sequência à série de encontros on-line “100 Anos da Semana de Arte Moderna: Pesquisa, Arte e Literatura”, promovida pela FAPESP.

      Em mesa-redonda que integra a série 100 Anos da Semana de Arte Moderna: Pesquisa, Arte e Literatura, especialistas promovem uma espécie de “desbranqueamento” do evento que inaugurou um novo tempo na cultura brasileira (Mário de Andrade; foto: Wikimedia Commons)

      “A Semana de Arte Moderna tornou-se um capital simbólico importante, especialmente agora”, disse o primeiro participante da mesa, Pedro Meira Monteiro, professor na Princeton University, nos Estados Unidos.

      Monteiro lembrou que as comemorações da Semana sempre foram marcadas pela controvérsia. E destacou a “guerra de narrativas do cinquentenário”, quando, em plena ditadura, em 1972, houve uma tentativa de normalizar o legado da Semana com uma exposição oficial no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Na margem oposta do espectro político, não havia muito tempo que o Rei da Vela, de Oswald de Andrade (1890-1954), tinha sido montado por José Celso Martinez Corrêa, no Teatro Oficina, em São Paulo; que Macunaíma, de Mário de Andrade (1893-1945), virara filme, sob a direção de Joaquim Pedro de Andrade; que os poetas concretistas haviam redescoberto Oswald; e que o enorme acervo de Mário fora transferido para o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP).

      “A Semana era puxada para todos os lados. Aliás, desde o seu início, a Semana serviu às direitas e às esquerdas, como uma espécie de butim de uma guerra imaginária”, resumiu.

      Segundo Monteiro, a melhor leitura da Semana atualmente é a do rapper Emicida, nome artístico do compositor, cantor e multiartista Leandro Roque de Oliveira (nascido em 1985), em seu filme AmarElo – É Tudo Pra Ontem (2020). “Emicida promove uma espécie de hermenêutica urbanística, lembrando do passado negro que marca o centro de São Paulo – uma cidade que é vista como centro nervoso da imigração europeia, o que já é signo de um apagamento importante. E somos levados pela imaginação do Teatro Municipal à estação São Bento do Metrô, que funciona como um canal subterrâneo, imaginário e real, que conecta às periferias, onde as luzinhas das quebradas se confundem com as estrelas. Estação São Bento, que é uma espécie de buraco mágico de Alice, onde se entra e sai em direção a um determinado universo que o discurso hegemônico prefere apagar, que é a São Paulo negra, dos pretos e das pretas”, afirmou.

      Essa linha crítica, que opera uma espécie de “desbranqueamento” da Semana de Arte Moderna, também foi seguida por Lígia Fonseca Ferreira, professora na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

      Especialista na vida e na obra do escritor e abolicionista Luiz Gama (1830-1882), Ferreira falou, entre outros tópicos, de textos que permaneceram por muito tempo inéditos e da enorme correspondência de Mário de Andrade, que foram temas de sua pesquisa de pós-doutorado e continuam a ser estudados por ela e por estudantes sob sua orientação. Nesse conjunto, destacou a figura de “Mário de Andrade, africanista”, título do capítulo que escreveu para o livro Mário de Andrade: aspectos do folclore brasileiro (Global Editora), organizado por Telê Ancona Lopez, com estabelecimento do texto, apresentação e notas de Angela Teodoro Grillo.

      Ferreira começou sua apresentação lendo e comentando trechos de um discurso escrito por Mário de Andrade para a cerimônia de encerramento das comemorações do cinquentenário da Abolição da Escravidão, em 1938. O escritor modernista era, então, diretor do Departamento de Cultura do Município de São Paulo e se dedicou com total afinco aos preparativos da celebração. Mas não pôde ler seu discurso porque foi exonerado – ou, como ele mesmo disse, “jogado fora” – do departamento pouco tempo antes, em consequência do cerceamento das liberdades democráticas provocado pela instalação, por Getúlio Vargas, da ditatura do Estado Novo. “O texto permaneceu inédito até poucos anos atrás”, informou Ferreira.

      E leu um trecho, no qual Mário de Andrade afirmava que o Departamento de Cultura fizera questão de “trazer os negros para esta sala de brancos”, referindo-se especialmente ao convite feito ao doutor Francisco Lucrécio (1909-2001), um dos fundadores da Frente Negra Brasileira (FNB), para participar da conferência comemorativa que deveria ter ocorrido no Teatro Municipal de São Paulo.

      Ferreira enfatizou que o estudo dos inéditos e, principalmente, da correspondência trocada pelos intelectuais, com o rigor metodológico com que começou a ser feito no século 21, vai banindo ficções, fazendo correções biográficas e trazendo informações que permaneceram ocultas. “Essas correspondências acabam constituindo redes entre si”, ressaltou.

      Entre vários exemplos, a pesquisadora mencionou a correspondência de Mário de Andrade com Roger Bastide (1898-1974), um dos principais integrantes da famosa “missão francesa”, contratada no final dos anos 1930 para dar estofo à recém-criada Universidade de São Paulo (USP). Bastide ocupou a cátedra de sociologia e tornou-se um nome referencial no estudo das religiões afro-brasileiras, vindo, inclusive, a ser iniciado no candomblé na Bahia. “Mal chegou ao Brasil, em 1938, ele escreveu a Mário de Andrade, agradecendo os livros que este lhe enviara, e dizendo: ‘eles serão para mim o guia mais seguro para penetrar nas profundezas da alma negra, pois quase sempre a intuição do poeta vai mais longe do que a atenção do cientista’”, citou Ferreira.

      Para além de sua enorme simpatia por todo tipo de manifestação cultural, a ênfase dada por Mário de Andrade à cultura negra talvez atendesse também a uma motivação mais íntima, pois, no contexto de uma sociedade de hegemonia branca e racista, seu fenótipo exibia traços de ascendência africana. Traços que ele procurou ocultar, sem negar completamente. Assim como procurou ocultar, sem negar completamente, sua polimórfica sexualidade.

      Esses elementos biográficos, antes camuflados nos retratos oficiais e empurrados para o campo da insinuação ou da maledicência, só em anos mais recentes passaram a ser tratados com maior franqueza, em um processo ainda penoso e controverso, mas bastante promissor, de ressignificação.

      Fervilhante rede de sociabilidade

      Nesse processo, que diz respeito não apenas à figura de Mário de Andrade, mas que abarca todo o chamado modernismo e muito mais, a recuperação, a conservação e o estudo crítico da correspondência, das cartas trocadas pelos protagonistas, adquirem especial importância. E esse foi exatamente o tópico tratado com maior profundidade na terceira e última apresentação da mesa, feita por Marcos Antonio de Moraes, pesquisador e docente do IEB-USP.

      Em uma exposição intitulada “Modernismo e Epistolografia”, Moraes falou da centralidade das correspondências no movimento modernista brasileiro. E citou a respeito um trecho interessantíssimo de uma crônica de Mário de Andrade: “Eu sempre afirmo que a literatura brasileira só principiou escrevendo realmente cartas com o movimento modernista. Antes, com alguma rara exceção, os escritores brasileiros só faziam estilo epistolar. Mas cartas com assunto, falando mal dos outros, xingando, contando coisas, dizendo palavrões, discutindo problemas estéticos e sociais, cartas de pijama, só mesmo com o modernismo as cartas se tornaram uma forma espiritual de vida em nossa literatura”.

      Com essa formulação, segundo Moraes, “Mário aponta para a configuração de uma vigorosa, abrangente, fervilhante rede de sociabilidade”. E acrescentou que o autor de Pauliceia Desvairada parecia não ter dúvidas de que esse material, que circulava em sigilo, viria a ser, algum dia, amplamente conhecido.

      Em um levantamento bastante exaustivo, Moraes contabilizou até a data presente um total de 325 livros de cartas. Desse montante, 33 volumes são cartas de Mário de Andrade, sem contar as reedições. “Portanto, mais de 10% do total”, disse. Conforme o próprio Mário de Andrade o definiu, trata-se de um “gigantismo epistolar”.

      O próprio Moraes organizou e publicou a correspondência entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira, em uma coleção que já recebeu dois prêmios Jabuti. Para este ano, entre outros livros, está prevista a publicação da correspondência entre Mário de Andrade e Oswald de Andrade, sob a edição de Gênese Andrade. Bastante aguardada, essa obra talvez lance alguma luz sobre a tão comentada, mas nunca bem compreendida, briga que afastou os dois principais protagonistas da Semana de Arte Moderna.

      Com moderação de Mirhiane Mendes de Abreu, professora da Unifesp, a mesa “Escritas, arquivos e ressignificações” pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=d-j-Cu0s6-k.

      Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

      Nathan Hersh: Whoopi Goldberg Apologized. Punishing Her Further Is Un-Jewish (New York Times)

      nytimes.com

      Nathan Hersh


      Feb. 9, 2022

      Whoopi Goldberg in 2019.
      Credit: Dia Dipasupil/Getty Images For Lincoln Center

      Mr. Hersh is a writer and the former managing director of the social justice nonprofit Partners for Progressive Israel.

