Arquivo mensal: dezembro 2017

Algoritmos das rede sociais promovem preconceito e desigualdade, diz matemática de Harvard (BBC Brasil)

AlgoritmosPara Cathy O’Neil, por trás da aparente imparcialidade ddos algoritmos escondem-se critérios nebulosos que agravam injustiças. GETTY IMAGES

Eles estão por toda parte. Nos formulários que preenchemos para vagas de emprego. Nas análises de risco a que somos submetidos em contratos com bancos e seguradoras. Nos serviços que solicitamos pelos nossos smartphones. Nas propagandas e nas notícias personalizadas que abarrotam nossas redes sociais. E estão aprofundando o fosso da desigualdade social e colocando em risco as democracias.

Definitivamente, não é com entusiasmo que a americana Cathy O’Neil enxerga a revolução dos algoritmos, sistemas capazes de organizar uma quantidade cada vez mais impressionante de informações disponíveis na internet, o chamado Big Data.

Matemática com formação em Harvard e Massachussetts Institute of Technology (MIT), duas das mais prestigiadas universidades do mundo, ela abandonou em 2012 uma bem-sucedida carreira no mercado financeiro e na cena das startups de tecnologia para estudar o assunto a fundo.

Quatro anos depois, publicou o livro Weapons of Math Destruction (Armas de Destruição em Cálculos, em tradução livre, um trocadilho com a expressão “armas de destruição em massa” em inglês) e tornou-se uma das vozes mais respeitadas no país sobre os efeitos colaterais da economia do Big Data.

A obra é recheada de exemplos de modelos matemáticos atuais que ranqueiam o potencial de seres humanos como estudantes, trabalhadores, criminosos, eleitores e consumidores. Segundo a autora, por trás da aparente imparcialidade desses sistemas, escondem-se critérios nebulosos que agravam injustiças.

É o caso dos seguros de automóveis nos Estados Unidos. Motoristas que nunca tomaram uma multa sequer, mas que tinham restrições de crédito por morarem em bairros pobres, pagavam valores consideravelmente mais altos do que aqueles com facilidade de crédito, mas já condenados por dirigirem embriagados. “Para a seguradora, é um ganha-ganha. Um bom motorista com restrição de crédito representa um risco baixo e um retorno altíssimo”, exemplifica.

Confira abaixo os principais trechos da entrevista:

BBC Brasil – Há séculos pesquisadores analisam dados para entender padrões de comportamento e prever acontecimentos. Qual é novidade trazida pelo Big Data?

Cathy O’Neil – O diferencial do Big Data é a quantidade de dados disponíveis. Há uma montanha gigantesca de dados que se correlacionam e que podem ser garimpados para produzir a chamada “informação incidental”. É incidental no sentido de que uma determinada informação não é fornecida diretamente – é uma informação indireta. É por isso que as pessoas que analisam os dados do Twitter podem descobrir em qual político eu votaria. Ou descobrir se eu sou gay apenas pela análise dos posts que curto no Facebook, mesmo que eu não diga que sou gay.

Ambiente de trabalho automatizado‘Essa ideia de que os robôs vão substituir o trabalho humano é muito fatalista. É preciso reagir e mostrar que essa é uma batalha política’, diz autora. GETTY IMAGES

A questão é que esse processo é cumulativo. Agora que é possível descobrir a orientação sexual de uma pessoa a partir de seu comportamento nas redes sociais, isso não vai ser “desaprendido”. Então, uma das coisas que mais me preocupam é que essas tecnologias só vão ficar melhores com o passar do tempo. Mesmo que as informações venham a ser limitadas – o que eu acho que não vai acontecer – esse acúmulo de conhecimento não vai se perder.

BBC Brasil – O principal alerta do seu livro é de que os algoritmos não são ferramentas neutras e objetivas. Pelo contrário: eles são enviesados pelas visões de mundo de seus programadores e, de forma geral, reforçam preconceitos e prejudicam os mais pobres. O sonho de que a internet pudesse tornar o mundo um lugar melhor acabou?

O’Neil – É verdade que a internet fez do mundo um lugar melhor em alguns contextos. Mas, se colocarmos numa balança os prós e os contras, o saldo é positivo? É difícil dizer. Depende de quem é a pessoa que vai responder. É evidente que há vários problemas. Só que muitos exemplos citados no meu livro, é importante ressaltar, não têm nada a ver com a internet. As prisões feitas pela polícia ou as avaliações de personalidade aplicadas em professores não têm a ver estritamente com a internet. Não há como evitar que isso seja feito, mesmo que as pessoas evitem usar a internet. Mas isso foi alimentado pela tecnologia de Big Data.

