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Sociedade pode opinar em contribuição brasileira para acordo do clima (MCTI)

JC e-mail 4967, de 05 de junho de 2014

A consulta pública disponível no site do Ministério das Relações Exteriores (MRE)

Uma consulta sobre mudanças climáticas está disponível no site do Ministério das Relações Exteriores (MRE). O objetivo da consulta à sociedade civil é subsidiar o processo de preparação da contribuição que o Brasil levará à mesa de negociações do novo acordo sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), de forma a ampliar a transparência do processo e dar oportunidade a que todos os setores interessados da sociedade participem e opinem.

A consulta será realizada em duas fases. Esta primeira, aberta até 18 de julho, busca definir devem ser os elementos principais da chamada “contribuição nacionalmente determinada” brasileira. São perguntas abertas com base em um questionário orientador, e comentários adicionais podem ser enviados por e-mail.

Com base nos aportes recebidos, será elaborado um relatório preliminar com indicação de possíveis opções e modalidades para a contribuição nacional – compromisso a ser assumido pelo Brasil no contexto da negociação internacional. Na segunda fase, esse documento será submetido a uma nova rodada de consultas.

Estão em andamento negociações de um novo acordo sob a convenção, a serem finalizadas em 2015, para entrada em vigor a partir de 2020. Nesse contexto, a 19ª Conferência das Partes na UNFCCC (COP-19, realizada em Varsóvia, Polônia) instou os países signatários a iniciar ou intensificar as preparações domésticas de suas pretendidas contribuições ao novo acordo e a comunicá-las antes da COP-21.

(Ascom do MCTI, com informações do MRE)

‘We Don’t Want to Die Again’: Yanomami Leader Kopenawa (Indian Country Today Media Network)

Courtesy Survival International. Davi Kopenawa, a Yanomami shaman, who has been fighting for his peoples rights for more than 20 years will be in California in April to speak about protecting the rainforest and his spiritual life. Kopenawa is seen here surrounded by Yanomami children.

5/16/14

“It’s very important to talk to everybody here. We don’t want what happened 500 years ago to happen again. We, the Yanomami people, don’t want to die again,” said Davi Kopenawa in an interview with ICTMN at the end of April.

Kopenawa, an internationally known advocate for the Yanomami people of Brazil and the rainforest, was in San Francisco at the end of April to meet with activists, scholars and political officials to alert them to an escalating crisis involving gold miners in Yanomami territory and to speak about his book “The Falling Sky.”

For the interview on April 25th, Kopenawa sat down with ICTMN along with his interpreter and friend, Fiona Watson, Research Director for Survival Internationaland longtime ally of the Yanomami and other indigenous peoples of Brazil.

During the 35 minute conversation Kopenawa began by asserting how dangerous the gold mining operations have been for the people and the environment in their territory.

“The gold miners are people with lots of vices. They bring alcohol, they bring illnesses. They couldn’t find jobs in the cities and got no help from the government and the only thing they want to do is get gold from Indigenous Peoples territories. They have spread all over our land.

“The gold miners (garimpeiros) only work in the rivers,” he explained. “They use mercury to clean and separate the gold from the sand. When they wash the gold with mercury, the mercury sinks to the bottom of the river bed. The communities who live downstream use this water for drinking, washing and bathing. The fish also swallow mercury when they are eating which in turn affects the people who eat the fish. So the Yanomami get ill from mercury poisoning. That’s how the mercury contaminates our place.”

Kopenawa also emphasized that there are laws currently being proposed in Brazil that would make it easier for miners and others to invade indigenous territories. Watson noted that the indigenous communities and their allies such as SI are very worried about three potential laws in particular: PEC 215 is a constitutional amendment that would allow congress, which has members influenced by a strong anti-indigenous lobby, to be involved with demarcation of land; Portaria 303 which would prohibit extending any indigenous territory and that indigenous rights to use their resources would not extend to preventing large scale hydro-electric and mining projects; and Law Project 1610 would open up all indigenous territories to large scale mining (and there were already hundreds of petitions to start mining in Yanomani territory).

“I will talk about these things,” Kopenawa said in regards to his then upcoming presentations (he later spoke with California Governor Jerry Brown about the mining issues).

“I want to talk about the concerns of the Yanomami people. We are beginning to get nervous and sad because the government is preparing to invade our territory even though it is demarcated and recognized by law.”

He stated that his book, “The Falling Sky,” explains those concerns and how the Yanomami are guardians of their region of the earth.

“It is important to explain this to the city people who know about their land and mountains and places but we Yanomami needed a book to explain things to white people so they would know our story. We are guardians of the knowledge of our region of earth, of the mountains and the rivers. For us, the forest is a thing of great beauty and it is our story. Some white people think that the Yanomami know nothing, so for this reason I thought about writing a book about the traditional knowledge of the Yanomami, my people.”

At the end of the interview, Kopenawa re-iterated his principal message to the people of the United States.

“All we Indigenous Peoples in Brazil are very worried because of the project to mine in the Yanomami’s territory and in the territories of other indigenous brothers and sisters. We Yanomami people don’t want mining because we don’t want to suffer and die of the white peoples’ diseases. Mining will not bring positive benefits to the Indigenous Peoples. It will only bring a lot of diseases and problems and fights with the indigenous people. For this reason all we Indigenous Peoples are against mining.

“I, Davi Kopenawa Yanomami, an indigenous leader, ask for support from the American people not to allow mining to start in the Yanomami territory. I would like you to help to defend the lungs of the earth. I thank you for your strength. Thank you very much.”

Read more athttp://indiancountrytodaymedianetwork.com/2014/05/16/yanomami-leader-kopenawa-we-dont-want-die-again-154849

São Paulo terá Justiça rápida para detidos em grandes manifestações (Folha de São Paulo)

REYNALDO TUROLLO JR.

DE SÃO PAULO

21/03/2014 03h30

A Justiça de São Paulo ganhará, a partir de hoje, um órgão específico para analisar com rapidez casos de prisão em flagrante em grandes protestos. A medida é uma resposta às manifestações que, desde junho de 2013, têm terminado com dezenas de detidos após depredações.

O novo órgão também vai agilizar a transformação dos inquéritos policiais em processos criminais. Uma consequência esperada pelas autoridades é que a punição de alguns manifestantes sirva de exemplo a outros.

Eventuais prisões em flagrante que ocorram amanhã, quando estão previstas duas manifestações na capital paulista, já serão encaminhadas ao órgão. A expectativa das autoridades é que ele seja útil também durante a Copa.

O Tribunal de Justiça de São Paulo é o primeiro do país a implantar o Ceprajud (Centro de Pronto Atendimento Judiciário), conforme orientação do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério da Justiça.

“Na hipótese de um evento monstruoso, que acarrete 300 prisões em flagrante, o centro vai ter uma estrutura para comportar esse aumento repentino”, afirma o juiz Kleber de Aquino, assessor da presidência do TJ para assuntos de segurança pública.

Hoje, o manifestante detido é levado ao distrito policial, onde o delegado decide se irá liberá-lo ou prendê-lo em flagrante, de acordo com a gravidade do delito.

Quando alguém fica preso, uma cópia do auto de flagrante deve seguir em 24 horas para o Dipo (departamento que centraliza flagrantes), no fórum da Barra Funda.

Um juiz do Dipo decide se a prisão será mantida –decretando a preventiva– ou se o manifestante será liberado, mediante aplicação de medidas restritivas, como proibição de ir a certos lugares.

No caso de centenas de flagrantes de uma vez, o Dipo pode acabar atrasando a análise das prisões em dois ou três dias, explica Aquino. Por isso, essa análise passará a ser feita por juízes de plantão 24 horas no Ceprajud.

O centro poderá ainda convocar juízes e funcionários extras para atender à demanda.

“Essas decisões [sobre manter preso ou soltar] é que devem ser tomadas em caráter de urgência”, diz o juiz.

“A finalidade é a apreciação célere de procedimentos criminais de urgência e de eventuais excessos da repressão policial no curso de grandes manifestações.”

Martim de Almeida Sampaio, da comissão de direitos humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), critica a criação de uma “força-tarefa” do Judiciário para esses flagrantes e diz considerá-la parte de um conjunto de medidas para coibir protestos.

“Manifestantes que cometerem abuso devem ser punidos, mas essa via rápida voltada exclusivamente a eles é um pouco exagerada”, diz.

“A demanda da sociedade é por uma Justiça ágil, mas não voltada exclusivamente a processos contra movimento social”, afirma o advogado.

The Ocean Is Coming (Truthout)

Thursday, 27 February 2014 09:06By William Rivers Pitt, Truthout | Op-Ed

Storms.(Photo: Lance Page / Truthout )

It occurs to me that I spend an inordinate amount of time in this space pointing out the ludicrous, the extreme and the absurd in America. Doing so is just slightly less fun than emergency root canal during a national novocaine shortage. To be fair, however, there’s a hell of a lot to talk about in that particular vein, the fodder for these stories are the people running the country, and not nearly enough people in a position to inform the public are talking about it, so I do it.

When a Virginia GOP senator labels all women as incubators – “some refer to them as mothers,” he said – someone needs to shine a light.

When 65 miles of the Mississippi River gets shut down due to a massive oil spill, including the port of New Orleans, when that causes public drinking water intakes to be shuttered, and no bit of it makes the national news, someone needs to say it happened.

When the Tokyo Electric Power Company, a.k.a. Tepco, announces that radiation levels at the disaster zone formerly known as the Fukushima nuclear power plant are being “significantly undercounted,” and nary a word is said about it in the “mainstream” news, someone needs to put the word out.

These serial astonishments make for easy copy, and pointing them out is important for no other reason than they actually and truly fa-chrissakes happened, and people need to know…but merely pointing at absurdity for the sake of exposure changes nothing to the good, and turns politics into just another broadcast of a car chase that ends in a messy wreck.

So.

I believe the minimum wage should be somewhere between $15 and $20 an hour, and that all the so-called business “leaders” crowing against any raise to that wage are self-destructive idiots. Commerce needs funds in the hands of consumers to survive and thrive, and consumers today are barely handling rent. Put more money in the worker’s pocket, and he will spend some of it at your store, because he can. The minimum wage has been stagnant for 30 years, and is due for a right and proper boost. If people don’t have money, your store won’t sell any goods. Get out of your own way and pay your people, so they can have money to spend on what you’re selling. This strikes me as simple arithmetic.

I believe the weather is going crazy because there is an enormous amount of moisture in the atmosphere due to the ongoing collapse of the Arctic ecosystem. More water in the atmosphere leads to fiercer storms and higher tides, and every major city on the coast is under dire threat. The ocean is coming, higher and higher each year, so we can either run for high ground, or we can adjust our behavior. The ocean is coming, and it brooks no argument. It is stronger than all of us, and will take what it pleases.

I believe the Keystone XL pipeline, the drought-causing national practice of fracking, the coal-oriented water disasters in West Virginia and North Carolina, the serial poison spills nationwide, the oil train derailments, and the entire practice of allowing the fossil fuels industry to write its own regulations so as to do as it pleases, are collectively a suicide pact that I did not sign up for. The ocean is coming, unless we find a better way.

I believe President Obama, who talks about the environment while pushing the Keystone pipeline, who talks about economic inequality while demanding fast-track authority for the Trans Pacific Partnership trade deal, is a Hall-of-Fame worthy bullshit artist. I believe the sooner people see this truth for what it is, the better. He is not your friend. He is selling you out.

I believe the 50% of eligible American voters who can’t be bothered to turn out one Tuesday every two years should be ashamed of themselves, because this is a good country, but if that goodness doesn’t show up at the polls, we wind up in this ditch with a bunch of self-satisfied non-voters complaining about the mess we’re in. Decisions are made by those who show up, and lately, the small minority of hateful nutbags showing up become a large majority because they’re the only ones pulling the lever.

And that’s for openers.

These things are happening nationally, but they are also happening locally, right in your back yard. These are your fights, in your communities, involving your air and drinking water and basic rights. The ocean is coming, boys and girls, and it will sweep us all away with a flick of its finger – rich and poor, powerful and powerless alike – unless we figure out a few home truths at speed and make serial changes to the way we operate on this small planet.

Stand up.

Quem grita “Não vai ter copa”? (Agência Pública)

19/2/2014 – 12h07

por Ciro Barros, da Agência Pública

midia ninja Quem grita “Não vai ter copa”?

“Nossa luta é por direitos básicos, que estão na Constituição e não acontecem. Não tem vinculação a partidos, a ideologias”, explica um dos ativistas que integram o movimento. Foto: Mídia Ninja

A reportagem da Pública procurou os ativistas que articularam a primeira manifestação do ano contra a Copa; encontrou um grupo heterogêneo e determinado a deter o Mundial à base de protestos – sem “atos violentos”

O cenário é um centro acadêmico de uma universidade na zona oeste de São Paulo, num início de noite de um final de janeiro surpreendentemente seco. Sentadas em roda estão cerca de 20 pessoas. Enquanto a reunião não começa, as pessoas conversam em voz baixa, fazendo críticas à polícia, à Copa, ao governo federal, ao governo do Estado de São Paulo. O grupo é heterogêneo: homens mais velhos, adolescentes de ambos os sexos, mulheres, trabalhadores, estudantes. Em comum, eles têm o fato de pertencer a movimentos sociais – dos mais tradicionais, experientes em protestos de rua, aos mais recentes, que ganharam notoriedade a partir da onda de manifestações de junho do ano passado.

Eles estão ali para organizar o segundo ato do ano sob um lema polêmico: “Se não tiver direitos, não vai ter Copa”. O primeiro ocorreu no dia 25 de janeiro.

Nas redes sociais, as quatro últimas palavras do lema do grupo causaram furor nesse início de ano, embora o “Não Vai Ter Copa” tenha surgido nas ruas, em junho, durante algumas manifestações. Também foi agora que o PT e o governo federal reagiram nas redes sociais, preocupados com a possibilidade de que as manifestações empanem o brilho da Copa no Brasil em ano de eleições – e tenham o mesmo efeito devastador de popularidade que a presidenta Dilma (como todos os governantes) enfrentou em junho do ano passado.

No domingo, dia 12 de janeiro, a 13 dias da primeira manifestação chamada pelo coletivo, a reação do PT veio em um post na página oficial do partido no Facebook: “Tá combinado. Uma boa semana para todos que torcem pelo Brasil”. Acompanhada da frase, havia uma foto com a hashtag #VaiterCopa. Na página oficial da presidenta Dilma, o mesmo tom: “LÍQUIDO E CERTO. Uma boa semana para todos que torcem pelo Brasil” e mais uma vez uma foto com a mesma hashtag. Hoje, a hashtag usada pelo governo e o PT é #CopadasCopas, o mote oficial.

Nos blogs e redes sociais, houve quem tratasse o movimento como “terrorista” e “caso de polícia”. Críticos mais moderadas afirmam que os protestos da Copa, se tivessem o mesmo efeito devastador na popularidade da presidenta Dilma, estariam abrindo caminho para os partidos de direita.

Mas afinal, o que é esse novo movimento? O que pretende? Como eles responderiam às críticas das quais têm sido alvo? Foram essas perguntas que me levaram àquela reunião.

Manifesto e o crescimento da articulação

No dia 10 de dezembro do ano passado, Dia Internacional dos Direitos Humanos, foi lançado um manifesto do movimento com o título “Se não tiver direitos, não vai ter Copa”. “(…) Junho de 2013 foi só o começo! As pessoas, os movimentos e os coletivos indignados que querem transformar a realidade afirmam através das diversas lutas que sem a consolidação dos direitos sociais (saúde, educação, moradia, transporte e tantos outros) não há possibilidade do povo brasileiro admitir megaeventos como a Copa do Mundo ou as Olimpíadas. Isso significa que as palavras de ordem no combate a esses governos que só servem às empresas e ao lucro devem ser: ‘Se não tiver direitos, não vai ter Copa!’”, dizia um trecho do manifesto. E seguia adiante: “Nossa proposta é barrar a Copa! Mostrar nacionalmente e internacionalmente que o poder popular não quer a Copa!”. Depois, o manifesto se referia às manifestações contra o aumento da tarifa de transportes que detonaram a onda de protestos em junho: “Os dirigentes políticos disseram que era impossível atender a pauta das manifestações pela revogação do aumento, entretanto o poder popular nas ruas nos mostrou que realidades impossíveis podem ser transformadas, reivindicadas e conquistadas pelo povo. E mesmo assim dirão: ‘mas isso é impossível!’ Então nós diremos: ‘o impossível acontece!’”.

Cinco movimentos assinam o manifesto. O mais conhecido deles talvez seja o Movimento Passe Livre (MPL), um dos principais catalisadores dos protestos políticos em junho com a pauta do modelo de transporte público. Os outros são o Fórum Popular de Saúde do Estado de São Paulo, articulação que reúne diversos coletivos em defesa das melhorias na saúde pública; o Coletivo Autônomo dos Trabalhadores Sociais, que reúne, principalmente, assistentes sociais que atuam em São Paulo; o Periferia Ativa, fundado por comunidades da zona sul e da região metropolitana da capital paulista; e o Comitê Contra o Genocídio da População Preta, Pobre e Periférica, que combate a violência da polícia e dos grupos de extermínio ligados a ela que atuam nas periferias.

“Não sou filiado a nada”

Os focos das organizações, como se vê, são diferentes, mas o que as une é a luta pelos direitos humanos da população excluída, que consideram ainda mais ameaçados pela realização da Copa. Sérgio Lima, do Fórum Popular de Saúde, descreve assim os integrantes do movimento: “É um pessoal que já participou de muita luta, pessoal de movimento social mesmo, que tá cansado de gabinete e tudo mais. Eu sou um caso que postulei muito tempo luta de gabinete. Mas hoje não sou filiado a nada”, afirma. E explica os objetivos do grupo: “Ao meu ver, é dizer que a gente não precisava da Copa nesse momento, diante de tantas mazelas em transporte, educação, saúde. Acredito que é nesse sentido”.

Quando lembro as críticas, expressas principalmente nas redes sociais, de que o “Não vai ter Copa” serve aos partidos de direita, ele dá risada. Conta que, inclusive, já foi filiado ao PT. “Eles sempre dizem isso”, desdenha.

Pergunto então se eles realmente pretendem barrar a Copa, e de que maneira. “É um objetivo sim. De enfrentamento mesmo, a gente sabe que é uma luta desleal e cruel, mas a gente tem isso como pauta, sim. Queremos ganhar a massa, ganhar corpo e fazer o enfrentamento com os protestos nas ruas. Não queremos nenhum ato violento, nem se cogita isso. Queremos barrar com os protestos mesmo”, afirma.

Anticapitalistas

Além das organizações citadas, o movimento também atraiu ativistas que militavam em partidos políticos à esquerda do PT, como o PSTU e o PSOL. O movimento Juntos!, por exemplo, que surgiu no início de 2011 a partir da juventude do PSOL, também forma a base de apoio.

“A gente entende a Copa do Mundo como parte de um aspecto crítico do crescimento capitalista. Com o crescimento, ao invés de termos investimentos nos setores públicos, em saúde, educação, transporte, moradia, o que temos é um processo de subserviência ao projeto tradicional de acumulação, que é esse megaevento comandado por uma entidade absolutamente corrupta como a Fifa. O único objetivo da Copa é enriquecer os parceiros comerciais da Fifa e as grandes empresas no Brasil. E isso tem sido feito com a produção de cidades de exceção”, afirma Maurício Costa Carvalho, do Juntos!.

Para Maurício, os protestos de agora fazem parte de uma sequência de manifestações que vem ocorrendo nos últimos anos no mundo todo – dos indignados na Espanha ao Occupy Wall Street nos Estados Unidos. Foram esses protestos, ele diz, que motivaram a criação do Juntos!: “Todos os governantes tiveram a sua popularidade bastante desgastada depois das jornadas de junho. Isso mostra que não é um problema de um partido ou de outro, só. É um problema da estrutura da velha política partidária no país. As manifestações mostraram que é necessário ter mudanças estruturais. E essas mudanças passam por ter uma política que é completamente distinta dessa política que vem sendo feita. É necessário que se ouça a voz das ruas e que a política não se resuma a passar um cheque em branco a um candidato a cada dois anos”.

Pergunto se a ligação do Juntos! com o PSOL, que vai lançar o senador amapaense Randolfe Rodrigues como candidato à presidência neste ano, compromete a independência partidária do grupo. “O Juntos! é um grupo que têm militantes do PSOL, mas que tem muitos militantes que não são do PSOL, tem seus fóruns próprios, seus próprios grupos de discussão. Existem militantes do PSOL que participam de vários grupos diferentes. Então não tem nada ligado à estrutura do PSOL”, diz.

Ciberativismo

Desde a redação do manifesto, a articulação se define como horizontal, sem que ninguém chame para si o papel de líder ou organizador do movimento. Todos participam da discussão das pautas e estratégias dos atos. E o coletivo continua a atrair novos atores, como integrantes do Sindicato de Metroviários de São Paulo, membros de movimentos de moradia como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), representantes do movimento estudantil, do GAPP (Grupo de Apoio ao Protesto Popular), um coletivo que presta primeiros socorros aos manifestantes atingidos, entre outros. Um caldo bem heterogêneo, basicamente formado por movimentos urbanos de esquerda com pautas clássicas (moradia, saúde, educação, transporte…) e outros de ciberativismo, como demonstram as páginas do Facebook “Contra a Copa 2014” e “Operation World Cup”, do grupo Anonymous.

“Houve uma junção [com os grupos de ciberativismo]. Tinha uma rapaziada que já tinha criado um evento no Facebook chamando protestos contra a Copa e a gente se articulou com eles e chegamos com uma pauta mais concreta”, conta Sérgio Lima do Fórum Popular.

Segundo os ativistas ouvidos pela reportagem, os grupos que atuam online têm duas funções básicas: ajudar a divulgar os protestos e veicular a versão dos manifestantes para episódios controversos. O ato do dia 25 de janeiro, por exemplo, era focado em São Paulo, já que tinha como gancho o aniversário da capital paulista. Mas a divulgação e articulação nas redes acabou multiplicando os protestos em outras cidades do país.

O grupo online também se articulou para rebater as informações de que adeptos do Black Bloc teriam incendiado o Fusca do serralheiro Itamar Santos, de 55 anos. As primeiras informações da imprensa davam conta de que o carro tinha sido incendiado pelos adeptos da tática, mas a página “Contra a Copa 2014” divulgou um vídeo, três dias depois, mostrando imagens de Itamar tentando passar com o Fusca por cima de um colchão em chamas, que ficou preso no carro e o incendiou.

Há muitos membros de movimentos sociais, porém, que associam o Anonymous e outros grupos ciberativistas a setores conservadores, até mesmo à própria polícia. Eles se declaram apartidários.

Bandeiras clássicas

“Se tem alguém de direita ali, está muito bem escondido”, afirma categoricamente Sérgio Lima. Maurício Carvalho, do Juntos!, concorda: “Nós estamos elaborando uma lista de reivindicações de direitos básicos de algumas bandeiras que estão envolvidas em seis eixos: saúde, educação, transporte, moradia, contra a ingerência da Fifa e contra a repressão. E todas essas bandeiras são históricas que a esquerda e os movimentos sociais construíram”.

Outro membro da articulação é o ativista Vitor Araújo, o “Vitinho”, que perdeu um olho em uma manifestação do último dia 7 de setembro, em São Paulo, enquanto cobria a manifestação pelo Basta TV, um canal independente. Vitor afirma que perdeu o olho depois de uma bomba da Polícia Militar estourar perto do seu rosto – episódio que o motivou a seguir nas ruas. “Nosso movimento é horizontal e não partidário, nem ideológico. Existe muita discussão, muita gente com ideologia diferente, mas temos um único cunho que é ‘Se não tiver direitos, não vai ter Copa’: direito à saúde, à educação, à moradia, à segurança pública. São por esses méritos que cada uma das pessoas luta por um objetivo final”, afirma.

A fala de Vitor parece ilustrar a crise de representação política tão citada pelos sociólogos no momento em que vivemos. Ele diz não acreditar nos métodos da política clássica, apesar de não se opor à participação de ativistas que militam nos partidos. “Nossa luta é por direitos básicos, que estão na Constituição e não acontecem. Não tem vinculação a partidos, a ideologias”, realça, acrescentando que também já fez manifestações contra o chamado “Propinoduto Tucano” (denúncia de corrupção nos contratos do metrô e trens de São Paulo) e que não há motivos partidários nas manifestações contra a Copa.

“É simples: havia um acordo, que era o do governo montar toda uma estrutura em volta da Copa, dos estádios. Isso não aconteceu e é por isso que a gente luta. São sete anos e eles não cumpriram esse acordo”, explica.

Vitor também nega a presença tanto de “pessoas assumidamente de direita” como de adeptos da tática Black Bloc na concepção e organização dos movimentos contra a Copa. “Os protestos são convocados na internet, nas redes sociais, são abertos. Eles veem e se organizam para ir lá”, diz. Também diz entender a atitude Black Bloc como uma reação à violência policial. “Posso te dizer, já fui em muita manifestação aqui em São Paulo e quem começa a reprimir é sempre a PM”, afirma.

Vários protestos sob o lema “Se não tiver direitos, não vai ter Copa” estão previstos para acontecer nesse semestre. Cada protesto levantará a bandeira de um direito que, na visão dos ativistas, é negado à população, ou então problemas concretos acarretados pela Copa. No dia 22 de fevereiro está marcado um ato na Praça da República, centro de São Paulo. O mote do protesto é a educação.

Com cautela

A ANCOP (Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa) apoia os atos realizados pelos coletivos, mas não participa de sua articulação. Cada Comitê Popular em cada cidade-sede tem independência para aderir ou não aos atos. “O lema ‘Não vai ter Copa’ veio das ruas, das manifestações, não foi imposto por nenhum grupo político. A gente claro que aceita. Não temos a pretensão de ser vanguarda ou monopolizar a resistência à Copa. Mas no entendimento que a gente tem discutido bastante, o ‘Não Vai Ter Copa’ é muito mais uma palavra de ordem do que um objetivo concreto. Dentre os nossos objetivos não está não acontecer a Copa. Temos objetivos concretos, como reparações às vítimas da Copa”, diz Marina Mattar, do Comitê Popular de São Paulo.

“Dá para perceber que são movimentos bem heterogêneos, tem de tudo nessa proposta. Ela vem com pouco debate político e alguns comitês não conseguem contato com quem tá propondo, organizando. Aqui em Porto Alegre a gente não conhece as pessoas que estão propondo isso”, diz Claudia Favaro, do Comitê Popular de Porto Alegre. “Quando chamaram o ato do dia 25, não foi conversado com o Bloco de Lutas pelo Transporte Público e nem com o Comitê, que são os espaços onde os coletivos estão organizados. Aqui a gente não tem essa posição de que mobilização só se chama pela internet. E existe uma preocupação por parte da esquerda em geral da apropriação da pauta por setores mais conservadores. A gente se soma ao grito de ‘Não vai ter Copa’ entendendo que é uma amarra na garganta de um povo que já está oprimido há um tempo, mas ainda vemos com cautela”, diz ela.

“Em todos os debates que a gente teve a gente acha até ruim que o debate fique polarizado entre ‘Vai ter Copa’ e ‘Não Vai Ter Copa’. Fica então uma discussão superficial, a gente não discute as violações. E o que a gente quer discutir são as violações”, opina Renato Cosentino, do Comitê Popular do Rio de Janeiro. “Tanto as violações diretas em decorrência da Copa como as de modelo de cidade que a Copa do Mundo faz parte. É isso que a gente vem tentando dar destaque. Mas é claro que a gente apoia o lema e as mobilizações contra a Copa”, completa.

* Publicado originalmente no site Agência Pública.

Are you political on Facebook? (Science Daily)

Date: 

January 29, 2014

Source: Inderscience

Summary: Social media and networks are ripe for politicization, for movement publicity, advocacy group awareness, not-for-profit fund-raising campaigns and perhaps even e-government. However, the majority of users perhaps see these tools as being useful for entertainment, interpersonal connections and sharing rather than politics. A research paper reinforces this notion. The results suggest that the potential for political activism must overcome the intrinsic user perception that online social networks are for enjoyment rather than utility, political or otherwise.

Social media and networks are ripe for politicization, for movement publicity, advocacy group awareness, not-for-profit fund-raising campaigns and perhaps even e-government. However, the majority of users perhaps see these tools as being useful for entertainment, interpersonal connections and sharing rather than politics. A research paper to be published in the Electronic Government, An International Journal reinforces this notion. The results suggest that the potential for political activism must overcome the intrinsic user perception that online social networks are for enjoyment rather than utility, political or otherwise.

Tobias Kollmann and Christoph Stöckmann of the E-Business and E-Entrepreneurship Research Group, at the University of Duisburg-Essen, and Ina Kayser of VDI — The Association of German Engineers, in Düsseldorf, Germany, explain that while social networks have become increasingly important as discussion forums, users are not at present motivated to accept political decisions that emerge from such discussions. As such, Facebook is yet to properly break through as the innovative means of political participation that it might become.

The team roots this disjuncture in the psychological phenomenon of cognitive dissonance where two opposing concepts cannot be rationalized simultaneously and an individual discards one as invalid in favour of the other to avoid the feeling of psychological discomfort. For example, users enjoy logging on to a social network, such as Facebook, so that they can share photos, play games and chat online with friends. This is inherently at odds, it does not resonate, with the idea of Facebook being useful as a tool for discussing and implementing the perhaps more important realm of human endeavour we know as politics.

However, the team says, the advent of politically oriented Facebook games, such as “Campaigns” and “America 2049” blur the lines between the area of enjoyment and political discussion. Moreover, they point out that the boundaries were already blurred in terms of interpersonal discussions among some users where political discussion is facilitated by the network and also perceived as an enjoyable part of participation despite it falling in the “useful” camp. Indeed, the team’s data from several hundred randomly selected Facebook users would support the notion that the perception of mutual benefit arising from political participation on Facebook positively adds to the perception of usefulness as well as being enjoyable. They allude to the fact that the findings might apply equally well to other so-called “Web 2.0” tools on the Internet.

Journal Reference:

  1. Tobias Kollmann, Ina Kayser, Christoph Stöckmann. Understanding political participation on Facebook: the moderating role of intrinsic motivation.Electronic Government, an International Journal, 2013; 10 (3/4): 310 DOI:10.1504/EG.2013.058786

Protestos contra Copa do Mundo terminam com atos de violência (OESP)

Manifestantes ateiam fogo em carro durante protesto contra a realização da Copa do Mundo no Brasil, na região central de São Paulo, neste sábado.

São Paulo, 25 jan (EFE).- Os protestos que aconteceram neste sábado em diferentes pontos do Brasil contra a organização da Copa do Mundo transcorreram em sua maioria com normalidade, embora em cidades como São Paulo tenham sido registrados vários atos de violência e destruição de patrimônio público.

No final da manifestação da capital paulista, que durante as primeiras horas aconteceu de maneira pacífica, um grupo de manifestantes quebrou vidros de várias agências bancárias e de uma concessionária, além de terem atacado um veículo da Polícia.

Na mesma avenida, um automóvel foi incendiado após ser atingido por um objeto inflamável, embora alguns dos manifestantes tenham tentado apagar as chamas.

Além dos estabelecimentos que iam fechando à passagem do protesto, um hotel no qual vários manifestantes tinham se refugiado por volta das 20h foi fechado pelas tropas de choque da Polícia Militar, que em várias ocasiões tentou dispersar os presentes com tiros para o ar e bombas de efeito moral.

Por enquanto, não há informação de feridos nem detidos.

Os protestos se repetiram em mais de uma dezena de cidades, como Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte, embora em todas elas a presença de manifestantes tenha sido muito menor do que a esperada.

Na sexta-feira, mais de 40 mil pessoas confirmaram sua presença nas manifestações através das redes sociais, previstas a princípio em mais de 30 cidades, enquanto em São Paulo, onde aconteceu a mais movimentada, se concentraram ao redor de 2.500 pessoas, segundo a PM.

Em Goiânia, 200 pessoas protestaram esta manhã pelo mesmo motivo. O encontro aconteceu com tranquilidade, embora no último momento alguns encapuzados tenham queimado vários pneus.

A manifestação foi promovida por várias organizações sociais com o objetivo de criticar a despesa elevada do Governo na realização da competição, em detrimento de outros serviços como educação e saúde.

O manifesto da convocação denuncia, entre outros fatos, a despesa extra prevista da organização do Mundial e atribui o aumento do orçamento à corrupção nas instituições responsáveis pela construção dos novos estádios que estão sendo construídos para o evento esportivo.

“É um absurdo que o Brasil organize uma Copa do Mundo porque há problemas na saúde, na educação e na habitação que estão em condições péssimas”, afirmou à Agência Efe Daivis Souza, que participava do protesto de São Paulo. EFE

*   *   *

Protesto no Brasil contra a Copa deixa saldo de 143 detidos (OESP)

25.jan.2014

São Paulo, 26 jan (EFE).- Pelo menos 143 pessoas foram detidas neste sábado acusadas de participar de distúrbios ocorridos nas manifestações que aconteceram em diferentes cidades em protesto contra a organização da Copa do Mundo.

Em São Paulo, 128 pessoas foram detidas, por enquanto, após as manifestações registradas na capital paulista, e que terminaram com confrontos entre a Polícia e os manifestantes, informou a Polícia Militar (PM) através de sua conta no Twitter.

Em Fortaleza, 15 pessoas foram aprisionadas pelos protestos registrados em frente do estádio Arena das Dunas, inaugurado na quarta-feira passada pela presidente Dilma Rousseff.

Um grupo de manifestantes tentou invadir o estádio, danificou uma arquibancada de acesso ao local e ateou fogo em uma loja utilizada pelos trabalhadores da recém inaugurada obra, informou a “Folha de São Paulo”.

De acordo com as autoridades, 15 pessoas foram detidas por tal ação.

As manifestações começaram de forma pacífica na maior parte das cidades, embora tenham terminado com alguns focos de violência em algumas delas. EFE

For some in Brazil, World Cup means evictions (Washington Post)

By Donna Bowater, Published: January 25, 2014

PORTO ALEGRE, Brazil — Where there was once a soccer field in this city in southern Brazil, there is a highway.