      When Whoopi Goldberg said on her television program, “The View,” that the Nazi genocide of European Jews was not about race, but was actually about man’s cruelty to man, she showed a flawed understanding of race and of the Holocaust, and offended just about every Jewish organization and Jewish individual I know.

      But ABC’s decision to suspend her from “The View” for two weeks, after she apologized, is equally troubling. Silencing people for ignorance and a misunderstanding of antisemitism is largely unhelpful and is, at its core, un-Jewish; Jewish tradition emphasizes the acceptance and importance of apology.

      One of Judaism’s most famous sages, the 12th-century philosopher Maimonides, made clear the role the forgiver should play in a case like Ms. Goldberg’s: Help the wrongdoer overcome her ignorance and then forgive her. Maimonides said: “One must not show himself cruel by not accepting an apology; he should be easily pacified, and provoked with difficulty. When an offender asks his forgiveness, he should forgive wholeheartedly and with a willing spirit.”

      The problem with punishment is it uses shame, rather than teaching and reflection, as the tool to address what is at best a clumsy misstatement and at worst a failure of understanding. Shame doesn’t foster a better relationship with the truth, or history; it simply forces silence, and that can breed resentment. In turn, silence and resentment fuel antisemitism. The better answer in these situations is obvious, but not easy: education, education, education.

      “If what you want is to change someone’s mind, I have to think education is more effective than public shaming and punishment. Particularly when that person shows a sincere willingness to learn and apologize,” tweeted Sharon Brous, the senior rabbi of Ikar, a Jewish congregation in Los Angeles, in reaction to the news about Ms. Goldberg’s suspension.

      Ms. Goldberg’s initial apology was the ideal response. “I’m sorry for the hurt I have caused,” she tweeted. She acknowledged her wrongdoing and expressed a willingness to listen and rethink her ideas about race: “As Jonathan Greenblatt from the Anti-Defamation League shared, ‘The Holocaust was about the Nazi’s systematic annihilation of the Jewish people — who they deemed to be an inferior race.’ I stand corrected.”

      Shutting her out of her show following the incident denied her the opportunity to live in her apology and to continue to be engaged in conversations that could further her — and her audience’s — understanding of Jewish history.

      The inclination to discuss mistakes or wrongdoing, rather than silence those who have done wrongs, is a Talmudic virtue — one that is enshrined in traditions such as those practiced on Yom Kippur — and it is immediately relevant to the American Jewish fight against antisemitism. The lies and conspiracy theories that feed antisemitic hatred thrive in darkness. The less we talk about them, the less we even know how to recognize and define antisemitism.

      Antisemitism is often called the oldest hatred: It can be found in the scapegoating of Jews for social ills, and in ancient conspiracy theories about Jewish power (in the media, in government, in finance). Antisemites have accused Jews of everything from murder to controlling elected officials. Antisemitism, as Ms. Goldberg so painfully misunderstood, has also historically insisted that the presence of a so-called Jewish race pollutes those of “purer blood.”

      Silencing greater understanding of this hate, in an era of fraught polarization and increasing brazen racism, is a dangerous approach.

      The public damning Ms. Goldberg received appears to have scared her into silence. At the end of her appearance on “The Late Show With Stephen Colbert” on the same day she made the remark on “The View,” she addressed her critics who had been sending her angry letters. “Don’t write me anymore,” she said. “I know how you feel. I already know, I get it, and I’m going to take your word for it and never bring it up again.”

      ABC’s decision to suspend Ms. Goldberg dismayed several American Jewish institutions and writers. Jeremy Burton, executive director of the Jewish Community Relations Council of Greater Boston, questioned how anything productive was advanced by her suspension. The Israeli-born British journalist Rachel Shabi wrote on Twitter that “another teachable moment is being used instead to stoke hostilities between racialised minorities.” The author and editor Emily Tamkin, in a thoughtful interview with CNN, said “her comments were coming from a place of ignorance, not hatred,” a sentiment echoed by others.

      Canceling those who maliciously minimize the Holocaust may also squander an opportunity to educate. Last June, Representative Marjorie Taylor Greene compared public health restrictions around the coronavirus to the Nazi treatment of Jews. Jewish organizations from across the political spectrum were outraged, as they have been every time she has invoked Jews to justify her positions. The American Jewish Committee pointed out the obvious: “Equating public health precautions with the persecution of Jews during the Holocaust is disgraceful and unacceptable.” In the end, Ms. Greene took a tour of the Holocaust Museum in Washington and publicly apologized. She has nevertheless continued to reference the Holocaust, but her moment of sober acknowledgment of the singular horrors of the Holocaust came after her educational experience at the Holocaust museum. Holocaust survivors have responded to Ms. Greene’s and Ms. Goldberg’s comments by offering to share with them the history as they lived it.

      While such outreach should continue to be our first line of defense, a more stern approach is necessary for public figures who refuse to learn despite many opportunities. Allowing those who spread blatant antisemitism to remain in their positions of power at a time when violence against Jews is on the rise is untenable.

      But the increased regularity with which antisemitism bubbles up can’t divert us from what we know about fighting it. Removing people from their posts for their antisemitic flubs is often an act of vengeance, intended to feed our own resentment toward the offender rather than to right the wrong; vengeance is not synonymous with justice, and Jewish teachings explicitly forbid vengeance.

      The conversation on “The View” that led to Ms. Goldberg’s comments discussed the removal of Art Spiegelman’s “Maus,” a graphic novel about his family’s experience in the Holocaust, from a Tennessee middle school curriculum. Some people are essentially trying to erase the real, harrowing history of the Holocaust by banning books when what is truly needed is further educational material, easily accessible and widely disseminated. The approachability of “Maus,” which depicts Nazi cats persecuting Jewish mice, makes it an especially powerful educational tool.

      As much as possible, education must continue to guide our response. Bigots may never be convinced by facts and reason, but treating every misguided person like a bigot changes no one’s mind.

      The Complicated Legacy of E. O. Wilson (Scientific American)

      scientificamerican.com

      Monica R. McLemore

      We must reckon with his and other scientists’ racist ideas if we want an equitable future

      December 29, 2021


      American biologist E. O. Wilson in Lexington, Mass., on October 21, 2021. Credit: Gretchen Ertl/Reuters/Alamy

      With the death of biologist E. O. Wilson on Sunday, I find myself again reflecting on the complicated legacies of scientists whose works are built on racist ideas and how these ideas came to define our understanding of the world.

      After a long clinical career as a registered nurse, I became a laboratory-trained scientist as researchers mapped the first draft of the human genome. It was during this time that I intimately familiarized myself with Wilson’s work and his dangerous ideas on what factors influence human behavior.

      His influential text Sociobiology: The New Synthesis contributed to the false dichotomy of nature versus nurture and spawned an entire field of behavioral psychology grounded in the notion that differences among humans could be explained by genetics, inheritance and other biological mechanisms. Finding out that Wilson thought this way was a huge disappointment, because I had enjoyed his novel Anthill, which was published much later and written for the public.

      Wilson was hardly alone in his problematic beliefs. His predecessors—mathematician Karl Pearson, anthropologist Francis Galton, Charles Darwin, Gregor Mendel and others—also published works and spoke of theories fraught with racist ideas about distributions of health and illness in populations without any attention to the context in which these distributions occur.

      Even modern geneticists and genome scientists struggle with inherent racism in the way they gather and analyze data. In his memoir A Life Decoded: My Genome: My Life, geneticist J. Craig Venter writes, “The complex provenance of ideas means their origin is often open to interpretation.”

      To put the legacy of their work in the proper perspective, a more nuanced understanding of problematic scientists is necessary. It is true that work can be both important and problematic—they can coexist. Therefore it is necessary to evaluate and critique these scientists, considering, specifically the value of their work and, at the same time, their contributions to scientific racism.

      First, the so-called normal distribution of statistics assumes that there are default humans who serve as the standard that the rest of us can be accurately measured against. The fact that we don’t adequately take into account differences between experimental and reference group determinants of risk and resilience, particularly in the health sciences, has been a hallmark of inadequate scientific methods based on theoretical underpinnings of a superior subject and an inferior one. Commenting on COVID and vaccine acceptance in an interview with PBS NewsHour, recently retired director of the National Institutes of Health Francis Collins pointed out, “You know, maybe we underinvested in research on human behavior.”

      Second, the application of the scientific method matters: what works for ants and other nonhuman species is not always relevant for health and/or human outcomes. For example, the associations of Black people with poor health outcomes, economic disadvantage and reduced life expectancy can be explained by structural racism, yet Blackness or Black culture is frequently cited as the driver of those health disparities. Ant culture is hierarchal and matriarchal, based on human understandings of gender. And the descriptions and importance of ant societies existing as colonies is a component of Wilson’s work that should have been critiqued. Context matters.

      Lastly, examining nurture versus nature without any attention to externalities, such as opportunities and potential (financial structures, religiosity, community resources and other societal structures), that deeply influence human existence and experiences is both a crude and cruel lens. This dispassionate query will lead to individualistic notions of the value and meaning of human lives while, as a society, our collective fates are inextricably linked.

      As we are currently seeing in the COVID-19 pandemic, public health and prevention measures are colliding with health services delivery and individual responsibility. Coexistence of approaches that take both of these  into account are interrelated and necessary.