Por exemplo: os testes de personalidade em entrevistas de emprego. Antes, as pessoas se candidatavam a uma vaga indo até uma determinada loja que precisava de um funcionário. Mas hoje todo mundo se candidata pela internet. É isso que gera os testes de personalidade. Existe uma quantidade tão grande de pessoas se candidatando a vagas que é necessário haver algum filtro.

BBC Brasil – Qual é o futuro do trabalho sob os algoritmos?

O’Neil – Testes de personalidade e programas que filtram currículos são alguns exemplos de como os algoritmos estão afetando o mundo do trabalho. Isso sem mencionar os algoritmos que ficam vigiando as pessoas enquanto elas trabalham, como é o caso de professores e caminhoneiros. Há um avanço da vigilância. Se as coisas continuarem indo do jeito como estão, isso vai nos transformar em robôs.

Reprodução de propaganda no Facebook usada para influenciar as eleições nos EUAReprodução de propaganda no Facebook usada para influenciar as eleições nos EUA: ‘não deveriam ser permitidos anúncios personalizados, customizados’, opina autora

Mas eu não quero pensar nisso como um fato inevitável – que os algoritmos vão transformar as pessoas em robôs ou que os robôs vão substituir o trabalho dos seres humanos. Eu não quero admitir isso. Isso é algo que podemos decidir que não vai acontecer. É uma decisão política. Essa ideia de que os robôs vão substituir o trabalho humano é muito fatalista. É preciso reagir e mostrar que essa é uma batalha política. O problema é que estamos tão intimidados pelo avanço dessas tecnologias que sentimos que não há como lutar contra.

BBC Brasil – E no caso das companhias de tecnologia como a Uber? Alguns estudiosos usam o termo “gig economy” (economia de “bicos”) para se referir à organização do trabalho feita por empresas que utilizam algoritmos.

O’Neil – Esse é um ótimo exemplo de como entregamos o poder a essas empresas da gig economy, como se fosse um processo inevitável. Certamente, elas estão se saindo muito bem na tarefa de burlar legislações trabalhistas, mas isso não quer dizer que elas deveriam ter permissão para agir dessa maneira. Essas companhias deveriam pagar melhores remunerações e garantir melhores condições de trabalho.

No entanto, os movimentos que representam os trabalhadores ainda não conseguiram assimilar as mudanças que estão ocorrendo. Mas essa não é uma questão essencialmente algorítmica. O que deveríamos estar perguntando é: como essas pessoas estão sendo tratadas? E, se elas não estão sendo bem tratadas, deveríamos criar leis para garantir isso.

Eu não estou dizendo que os algoritmos não têm nada a ver com isso – eles têm, sim. É uma forma que essas companhias usam para dizer que elas não podem ser consideradas “chefes” desses trabalhadores. A Uber, por exemplo, diz que os motoristas são autônomos e que o algoritmo é o chefe. Esse é um ótimo exemplo de como nós ainda não entendemos o que se entende por “responsabilidade” no mundo dos algoritmos. Essa é uma questão em que venho trabalhando há algum tempo: que pessoas vão ser responsabilizadas pelos erros dos algoritmos?

BBC Brasil – No livro você argumenta que é possível criar algoritmos para o bem – o principal desafio é garantir transparência. Porém, o segredo do sucesso de muitas empresas é justamente manter em segredo o funcionamento dos algoritmos. Como resolver a contradição?

O’Neil – Eu não acho que seja necessária transparência para que um algoritmo seja bom. O que eu preciso saber é se ele funciona bem. Eu preciso de indicadores de que ele funciona bem, mas isso não quer dizer que eu necessite conhecer os códigos de programação desse algoritmo. Os indicadores podem ser de outro tipo – é mais uma questão de auditoria do que de abertura dos códigos.

A melhor maneira de resolver isso é fazer com que os algoritmos sejam auditados por terceiros. Não é recomendável confiar nas próprias empresas que criaram os algoritmos. Precisaria ser um terceiro, com legitimidade, para determinar se elas estão operando de maneira justa – a partir da definição de alguns critérios de justiça – e procedendo dentro da lei.

Cathy O'NeilPara Cathy O’Neil, polarização política e fake news só vão parar se “fecharmos o Facebook”. DIVULGAÇÃO

BBC Brasil – Recentemente, você escreveu um artigo para o jornal New York Times defendendo que a comunidade acadêmica participe mais dessa discussão. As universidades poderiam ser esse terceiro de que você está falando?

O’Neil – Sim, com certeza. Eu defendo que as universidades sejam o espaço para refletir sobre como construir confiabilidade, sobre como requerer informações para determinar se os algoritmos estão funcionando.