And where there were once shanty homes, there are piles of timber, bricks and the debris of those who used to live there.

The reason is the World Cup. The mega-event that will play out this summer in a dozen Brazilian cities is driving a frenzy of road construction, airport renovations and other projects.

The impact is being felt most strongly among the poorest citizens, including residents of Porto Alegre’s largest favela, or slum, who have come to regard the soccer championship as synonymous with evictions, removals and demolition.

Activists say that as many as 250,000 people across the country are threatened with eviction — although some of those efforts have been underway for years and are likely to outlast the soccer tournament as building projects continue. Brazil is also preparing to host the Summer Olympics in 2016.

Some Brazilian officials insist that most displacements are not linked to World Cup preparations. Independent researchers say they have to rely on witness reports. But residents of the Santa Teresa neighborhood here, as well those in other poor areas, say there is no doubt that evictions are underway, as they lose neighbors and open space.

“It breaks a cycle of friendship, a cycle of custom,” said 42-year-old Antonio Daniel Knevitz de Oliveira, who lives deep in the heart of Santa Teresa, where he grew up.

“Brazil is by far and away the champion of forced removals,” said Christopher Gaffney, a visiting geography professor at the Fluminense Federal University in Rio de Janeiro. “This is clearly the most impactful World Cup ever, with a lot of ambitious projects.”

In some of the affected cities, the World Cup and the Olympics are the latest justifications used by authorities to clear favelas.

Characterized as “irregular” settlements where many do not have deeds to their properties, there have been long-standing attempts to reclaim the slums where more than 11 million Brazilians live.

The added pressure of hosting the two biggest sporting events in the world has given authorities additional incentive to act.

The scale of displacements in Rio de Janeiro prompted Amnesty International to launch a campaign, Enough Forced Evictions, after it found evidence of housing rights violations in the city. A network of Brazilian activists, the National Coalition of People’s World Cup Committees, sought to sound the alarm last year in a report to a U.N. human rights panel.

That group said as many as 32,000 people in Porto Alegre could be at risk of eviction because of World Cup projects, with more than 1,500 families affected by the road-widening project.

Porto Alegre is Brazil’s 10th-largest city, with a sizable population of European immigrants and a rapid rate of economic growth. About 13 percent of residents live in favelas, including those in Santa Teresa who were evicted so that a nearby road could be widened to improve traffic flow around the soccer stadium.

Residents say the loss of the soccer field meant children were playing barefoot pickup games deep inside the favela, where violent drug traffickers rule.

The government is compensating families forced to move, but the resettlement packages of $22,000 are described by activists as inadequate in a country where real estate prices have been soaring.

For Knevitz, who has three jobs and three children, the upheaval has compounded a sense of uncertainty about his family’s future.

“I don’t want to run the risk of seeing another World Cup or big event and the authorities saying, ‘You’ll be removed,’­ ” he said.

Voices of Brazil: ninja journalist Bruno Torturra, who runs an alternative press collective (The Guardian)

‘I want the people of the world to hear a different narrative from the World Cup; from a point of view of people on the street, not the stadiums or the press,’ says Bruno Torturra, leader of the Mídia Ninja collective of citizen journalists

Luke Bainbridge

The Observer, Sunday 26 January 2014

Ninja journalist Bruno Torturra sitting on the floorBruno Torturra: ‘In the casas it was brilliant to see young people putting into practice their ambition for a utopian cultural economic system.’ Photograph: Marcos Villas Boas

It is hard to imagine anyone who looks less like a Japanese assassin, but Bruno Torturra is a leader of the self-styled Mídia Ninja collective, which emerged as an alternative to the mainstream Brazilian press during the protests last summer.

The group arrived as a loose collective of citizen journalists who, spurred by advances in digital media that put the powers of reporting and distribution in their hands, reported and live-streamed hours of footage from protests in different cities.

Armed with smartphones and digital cameras, they were determined to tell what they saw as the true narrative of news that was being distorted. They quickly grew in popularity with those similarly disenchanted and frustrated with the coverage of the protests by traditional media, while polarising opinion among established commentators. And they hit the national headlines when they filmed a police infiltrator throwing a Molotov cocktail at a protest during Pope Francis’s trip to Brazil in July 2013.

The first seeds of Mídia Ninja were sown in 2012 when Torturra, then a journalist for Trip magazine, wrote a piece on the music and social collective Fora Do Eixo (FDE). Members live in shared casas, with their own alternative economy. “I found them fascinating,” says Torturra, when we meet in his local café in São Paulo. “I thought it was brilliant to see so many young people living together and putting into practice their ambition for a utopian cultural economic system.”

A few months later Torturra was covering a march to legalise marijuana. “The police really cracked down on the protesters. I was beaten and inhaled tear gas,” he says. “I wrote a huge article on my blog and the next morning everyone was sharing it on Facebook.”

The blog got a bigger reception than anything Torturra had written in nine years at TripPablo Capilé from Fora Do Eixo called Torturra and suggested they talk about working together. With other FDE members Rafael Vilela and Felipe Altenfelder they began streaming events under the name Post TV, building an increasing following until last summer, when Torturra wrote a more defined manifesto and they became Mídia Ninja.

At the height of the protests they had several thousand independent citizen journalists. The extent to which they polarised opinion was clear when they were invited on to a Brazilian talk show and Torturra and Capilé were given a grilling from an invited panel of established journalists, and to many came out on top.

Torturra is aware that there’s a huge appetite around the world to find out more about the complex situation in Brazil, which will only be heightened in the next 12 months. “We have huge potential for this year,” he says. “It is the year of Brazil. Even we don’t know exactly what is happening right now. The World Cup is a horrible idea. I think the government now realises that, but it’s too late to stop it. The cost is so huge. It’s proven to be a lie that the World Cup brings better infrastructure and leaves a legacy. The only legacy is more expensive stadiums and a lot of public money gone to the toilet.

“We’re in a really good position to cover it in a different way, not only for Brazil but the world,” he says. “I’m planning to make Mídia Ninja a stream in English and Spanish as well, so people of the world can hear a different narrative from the World Cup; from a point of view of people on the street, not the stadiums or the press. We’re not interested in the football. That will be over-covered by other people.”

O Brasil ‘bipolar’ vem a Davos (Folha de S.Paulo)

23/01/2014  03h26

Clóvis Rossi

DAVOS – Marcelo Neri, o economista que chefia a Secretaria de Assuntos Estratégicos, lamenta que o Brasil viva o que chama de “situação bipolar”: uma boa parte do empresariado está pessimista com os rumos da economia, ao passo que o que Elio Gaspari chamaria de “andar de baixo” está satisfeito com a inclusão ocorrida nos últimos anos.

O ideal, para Neri, seria que “pessimistas fossem menos pessimistas, e otimistas menos otimistas”.

A segunda parte da equação é inalcançável, brinca o ministro, na medida em que “o brasileiro foi heptacampeão mundial de otimismo” (ficou em primeiro lugar na pesquisa Gallup sobre a satisfação com a própria vida, entre 2006 e 2012).

Em 2013, no entanto, as coisas mudaram ligeiramente: houve uma queda na satisfação, para o 18º lugar no mundo, coincidindo com as manifestações de junho. Mas, já em outubro, de 0 a 10, o brasileiro dava 7 para a sua satisfação com a vida, o terceiro lugar no planeta.

O ministro tem uma explicação para a “bipolaridade”: economistas e executivos costumam olhar muito para o PIB, que, de fato, está crescendo mediocremente, como disse ontem a mexicana Alícia Bárcenas, secretária-executiva da Cepal, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe.

Já o comum dos mortais olha para a sua própria vida e vê que ela melhorou nos últimos anos, inclusive no ano passado: enquanto o PIB per capita, até novembro, crescia apenas 1,8%, a renda mediana subia 5,2%.

Como, então, explicar os protestos de junho? Para Neri, “a casa melhorou, mas o seu entorno [leia-se: serviços públicos] não. As pessoas querem uma outra agenda, após o crescimento com redução da desigualdade”.

Neste ponto, uma observação pessoal que já fiz várias vezes ao hoje ministro e da qual ele não discorda: caiu a desigualdade entre salários, mas não entre o rendimento do capital e do trabalho, até porque é muito difícil medir o primeiro desses rendimentos.

E os rolezinhos? Neri admitiu, em mesa-redonda ontem em Davos: “Não acho que saibamos o que está acontecendo”.

Mas, em conversa com jornalistas, arriscou palpites: primeiro, a sociedade está muito mais interligada, do que decorre o uso das redes sociais como ponto de referência para os rolezinhos, e “a população jovem nunca foi e nunca mais será tão grande como agora”.

É desse Brasil “bipolar” que Dilma embarcou ontem para se apresentar amanhã a uma parte do público, inclusive estrangeiro, que está majoritariamente entre inquieta e pessimista sobre o Brasil.

Palpite meu: se ela focar sua fala na sessão plenária e na conversa reservada com executivos no “feel good factor”, esse sentir-se bem do andar de baixo, não vai desfazer o mal-estar. O que o povo de Davos quer são certezas sobre a situação fiscal brasileira, ou seja, sobre as sobras para pagar a dívida.

Não por acaso, esse tema apareceu no primeiro lugar entre os riscos globais medidos por uma grupo de peritos para o Fórum Econômico Mundial, ao lado do crescimento da desigualdade.

Rolezinhos: O que estes jovens estão “roubando” da classe média brasileira – por Eliane Brum (Época)

Publicado em Quarta, 25 Dezembro 2013

Os novos “vândalos” do Brasil

O rolezinho, a novidade deste Natal, mostra que, quando a juventude pobre e negra das periferias de São Paulo ocupa os shoppings anunciando que quer fazer parte da festa do consumo, a resposta é a de sempre: criminalização. Mas o que estes jovens estão, de fato, “roubando” da classe média brasileira?

eliane brum

O Natal de 2013 ficará marcado como aquele em que o Brasil tratou garotos pobres, a maioria deles negros, como bandidos, por terem ousado se divertir nos shoppings onde a classe média faz as compras de fim de ano. Pelas redes sociais, centenas, às vezes milhares de jovens, combinavam o que chamam de “rolezinho”, em shopping próximos de suas comunidades, para “zoar, dar uns beijos, rolar umas paqueras” ou “tumultuar, pegar geral, se divertir, sem roubos”. No sábado, 14, dezenas entraram no Shopping Internacional de Guarulhos, cantando refrões de funk da ostentação. Não roubaram, não destruíram, não portavam drogas, mas, mesmo assim, 23 deles foram levados até a delegacia, sem que nada justificasse a detenção. Neste domingo, 22, no Shopping Interlagos, garotos foram revistados na chegada por um forte esquema policial: segundo a imprensa, uma base móvel e quatro camburões para a revista, outras quatro unidades da Polícia Militar, uma do GOE (Grupo de Operações Especiais) e cinco carros de segurança particular para montar guarda. Vários jovens foram “convidados” a se retirar do prédio, por exibirem uma aparência de funkeiros, como dois irmãos que empurravam o pai, amputado, numa cadeira de rodas. De novo, nenhum furto foi registrado. No sábado, 21, a polícia, chamada pela administração do Shopping Campo Limpo, não constatou nenhum “tumulto”, mas viaturas da Força Tática e motos da Rocam (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas) permaneceram no estacionamento para inibir o rolezinho e policiais entraram no shopping com armas de balas de borracha e bombas de gás.

Se não há crime, por que a juventude pobre e negra das periferias da Grande São Paulo está sendo criminalizada?

Primeiro, por causa do passo para dentro. Os shoppings foram construídos para mantê-los do lado de fora e, de repente, eles ousaram superar a margem e entrar. E reivindicando algo transgressor para jovens negros e pobres, no imaginário nacional: divertir-se fora dos limites do gueto. E desejar objetos de consumo. Não geladeiras e TVs de tela plana, símbolos da chamada classe C ou “nova classe média”, parcela da população que ascendeu com a ampliação de renda no governo Lula, mas marcas de luxo, as grandes grifes internacionais, aqueles que se pretendem exclusivas para uma elite, em geral branca.

Antes, em 7 de dezembro, cerca de 6 mil jovens haviam ocupado o estacionamento do Shopping Metrô Itaquera, e também foram reprimidos. Vários rolezinhos foram marcados pelas redes sociais em diferentes shoppings da região metropolitana de São Paulo até o final de janeiro, mas, com medo da repressão, muitos têm sido cancelados. Seus organizadores, jovens que trabalham em serviços como o de office-boy e ajudante geral, temem perder o emprego ao serem detidos pela polícia por estarem onde supostamente não deveriam estar – numa lei não escrita, mas sempre cumprida no Brasil. Seguranças dos shoppings foram orientados a monitorar qualquer jovem “suspeito” que esteja diante de uma vitrine, mesmo que sozinho, desejando óculos da Oakley ou tênis Mizuno, dois dos ícones dos funkeiros da ostentação. Às vésperas do Natal, o Brasil mostra a face deformada do seu racismo. E precisa encará-la, porque racismo, sim, é crime.

“Eita porra, que cheiro de maconha” foi o refrão cantado pelos jovens ao entrarem no Shopping Internacional de Guarulhos. O funk é de MC Daleste, que afirma no nome artístico a região onde nasceu e se criou, a zona leste, a mais pobre de São Paulo, aquela que todo o verão naufraga com as chuvas, por obras que os sucessivos governos sempre adiam, esmagando sonhos, soterrando casas, matando adultos e crianças. Daleste morreu assassinado em julho com um tiro no peito durante um show em Campinas – e assassinato é a primeira causa de morte dos jovens negros e pobres no Brasil, como os que ocuparam o Shopping Internacional de Guarulhos.

A polícia reprimiu, os lojistas fecharam as lojas, a clientela correu. Uma das frequentadores do shopping disse a frase-símbolo à repórter Laura Capriglione, na Folha de S. Paulo: “Tem de proibir este tipo de maloqueiro de entrar num lugar como este”. Nos dias que se seguiram, em diferentes sites de imprensa, leitores assim definiram os “rolezeiros” (veja entrevista abaixo): “maloqueiros”, “bandidos”, “prostitutas” e “negros”. Negros emerge aqui como palavra de ofensa.

As novelas já vendiam uma vida de luxo há muito tempo, só que nelas os ricos eram os que pertenciam ao mundo de riqueza. Nos videoclipes de funk ostentação, são os pobres que aparecem neste mundo.”

O funk da ostentação, surgido na Baixada Santista e Região Metropolitana de São Paulo nos últimos anos, evoca o consumo, o luxo, o dinheiro e o prazer que tudo isso dá. Em seus clipes, os MCs aparecem com correntes e anéis de ouro, vestidos com roupas de grife, em carros caros, cercado por mulheres com muita bunda e pouca roupa. (Para conhecer o funk da ostentação, assista ao documentárioaqui). Diferentemente do núcleo duro do hip hop paulista dos ano 80 e 90, que negava o sistema, e também do movimento de literatura periférica e marginal que, no início dos anos 2000, defendia que, se é para consumir, que se compre as marcas produzidas pela periferia, para a periferia, o funk da ostentação coloca os jovens, ainda que para a maioria só pelo imaginário, em cenários até então reservados para a juventude branca das classes média e alta. Esta, talvez, seja a sua transgressão. Em seus clipes, os MCs têm vida de rico, com todos os signos dos ricos. Graças ao sucesso de seu funk nas comunidades, muitos MCs enriqueceram de fato e tiveram acesso ao mundo que celebravam.

Esta exaltação do luxo e do consumo, interpretada como adesão ao sistema, tornou o funk da ostentação desconfortável para uma parcela dos intelectuais brasileiros e mesmo para parte das lideranças culturais das periferias de São Paulo. Agora, os rolezinhos – e a repressão que se seguiu a eles – deram a esta vertente do funk uma marca de insurgência, celebrada nos últimos dias por vozes da esquerda. Ao ocupar os shoppings, a juventude pobre e negra das periferias não estava apenas se apropriando dos valores simbólicos, como já fazia pelas letras do funk da ostentação, mas também dos espaços físicos, o que marca uma diferença. E, para alguns setores da sociedade, adiciona um conteúdo perigoso àquele que já foi chamado de “funk do bem”.

A resposta violenta da administração dos shoppings, das autoridades públicas, da clientela e de parte da mídia demonstra que esses atores decodificaram a entrada da juventude das periferias nos shoppings como uma violência. Mas a violência era justamente o fato de não estarem lá para roubar, o único lugar em que se acostumaram a enxergar jovens negros e pobres. Então, como encaixá-los, em que lugar colocá-los? Preferiram concluir que havia a intenção de furtar e destruir, o que era mais fácil de aceitar do que admitir que apenas queriam se divertir nos mesmos lugares da classe média, desejando os mesmo objetos de consumo que ela. Levaram uma parte dos rolezeiros para a delegacia. Ainda que tivessem de soltá-los logo depois, porque nada de fato havia para mantê-los ali, o ato já estigmatizou-os e assinalará suas vidas, como historicamente se fez com os negros e pobres no Brasil.

Jefferson Luís, 20 anos, organizador do rolezinho do Shopping Internacional de Guarulhos, foi detido, é alvo de inquérito policial, sua mãe chorou e ele acabou cancelando outro rolezinho já marcado por medo de ser ainda mais massacrado. Ajudante geral de uma empresa, economizou um mês de salário para comprar a corrente dourada que ostenta no pescoço. Jefferson disse ao jornal O Globo: “Não seria um protesto, seria uma resposta à opressão. Não dá para ficar em casa trancado”.

Por esta subversão, ele não será perdoado. Os jovens negros e pobres das periferias de São Paulo, em vez de se contentarem em trabalhar na construção civil e em serviços subalternos das empresas de segunda a sexta, e ficar trancados em casas sem saneamento no fim de semana, querem também se divertir. Zoar, como dizem. A classe média até aceita que queiram pão, que queiram geladeira, sente-se mais incomodada quando lotam os aeroportos, mas se divertir – e nos shoppings? Mais uma frase de Jefferson Luiz: “Se eu tivesse um quarto só pra mim hoje já seria uma ostentação”. Ele divide um cômodo na periferia de Guarulhos com oito pessoas.

Neste Natal, os funkeiros da ostentação parecem ter virado os novos “vândalos”, como são chamados todos os manifestantes que, nos protestos, não se comportam dentro da etiqueta estabelecida pelas autoridades instituídas e por parte da mídia. Nas primeiras notícias da imprensa, o rolezinho do Shopping Internacional de Guarulhos foi tachado de “arrastão”. Mas não havia arrastão nenhum. O antropólogo Alexandre Barbosa Pereira faz uma provocação precisa: “Se fosse um grupo numeroso de jovens brancos de classe média, como aconteceu várias vezes, seria interpretado como um flash mob?”.

A ideia da imaginação como uma força criativa apresenta-se fortemente no funk ostentação.”

Por que os administradores dos shoppings, polícia, parte da mídia e clientela só conseguem enquadrar um grupo de jovens negros e pobres dentro de um shopping como “arrastão”? Há várias respostas possíveis. Pereira propõe uma bastante aguda: “Será que a classe média entende que os jovens estão ‘roubando’ o direito exclusivo de eles consumirem?”. Seria este o “roubo” imperdoável, que colocou as forças de repressão na porta dos shoppings, para impedir a entrada de garotos desarmados que queriam zoar, dar uns beijos e cobiçar seus objetos de desejo nas vitrines?

Para nos ajudar a pensar sobre os significados do rolezinho e do funk da ostentação, entrevisto Alexandre Barbosa Pereira nesta coluna. Professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), ele dedica-se a pesquisar as manifestações culturais das periferias paulistas. Em seu mestrado, percorreu o mundo da pichação. No doutorado, mergulhou nas escolas públicas para compreender o que é “zoar”. Desde 2012, pesquisa o funk da ostentação. Mesmo que os rolezinhos, pela força da repressão, se encerrem neste Natal, há muito que precisamos compreender sobre o que dizem seus protagonistas – e sobre o que a reação violenta contra eles diz da sociedade brasileira

– O rolezinho aparece ligado ao funk da ostentação. Em que medida há, de fato, essa ligação?

Alexandre Barbosa Pereira – O funk ostentação é uma releitura paulista do funk carioca, feita a partir da Baixada Santista e da Região Metropolitana de São Paulo, na qual as letras passam a ter a seguinte temática: dinheiro, grifes, carros, bebidas e mulheres. Não se fala mais diretamente de crime, drogas ou sexo. Os funkeiros dessa vertente começaram a produzir videoclipes inspirados na estética dos videocliples do gangsta rap estadunidense. Mas o mais curioso desse movimento é a virada que os jovens fazem ao mudar a pauta que, até então, era principalmente a criminalidade para o consumo. As músicas deixam de falar de crime para falar de produtos que eles querem consumir. Assim, ao invés de cantarem: “Rouba moto, rouba carro, bandido não anda à pé” (Bonde Sinistro), os funkeiros da vertente ostentação cantam: “Vida é ter um Hyundai e um hornet, dez mil para gastar, rolex, juliet. Melhores kits, vários investimentos. Ah como é bom ser o top do momento” (MC Danado). Deste modo, os MCs começaram a ter mais espaços para cantar em casas noturnas e passaram a produzir videoclipes cada vez mais elaborados, com mais de 20 milhões de acessos no YouTube, o que levou a um sucesso às margens da mídia tradicional. Alguns MCs chegaram a alcançar grande repercussão entre um segmento do público jovem, sem nunca ter aparecido na televisão. Vi meninas chorando por MCs em bailes, mesmo antes de o funk ostentação alcançar o destaque que conseguiu na grande mídia. Surgiram empresas especializadas na produção de clipes no estilo ostentação, como a Kondzilla e a Funk TV, claramente inspirados no gangsta rap, em que os jovens aparecem em carrões e motos, exibindo-se com roupas, dinheiro e mulheres. Uma reflexão interessante a se fazer é como a mídia tradicional, que antes execrava o chamado funk proibidão, que falava de crime, drogas e sexo abertamente, agora começa a elogiar o funk ostentação, denominando-o até como “funk do bem” e ressaltando a trajetória econômica e social ascendente dos MCs.

Pergunta. Fazendo um parêntese aqui, antes de chegar ao rolezinho, qual é o caminho para um jovem pobre ter acesso ao consumo de luxo, segundo o olhar do funk da ostentação? Esta virada que você mencionou…

Resposta. Primeiro que esse bem de luxo não é tão de luxo assim, afinal uma garrafa de uísque a 60 ou 80 Reais não é nenhum absurdo. É sempre possível comprar uma réplica daqueles óculos escuros que custam mais de mil reais. Nas casas noturnas de funk que observei, este era o preço. Pensemos num grupo de pelo menos quatro amigos dividindo o valor da compra. Não sai tão caro brincar de ostentar. Agora, tem os carros. Estes sim estão fora do alcance da maioria desses jovens. Mas aí há uma explicação interessante, que Montanha, um produtor e diretor de videoclipes da Funk TV, em Cidade Tiradentes, sabiamente me deu. Ele me disse que as novelas já vendiam uma vida de luxo há muito tempo, só que nelas os ricos eram os que pertenciam ao mundo de luxo. Nos videoclipes de funk ostentação, são os pobres que aparecem como um mundo de “riqueza” ou de “luxo”, com carros, mansões, roupas de marcas mais caras. Os jovens agora poderiam, segundo afirmou Montanha, ver-se como parte de um mundo de prestígio, daí a grande identificação. O crime pode ser um caminho para acessar esse mundo de luxo ou o que esses jovens entendem por um mundo de luxo, mas não é único. Esta é a lição que muitos MCs de funk têm tentando passar em suas falas na grande mídia. Eles de certa forma mostram um outro caminho, que, aliás, sempre esteve presente para esses jovens da periferia: tornar-se famoso pela música ou pelo futebol. Aliás, esses são caminhos que aparecem como os mais possíveis para os jovens negros e pobres das periferias do país imaginarem um futuro de sucesso. Num mundo em que há uma forte divisão entre trabalho intelectual e manual, com a extrema valorização do primeiro, o uso do corpo em formas lúdicas como meio de ganhar dinheiro mostra-se como opção para uma transformação da vida. “Crime, futebol, música, caralho, eu também não consegui fugir disso aí”, esse é o Negro Drama cantado pelos Racionais MC’s. Os MCs de funk ostentação estão tentando dizer que é possível construir uma vida de sucesso pela música. E o que era ficção, os videoclipes com carros importados emprestados ou alugados, com dinheiro cenográfico jogado para o ar, começa a tornar-se realidade. Muitos deles começam a ganhar uma quantidade razoável de dinheiro com os shows. Acho que a ideia da imaginação como uma força criativa apresenta-se fortemente no funk ostentação.

Será que a classe média entende que os jovens estão ‘roubando’ o direito exclusivo de eles consumirem? Direito que, por sua vez, vinha sendo roubado desses jovens pobres há muito tempo.”

Por outro lado, é preciso destacar que masculinidades pautadas pelo desejo de possuir um automóvel ou uma motocicleta não foram construídas pelo funk ostentação. Já existia há um tempo. Para os meninos da periferia, possuir um bom carro, bonito e potente, é uma das metas principais de vida. A posse do carro é, no imaginário desses jovens, mas também da população em geral, um indicativo de sucesso econômico e social, garantindo, consequentemente, sucesso com as mulheres.

Neste caldo cultural, o consumo é cada vez mais exaltado como espaço de afirmação e de reconhecimento para os jovens. É, inclusive, bastante complexa a forma como se dá a relação entre criminalidade e consumo no funk. Na virada que produziram, parece que há o recado de que essas duas ações sociais podem constituir dois lados de uma mesma moeda. Eles não deixam de falar do crime. Acabam citando-o indiretamente, como nas músicas do MC Rodofilho, nas quais ele celebra: “Ai meu deus, como é bom ser vida loka!”. O importante é entender como o crime e o consumo são pautas constantes nas relações de sociabilidade dos jovens da periferia. Os mais pobres também querem que ipads, iphones e automóveis potentes façam parte de seu mundo social. Ainda preciso observar e refletir mais sobre isso, mas acho que tanto no caso do crime, como no do consumo temos que atentar mais para o modo como se dão as relações entre pessoas e coisas. Fico pensando que a busca de realização apenas pelo consumo envolve sentimentos e posturas extremas de um egoísmo hedonista e de um profundo desprezo pelos outros humanos. As mercadorias, ou as coisas almejadas, de certa forma têm conformado as subjetividades contemporâneas. E nessas novas subjetividades, pautadas pelo instantâneo e o instável, parece não haver muito espaço para a solidariedade. Há uma nova tendência na discussão antropológica afirmando que não podemos entender as coisas apenas como representação ou resultado do social. Precisamos pensar também em como as coisas fazem as pessoas e mesmo o social, como as coisas, ou as mercadorias mais desejadas hoje, motivam tanto um consumismo desenfreado, irracional e egoísta, quanto o ingresso de jovens na criminalidade. Sempre fico espantado quando vejo as imagens, em outros países, das pessoas correndo desesperadas para comprar um novo lançamento de smartphone, videogame ou tablet… Mas não só isso, tais coisas também motivam e determinam formas de estar, pensar, relacionar-se e sentir no mundo contemporâneo.

Penso muito nisso quando parte da classe média critica o consumo desses jovens, dizendo que apenas eles – da classe média que, supostamente, pagaria os impostos – têm direito a consumir, ou se relacionar com certos produtos. Será que, desse modo, a classe média entende que os jovens estão roubando o direito exclusivo de eles consumirem ou de se relacionarem com esses objetos de prestígio? Direito que, por sua vez, vinha sendo roubado desses jovens pobres há muito tempo?

Essa crítica pode vir inclusive de certa classe média mais intelectualizada e mesmo com ideias políticas progressistas, mas que acha que sabe o que é melhor para os pobres. Aí fazem a crítica, a partir dos seus ipads e iphones, ao que entendem como um consumo irracional dos mais pobres, que deveriam poupar ao invés de gastar com produtos que não seriam para o nível econômico deles. Enfim, tem aí um jogo de perde e ganha e também de busca de satisfações individuais que envolve o roubo do direito de alguns ao consumo, que é preciso aprofundar para entendermos melhor essas dinâmicas contemporâneas. Todos têm o direito a consumir o que quiserem hoje? E seria viável, hoje, todos consumirem em um alto padrão? Que implicações ambientais teríamos? E se não é sustentável ou viável que todos consumam em tamanha intensidade, por que incentivamos tal consumismo? Com isso, o que quero dizer é que não se pode pensar a relação entre crime e consumo apenas entre os pobres, mas creio que precisamos também olhar para as classes médias e altas e para os crimes que, historicamente, têm sido cometidos contra os mais pobres e o meio ambiente para proteger o consumo dos ricos.

P. É neste ponto que os rolezinhos aparecem e criam uma tensão das mais reveladoras neste Natal?

R. Os rolezinhos nos shoppings estão ligados diretamente a esse contexto. Não sei dizer como surgiram efetivamente, mas me parece que despontaram por essas novas associações que as redes sociais permitem fazer, de forma que uma brincadeira possa virar algo sério. De repente, uma convocatória feita na internet pode levar centenas de jovens a se encontrarem num shopping, local onde podem ter acesso a esses bens cantados nas músicas, ainda que apenas por acesso visual. Agora, o que é importante ressaltar é que não foram os rolezinhos nem o funk ostentação que criaram essa relação de fascinação com consumo. Esta já existia há muito tempo. Os Racionais, há mais de dez anos, já cantavam sobre isso, com afirmações como: “Você disse que era bom e a favela ouviu, lá também tem uísque, red bull, tênis nike e fuzil” ou “Fartura alegra o sofredor”

É importante perceber que os shoppings onde os rolezinhos ocorreram estão em regiões mais periféricas. Eles não têm ido aos templos maiores do consumo de luxo na cidade.”

P. Algumas análises relacionam os rolezinhos a uma ação afirmativa da juventude negra e pobre, a uma denúncia da opressão e a uma reivindicação de participação, neste caso no mundo do consumo. Como você analisaria este fenômeno tão novo?

R. Não me arriscaria a dizer que há um movimento político muito claro. Pode indiretamente constituir-se como uma ação afirmativa da juventude negra e pobre. Talvez a tensão que se criou com a criminalização desses jovens, durante os rolezinhos, possa levar a algum tipo de reflexão e ação política maior, mas é difícil prever. Em um livro intitulado Cidadania Insurgente, (o antropólogo americano) James Holston analisa o surgimento das periferias urbanas no Brasil, particularmente em São Paulo, apontando a discriminação contra certas espécies de cidadãos no Brasil. Esse autor mostra como, historicamente, as formulações de cidadania elaboradas pelos mais pobres se deram a partir de sua ocupação dos bairros nas periferias das grandes cidades. Noções e práticas próprias de cidadania que se produziram, ao mesmo tempo, por meio das experiências de tornar-se proprietário, de participar de movimentos sociais por melhorias dos bairros e de ingressar no mercado consumidor. Primeiro se ocupou os bairros, mesmo sem estrutura mínima. Depois, ocorreram as reivindicações pela legalização dos terrenos ocupados. E, enfim, vieram as lutas pela chegada da energia elétrica, saneamento básico e asfalto. Acho sempre muito interessante, em conversas com lideranças antigas dos bairros periféricos de São Paulo, observar que elas indicam a chegada do asfalto como o grande marco de transformação do bairro e a integração deste ao espaço urbano.

Encaro, portanto, ações como estas, dos rolezinhos, do ponto de vista dessa “cidadania insurgente”, referindo-se a associações de cidadãos que reivindicam um espaço para si e, assim, se contrapõem ao grande discurso hegemônico ou, se não se dissociam do discurso hegemônico, ao menos provocam ruídos nele. Trata-se de uma reivindicação por cidadania, participação política e direitos que, historicamente, foi feita na marra, pelos mais pobres, muitas vezes nas costuras entre o legal e o ilegal, e que começou com a própria ocupação dos bairros na periferia da cidade de São Paulo, como forma de habitar e sobreviver no mundo urbano. Essa cidadania não necessariamente se apresenta como resistência, mas pode também querer, em muitos casos, associar-se ao hegemônico, produzindo dissonâncias.

O que são o funk ostentação e os rolezinhos se não essa reivindicação dos jovens mais pobres por maior participação na vida social mais ampla pelo consumo? Estas ações culturais parecem situar-se nessa lógica, que não necessariamente se contrapõe ao hegemônico, na medida em que tenta se afirmar pelo consumo, mas provoca um desconforto, um ruído extremamente irritante para aqueles que se pautam por um discurso e uma prática de segregação dos que consideram como seus “outros”.

P. Como definir este desconforto? O que são os “outros” neste contexto? E que papel estes “outros” desempenham?

R. O desconforto em ver pobres ocupando um lugar em que não deveriam estar, como o de consumidores de certos produtos que deveriam ser mais exclusivos. É um tipo de espanto, que indaga: “Como eles, que não têm dinheiro, querem consumir produtos que não são para a posição social e econômica deles?”. Estes “outros” são os considerados “subalternos”. Podem ser funkeiros, pobres e pardos da periferia, mas podem ser também as empregadas domésticas, os motoboys, os pichadores, entre outros “outros”, que muitas vezes são utilizados como bode expiatório das frustrações de uma parcela considerável da classe média.

Há uma tendência de perceber os jovens pobres a partir de três perspectivas: a do bandido, a da vítima e a do herói.”

Os rolezinhos não são protestos contra o shopping ou o consumo, mas afirmações de: “Queremos estar no mundo do consumo, nos templos do consumo”. Entretanto, por serem jovens pobres de bairros periféricos, negros e pardos em sua maioria, e que ouvem um gênero musical considerado marginal, eles passam a ser vistos e classificados pela maioria dos segmentos da sociedade como bandidos ou marginais. Vamos pensar que, na própria concepção do shopping, não está prevista a presença desse público, ainda mais em grupo e fazendo barulho. Pergunto-me se fosse em um shopping mais nobre, com jovens brancos de classe média alta, vestidos como se espera que um jovem deste estrato social se vista, se a repercussão seria a mesma, se a criminalização seria a mesma. Talvez fosse considerado apenas um flash mob. Há uma tendência, por parcela considerável da classe média, da mídia e do poder público de perceber os jovens pobres a partir de três perspectivas, quase sempre exclusivistas: a do bandido, a da vítima e a do herói.