      So how do we engage with the problematic work of scientists whose legacy is complicated? I would suggest three strategies to move toward a more nuanced understanding of their work in context.

      First, truth and reconciliation are necessary in the scientific record, including attention to citational practices when using or reporting on problematic work. This approach includes thinking critically about where and when to include historically problematic work and the context necessary for readers to understand the limitations of the ideas embedded in it. This will require commitments from journal editors, peer reviewers and the scientific community to invest in retrofitting existing publications with this expertise. They can do so by employing humanities scholars, journalists and other science communicators with the appropriate expertise to evaluate health and life sciences manuscripts submitted for publication.

      Second, diversifying the scientific workforce is crucial not only to asking new types of research questions and unlocking new discoveries but also to conducting better science. Other scholars have pointed out that feminist standpoint theory is helpful in understanding white empiricism and who is eligible to be a worthy observer of the human condition and our world. We can apply the same approach to scientific research. All of society loses when there are limited perspectives that are grounded in faulty notions of one or another group of humans’ potential. As my work and that of others have shown, the people most burdened by poor health conditions are more often the ones trying to address the underlying causes with innovative solutions and strategies that can be scientifically tested.

      Finally, we need new methods. One of the many gifts of the Human Genome Project was the creativity it spawned beyond revealing the secrets of the genome, such as new rules about public availability and use of data. Multiple labs and trainees were able to collaborate and share work while establishing independent careers. New rules of engagement emerged around the ethical, legal and social implications of the work. Undoing scientific racism will require commitments from the entire scientific community to determine the portions of historically problematic work that are relevant and to let the scientific method function the way it was designed—to allow for dated ideas to be debunked and replaced.

      The early work of Venter and Collins was foundational to my dissertation, which examined tumor markers of ovarian cancer. I spent time during my training at the NIH learning from these iconic clinicians and scholars and had occasion to meet and question both of them. As a person who uses science as one of many tools to understand the world, it is important to remain curious in our work. Creative minds should not be resistant to change when rigorous new data are presented. How we engage with old racist ideas is no exception.

      “The Last Refuge of Scoundrels” (SftP Magazine)

      magazine.scienceforthepeople.org


      February 1, 2022

      New Evidence of E. O. Wilson’s Intimacy with Scientific Racism

      By Stacy Farina and Matthew Gibbons


      By Isabel Holtan

      The words “scientific racism” conjure up images of nineteenth century anthropologists measuring skulls with calipers. But it would be just as accurate to picture a Canadian psychologist in the 1980s obsessing over the size of genitals. That was J. Philippe Rushton, Professor of Psychology at the University of Western Ontario. Many have chronicled the story of Rushton’s disturbing attempts to enshrine his pseudoscientific beliefs about the biological basis of racial personality differences (from IQ, to sexual promiscuity, to criminality) into the scientific literature.1 But few know the full story, of which we present new evidence in this article, of the behind-the-scenes support Rushton received from eminent biologist E. O. Wilson.

      On December 26, 2021, Edward O. Wilson passed away at the age of 94. He is remembered fondly by most who interacted with him and engaged with his writings.2 He has a well-earned reputation as a fierce advocate for the conservation of biodiversity and a world-class expert on ants and other social animals.3 However, throughout his career, he faced charges of racism due to his attempts to use evolutionary theory to explain individual differences among humans in terms of their behaviors and social status. Wilson dodged these charges skillfully, almost never mentioning race in his work or public comments.

      Now that he has passed, the nature of his legacy has become a topic of intense debate. When Dr. Monica McLemore urged the scientific community to grapple with Wilson’s relationship with scientific racism in a Scientific American op-ed,4 she received swift and strong backlash from biologists and other supporters of Wilson. A few weeks later, Razib Khan, a blogger with a BS in genetics, wrote a letter of rebuttal claiming that these “accusations” are “baseless,”5 attracting dozens of academics to sign their names in support.6

      Racism in academia and education is a perennially relevant topic. The US Supreme Court recently agreed to hear cases that challenge affirmative action admissions at Harvard University and in the University of North Carolina.7 States throughout the country are banning or considering bans on the teaching of critical race theory.8 Demographics of faculty and graduate students in the US are far from reflecting the racial demographics of the country as a whole.9 Therefore, as Dr. McLemore put it, now is the time for “truth and reconciliation” as we confront how some prominent biologists have worked to lend credibility, both culturally and in the scientific record, to pseudoscientific notions of a biological racial hierarchy.

      Evolutionary ideas continue to be used by “race realists,” scientists and commentators alike, to promote ideology regarding the origin and implications of individual differences among humans that fall into socially-constructed racial groups.10 Anti-racism in evolutionary biology requires an honest confrontation of these issues. While many have done this important work through the decades, including Theodosius Dobzhansky, Jerry Hirsch, Stephen J. Gould, Richard Lewontin, and Joseph Graves Jr, there is still much more work to be done.11 When answering the question of why scientific racism persists to this day, we can look at how systems, and the people within those systems, work to maintain credibility of racist and deeply flawed ideas.

      Rushton died in 2012, but not before gaining a reputation as a prolific and outspoken racist. He spent the final decade of his life as head of the Pioneer Fund, a foundation that supports pseudoscientific research on race and is classified by the Southern Poverty Law Center as an extremist group with white nationalism as their core ideology. He also spent his time writing articles for Mankind Quarterly and giving presentations for conferences of the hate group American Renaissance.12 All the while, Rushton maintained his credentials as a tenured professor of psychology. To this day, many of his most infamous papers remain published, although some have been posthumously retracted in recent years.13

      We can’t know whether Rushton would have faded into obscurity without the professional support of his career by Wilson. However, while Rushton was a psychologist, he needed the backing of an evolutionary biologist to lend credibility to his biological claims.

      Wilson and Rushton’s relationship is not a story of “guilt by association” or of honest mistakes and unfortunate missteps. It is a story about how racist ideas are woven into the scientific record with the support of powerful allies who operate in secret. While this story is extraordinary, it is not unusual.

      “Dear Ed, … The battle continues, and I am now committed to carrying it to a victory, i.e., allowing genetic and evolutionary perspectives on race to be treated as normal science. … Again, my deepest appreciation for it all, With best regards, Phil.”

      At the request of the Library of Congress, Wilson donated much of the contents of his office—letters, reprints, conference proceedings, etc.—to the national archive. The Wilson Papers comprises hundreds of boxes of documents and numerous digital recordings. We started exploring these holdings in September 2021, out of our broad interest in the Sociobiology debate. We did not intend to investigate scientific racism. However, the four folders labeled “Rushton, John Philippe” caught our attention. And in light of the controversy initiated by the Scientific American op-ed, we hope to share them and provide additional context for understanding Wilson’s legacy and the broader legacy of scientific racism.14

      One of the most striking documents is an impassioned letter from Wilson to Professor Case Vanderwolf, a neuroscientist in Rushton’s department at the University of Western Ontario. Vanderwolf’s department was in the process of defending their decision to sanction Rushton for scholarly misconduct, including denying Rushton salary increase and disallowing him from teaching. This was at the height of Rushton’s infamy, sparking student protests and international media coverage. E. O. Wilson wrote a strong letter of support for Rushton that harshly criticized the Department of Psychology and University of Western Ontario with dramatic flair.

      “Dear Professor Vanderwolf: First rule for one who finds himself in a hole: stop digging. The University of Western Ontario is in a deep hole, being on the verge of violating academic freedom in a way that will give it notoriety of historic proportions.” Wilson’s letter begins, dated July 3, 1990 (box 143, folder 9). This was only months after Rushton made appearances on American talk shows by Geraldo Rivera and Phil Donahue to defend his claims about racial differences, fueling the broad notoriety that became characteristic of his late career.15

      Wilson’s letter continues, “To be sure, you and Professor Cain have found fault with Professor Rushton’s writings on race, but some noted specialists in human genetics and cognitive psychology have judged them to be sound and significant.” Wilson asks Vanderwolf to consider a poll that “found that a large minority of specialists of human genetics and testing believe in a partial hereditary basis for black-white average IQ differences.” Further, Wilson states that the National Association of Scholars (a right-wing advocacy group) is soon to publish an analysis “concluding that academic freedom is the issue in this case and that Rushton’s academic freedom is threatened.” The National Association of Scholars remains actively involved today in fighting affirmative action in higher education admissions and against the teaching of critical race theory.

      Vanderwolf replied a week later (box 143, folder 9) to clarify that he was not involved with the investigation, as Wilson had assumed, but was instead simply another professor at the University of Western Ontario who was greatly opposed to Rushton’s work. Vanderwolf writes to Wilson, “My disagreement with Rushton is that I believe he misrepresents data in his publications and that he is willing to accept the most dubious kinds of publications on par with well-conducted studies if they happen to agree with his own views. Would you accept an article in Penthouse Forum as evidence that black men have larger penises than white men? Rushton did.” Vanderwolf later detailed these and other criticisms in publications with the aforementioned Professor Cain.16

      Rushton thanked Wilson in a hand-written note (box 143, folder 9) dated July 17, 1990. “Dear Ed … Vanderwolf has been one of my harshest critics and the letters from you [Wilson] have given him cause to pause, and think.” Rushton promises to keep Wilson posted and states, “The battle continues, and I am now committed to carrying it to a victory, i.e., allowing genetic and evolutionary perspectives on race to be treated as normal science.” Rushton signs off with “Again, my deepest appreciation for it all, With best regards, Phil.”