BBC Brasil – Quando vieram a público as revelações de Edward Snowden de que o governo americano espionava a vida das pessoas através da internet, muita gente não se surpreendeu. As pessoas parecem dispostas a abrir mão da sua privacidade em nome da eficiência da vida virtual?

O’Neil – Eu acho que só agora estamos percebendo quais são os verdadeiros custos dessa troca. Com dez anos de atraso, estamos percebendo que os serviços gratuitos na internet não são gratuitos de maneira alguma, porque nós fornecemos nossos dados pessoais. Há quem argumente que existe uma troca consentida de dados por serviços, mas ninguém faz essa troca de forma realmente consciente – nós fazemos isso sem prestar muita atenção. Além disso, nunca fica claro para nós o que realmente estamos perdendo.

Mas não é pelo fato de a NSA (sigla em inglês para a Agência de Segurança Nacional) nos espionar que estamos entendendo os custos dessa troca. Isso tem mais a ver com os empregos que nós arrumamos ou deixamos de arrumar. Ou com os benefícios de seguros e de cartões de crédito que nós conseguimos ou deixamos de conseguir. Mas eu gostaria que isso estivesse muito mais claro.

No nível individual ainda hoje, dez anos depois, as pessoas não se dão conta do que está acontecendo. Mas, como sociedade, estamos começando a entender que fomos enganados por essa troca. E vai ser necessário um tempo para saber como alterar os termos desse acordo.

Aplicativo do Uber‘A Uber, por exemplo, diz que os motoristas são autônomos e que o algoritmo é o chefe. Esse é um ótimo exemplo de como nós ainda não entendemos o que se entende por “responsabilidade” no mundo dos algoritmos’, diz O’Neil. EPA

BBC Brasil – O último capítulo do seu livro fala sobre a vitória eleitoral de Donald Trump e avalia como as pesquisas de opinião e as redes sociais influenciaram na corrida à Casa Branca. No ano que vem, as eleições no Brasil devem ser as mais agitadas das últimas três décadas. Que conselho você daria aos brasileiros?

O’Neil – Meu Deus, isso é muito difícil! Está acontecendo em todas as partes do mundo. E eu não sei se isso vai parar, a não ser que fechem o Facebook – o que, a propósito, eu sugiro que façamos. Agora, falando sério: as campanhas políticas na internet devem ser permitidas, mas não deveriam ser permitidos anúncios personalizados, customizados – ou seja, todo mundo deveria receber os mesmos anúncios. Eu sei que essa ainda não é uma proposta realista, mas acho que deveríamos pensar grande porque esse problema é grande. E eu não consigo pensar em outra maneira de resolver essa questão.

É claro que isso seria um elemento de um conjunto maior de medidas porque nada vai impedir pessoas idiotas de acreditar no que elas querem acreditar – e de postar sobre isso. Ou seja, nem sempre é um problema do algoritmo. Às vezes, é um problema das pessoas mesmo. O fenômeno das fake news é um exemplo. Os algoritmos pioram a situação, personalizando as propagandas e amplificando o alcance, porém, mesmo que não existisse o algoritmo do Facebook e que as propagandas políticas fossem proibidas na internet, ainda haveria idiotas disseminando fake news que acabariam viralizando nas redes sociais. E eu não sei o que fazer a respeito disso, a não ser fechar as redes sociais.

Eu tenho três filhos, eles têm 17, 15 e 9 anos. Eles não usam redes sociais porque acham que são bobas e eles não acreditam em nada do que veem nas redes sociais. Na verdade, eles não acreditam em mais nada – o que também não é bom. Mas o lado positivo é que eles estão aprendendo a checar informações por conta própria. Então, eles são consumidores muito mais conscientes do que os da minha geração. Eu tenho 45 anos, a minha geração é a pior. As coisas que eu vi as pessoas da minha idade compartilhando após a eleição de Trump eram ridículas. Pessoas postando ideias sobre como colocar Hilary Clinton na presidência mesmo sabendo que Trump tinha vencido. Foi ridículo. A esperança é ter uma geração de pessoas mais espertas.

Inventário de fauna e flora em São Paulo surpreende pela alta biodiversidade (Pesquisa Fapesp)

08 de maio de 2017

Inventário de fauna e flora em São Paulo surpreende pela alta biodiversidadeSeis novas espécies de plantas foram descobertas, uma onça-pintada foi observada no limite sul do município e espécies típicas do Cerrado são intensificadas (foto:Rhamphasto toco/Anelisa Magalhães)

Maria Fernanda Ziegler  |  Agência FAPESP – Em uma determinada área, do tamanho de 140 mil campos de futebol, é possível encontrar tucanos-toco (Ramphastos toco) do Cerrado, o muriqui-do-sul (Brachyteles arachnoides) – o maior primata brasileiro – e o sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita), animal endêmico da Mata Atlântica e em risco de extinção.