P. Como funcionam estas três perspectivas – bandido, vítima e herói?

R.  São muito mais formas de enquadrar esses jovens por aqueles que querem tutelá-los do que categorias assumidas pelos próprios jovens. Por isso, são contextuais. Dependendo da situação e dos atores sociais com quem dialogam, o jovem pode ser entendido a partir de uma dessas categorias. O pichador, por exemplo, é um agente que pode mobilizar todas essas classificações, dependendo do contexto e dos interlocutores: a polícia, a secretaria de cultura, os pesquisadores acadêmicos ou a ONG que quer salvar os jovens da periferia da violência. No caso do funk, por exemplo, já há comentários e mesmo textos de pessoas mais politizadas vendo os rolezinhos como uma ação afirmativa ou extremamente contestatória. Para estes, os protagonistas dos rolezinhos são vítimas que se tornaram heróis. Outros, como a polícia, a administração dos shoppings e a clientela, mas também seus vizinhos, que moram lá nos bairros pobres da periferia, enxergam neles principalmente vilões e mesmo bandidos.

Jovens como estes que estão nos rolezinhos não necessariamente aceitam se encaixar nesses rótulos, mas, em alguns casos, podem também se encaixar em todos eles ao mesmo tempo. Não se pode simplificar um fenômeno como este. Porém, se pensarmos esse movimento que surge principalmente com o hip hop, de valorizar a periferia como espaço político e de afirmação positiva, é possível ver, sim, ainda que em menor intensidade, uma certa ação política. De dizer: “Somos da quebrada e temos orgulho disso”. Um movimento de reversão do estigma em marca positiva.

P. Mas há, de fato, uma ação consciente, organizada, com um sentido político prévio? Ou o sentido está sendo construído a partir dos acontecimentos, o que é igualmente legítimo?

R. Olha, sinceramente, é difícil dizer se há um sentido político, direto, consciente e/ou explícito. Talvez por parte de alguns, mas pelo que vi nas redes sociais, não da maioria. Se o movimento persistir ou tomar outras formas, pode ser que tal sentido político fique mais forte. Por enquanto é difícil analisar esse ponto. O antropólogo (indiano) Arjun Appadurai analisa há algum tempo as mudanças que se processam no mundo por causa do avanço das tecnologias de comunicação e de transporte. Segundo este autor, as pessoas cada vez mais se deslocam no mundo atual, e não apenas fisicamente, mas também e talvez principalmente pela imaginação, por causa de meios de comunicação como a televisão e, mais recentemente, pela internet. Hoje é possível imaginar-se nos mais diferentes lugares do mundo, mas também em diferentes classes sociais. O que são os videoclipes de funk da ostentação que não imagens/imaginações que os jovens produzem sobre o que seria pertencer a outra classe social ou possuir melhores condições econômicas para o consumo?

O que são os videoclipes de funk ostentação que não imagens que os jovens produzem sobre o que seria pertencer a outra classe social?”

Essa imaginação, segundo esse autor, pode constituir-se como um projeto político compartilhado, mas pode também ser apenas uma fantasia, como algo individualista e egoísta, sem grandes potenciais políticos. Parece-me que o funk da ostentação em São Paulo e movimentos como o dos rolezinhos nos shoppings têm intensamente essas duas potências. Difícil saber se alguma delas irá prevalecer ou tornar-se hegemônica.

P. A escolha da música do MC Daleste, assassinado num show em Campinas, para o rolezinho promovido no Shopping Internacional de Guarulhos, pode ter um significado a mais?

R. A escolha da música do MC Daleste na entrada dos jovens no shopping de Guarulhos me pareceu bastante significativa, por vários motivos. Principalmente, porque a morte dele no palco, cantando funk, de certa forma construiu um marco para esse funk da ostentação. O seu assassinato acabou por dar ainda mais visibilidade a esta vertente do funk paulista. MC Daleste cantava proibidão antes e, assim, essa relação confusa entre crime e consumo manifesta-se de modo bastante forte no que o MC Daleste representa. Há no seu próprio nome artístico essa afirmação de um certo orgulho do lugar de onde vem e de ser da periferia, que tanto o funk quanto o hip hop expressam. Não é por acaso que ele é “Da Leste”. Lembremos que Guarulhos também está à leste da Região Metropolitana de São Paulo.

P. Hoje, uma parte significativa da geração que se criou nas periferias com movimentos contestatórios como o hip hop e a literatura periférica ou marginal tem, pelo funk da ostentação, assumido os valores de consumo das classes médias e alta. Como você analisa este fenômeno e o insere no contexto histórico atual do Brasil?

R. O que um evento como esse parece evidenciar é, por um lado, esse anseio por consumir e por afirmar-se pelo consumo que esses jovens vêm demonstrando já há algum tempo, pelas letras dos funks, mas que também já é visto no hip hop. Apesar das críticas de certos segmentos do hip hop, não sei se o funk ostentação rompe com o hip hop mais politizado dos anos 1980 e 1990 ou se oferece uma das muitas possíveis continuidades a esse movimento cultural. Parece-me que o funk ostentação é uma releitura paulista, muito influenciada pelo hip hop, do funk carioca. Muitos MCs de funk eram MCs de hip hop, muitos deles, além dos funks, cantam também raps, e músicas dos Racionais são ouvidas nos shows. Trechos de letras de músicas dos Racionais podem ser encontrados facilmente nas letras do funk. Agora, o fato é que o funk não é tão marcado pela questão política como o hip hop. O Montanha, de Cidade Tiradentes, disse-me algo interessante, certa vez, de que, na verdade, o hip hop ofereceria um espaço de expressão política que faltava aos jovens, já o funk é um espaço de lazer e de sociabilidade. Parece-me uma reflexão interessante. Não que o hip hop não possa conter lazer e sociabilidade também, nem o funk, protesto político, mas que as duas vertentes tendem para um dos polos. O funk, aliás, ganhou esse grande espaço junto aos jovens das periferias de São Paulo porque, nessa articulação de um espaço de lazer, configurou-se um espaço para as mulheres que, no hip hop, era mais difícil. As mulheres são presença fundamental nos bailes funks. O protagonismo da dança sempre foi delas. Ainda que os meninos também dancem e as meninas participem cada vez mais como MCs. O hip hop sempre foi muito mais masculino, da dança ao estilo de se vestir.

P. Mas qual é a diferença, na sua opinião, entre a forma como, por exemplo, os Racionais falam em consumo e os MCs da ostentação falam de consumo?

Devemos questionar não a ação dos meninos, mas as relações sociais fomentadas na contemporaneidade que se pautam cada vez mais pela busca do reconhecimento pelo consumo, pela posse de bens.”

R. Há aí duas perspectivas. Quando digo que os Racionais já cantavam isso, quero dizer que eles já identificavam essa necessidade de consumir da juventude. E de consumir o que eles achavam que era bom, nada de consumo consciente. Por isso digo que os Racionais já faziam, há mais de dez anos, uma leitura desse anseio por consumir dos jovens pobres. Por outro lado, há essa dimensão de movimentos como o dos escritores da periferia, promovendo produtos da periferia, pela periferia. O funk ostentação começa sem se preocupar com essa questão diretamente. Ele não tem dor na consciência por cantar o consumo em suas músicas e aderir ao sistema, por exemplo. Porém, indiretamente, se acaba chegando a um outro ponto, na medida em que uma parcela considerável de jovens da periferia passa a possuir algum tipo de renda com a produção do funk. Sejam os meninos que gravam os videoclipes, os próprios MCs, mas também empresários, produtores, técnicos e mesmo alguns MCs tornando-se empreendedores e criando seus próprios negócios. Como o MC Nego Blue, que observando de perto o sucesso das roupas de grife entre os jovens, criou a Black Blue, uma loja de roupas cujo símbolo é uma carpa colorida. Hoje, além de possuir lojas próprias, já vende suas roupas em lojas multimarcas, ao lado de camisas da Lacoste ou de outras marcas famosas que os meninos procuram, e por um preço muito parecido. Uma das empresas que agencia shows de funk em Cidade Tiradentes chama-se justamente “Nóis por nóis”.

Os rolezinhos parecem dizer: não apenas queremos consumir, mas queremos ocupar em massa e se divertir aí nos seus shoppings, nos seus ou nos nossos. É importante perceber também que os shoppings onde os eventos ocorreram estão em regiões mais periféricas, provavelmente próximos ao próprio bairro de moradia dos jovens. Por enquanto, eles não têm ido aos templos maiores do consumo de luxo na cidade, na região dos Jardins, Faria Lima, Marginal Pinheiros etc. Pode haver aí também um componente de um termo que surgiu muito forte para mim na pesquisa que fiz em escolas de ensino médio, no meu doutorado, que é a ideia do “zoar”. Eles querem zoar, que é chamar a atenção para si e se divertir, namorar, brincar e, se for preciso, brigar.

P. Por que, neste momento, o lazer se impõe como uma reivindicação desta geração, acima de questões como saúde, educação e transporte de qualidade?

R. Acho que não há uma reivindicação política bem formuladinha como acontecia com o hip hop: queremos mais saúde, educação e lazer. Eles simplesmente querem estar nos shoppings para zoar e vão. Não há essa reflexão mais elaborada que o hip hop produz, é mais espontâneo. Esse talvez possa ser um ponto de distinção. E o próprio funk é, por si só, lazer e diversão, um dispositivo poderosíssimo para dançar e motivar paqueras. O zoar pode ser lido como um ato político, mas não me parece intencional. Acho que cria uma tensão que é política, que é de disputa de poder pelos espaços da cidade, mas não há um manifesto pela zoeira ou pelos rolezinhos, como houve, por exemplo, no caso do manifesto da arte periférica dos escritores.

P. Há também um movimento maior para sair dos guetos e ocupar os guetos da classe média? Em massa e não mais individualmente, como quando um grupo de rap aparecia numa TV, mesmo sendo a MTV, ou um escritor do movimento literário marginal ou periférico publicava numa grande editora? Esta é uma novidade importante?

R. Acho que abre, sim, para fora do gueto, do bairro onde se vive, mas não para muito longe, pois, afinal, os shoppings para os quais eles vão estão do lado de suas casas. Neste sentido, acho que o hip hop, apesar de falar mais do gueto, abre-se muito mais para fora do gueto, na medida em que conquista um espaço importante nas políticas públicas de cultura, por exemplo.

É como se a sociedade dissesse: ‘Vocês, pobres, podem consumir, mas ir ao shopping em grandes grupos, só para zoar e cantar funk, aí já é vandalismo’.”

Claro que esse espaço de lazer é problemático e conflitivo mesmo dentro dos bairros das periferias onde moram esses jovens. Se entrevistarmos os seus vizinhos, certamente a maioria vai se posicionar totalmente favorável à proibição das festas de rua que eles organizam, com som alto que muitas vezes toma a madrugada toda. Por isso, acho importante não tomar o funk nem como um movimento libertador, nem como o grande vilão ou o grande movimento de corrupção da juventude contemporânea, como setores mais moralistas, à esquerda e à direita, tendem a fazer.

A questão do consumo também me parece problemática. O desejo pelo consumo sempre existiu. Bem antes do governo Lula, o processo de urbanização induz a esse apego maior ao consumo. Porém, não dá para se negar que houve, nos últimos anos, também uma melhora econômica para segmentos que antes estavam bastante afastados do mercado. Porém, acho que reduzir o sucesso do funk da ostentação a isso é simplificar demais o movimento e esquecer que ocorreram e ocorrem movimentos juvenis parecidos em outras partes do mundo, como o próprio gangsta rap, nos Estados Unidos, no qual os videoclipes se inspiram.

Devemos questionar não a ação dos meninos, mas as relações sociais fomentadas na contemporaneidade. É preciso conceder aos jovens, e não apenas aos pobres, mas aos de classe média e alta também, outros espaços de reconhecimento e de estabelecimento de relações sociais que não sejam pautados pela afirmação por meio da posse e do consumo de bens. Porque, afinal, como dizem os Racionais, mais uma vez: “Quem não quer brilhar, quem não? Mostra quem. Ninguém quer ser coadjuvante de ninguém”. De repente, para alguns, ter um tênis caro, um smartphone de última geração ou ir ao shopping para zoar, pode ser uma forma encontrada para tentar brilhar.

P. Ao ocupar os shoppings, os adeptos do funk da ostentação estariam promovendo sua primeira atitude de insurgência contra o sistema, no sentido de: “Vou ocupar o espaço que me é negado ou onde não me querem”. É isso? Ou as próprias letras das músicas, interpretadas, em geral, como adesão ao sistema, já seriam, de fato, uma insurgência, na medida que se apropriam, simbolicamente, dos valores da elite e da classe média e, agora, com os rolezinhos, também de seus espaços físicos?

R. Sim, acho que essa é a maior irritação da classe média com esses movimentos. Basta ver os comentários aos videoclipes no YouTube, irritados com os meninos ostentando e exibindo-se com produtos mais caros, que não deveriam estar com aqueles meninos, pobre e negros, em sua maioria. Esta é a principal insurgência que eles provocam. A classe média, de uma maneira geral, a mais pobre ou a mais rica, a mais ou menos intelectualizada, irrita-se bastante quando os subalternos compram bens caros, mesmo antes deles. Já ouvi comentários indignados, do tipo: “Minha empregada comprou uma televisão de última geração, melhor do que a minha”. Isso tem antecedentes históricos que parecem refletir até hoje. James Holston, ainda no livro sobre cidadania insurgente, que citei anteriormente, traz como exemplo a legislação colonial portuguesa, que proibia aos negros o uso de joias e artigos considerados finos…

P. Parece que os “rolezeiros” dos shoppings estão ocupando o mesmo lugar simbólico dos “vândalos” nas manifestações, na narrativa feita por parte da grande mídia e pelas autoridades instituídas. Como você interpreta essa reação?

Os comentários em sites e redes sociais revelam esse profundo racismo entranhado em parcela considerável da população brasileira.”

R. O que me assustou de verdade nessa história toda foram as reações, de mídia e de polícia, condenando e mandando prender, mesmo em casos em que disseram que não houve arrastões, mas correrias. Fico questionando quem provocou a correria: os jovens ou a ação dos seguranças e da polícia? Eventos como estes revelam também uma faceta complicada e extremamente preconceituosa da classe média brasileira. Dei uma entrevista curta para o site de um grande grupo de comunicação e fiquei assustado ao ler os comentários dos leitores, de um ódio terrível contras os meninos e meninas que foram aos shoppings, contra os pobres, contra mim, que tive uma fala dissonante na entrevista, ressaltando a forma preconceituosa com que tal tema vinha sendo tratado. Ao falarem do evento, algumas palavras utilizadas como categorias de acusação contra os jovens e as jovens foram bastante reveladoras do preconceito, e mesmo do racismo, deste segmento social: “favelados”, “maloqueiros”, “bandidos”, “prostitutas” e “negros”. Nesse último caso, inclusive, fica evidente o racismo que aparece em muitos comentários dessa notícia, mas também nas comunidades dos rolezinhos que os jovens criaram nas redes sociais. Um dos comentários pede para que os jovens voltem para a África. Isso é muito grave. Revela esse profundo racismo entranhado em parcela considerável da população. Como se tal sociedade dissesse, por meio dos representantes dos shoppings, da mídia e da polícia, brincando um pouco com a questão das manifestações de junho: “Vocês, pobres, podem consumir, mas ir ao shopping em grandes grupos, só para zoar e cantar funk, aí já é vandalismo”.

P. A classe média é racista?

R. O que chamamos de classe média não é um todo homogêneo. É possível segmentá-la em diferentes níveis e a partir de diferentes contextos, é possível pensar em uma classe média intelectualizada ou não intelectualizada. Contudo, parece-me que a divisão mais importante para se pensar a classe média em São Paulo é a que se dá por critérios socioeconômicos e espaciais. Há a classe média que está concentrada principalmente no entorno do eixo central, que vai do Centro a Pinheiros, passando pela Avenida Paulista e bairros próximos. Esta, em sua maioria, vive numa bolha e tem poucos contatos com outras classes sociais, com exceção dos trabalhadores subalternos: porteiros, empregadas domésticas etc. Para esta, em grande medida, o Shopping Itaquera pode estar mais distante do que Paris ou Londres.

Porém, há também certa classe média baixa que vive na periferia. Citando novamente o Holston, ele fala de uma diferenciação que se produziu nas periferias de São Paulo entre aqueles que compraram seus terrenos, ainda que por meio de contratos obscuros, e aqueles que ocuparam os espaços da cidade, formando as favelas. Essa pequena diferença não cria um grande abismo econômico, mas produz uma profunda diferenciação, por meio do qual um grupo estigmatiza o outro. Já vi um indivíduo desta classe média da periferia questionando programas como o bolsa família, porque tinha visto potes vazios de iogurte no lixo da favela. Este indivíduo afirmava que nem ele consumia iogurte com tanta frequência, como eles se davam ao direito de consumir tal produto, que era um luxo, raro, mas sobre o qual ele detinha certa exclusividade?

A questão do auxílio aos mais pobres, principalmente o bolsa família, é um forte fator de estigmatização por parte desses diferentes segmentos da classe média, mas principalmente por parte dessa classe média da periferia. Estive, recentemente, em uma escola pública próxima a uma grande favela de São Paulo. Segundo os professores, um dos problemas daquela escola era o fato de que 90% dos alunos vinham da favela vizinha. E que, hoje, esses alunos estavam muito acomodados, pois viviam de bolsas e na favela tinham tudo muito fácil, com a grande quantidade de projetos presentes por lá. Inclusive, projetos de música, ressaltou um professor. É muito importante refletir sobre isso, porque esses professores, se não moram na favela, são vizinhos dela. Mas, ainda assim, permitem-se diferenciar-se dos jovens por questões muito pequenas. E são estes professores os responsáveis por formar esses jovens. Será que, com este olhar, são capazes de lutar para que a escola se torne um espaço de convivência, afirmação e reconhecimento para os jovens?

P. Como você, que tem acompanhado o cotidiano de escolas públicas, em São Paulo, percebe a educação?

Para uma parcela da classe média de São Paulo, o Shopping Itaquera pode estar mais distante do que Paris ou Londres.”

R. É necessário pensarmos em uma educação para as diferenças, para que não caiamos mais na armadilha da intolerância e das análises apressadas e preconceituosas de setores das elites e das camadas médias, ao se referirem aos “subalternos”. Lembro-me de um documentário português, que vale a pena ser assistido, sobre a história de um arrastão que não existiu. Chama-se: “Era uma vez um arrastão” (assista aqui). Nele, conta-se do dia em que jovens caboverdianos ou descendentes de caboverdianos resolveram frequentar a nobre praia de Carcavelos, em Portugal. A polícia, ao ver a concentração de jovens de origem africana, assustou-se e resolveu intervir, provocando uma grande correria, que foi noticiada como arrastão. Mas, de fato, os jovens fugiam da repressão policial gratuita. Isso talvez nos ensine algo sobre os arrastões que estamos a criar todo dia, criminalizando jovens pobres cotidianamente.

Quando estive pesquisando em escolas públicas da periferia de São Paulo, era comum ouvir dos professores que, naquela escola, os alunos eram todos bandidos ou marginais. O discurso da criminalização é efetivo e poderoso e condena muita gente ao fracasso escolar e mesmo ao crime. O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, num livro sobre educação e juventude, ressalta a necessidade cada vez mais premente, na contemporaneidade, de desenvolvermos a arte de conviver com os estranhos e a diferença. Em especial num mundo no qual as migrações tendem a aumentar cada vez mais. No nosso caso, não foi preciso a chegada de estrangeiros para a expressão das mais brutais formas de preconceito, pois os estrangeiros éramos nós, os brasileiros. Mas brasileiros que moram muito, muito distante, ainda que vizinhos. Moram em Guaianazes, Capão Redondo, Grajaú, Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Vila Brasilândia…

P. Em que medida, na sua opinião, os rolezinhos se ligam às manifestações de junho?

R. Acho que não há uma ligação direta. Mas, indiretamente, é possível perceber a reivindicação comum do uso do espaço público e de quebra das marcas da segregação. Lembro-me que, antes das manifestações de junho, para a imprensa conservadora era um tabu ocupar a Avenida Paulista. Os movimentos sociais mostraram que não apenas não era um tabu, como era um direito, o direito de ir às ruas e ocupá-las para protestar. Os rolezinhos não parecem ter uma pauta tão clara, mas também estão, ainda que indiretamente, dizendo: “Vocês não disseram que era bom consumir? Pois bem, nós também queremos!”

P. Essa ocupação de espaços que supostamente pertenceriam a “outros”, tanto no caso das manifestações como no caso dos rolezinhos, parece marcar uma novidade importante. O que está acontecendo?

R.  Acho que a novidade está aí, mas é difícil dizer o que está acontecendo ou o que acontecerá. Pode ser apenas um surto – algo parecido com o que foi a revolta da vacina como reação às propostas políticas opressoras de reforma sanitária do Rio de Janeiro, por exemplo – ou pode ser uma nova forma de pensar os espaços públicos e privados nas cidades brasileiras. Porém, é difícil prever. Os rolezinhos podem ter acabado nesta semana, por exemplo. E movimentos como os de junho não se repetiram com tanta intensidade e repercussão. Contudo, o que movimentos como estes garantem é a possibilidade de se tensionar essa ocupação dos espaços urbanos, amplamente negada até então.

Aqui não foi preciso a chegada de estrangeiros para a expressão das mais brutais formas de preconceito, pois os estrangeiros éramos nós, os brasileiros que moram em Guaianazes, Capão Redondo, Grajaú, Cidade Ademar, Cidade Tiradentes, Vila Brasilândia…”

P. Por que este nome, rolezinho? E que significados ele contém?

R. Rolezinho é um termo que está diretamente ligado à ideia de lazer. De sair para se divertir e usufruir da cidade. Os pichadores, com os quais realizei pesquisa no mestrado, também usam a ideia de rolê, para se referirem às suas pichações. Com isso estão dizendo que pichar é dar voltas para conhecer e se apropriar da cidade. Parece que, por este termo, indiretamente, podemos entender uma reivindicação pelo direito de se divertir na cidade.

P. Divertir-se na cidade não seria um ato de insubordinação para jovens pobres e negros? Talvez até o maior ato de insubordinação?

R. Sim, principalmente numa sociedade em que pobres e negros têm que trabalhar – e apenas trabalhar – sem reclamar. Lembremos de que a ROTA, no final do regime militar, atuava nas periferias abordando os moradores e cobrando-lhes a carteira profissional como prova de que eram trabalhadores e não vagabundos. Devotados, portanto, ao trabalho e não à diversão. Agora, claro que esses jovens não estão pensando exatamente nisso. Querem muito mais é se divertir.

P. Como entender este fenômeno, que é, ao mesmo tempo, uma insubordinação e uma adesão ao sistema?

R.  Acho que a melhor palavra é paradoxo. O funk da ostentação em São Paulo é paradoxal: não dá para situá-lo num polo ou noutro, dentro do modo tradicional de pensar a política. Conservador ou revolucionário? Nenhum dos dois, mas com possibilidade para os dois ao mesmo tempo.


Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua e A Menina Quebrada e do romance Uma Duas.

Noam Chomsky: What Is the Common Good? (Truthout)

Tuesday, 07 January 2014 10:41

By Noam ChomskyTruthout | Op-Ed

 (Image: <a href="http://www.flickr.com/photos/truthout/4521676743/in/set-72157628843920995" target="_blank"> Jared Rodriguez / t r u t h o u t; Adapted: Brian Hillegas, Reigh LeBlanc, abrinsky</a>)(Image: Jared Rodriguez / t r u t h o u t; Adapted: Brian Hillegas, Reigh LeBlanc, abrinsky)

This article is adapted from a Dewey Lecture by Noam Chomsky at Columbia University in New York on Dec. 6, 2013.

Humans are social beings, and the kind of creature that a person becomes depends crucially on the social, cultural and institutional circumstances of his life.

We are therefore led to inquire into the social arrangements that are conducive to people’s rights and welfare, and to fulfilling their just aspirations – in brief, the common good.

For perspective I’d like to invoke what seem to me virtual truisms. They relate to an interesting category of ethical principles: those that are not only universal, in that they are virtually always professed, but also doubly universal, in that at the same time they are almost universally rejected in practice.

These range from very general principles, such as the truism that we should apply to ourselves the same standards we do to others (if not harsher ones), to more specific doctrines, such as a dedication to promoting democracy and human rights, which is proclaimed almost universally, even by the worst monsters – though the actual record is grim, across the spectrum.

A good place to start is with John Stuart Mill’s classic “On Liberty.” Its epigraph formulates “The grand, leading principle, towards which every argument unfolded in these pages directly converges: the absolute and essential importance of human development in its richest diversity.”

The words are quoted from Wilhelm von Humboldt, a founder of classical liberalism. It follows that institutions that constrain such development are illegitimate, unless they can somehow justify themselves.

Concern for the common good should impel us to find ways to cultivate human development in its richest diversity.

Adam Smith, another Enlightenment thinker with similar views, felt that it shouldn’t be too difficult to institute humane policies. In his “Theory of Moral Sentiments” he observed that “How selfish soever man may be supposed, there are evidently some principles in his nature, which interest him in the fortune of others, and render their happiness necessary to him, though he derives nothing from it except the pleasure of seeing it.”

Smith acknowledges the power of what he calls the “vile maxim of the masters of mankind”: “All for ourselves, and nothing for other people.” But the more benign “original passions of human nature” might compensate for that pathology.

Classical liberalism shipwrecked on the shoals of capitalism, but its humanistic commitments and aspirations didn’t die. Rudolf Rocker, a 20th-century anarchist thinker and activist, reiterated similar ideas.

Rocker described what he calls “a definite trend in the historic development of mankind” that strives for “the free unhindered unfolding of all the individual and social forces in life.”

Rocker was outlining an anarchist tradition culminating in anarcho-syndicalism – in European terms, a variety of “libertarian socialism.”

This brand of socialism, he held, doesn’t depict “a fixed, self-enclosed social system” with a definite answer to all the multifarious questions and problems of human life, but rather a trend in human development that strives to attain Enlightenment ideals.

So understood, anarchism is part of a broader range of libertarian socialist thought and action that includes the practical achievements of revolutionary Spain in 1936; reaches further to worker-owned enterprises spreading today in the American rust belt, in northern Mexico, in Egypt, and many other countries, most extensively in the Basque country in Spain; and encompasses the many cooperative movements around the world and a good part of feminist and civil and human rights initiatives.

This broad tendency in human development seeks to identify structures of hierarchy, authority and domination that constrain human development, and then subject them to a very reasonable challenge: Justify yourself.

If these structures can’t meet that challenge, they should be dismantled – and, anarchists believe, “refashioned from below,” as commentator Nathan Schneider observes.

In part this sounds like truism: Why should anyone defend illegitimate structures and institutions? But truisms at least have the merit of being true, which distinguishes them from a good deal of political discourse. And I think they provide useful stepping stones to finding the common good.

For Rocker, “the problem that is set for our time is that of freeing man from the curse of economic exploitation and political and social enslavement.”

It should be noted that the American brand of libertarianism differs sharply from the libertarian tradition, accepting and indeed advocating the subordination of working people to the masters of the economy, and the subjection of everyone to the restrictive discipline and destructive features of markets.

Anarchism is, famously, opposed to the state, while advocating “planned administration of things in the interest of the community,” in Rocker’s words; and beyond that, wide-ranging federations of self-governing communities and workplaces.

Today, anarchists dedicated to these goals often support state power to protect people, society and the earth itself from the ravages of concentrated private capital. That’s no contradiction. People live and suffer and endure in the existing society. Available means should be used to safeguard and benefit them, even if a long-term goal is to construct preferable alternatives.

In the Brazilian rural workers movement, they speak of “widening the floors of the cage” – the cage of existing coercive institutions that can be widened by popular struggle – as has happened effectively over many years.

We can extend the image to think of the cage of state institutions as a protection from the savage beasts roaming outside: the predatory, state-supported capitalist institutions dedicated in principle to private gain, power and domination, with community and people’s interest at most a footnote, revered in rhetoric but dismissed in practice as a matter of principle and even law.

Much of the most respected work in academic political science compares public attitudes and government policy. In “Affluence and Influence: Economic Inequality and Political Power in America,” the Princeton scholar Martin Gilens reveals that the majority of the U.S. population is effectively disenfranchised.

About 70 percent of the population, at the lower end of the wealth/income scale, has no influence on policy, Gilens concludes. Moving up the scale, influence slowly increases. At the very top are those who pretty much determine policy, by means that aren’t obscure. The resulting system is not democracy but plutocracy.

Or perhaps, a little more kindly, it’s what legal scholar Conor Gearty calls “neo-democracy,” a partner to neoliberalism – a system in which liberty is enjoyed by the few, and security in its fullest sense is available only to the elite, but within a system of more general formal rights.

In contrast, as Rocker writes, a truly democratic system would achieve the character of “an alliance of free groups of men and women based on cooperative labor and a planned administration of things in the interest of the community.”

No one took the American philosopher John Dewey to be an anarchist. But consider his ideas. He recognized that “Power today resides in control of the means of production, exchange, publicity, transportation and communication. Whoever owns them rules the life of the country,” even if democratic forms remain. Until those institutions are in the hands of the public, politics will remain “the shadow cast on society by big business,” much as is seen today.

These ideas lead very naturally to a vision of society based on workers’ control of productive institutions, as envisioned by 19th century thinkers, notably Karl Marx but also – less familiar – John Stuart Mill.

Mill wrote, “The form of association, however, which if mankind continue to improve, must be expected to predominate, is . the association of the labourers themselves on terms of equality, collectively owning the capital with which they carry on their operations, and working under managers electable and removable by themselves.”

The Founding Fathers of the United States were well aware of the hazards of democracy. In the Constitutional Convention debates, the main framer, James Madison, warned of these hazards.

Naturally taking England as his model, Madison observed that “In England, at this day, if elections were open to all classes of people, the property of landed proprietors would be insecure. An agrarian law would soon take place,” undermining the right to property.

The basic problem that Madison foresaw in “framing a system which we wish to last for ages” was to ensure that the actual rulers will be the wealthy minority so as “to secure the rights of property agst. the danger from an equality & universality of suffrage, vesting compleat power over property in hands without a share in it.”

Scholarship generally agrees with the Brown University scholar Gordon S. Wood’s assessment that “The Constitution was intrinsically an aristocratic document designed to check the democratic tendencies of the period.”

Long before Madison, Artistotle, in his “Politics,” recognized the same problem with democracy.

Reviewing a variety of political systems, Aristotle concluded that this system was the best – or perhaps the least bad – form of government. But he recognized a flaw: The great mass of the poor could use their voting power to take the property of the rich, which would be unfair.

Madison and Aristotle arrived at opposite solutions: Aristotle advised reducing inequality, by what we would regard as welfare state measures. Madison felt that the answer was to reduce democracy.

In his last years, Thomas Jefferson, the man who drafted the United States’ Declaration of Independence, captured the essential nature of the conflict, which has far from ended. Jefferson had serious concerns about the quality and fate of the democratic experiment. He distinguished between “aristocrats and democrats.”

The aristocrats are “those who fear and distrust the people, and wish to draw all powers from them into the hands of the higher classes.”

The democrats, in contrast, “identify with the people, have confidence in them, cherish and consider them as the most honest and safe, although not the most wise depository of the public interest.”

Today the successors to Jefferson’s “aristocrats” might argue about who should play the guiding role: technocratic and policy-oriented intellectuals, or bankers and corporate executives.

It is this political guardianship that the genuine libertarian tradition seeks to dismantle and reconstruct from below, while also changing industry, as Dewey put it, “from a feudalistic to a democratic social order” based on workers’ control, respecting the dignity of the producer as a genuine person, not a tool in the hands of others.

Like Karl Marx’s Old Mole – “our old friend, our old mole, who knows so well how to work underground, then suddenly to emerge” – the libertarian tradition is always burrowing close to the surface, always ready to peek through, sometimes in surprising and unexpected ways, seeking to bring about what seems to me to be a reasonable approximation to the common good.

© 2014 Noam Chomsky
Distributed by The New York Times Syndicate

Eduardo Viveiros de Castro: ‘O capitalismo sustentável é uma contradição em seus termos’ (IHU On-Line/Envolverde)

07/1/2014 – 12h23

por Julia Magalhães*

Crítico feroz do neoliberalismo, de seus ícones e verdades, de suas políticas de “crescimento” que destroem a natureza, do consumo que empobrece as vidas, do Estado que as administra (não sem constrangimentos) e da esquerda (conservadora e antropocêntrica). “A felicidade, diz, tem muitos outros caminhos”.

Enquanto esperamos que a Tinta Limón Ediciones termine a edição (mais ou menos alterada) do livro de entrevistas com Eduardo Viveiros de Castro, o sítio Lobo Suelto! convida à leitura da última – muito transcendental – conversa com o antropólogo brasileiro.

Confira a entrevista:

viveiros2 300x186 ‘O capitalismo sustentável é uma contradição em seus termos’

Eduardo Viveiros de Castro

Qual é a sua percepção acerca da participação política da sociedade brasileira?

Prefiro começar com uma “des-generalização”: vejo a sociedade brasileira profundamente dividida em relação à visão sobre o país e seu futuro. A ideia de que existe “um” Brasil – no sentido de que as ideias de “unidade” e “brasilidade” não são triviais – parece uma ilusão politicamente conveniente (para os setores dominantes), mas antropologicamente equivocada. Há, pelo menos, dois ou muito mais “Brasis”.

O conceito geopolítico de Estado-Nação unificado não é descritivo, mas normativo. Há rachaduras profundas na sociedade brasileira. Há setores da população com uma vocação conservadora enorme, que não necessariamente compreendem uma classe específica, apesar de que as chamadas “classes médias”, ascendentes ou descendentes, estão bem representadas aqui. Grande parte da chamada “sociedade brasileira” – temo que seja a maioria – se sentiria muito satisfeita com um regime autoritário, especialmente se conduzido midiaticamente por uma autoridade paternal de personalidade forte. Mas, esta é uma das coisas que a minoria liberal que existe no país – e, inclusive, é uma certa minoria “progressista” – prefere manter-se envolta em um silêncio constrangedor. Repete-se o tempo todo, e para qualquer propósito, que o povo brasileiro é democrático, “cordial” e amante da liberdade e da fraternidade, o que é uma ilusão muito perigosa.