      This exchange is not what spared Rushton’s career—from what we can tell, it was inconsequential to the investigation. But it is possible that the relationship that had developed in the decade prior between Rushton and Wilson contributed significantly to establishing Rushton’s scientific credibility, which he used successfully to appeal the charges of unethical scholarship by his institution and remain a tenured professor for the rest of his life.

      In 1986, Wilson sponsored Rushton’s paper “Gene-culture coevolution of complex social behavior: Human altruism and mate choice” in the Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS).17 PNAS is one of the most prestigious journals in the world, and publishing in this journal is a signal of merit and broad interest in an author and their work. However, unlike most journals, submitting to PNAS requires sponsorship from a member of the National Academy of Sciences. Sponsorship is not only an endorsement of the quality of the publication but an agreement to act as handling editor, sending the manuscript out for peer review and giving recommendations for revision and acceptance.

      The peer reviews were a mix of positive and negative feedback (box 143, folder 11). The first review was “highly favorable but [the reviewer] has some quibbles” and the second by a “friendly critic” was “very unfavorable.” Wilson asked Rushton to decide whether criticisms from the second reviewer could be “safely bypassed” while Wilson attempted to solicit another “tough but friendly reviewer.” Two months later, Wilson wrote to Rushton to inform him of his decision to accept the article. While there is no record in the collection of what happened in the interim, two months hardly seems enough time to overhaul the work, address the “very unfavorable” reviews, and make satisfactory revisions toward publishing in a prestigious journal such as PNAS.

      “Rushton is breaking the taboo and may, after hair-raising persecution, eventually get away with it. Free discussion, permitting fresh ideas and release of tensions, may be possible in the next ten years.”

      A year later, Rushton again asked Wilson to sponsor a PNAS article (box 143, folder 11). Wilson declined. This time, the article is explicitly about race, promoting Rushton’s now infamous ideas about applying r-K selection theory to racial differences.18 A few months later, Rushton submitted the paper to Ethology and Sociobiology, for which Wilson provided a strong positive review (box 143 folder 11), although it was eventually rejected.

      In Wilson’s September 1987 letter declining to sponsor this paper, he states, “You have my support in many ways, but for me to sponsor an article on racial differences in the PNAS would be counterproductive for both of us.” He recounts an incident of being attacked for his views and continues, “I have a couple of colleagues here, Gould and Lewontin, who would use any excuse to raise the charge again. So I’m the wrong person to sponsor the article, although I’d be glad to referee it for another, less vulnerable member of the National Academy.”19

      Despite Wilson’s self-perceived vulnerability, he stuck his neck out for Rushton on many occasions. He behaved in many ways like a mentor. The relationship between the two men is almost heartwarming, until you start reading Rushton’s overtly racist work.

      On July 1, 1989, Rushton received an evaluation from the Chair of the Promotion and Tenure (P&T) Committee, Dr. Greg Moran, rating his performance as “Unsatisfactory” (box 143, folder 11). Moran summarizes, “The members of the P&T committee were unanimous in their judgment that your overall performance in 1988–1989 was below the minimum acceptable level for a faculty member in this department.” While Rushton published extensively during this period, members of the committee “were of the unanimous opinion that your work on the genetic basis of race differences is substantially flawed and that your published record indicates serious scholarly deficiencies.” Rushton appealed the decision, and in his defense, he chiefly cited his numerous publications, some of which Wilson had helped to shape with his feedback in years prior through formal and informal communications (box 143 folder 11).

      ​​April 4, 1990, Wilson wrote to the Appeals Committee at the University of Western Ontario to support Rushton’s appeal of his Unsatisfactory rating (box 143 folder 9). Wilson argued that Rushton’s data and interpretation were “sound, being adapted in a straightforward way from well documented principles of r-K selection in biology.” He goes on to say that many other unnamed biologists agree with Wilson’s assessment, but added, “You may wonder why almost none have published their opinions. The answer is fear of being called racist, which is virtually a death sentence in American adademia [sic] if taken seriously. I admit that I myself have tended to avoid the subject of Rushton’s work, out of fear.”

      Wilson’s aforementioned July 1990 letter to Professor Vanderwolf, while ultimately inconsequential, calls attention to a message of support for Rushton from the National Association of Scholars through their publication Academic Questions. What Wilson does not mention is that Wilson himself solicited support for Rushton from the National Association of Scholars in a letter to its founder Stephen Balch on November 6, 1989 (box 143 folder 10). On December 5, 1989, Wilson writes to Rushton, copying Balch, with the following message: “I am very heartened by the response of the National Association of Scholars (Academic Questions) to your case… Much as they like, your [Rushton’s] critics simply will not be able to convict you of racism, and there will come a day when the more honest among them will rue the day they joined this leftward revival of McCarthyism.”

      A year later, on October 18, 1991, Rushton wrote Wilson an extensive letter of appreciation for his ongoing support (box 143, folder 9). Rushton had won his appeals, and the proceedings against him by his university had concluded. He boasted of a “solid” victory, “This year, on July 1, 1991, I received a rating of ‘Good’ despite an even greater percentage of my research being devoted to race differences.” He talks about his return to teaching “despite pickets, demonstrators, and the occasional class disruption.” He describes the important role that the National Association of Scholars played, facilitated by Wilson, in Rushton’s public defense.

      In this same letter, Rushton tells Wilson that he compiled a book of supportive letters, including from Wilson himself. “A copy sat in the departmental coffee room for several months and bolstered those colleagues who might otherwise have felt I was too isolated to support. It is uplifting to look at that book and realize the strength of character of those, such as yourself [Wilson], who came forward to articulate principles in aid of so unpopular a cause. I remain immensely grateful for your help.”

      Rushton never missed an opportunity to express his gratitude for Wilson’s support, and he was convinced that it played a major role in keeping his job. Rushton remained a Professor of Psychology at the University of Western Ontario for the remainder of his career, lending him credibility as he toured the country speaking to groups of neo-Nazis.

      It wasn’t enough for Wilson himself to support Rushton’s work. He also encouraged his friend and colleague Bernard Davis to do the same in May of 1990 (box 50, folder 19). At Wilson’s goading, Davis penned a letter in support of Rushton’s work on racial differences in IQ to The Scientist. Wilson wrote to Davis, “Rushton is breaking the taboo and may, after hair-raising persecution, eventually get away with it. Free discussion, permitting fresh ideas and release of tensions, may be possible in the next ten years.”

      Why was Wilson so sure that Davis would be willing to speak on Rushton’s work on race? While Wilson was cautious to rarely mention race publicly, Davis clearly had no such reservations. Davis was a professor at Harvard Medical School who was an outspoken opponent of affirmative action, particularly when it came to Black students earning admission to Harvard.20 Wilson’s papers reveal a close relationship with Davis (Box 50, 2 folders, Box 51, 6 folders), finding common ground and supporting each other against criticism leveled by Richard Lewontin.

      “[About] our favorite anti-racists of the Left, … my way of putting it would be that anti-racism is the last refuge of scoundrels.”

      Davis frequently had Wilson’s back, especially throughout Wilson’s most high-profile controversy: the debate with Lewontin and Gould, who were outspoken and relentless critics of Wilson’s Human Sociobiology. By Wilson’s own account in the previously quoted September 1987 letter to Rushton, the two Harvard colleagues and critics had a chilling effect on his ability to support Rushton’s race science. One might wonder whether Wilson would have been far bolder, like Davis, without constant pressure from scientists like Lewontin and Gould.

      This feud is well documented and has been the subject of much discussion about the nature of politics and ideology among scientists. But for Davis and Wilson, the “correct side” of the debate was obvious. In a letter to Davis (box 51, folder 5), Wilson provided some commentary about their “favorite anti-racists of the Left.” Wilson pontificated that arguing for equity among groups of people was ideologically similar to racism, adding the evocative phrase “my way of putting it would be that anti-racism is the last refuge of scoundrels.”

      This is one story of many that can be found among the letters of this famous biologist. The collection also includes correspondences between Wilson and notorious “race scientists” Arthur Jensen and Richard J. Herrnstein, and of course intense sparring with Gould and Lewontin. We encourage those with an interest to explore the collection.

      But this is a part of a much bigger story. Close ties between biologists and white supremacists continue to exist. Racists are often thrilled for an opportunity to see their ideology lent credibility by biologists, especially those of great renown. If we are to address the history and present of racism in the field of biology and in our society at large, we need to contextualize these stories. On the one hand, we may recognize how the system can nurture racist ideologies that are legitimized by scientists; on the other, we may draw inspiration from and continue the work of those “scoundrels” who relentlessly “raise the charge” against racist pseudoscience.