É assim que vejo a “participação política do povo brasileiro”: como a de um povo fragmentado, dividido, polarizado. Uma polarização que não necessariamente condiz com as divisões políticas (partidos oficiais etc.). O Brasil segue como uma sociedade visceralmente escravocrata, obstinadamente racista e moralmente covarde. Enquanto não nos darmos conta deste inconsciente, não iremos “em frente”.

Em outras ocasiões, fui claro: insurreições esporádicas e uma certa indiferença pragmática em relação aos poderes constituídos é o que se evidencia entre os mais pobres – ou os mais alheios ao drama montado pelos setores de cima, na escala social – que inspiram modestas utopias e moderado otimismo por parte daqueles que a história situou na confortável posição de “pensar o Brasil”. Nós, em suma.

O que é necessário para mudar isto?

Falar, resistir, insistir, olhar além do imediato. E, obviamente, educar. Mas, não “educar o povo” (como se a elite fosse muito educada e devesse – ou pudesse – conduzir o povo até um nível intelectual superior), mas criar as condições para que as pessoas se eduquem e acabem educando a elite – e, quem sabe, inclusive, se livrem dela.

O panorama da educação do Brasil é, hoje, o de um deserto. Um deserto! E não vejo nenhuma iniciativa consistente para tentar cultivar neste deserto. Pelo contrário, tenho pesadelos de conspirações, em que sonho que os projetos de poder não se interessam realmente em modificar o panorama da educação do Brasil; domesticar a força de trabalho – se é isto que está se tentando (ou planejando) – não é, de nenhuma maneira, o mesmo que educar.

Isto é apenas um pesadelo, obviamente. Não é assim, não pode ser assim… Espero que não seja assim. Mas o fato é que não se vê uma iniciativa para mudar a situação, considerando a espetacular abertura de dezenas de universidades sem a mínima infraestrutura física (para não falar de boas bibliotecas, um luxo quase impensável no Brasil), enquanto a escola secundária segue muito deficitária, com professores que ganham uma miséria, com as greves dos professores universitários reprimidas, como se fossem ladrões.

A “falta” de educação – que é uma forma de instrução muito particular e perversa, imposta de cima para baixo – é talvez o principal fator responsável pelo conservadorismo reacionário de grande parte da sociedade brasileira. Por fim, é urgente uma reforma radical da educação brasileira.

Em “A floresta e a escola”, Oswald de Andrade sonhava. Infelizmente, parece que já deixamos de ter uma e ainda não temos a outra. Pois, sem escola, já não cresce a floresta.

Por onde se começa a reforma da educação?

Começa-se de baixo, é claro, a partir da escola primária. A educação pública deveria ter uma política unificada, orientada a partir de uma – com perdão da expressão – “revolução cultural”. Ela não será alcançada através da redistribuição da renda (ou melhor, com o aumento da quantidade de migalhas que caem da mesa dos ricos) apenas para comprar um televisor e para assistir ao BBB, e ver a mesma merda. Não é assim que se redistribui a cultura, a educação, a ciência e a sabedoria. Deve-se oferecer ao povo as condições de fazer cultura ao invés de consumir aquela produzida “para” eles.

Está havendo uma melhora nos níveis de vida dos mais pobres, e talvez também nos da velha classe média. Uma melhora que vai durar todo o tempo em que a China continuar comprando do Brasil ao invés de comprar da África. Mas, apesar da melhora no chamado “nível de vida”, não vejo nenhuma melhora real na qualidade de vida, na vida cultural ou espiritual, se me permite usar essa palavra arcaica. Pelo contrário. Será que é necessário destruir as forças vivas, naturais e culturais das pessoas, do povo brasileiro de instrução, para construir uma sociedade economicamente mais justa? Duvido.

Neste cenário, atualmente, quais são os temas capazes de mobilizar a sociedade brasileira?

Vejo a “sociedade brasileira” magnetizada – ao menos em termos de sua auto-representação normativa, por parte dos meios de comunicação – por um patriotismo oco, uma espécie de besta orgulhosa, deslumbrada pela certeza de que, de uma vez por todas, o mundo se inclinou frente ao Brasil. Copa do Mundo, Jogos Olímpicos… Não vejo mobilização acerca de temas urgentíssimos, como poderiam ser o da educação e da redefinição da nossa relação com a terra, quer dizer, com o que há debaixo do território. Natureza e cultura, enfim, que agora se encontram, não apenas mediadas, midiatizadas pelo mercado, mas mediocrizadas por ele. O Estado se uniu ao Mercado contra a natureza e a cultura.

E estas questões não mobilizam?

Existe certa preocupação da opinião pública por questões ambientais, um pouco mais do que em relação às questões da educação, o que não deixa de ser algo para se lamentar, pois as duas vão juntas. Contudo, tudo me parece “too little, too late”: muito pouco e muito tarde. Está se demorando tempo demais para difundir a consciência ambiental. Uma conscientização que o planeta requer, com absoluta urgência, de todos nós. E esta inércia se traduz na escassa pressão sobre os governos, corporações e empresas que apenas investem nesse conto chinês do “capitalismo verde”. Em particular, evidencia-se muito pouca pressão sobre as grandes empresas, sempre distraídas e incompetentes quando se trata do problema da mudança climática.

Não se vê a sociedade realmente mobilizada, por exemplo, por Belo Monte, uma monstruosidade provada e comprovada, mas que conta com o apoio desinformado (é o que se deduz) de uma parte significativa da população do sul e do sudeste, para onde irá a maior parte da energia que não for vendida – a um preço extremamente barato – para multinacionais de alumínio fazerem latas de saquê – no baixo Amazonas – para o mercado asiático.

Necessitamos de um discurso político mais agressivo em relação às questões ambientais. É necessário, sobretudo, falar com as pessoas, chamar a atenção a respeito de que o saneamento básico é um problema ambiental, de que a dengue é um problema ambiental. Não se pode separar a dengue do desmatamento e do saneamento. Temos que convencer os mais pobres de que melhorar as condições ambientais é assegurar as condições de existência das pessoas.

No entanto, a esquerda tradicional, como está sendo demonstrado, apresenta-se completamente inútil para articular um discurso sobre os temas ambientais. Quando suas cabeças mais pensantes falam, parece haver a sensação de estar “indo para trás”, tratando desastradamente de capturar e de reduzir um tema novo ao já conhecido, um problema muito real que não está em seu DNA ideológico e filosófico. Mesmo quando a esquerda não se alinha com o insustentável projeto “ecocida” do capitalismo, revela sua origem comum a este, com as névoas e obscuridades da metafísica antropocêntrica do cristianismo.

Enquanto continuarmos sustentando que melhorar a vida das pessoas é lhes dar mais dinheiro para comprar uma televisão, ao invés de melhorar o saneamento, abastecimento de água, saúde e educação primária, nada mudará. Escuta-se o governo dizer que a solução é consumir mais, mas não se percebe a menor ênfase para abordar estes aspectos literalmente fundamentais da vida humana nas condições do presente século.

Isto não significa, obviamente, que os mais favorecidos pensem melhor e que possam ver além dos mais pobres. Não há nada mais estúpido que estas Land Rovers que vemos em São Paulo ou no Rio de Janeiro, andando com adesivos do Greenpeace, de slogans ecológicos, coladas no para-brisa. As pessoas vão às ruas nestes 4×4 e bebem um diesel venenoso… Gente que pensa que o contato com a natureza é fazer um Rally no Pantanal…

É uma questão difícil: falta educação básica, falta o compromisso dos meios de comunicação, falta agressividade política no tratamento da questão do meio ambiente.

E sempre que se pensa que existe um problema ambiental, algo que está longe de ser o caso dos governantes atuais, estes mostram, ao contrário, e, por exemplo, a preocupação em formar jovens que possam manobrar com segurança e, ao mesmo tempo, mantém firme sua aposta no transporte individual, em carros, em uma cidade como São Paulo, em que já não cabe nem uma agulha. Um governo que não se cansa de se orgulhar pela quantidade de carros produzidos por ano. É absurdo utilizar os números da produção de veículos como um indicador de prosperidade econômica. Essa é uma proposta podre, uma visão estreita e uma proposta muito empobrecedora para o país.

Você está dizendo que os apelos ao consumo vêm do próprio governo, mas também há um apelo muito forte procedente do mercado. Como avalia isto?

O Brasil é um país capitalista periférico. O capitalismo industrial-financeiro é visto por quase todo o mundo como uma evidência palpável, o modo inevitável em que se vive no mundo atual.

Diferentemente de alguns companheiros de caminhada, eu entendo que o capitalismo sustentável é uma contradição em seus termos. E que nossa atual forma de vida econômica é realmente evitável. Então, simplesmente, nossa forma de vida biológica (quer dizer, a espécie humana) não será mais necessária e a Terra irá favorecer outras alternativas.

As ideias de crescimento negativo, ou de objeção ao crescimento, ou a ética da suficiência são incompatíveis com a lógica do capital. O capitalismo depende do crescimento contínuo. A ideia de manter certo nível de equilíbrio em relação ao intercâmbio de energia com a natureza não se ajusta na matriz econômica do capitalismo.

Este impasse, gostemos ou não, será “resolvido” pelas condições termodinâmicas do planeta em um período muito mais curto do que pensávamos. As pessoas fingem não saber o que está se passando, preferem não pensar nisso, mas o fato é que temos que nos preparar para o pior. E o Brasil, pelo contrário, sempre se prepara para o melhor. Este otimismo nacional frente a uma situação planetária é extremamente preocupante, assim como perigoso… E a aposta de que vamos bem dentro do capitalismo é um tanto ingênua, se não desesperada…

O Brasil segue como um país periférico, uma plantação “high tech” que abastece com matérias-primas o capitalismo central. Vivemos de exportar nossa terra e nossa água em forma de soja, açúcar, carne bovina, para os países industrializados: são estes quem têm a última palavra, os que controlam o mercado. Estamos bem neste momento, mas de modo nenhum em condições de controlar a economia mundial. Se a coisa muda um pouco para um lado ou para o outro, o Brasil simplesmente pode perder esse lugar no qual se encontra hoje. Para não mencionar, claro, o fato de que estamos vivendo uma crise econômica mundial que se tornou explosiva em 2008, que está longe de terminar e que ninguém sabe aonde irá parar. O Brasil, neste momento de crise, é uma espécie de contracorrente do tsunami, mas quando a onda quebrar vai molhar muita gente. Deve-se falar sobre estas coisas.

E como você avalia a macropolítica em relação a esta realidade, as políticas macroeconômicas, com as realidades rurais do Brasil, os indígenas e ribeirinhos?

O projeto de Brasil, que tem a atual coalizão do governo sob o mando do Partido dos Trabalhadores (PT), considera os ribeirinhos, os indígenas, os campesinos, os quilombolas como pessoas com atraso, um atraso sociocultural, e que devem ser conduzida para outro estado. Esta é uma concepção tragicamente equivocada. O PT é visceralmente paulista, o projeto é uma paulistização” do Brasil. Transformar o interior do país em um país de fantasia: muita festa de peão de vaqueiro, caminhonetes 4×4, muita música country, botas, chapéus, rodeios, touros, eucaliptos, gaúchos. E do outro lado, cidades gigantescas e impossíveis como São Paulo.

O PT vê a Amazônia brasileira como um lugar para civilizar, para domar, para obter benefícios econômicos, para capitalizar. Em uma lamentável continuidade entre a geopolítica da ditadura e a do governo atual, este é o velho “bandeirantismo” que hoje faz parte do projeto nacional. Mudaram as condições políticas formais, mas a imagem do que é ou deveria ser a civilização brasileira, daquilo que é uma vida digna de ser vivida, do que é uma sociedade que está em sintonia consigo mesmo, é muito, muito similar.

Estamos vendo hoje uma ironia muito dialética: o governo, liderado por uma pessoa perseguida e torturada pela ditadura, realizando um projeto de sociedade que foi adotado e implementado por esta mesma ditadura: a destruição da Amazônia, a mecanização, a “transgenização” e a “agrotoxicação” da agricultura, migração induzida pelas cidades.

E por detrás de tudo isso, certa ideia de Brasil que se vê, no início do século XXI, como se devesse ser, ou como se fosse, o que os Estados Unidos eram no século XX. A imagem que o Brasil tem de si mesmo é, em vários aspectos, aquela projetada pelos Estados Unidos nos filmes de Hollywood nos anos 50: muitos carros, muitas autopistas, muitas geladeiras, muitas televisões, todo mundo feliz. Quem pagou por tudo isso? Entre outros, nós. Quem irá nos pagar agora? A África, outra vez? Haiti? Bolívia? Para não falar da massa de infelicidade bruta gerada por esta forma de vida (e de quem se enriquece com isto).

Isto é o que vejo com tristeza: cinco séculos de maldade continuam aí. Sarney é um capitão hereditário, como os que vieram de Portugal para saquear e devastar a terra dos índios. Nosso governo “de esquerda” governa com a permissão da oligarquia e necessita destes capangas para governar. Podem ser feitas várias coisas, desde que a melhor parte fique com ela. Toda vez que o governo ensaia uma medida que a ameaça, o Congresso – que sabemos como é eleito – e a imprensa bombardeiam, o PMDB sabota…

Há uma série de becos para os quais eu não vejo saída ou que não têm saída no jogo da política tradicional, com suas regras. Vejo um caminho possível pelo lado do movimento social – que hoje está desmobilizado. Mas, se não for pelo lado do movimento social, seguiremos vivendo neste paraíso subjetivo de que um dia tudo vai ficar bem. O Brasil é um país dominado politicamente pelos grandes proprietários de terra e grandes empreiteiros que jamais sofreram uma reforma agrária e ainda dizem que atualmente não é mais necessário fazê-la.

Acredita que as coisas começarão a mudar quando chegarmos a um limite?

É provável que a crise econômica mundial afete o Brasil em algum momento próximo. Contudo, o que vai ocorrer, com certeza, é que o mundo vai passar por uma transição ecológica, climática e demográfica muito intensa durante os próximos 50 anos, com epidemias, fome, secas, catástrofes, guerras, invasões. Estamos vendo como as condições climáticas mudaram muito mais rápido do que pensávamos. E há grandes possibilidades de desastres, de perdas de colheitas, de crises alimentares. Neste meio tempo, hoje em dia, o Brasil até se beneficia, mas um dia a fatura irá chegar. Climatologistas, geofísicos, biólogos e ecologistas são profundamente pessimistas sobre o ritmo, as causas e consequências da transformação das condições ambientais em que se desenvolve a vida atual da espécie. Por que deveríamos ser otimistas?

Acredito que se deve insistir que é possível ser feliz sem ficar hipnotizado por este frenesi de consumo que os meios de comunicação impõem. Não sou contrário ao crescimento econômico no Brasil, não sou tão estúpido para pensar que tudo se resolveria mediante a distribuição do dinheiro de Eike Batista entre os agricultores do nordeste semiárido ou cortando os subsídios à classe político-mafiosa que governa o país. Não que não seja uma boa ideia. Sou contrário, isto sim, ao crescimento da “economia” do mundo, e sou a favor de uma redistribuição das taxas de crescimento. E também sou, obviamente, a favor de que todos possam comprar uma geladeira e, por que não, uma televisão. Sou a favor de uma maior utilização das tecnologias solar e eólica. E estaria encantado em deixar de dirigir o carro, se pudéssemos trocar este meio de transporte absurdo por soluções mais inteligentes.

E como vê os jovens neste contexto?

É muito difícil falar de uma geração à qual não se pertence. Nos anos 1960, tínhamos ideias confusas, mas ideais claros: pensávamos que poderíamos mudar o mundo e imaginávamos que tipo de mundo queríamos. Acredito que, em geral, os horizontes utópicos têm retrocedido enormemente.

Algum movimento recente no Brasil ou no mundo chamou a sua atenção?

No Brasil, a aceleração difusa do que poderíamos chamar de uma cultura “agro-sulista”, tanto da direita quanto da esquerda, pelo interior do país. Vejo isto como a consumação do projeto de branqueamento da nacionalidade, deste modo muito peculiar de a elite governante no poder acertar as contas com seu próprio passado (passado?) escravista.

Outra mudança importante é a consolidação de uma cultura popular vinculada ao movimento evangélico popular. O evangelismo da Igreja Universal do Reino de Deus associa, por certo, a religião ao consumo.

O como você vê o surgimento das redes sociais, nesse contexto?

Essa é uma das poucas coisas a respeito das quais sou muito otimista: o relativo e progressivo enfraquecimento do controle total dos meios de comunicação de cinco ou seis conglomerados midiáticos. Esse enfraquecimento está muito vinculado à proliferação das redes sociais, que são grande novidade na sociedade brasileira e que estão contribuindo para que circule um tipo de informação que não tinha lugar na imprensa oficial. E estão habilitando formas, antes impossíveis, de mobilização. Há movimentos inteiramente produzidos pelas redes sociais, como a marcha contra a homofobia, o churrasco da “gente diferenciada”, os diversos movimentos contra Belo Monte, a mobilização pelas florestas.

As redes são nossa saída de emergência frente à aliança mortal entre o governo e os meios de comunicação. São um fator de desestabilização – no melhor sentido da palavra – do poder dominante. Se puder ocorrer alguma mudança importante na cena política, acredito que será através da mobilização pelas redes sociais.

E por isso se intensificam as tentativas de controlar estas redes, em todo o mundo, por parte do poder constituído. Contudo, controlar o acesso é um instrumento vergonhoso, como o caso do “projeto” da banda larga brasileira, que parte do reconhecimento de que o serviço será de baixa qualidade. Uma decisão tecnológica e política antidemocrática e antipopular, equivalente ao que se faz com a educação: impedir que a população tenha acesso pleno à circulação das produções culturais.

Parece, às vezes, que haveria uma conspiração para evitar que os brasileiros tenham uma boa educação e um acesso à Internet de qualidade. Essas duas coisas andam de mãos dadas e têm o mesmo efeito, que é o aumento da inteligência social que, diga-se de passagem, é necessário vigiar com muito cuidado.

Você imagina um novo modelo político?

Um amigo que trabalhava no Ministério do Meio Ambiente, na época de Marina Silva, criticava-me dizendo que meu discurso, feito à distância do Estado, era romântico e absurdo, que tínhamos de tomar o poder. Eu respondia que, se tomássemos o poder, tínhamos, sobretudo, de saber como mantê-lo depois, pois aí que a coisa se complica. Não tenho um desenho, um projeto político para o Brasil, eu não pretendo saber o melhor para o povo brasileiro em geral, e em seu conjunto. Só posso expressar minhas preocupações e indignações, apenas aí me sinto seguro.

Penso, de qualquer forma, que se deve insistir na ideia de que o Brasil tem – ou a esta altura tinha – as condições geográficas, ecológicas, culturais para desenvolver um novo estilo de civilização, que não seja uma cópia empobrecida do modelo da América do Norte e da Europa. Poderíamos começar a experimentar, timidamente, algum tipo de alternativa aos paradigmas tecno-econômicos desenvolvidos na Europa moderna.

Todavia, imagino que se algum país do mundo irá fazer isso, esse país é a China. É certo que os chineses têm 5.000 anos de história cultural praticamente contínua e o que nós temos para oferecer são apenas 500 anos de dominação europeia e uma triste história de etnocídio, deliberado ou não.

Ainda assim, é imperdoável a falta de inventividade da sociedade brasileira – ao menos de sua elite política e intelectual – que já perdeu várias ocasiões de gerar soluções socioculturais – tal como o povo brasileiro historicamente ofereceu – e articular, assim, uma civilização brasileira minimamente diferente da que propõem os comerciais de televisão.

Precisamos mudar completa e, primeiramente, a relação secularmente depredadora da sociedade nacional com a natureza, com a base físico-biológica de sua própria nacionalidade. Já é hora de começar uma nova relação com o consumo, menos ansioso e mais realista frente à situação de crise atual. A felicidade tem muitos outros caminhos.

* A entrevista é de Julia Magalhães, publicada por Lobo Suelto!, em 4-12-2013. A tradução é do Cepat.

** Publicado originalmente no site IHU On-Line.

Democracy Pays (Science Daily)

Dec. 23, 2013 — In relatively large communities, individuals do not always obey the rules and often exploit the willingness of others to cooperate. Institutions such as the police are there to provide protection from misconduct such as tax fraud. But such institutions don’t just come about spontaneously because they cost money which each individual must contribute.

An interdisciplinary team of researchers led by Manfred Milinski from the Max Planck Institute for Evolutionary Biology in Plön has now used an experimental game to investigate the conditions under which institutions of this kind can nevertheless arise. The study shows that a group of players does particularly well if it has first used its own “tax money” to set up a central institution which punishes both free riders and tax evaders. However, the groups only set up institutions to penalize tax evasion if they have decided to do so by a democratic majority decision. Democracy thus enables the creation of rules and institutions which, while demanding individual sacrifice, are best for the group. The chances of agreeing on common climate protection measures around the globe are thus greater under democratic conditions.

In most modern states, central institutions are funded by public taxation. This means, however, that tax evaders must also be punished. Once such a system has been established, it is also good for the community: it makes co-existence easier and it helps maintain common standards. However, such advantageous institutions do not come about by themselves. The community must first agree that such a common punishment authority makes sense and decide what powers it should be given. Climate protection is a case in point, demonstrating that this cannot always be achieved. But how can a community agree on sensible institutions and self-limitations?

The Max Planck researchers allowed participants in a modified public goods game to decide whether to pay taxes towards a policing institution with their starting capital. They were additionally able to pay money into a common pot. The total paid in was then tripled and paid out to all participants. If taxes had been paid beforehand, free riders who did not contribute to the group pot were punished by the police. In the absence of taxation, however, there would be no police and the group would run the risk that no-one would pay into the common pot.

Police punishment of both free riders and tax evaders quickly established cooperative behavior in the experiment. If, however, tax evaders were not punished, the opposite happened and the participants avoided paying taxes. Without policing, there was no longer any incentive to pay into the group pot, so reducing the profits for the group members. Ultimately, each individual thus benefits if tax evaders are punished.

But can participants foresee this development? To find out, the scientists gave the participants a choice: they were now able to choose individually whether they joined a group in which the police also punish tax evaders. Alternatively, they could choose a group in which only those participants who did not pay into the common pot were penalized. Faced with this choice, the majority preferred a community without punishment for tax evaders — with the result that virtually no taxes were paid and, subsequently, that contributions to the group pot also fell.

In a second experimental scenario, the players were instead able to decide by democratic vote whether, for all subsequent rounds, the police should be authorized to punish tax evaders as well as free riders or only free riders. In this case, the players clearly voted for institutions in which tax evaders were also punished. “People are often prepared to impose rules on themselves, but only if they know that these rules apply to everyone,” summarizes Christian Hilbe, the lead author of the study. A majority decision ensures that all participants are equally affected by the outcome of the vote. This makes it easier to introduce rules and institutions which, while demanding individual sacrifice, are best for the group.

The participants’ profits also demonstrate that majority decisions are better: those groups which were able to choose democratically were more cooperative and so also made greater profits. “Democracy pays — in the truest sense of the word,” says Manfred Milinski. “More democracy would certainly not go amiss when it comes to the problem of global warming.”

Plano Clima: Versão final deve ser apresentada no primeiro trimestre de 2014 (Ministério do Meio Ambiente)

13/12/2013 – 12h16

por Tinna Oliveira, do MMA

klink Plano Clima: Versão final deve ser apresentada no primeiro trimestre de 2014

Klink: propostas da sociedade foram incorporadas. Foto: Martim Garcia/MMA

Reunião presencial marca fim da consulta pública do Plano Clima

A sociedade civil contribuiu, por meio de consulta pública, para a atualização do Plano Nacional sobre Mudança do Clima (Plano Clima), o principal instrumento para a implantação da Política Nacional sobre Mudança do Clima. A consulta pública eletrônica ficou aberta de 25 de setembro a 8 de novembro. Nessa quinta-feira (12) aconteceu a última reunião presencial. Durante o período, qualquer cidadão brasileiro pode oferecer suas contribuições, por meio do formulário disponível na internet. Do total de 27 formulários enviados, foram totalizadas 111 contribuições da consulta pública eletrônica. A versão final do plano revisado deve ser apresentada no primeiro trimestre de 2014.

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) é o coordenador do Grupo Executivo (GEx) do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (CIM). Apresentado em 2008 pelo governo federal, o Plano Clima visa incentivar o desenvolvimento e o aprimoramento das ações de mitigação no Brasil, colaborando com o esforço mundial de redução das emissões de gases de efeito estufa, bem como objetiva a criação das condições internas para lidar com os impactos da mudança global do clima (adaptação).

Avaliação

O secretário de Mudanças Climáticas e Qualidade Ambiental do MMA, Carlos Klink, destacou que a consulta pública permitiu incorporar os avanços que aconteceram no Brasil na questão de mudanças do clima e a suas articulações com a negociação internacional. “Isso mostra o tamanho da ambição que o tema mudanças do clima tem dentro do país, pois não é só uma questão internacional, mas também a sociedade brasileira está muito engajada”, enfatizou.

Klink lembra que existem nove planos para mitigação e já está sendo construído o Plano Nacional de Adaptação, previsto para ser concluído até 2015. O tema de mudanças do clima está em destaque no País. “Estamos nos tornando um exemplo internacionalmente e, aqui no Brasil, está criando raízes muito fortes em todos os setores da sociedade”, explicou. Para o secretário, a governança permite um diálogo para construção e elaboração de todos esses planos, com envolvimento de todos os setores dentro e fora do governo. “O documento reflete esse avanço e mostra de maneira sintética esse tremendo trabalho de coordenação”, salientou.

Etapas

A atualização do Plano Clima passou por várias etapas. Desde janeiro, foram realizadas 17 reuniões do Grupo Executivo e sete reuniões do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas (FBMC). “O fórum é o canal entre a sociedade e o governo para essa questão clima, por isso a gente sempre estimulou que a sociedade usasse o Fórum nas discussões”, explicou o diretor de Climáticas do MMA, Adriano Santhiago.

Segundo ele, vários setores trouxeram contribuições que foram incorporadas no texto apresentado durante a consulta eletrônica. A contribuição da população foi encerrada nesta reunião presencial, na qual participaram representantes do governo, da academia, do setor produtivo e da sociedade civil. O próximo passo é uma discussão governamental para fechar o documento final.

Em 2009, o Congresso Nacional aprovou a Política Nacional sobre Mudança do Clima, com o ineditismo da adoção de vários compromissos nacionais voluntários de redução de emissões. Além disso, foi criado o Fundo Nacional sobre Mudança do Clima e lançados diversos planos setoriais. Outros pontos que merecem destaque são a redução substancial do desmatamento no país, a mudança do perfil das emissões nacionais de gases de efeito estufa e a transformação substantiva da forma como diversos setores, governamentais ou não, se engajaram no esforço para enfrentar a mudança do clima..

* Publicado originalmente no site Ministério do Meio Ambiente.

Sua flecha é a palavra (Boletim da UFMG)

Nº 1845 – Ano 40
18.11.2013

Bárbara Pansardi

“Pra quem não me conhece, sou Davi Kopenawa, filho da Amazônia, que vive no meio da floresta.” As palavras simples e fortes do líder indígena são certeiras como uma flecha que acerta direto no coração – é o que ele mesmo diz. O xamã yanomami acredita que sua arma é a palavra, com a qual protege a floresta amazônica e os povos autóctones.

“Nós, Yanomami, somos guerreiros para defender nossos direitos, nosso povo, nossas crianças, nossa terra própria. Nossos antepassados não sabiam se defender, não sabiam brigar por não compreender a língua portuguesa”, explica o xamã e intérprete da Funai, que utiliza o idioma como instrumento político. “Eu não posso viver isolado. Meu povo yanomami já foi isolado. Hoje não, nós conversamos com políticos sobre o problema da nossa terra, da saúde”, afirma.

Sua mensagem é firme, mesmo quando sua expressão parece hesitar, revelando a cadência de quem não tem o português como língua materna. “Minha fala é diferente; não é fala de cidade, não. Eu falo sobre natureza, sobre meio ambiente, terra, sobre o que é bom pra nós todos”, justifica Kopenawa.

A convite do Programa Cátedras do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat), Davi veio à UFMG ensinar o que os napë [homem branco, não índio] parecem não saber. “Será que o homem não tem pensamento, não pensa em seu futuro, nas gerações que vão sofrer? Consciência dos napë é diferente da consciência indígena. Terra é nossa vida, sustenta a barriga, é nossa alegria”, alega, tecendo dura crítica às atividades econômicas que se valem da exploração das riquezas naturais.

Para Kopenawa, o problema gerado pelo homem branco com a extração dos recursos é incontornável, não há reflorestamento que o resolva. “Reflorestar não vai trazer ar limpo, não vai chamar a chuva; só miséria, fome, sofrimento”, afirma, fazendo uma analogia com as cicatrizes que se formam quando ferimos a pele, sobre as quais não voltam a nascer pelos. “Na terra, depois que corta, não cresce de novo, não nasce urihi [cobertura florestal], porque não tem força, não tem água lá embaixo. Derrama sangue da terra e ela fica seca, a água vai embora.”

Davi explica o que em sua filosofia indígena designa por “coração da terra”. De acordo com ele, trata-se de um processo cíclico segundo o qual a água é conduzida por caminhos subterrâneos que a elevam para que em seguida se precipite novamente, em movimento continuamente circular, como na corrente sanguínea. “Nós estamos circulando juntos”, acrescenta, esclarecendo que o coração humano pulsa sob mesmo ritmo. Homem e natureza, portanto, estão ligados. Então, “destruímos a nós mesmos ao devastar a terra; nosso coração bate junto com a hutukara, terra-mãe”.

Diferentes, porém complementares

O xamã acredita na capacidade de mobilizar os outros como multiplicadores de uma consciência ambiental renovada, e se alegra porque vê seu conhecimento reconhecido na esfera acadêmica. “Sou analfabeto, mas tenho saber tradicional. Eles estão me escutando e achando bom. Estão interessados, gostando muito. Eu também estou gostando. Venho para me aproximar do homem branco que nunca conheceu de mim e para conhecê-lo como amigo. Não índio também está reconhecendo minha imagem, minha fala, a experiência que eu tenho e aprendi desde pequeno.”

Entre os xamãs yanomami, boa parte dos saberes advêm do campo onírico. Os sonhos – muitas vezes associados ao transe induzido pelo sopro do pó de yãkoana [alucinógeno] – funcionam como revelações esclarecedoras. Os xapiri [espíritos] são os responsáveis por alumbrar as ideias e desvelar a sapiência do líder. Davi conta que ele próprio “sonha terra, floresta, chuva, trovão, tudo o que tem no universo”. Por isso, irrita-se com os antropólogos que, “como formigas, andam procurando sabedoria” e valem-se do conhecimento alheio. “Eu não quero antropólogo falso, que só quer trair o meu povo, que só quer aprender, tirar e copiar conhecimento yanomami”, revolta-se, em alusão à experiência com o americano Napoleon Chagnon, que trata os yanomami como ferozes e violentos.

No livro La chute du ciel, escrito em conjunto com o antropólogo francês Bruce Albert, Kopenawa conta que pediu ao xori [amigo] que o ajudasse. Como discordava dos pesquisadores que frequentavam sua aldeia e imputavam juízos sobre o modo de vida indígena, resolveu manifestar-se. “Quem vai falar sobre meu povo yanomami sou eu. Eu não sou antropólogo, mas Bruce me ajudou a escrever como no meu sonho, um sonho conhecimento. Eu queria escrever para os antropólogos da cidade, para mostrar como o Yanomami pensou. Esse livro é um mensageiro para entrar na capital. Antropólogo que não conhece índio, não conhece aldeia, não conhece mato vai ler. Esse livro foi escrito para fazer antropólogo respeitar. Foi muito bom pra mostrar minha capacitação, a capacidade que eu tenho de quem conhece rio, terra, mato”, relata.

Quanto à sua participação nas palestras ao longo da semana, o xamã mostrou-se alegre e satisfeito por cumprir a tarefa que lhe foi confiada pelos anciões. “Estou com orgulho de mim. Sou um yanomami em paz. Estou dizendo boas coisas pra eles [homens brancos] entenderem, pensarem e depois fazer respeitar. Nós somos povo indígena, guardião da terra; estamos aqui para proteger”, assevera.

ONGs abandonam conferência do clima (Folha de S.Paulo)

JC e-mail 4860, de 22 de novembro de 2013

É a primeira vez que as principais organizações ambientalistas deixam a reunião da ONU, realizada há 19 anos

Pela primeira vez nos 19 anos de realização das conferências mundiais do clima da ONU, as principais ONGs ambientalistas abandonaram o encontro, que deve acabar na noite de hoje em Varsóvia.

O maior objetivo da conferência é delinear um esboço para um acordo sobre redução de emissões de gases-estufa a ser fechado em 2015.

As ONGs, como Greenpeace, Oxfam e WWF, se dizem insatisfeitas com o ritmo das negociações e com países que voltaram atrás em compromissos ambientais.

Os articuladores estimam que 800 pessoas tenham abandonado a cúpula.

A ausência dos ambientalistas foi rapidamente percebida no Estádio Nacional de Varsóvia, onde acontecem as negociações. Além dos stands vazios, os corredores estavam em silêncio.

“Os governos deram um tapa na cara dos que sofrem com os perigosos impactos das mudanças climáticas”, disse KumiNaidoo, diretor-executivo do Greenpeace.

“Chegamos a um ponto tão difícil, com as coisas tão empacadas, que não havia outra solução. Não estamos abandonando o movimento, apenas essa conferência, que chegou a uma situação insustentável”, disse André Nahur, da WWF-Brasil.

A saída acontece após uma semana considerada de reveses pelos ambientalistas. O Japão anunciou que não vai cumprir suas metas de redução de emissões de gases-estufa e outros países ricos estão relutantes em destinar mais dinheiro à redução dos danos causados pela mudança climática. Na quarta-feira, o presidente da COP-19, MarcinKorolec, perdeu seu emprego como ministro do Meio Ambiente da Polônia.

Ele divulgou uma nota na qual lamenta a saída das ONGs. “Observadores não governamentais sempre mobilizaram os negociadores para maiores ambições.”

A decisão de abandonar as negociações não foi unanimidade. Após a saída do estádio, alguns manifestantes discretamente evitaram entregar seus crachás. “Quero voltar, o ato foi mais uma coisa simbólica”, disse uma ambientalista brasileira.

Enquanto ONGs e diplomatas mantiveram o tom pessimista ontem, o presidente da COP-19 enviou uma declaração à imprensa dizendo que as negociações avançaram.

“Após negociações que duraram a noite toda, atingimos um progresso considerável em financiamento climático. As conversas sobre a forma de um novo acordo global também entraram noite adentro. Estamos chegando perto do sucesso final.”

(Giuliana Miranda/Folha de S.Paulo)
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/140054-ongs-abandonam-conferencia-do-clima.shtml

Um balanço da primeira semana da COP19 (Vitae Civilis)

Ambiente
18/11/2013 – 09h10

por Délcio Rodrigues e Silvia Dias*

cop19 ecod 300x183 Um balanço da primeira semana da COP19

Ao fim da primeira semana da CoP19, a sensação de dejá vú é inevitável. Mais uma vez, o negociador filipino foi o responsável pelo discurso mais emocionante. Mais uma vez, o Germanwatch divulga que os países pobres são os mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos. Mais uma vez, aliás, temos um evento climático vitimando milhares de pessoas enquanto acontece a conferência. Mais uma vez, temos a divulgação de que estamos vivendo os anos mais quentes da história recente do planeta, de que a quantidade de gases causadores do efeito estufa na atmosfera já está em níveis alarmantes, de que o certo seria deixar as reservas de combustíveis fósseis intocadas…

Mesmo o novo relatório do IPCC chega com um certo gosto de notícia velha. Pois apesar da maior gama de detalhes e da maior certeza científica, basicamente o AR5 confirma que estamos seguindo em uma trajetória que esgotará já em 2030 todo o carbono que poderemos queimar neste século sem alterar perigosamente o clima do planeta. Da mesma forma, a Agência Internacional de Energia (IEA) confirma o exposto por uma forte campanha feita na CoP18 contra os subsídios aos combustíveis fósseis. Segundo a IEA, os governos gastaram US$ 523 bilhões em subsídios aos combustíveis fósseis em 2011 – uma completa inversão de prioridades, do ponto de vista da mudança climática: para cada US$ 1 em apoio às energias renováveis​​, outros US$ 6 estão promovendo combustíveis intensivos em carbono. Parte dos subsídios aos combustíveis fósseis estão acontecendo em países emergentes e em desenvolvimento, haja vista os subsídios à gasolina impostos pelo governo brasileiro à Petrobrás. Mas talvez sejam mais importantes nos países ricos. Pesquisa do Overseas Development Institute, do Reino Unido, mostrou que os subsídios ao consumo de combustíveis fósseis em 11 países da OCDE alcançam o total de US$ 72 bilhões dólares, ou cerca de US$ 112 por habitante adulto destes países.

Essa perversidade econômica estrangula, no nascimento, as inovações tecnológicas que podem contribuir para evitarmos a colisão iminente entre a economia global (e o seu sistema energético) e os limites ecológicos do nosso planeta. Os recentes desenvolvimentos em energia eólica, solar, bio-combustíveis , geotermia, marés, células de combustível e eficiência energética estão aumentando as possibilidades de construção de um cenário energético de baixo carbono. Além de poderem afastar a crise climática, estas tecnologias poderiam abrir novas oportunidades de investimento, fornecer energia a preços acessíveis e sustentar o crescimento. Mas este potencial somente será realizado se os governos perseguirem ativamente políticas industriais sustentáveis. É necessário alinhar o objetivo de mitigação da crise climática com desincentivos para as fontes de energia intensivas em carbono por meio de impostos e apoio a alternativas sustentáveis.

O fim dos subsídios aos combustíveis fósseis precisa ser acompanhado por políticas que favoreçam a transferência de tecnologias limpas. Não podemos deixar de lado o exemplo da China, da Índia e também do Brasil, para onde multinacionais historicamente enviam plataformas de produção sujas e energo-intensivas. Infelizmente, as negociações sobre tecnologia estão entre as mais emperradas – tanto no formato anterior, estabelecido pelo Caminho de Bali, como agora, na chamada Plataforma Durban. Simultaneamente, tomamos conhecimento, pelo WikiLeaks, da Parceria Trans-Pacífica (TPP) referente a patentes e proteção intelectual – acordo que vem sendo negociado secretamente entre líderes de 12 países que concentram 40% do PIB e um terço do comércio global e que visa impor medidas mais agressivas para coibir a quebra de propriedade intelectual.

A discrepância entre o que a ciência recomenda e o que os governos estão promovendo permanece, independente do formato das negociações climáticas. Saímos dos dois trilhos estabelecidos em Bali para a Plataforma Durban, mas os compromissos financeiros ou metas mais agressivas de mitigação não vieram. Na primeira semana da CoP19, os discursos dos negociadores reviveram posicionamentos arcaicos e obstrutivos ao processo. Sim, é certo que já sabíamos que esta não seria uma conferência de grandes resultados. Mas o fato é que os bad guys resolveram ser realmente bad sob a condução complacente de uma presidência que não se constrange em explicitar sua conduta em prol do carvão e demais combustíveis fósseis. Tanto que a Rússia abriu mão de atravancar o processo, guardando suas queixas sobre o processo da UNFCCC para outra ocasião.

Esta outra ocasião pode ser a CoP20, no Peru, para onde as esperanças de negociações mais produtivas se voltam. Antes, porém, haverá a cúpula de Ban Ki Moon, para a qual as lideranças dos países estão convidadas. O objetivo é gerar a sensibilidade política que faltou em Copenhague e tentar definir metas antes da reta derradeira do acordo, em Paris. Esse encontro deve ser precedido e seguido de várias reuniões interseccionais para que os delegados avancem na costura do acordo e para que os itens críticos, como metas de mitigação e financiamento, comecem a adquirir contornos mais concretos.

Em outras palavras, uma agenda consistente de reuniões e o compromisso para apresentar metas no ano que vem são o melhor resultado que podemos esperar de uma conferência que corre o risco de entrar para a História como a CoP do carvão.

Délcio Rodrigues é especialista em Mudanças Climáticas do Vitae Civilis. Silvia Dias, membro do Conselho Deliberativo do Vitae Civilis, acompanha as negociações climáticas desde 2009.

A internet e o “orgasmo democrático” (Outras Palavras)

06/11/2013 – 10h05

por Marcos Nunes Carreiro, do Outras Palavras

rede A internet e o “orgasmo democrático”

A emergente participação em rede não produzirá novas ideologias unitárias ou revoluções, mas poderá destruir o velho jogo da governança representativa.

Muito se fala de como as redes sociais vêm modificando o pensamento social e ampliando a capacidade de reflexão, sobretudo dos jovens, em razão da participação fundamental da internet nas manifestações e protestos que tomaram o Brasil nos últimos meses. As mani­festações já viraram pauta nas escolas e com certeza serão conhecidas das próximas gerações. Mas, afinal, qual é o papel político-social das redes sociais e da internet?

Há quem diga que o momento atual do Brasil é de orgasmo democrático, ao ver milhares de pessoas saindo às ruas em razão da situação político-econômica do país. E é realmente instigante acompanhar a efervescência da sociedade, até para quem não tem ânimo de participar. Todavia, há discordância quanto ao termo “orgasmo democrático”. O professor da Faculdade de Comu­nicação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Magno Medeiros, por exemplo, diz que orgasmo é um fenômeno fugaz e de satisfação imediata, ao contrário do que vive o Brasil atualmente.

Para ele, o que ocorre, na verdade, é a erupção de uma dor crônica, sedimentada há várias décadas em torno da insatisfação em relação aos direitos de cidadania. “Direitos básicos, como ter um transporte urbano decente, como ter o direito de ser bem tratado na rede pública de saúde, como ter uma educação de qualidade e de acesso democrático a todos. O Brasil experimentou, nos últimos anos, avanços consideráveis no campo da redução das desigualdades sociais e da minimização dos bolsões de pobreza, mas os setores sociais pobres e miseráveis, que emergiram para a classe C, querem mais do que apenas consumir bens básicos como geladeira, fogão, computador, celular, etc. Eles querem ser tratados com dignidade”, diz.

Ideologia social

O autor da expressão que titula a matéria é o italiano Massimo Di Felice, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e PHD em sociologia pela Universidade Paris Descartes V, Sorbonne. Di Felice é professor da Escola de Comu­nica­ção e Artes da USP, onde fundou o Centro de Pesquisa Atopos e coordena as pesquisas “Redes digitais e sustentabilidade” e “Net-ativismo: ações colaborativas em redes digitais”.

O termo “orgasmo democrático” surgiu quando o professor foi questionado sobre como, antes, o que reunia milhares de pessoas eram ideologias políticas, e hoje já não é assim. Seria então possível afirmar que vivemos a época de um processo de criação democrática de ideologia social? Segundo Di Felice, a razão política ocidental moderna europeia, positivista e portadora de uma concepção unitária da história, criou as democracias nacionais representativas, que se articulavam pelo agenciamento da conflitualidade através dos partidos políticos e dos sindicatos. E a estrutura comunicativa dessas instituições, correspondente aos fluxos comunicativos da mídia analógica – imprensa, TV e jornais –, é centralizada e vertical, além de maniqueísta, isto é, divide e organiza o mundo em mocinhos e vilões, direita e esquerda, revolucionários e reacionários etc.

Contudo, as redes digitais criaram outros tipos de fluxo comunicativo, descentralizados, que permitem o acesso às informações e a participação de todos na construção de significados. “A razão política moderna é fálica e cristã, busca dominar o mundo, rotula pensamentos enquanto os simplifica, necessita de inimigos e promete a salvação. Já a lógica virtual é plural, se alimenta do presente e não possui ideologia, além de viver o presente ato impulsivo”, analisa.

Ele diz ser normal que a sociedade queira identificar e julgar os movimentos, rotulando-os por exemplo de “fascistas”, pois, segundo ele, a razão ordenadora odeia o novo e o que não compreende. “Porém, julgar os diversos não-movimentos que nasceram pelas redes (espontâneos e não unitários) é como julgar a emoção e a conectividade orgiástica (‘orghia’ em grego significa “sentir com”). A democracia do Brasil está passando de sua dimensão pública televisiva, eleitoral e representativa, para a dimensão digital-conectiva. O país está experimentando um orgasmo democrático. A lógica é, como diria Michel Maffesoli, dionisíaca e não ideológica.”

Segundo Di Felice, do ponto de vista sociopolítico, as arquiteturas informativas digitais e as redes sociais estão trazendo, no mundo inteiro, alterações qualitativas que podem ser classificadas em dez pontos: 1. A possibilidade técnica do acesso de todos a todas as informações; 2. O debate coletivo em rede sobre a questões de interesse público; 3. O fim do monopólio do controle e do agenciamento das informações por parte dos monopólios econômicos e políticos das empresas de comunicação; 4. O fim dos pontos de vista centrais e das ideologias políticas modernas (seja de esquerda ou direita) que tinham a pretensão de controlar e agenciar a conflitualidade social; 5. O fim dos partidos políticos e da cultura representativa de massa que ordenavam e controlavam a participação dos cidadãos, limitando-a ao voto a cada quatro anos.

A partir do sexto ponto, o professor classifica aquilo que trata da evolução sistêmica: 6. O advento de uma lógica social conectiva que se expressa na capacidade que as redes sociais digitais têm de reunir, em tempo real, uma grande quantidade de setores diversos e heterogêneos da população em torno de temáticas de interesse comum; 7. A passagem de um tipo de imaginário político baseado na representação identitária e dialética (esquerda-direita; progressistas-reacionários, etc.) para uma lógica experiencial, conectiva e tecno-colaborativa, que se articula não mais através das ideologias, mas através da experiência entre indivíduos, informações e territórios; 8. O advento de um novo tipo de gestão pública e de democracia; 9. A transformação da relação entre político e cidadão e do papel dos eleitos, que passam a ser considerados não mais como representantes do poder absoluto, mas porta-vozes e meros executores da vontade popular que os vigia a cada decisão; 10. A passagem de um imaginário político, baseado em uma esfera pública na qual a participação dos cidadãos era apenas opinativa, para formas de deliberação coletiva e práticas de decisão colaborativas que se articulam autonomamente nas redes. Acompanhe a entrevista:

Massimo Di Felice 350x200 A internet e o “orgasmo democrático”

Massimo Di Felice

Os protestos são organizados nas redes, mas nota-se que há líderes surgindo nas ruas. Como o senhor vê isso?

Os movimentos nascem nas redes, atuam em ruas, mas não em ruas comuns. Eles atuam em “ruas conectadas” e reproduzindo em tempo real, nas redes, os acontecimentos das manifestações. Através da computação móvel, debatem e buscam soluções continuamente, expressando uma original forma de relação tecno-humana e inaugurando o advento de uma dimensão meta-geográfica e atópica (do greco a-topos: lugar indescritível, lugar estranho, fora do comum). Embora o sociólogo espanhol Manuel Castells defenda que os movimentos sociais contemporâneos nascem nas redes e que somente depois, nas ruas, ganham maior visibilidade, não me parece ser esta a sua descrição mais apropriada. Ao contrário: o que está acontecendo em todas as ruas, em diversos países do mundo, é o advento de uma dimensão imersiva e informativa do conflito, que se exprime numa espacialidade plural, conectiva e informativa. Os manifestantes habitam espaços estendidos, decidem suas estratégias e seus movimentos nas ruas através da interação contínua nas “social networks” e da troca instantânea de informações. Não somente se deslocam conectados, mas a manifestação é tal e acontece de fato somente se é postada na rede, tornando-se novamente digital, isto é, informação. Não é mais possível pensar em espaços físicos versus espaços informativos. Os conflitos são informativos. Jogos de trocas entre corpos e circuitos informativos, experimentações do surgimento de uma carne informatizada, que experimenta as suas múltiplas dimensões: a informativa digital e a sangrenta material, golpeada e machucada. Ambas são reais e nenhuma é separada da outra, mas cada uma ganha a sua “veracidade” no seu agenciamento com a outra.

Todos esses dias de junho, em São Paulo, e em muitas outras capitais, jogamos games coletivos – todos fomos conectados a circuitos de informações, espaços e curtos-circuitos que alteravam nossos movimentos segundo as imagens e as interações dos demais membros do jogo. Todos experimentamos a nossa plural e interativa condição habitativa. O sangue dos manifestantes, golpeados pelos policiais, não caía apenas no chão das ruas, mas se derramava em espacialidades informativas. A polícia, através da computação móvel e das conexões instantâneas, tornou-se mídia, cúmplice de um ato informativo, e os manifestantes experimentaram o prazer de transformar seus corpos em informação. Transformar a polícia em mídia foi uma das grandes contribuições destes movimentos, que não possuem líderes nem direção única. Todas as tentativas oportunistas de direcionar e organizar os conjuntos de movimentos serão desmascaradas. Estamos falando da sociedade civil conectada e não deste ou daquele movimento social. Os atores destes movimentos, portanto, não são apenas os humanos, menos ainda alguns líderes. Não estamos falando de movimentos tradicionais que aconteciam nos espaços urbanos e industriais. Estamos, de fato, já em outro mundo.

Fora das redes, ainda há muita gente sem entender o que as manifestações significam, ou como elas surgiram. No ambiente virtual, há maior entendimento sobre o tema?

As manifestações do Brasil são expressões de uma transformação qualitativa que desde o advento da internet altera a forma de participação e o significado da ação social. O Centro de Pesquisa Atopos, da Universidade de São Paulo, está finalizando uma pesquisa internacional sobre o tema, com o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

A pesquisa analisou as principais formas de net- ativismo em quatro países (Brasil, França, Itália e Portugal). Os resultados são interessantes e mostram claramente alguns elementos comuns que, mesmo em contextos diferentes, se reproduzem e aparecem como caraterísticas parecidas. Isso sublinha, mais uma vez, a importância das redes de conectividade e as caraterísticas tecno-informativas dessas expressões de conflitualidade que surgem na origem, na organização e nas formas de atuação destes movimentos. Em síntese, as principais caraterísticas comuns a todos eles são as seguintes: 1. O net-ativismo se coloca fora da tradição política moderna, pois expressa um novo tipo de conflitualidade que não tem como objetivo a disputa pelo poder. Todos os movimentos que marcam as diversas formas de conflitualidade contemporânea (os Zapatistas, os Indignados, Occupy Wall Street, Anonymous, M15 etc.) não têm como objetivo tornar-se partidos políticos e concorrer nas eleições. São todos explicitamente apartidários e contra a classe política. Reúnem-se todos contra a corrupção, os abusos e a incapacidade dessas mesmas classes políticas e de seus representantes; 2. São movimentos e ações que não estão organizados de forma tradicional, isto é, não são homogêneos, compostos por pessoas que se reconhecem na mesma ideologia ou em torno do mesmo projeto político. Ao contrário: são formas de protesto compostas por diversos atores e nos quais, como numa arquitetura reticular, as contraposições não são dialéticas e não inviabilizam a ação; 3. Possuem uma forma organizativa informal e, sobretudo, sem líderes e sem hierarquias; 4. O anonimato é um valor, não somente porque permite a defesa perante ações repressivas, mas porque é a forma através da qual é defendida a não-identidade, coletiva ou individual, de seus membros e das ações. Na tradição das ações net-ativistas, a ausência de identidade e a não visibilidade é o meio através do qual a conflitualidade não se institucionaliza, tornando-se, assim, irreconhecível, não identificável e capaz de conservar a sua própria eficácia conflitiva; 5. São movimentos ou ações temporários e, portanto, não duradouros, cujas finalidades e ambições máximas são o próprio desaparecimento.

Estes e outros elementos que encontramos em todas as ações net-ativistas são parte, já, de uma tradição que possui textos e reflexões que vão desde o cyberpunk até as contribuições de Hakim Bey, a guerrilha midiática de Luther Blisset, até a conflitualidade informativa zapatista. Os Anonymous e os Indignados e as diversas formas de conflitualidade digital contemporâneas são, na sua especificidade, a continuação disso. Não há uniformidade, nem pertença de nenhum tipo, mas inspiração.

A questão informativa é a grande façanha da tecnologia?

Na teoria da opinião pública, estamos assistindo a uma grande passagem do líder de opinião para o empreendedor cognitivo. O líder de opinião ganhava seu poder de persuasão através do poder midiático que lhe permitia, de forma privilegiada, através da TV ou das páginas de um jornal, alcançar grande parte da população de um país. Esta figura, geralmente um comentarista, um cientista político, um profissional da comunicação, um político ou uma personalidade pública, é hoje substituído no interior das novas dinâmicas dos fluxos informativos por outro tipo de informante e de mediador. Este é aquele que, por ter vivenciado ou por ter sido o próprio protagonista de um acontecimento, distribui, através das mídias digitais, diretamente, sem mediações, o acontecimento.

É o caso dos manifestantes que postaram tudo o que aconteceu nas ruas durante as manifestações. Nenhum comentarista ou líder de opinião conseguiu competir e disputar com eles outra versão dos acontecimentos. Eles, os manifestantes, fizeram a cobertura do evento com seus celulares, suas câmeras baratas, a partir do próprio lugar dos acontecimentos, ao vivo. A maioria das informações que circulavam foi produzida por eles. Isso foi possível porque existe uma tecnologia que permite que isso seja possível. Isto é, também um fato político que quebra em pedaços décadas de estudos sociológicos sobre a relação entre mídia e política, entre mídia e poder. A grande transformação que as redes digitais produzem é a interatividade. As pessoas conectadas buscam suas informações, as ordenam, obtêm mais fontes e elementos para avaliá-las. Digamos que, tendencialmente, a população é mais consciente, pois tem acesso direto a uma quantidade infinita de informações sobre qualquer tipo de assunto, tornando-se eles mesmos editores e criadores de conteúdo. Da mesma maneira, pelos mesmos dinamismos informativos, eles se tornam políticos, administradores e transformadores de suas cidades ou de suas localidades.

O senhor é europeu, mas vive há muitos anos na América Latina. Como difere o processo de expressão massiva entre os dois continentes?

Absolutamente não se distingue. Os movimentos possuem todos eles as mesmas características. Em cada país temos situações específicas e atores diferentes, mas que atuam de maneira análoga: através das redes digitais. Possuem a mesma específica forma de organização coletiva: não institucionalizada e sem hierarquia. Expressam as mesmas reivindicações: contra a corrupção dos partidos políticos, por maior transparência e eficiência, melhor qualidade dos serviços públicos. Desconfiam todos de seus representantes e querem decidir diretamente sobre os assuntos que lhes interessam.

Quais as consequências dessa posição que as manifestações assumem?

A rede é o “Além do Homem” do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Não é fácil, no seu interior, construir éticas coletivas, nem majoritárias, pois o seu dinamismo é emergente e sua forma, temporária. A participação em rede não irá produzir novas ideologias unitárias, menos ainda revoluções, pois sua razão não é abstrata e universal, mas particular e conectiva, mutante e incoerente. Apenas poderá destruir o velho jogo vampiresco da governança representativa e partidária, pois esta não é mais representativa e gera um sistema baseado na corrupção, em que a corrupção não é exceção, mas regra e norma do jogo.

As ideologias políticas que prometiam a igualdade e a salvação do mundo fracassaram, não apenas em seu intento socioeconômico igualitário, mas naquele mais importante: de produzir um novo imaginário social e cultural que nos tornasse parte de uma sociedade mais justa, na qual pudéssemos nos tornar melhores do que somos. A não-ética coletiva das redes não será um decálogo de normas e uma visão de mundo organizada e proferida pela boca das vanguardas, ou dos líderes iluminados, sempre prontos a surfar uma nova onda, mas será muito mais humildemente particular. Não mudará o mundo, mas resolverá através da conectividade problemas concretos e específicos, que têm a ver com a qualidade do ar, o direito à informação, o preço do transporte público, a qualidade do atendimento nos hospitais, a qualidade da educação. Isto é: tudo aquilo que partido nenhum jamais conseguiu fazer.

Para certa esquerda, está em marcha o acirramento de um fascismo nas manifestações, cujo sintoma é a rejeição de partidos nas passeatas. Uma ala da direita, com o apoio da imprensa, também contesta as manifestações como sendo “armação” da esquerda.

É visível para todos o oportunismo e o desespero de uma cultura política da modernidade que se descobriu, de repente, obsoleta e fora da história. Nenhum partido de esquerda consegue hoje representar os anseios e as utopias sequer de uma parte significativa da população. Eles se encontram na singular e cômica situação do menino escoteiro que, para cumprir sua boa ação, tenta convencer a velhinha a atravessar a rua para poder ajudá-la. Só que a velhinha não quer cruzar a rua, mas deseja ir em outra direção. A lógica dialética, eurocêntrica e cristã, baseada na contraposição entre o bem e o mal, marca toda a cultura política da esquerda – que hoje se configura como uma religião laica, não mais racional nem propositiva, mas histérica.

O advento dos movimentos e das manifestações expressou com clareza o desaparecimento do papel de vanguarda, e a incapacidade histórica de análise e de abertura à diversidade e ao livre debate dos partidos. Como na lógica da salvação religiosa, o bom e o justo existem e justificam a sua função somente enquanto existe o mal. A caça às bruxas é uma exigência, a última tentativa de justificar sua função, e uma necessidade ainda de sua presença em defesa dos mais “fracos” e “necessitados”. Não excluo que, em casos não representativos, tenhamos tido a presença de grupos de alguns poucos e isolados indivíduos de direita. Mas a reação e a caça às bruxas que foi gerada é de natureza histérica e a-racional, a última tentativa de voltar no tempo e na história – um passado ameaçador em que havia necessidade de uma ordem, de uma ideologia e de uma vanguarda que representasse o confortador papel da figura paterna.

* Massimo Di Felice estará presente esta semana no I Congresso Internacional de Net-Ativismo, na USP, ao lado de outros pesquisadores renomados: Pierre Lévy, Michel Maffesoli, José Bragança de Miranda e Alberto Abruzzese. 

** Publicado originalmente no site Outras Palavras.

Entrevista com Pablo Ortellado (Desentorpecendo a razão)

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Por Coletivo DAR e Desinformémonos, 10/09/2013

Com trajetória de ativismo primeiro no movimento punk e depois nas lutas antiglobalização da virada dos 1990 para os 2000, Pablo Ortellado hoje é professor de gestão de políticas públicas na USP Leste. Referência para os ativistas do movimento autônomo e autor de “Estamos vencendo: resistência global no Brasil”, Ortellado lançará nos próximos dias o livro “20 centavos: a luta contra o aumento”, escrito em parceria com Elena Judensnaider, Luciana Lima e Marcelo Pomar, e foi exatamente para entender a conjuntura das lutas sociais após o explosivo mês de junho, tema do livro, que ele encontrou um espaço em sua reta final de escritura para conversar com o Coletivo DAR e oDesinformémonos, que nessa postagem em comum esperam contribuir para a reflexão em torno do que compartilham, a busca pela transformação e pela autonomia.

Na entrevista, Ortellado traça um rico panorama do que foi o movimento autônomo em São Paulo e no Brasil desde suas origens, reflexão que ganha ainda mais importância em um momento em que todos buscam aprender e apreender as lições de horizontalidade e ação direta trazidas pelas mobilizações massivas ocorridas pelo país. Ele comenta as raízes zapatistas do movimento e como este desde seu princípio foi identificado com tecnologias que em verdade foram criadas em seu interior, e situa a importância de iniciativas como o Centro de Mídia Independente (CMI) no processo.

Além de imprescindíveis reflexões sobre o que o MPL tem para ensinar aos ativistas anticapitalistas, sobrou tempo também para uma crítica ao Fora do Eixo, definido por Ortellado não como uma experiência de política alternativa, mas como uma organização “hipercapitalista”.

Quando começou seu ativismo?

Minha militância começou no movimento punk dos anos 1980. É a geração dos punks que se politizaram, no finalzinho dos anos 1980. Deve ser a segunda ou a terceira geração do punk em São Paulo. Tem aquela do final dos 1970, que a gente chamava de “geração 82”, que eram uns caras mais velhos. E a nossa vai até 1988, 1989, é uma geração que se politizou, que fez o encontro da contracultura com a ação política.

Foi a geração que encontrou os sindicatos. Em 1987 e 1988 a gente tentava organizar o sindicato dos office-boys – eu era office-boy – junto com um processo de refundação da Confederação Operária Brasileira, que era a Confederação Operária Anarquista dos anos 1910.

E teve o processo de encontrar os velhinhos, os “anarco-nônos” como a gente chamava, no Centro de Cultural Social nos anos 1980. Foi muito importante para a minha geração, e acho que para eles também foi. Reencontrar com o anarquismo, surgindo de um jeito muito diferente. Foi um encontro importante também porque foi o encontro de duas gerações militantes. Eles já não eram a geração da greve de 1917, eram a geração derrotada, dos anos 1930. O Centro de Cultura Social foi uma estratégia do movimento operário derrotado pelos comunistas e depois pelo Estado Novo, eles optam por essa estratégia cultural de fundações de cultura social. E eles tem ainda, eles guardam a historia das lutas sociais dos anos 1910 e 1920, receberam essa vivencia dos mais velhos, mas sao uma geração da derrota, que foi mantendo vivo o legado do anarquismo em São Paulo durante quase todo o século 20.

Acho que para eles, deve ter sido muito vivo ver aquele bando de adolescentes nos anos 1980 cheios de interesse pelo anarquismo. E foi um movimento interessante de troca, no qual a gente aprendeu bastante com eles a respeito de toda essa história de lutas e eles também. Por incrível que pareça, embora a gente viesse da contracultura, um outro mundo do mundo dos sindicatos anarquistas dos anos 1930, houve muitos contatos. Inclusive nos elementos contraculturais. Por exemplo, o Centro de Cultura Social só tem uma propriedade, que é um sítio naturista. Então eles eram naturistas, eram vegetarianos, eram adeptos do amor livre. Então vários elementos da contracultura que a gente carregava ainda naqueles anos – porque o movimento punk em São Paulo tinha algumas características bem particulares, eram meio incipientes, meio confusos, a gente encontrou apoio e espelhamento na experiência histórica dos velhinhos e houve muita troca.

Houve casos super interessantes já nos anos 1990, dos velhinhos se tornarem veganos, que era uma coisa totalmente da nossa geração, a partir do intercâmbio com os punks. Tinha algumas coisas bem peculiares, a minha geração era uma que não usava drogas. Eu nunca fumei maconha. E fui beber depois dos 25 anos. Isso não tem nada a ver com os straight-edges, era outra coisa. Tem a ver com a cultura da disciplina militante do anarquismo dos anos 1930, uma coisa que a gente, do meu grupo pelo menos, da Santa Cecília, que frequentava o Centro de Cultura Social, incorporou. A gente não tolerava pessoas que bebiam e fumavam, porque “era coisa de gente alienada”. Uma percepção totalmente em desacordo com a cultura punk que é punk de esgoto que bebe pinga.

E já tinha isso.

Ah sim, claro, era a cultura dominante. A nossa geração, a geração dos punks que se politizaram, tinha ojeriza a isso, achava que era coisa de playboy. Eu não sei, acho que gerações posteriores não tiveram isso, mas essa que teve esse contato, incorporou elementos que não eram nossos, eram elementos dos velhinhos. Embora tivesse esse contato com a contracultura, que a gente acha que a contracultura é uma invenção dos anos 1960, dos hippies, mas a gente via nas discussões do movimento operário vários debates sobre feminismo, sobre natureza, sobre vegetarianismo, todos esses elementos que a gente considerava contraculturais, muito presentes.

Eles tratavam com muita tranquilidade, embora de um jeito totalmente diferente. Porque nosso discurso era anti-disciplinar, contra as instituições, contra as regras. O deles não, era auto-disciplinar, era a ideia de praticar o amor livre por não precisar do Estado ou da Igreja ditando para a gente como é, tipo “nós fazemos nossas regras”, diferente do “rejeitamos as regras”. Tinha contatos e diferenças e minha geração é desse intercâmbio, final dos anos 1980.

Como foram os anos 1990?

Acompanhei pouco, porque fui pros Estados Unidos, militei no hardcore, fiz outras coisas e só retomei no fim dos anos 1990, então tenho um hiato na história de São Paulo. Já no final dos anos 1990 surge o movimento antiglobalização que é a confluência de outras coisas. Tinha essa cultura anarquista ligada à contracultura, ao hardcore, ao punk; tinha uma tradição libertária no movimento estudantil, principalmente na FFLCH; e tinha esse contexto mundial de resistência ao neoliberalismo.

No final dos anos 1990 vários de nós estávamos acompanhando as listas das mobilizações, estava acontecendo bastante coisa na América Latina. Teve a greve da UNAM, depois teve o 501 na Argentina. O 501 foi um movimento muito importante, foi o pessoal que depois viria para o movimento antiglobalização. Surgiu contra o processo eleitoral e tem uma lei que o voto é obrigatório se você tiver a até 500 km do seu domicílio eleitoral. Então o movimento era uma caravana, com vários grupos ativistas, que levava você até 501 km.

Isso marcou muito a esquerda argentina porque era uma iniciativa dos jovens não anarquistas, era o que viria a ser o autonomismo argentino. Eles organizaram assembleias cujo lema era “Existe política além do voto”. Então a gente estava muito inspirado por essas coisas. Campanhas de apoio aos zapatistas, a greve na UNAM, o movimento 501 eram mais ou menos o panorama latino-americano.

E aí em 1997, no Segundo Encontro Intergaláctico pela Humanidade e Contra o Neoliberalismo, dos zapatistas, surgiu a ideia de fundar a Ação Global dos Povos (AGP), que era confederar os movimentos sociais de base voltados para a ação direta, para organizar globalmente uma oposição ao neoliberalismo.

No Brasil, como era a AGP?

No Brasil, a gente começou, era isso: a contracultura do hardcore e do punk, o movimento estudantil principalmente da USP não ligado a partidos e pequenos coletivos, pequenos coletivos feministas, pequenos coletivos ambientalistas… Esse era o caldo. A gente começou a se reunir, entrando para valer, no ano 2000.

Já tinha uma cultura de internet no movimento?

Sim, era totalmente cultura de internet. Uma das coisas totalmente distintivas do movimento antiglobalização em relação a movimentos anteriores dos quais ele é filiado é que ele era totalmente organizado globalmente.

Antes as coisas iam, se espelhavam, uma luta influenciava a outra, mas não havia uma organização de fato de as lutas se corresponderem. Com a internet isso mudou completamente, esse movimento foi completamente articulado.

Por exemplo, a gente sofreu repressão no A20 em 20 de abril de 2001. Aí ocuparam a embaixada brasileira em Amsterdã, em Roma e assim, completamente articulado, foi a partir dos relatos que a gente mandou para os companheiros. E vice versa: quando aconteceu a morte do Carlo Giuliani em 2001 a gente ocupou o consulado da Itália, e não era uma coisa espontânea, era uma coisa de articulação da rede de solidariedade. A gente ensaiou essa possibilidade de organização horizontal num nível internacional.

A grande inspiração você diria que foram os zapatistas?

Com certeza. A ideia da AGP nasceu num encontro zapatista, em Barcelona. Nasceu a ideia e o primeiro encontro fundador da AGP foi em Genebra em 1998.

Quais os princípios que ligavam essas pessoas e coletivos?

Todos exatos eu não lembro de cabeça, mas eram os princípios da autonomia, da horizontalidade, a ideia de não ser uma organização. A AGP não era uma organização, era uma espécie de rede de solidariedade e luta. A ideia da diversidade de estratégias de luta, de não termos uma linha única que fosse imposta, de rejeição dos modelos já estabelecidos de luta, e uma crítica muito forte a todas as formas de opressão. O que não era algo necessariamente novo, mas levávamos muito sério. Incorporamos essas lutas do feminismo, do movimento negro, de forma muito forte.