      Stacy Farina and Matthew Gibbons are a wife and husband team with an interest in the history of science. Dr. Farina is an Assistant Professor at Howard University with a PhD in Evolutionary Biology. Matthew Gibbons has a BA in Humanities and works in public health.


      Notes

      1. Andrew S. Winston, “Scientific Racism and North American Psychology,” in Oxford Research Encyclopedia of Psychology, 2020, https://doi.org/10.1093/acrefore/9780190236557.013.516; Joseph L. Graves, “What a Tangled Web He Weaves: Race, Reproductive Strategies and Rushton’s Life History Theory,” Anthropological Theory 2, no. 2 (June 1, 2002): 131–54, https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1469962002002002627.
      2. Scott Neuman, “E.O. Wilson, Famed Entomologist and Pioneer in the Field of Sociobiology, Dies at 92,” NPR, December 27, 2021, https://www.npr.org/2021/12/27/1068238333/e-o-wilson-dead-sociobiology-entomology-ant-man; Felicia He, “E.O. Wilson, Renowned Harvard Biologist Known as ‘Darwin’s Natural Heir,’ Dies at 92,” The Harvard Crimson, December 31, 2021, https://www.thecrimson.com/article/2021/12/31/edward-wilson-obit/; Bert Hölldobler, “Edward Osborne Wilson, Naturalist (1929-2021),” Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 119, no. 5 (February 1, 2022), https://doi.org/10.1073/pnas.2200201119.
      3. Doug Tallamy, “Remembering E.O. Wilson’s Wish for a More Sustainable Existence,” December 27, 2021, https://www.smithsonianmag.com/science-nature/remembering-eo-wilsons-wish-for-a-more-sustainable-existence-180979298/.
      4. Monica R. McLemore, “The Complicated Legacy of E. O. Wilson,” Scientific American, December 29, 2021, https://www.scientificamerican.com/article/the-complicated-legacy-of-e-o-wilson/.
      5. Razib Khan, “Setting the Record Straight: Open Letter on E.O. Wilson’s Legacy,” Razib Khan’s Unsupervised Learning (blog), January 19, 2022, https://razib.substack.com/p/setting-the-record-straight-open.
      6. After the revelation that the blogger held white nationalist views, several academics retracted their signatures. But many maintain that they are in agreement with the blog’s contents.
      7. Adam Liptak and Anemona Hartocollis, “Supreme Court Will Hear Challenge to Affirmative Action at Harvard and U.N.C,” The New York Times, January 24, 2022, https://www.nytimes.com/2022/01/24/us/politics/supreme-court-affirmative-action-harvard-unc.html.
      8. Liz Crampton, “GOP Sees ‘huge Red Wave’ Potential by Targeting Critical Race Theory,” POLITICO, January 5, 2022, https://www.politico.com/news/2022/01/05/gop-red-wave-critical-race-theory-526523.
      9. Maya L. Gosztyla et al., “Responses to 10 Common Criticisms of Anti-Racism Action in STEMM,” PLoS Computational Biology 17, no. 7 (July 2021): e1009141, https://doi.org/10.1371/journal.pcbi.1009141.
      10. Nuno M. C. Martins, Michael J. Carson, and the Genetics and Society Working Group, “What Can Current Genetic Testing Technologies Tell You About ‘Race’?” Science for the People, November 19, 2021,  https://magazine.scienceforthepeople.org/lewontin-special-issue/genetics-of-race-gswg/.
      11. Stephen Jay Gould, The Mismeasure of Man (W. W. Norton, 1996); Richard Lewontin, Steven Rose, and Leon J. Kamin, Not In Our Genes: Biology, Ideology, and Human Nature (Haymarket Books, 2017); Joseph L. Graves Jr, The Emperor’s New Clothes: Biological Theories of Race at the Millennium (Rutgers University Press, 2003).
      12. Mankind Quarterly is “a pseudoscientific journal founded after the Second World War to argue against desegregation and racial mixing.” See Angela Saini, “The Internet Is a Cesspool of Racist Pseudoscience,” Scientific American Blog Network, accessed January 31, 2022, https://blogs.scientificamerican.com/voices/the-internet-is-a-cesspool-of-racist-pseudoscience/.
      13. J. P. Rushton, “RETRACTED: An Evolutionary Theory of Health, Longevity, and Personality: Sociobiology and r/K Reproductive Strategies,” Psychological Reports 60, no. 2 (April 1987): 539–49; J. P. Rushton, “RETRACTED: Contributions to the History of Psychology: XC. Evolutionary Biology and Heritable Traits (with Reference to Oriental-White-Black Differences): The 1989 AAAS Paper,” Psychological Reports 71, no. 3 Pt 1 (December 1992): 811–21; J. P. Rushton, “RETRACTED: Race and Crime: International Data for 1989-1990,” Psychological Reports 76, no. 1 (February 1995): 307–12; J. Philippe Rushton and Donald I. Templer, “RETRACTED: Do Pigmentation and the Melanocortin System Modulate Aggression and Sexuality in Humans as They Do in Other Animals?,” Personality and Individual Differences 53, no. 1 (July 1, 2012): 4–8.
      14. The materials presented in this article have not, to our knowledge, been made available to the participants on either side of the debate on Wilson’s legacy.
      15. Antony Violanti, “A Researcher, or a Racist? Ontario Professor Draws Fire for Theory That Links Intelligence and Race,” Janurary 16, 1991, The Buffalo News, https://buffalonews.com/news/a-researcher-or-a-racist-ontario-professor-draws-fire-for-theory-that-links-intelligence-and/article_a8e0861e-2725-5c7d-829b-0327202b671a.html.
      16. C. H. Vanderwolf and D. P. Cain, “The Neurobiology of Race and Kipling’s Cat,” Personality and Individual Differences 12, no. 1 (January 1, 1991): 97–98, https://doi.org/10.1016/0191-8869(91)90138-2; Donald P. Cain and C. H. Vanderwolf, “A Critique of Rushton on Race, Brain Size and Intelligence,” Personality and Individual Differences 11, no. 8 (January 1, 1990): 777–84, https://doi.org/10.1016/0191-8869(90)90185-T.
      17. J. P. Rushton, C. H. Littlefield, and C. J. Lumsden, “Gene-Culture Coevolution of Complex Social Behavior: Human Altruism and Mate Choice,” Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America 83, no. 19 (October 1986): 7340–43, https://doi.org/10.1073/pnas.83.19.7340.
      18. In summary, r-K selection theory was a term coined by Wilson to describe how evolutionary forces may act to produce two types of reproductive strategies: “r” in which organisms produce many offspring with little parental care and “K” in which organisms produce few offspring and care for them greatly. In his pseudoscientific analyses, Rushton proposed that people of African ancestry were “r” strategists and people of European and Asian ancestry were “K” strategists. Rushton was swiftly and widely criticized for using heinously inappropriate and racist lines of evidence and reasoning, from a scholarly and ethical perspective.
      19. Helen Fisher, “‘Wilson,’ They Said, ‘Your All Wet!,’” The New York Times, October 16, 1994, https://www.nytimes.com/1994/10/16/books/wilson-they-said-your-all-wet.html.
      20. R. D. Davis, “Academic Standards in Medical Schools,” The New England Journal of Medicine 294, no. 20 (May 13, 1976): 1118–19, ​​https://doi.org/10.1056/nejm197605132942013.

      Michael Balter: When the Hagiography Stops and the Truth-Telling Begins: The Legacy of E.O. Wilson

      michaelbalter.substack.com

      Michael Balter

      Feb. 7, 2022


      Jim Harrison/ Wikimedia Commons

      When an illustrious person dies, the hagiography usually starts while the body is still warm. The death of biologist E.O. Wilson last December 26 was no exception to this general rule. Of course, it’s considered impolite and in bad taste to speak ill of the dead right after they leave us; it can be the worst form of talking behind someone’s back. Yet there are no firm rules about when it is okay to do so. In some cases, colleagues, journalists, and other commenters never get around to “warts and all” portraits of the departed, especially when there are inconvenient truths involved. But all too often, defenders of the deceased’s reputation take it upon themselves to police the conversation, and attack those who do want to examine the warts, especially if they do it “too soon.”

      I don’t doubt that Wilson is being rightly praised for his advocacy of biodiversity conservation and his contributions to our understanding of the natural world, especially that of ants and other insects. But the inconvenient truth is that Wilson, back in 1975, gave a major boost to genetic and evolutionary explanations for human behavior when he published his massive tome, Sociobiology: The New Synthesis, to the acclaim of those convinced that biology played a bigger role in human affairs than previously appreciated, and the condemnation of those who thought it played an even lesser role.

      In doing so, it has been argued, Wilson also provided considerable cover to racists who have long argued that inequities in human societies—most notably, socioeconomic differences between Blacks and whites in the United States—are due to biological differences rather than structural flaws in our society. And yet, at the time Wilson’s book was published, those who objected to his ideas—or more specifically, their application to human societies—were the ones who got accused of being politically motivated.

      The first round of Wilson obituaries reflected this political bias very clearly. The “Sociobiology Wars,” as they came to be known, were treated in some obits as a kind of quaint and colorful ancient history, caricatured by one of their most memorable episodes: Anti-racist activists dumping a pitcher of water on Wilson’s head during a debate at the 1978 meeting of the American Association for the Advancement of Science.

      In his obituary of Wilson for the New York Times, evolution writer Carl Zimmer gave short shrift to the critics of sociobiology, describing the Sociobiology Wars as follows:

      In a letter to The New York Review of Books, some denounced sociobiology as an attempt to reinvigorate tired old theories of biological determinism — theories, they claimed, that “provided an important basis for the enactment of sterilization laws and restrictive immigration laws by the United States between 1910 and 1930 and also for the eugenics policies which led to the establishment of gas chambers in Nazi Germany.”

      In her book “Defenders of the Truth” (2000), Dr. Segerstrale wrote that Dr. Wilson’s critics had shown “an astounding disregard” for what he had written, arguing that they had used “Sociobiology” as an opportunity to promote their own agendas. When Dr. Wilson attended a 1978 debate about sociobiology, protesters rushed the stage shouting, “Racist Wilson, you can’t hide, we charge you with genocide!” A woman dumped ice water on him, shouting, “Wilson, you are all wet!”

      Likewise, in Science’s Retrospective of Wilson, Stuart Pimm of Duke University dismissed sociobiology’s critics in similar terms:

      In his 1975 book Sociobiology: The New Synthesis, Ed reported a monumental survey of the wide range of animal societies, including our own. That natural selection might shape human behaviors was questioned by some. Many critics made ad hominem attacks, which were short on scientific content. Ed responded vigorously, noting that the adaptive value of animal behaviors was not in dispute, however disturbing this might be to political philosophies. During this time, someone famously threw water onto Ed at a meeting—the amount involved grows with every telling of the story. When Ed told it, it was with a twinkle and an appreciation of this unique honor.

      For anyone who was not around at the time, these hagiographic accounts (please read their entire texts for support for that statement) might leave the impression that the only opponents of Wilson’s application of sociobiological thinking to human affairs were crazy left-wing activists. But the truth is that noted scientists, including Wilson’s Harvard colleagues Richard Lewontin, Ruth Hubbard, and Stephen Jay Gould, were among those who carefully examined Wilson’s ideas and found them to be in the long and sordid tradition of racial thinking about human biology. At around the same time, Harvard Medical School geneticist Jon Beckwith and others founded a Sociobiology Study Group to discuss and analyze Wilson’s book and develop a critique of his ideas, based both on solid science and the history of scientific racism.

      I was around at the time, a graduate student in biology at UCLA and a member of Science for the People, the organization Beckwith and some other Wilson critics belonged to. Since most of the action was on the East Coast, especially in Boston and Cambridge, MA, I was not an active member, other than subscribing to the group’s eponymous magazine. But I did follow things closely, including the infamous water pitcher episode, and the 1976 publication of Richard Dawkins’ The Selfish Gene, which greatly expanded on the idea that humans were largely at the mercy of our genes (a conclusion that Dawkins, with limited success, has tried to refute.)

      But now, barely a month after Wilson’s death and while the hagiography is still more or less in full swing, we are suddenly faced with revelations that leave little doubt Wilson was—behind the scenes, and despite his public protests—a racist, or minimally, a sympathizer of race science (which is the same thing.) The scoop goes to Science for the People magazine in its new incarnation (the publication was moribund for many years), in a February 1 article by Stacy Farina and Matthew Gibbons, a wife and husband team (Farina is an assistant professor at Howard University with a PhD in evolutionary biology, and Gibbons works in public health.)

      Digging into Wilson’s letters held at the U.S. national archives, Farina and Gibbons came across a trove of correspondence between Wilson and the late scientific racist J. Philippe Rushton, who died in 2012. I will leave it to readers to look at this painfully clear article, but in my view it leaves no doubt that Wilson wholeheartedly supported, encouraged, and cheered on Rushton’s bogus and long discredited attempts to show that differences between Blacks and whites in IQ, socioeconomic status, and other measures were based on biological racial differences. There is no ambiguity here, which is making it very difficult for Wilson’s apologists to question the evidence (although they will still try.)

      And it turns out that while Farina and Gibbons were working in the archives, an independent pair of historians of science, Mark Borrello of the University of Minnesota and David Sepkoski at the University of Illinois, Urbana-Champaign, were looking at the same documents and coming to the same conclusions. Their somewhat more comprehensive analysis, published on February 5 in The New York Review of Books, leaves little doubt about Wilson’s real thinking. And should it be that much of surprise? Nearly all the obituaries of Wilson emphasize his roots in Alabama and the segregated University of Alabama, and depict him as a southern gentleman scientist—without any examination of the possibility that the prejudices of growing up in the south might have left their mark on Wilson’s psyche.

      This new evidence matters greatly, because over all these years the conceit of Wilson and his defenders has been that they were champions of scientific truth, and their critics were driven by politics and ideology. Indeed, the term “race realism,” used by Rushton and other scientific racists as a bludgeon against anti-racists and an attempt to depict them as cowards who cannot face what science allegedly tells them, can now clearly be seen as evidence of Wilson’s own attitudes and biases (Wilson was no shrinking violet in defending his ideas, as even the hagiographic retrospectives make clear.)

      In their next to last paragraph, Borrello and Sepkoski lay out clearly what is at stake in a proper and accurate understanding of Wilson’s real legacy when it comes to his writings on sociobiology, which have been very influential in the years since:

      Preserving a naively hagiographic picture of his career obscures the extent to which racist and sexist bias remains a glaring vulnerability of the science that has been built on his theories; indeed, such bias can motivate and blind scientists to deeply flawed interpretations of data. Racism in science, today, rarely announces itself with a white hood. Rather, it persists in tacit and unspoken assumptions, and hides behind claims of the inherent objectivity of scientific research. 

      In what follows, I would like to go back over the history of the Sociobiology Wars, and attempt to salvage—as others have tried over the years—the true history of these debates. They did not consist only of activists running around with water pitchers, a very minor part of the story, but serious and conscientious scientists trying to point out fallacies in a theory of human behavior that has left its damaging marks in today’s discourse about race and justice.

      My purpose is not to do a deep dive into sociobiology and the arguments pro and con, but simply to remind readers—and alert those new to the debate—that there were serious scientific issues involved, not just left vs. right politics.

      “The use and abuse of biology”

      The late anthropologist Marshall Sahlins/ Elkziz/ Wikimedia Commons

      In 1976, the year after Wilson’s Sociobiology was published and the same year Dawkins’ The Selfish Gene appeared, Marshall Sahlins—a major figure in anthropology who died last year—published his own contribution to this literature: The use and abuse of biology: An Anthropological Critique of Sociobiology.

      It’s a slim volume, only 120 pages, but certainly not a political diatribe. Sahlins argues, in effect, that anthropology is too important and too laden with its own facts and data to be left to geneticists, evolutionary biologists, and other scientists who often know more about ants and fruit flies than about human beings. Moreover, as Sahlins points out with many examples from societies around the world, human culture is too complicated—too cultural, as it were—to be reduced to simple biology, or even complex biology.

      Sahlins spends a lot of the book discussing sociobiological notions of kinship and kin selection, which have been key to the thinking of sociobiologists over the decades (Wilson developed his own spin on how natural selection was acting, which I will get to shortly.) In essence, organisms, including humans, act in such ways as to increase the likelihood that their genes will get passed on to future generations. While not all proponents of this concept endorse Dawkins’ depressing contention that genes evolved to “swarm in huge colonies, safe inside gigantic lumbering robots, sealed off from the outside world, communicating with it by tortuous indirect routes, manipulating it by remote control”—especially because the lumbering robots included us humans—the idea that human behavior can be largely explained by what is best for the replication of our genes has stuck hard in much biological thinking, even today.

      (I should point out here that sociobiologists and evolutionary psychologists—the latter being sort of latter-day sociobiologists—are always quick to insist that they recognize a role for the environment, and Wilson always did so when criticized. The problem is that it’s a no-brainer that environment is involved, and this disclaimer often serves to justify returning to a focus on genes as if some sort of technicality has been dealt with.)

      In his book, Sahlins provided a lot of examples of cultures, studied by anthropologists, in which kinship is not defined by those who are genetically closest, but in all kinds of other ways, including ties that have nothing to do with genealogy. In doing so, he paints a much more realistic portrait of human relationships, in which we often may be more willing to die for someone who is not genetically related to us at all than a close relative (eg, an estranged sibling or parent.)

      Sahlins writes:

      The reason why human social behavior is not organized by the individual maximization of genetic interest is that human beings are not socially defined by their organic qualities but in terms of symbolic attributes; and a symbol is precisely a meaningful value—such as “close kinship” or “shared blood”—which cannot be determined by the physical properties of that to which it refers.

      Before leaving Sahlins, I should qualify what I say above by pointing out that he did not argue that a “political framework” should not be used in analyzing sociobiology and its weaknesses in explaining human behavior. But what he did insist on is that the politics is at its root anthropological, ie, the way we describe human societies. Thus sociobiology is itself profoundly political, he concluded:

      What is inscribed in the theory of sociobiology is the entrenched ideology of Western society: the assurance of its naturalness, and the claim of its inevitability.”