Na verdade a gente via o processo de globalização como uma oportunidade para federar as lutas que tinham se fragmentado nos anos 1960, era nossa leitura. Antes dos anos 1960 era o movimento operário que conduzia a luta social, depois se fragmentou no movimento feminista, movimento ecológico, movimento negro, e assim por diante.

E nossa ideia era que o processo de globalização econômica permitia federar essas lutas porque afetava as mulheres que estavam trabalhando num workshop no México, afetava o problema do desmatamento porque suspendia as regulações ambientais para gerar competitividade entre os países, então o movimento ambiental podia se somar, o movimento trabalhista porque suspendia também a proteção ao direitos trabalhistas para flexibilizar a mão de obra, etc.

Quando demos o nome de anticapitalismo no final dos anos 1990, é curioso, tinha uma acepção diferente, porque não era econômica. Era a ideia de que o capitalismo era a soma de todas essas formas de dominação e exploração, e que o anticapitalismo era a federação de todas essas lutas em uma luta comum, a luta contra o neoliberalismo. Foi realmente uma tentativa. Tanto que por exemplo, na nossa rede da AGP aqui teve vários grupos feministas, vários grupos ambientais, alguns sindicatos pequenos, no Ceará tinha um pessoal do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), então a gente confederava lutas muito diferentes, mas aqui muito orientadas na luta contra a ALCA [Área de Livre Comércio das Américas].

Como funcionava a AGP a nível mundial, como um coletivo daqui se vinculava, se relacionava?

A AGP não era nada. A AGP era uma ideia, uma carta de princípios. Qualquer um que respeitasse essa carta de princípios levantava a mão. Formalmente, nos encontros, tinha delegações da AGP. Então o primeiro que aconteceu em Genebra em 1998, o delegado brasileiro foi o MST. E o MST se somou às nossas primeiras manifestações, participava. Nossa primeira reunião se eu não me engano foi inclusive na sede da Consulta Popular, foi o MST que deu toda a infraestrutura. Mas aos poucos, digamos, eles participavam, mas não eram os atores mais importantes da AGP aqui.

E depois, o que houve para que a AGP fosse se desarticulando?

Esse ciclo se desgastou. Ficamos muito ativos desde 1998, acredito que o auge tenha sido em 2000, a gente fez o S-26, barrando um encontro do Banco Mundial e do FMI em Praga e acho que foi nossa grande conquista. Fizemos ações em cerca de 300 cidades no mundo e eram totalmente dominadas pelo movimento autônomo, conduzidas por nós, o grande feito político foi termos coordenado protestos em centenas de cidades, muitas milhões de pessoas. Depois tiveram outros grandes, protestos em Gênova, houve vários.

Mas a fórmula era tentar copiar o sucesso de Seattle. A ideia original eram os “carnavais contra o capitalismo”, que quem tinha dado a ideia eram os companheiros de Londres, do “Reclaim the streets”. Eles vinham da confluência do movimento de politização das raves e do movimento anti-estradas, ligado a coletivos ambientais. E faziam essas festas de rua que bloqueavam estradas e tal, e eles que lançaram a ideia de carnavais globais contra o capitalismo. Tinha esse caráter meio contracultural.

Essa ideia foi lançada e a primeira fez que aconteceu globalmente de fato foi no J18, 18 de junho de 1998, em dezenas de cidades. Aí em seguida teve Seattle, que foi 30 de novembro de 1999, e depois 26 de setembro de 2000. E em 2000 a gente já estava completamente articulado globalmente, foi quando a coisa atingiu centenas de cidades.

Em Seattle tinha dado muito certo, porque conseguiram barrar fisicamente a reunião da OMC [Organização Mundial do Comércio], da rodada do milênio. A estratégia era pegar um mapa, o lugar do encontro, barrar todos os acessos por meio de bloqueio de ruas. Atrasou os delegados, os sindicatos estavam fazendo uma megamanifestação, o Clinton estava na parede porque tinha eleição próxima, isso gerou um caos. E a rodada do milênio que era um projeto extremamente ambiciosa de desregulamentação econômica em âmbito mundial, falhou miseravelmente.

Isso virou um espécie de paradigma do movimento antiglobalização: fazemos grandes manifestações tentando bloquear ou invadir os eventos, e centenas de protestos pelo mundo para aumentar a pressão. Fizemos isso inclusive aqui, teve o encontro do BID [Banco Interamericano de Desenvolvimento] em 2002 e fizemos protestos em Fortaleza, por exemplo.

Mas esse modelo começou a se esgotar, porque ficávamos correndo atrás, começou um sentimento de que a gente estava girando em falso, que a experiência de Seattle nunca mais ia acontecer. Teve o 11 de setembro que endureceu nos EUA e em outros países a maneira como o Estado combatia esse movimento, ameaçando aplicar leis antiterroristas por um lado e, por outro, a ameaça de uma guerra a nível global fez com que a gente fosse mudando gradativamente para o movimento antiguerra. Acho que essas duas questões foram levando esse modelo para o esgotamento, além dos aspectos internos, a sensação de que não estávamos caminhando para nenhum lugar.

Houve um movimento natural de ir voltando para os coletivos locais. O pessoal da Argentina, por exemplo, foi em peso para o Movimento Piquetero, alguns para o movimento de assembleias. Aqui, teve uma galera que foi para o Movimento Passe Livre (MPL).

Além dos bloqueios e manifestações de solidariedade, quais eram os outros eixos de atuação da AGP?

Aqui, por exemplo, a gente fazia muita campanha pública. Fizemos toda a campanha contra a ALCA, muito antes de entrarem as igrejas, os partidos políticos. A gente ia em escola, sindicato, associação de bairro, produzimos centenas de panfletos, jornais, fizemos uma campanha bem estruturada, de informação. Explicar o que era a ALCA, quais seus impactos, o que significava para as relações trabalhistas, para o meio ambiente, e assim por diante. Isso articulado com os protestos. Acho que adquirimos um nível bom de organização, e tinha bastante gente simpática ao movimento, financiavam nossas publicações.

Embora eu ache que para a coisa ter vingado tenha sido importante a participação dos partidos políticos, da igreja católica, o plebiscito que foi feito sobre a ALCA, isso ajudou a enterrar a ALCA, já por volta de 2003.

Quais as características e especificidades dos movimentos que se seguiram a esse processo, que hoje se convencionou chamar de movimentos autônomos?

A ideia de coletivos autônomos foi sendo construída muito no movimento antiglobalização. Antes a gente tinha uma cena anarquista. Isso tem a ver com a contracultura brasileira, que não teve a interface com a política. Foram dois caminhos, numa trilha os tropicalistas, os hippies, na outra, a luta armada contra a ditadura militar, a crítica ao stalinismo. Essas coisas não se encontravam, como aconteceu, por exemplos nos Estados Unidos, na Itália.

Essa fusão só aconteceu aqui com os punks. Que o punk antes era despolitizado, se associava o que a gente chama de punk 82 com algo mais social que político, era a classe trabalhadora gritando com uma guitarra. Um grito confuso, um grito sem experiência política, mas gritando. Um grito de revolta contra a pobreza, a exclusão, misturado com algo contracultural, existencialista, tudo junto e muito confuso.

Essa coisa do anarquismo é do fim da segunda e da terceira geração do punk, que se aproximou mais da tradição sindical do anarquismo brasileiro. Tem um fato que é muito marcante, em 1988 tem um 1 de maio que fazemos a segurança da manifestação, junto com a CUT [Central Única dos Trabalhadores]. Era a COB, a Confederação Operária Brasileira que a gente estava tentando refundar, junto com a CUT e outras centrais. Nesse momento estava começando a se definir entre os punks um grupo anarquista, que lia Proudhon, Bakunin, frequentava o Centro de Cultura Social, era uma novidade.

Outros grupos de punks, misturados com skinheads, que estavam caminhando para a direita, essa cisão só aconteceu no final dos anos 1980, e eles vão para esse 1 de maio para bater, e tomam uma surra. Menos dos punks porque a gente era muito miudinho, mais dos sindicalistas. Tomam um pau. Acho uma marca dessa cisão ideológica da contracultura brasileira. Para mim a fusão entre contracultura e política se concretizou nesse dia. Tem a direita e tem a esquerda. Os skinheads começaram a flertar com o integralismo e viraram fascistas e outro grupo eram os anarquistas.

No movimento antiglobalização, tinha, por um lado, a rejeição aos partidos políticos, à hierarquia, tinha discurso libertário mas tinha uma visão mais ampla. A gente dialogava com as ONGs, com movimentos mais tradicionais na sua forma de organização, começou a haver certa diferenciação com um anarquismo mais programático. Começou a surgir essa ideia do movimento autônomo, também sob inspiração da teoria político mais autonomista, seja na tradição francesa como Castoriadis, seja na italiana, como Negri ou Mario Tronti. Algumas pessoas começaram a ler, e foi se desenvolvendo esse entendimento, de se juntar também aos marxistas dissidentes mais horizontalistas, que nunca tinham sido bem vindos no movimento anarquista por razões históricas. Autonomia em relação ao Estado e em relação ao mercado. Isso é uma construção do final dos anos 1990, início dos 2000.

E o Fórum Social Mundial?

O Fórum Social Mundial foi uma construção totalmente separada da nossa. Tinha o Fórum Econômico Mundial de Davos, que juntava representantes das empresas, dos governos, do setor acadêmico e fazia um grande encontro de cúpula dos líderes mundiais para discutir assuntos de interesse global. O Fórum Social Mundial foi pensado exatamente nos mesmos termos originalmente. Era para ser um encontro das lideranças dos sindicatos, das lideranças dos movimentos sociais e das lideranças dos partidos políticos, numa grande conferência contra-hegemônica.

Nesse momento já tinha o movimento antiglobalização, um movimento de base horizontalista, e já tinha sua importância. As primeiras propostas do Fórum eram de um encontro de cúpula que as pessoas inscreviam lideranças. Aí abriram um negócio chamado oficinas que permitia a participação de todos. E as oficinas bombaram, porque o movimento era horizontal. E subverteu.

Apesar de não surgir da nossa tradição, os organizadores do Fórum souberam incorporar, digamos, esse caráter horizontalista e deixar o encontro virar outra coisa. Ficou mais participativo, mais rico. A gente nunca participou ativamente, da construção, mas aproveitava que vinha gente do mundo inteiro, e sempre fizemos, ao menos até 2005, encontros paralelos.

Você vê, então, o MPL como uma espécie de continuidade desse processo?

Totalmente. O MPL tem duas origens: o movimento antiglobalização e outra que vem ideologicamente do trotskismo, mas que vem talvez mais que isso, do movimento estudantil pelo passe livre. Nos anos 1990 tem a luta forte pelo passe livre estudantil que traz como inspiração as conquistas no Rio de Janeiro, então tem uma tradição estudantil forte.

Em Florianópolis, por conta do Juventude Revolução Independente, começaram a defender essa ideia da autonomia a partir do trotskismo. A partir de uma leitura e reflexão interna dentro do trotskismo, atuando com o conceito de autonomia nesse campo da luta pelo passe livre estudantil. Aí nasce dessa experiência de Floripa, por um lado da Juventude Revolução Independente por sua vez ligada ao processo do passe livre estudantil dos anos 1990, e por outro,  o movimento antiglobalização.

Vários militantes do movimento antiglobalização compuseram o MPL original de Floripa. Quando a gente faz o primeiro encontro do MPL lá no Fórum Social Mundial de 2005, estão presentes muitos do movimento antiglobalização e principalmente do CMI [Centro de Mídia Independente], que é, digamos, a face mais organizada do movimento.

O CMI era praticamente a expressão midiática do movimento antiglobalização. E o CMI era organizado, tinham vários grupos locais que se reuniam. Sempre funcionou como uma espécie de esqueleto da AGP, mais claramente organizado porque tinha coletivos, endereços, comunicação global, um site de referencia. Foi muito importante para o movimento antiglobalização como um todo. E serviu como meio de difusão do MPL. Tanto é que acho que quase todos os primeiros MPLs em 2005 vieram de coletivos do CMI.

Chegando nos tempos atuais, como você vê esses coletivos e movimentos autônomos que estiveram envolvidos na onda de mobilizações que começou em junho? E também as novas articulações entre esses movimentos que essa jornada de lutas tem impulsionado?

Acho que essa experiência da luta contra o aumento da tarifa trouxe um salto qualitativo muito importante. Essa tradição de luta que a gente remonta ao zapatismo, ao movimento antiglobalização, mais recentemente ao Occupy Wall Street, ao 15M, e lá atrás a maio de 1968, às lutas da autonomia italiana, essa tradição é muito marcada pela valorização do processo de organização.

Ou seja, a ideia de que devemos fazer política pré-figurativa. Que a forma de organização do movimento deve espelhar a sociedade que a gente quer. Então ser horizontal, inclusivo, não ser sexista, não ser racista, um enorme cuidado com o processo. É processo político e também criativo – então fazer intervenções divertidas, contraculturais, é a mesma valorização do processo: queremos uma vida prazerosa, desburocratizada das amarras institucionais.

Eu faço uma avaliação crítica que essa característica fez com que historicamente a gente fosse muito desatento aos resultados da luta. Várias experiências dessa se perderam por serem incapazes de ter um foco claro de luta. No movimento antiglobalização, era um esforço enorme a gente converter a luta em uma luta objetiva contra a ALCA. Vamos pressionar o governo brasileiro a não assinar a ALCA. Fazer isso era um esforço, porque a tendência do movimento era ser algo auto expressivo, carnaval contra o capitalismo. Uma explosão de rebelião antissistêmica.

O que estava valorizado aí? O processo, a forma de luta. Um dia, quando a gente vencer, que a gente não sabe como, vai ser por meio do fortalecimento da luta, que vai ser horizontal, participativa, comunitária. Mas isso fazia com que o movimento não tivesse um objetivo de curto prazo ligado a esse objetivo de longo prazo. Não tinha estratégia para vencer. Por sorte, em Seattle funcionou e criou um paradigma de estratégia para vencer: a gente barra. Foi tentado em vários lugares, nunca mais aconteceu.

Mas se olhar a experiência do 15M, do Occupy Wall Street e das ocupas pelo mundo todo, também daqui como o Ocupa Sampa, essa incapacidade de ter um foco apareceu. Isso aconteceu desde o final dos anos 1960 se pegarmos gênese do movimento.

E eu acho que a grande novidade aqui é que o MPL criou um novo paradigma. Ter um objetivo de curto prazo, que é um processo de uma utopia, de uma transformação mais profunda. Qual a transformação mais profunda? A desmercantilização do transporte. Direitos público à mobilidade urbana. Mas isso se concretiza num passo: a tarifa voltar para trás. É totalmente contra-intuitivo, do jeito que a coisa é, a tarifa sempre cresce. A partir do momento que ela volta para trás, você coloca no horizonte a possibilidade de voltar para trás até seu limite, que é o zero.

E isso, cara, parece selvagem, há dois meses atrás diriam que é coisa de extremista, de gente delirante, e eles mostraram isso que agora está no centro da pauta: não tem um partido, um veículo de comunicação ou um político que não estejam discutindo essa pauta que há dois meses era chamada de delirante, sem pé na realidade.

Eu acho que eles conseguiram criar isso. E era factível, apesar de bem difícil. Foi suado, custou bastante trabalho, muita gente foi presa, muita gente apanhou, teve gente que morreu, mas era factível, foi factível.  E isso ampliou os horizontes.

Mas tem mais do que isso aí, não? Porque já teve outros aumentos que foram barrados…

Já teve, já teve.  Na verdade eu estou falando do MPL como um todo…

Ah, você acha que já nas primeiras vitórias isso está contido?

Já contém isso, sim. Eu acho que o MPL daqui simplesmente deu muita visibilidade por estarmos em São Paulo, mas o MPL é isso, ele nasce do aprendizado da Revolta do Buzú de Salvador. A Revolta do Buzú foi um movimento espontâneo, de jovens – molecada mesmo, adolescentes, até pré-adolescentes – que saíram nas ruas e bloqueram a cidade durante vários dias contra o aumento das passagens e foram traídos pela UNE.

Eles não tinham um instrumento político. O MPL é a busca por aprender com esse erro, aprender com o processo espontâneo. Quem inventou, quem exemplificou essa estratégia de luta foram os meninos de Salvador, só que teve uma falha, já que não havia com quem negociar.  E eles fracassaram, perderam bem perdido com a traição da UNE. E aí a ideia do MPL é dar um estamento político pra essa luta, e fomentar essas revoltas que tinham nascido espontaneamente.  Um grupo político vai fomentar uma revolta.

E aconteceu em Floripa duas vezes, 2004 e 2005. Depois aconteceu em várias cidades, deve ter tido mais de dez revoltas de transporte entre 2004 e agora.  Talvez mais de vinte.  E as instituições políticas foram surdas a esse processo. E os meninos do MPL de São Paulo continuaram, “um dia vai virar aqui, tem que virar, ta virando em todo lugar”.  Eles apostaram, continuaram insistindo na luta e tiveram vários acertos estratégicos, amadureceram estrategicamente, começaram a pensar no curto prazo, em como fazer para pressionar, houve uma maturidade no jeito político de atuar que eu acho um aprendizado  para o movimento autônomo não só do Brasil como do mundo.

Sem brincadeira: Ocuppy WallStreet tinha muito a aprender com o que os meninos do MPL fizeram, se eles tivessem os vinte centavos deles pro sistema financeiro as coisas teriam sido muito diferentes, podia ter tido uma vitória. E que não é só uma pequena reforma,  o passe livre é uma pequena reforma que aponta imediatamente pra sua própria natureza de uma profunda transformação do sistema.  Liga-se com a desmercantilização do transporte, e isso abre o precedente para várias outras desmercantilizações, é como um novelo de lã que você começa a puxar e vai ampliando os horizontes.

Conseguiram colocar uma meta de curto prazo, exequível e intrinsicamente ligada ao processo de transformação da sociedade que a gente quer.  E ao invés de valorizar apenas o processo de luta, valoriza-se também o processo de luta, porque é um movimento autônomo, que faz essas discussões de que o processo tem que ser horizontal, independente dos partidos e etc., mas não descuida da conquista de objetivos práticos de curto prazo que vão acelerar essa passagem pro objetivo de longo prazo.

Desde esse começo da Internet que você fala desenvolve-se também um saber relativo a organização de movimentos pelas redes, mas isso talvez tenha explodido no senso comum agora, não? É de agora que vem mais à tona esse discurso de que as mobilizações são produto das redes sociais e da Internet?

Então, essa conversa não é nova. O movimento antiglobalização foi muito rotulado como o movimento da Internet.  E eu acho essa uma leitura tecno-determinista muito equivocada, porque a história é o inverso do que é contada. A história que a gente escuta é a de que as redes  são horizontais, democráticas e participativas e o movimento das ruas copia a forma de organização das redes.  Ou seja, a forma de organização das redes impõe a organização das ruas. E é exatamente o oposto. As redes foram desenhadas por nós pra ter esse formato e não o contrário, ou seja, as redes adquiriram esse formato horizontal e participativo.

A Internet era uma rede universitária até 1995, ela se privatizou, ou seja, foi aberta pra venda e serviço de acesso a Internet em 1995. E quando ela se privatizou o modelo que se tentou fazer é o modelo do portal, que é o mesmo da comunicação tradicional: um emissor e vários receptores.  E foi isso que estava imposto, o modelo da American Online (AOL),  do iG, do Uol… Eu vou ter um portalzão, uma redação com jornalistas que vão abastecê-lo…

Os portais até proviam acesso.

É, vou prover acesso, vou prover informação, serviço de e-mail… é um modelo de um para muitos, o modelo tradicional da comunicação de massa. E era esse modelo que estava sendo implementado nos anos 1990.

O CMI é um entendimento de que a gente devia usar as possibilidades da Internet, que era um veículo bidirecional, em que se falava e recebia, e subverter essa tentativa de transformá-la numa grande televisão ou numa grande revista e fazer uma forma de comunicação interativa, baseada nas experiências das rádios livres, das TVs comunitárias, dos fanzines, nessa tradição de comunicação alternativa. E foi assim que foi desenhado. O CMI era um site de publicação aberta, quando não existia nem blog. Quem inventou o conceito de blog foi o CMI, não tinha blog, as pessoas não faziam isso, elas faziam sites. Uma ideia de um blog,  que seja um negócio fácil de escrever e que possa ser atualizado rapidamente não existia, o CMI é pré-blog, é précreativecommons.

E não é à toa que do CMI saíram muitas das empresas de redes sociais: Twitter, Youtube, Flickr e Craigslist. Todas foram fundadas por pessoas que vieram do CMI.  Foi um duplo movimento, o CMI servindo como exemplo de que se pode fazer comunicação de outro jeito e gente do CMI que quando ele se exaure vai tentar viver de outra forma. Isso tem a ver também com a forma de organização da esquerda liberal americana que permite essas passagens do movimento social pro mercado de uma  maneira que a gente consideraria  bizarra – mas que no contexto americano não é tão bizarra.

Isso aconteceu, principalmente nos EUA e na Inglaterra, vários técnicos do CMI trabalhando nessas empresas e de certa maneira desenhando essas empresas. Ou elas sofreram influência direta, no sentido que de pessoas saíram e desenharam essas tecnologias,  ou por meio da inspiração do modelo de comunicação participativa. E hoje todo mundo faz né, a Globo News tem lá “mande seu vídeo”. Só que a gente inventou em 1999 o “mande seu vídeo”.

Mas isso aconteceu como? Uma conversão ideológica dessas pessoas ou mais uma questão de trabalho?

Eu acho que era mais uma coisa de decisão pessoal de arrumar um trabalho, mas nisso você carrega essa sua bagagem. Quando você vai desenvolver um projeto pra uma empresa, pensa em fazer algo participativo.  Mas é uma história oculta: essa história nunca foi contada porque os atores têm vergonha.  Conheço vários deles, eles têm vergonha porque são pessoas que são militantes até hoje. Do mesmo jeito que eu fui pra universidade eles foram trabalhar em empresas, se eu estava fazendo mestrado e tinha isso como caminho, o do cara que era programador era trabalhar em uma empresa onde pudesse programar pra viver.

Mas seria importante exemplificar pra ficar claro que nós não estamos copiando as redes, e sim foram elas que nos copiaram. Se você olhar hoje pra esse panorama de que hoje toda a comunicação eletrônica é participativa de certa maneiro isso é uma vitória do nosso projeto. E não precisava ser assim, cara, aliás a tendência nos meados dos anos 1990 era a de que a Internet fosse uma grande televisão e a interatividade seria você mudar de canal. Ela foi outra coisa porque houve participação popular e se tentou pegar as formas participativas de comunicação que vinham da comunicação popular e aplicar explorando as potencialidades da Internet.

Por exemplo no livro Mídia Radical, do Joe Downing, ele vai contando a história das rádios livres, das TVs comunitárias, e como tudo isso converge no CMI no final dos anos 1990.  Daria pra fazer um segundo volume do livro dele, mostrando como a partir daí acontece uma revolução nas empresas de tecnologia da informação.

Seu próximo livro é esse então?

Não, não. Mas eu já pedi pra vários amigos, vocês precisam contar essa história, perder a vergonha porque é importante, é uma história oculta, essa ninguém sabe.

E como fica o “terceiro setor” dessa história, que não é propriamente movimento nem mercado, esse negócio estranho aí que é o Fora do Eixo. Seriam também um produto dessa evolução?

Cara, eu acho que o Fora do Eixo é uma coisa totalmente à parte. Acho que o Fora do Eixo não tem nada a ver com essa história, de nenhum dos lados, acho que ele é uma tentativa de positivar a natureza do trabalho contemporâneo. O Fora do Eixo é o grupo político mais impressionante que eu já vi em mais de vinte anos de militância, nunca vi ninguém mais eficiente do que eles, são um fenômeno político impressionante.

Eles são uma organização hipercapitalista. O que eles fizeram: quando a natureza do trabalho virou informacional, você já não consegue mais separar trabalho de não trabalho. Você  trabalha com jornalismo, você não desliga, não é que nem um operário que pendura o macacão e vai pra casa. Você não desliga o cérebro, você tá pensando na pauta, senta pra conversar e está conversando sobre a pauta, aquilo te toma. Por isso que é muito difícil organizar tempo de trabalho neste tipo de trabalho informacional.

Todo mundo que trabalha atrás de uma tela de computador trabalha assim, você não tem como se desligar de um trabalho dessa natureza simbólica. E aí você tem essa mistura de trabalho e não trabalho, que é massacrante.  O que eles fizeram foi transformar isso numa coisa positiva e militante.

E escondem o lucro.

Eu acho que eles não são capitalistas nesse sentido, porque eles não estão atrás do lucro econômico. É curioso, você vai ver o núcleo do Fora do Eixo, os caras que moram na casa, eles vivem que nem estudante.  Moram em beliches, vivem muito pior do que eu. E têm uma conta com três milhões de reais. Não é orientado pro lucro: o que é mais capitalista, e não menos.

Mas se é muito orientado pro poder de Estado, que implica em lucros pessoais, de uma forma é orientado pro lucro, não?

Eu acho que a questão deles é poder, não é dinheiro. Posso estar enganado, estou analisando aqui de fora.  Quer ver o que eu penso? Guardadas as proporções, não estou querendo supervalorizar, eles são superinteressantes mas também não são tudo isso que o pessoal pinta não, mas pega o Webber, a ética protestante. Pega a definição de capitalismo marxista, é geração de valor pra geração de mais-valor, pegar dinheiro, investir e gerar lucro é totalmente pré-capitalista, é desde a Antiguidade.

Mas nessa época o que você faz? Pega e gasta. Na Antiguidade uma das condições de ser rico é que você não trabalhava, você entrava num empreendimento econômico pra não trabalhar, punha as pessoas pra trabalhar e só vivia na riqueza.  E o Webber fala assim: o capitalismo não é isso. Capitalismo é outra coisa, eu pego a riqueza e reinvisto,  gerando um processo de expansão econômica.  Isso é o que diferencia o capitalismo de outros processos econômicos, e ele vai buscar no ascetismo protestante essa lógica.

Os protestantes acumulavam dinheiro e reinvestiam. E a partir do momento que você tem essa lógica de não vou gastar com mulheres, bebidas e na vida de luxo, que é a forma tradicional das pessoas ricas viverem a vida, mas eu vou reinvestir na produção, a partir do momento que você faz isso você obriga todos os competidores do mercado a seguirem a sua mesma lógica. A lógica de trabalho capitalista, de expansão: trabalho, mais trabalho, mais rigor, mais acúmulo de capital.

E quem não entra nessa lógica perde pra você, e é comprado por você. O  capitalismo é uma lógica de expansão, e vai expandindo essa lógica do trabalho pra todas as esferas da vida.  É isso, cara. Então o capitalismo não é acumular dinheiro,  o capitalismo é não acumular dinheiro.  Por isso eu acho o projeto do Fora do Eixo profundamente perigoso, porque é um projeto de vida para o trabalho. Sem acumulação.

A acumulação é de poder?

É acumulação de poder, é um projeto que usa uma estrutura econômica para um projeto de poder oculto. Qual o projeto político do Fora do Eixo? Desconhecido.  Não tem documento público. Mas eles têm projeto político, eles são um partido, obviamente eles são um partido político. Eles não estão nessa por dinheiro, vai lá na casa deles, os caras comem miojo e vivem que nem estudante.  E eles trabalham pra caralho, e bem. Eles deram um choque de capitalismo, de organização capitalista, na cultura alternativa.  Chegaram em São Carlos e falaram “vamo organizar o circuito de bandas de São Carlos”.  Na cultura até a parte capitalista é super desorganizada, a parte alternativa da cultura é caótica. Cara, é o caos. Aí eles chegam com uma ética de trabalho rigorosa, com gente eficaz, e impõem isso.

E fazem isso positivando a distinção entre trabalho e não trabalho, criando uma cultura de que minha vida é o trabalho. Com um discurso ativista. Como se eles estivessem fazendo ativismo, mas eles não estão fazendo ativismo, estão fazendo atividade econômica sem finalidade de lucro, gerando mais acumulação.  É brilhante. E perigoso.

E desse processo de junho aparentemente eles saem favorecidos, afinal depois do MPL quem ganhou mais visibilidade foi a tal Mídia Ninja.

É impressionante. Eles têm um entendimento muito sofisticado da natureza do nosso capitalismo contemporâneo. Eles sabiam que como eles não tinham capacidade de ser um ator relevante, se eles controlassem a comunicação do movimento eles controlam o movimento, controlam a imagem de como o movimento é representado.

O que é o Ninja, cara? É uma coisa minúscula perto do que aconteceu, do fenômeno político que aconteceu. Mas eles são superexpostos, porque eles controlam a comunicação e a comunicação é chave pra maneira como as pessoas percebem o movimento e como o movimento se percebe. Então é estratégico.  E eles fazem de um jeito sofisticado, eles trabalham marca…  O trabalho de marca deles é impressionante, que organização política trabalha marca? Exposição do nome, exposição do logo,  constroem um texto político colocando o logo e o nome, trabalhando com alavancagem de marca pra usar a expressão publicitária.

Já falei várias vezes que a gente deveria aproveitar isso pra gente ganhar maturidade política, porque a gente só vai enfrentar um ator político dessa natureza se tornando muito mais sério no nosso entendimento da luta social, a gente é muito amador. Eles colocam o desafio num outro nível.  São mais eficientes que os capitalistas.

Mas engajam seus membros sob uma perspectiva de militância.

Essa forma é militante mas é despolitizada. Qual a plataforma pública deles? Nenhuma. Fizeram Marcha da Liberdade, em defesa da liberdade. Lutaram pra que mantivesse esse sentido genérico.  Fizeram Existe Amor em SP. É amor, liberdade, vão fazer algo pela paz, porque é uma estratégia de mobilizar sem causa. Curioso, é extremamente despolitizante.

Mas o Existe Amor em SP tinha uma causa, era eleitoral.

Tinha, mas era oculta. Era contra os fascistas, em tese. E depois que saiu o Russomano ficou ainda mais vago. Pela cidade… é um nível de total despolitização, eles não têm um programa político.  Eles não podem ter um programa político, por isso começaram pela cultura, que é o setor mais despolitizado. É muito interessante, porque é uma militância do não político. Porque não tem causa.

É uma grande construção política. Agora, eles chegaram a um limite. Porque o que aconteceu em junho é um grande chacoalhão. É uma enorme politização da sociedade brasileira. Minha tia está falando de política, tá todo mundo falando de política, a sociedade se politizou. E como eles vão reagir frente a isso? Se politizar é tomar posição, apoiar isso ou aquilo, essa forma de organização. Eles defendem qual forma de organização?  São a favor do mercado privado, são a favor da socialização, são a favor do PT, contra o PT?  Nada, você nunca sabe.

É que isso é uma discussão muito “rancorosa”.

Exatamente… Mas você não sabe, e essa é exatamente a força e o limite do projeto político. Imagino que em algum momento eles vão dar um salto, porque isso vai chegar no limite, e como eles são muito habilidosos eles vão criar uma outra coisa a partir do que eles construíram.  Eles já tão muito perto desse limite.

Por exemplo, eles fizeram o Ninja, que é um relativo sucesso,  mas ao mesmo tempo é um fracasso, porque eles não tiveram papel ativo nessa mobilização.

Mas esse desafio que eles lançam é importante pro movimento autônomo, porque eles expõem como a gente é amador. Isso é outro assunto, mas os movimentos autônomos são muito, mas muito principistas.

Outro aprendizado do MPL: eles foram, falaram no Jornal Nacional, falaram no Roda Viva,  sem pudor, sentaram pra negociar no Conselho da Cidade. Porra, isso é um ganho. Se você olhar pra história desses movimentos, fazer isso com essa maturidade, com clareza, com estratégia, nada disso era possível no movimento antiglobalização. Essas coisas eram absolutamente necessárias. O que acontecia? Pessoas faziam isso nas costas do movimento.

Porque é necessário, como é que eu vou organizar um movimento global sem dinheiro? Tem que fazer compra internacional, imprimir material, pagar servidor de Internet. E aí como eu gerencio doações?  O movimento não quer decisões delicadas desse tipo. Então algumas pessoas faziam. “Recebemos uma doação de cinquenta mil dólares”. Alguém falou com alguém pra conseguir esse dinheiro, não cai do céu – foi feito nas costas do movimento. E isso sabotava a autonomia do movimento. O movimento antiglobalização, ao contrário do MPL, não falava com a imprensa. E aí alguém falava com a imprensa, porque tinha setores da imprensa que apoiavam o movimento. Porque o movimento não tem maturidade pra lidar com essas coisas, com dinheiro, falar com a imprensa, pressionar o governo, trabalhos necessários se você ta fazendo luta política.

Eu acho que o MPL deu um show de maturidade política em relação aos nossos padrões anteriores. Fizeram tudo que era necessário e o resultado está aí. 600 milhões por ano no bolso da classe trabalhadora! Isso não tem o que discutir. E não eram coisas assim terríveis. Dar entrevista pra deus e o mundo fez uma puta diferença. E tinha gente nos meios de comunicação que apoiava. E que quando a coisa virou e o editor permitiu fez coisa boa. Tem que explorar isso, muda muito. MPL mostrou maturidade, de mostrar que se leva a sério, e assim consegue efeito político.

Esse aprendizado a gente tem que incorporar, eu espero que a lição de junho não seja nós fomos às ruas e vencemos, que é parte da verdade, mas não a mais importante. Nós fomos às ruas e vencemos com estratégia e com maturidade política, o que é muito diferente. Que é o que o OcuppyWallStreet não fez, o 15M não fez, o movimento antiglobalização não fez.

Interessante também que em relação ao diálogo com o governo, eles aceitaram os convites mas não negociaram nada.

Faz parte da estratégia deles, mas eles podiam estar numa estratégia em que fosse estratégico negociar. Mas no caso deles a reivindicação era muito simples.  O que a gente quer é revogar o aumento. “Vem aqui, vamos discutir corredor de ônibus, licitações, municipalização do imposto da gasolina…” Não, revogação do aumento. É uma mensagem simples, do ponto de vista de comunicar com a população é claríssimo. E significa um rompimento de paradigma, a tarifa volta para trás e é isso que eles tavam querendo, o projeto deles é zero. E eles conseguiram colocar isso, ganharam a revogação e tarifa zero ta na boca do povo.

E tarifa zero é muita coisa, é mobilidade como direito social. E uma vez que você conquista isso você fala: nossa, que mais é direito social? Quero mais. Que mais como membro de uma coletividade eu tenho direito, só por ser membro dessa coletividade?

A importância da imaginação pós-capitalista (Envolverde)

Economia
27/8/2013 – 11h47

por Ronan Burtenshaw e Aubrey Robinson, do The Irish Left Review*

david harvey 250 A importância da imaginação pós capitalista

David Harvey mergulha no estudo das contradições do sistema e busca alternativas: desmercantilização, propriedade comum, renda básica permanente, gratuidades… Foto: Divulgação/ Internet

Mês que vem completam-se cinco anos que Lehman Brothers foram protagonistas do maior caso de falência de banco na história dos EUA. O colapso sinalizou o início da Grande Depressão – a crise mais substancial do capitalismo mundial desde a 2ª Guerra Mundial. Como entender os fundamentos desse sistema agora em crise? E, com o sistema em guerra contra a classe trabalhadora, sob o disfarce da “austeridade”, como imaginar um mundo depois disso?

Poucos pensadores geraram respostas mais influentes para essas perguntas que o geógrafo marxista David Harvey. Aqui, em entrevista recente, ele fala a Ronan Burtenshaw e Aubrey Robinson sobre esses problemas.

The Irish Left Review – Você está trabalhando agora num novo livro, The Seventeen Contradictions of Capitalism [As 17 contradições do capitalismo]. Por que focar essas contradições?

David Harvey – A análise do capitalismo sugere que são contradições significativas e fundamentais. Periodicamente essas contradições saem de controle e geram uma crise. Acabamos de passar por uma crise e acho importante perguntar que contradições nos levaram à crise? Como podemos analisar a crise em termos de contradições? Uma das grandes ditos de Marx foi que uma crise é sempre resultado das contradições subjacentes. Portanto, temos de lidar com elas próprias, não com os resultados delas.

TILR – Uma das contradições a que você se dedica é a que há entre o valor de uso e o valor de troca de uma mercadoria. Por que essa contradição é tão fundamental para o capitalismo e por que você usa a moradia para ilustrá-la?

DH – Temos de começar por entender que todas as mercadorias têm um valor de uso e um valor de troca. Se tenho um bife, o valor de uso é que posso comê-lo, e o valor de troca é quanto tenho de pagar para comê-lo.

A moradia é muito interessante, nesse sentido, porque se pode entender como valor de uso que ela garante abrigo, privacidade, um mundo de relações afetivas entre pessoas, uma lista enorme de coisas para as quais usamos a casa. Houve tempo em que cada um construía a própria casa e a casa não tinha valor de troca. Depois, do século 18 em diante, aparece a construção de casas para especulação – construíam-se sobrados georgianos [reinado do rei George, na Inglaterra] para serem vendidos. E as casas passaram a ser valores de troca para consumidores, como poupança. Se compro uma casa e pago a hipoteca, acabo proprietário da casa. Tenho pois um bem, um patrimônio. Assim se gera uma política curiosa – “não no meu quintal”, “não quero ter gente na porta ao lado que não se pareça comigo”. E começa a segregação nos mercados imobiliários, porque as pessoas querem proteger o valor de troca dos seus bens.

Então, há cerca de 30 anos, as pessoas começaram a usar a moradia como forma de obter ganhos de especulação. Você podia comprar uma casa e “passar adiante” – compra uma casa por £200 mil, depois de um ano consegue £250 mil por ela. Você ganha £50 mil, por que não? O valor de troca passou a ser dominante. E assim se chega ao boom especulativo. Em 2000, depois do colapso dos mercados globais de ações, o excesso de capital passou a fluir para a moradia. É um tipo interessante de mercado. Você compra uma casa, o preço da moradia sobe você diz “os preços das casas estão subindo, tenho de comprar uma casa”, mas outro compra antes de você. Gera-se uma bolha imobiliária. As pessoas ficam presas na bolha e a bolha explode. Então, de repente, muitas pessoas descobrem que já não podem usufruir do valor de uso da moradia, porque o sistema do valor de troca destruiu o valor de uso.

E surge a pergunta: é boa ideia permitir que o valor de uso da moradia, que é crucial para o povo, seja comandado por um sistema louco de valor de troca? O problema não surge só na moradia, mas em coisas como educação e atenção à saúde. Em vários desses campos, liberamos a dinâmica do valor de troca, sob a teoria de que ele garantirá o valor de uso, mas o que se vê frequentemente, é que ele faz explodir o valor de uso e as pessoas acabam sem receber boa atenção à saúde, boa educação e boa moradia. Por isso me parece tão importante prestar atenção à diferença entre valor de uso e valor de troca.

TILR – Outra contradição que você comenta envolve um processo de alternar, ao longo do tempo, entre a ênfase na oferta, na produção, e ênfase na demanda, pelo consumo, que se vê no capitalismo. Pode falar sobre como esse processo apareceu no século 20 e por que é tão importante?

DH – Uma grande questão é manter uma demanda adequada de mercado, de modo que seja possível absorver o que for que o capital esteja produzindo. Outra, é criar as condições sob as quais o capital possa produzir com lucros.

Essas condições de produção lucrativa quase sempre significam suprimir a força de trabalho. Na medida em que se reduzem salários – pagando salários cada vez menores –, as taxas de lucro sobem. Portanto, do lado da produção, quanto mais arrochados os salários, melhor. Os lucros aumentam. Mas surge o problema: quem comprará o que é produzido? Com o trabalho arrochado, onde fica o mercado? Se o arrocho é excessivo, sobrevém uma crise, porque deixa de haver demanda suficiente que absorva o produto.

A certa altura, a interpretação generalizada dizia que o problema, na crise dos anos 1930s foi falta de demanda. Houve então uma mudança na direção de investimentos conduzidos pelo Estado, para construir novas estradas, o WPA [serviços públicos, sob o New Deal] e tudo aquilo. Diziam que “revitalizaremos a economia” com demanda financiada por dívidas e, ao fazer isso, viraram-se para a teoria Keynesiana. Saiu-se dos anos 1930s com uma nova e forte capacidade para gerenciar a demanda, com o Estado muito envolvido na economia. Resultado disso, houve fortes taxas de crescimento, mas as fortes taxas de crescimento vieram acompanhadas de maior poder para os trabalhadores, com salários crescentes e sindicatos fortes.

Sindicatos fortes e altos salários significam que as taxas de lucro começam a cair. O capital entra em crise, porque não está reprimindo suficientemente os trabalhadores. E o “automático” do sistema dá o alarme. Nos anos 1970s, voltaram-se na direção de Milton Friedman e da Escola de Chicago. Passou a ser dominante na teoria econômica, e as pessoas começaram a observar a ponta da oferta – sobretudo os salários. E veio o arrocho dos salários, que começou nos anos 1970s. Ronald Reagan ataca os controladores de tráfego aéreo; Margaret Thatcher caça os mineiros; Pinochet assassina militantes da esquerda. O trabalho é atacado por todos os lados – e a taxa de lucros sobe. Quando se chega aos anos 1980s, a taxa de lucro dá um salto, porque os salários estão sendo arrochados e o capital está se dando muito bem. Mas surge o problema: a quem vender aquela coisa toda que está sendo produzida.

Nos anos 1990s tudo isso foi recoberto pela economia do endividamento. Começaram a encorajar as pessoas a tomarem empréstimos – começou uma economia de cartão de crédito e uma economia de moradia pesadamente financiada por hipotecas. Assim se mascarou o fato de que, na realidade, não havia demanda alguma. Em 2007-8, esse arranjo também desmoronou.
O capital enfrenta essa pergunta, “trabalha-se pelo lado da oferta ou pelo lado da demanda”? Minha ideia, para um mundo anticapitalista, é que é preciso unificar tudo isso. Temos de voltar ao valor de uso. De que valores de uso as pessoas precisam e como organizar a produção de tal modo que satisfaça à demanda por aqueles valores de uso?

TILR – Hoje, tudo indica que estamos em crise pelo lado da oferta. Mas a austeridade é tentativa de encontrar solução pelo lado da demanda. Como resolver isso?

DH – É preciso diferenciar entre os interesses do capitalismo como um todo e o que é interesse especificamente da classe capitalista, ou de uma parte dela. Durante essa crise, a classe capitalista deu-se muitíssimo bem. Alguns saíram queimados, mas a maior parte saiu-se extremamente bem. Segundo estudo recente, nos países da OECD a desigualdade econômica cresceu significativamente desde o início da crise, o que significa que os benefícios da crise concentraram-se nas classes mais ricas. Em outras palavras, os ricos não querem sair da crise, porque a crise lhes traz muitos lucros.
A população como um todo está sofrendo, o capitalismo como um todo não está saudável, mas a classe capitalista – sobretudo uma oligarquia que há ali – está muito bem. Há várias situações nas quais capitalistas individuais operando conforme os interesses de sua classe, podem de fato fazer coisas que agridem muito gravemente todo o sistema capitalista. Minha opinião é que, hoje, estamos vivendo uma dessas situações.

TILR – Você tem repetido várias vezes, recentemente, que uma das coisas que a esquerda deveria estar fazendo é usar nossa imaginação pós-capitalista, e começar por perguntar como, afinal, será um mundo pós-capitalista. Por que isso lhe parece tão importante? E, na sua opinião, como, afinal, será um mundo pós-capitalista?

DH – É importante, porque há muito tempo trombeteia-se nos nossos ouvidos que não há alternativa. Uma das primeiras coisas que temos de fazer é pensar a alternativa, para começar a andar na direção de criá-la.

A esquerda tornou-se tão cúmplice com o neoliberalismo, que já não se vê diferença entre os partidos políticos da esquerda e os da direita, se não em questões nacionais ou sociais. Na economia política não há grande diferença. Temos de encontrar uma economia política alternativa ao modo como funciona o capitalismo. E temos alguns princípios. Por isso as contradições são interessantes. Examina-se cada uma delas, por exemplo, a contradição entre valor de uso e valor de troca e se diz – “o mundo alternativo é mundo no qual se fornecem valores de uso”. Assim podemos nos concentrar nos valores de uso e tentar reduzir o papel dos valores de troca.

Ou, na questão monetária – claro que precisamos de dinheiro para que as mercadorias circulem. Mas o problema do dinheiro é que pessoas privadas podem apropriar-se dele. O dinheiro torna-se uma modalidade de poder pessoal e, em seguida, um desejo-fetiche. As pessoas mobilizam a vida na procura por esse dinheiro, até quem não sabe que o faz. Então, temos de mudar o sistema monetário – ou se taxam todas as mais-valias que as pessoas comecem a obter ou criamos um sistema monetário no qual a moeda se dissolve e não pode ser entesourada, como o sistema de milhagem aérea.

Mas para fazer isso, é preciso superar a dicotomia estado/propriedade privada, e propor um regime de propriedade comum. E, num dado momento, é preciso gerar uma renda básica para o povo, porque se você tem uma forma de dinheiro antipoupança é preciso dar garantia às pessoas. Você tem de dizer “você não precisa poupar para os dias de chuva, porque você sempre receberá essa renda básica, não importa o que aconteça”. É preciso dar segurança às pessoas desse modo, não por economias privadas, pessoais.

Mudando cada uma dessas coisas contraditórias chega-se a um tipo diferente de sociedade, que é muito mais racional que a que temos hoje. Hoje, o que acontece é produzimos e, em seguida, tentamos persuadir os consumidores a consumir o que foi produzido, queiram ou não e precisem ou não do que é produzido. Em vez disso, temos de descobrir quais os desejos e vontades básicas das pessoas e mobilizar o sistema de produção para produzir aquilo. Se se elimina a dinâmica do valor de troca, é possível reorganizar todo o sistema de outro modo. Pode-se imaginar a direção na qual se moverá uma alternativa socialista, se nos afastamos da forma dominante da acumulação de capital que hoje comanda tudo.

* Esse é um trecho da entrevista. A íntegra da entrevista será publicada na edição de outono de The Irish Left Review./ Tradução Vila Vudu.

** Publicado originalmente no site Irish Left Review e retirado do site Outras Palavras.

(Outra Palavras)

Black Bloc: “Fazemos o que os outros não têm coragem de fazer” (Revista Fórum)

Eles afirmam não temer o confronto com a polícia e defendem a destruição de “alvos capitalistas”. Conheça a história e a forma de luta que se popularizou com o movimento antiglobalização e ganha destaque no Brasil

Esta matéria faz parte da edição 125 da revista Fórum.

Por Paulo Cezar Monteiro

20/08/2013 7:20 pm

“Os ativistas Black Bloc não são manifestantes, eles não estão lá para protestar. Eles estão lá para promover uma intervenção direta contra os mecanismos de opressão, suas ações são concebidas para causar danos às instituições opressivas.” É dessa forma que a estratégia de ação do grupo que vem ganhando notoriedade devido às manifestações no País é definida por um vídeo, divulgado pela página do Facebook “Black Bloc Brasil”, que explica parte das motivações e forma de pensar dos seus adeptos.

A ação, ou estratégia de luta, pode ser reconhecida em grupos de pessoas vestidas de preto, com máscaras ou faixas cobrindo os rostos. Durante os protestos, eles andam sempre juntos e, usualmente, atacam de maneira agressiva bancos, grandes corporações ou qualquer outro símbolo das instituições Eles afirmam não temer o confronto com a polícia e defendem a destruição de “alvos capitalistas”. Conheça a história e a forma de luta que se popularizou com o movimento antiglobalização e ganha destaque no Brasil “capitalistas e opressoras”, além de, caso julguem necessário, resistirem ou contra-atacarem intervenções policiais.

Devido ao atual ciclo de protestos de rua, o Black Bloc entrou no centro do debate político nacional. Parte das análises e opiniões classifica as suas ações como “vandalismo” ou “violência gratuita”, e também são recorrentes as críticas ao anonimato produzido pelas máscaras ou panos cobrindo a face dos adeptos. Mas o Black Bloc não é uma organização ou entidade. Leo Vinicius, autor do livro Urgência das ruas – Black Bloc, Reclaim the Streets e os Dias de Ação Global, da Conrad, (sob o pseudônimo Ned Ludd), a define o como uma forma de agir, orientada por procedimentos e táticas, que podem ser usados para defesa ou ataque em uma manifestação pública.

(Flickr.com/nofutureface)

Zuleide Silva (nome fictício), anarquista e adepta do Black Bloc no Ceará, frisa que eles têm como alvo as “instituições corporativas” e tentam defender os manifestantes fora do alcance das ações repressoras da polícia. “Fazemos o que os manifestantes não têm coragem de fazer. Botamos nossa cara a tapa por todo mundo”, afirma.

O jornalista e estudioso de movimentos anarquistas, Jairo Costa, no artigo “A tática Black Bloc”, publicado na Revista Mortal, lembra que o Black Bloc surgiu na Alemanha, na década de 1980, como uma forma utilizada por autonomistas e anarquistas para defenderem os squats (ocupações) e as universidades de ações da polícia e ataques de grupos nazistas e fascistas. “O Black Bloc foi resultado da busca emergencial por novas táticas de combate urbano contra as forças policiais e grupos nazifascistas. Diferentemente do que muitos pensam, o Black Bloc não é um tipo de organização anarquista, ONG libertária ou coisa parecida, é uma ação de guerrilha urbana”, contextualiza Costa.

De acordo com um dos “documentos informativos” disponíveis na página do Facebook, alguns dos elementos que os caracterizam são a horizontalidade interna, a ausência de lideranças, a autonomia para decidir onde e como agir, além da solidariedade entre os integrantes. Atualmente, há registros, por exemplo, de forças de ação Black Bloc nas recentes manifestações e levantes populares no Egito.

Manifestantes se reúnem em rua do Leblon, no Rio de Janeiro, próximos à casa do governador Sérgio Cabral (Foto: Mídia Ninja)

Black Bloc no Brasil

Para Leo Vinicius, é um “pouco surpreendente” que essa estratégia de manifestação urbana, bastante difundida ao redor do mundo, tenha demorado a chegar por aqui. “Essa forma de agir em protestos e manifestações ganhou muito destaque dentro dos movimentos antiglobalização, na virada da década de 1990 para 2000. Não é uma forma de ação política realmente nova”. No Brasil, existem páginas do movimento de quase todas as capitais e grandes cidades, a maior parte delas criadas durante o período de proliferação dos protestos. A maior é a Black Bloc Brasil, com quase 35 mil seguidores, seguida pela Black Bloc–RJ, com quase 20 mil membros.

A respeito da relação com o anarquismo, Vinicius faz uma ressalva. É preciso deixar claro que a noção de que “toda ação Black Bloc é feita por anarquistas e que todos anarquistas fazem Black Bloc” é falsa. “A história do Black Bloc tem uma ligação com o anarquismo, mas outras correntes como os autonomistas, comunistas e mesmo independentes também participavam. Nunca foi algo exclusivo do anarquismo. Na prática, o Black Bloc, por se tratar de uma estratégia de operação, pode ser utilizado até por movimentos da direita”, explica o escritor.

Para alguns ativistas, o processo de aceitação das manifestações de rua, feito pela grande mídia e por parte do público, de certa forma impôs que, para serem considerados legítimos, os protestos deveriam seguir um padrão: pacífico, organizado, com cartazes e faixas bem feitas e em perfeito acordo com as leis. Vinicius demonstra certa preocupação com a possibilidade do fortalecimento da ideia de que essa forma “pacífica” seja vista como o único meio possível ou legítimo de protestar. Ele afirma que não entende como violenta a ação Black Bloc de quebrar uma vidraça ou se defender de uma ação policial excessiva. “A violência é um conceito bastante subjetivo. Por isso, não dá pra taxar qualquer ato como violento, é preciso contextualizá-lo, entender as motivações por trás de cada gesto”, avalia.

Para ele, a eficácia de uma manifestação está em saber articular bem formas de ação “pacíficas” e “não pacíficas”. Foi esse equilíbrio, analisa, que fez com que o Movimento Passe Livre – São Paulo (MPL-SP) barrasse o aumento da tarifa na capital paulista. “Só com faixas e cartazes a tarifa não teria caído”, atesta. “Quem tem o poder político nas mãos só cede a uma reivindicação pelo medo, por sentir que as coisas podem sair da rotina, de que ele pode perder o controle do Estado”, sentencia.

Por outro lado, Vinicius alerta que é preciso perceber os limites para evitar que as ações mais “radicais” façam com que o movimento seja criminalizado ou se isole da sociedade e, com isso, perca o potencial de realizar qualquer mudança. Em sua obra, faz a seguinte definição daqueles que adotam a estratégia Black Bloc: “Eles praticam uma desobediência civil ativa e ação direta, afastando assim a política do teatro virtual perfeitamente doméstico, dentro do qual [a manifestação política tradicional] permanece encerrada. Os BB não se contentam com simples desfiles contestatórios, certamente importantes pela sua carga simbólica, mas incapazes de verdadeiramente sacudir a ordem das coisas”, aponta.

Outra crítica recorrente é o fato de os BB usarem máscaras ou panos para cobrirem os rostos. Os adeptos da ação explicam que as máscaras são um meio de proteger suas identidades para “evitar a perseguição policial” e outras formas de criminalização, como também criar um “sentimento de unidade” e impedir o surgimento de um “líder carismático”.

Luta antiglobalização

Com o passar do tempo, segundo Jairo Costa, as táticas Black Bloc passaram a ser reconhecidas como um meio de expressar a ira anticapitalista. Ele explica que geralmente as ações são planejadas para acontecer durante grandes manifestações de movimentos de esquerda.

O estudioso destaca como um dos momentos mais significativos da história Black Bloc a chamada “Batalha de Seattle”, em 1999, contra uma rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 30 de novembro daquele ano, após uma tarde de confrontos com as forças policiais, uma frente móvel de black blockers conseguiu quebrar o isolamento criado entre os manifestantes e o centro comercial da cidade. Após vencer o cerco policial, os manifestantes promoveram a destruição de várias propriedades, limusines e viaturas policiais, e fizeram várias pichações com a mensagem “Zona Autônoma Temporária”. Estimativas apontam prejuízos de 10 milhões de dólares, além de centenas de feridos e 68 prisões.

Para Costa, um dos episódios mais impactantes – e duros – da história Black Bloc foi o assassinato de Carlo Giuliani, jovem anarquista de 23 anos, durante a realização simultânea do Fórum Social de Gênova e a reunião do G8 (Grupo dos oito países mais ricos), na Itália, em julho de 2001. Ele lembra que, após vários confrontos violentos – alguns deles vencidos pelos manifestantes, que chegaram a provocar a fuga dos policiais, que deixaram carros blindados para trás –, ocorreu o episódio que levou à morte de Giuliani.
“Ele partiu para cima de um carro de polícia tentando atirar nele um extintor de incêndio. Muitos fotógrafos estavam por lá e seus registros falam por si. Ao se aproximar do carro, Giuliani é atingido por dois tiros, um na cabeça. E, numa cena macabra, o carro da polícia dá marcha a ré e atropela-o várias vezes”, narra. Os assassinos de Carlo Giuliani não foram condenados. Dois anos após o fato, a Justiça italiana considerou que a ação policial se deu como “reação legítima” ao comportamento do militante.

Alvos capitalistas

Entre as formas de ação direta do Black Bloc destacam-se os ataques aos chamados “alvos simbólicos do capital”, que incluem joalherias, lanchonetes norte-americanas ou ainda a depredação de instituições oficiais e empresas multinacionais. Costa explica que essas ações “não têm como objetivo atingir pessoas, mas bens de capital”.

Zuleide justifica a destruição praticada contra multinacionais ou outros símbolos capitalistas, porque elas seriam mecanismo de “exploração e exclusão das pessoas”. “Queremos que esses meios que oprimem e desrespeitam um ser humano se explodam, vão embora, morram. Trabalhar dez horas por dia para não ganhar nada, isso é o que nos enfurece. Por isso, nossas ações diretas a eles, porque queremos causar prejuízos, para que percebam que há pessoas que rejeitam aquilo e que lutam pela população”, explica.

Ela reconhece que essas ações diretas podem deixá-los “mal vistos” na sociedade, já que há pessoas que pensam: “Droga, não vou poder mais comer no ***** porque destruíram tudo”. Porém, Zuleide afirma que o trabalhador, explorado por essas corporações, “adoraria fazer o que nós fazemos”, mas, por ter família para sustentar e contas a pagar, não faz. “Esse é mais um dos motivos que nos fazem do jeito que somos”, pontua.

Vinicius explica que, nas “ações diretas”, os black blockers atacam bens particulares por considerarem que “a propriedade privada – principalmente a propriedade privada corporativa – é em si própria muito mais violenta do que qualquer ação que possa ser tomada contra ela”. Quebrar vitrines de lojas, por exemplo, teria como função destruir “feitiços” criados pela ideologia capitalista. Esses “feitiços” seriam meios de “embalar o esquecimento” de todas as violências cometidas “em nome do direito de propriedade privada” e de “todo o potencial de uma sociedade sem ela [as vitrines]”.

Sem violência?

Em praticamente todas as manifestações, independentemente das causas e dos organizadores, tornou-se comum o grito: “Sem violência! Sem violência!”, que tinha como destinatários os policiais que, teoricamente, entenderiam o caráter “pacifista” do ato. Também seria uma tentativa de coibir a ação de “vândalos” ou “baderneiros”, que perceberiam não contar com o apoio do restante da massa.

Zuleide reconhece que, inicialmente, a ação Black Bloc era alvo desses gritos, mas, segundo ela, quando as pessoas entendem a forma como eles atuam, isso muda. “Os manifestantes perceberam que o Estado não iria nos deixar falar, nos deixar reivindicar algo, e começaram a nos reprimir. Quando há confronto [com a polícia], nós os ajudamos retardando a movimentação policial ou tirando eles de situações que ofereçam perigo, e alguns perceberam isso”, afirma.

Apesar de os confrontos com policiais não serem uma novidade durante as suas ações, os adeptos afirmam não ter como objetivo atacar policiais. Contudo, outro documento intitulado “Manifesto Black Bloc” deixa claro que, caso a polícia assuma um caráter “opressor ou repressor”, ela se torna, automaticamente, uma “inimiga”.

No “Manual de Ação Direta – Black Bloc”, também disponível na internet, a desobediência civil é definida como “a não aceitação” de uma regra, lei ou decisão imposta, “que não faça sentido e para não se curvar a quem a impõe. É este o princípio da desobediência civil, violenta ou não”. Entre as possibilidades de desobediência civil são citadas, por exemplo, a não aceitação da proibição da polícia que a manifestação siga por determinado caminho, a resistência à captura de algum manifestante ou, ainda, a tentativa de resgatar alguém detido pelos policiais.

Também são ensinadas táticas para resistir a gás lacrimogêneo, sprays de pimenta e outras formas de ação policial, além de dicas de primeiros socorros e direitos legais dos manifestantes. De acordo com o documento, as orientações desse manual tratam apenas da desobediência civil “não violenta”.

Outra orientação é que seja definido, antes da manifestação, se a desobediência civil será “violenta” ou “não violenta”. Caso se opte pela ação ‘não violenta’, essa decisão deve ser respeitada por todos, visto que não cumprir o combinado pode pôr “em risco” outros companheiros, além de ser um sinal de “desrespeito”.

Contudo, o mesmo manual deixa claro que o que “eles fazem conosco” todos os dias é uma violência, sendo assim, “a desobediência violenta é uma reação a isso e, portanto, não é gratuita, como eles tentam fazer parecer”.

Uma breve história

1980: O termo Black Bloc (Schwarzer Block) é usado pela primeira vez pela polícia alemã, como
forma de identificar grupos de esquerda na época denominados “autônomos, ou autonomistas”, que lutavam contra a repressão policial aos squats (ocupações).

1986: Fundada, em Hamburgo (Alemanha), a liga autonomista Black Bloc 1500, para defender o Hafenstrasse Squat.

1987: Anarquistas vestidos com roupas pretas protestam em Berlim Ocidental, por ocasião da presença de Ronald Reagan, então presidente dos EUA, na cidade.

1988: Em Berlim Ocidental, o Black Bloc confronta-se com a polícia durante uma manifestação
contra a reunião do Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

1992: Em São Francisco (EUA), na ocasião do 500º aniversário da descoberta da América por Cristóvão Colombo, o Black Bloc manifesta-se contra o genocídio de povos nativos das Américas.

1999: Seattle contra a Organização Mundial do Comércio (OMC). Estima-se em 500 o número de integrantes do Black Bloc que destruíram o centro econômico da cidade.

2000: Em Washington, durante reunião do FMI e Banco Mundial, cerca de mil black blockers anticapitalistas saíram às ruas e enfrentaram a polícia.

2000: Em Praga (República Tcheca), forma-se um dos maiores Black Blocs que se tem notícia, durante a reunião do FMI. Cerca de 3 mil anarquistas lutam contra a polícia tcheca.

2001: Quebec (Canadá). Membros do Black Bloc
são acusados de agredir um policial durante uma marcha pela paz nas ruas de Quebec. Após esse evento, a população local e vários manifestantes de esquerda distanciaram-se da tática Black Bloc e de seus métodos extremos.

2001: A cidade de Gênova (Itália), ao mesmo tempo, recebeu a cúpula do G8 e realizou o Fórum Social de Gênova, com um grande número de Black blockers, além de aproximadamente de 200 mil ativistas. A ação ficou marcada pela violenta morte do jovem Carlo Giuliani, de 23 anos.

2007: Em Heiligendamm (Alemanha), reunião do G8 foi alvo de uma ação com a participação de cerca de 5 mil blackblockers . Mobilização Black Bloc de cerca de 5.000 pessoas

2010: Toronto (Canadá), na reunião do G20. Neste confronto, mais de 500 manifestantes foram presos e dezenas de outros ativistas foram parar em hospitais com inúmeras fraturas.

2013: Cairo (Egito). O Black Bloc aparece com forte atuação nos protestos da Praça Tahir, no combate e resistência ao exército do então presidente Hosni Mubarak.

Fonte: Artigo “A Tática Black Bloc”, escrito por Jairo Costa, na Revista Mortal, 2010

Occupying Wall Street: Places and Spaces of Political Action (Places)

PEER REVIEWED: JONATHAN MASSEY & BRETT SNYDER

The Design Observer Group

09.17.12
Occupy Wall Street digital activity timeline
Occupy Wall Street activity online. Click image to enlarge. [Timeline by the authors]

For nine weeks last fall crowds gathered every evening at the eastern end of Zuccotti Park, where a shallow crescent of stairs creates a modest amphitheater, to form the New York City General Assembly. A facilitator reviewed rules for prioritizing speakers and gestures by which participants could signal agreement or dissent. Over two hours or more, they worked through issues of common concern — every word repeated by the assembly, which formed a human microphone amplifying the speaker’s voice — until they reached consensus.

Such was the daily practice of Occupy Wall Street, paralleled in more than a thousand cities around the world. Participants borrowed tactics from Quaker meetings, Latin American popular assemblies, Spanish acampadas, and other traditions of protest and political organization. They also enacted something foundational to the western democratic tradition: constituting a polity as a group of speaking bodies gathered in a central public place.

At the same time, another crowd assembled in a range of online spaces. Moving between the physical and the virtual, participants navigated a hypercity built of granite and asphalt, algorithms and information, appropriating its platforms and creating new structures within it. As they posted links, updates, photos and videos on social media sites; as they deliberated in chat rooms and collaborated on crowdmaps; as they took to the streets with smartphones, occupiers tested the parameters of this multiply mediated world.

What is the layout of this place? What are its codes and protocols? Who owns it? How does its design condition opportunities for individual and collective action? Looking closely at these questions, we learn something about the possibilities for public life and political action created at the intersection of urban places and online spaces.


Top: Occupiers camp in Liberty Plaza as news vans line up across the street. Middle: Detail of#OccupyMap. Bottom: Occupy coordinators meet in the atrium of 60 Wall Street. [Photos by Jonathan Massey]

Occupying the Public Square 
Zuccotti Park — or Liberty Plaza — was the site not only of General Assembly but also of the bustling camp that materialized and sustained the occupation. As architects, we were fascinated by the intensive use of this privately owned public space. As citizens, we were inspired by the movement’s critique of the U.S. political system and its experiment with alternate forms of social organization. After the arrest of 700 protesters on the Brooklyn Bridge, Jonathan began visiting Liberty Plaza and occasionally participating in rallies. Brett tracked the movement’s use of new media to expose inequalities in wealth distribution. Jonathan enlisted friends to survey and document the encampment, while Brett developed an interactive project, Public Space 2.0, that linked Occupy to broader questions about public space. Following the eviction of occupiers in New York and other cities, we decided to collaborate on a project examining the spatial and social organization of Liberty Plaza.

In the tradition of urban demonstrations and sit-ins, the camp claimed a prominent and symbolically charged city space in order to call attention to a political cause. It provided logistical support as the first day of protest extended into a two-month occupation. It gave visitors a point of entry into the movement and its ideas. Moreover, it prefigured in microcosm the alternative polity desired by many participants, modeling and testing modes of self-organization partly autonomous from those provided by the state and the market.

As such, it embodied one of the defining tensions of Occupy Wall Street: between the aims of protest and prefiguration. [1] One reason for claiming Liberty Plaza was to command the attention of the public and the state. Indeed, the blog post that sparked the movement, by the Canadian magazine Adbusters, urged activists to create “a Tahrir moment” by insistently repeating “one simple demand” akin to the call for Egyptian president Hosni Mubarak’s resignation. [2] But some of the New York activists who planned the occupation pursued a vision of autonomous self-organization and self-government informed by anarchist principles. Occupiers refused to formulate their objectives as political demands, even though doing so might have strengthened their grip on the public imagination. Instead of a unified plea to elected representatives, broadcast from a central square, Occupy yielded a polyphony of discussions in the agoras of the hypercity.

Occupy Wall Street police observation tower
Top: Occupiers in mid-October. Bottom: NYPD Skywatch portable surveillance tower. [Photos by Jonathan Massey]

From its founding on September 17, 2011, the occupation traced contours of regulation and control. Its location, design and construction limned the legal, juridical and police affordances of New York’s public realm, revealing the constraints placed on people assembling to form a counterpublic — a public operating according to practices distinct from those of the mainstream. [3] The declared site of the first protest, carnival, and General Assembly was Chase Manhattan Plaza, but occupiers arrived to find the corporate space closed off by barricades and patrolled by police. Prior General Assemblies had been held in New York public parks and squares, but organizers knew the city tightly controlled those spaces by requiring permits, enforcing nighttime closures and barricading areas. The use of city sidewalks was also curtailed. Bloombergville, a sidewalk encampment near City Hall, had survived for three weeks in July, but a test camp-out on Wall Street on September 1 had been broken up by police. [4] When demonstrators found Chase Plaza closed, they moved to the privately-owned Zuccotti Park, three blocks away, claiming the space with signs, megaphones, sleeping bags and blankets.

The following weeks confirmed that the state would use police control to assert its hegemony over the terms of public assembly and discourse. When protesters crossed the border of Liberty Plaza onto city streets or squares, they encountered “order maintenance policing,” a euphemistic directive that empowers New York police to intervene in public events irrespective of criminal action. Over the past 15 years, the NYPD has expanded the practice to assert control over parades, festivals and rallies, often arresting participants for “disorderly conduct” and releasing them without charge. [5] Under this vague authority, NYPD limited the range and duration of Occupy demonstrations and tightly controlled their internal dynamics through barricades, kettling and arrests.

And yet Occupy Wall Street showed that possibilities foreclosed on private and public land could be actualized in the liminal territory of the city’s privately owned public spaces(POPS) — plazas, arcades and other spaces built by real estate developers in return for density bonuses under the terms of the 1961 Zoning Resolution. [6] The occupation of Zuccotti Park was made possible by ambiguities in the POPS system, which has created places where the city government must negotiate authority with corporate owners as well as site occupants. Even so, the city intervened in the camp’s internal organization and operation: fire marshals prohibited tents and other structures in the early weeks; they removed generators as the weather grew cold in late October; and, shortly after midnight on November 15, police forcibly cleared the park.