      There is an interesting wrinkle in Wilson’s view of how natural selection operated, however, which eventually diverged from the strict focus on kin or individual selection. Dawkins and others before him, including the British evolutionary biologist John Maynard Smith, waged a fierce war against the concept of group selection, in which natural selection is postulated to act on groups of individuals rather than individuals themselves. Wilson, however, eventually threw in his lot with advocates of “multilevel” selection (what might perhaps be called group selection lite, or kin selection heavy), particularly in collaboration with the evolutionary biologist David Sloan Wilson (no relation)—the proposition that evolution can act on both the group and individual level. The two Wilsons published, in 2007, a paper in The Quarterly Review of Biology, “Rethinking the Theoretical Foundation of Sociobiology,” which led some diehard kin selection theorists to declare that E.O. Wilson had betrayed his own cause.

      Thinking and studying sociobiology

      Jonathan Marks /University of North Carolina

      Marshall Sahlins’ foray into the sociobiology wars was just one example of anthropologists trying to weigh in with their own insights into human behavior. One of the best critiques, in my opinion, was penned by Jonathan Marks—now an anthropologist at the University of North Carolina, Charlotte, and author of “What it means to be 98% chimpanzee” and “Why I am not a scientist”—when he was still a graduate student at the University of Arizona.

      In a 1980 paper for the Arizona Anthropologist, “Sociobiology, Selfish Genes, and Human Behavior: A Bio-Cultural Critique”, Marks engaged in a witty but cogent skewering of sociobiology’s misconceptions. Among his most important criticisms, in my view, is the use by sociobiologists of what the naturalist Ernst Mayr called “beanbag genetics,” in which genes are imagined as discrete entities which code for complex behaviors such as altruism, aggression, selfishness, conformity, and other attributes. Looking at genes that way made the mathematics of calculating the effects of kin selection on evolution easier, Marks pointed out; but it has resulted in severe oversimplifications that actually obscure what is going on, especially in the evolution of human behavior (if, indeed, human behavior is something that actually genetically evolves.)

      Marks wrote:

      Given the knowledge that a simple behavior such as aggregation in slime molds involves the interaction of fifty genes (May 1976), one may conclude that ‘conformity’ in humans, if genetically based, would be a very formidable genetic system.

      This critique, by Marks and others, was prophetic. Modern genetic research reveals that there are unlikely to be individual genes for “altruism” or other traits that geneticists have tried to mathematically model in the past, but rather a constellation of hundreds or thousands of genes involved, each one adding a tiny statistical weight to the genetic makeup of an individual—and, in the end, rendering the notion of genetic determinism for any human trait essentially meaningless. This is certainly the lesson of today’s Genome Wide Association Studies (GWAS), which often require cohorts of many thousands of subjects to detect any genetic variation at all. (For more on this, I highly recommend the writings of Eric Turkheimer, a behavior geneticist who has questioned some of the commons assumptions of his field.)

      Marks again:

      Sociobiology of humans, without theoretical underpinnings in ‘beanbag genetics’… is a statement of social philosophy, not science; for without genes for altruism, one cannot speak of its evolution, except in a metaphorical sense. And to accept a metaphor as literally binding is surely a breach of logic.

      I recommend reading Marks’ entire paper, as well as Chapter 9 in Jon Beckwith’s memoir, Making Genes, Making Waves, “It’s the Devil in Your DNA,” a chronicle of the Sociobiology Study Group and the Sociobiology Wars which certainly corresponds to how I myself remember them. Beckwith points out that the publication of Wilson’s Sociobiology was accompanied (as his death is now) with multitudes of uncritical media stories heralding the new biological explanations for sometimes mysterious human behavior—in the New York Times, People, Cosmopolitan, Playboy, Time (a cover story), Reader’s Digest, and even House and Garden.

      To try to counter these one-sided accounts, Beckwith and other critics of sociobiology argued that genetic determinism (they insisted that was what sociobiology was, even if glossed up in a more sophisticated scientific veneer) was a key principle of eugenics, Nazism, and, in our day, attempts to justify unequal treatment of different groups in employment, housing, education, and other areas of life.

      And of course, sociobiology was not the end of it. Some researchers believe that evolutionary psychology is the heir to sociobiology, with its panoply of “just-so” evolutionary stories for complex human behavior; and that every few years or so there is a media frenzy over recycled theories of human racial differences (The Bell Curve, published in 1994 by Richard Herrnstein and Charles Murray, is still the subject of lively debate today; for evidence that racially motivated theories in science are again on the rise, please see Superior: The return of race science by Angela Saini.)

      Jon Beckwith/ Harvard Medical School

      It’s going to be interesting to see what Wilson’s defenders and apologists make of his newly revealed correspondence with Rushton. Some will no doubt insist that Wilson was simply encouraging Rushton’s right to free academic inquiry, not endorsing his racist conclusions. I think that’s going to be a hard case to make; and the inquiry into Wilson’s true views is not likely to be over. There will be other letters, hidden away in archives or in the files of his friends, which may also see the light of day.

      Wilson vociferously insisted, from the 1975 publication of his famous book to pretty much the day he died, that his critics were driven by political bias, but not him. That was never a credible claim. Now, with the revelations of his personal racism, it has no credibility at all.

      Suggested reading.

      Beckwith, Jon. Making Genes, Making Waves: A social activist in science. (2002)

      Sahlins, Marshall. The use and abuse of biology: An anthropological critique of sociobiology. (1976)

      Saini, Angela. Superior: The return of race science. (2019)

      Segerstrale, Ullica. Defenders of the Truth. (2000)

      In addition, Jon Beckwith provided me with a detailed bibliography of papers by members of the Sociobiology Study Group and other critics:

      Sociobiology: The Debate Evolves. A Special Double Issue (The Philosophical Forum: A Quarterly, vol XIII, nos 2-3, 1981-82) 

      Vaulting Ambition: Sociobiology and the Quest for Human Nature, by Philip Kitcher (Massachusetts Institute of Technology, 1985)

      Allen, E. et al. Against Sociobiology. The New York Review of Books. pp. 182, 184-6 (Nov. 13, 1975)  Reprinted in A. Caplan- . in The Sociobiology Debate.  ed. by A. Caplan.  Harper & Row. New York . pp. 259-264 (1978) 

      Alper, J.S., Beckwith, J.. Chorover, S., Hunt, J., Inouye, H., Judd, T., Lange, R.V., and Sternberg, P.  The Implications of Sociobiology: Science.192:424-427 (1976). 

      Alper, J., Beckwith, J., and Miller, L.  Sociobiology is a Political Issue. in The Sociobiology Debate.  ed. by A. Caplan.  Harper & Row. New York 476‑488 (l978).  

      Alper, J., Beckwith, J. and Egelman, E. Misusing Sociobiology. The Harvard Crimson. Nov. 19, 1979.  

      Beckwith, J. Triumphalism in science. (A review of The Triumph of Sociobiology, by J. Alcock., Oxford Univ. Press, 2001). American Scientist. 89:461-472 (2001). 

      Beckwith, J.  The Political Uses of Sociobiology in the United States and Europe.  The Philosophical Forum. XIII, #2, Winter, l98l, p. 3ll‑32l.  

      Beckwith, J.  Biological Backlash: A book review of K. Bock. Human Nature and History: A Response to Sociobiology.  Technology Review. Oct. l98l. p.30.  

      O que é racismo religioso. E qual seu efeito nas crianças (Nexo)

      Iraci Falavina e Guilherme Gurgel

      21 de jan de 2022 (atualizado 21/01/2022 às 20h39)

      Pais que praticam religiões de matriz africana no Brasil relatam casos de preconceito, incluindo a perda da guarda de filhos sob a anuência da Justiça
      Devotos do candomblé carregam cestas de flores em cerimônia religiosa, na Bahia
       DEVOTOS DO CANDOMBLÉ CARREGAM CESTAS DE FLORES EM CERIMÔNIA RELIGIOSA, NA BAHIA

      Este conteúdo foi produzido pelos autores como trabalho final do Lab Nexo de Jornalismo Digital, que teve como tema “Primeira Infância e Desigualdades” e foi realizado no segundo semestre de 2021. O programa é uma iniciativa do Nexo Jornal em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e apoio da Porticus América Latina e do Insper.

      Dados do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos apontam 645 registros de violações da liberdade de crença e religião no Brasil entre janeiro e dezembro de 2021, a maior parcela relacionada a religiões de matriz africana — incluindo Candomblé, Umbanda e outras. Levantamentos anteriores também refletem essa realidade.

      INTOLERÂNCIA

      Registros de violações de liberdade religiosa no Brasil, por gênero da vítima, de acordo com dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos

      O preconceito que cerca quem pratica o Candomblé, a Umbanda, entre outras designações afro, integra o fenômeno do racismo religioso. Trata-se de um problema que, segundo especialistas, tem um impacto especialmente danoso para crianças.

      Neste texto, o Nexo explica o que configura o racismo religioso, mostra o que a legislação prevê sobre o tema e traz relatos, que vão do preconceito no ambiente escolar a decisões judiciais que fazem com que filhos sejam separados dos pais.