Zuccotti Park after eviction of protestors
Top: The planned site of the September 17 protest, Chase Manhattan Plaza, was barricaded at the request of its corporate owners. [Photo by David Shankbone] Bottom: Police patrol Zuccotti Park on November 15 after evicting protesters. [Photo by Jonathan Massey]

During the two-month occupation, protesters rewrote the social and spatial codes that had determined use of the block for decades. Created in the late 1960s as a POPS concession linked to the construction of One Liberty Plaza, the park was rebuilt by new owners Brookfield Properties in 2006 to a design by Cooper Robertson & Partners that serves downtown office workers by encouraging passive recreations like lunch and chess while discouraging active ones like cycling and skateboarding. In a related feature on Places, we look more closely at the Cooper Robertson design and its transformation into the Liberty Plaza encampment.

Stepping partially outside state and market systems, occupiers created their own structures for discussion and governance; for provision of daily services; for medical care and sacred space; for music, dance and art. Some aspects of this counterpublic resembled the exhilarating, liberatory “Temporary Autonomous Zones” described by anarchist writer Hakim Bey. [7] Others were pragmatic, even bureaucratic. Within days, working groups resembling urban agencies — dedicated to issues like Comfort, Medical, Kitchen, Library, Sanitation and Security — created a series of nodes or workstations that cut diagonally across the park. They appropriated design elements such as retaining walls, benches and tables to define functional zones.

In overlaying the permanent landscape of the park with new activities and installations, the occupation created what anthropologist Tim Ingold calls a “taskscape”: a topography of related activities deployed in space and changing over time. [8] Through their patterns of spatial appropriation, occupiers responded to the asymmetries of the park — its slope, the priority of Broadway relative to Trinity Place, and the more favorable sun and wind exposures available in the northeast corner — by programming the plaza along a gradient. Running from north and east to south and west, this gradient shaded from public to private, mind to body, waking to sleeping, and reason to faith. Outreach/Media/Legal claimed the location that afforded the most shelter and the best sun exposure while also being situated far from the noise and dust of the World Trade Center construction site.


Kitchen compost station and The People’s Library. [Photos by Jonathan Massey]

On the austere geometry of a tasteful corporate plaza, just under 33,000 square feet, the occupation created an entire world in which you could meditate, change your wardrobe, update your blog, cook lentils, read a book, sweep up litter, bandage a wound, bang a drum, roll a cigarette, debate how best to challenge corporate hegemony, make art, wash dishes and have sex, usually in the company of others.  The square teemed with friends and strangers, allies and antagonists; it was intensely public and interactive. Daily activities were saturated with a talky sociability in which the challenges and opportunities of every action, every decision, were open to reinterpretation and negotiation. At any moment, the call of “Mic check!” could ring out across the camp, obligating participants to drop personal conversations and become part of a communal discourse. The act of chanting in unison, as a human microphone, created a common sense of purpose, established relationships among neighbors and intensified awareness of surrounding bodies.

This new world could feel exhilarating and inspiring but also threatening and claustral. It was crowded. It was charged with strong emotions. Its core members were working hard, and they were often tired. On top of reforming global capitalism, they had to handle fights, thefts, drug use and sexual assaults, while operating under the strain of official hostility, police surveillance, constant interaction with supportive and hostile visitors, and weather. Radical openness and participatory self-government proved taxing. As the occupation stretched from days into weeks and months, participants took shelter from cold, rain and snow in tents and tarps. The plaza became more internalized and lost some of its intense sociability.

The functional zoning also reinforced sociological differences in the camp. Many of the most active members identified themselves as coordinators or occupiers. These groups were not mutually exclusive, but they gravitated toward spaces in separate ends of the park.Coordinators, who facilitated discussions and posted on blogs, often spent nights at home, while occupiers put their bodies on the line by living and sleeping in the park. A spatial gradient emerged, with occupiers’ tents clustered toward the western end. Not surprisingly, these constituencies were marked by differences in class, education level, ethnicity, sexuality and gender. The Daily Show even aired a skit about the differences, using “uptown” and “downtown” to describe the two ends of the park. [9]

Occupy Wall Street Sanitation Workstation


Top: Sanitation workstation. [Photo by Jonathan Massey] Bottom: Liberty Plaza Site Map drawn by Occupy participant on October 10. Click image to enlarge. [Map by Jake Deg]

Organizers worked hard to build the institutions needed to sustain the micro-city, but its autonomy was inherently limited; the camp was shaped by its adjacencies to the social, commercial and political networks of Lower Manhattan and the Financial District. Businesses provided restrooms. Sympathetic unions made facilities available. Organizations lent kitchen and office space. Individuals donated money, books, clothing and food. Murray Bergtraum High School opened its auditorium to meetings of the OWS Spokescouncil. A local government authority, Manhattan Community Board 1, mediated among protesters, neighborhood residents, Brookfield Properties and city officials in discussions about drum noise and other issues where order maintenance was enforced through claims about “quality of life.”

These interactions extended the spatial and social gradients of Liberty Plaza across a broader urban geography. Dozens of working groups met in the enclosed atrium at 60 Wall Street, a privately owned public space at the base of an office tower built by J.P. Morgan and currently occupied by Deutsche Bank. In that large room, designed by Roche and Dinkeloo and clad in marble and mirror and decorated with palm trees and postmodern grottoes, they shared space with chess-players and well-heeled denizens of the Financial District. From morning to night they used the tables, benches, chairs and wifi of the climate-controlled space as a purposeful, orderly extension of the eastern end of Liberty Plaza, establishing commuting patterns that figured 60 Wall as the Occupy office.

Occupying the Internet 
The Wall Street protests would not have materialized without extensive work by on-the-ground activists in New York. But it was the Adbusters blog post that gave the action a name and date. It also gave them #occupywallstreet, the first of thousands of #Occupy hashtags that enabled the spontaneous assembly of strangers on Twitter and other internet platforms. In the months leading up to the first occupation, and in the year afterward, Occupy established an online presence unmatched in the history of social action, leveraging multiple online spaces to stage protests and to generate a distinctive counter-public and alternative polity.


Top: Occupiers connect via laptops and smartphones from Liberty Plaza. [Photo by David Shankbone] Bottom: Instagram photo sent by Occupy activist: “Riding in a bus with 50 others, in cuffs writing this.” [Photo by pulseprotest]

In the United States, the internet was largely exempt from the state control and censorship that curtailed protest activity on the street, but it was inherently open to surveillance and imposed another set of exclusions based on access to online spaces and protocols. Its various platforms afforded ties that were both broader and weaker than those at Liberty Plaza. Discussions took place in specialized forums and channels quite unlike the multisensory, multiparticipatory assemblies, meetings, marches and rallies of the physical realm. From its inception, Occupy tested the capacities of the internet’s virtual spaces to sustain organizational activity, deliberative discourse and other kinds of public-making. [10]

As with the physical occupation, many online actions had precedent in earlier movements, from the anti-globalization protests of the 1990s to the Arab Spring of 2011. For years U.S. activists have used sites like Indymedia to distribute information and mobilize protest participation. [11] After posting its call to action, Adbusters sent word to its email distribution list and created a Facebook event, mobilizing a pre-existing network of followers. As one of the largest privately owned public spaces online, Facebook became a key platform for the Occupy movement. Facebook profiles such as OccupyWallSt,Gilded.Age and OccupyTogether, created in the weeks leading up to the first protest, provided broadly accessible channels for information. When individuals “liked” or commented on items in these newsfeeds, Occupy ideas propagated through user-generated social networks. Throughout the fall, members used the site’s text, link, note, and photo and video sharing features to endorse events and activities. [12]

During the groundwork phase, organizers also used open-source web-coding tools to create dedicated Occupy websites. The most important were Occupywallst.org, a Github site launched in mid-July as a clearinghouse and contact-point for the movement;NYCGA.net, a WordPress site created a few weeks later to serve the New York City General Assembly and its working groups; and the blog Occupytogether.org. These sites combined newsfeeds and social media links with manifestos, videos, crowdmaps and other resources, and they linked together other sites to create a sprawling landscape of information.


A selection of the more than 1600 posts submitted to the 99 Percent Project in October 2011.

In parallel, organizers tapped the internet’s capacity to build what sociologists Jennifer Earl and Katrina Kimport call “e-movements”: politically effective campaigns that circulate in the media without necessarily coalescing into mass gatherings. Online tools provide immediate and inexpensive site design and back-end functionality, allowing organizations or individuals to launch awareness campaigns and other political actions that demand little money or time from participants. [13] One such tool for Occupy activists was the image-based microblogging site Tumblr. In late summer, the 99 Percent Project invited people to “get known” as part of a majority disenfranchised by the super-rich. Under the slogan “We Are the 99 Percent,” the image blog featured self-portraits of working- and middle-class Americans holding handwritten signs or letters describing the circumstances of their indebtedness. The project called attention to the rise in income inequality and helpedpopularize the rhetoric of “the 99 percent.” [14] After September 17, it became an online analogue to Liberty Plaza, enabling a geographically dispersed set of participants to join the occupation of Wall Street and forging a common consciousness about debt and disenfranchisement. The self-portraits were often shot at a computer desk with a webcam, and overwhelmingly they were set in domestic interiors like living rooms, dens and bedrooms. But the handwritten signs pointed to a world outside those walls, evoking the signs of the homeless explaining their misfortunes and asking for help, as well as the signs of protesters bearing expressions of solidarity and calls to action. [15]


Global crowdmap on the Ushahidi platform. [Screenshot by the authors]

Contours of the Hypercity 
In the summer of 2011, before the first protesters had set foot in Liberty Plaza, the Occupy movement was evolving toward a model of General Assembly that hybridized online and offline discourse. While street activists in New York were practicing consensus decision-making in public parks, online participants were responding to a poll Adbusters created using Facebook’s “question” function: “What is our one demand?” Answers included abolishing capitalism, demilitarizing the police, legalizing marijuana, reinstating the Glass-Steagall Act and freeing the unicorns. (The winner was “Revoke Corporate Personhood.”) Through this asynchronous online polling, Facebook supported a weak form of political discussion that prefigured the stronger and more interactive deliberations that filled Liberty Plaza.

By September 10, General Assembly minutes were being posted online at NYCGA. Over time these became more elaborate, and note-takers projected their evolving documents on a screen in Liberty Plaza so that participants could respond to the minutes-in-the-making. Assembly meetings were livestreamed so that participants across the globe could follow in real time, and some were archived online in audio and video formats. Congregants also livetweeted the assemblies under Twitter handles such as @DiceyTroop and @LibertySqGA. These accounts attracted thousands of followers, many of whom responded to live events, adding a layer of online conversation that augmented the face-to-face assemblies.

Hybrid discussions were the norm for the working groups that handled the day-to-day and week-to-week activity of Occupy Wall Street. During and after the occupation, working groups met regularly at Liberty Plaza, the 60 Wall atrium, Union Square and other locations throughout New York. A blackboard at Liberty Plaza listed some of these meetings, but more reliable information was found online at NYCGA, where nearly every working group had a page with a blog, activity wall, shared documents and event calendar, and discussion forum involving members who had never attended the face-to-face meetings. By spring 2012, the site hosted roughly 90 working groups, some with just a handful of registered users and a couple of posts, others with many hundreds of users and more than 2,000 entries.


Top: Blackboard at Liberty Plaza announces working group meetings. [Photo by Jonathan Massey] Bottom left: Livestream at Occupy Detroit. [Photo by Stephen Boyle] Bottom right: “People’s Mic: Please join the Conversation.” 24/7 internet broadcast from Occupy Wall Street. [Photo by Chris Rojas]

As the weather changed in late October, the Town Planning forum hosted extensive discussions on a topic that simultaneously preoccupied the group’s in-person meetings and the General Assembly: how to sustain the camp into the winter. One participant lit up the forum with a long post advocating event tents that would cover large expanses of the park in communal enclosures, as an alternative to individual camping tents. “Safety teams are unfortunately learning … that privacy equals risk,” wrote Sean McKeown, “because privacy allows for unseen violence, unseen sexual menace, and for drugs, alcohol, and weapons to be kept in shockingly large number if we are to guess by the number of needles found around tents lately since they have gone up.” [16] Members suggested building geodesic domes or frame structures with salvaged materials, or claiming regulatory exemption by designating the camp as a Native American sacred site. The reconfiguration of Liberty Plaza at the beginning of November was negotiated simultaneously in the park, in dispersed work-group meetings, and on the internet.

While online forums, as the Latin term implies, evoke the experience of face-to-face discussion, other online technologies create public spaces without analogue in the physical world. The Twitter hashtag, for example, enables radically new modes of creating, discovering and organizing affinity clusters, which proved useful in movements like the January 25 Egyptian Revolution and the Green Revolution in Iran. In self-conscious emulation of those precedents, Adbusters branded September 17 with the hashtag#occupywallstreet, signaling an expectation that participants would use Twitter to communicate with one another and with larger publics.

It took more than a week for the hashtag to catch on, and from July 25 through the end of August, the four hashtags #occupywallstreet, #occupywallst, #occupy and #ows together accounted for an average of only 27 messages per day. Activity increased in September, and by the day of occupation, Twitter volume on this group of hashtags hit 78,351 as the broader public of participants, bystanders and commentators joined organizers in using the platform for realtime micoblogging of information, opinions and photos. Twitter’s instantaneous syndication was a valuable conduit for time-sensitive news, and its 140-character message limit was well suited to the mobile devices that predominated in Liberty Plaza. Some activists used photo, video and geotagging features on their phones to make Twitter a medium for mapping and building the extended Occupy taskscape. Volume on those four hashtags peaked at 411,117 on November 15, the day protesters were evicted from the park. [17]


Visualization of the Occupy movement online, July to December 2011, including activity on Google, Facebook, Twitter, blogs, and We Are the 99 Percent. Click image to enlarge. [Timeline by the authors]

Many other online spaces provided venues for discourse and arenas for participation. Internet relay chat channels allowed participants to talk to one another, individually and in groups. Live video streams from Liberty Plaza and other camps opened real-time windows onto parks, squares and streets around the world. Occupystreams.org compiled more than 250 such livestreams, each flanked on screen by a chat feed. Video and photo-sharing sites such as YouTube, Vimeo, Flickr and Instagram enabled participants to post, share and discuss images of Occupy protests, police actions, and other content. Much of this activity garnered only limited interest, but some posts went viral, such as the late September videoof a high-ranking NYPD officer pepper-spraying women who had already been corralled on the sidewalk. Edited and annotated with the low-tech tools that support user-generated content, the video broadened awareness of and sympathy for the occupation.

As social media expanded the range of channels for participation in Occupy Wall Street, it also changed the nature of the public that joined. Extrapolating from the work of anthropologist Jeffrey S. Juris, we can contrast the network logics that predominated in summer 2011, when organizations and activists used email lists and websites to mobilize pre-existing networks, with a new set of aggregation logics that developed as the event took off. Social media engaged many thousands of people who had no pre-existing connection to social change organizations and activist networks. These virtual spaces, even more than city parks, became points of encounter where previously unrelated individuals aggregated to form popular assemblies.

Focusing on Occupy Boston, Juris suggests that while the alter-globalization protests of the 1990s created “temporary performative terrains along which networks made themselves and their struggles visible,” the Occupy movement activated a wider public. “Rather than providing spaces for particular networks to coordinate actions and physically represent themselves,” he writes, “the smart mob protests facilitated by social media such as Facebook and Twitter make visible crowds of individuals aggregated within concrete locales.” [18]

Political scientist Stephania Milan has characterized Occupy protests as “cloud protesting,” comparing the movement to “a cloud where a set of ‘soft resources’ coexist: identities, narratives, and know-how, which facilitate mobilization,” much as social media hosted via cloud computing gives individuals the tools for “producing, selecting, punctuating, and diffusing material like tweets, posts and videos.” [19]


Top: Protest sign in Times Square: “Get off the internet. I’ll Meet you in the streets.” [Photo by Geoff Stearns] Bottom: Collaboratively edited User Map at OccupyWallSt.org.

Though Milan and Juris don’t address them, we could add crowdmaps to the list of “cloud tools” that activated aggregation logics in the Occupy movement. Online maps populated by user-generated content were published at Take the SquareUS Day of Rage,OccupyWallSt.org, and Occupy.net. Most used Ushahidi, free open-source crowdmapping software developed in 2008 in Kenya to support disaster relief and response efforts. By compiling data into a common geospatial framework, these crowdmaps visualized Occupy participants and camps as discrete elements that aggregated to form a global phenomenon. They associated people, texts, images and videos with particular places, constructing hypergeographies of action and potential. Animated timeline features encouraged users to visualize themselves and local events as part of a process of “#globalchange.”

The most robust crowdmap was the #OccupyMap at Occupy.net, built by the Tech Ops working group of NYCGA. It provided a web interface for reporting events such as marches, rallies and police interventions, with easy media embedding and compatibility with the Ushahidi app on iOS and Android mobile devices. It also populated automatically from Twitter: any tweet from a location-enabled device that included the hashtag #occupymap generated a geotagged report that could incorporate photos and videos via the Twitpic and Twitvid apps. By spring 2012, the map had aggregated some 900 entries from New York City into a database that could be sorted geographically and temporally, by medium and by event type — all viewable via map, timeline and photo interfaces. By pulling together disparate events and data across space and time, the #OccupyMap created a counterpublic integrated through its use of online media to contest state and corporate control of urban places.

The Occupy crowdmaps were most compelling rhetorically at larger scales, where they visualized landscapes fundamentally distinct from those visible in city streets. In counterpoint to the intense attention paid to Liberty Plaza, these virtual geographies redefined the public of Occupy Wall Street as a dispersed set of agents linked more by online communication channels than by proximity. Viewed at national scale, the red placemarker icons on the User Map at OccupyWallSt.org suggested a crowd of hot air balloons that had landed — or were preparing to take off — all across the country. In places they clustered so tightly as to create red contours marking an otherwise invisible topography of radicalism. But at the local scale, what had seemed a continuous landscape of occupiers thinned out; zooming in on Liberty Plaza, you saw only a forlorn green oblong scattered with a few markers.

Open-Source Urbanism 
While some online activists relied on corporate media such as Facebook and Twitter to reach a broad public, many made a point of using open-source software, sources and methods such as wikicoding. Occupy websites became spaces for the elaboration of what Christopher Kelty calls a recursive public, “a public that is vitally concerned with the material and practical maintenance and modification of the technical, legal, practical, and conceptual means of its own existence.” [20] In the physical realm, Liberty Plaza and other occupied spaces functioned as offline analogues of a wiki page. Participants without much prior affiliation built new worlds and organized themselves to maintain them while avoiding hierarchy and formalization whenever they could. At these “wikicamps,” open-source urbanism operated at a scale simultaneously local and global. [21] The New York camp was built with knowledge, idea and resources from Spain and Argentina, Chiapas and Cairo, as well as from local coalitions.


Jonathan Massey and Brett Snyder map Liberty Plaza’s functional zones and activities. See the sidebar  “Mapping Liberty Plaza” for axonometric drawings of the site’s transformation.

Participants have continued to explore the ways that digital media can reshape our public spaces and public spheres. One example is a course project at The New School that emerged from a multi-day, multi-city “hackathon” sponsored by the working group Occupy Research. The Twitter bot @OccupyPOPS is a script that cross-references check-ins on social media sites Foursquare and Twitter with the New York City government database of privately-owned public spaces, then automatically tweets a call to temporarily occupy a particular POPS at a specific date and time. Created by Christo de Klerk, @OccupyPOPS mobilizes virtual spaces, physical places and social networks to reshape urban public space and the regulations that govern it. Other New York-based projects addressing the issues foregrounded by Occupy include #whOWNSpace and The Public School, as well as pre-existing initiatives like Not an Alternative.

Open-source hypercity urbanism becomes increasingly important as governments constrain public assembly in the offline world. On November 15, the state cleared the experimental agora at Liberty Plaza. Police and sanitation workers with bulldozers removed tents and tarps while resisting occupiers fell back to the People’s Kitchen. As NYPD blockaded the surrounding streets and airspace, people and texts and media feeds streamed out from an atmosphere made toxic by chemical and sonic weapons. Coordinated police actions evicted occupiers in Oakland, Portland, Denver and other cities.

Occupy Wall Street working groups and General Assemblies continue to meet in the 60 Wall Street atrium and other public locations, and to stage intermittent marches, rallies and actions. Occupations were sustained in other cities around the world, and activists tried several times to retake Zuccotti Park. Without its base camp, the Occupy movement relied even more extensively on websites and other online media as its primary means of communication and self-representation. This activity expanded into an array of diffuse campaigns: to reduce and renegotiate student debt; to resist foreclosures and reclaim bank-owned houses; and to challenge corporate power on many fronts.


Top: Sign posted at the 60 Wall atrium on November 15: “No excessive use of space.” [Photo byJohanna Clear] Bottom: Protesters remove police barriers and reoccupy Zuccotti Park on November 17. [Photo by Brennan Cavanaugh]

Occupy Wall Street had an immediate impact on U.S. domestic politics. Counteracting anti-deficit rhetoric from the Republican Party and Tea Party activists who sought to cut social services while borrowing heavily to fund wars and regressive income redistributions, the Occupy movement shifted the focus of mainstream political discourse to income inequality and the burdens of consumer debt. For many participants and observers, though, its more compelling achievement was to embody a minimally hierarchical communitarian polity that combined consensual direct democracy with a high degree of individual autonomy, and also a voluntary sharing economy with the market logics and state service provision that dominate everyday urban life. The longer-term impact of #OWS may well stem from the techniques it modeled online and in the streets for building new publics and polities.

What might this history mean for the future of public space and political action? Events are still unfolding, so the question is open-ended. But here are some provisional conclusions:

  • Online tools are rapidly changing the dynamics of political action. The aggregative, rhizomatic, and exponentially expanding character of the Occupy movement reflects the distinctive capacities of social media.
  • Media are accelerating the pace of discourse and action. Flash mobs and viral tweets may be excessively hyped, but the compressed temporality of the new media landscape is reflected in the rapid emergence, metastasis, and dormancy of Occupy Wall Street.
  • Digital communities are good at building systems. Wikicoding and other modes of online collaboration can build online venues fast and well.
  • These communities may still require face-to-face interaction to achieve substantive change. Digital communication is easy, but for that reason it can feel too light and weightless to mobilize people for the tenacious action it often takes to achieve deep structural changes.
  • Bodies in the street still matter for commanding attention and galvanizing engagement.
  • Modern forms of police control violate basic civil liberties. From the constraints placed on all manner of public assembly to the everyday civil rights violations of the stop-and-frisk system, police in New York and some other American cities have passed a dangerous tipping point.
  • Asserting a broad right to the city means claiming public places, online and offline, for assembly, dialogue and deliberation by multiple publics with varying spatial and temporal requirements.
  • Privately owned public spaces offer platforms for experimentation. The prevalence of corporate enclaves in our cities and online often homogenizes and constrains public life, but Occupy Wall Street showed that POPS can be sites for public-making and political action.
  • But users should reclaim some of the value we create in using corporate media. Activists should find ways to gain at least partial control over the valuable and revealing information trails that users generate through activity online and in our cities.

Finally, initiative is shifting to global-local coalitions. While Occupy was often framed in nationalist terms, its more pervasive character was simultaneously transnational and highly local, reflecting the new geographies of capitalism and its media. The intersections between global and local, online and face-to-face, reformist and radical are promising sites for the creation of the new publics and polities that might open up futures beyond the neoliberal state.


Editors’ Note
 

See the sidebar “Mapping Liberty Plaza” for axonometric drawings of the site’s transformation, by Jonathan Massey and Brett Snyder.For related content on Places, see also “Occupy: What Architecture Can Do” and “Occupy: The Day After,” by Reinhold Martin, and “Housing and the 99 Percent,” by Jonathan Massey.

Authors’ Note 

Andrew Weigand and Grant D. Foster assisted with research and visualization for this project.

We would like to thank many colleagues who contributed research and ideas. Early discussions about Occupy Wall Street included Joy Connolly, Elise Harris, Greg Smithsimon and Jenny Uleman. Matt Boorady, Timothy Gale, Steve Klimek, Gabriella Morrone and Nathaniel Wooten contributed to the mapping and surveying of Liberty Plaza. Jennifer Altman-Lupu, Rob Daurio and Katie Gill shared Occupy Wall Street maps they had made and gathered. The Transdisciplinary Media Studio at Syracuse University supported our research with funding from a Chancellor’s Leadership Initiative.

The project benefited from feedback at two stages. The Aggregate Architectural History Collaborativeworkshopped an early version of the text. Organizers and participants in the National Endowment for the Humanities Summer Institute in Digital Humanities, “Digital Cultural Mapping,” held at UCLA in June and July 2012, helped us develop the project both intellectually and representationally. Particular thanks to organizers Todd Presner, Diane Favro and Chris Johanson, and to consultants Zoe Borovsky, Yoh Kawano, David Shepard and Elaine Sullivan, as well as Micha Cárdenas of USC.

Notes 

1. See Doug Singsen, “Autonomous Zone on Wall Street?,” Socialist Worker, October 11, 2011.
2. “#OCCUPYWALLSTREET,” Adbusters, July 31, 2011.
3. On Occupy Oakland as a counterpublic, see Allison Laubach Wright, “Counterpublic Protest and the Purpose of Occupy: Reframing the Discourse of Occupy Wall Street,” Plaza: Dialogues in Language and Literature 2.2 (Spring 2012): 138-146.
4. “Nine Arrested and Released Without Charge in Occupy Wall Street Test Run,” Occupy Wall Street, September 8, 2011. For early histories of OWS in New York, see Writers for the 99%, Occupying Wall Street: The Inside Story of an Action that Changed America (New York and London: OR Books, 2011), andOccupyScenes from Occupied America, ed. Astra Taylor, Keith Gessen, et al. (London: Verso, 2011).
5. See Alex Vitale, “NYPD and OWS: A Clash of Styles,” in OccupyScenes from Occupied America, 74-81; and Vitale, City of Disorder: How the Quality of Life Campaign Transformed New York Politics (New York: NYU Press, 2008).
6. On the POPS system, see Jerold S. Kayden et al., Privately Owned Public Spaces: The New York City Experience (John Wiley & Sons, 2000); and Benjamin Shepard and Greg Smithsimon, The Beach Beneath the Streets: Contesting New York City’s Public Spaces (Albany: Excelsior Editions/State University of New York Press, 2011), Chs. 2-3.
7. Hakim Bey, T.A.Z.: The Temporary Autonomous ZoneOntological AnarchyPoetic Terrorism (New York: Autonomedia, 1985). See also Shepard and Smithsimon, The Beach Beneath the Streets, Ch. 1.
8. Tim Ingold, “The Temporality of the Landscape,” World Archaeology, 25:2 (1993): 152-174. Thanks to Jennifer Altman-Lupu for suggesting this way of understanding Liberty Plaza.
9. The Daily Show with Jon Stewart, “Occupy Wall Street Divided,” 16 November 2011. For a more serious account, see Writers for the 99%, Occupying Wall Street, 61-67.
10. The Occupy movement online combined two modes that Sándor Végh describes as “internet-enhanced activism” and “internet-enabled activism.” See “Classifying Forms of Online Activism: The Case of Cyberprotests against the World Bank,” in Cyberactivism: Online Activism in Theory and Practice, ed. Martha McCaughey and Michael D. Ayers (Portsmouth, NH: Routledge, 2003), 71-96. These approaches constituted what we might call a digital repertory of contention. See Charles Tilly, Regimes and Repertoires (Chicago: University of Chicago Press, 2006), and Brett Rolfe, “Building an Electronic Repertoire of Contention,” Social Movement Studies 4:1 (May 2005): 65-74.
11. Jennifer Earl and Katrina Kimport call this “e-mobilization”: using the web to facilitate and coordinate in-person protest. See Digitally Enabled Social Change: Activism in the Internet Age (Cambridge: MIT Press, 2011).
12. Some commentators even used the site’s “notes” function to publish commentaries on and critiques of the movement for others to discuss and repost. See, for instance, Greg Tate’s note “Top Ten Reasons Why So Few Blackfolk Seem Down to Occupy Wall Street,” 17 October 2011.
13. See Earl and Kimport, Digitally Enabled Social Change, Introduction.
14. See Adam Weinstein, “‘We Are the 99 Percent’ Creators Revealed,” Mother Jones, 7 October 2011, and Rebecca J. Rosen, “The 99 Percent Tumblr and Self-Service History,” The Atlantic, 10 October 2011.
15. After a slow start in August 2011, participation in the 99 Percent Project spiked at the beginning of October 2011, as the Brooklyn Bridge march and arrests spread awareness of Occupy Wall Street. Activity peaked on October 20, when site managers posted 264 photos and site visitors added nearly 6,000 comments. By the end of May 2012, the project encompassed 3255 posts and more than 134,000 comments.
16. Sean McKeown, “Winter Event Tents for Liberty Plaza,” Town Planning forum, New York City General Assembly.
17. Twitter data is drawn from a dataset compiled by social analytics company PeopleBrowsr.
18. Jeffrey S. Juris, “Reflections on #Occupy Everywhere: Social media, public space, and emerging logics of aggregation,” American Ethnologist 39:2 (2012): 259-79: 260-61.
19. Stefania Milan, “Cloud Protesting: On Mobilization in Times of Social Media,” lecture, 10 February 2012 (abstract).
20. Christopher Kelty, Two Bits: The Cultural Significance of Free Software (Duke University Press, 2008). See also “Recursive Public,” The Foundation for P2P Alternatives.
21. “Wikicamps” adapts the term that sociologist Manuel Castells used to describe the camps that filled Spanish plazas beginning in May 2011. See Castells, “The Disgust Becomes a Network” (translation of “#Wikiacampadas,” La Vanguardia, 28 May 2011), trans. Hugh Green, Adbusters 97 (2 August 2011).

Peter Pál Pelbart: “Anota aí: eu sou ninguém” (Folha de S.Paulo)

19/07/2013 – 03h30

Slavoj Zizek reconheceu no “Roda Viva” que é mais fácil saber o que quer uma mulher, brincando com a “boutade” freudiana, do que entender o Occupy Wall Street.

Não é diferente conosco. Em vez de perguntar o que “eles”, os manifestantes brasileiros, querem, talvez fosse o caso de perguntar o que a nova cena política pode desencadear. Pois não se trata apenas de um deslocamento de palco –do palácio para a rua–, mas de afeto, de contaminação, de potência coletiva. A imaginação política se destravou e produziu um corte no tempo político.

A melhor maneira de matar um acontecimento que provocou inflexão na sensibilidade coletiva é reinseri-lo no cálculo das causas e efeitos. Tudo será tachado de ingenuidade ou espontaneismo, a menos que dê “resultados concretos”.

Como se a vivência de milhões de pessoas ocupando as ruas, afetadas no corpo a corpo por outros milhões, atravessados todos pela energia multitudinária, enfrentando embates concretos com a truculência policial e militar, inventando uma nova coreografia, recusando os carros de som, os líderes, mas ao mesmo tempo acuando o Congresso, colocando de joelhos as prefeituras, embaralhando o roteiro dos partidos –como se tudo isso não fosse “concreto” e não pudesse incitar processos inauditos, instituintes!

Como supor que tal movimentação não reata a multidão com sua capacidade de sondar possibilidades? É um fenômeno de vidência coletiva –enxerga-se o que antes parecia opaco ou impossível.

E a pergunta retorna: afinal, o que quer a multidão? Mais saúde e educação? Ou isso e algo ainda mais radical: um outro modo de pensar a própria relação entre a libido social e o poder, numa chave da horizontalidade, em consonância com a forma mesma dos protestos?

O Movimento Passe Livre, com sua pauta restrita, teve uma sabedoria política inigualável. Soube até como driblar as ciladas policialescas de repórteres que queriam escarafunchar a identidade pessoal de seus membros (“Anota aí: eu sou ninguém”, dizia uma militante, com a malícia de Odisseu, mostrando como certa dessubjetivação é condição para a política hoje. Agamben já o dizia, os poderes não sabem o que fazer com a “singularidade qualquer”).

Mas quando arrombaram a porteira da rua, muitos outros desejos se manifestaram. Falamos de desejos e não de reivindicações, porque estas podem ser satisfeitas. O desejo coletivo implica imenso prazer em descer à rua, sentir a pulsação multitudinária, cruzar a diversidade de vozes e corpos, sexos e tipos e apreender um “comum” que tem a ver com as redes, com as redes sociais, com a inteligência coletiva.

Tem a ver com a certeza de que o transporte deveria ser um bem comum, assim como o verde da praça Taksim, assim como a água, a terra, a internet, os códigos, os saberes, a cidade, e de que toda espécie de “enclosure” é um atentado às condições da produção contemporânea, que requer cada vez mais o livre compartilhamento do comum.

Tornar cada vez mais comum o que é comum –outrora chamaram isso de comunismo. Um comunismo do desejo. A expressão soa hoje como um atentado ao pudor. Mas é a expropriação do comum pelos mecanismos de poder que ataca e depaupera capilarmente aquilo que é a fonte e a matéria mesma do contemporâneo –a vida (em) comum.

Talvez uma outra subjetividade política e coletiva esteja (re)nascendo, aqui e em outros pontos do planeta, para a qual carecemos de categorias. Mais insurreta, de movimento mais do que de partido, de fluxo mais do que de disciplina, de impulso mais do que de finalidades, com um poder de convocação incomum, sem que isso garanta nada, muito menos que ela se torne o novo sujeito da história.

Mas não se deve subestimar a potência psicopolítica da multidão, que se dá o direito de não saber de antemão tudo o que quer, mesmo quando enxameia o país e ocupa os jardins do palácio, pois suspeita que não temos fórmulas para saciar nosso desejo ou apaziguar nossa aflição.

Como diz Deleuze, falam sempre do futuro da revolução, mas ignoram o devir revolucionário das pessoas.

PETER PÁL PELBART, 57, filósofo húngaro, é professor titular de filosofia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tradutor de Deleuze e autor de “Vida Capital”