      O conceito e a legislação

      A expressão “racismo religioso” não está no Código Penal, mas é algo que se enquadra na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, segundo o advogado especialista em crimes raciais Gilberto Silva.

      Tal lei versa sobre crimes provocados por “discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, com penas previstas de um a três anos de reclusão.

      O termo “racismo religioso”, então, acaba sendo usado para reforçar um ponto central da sociedade brasileira: o racismo estrutural no Brasil.

      Silva afirma que a lei ainda é vista por muitos como pouco eficiente e permissiva. Professor de história da África da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Alexandre Marcussi concorda que a punição ainda é ineficaz para os casos de racismo religioso. “A lei é extremamente leniente. Tem sido principalmente nos últimos anos no Brasil, com a ascensão ao poder e a influência de cultos religiosos pentecostais, que fazem ataques recorrentes a cultos de religiões africanas”, afirma.

      “Se pode entender essas intolerâncias menos como intolerância contra as práticas dessas religiões e mais como uma intolerância às camadas da população que estão historicamente associadas a essas religiões” – Alexandre Marcussi, professor de história da África da UFMG

      O Brasil viveu 300 anos de escravidão, período em que milhões de pessoas foram trazidas à força de regiões da África para serem usadas e negociadas como mercadoria. A cultura e a religião dessas pessoas sofreram um processo de tentativa de apagamento.

      O artigo 5º da Constituição brasileira de 1824, por exemplo, instituiu o catolicismo como a religião oficial do Império. Já o artigo 276 do Código Criminal de 1830 proibia celebrar em casa, publicamente ou em templos “o culto de outra religião que não seja a do Estado”.

      A abolição só foi proclamada em 1888 no Brasil e o Estado brasileiro só se tornou laico a partir de 1890, com o decreto nº 119-A, de 7 de janeiro daquele ano. A lei concedeu a todas as confissões religiosas “a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas” e proibiu o Estado de definir uma religião oficial.

      Mais tarde, na Constituição de 1988, conhecida como a Constituição Cidadã, o inciso 6 do Artigo 5º assegura ser inviolável a liberdade de crença e o livre exercício dos cultos religiosos.

      Ainda assim, o preâmbulo da atual Carta Magna define a promulgação do documento “sob a proteção de Deus”, mostrando resquícios da ainda influente religião cristã no país.

      “Ninguém se incomoda da mãe levar o filho para batizar no cristianismo quando é bebê. É uma cerimônia bonita, celebrada, lembrada. Agora, todo mundo incomoda com a iniciação das crianças no Candomblé e na Umbanda. Mesmo estando acompanhada de seus pais. Isso é o quê? Se não o racismo religioso?” – Makota Celinha, coordenadora geral do Cenarab (Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira)

      O racismo religioso na escola

      As crianças de religiões de matriz africana sofrem preconceito na escola começando por suas brincadeiras, segundo Makota Kidoiale, líder da comunidade quilombola Manzo N’Gunzo Kaiango e coordenadora do programa Educa Quilombo, em Belo Horizonte.

      “No primeiro ano de escola dos meus netos, eles iam para o parquinho e as brincadeiras deles eram muito diferentes do que a própria estrutura da escola foi programada para poder receber. Eles ficavam reproduzindo tudo aquilo que eles viviam dentro do terreiro”, conta.

      Segundo Kidoiale, a administração da escola se incomodou com o comportamento das crianças. “Tinham medo de criar um problema com outras famílias, porque as outras crianças podiam reproduzir isso em casa. Eu questionei, porque da mesma forma que meu neto trazia outra cultura, outra tradição, outros conhecimentos para dentro da nossa casa, por que não transversalizar com tudo que ele vivenciava dentro da comunidade?”, afirma.

      Em 2003 entrou em vigor a lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira no ensino fundamental e médio. Mas, para Kidoiale, a legislação não faz com que a temática tenha uma abordagem adequada na grade curricular. Ela acredita que o fato da educação brasileira ser muito baseada em princípios cristãos acaba por gerar uma exclusão da diversidade. “A escola não dá conta de trabalhar nem mesmo a história da população africana, quanto mais a religião.”

      Segundo a psicóloga Jaqueline Gomes de Jesus, da Abrapso (Associação Brasileira de Psicologia Social) e da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros), o combate ao racismo religioso nas escolas é de responsabilidade dos profissionais de educação, dos pais e responsáveis.

      “O desafio é que os adultos são formatados nessa sociedade racista, nessa sociedade que tenta formatar, principalmente em um contexto cristão, fundamentalista, crianças que não se enquadram em certos padrões até de roupa e de práticas, então isso é muito violento”.

      O racismo religioso na Justiça

      Além das diferentes violações de direitos de expressar ritos de matriz africana na escola, há casos em que os pais perdem a guarda das crianças por iniciá-los na religião.

      Uma situação que ganhou grande destaque na mídia em 2021 foi a da manicure Kate Belintani, de Araçatuba (SP) que teve a guarda da filha — na época, com 11 anos — suspensa. Kate foi acusada de lesão corporal após raspar os cabelos da menina em um ritual religioso do Candomblé.

      Outro caso, que chegou a ser citado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), é o da professora e jornalista Rosiane Rodrigues. Moradora de Rio das Ostras, no Rio de Janeiro, ela conta que perdeu a guarda do filho em 2007 por causa do preconceito religioso, a partir de uma decisão judicial.

      Marcus Rodrigues, chamado geralmente de Marquinhos, o mais novo dos três filhos de Rosiane, nasceu em 2004. No ano seguinte, ela se separou do pai da criança, Marcus Henriques, o que deu início a uma disputa sobre quantos dias cada um ficaria com o filho.

      Em uma das audiências do processo, Rosiane estava “tomando obrigação de santo”, um costume religioso do Candomblé que determina o uso de roupas brancas, cabeça coberta e colar de contas. Ao ver a professora vestida dessa maneira, a juíza do caso determinou que o laudo psicológico da família fosse feito com urgência. Segundo Rosiane, “depois disso, a juíza concluiu que por eu ser do Candomblé eu tinha menos condições morais de criar o garoto do que o pai dele.”

      Rosiane afirma que dois oficiais de Justiça foram retirar Marquinhos de casa acompanhados de um carro da polícia. No momento, o filho estava na escola, e Rosiane se recusou a informar a localização da criança. Ela foi levada para a delegacia.

      Marquinhos foi inicialmente entregue ao pai. Mas depois de uma série de vaivéns que duraram quatro anos, Rosana conseguiu a guarda de volta. Ela então buscou auxílio do Nudem (Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública). Três psicólogos e duas assistentes sociais trabalharam em um novo laudo psicossocial de Rosiane e seus filhos.

      O garoto fez terapia com um psicólogo infantil durante um ano. “Logo que ele voltou para mim, que a gente consegue essa guarda provisória, ele volta muito assustado, com muito problema, com muito transtorno, uma criança muito agressiva”, conta Rosiane, que chegou a registrar um boletim de ocorrência contra o ex-marido por agressões ao filho.

      O caso foi citado no relatório “Direito a uma vida livre de violência”, publicado em 2013 pela Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos em parceria com a Unesco como um caso emblemático de intolerância religiosa no Brasil.

      Os efeitos do racismo religioso nas crianças

      “As crianças não sabem que estão sofrendo intolerância, não têm o discernimento, a capacidade de entender o racismo. Há uma vulnerabilidade de quem não consegue se defender”, ressalta Makota Celinha, do Cenarab.

      Para a líder quilombola Makota Kidoiale, um dos passos importantes para lidar com o choque de tradições é ouvir o que as crianças vivenciam. “A gente vai direcionando tudo que elas descobriram lá fora a um determinado lugar da comunidade”, diz.

      “Por exemplo, se elas aprendem na escola sobre as folhas, a fase da vegetação, do plantio, aqui a gente acrescenta: ‘essa aula está relacionada a Oxossi, que é deus das folhas, das plantas. E é delas também que a gente tira os remédios’. A gente faz um complemento do que elas aprenderam”, exemplifica.

      Nos casos em que o racismo religioso é mais explícito, é difícil conseguir a garantia do bem-estar da criança. “A gente mostra que existem as diferenças das religiões e cada um tem um conceito, e que infelizmente o nosso direito de falar sobre nós é muito recente, então as pessoas poucos sabem sobre nós. Mas às vezes é muito difícil, muito violento. Violento de pegar e pôr pra fora, fazer chacota quando estão vestidas com as contas, ou de branco, as pessoas olham assustadas para eles”, diz Kidoiale.

      A psicóloga Jaqueline Gomes de Jesus afirma que crianças que crescem em ambientes de discriminação religiosa se tornam adultos intolerantes, tornando a violência uma marca que molda a personalidade.

      “A gente tem que lutar para que os profissionais de educação, de saúde, os que cuidam das crianças, permitam que elas sejam quem elas são, para que não gerem esses traumas que ficam para o resto da vida”, diz.

      De acordo com o psicólogo Flávio Prata, pesquisador da área, é importante que a criança tenha um ambiente seguro. “Não há como dimensionar os efeitos do racismo especificamente, mas a influência está nos mecanismos que a criança encontra para lidar com essa discriminação”, afirma.