Há ainda seis espécies de plantas até então desconhecidas pela ciência, além de carismáticas capivaras (Hydrochoerus hydrochaeris), suçuaranas (Puma concolor capricornensis) e até mesmo uma onça-pintada (Panthera onca), o maior felino das Américas, contabilizando um total de 1.113 espécies da fauna e 4.768 da flora.

Os números são surpreendentes, principalmente se for levado em conta que a área em questão está no município de São Paulo. Há uma biodiversidade latente entre o cimento, o asfalto e as poucas áreas verdes, sobretudo nos cinturões verdes do Norte e do Sul da cidade. É o que concluiu o mais recente inventário de fauna e flora do município, divulgado pela Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SVMA).

O esforço de fazer um inventário da biodiversidade da capital paulista reuniu servidores da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, instituição parceira do Programa BIOTA-FAPESP com o Projeto Atlas Ambiental.

O levantamento da fauna silvestre é feito desde 1993 e em 2016 foram incluídos dados sobre a flora pela primeira vez. A equipe obtém os dados a partir do levantamento primário em mais de 100 localidades (136 localidades em 2016) e por meio do atendimento de animais silvestres entregues à Divisão Técnica de Medicina Veterinária e Manejo da Fauna Silvestre da prefeitura. Os resultados incluem ainda registros cumulativos de mais de 20 anos de trabalho e alguns estudos realizados por pesquisadores parceiros.

No caso das plantas, foi feita uma compilação de diferentes fontes de dados, incluindo amostras de plantas herborizadas documentadas no Herbário Municipal, relatórios de vistorias técnicas do Herbário Municipal e referências bibliográficas como levantamentos florísticos ou fitossociológicos realizados no município desde 1911.

O que impressiona é a possibilidade de encontrar espécies novas e a resistência não só de espécies pouco exigentes ecologicamente, como as capivaras do rio Pinheiros, como daquelas que precisam de um ecossistema equilibrado para sobreviver.

É o caso de uma onça-pintada de quase 100 quilos que teve tranquilo andar captado, em janeiro de 2016, enquanto passeava pelo Núcleo Curucutu do Parque Estadual da Serra do Mar, limite sul da capital paulista. O flagrante foi feito por armadilhas fotográficas do Instituto Pró-Carnívoros, um parceiro do trabalho.

“Tanto o muriqui-do-sul, que ainda não tinha registro recente no município de São Paulo, quanto o sagui e a onça-pintada são espécies exigentes ecologicamente. A presença deles indica uma cadeia preservada, já que não suportam alterações ambientais. É surpreendente e, sem dúvida, uma boa notícia”, disse Anelisa Magalhães, servidora da Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente que coordenou a parte de fauna do Inventário da Biodiversidade do Município de São Paulo – 2016, à Agência FAPESP.

Logo na estreia da pesquisa de flora no inventário foram registradas seis espécies desconhecidas pelos pesquisadores. Há ainda mais uma – árvore da família Lauraceae – sendo analisada como provavelmente nova. Todas elas estão relacionadas aos esforços de coleta realizados durante o projeto “Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo”, financiado pela FAPESP.

“A Leandra lapae D’El Rei Souza & Baumgratz, um arbusto da família Melastomataceae, só foi registrada até o presente momento a partir de uma coleta realizada em uma mata ao lado de Parelheiros”, disse Ricardo Garcia, curador do Herbário Municipal e responsável pela parte de flora do inventário.

Cerrado na metrópole

Fazer o levantamento da biodiversidade de uma megalópole como São Paulo de forma periódica tem justamente a função de acompanhar a evolução e alteração das espécies no município, assim como para servir de embasamento científico de políticas públicas.

“Com esse trabalho, ficamos sabendo tanto de espécies que eram documentadas historicamente em alguns locais da cidade e que desapareceram, como aquelas que surgiram. Isso ocorre por causa das intensas mudanças ambientais promovidas pela urbanização”, disse Magalhães.

O inventário mostra que tanto a flora como a fauna do Cerrado estão se tornando mais presentes. “O tucano-toco, por exemplo, é uma espécie comum no Cerrado e que está sendo registrada agora com maior frequência aqui”, disse.

Até mesmo a pomba asa-branca (Patagioenas picazuro) é um exemplo de colonização do ambiente urbano. Na década de 1990, ela era vista poucas vezes e em poucas épocas do ano, atualmente o animal se estabeleceu em toda a cidade. “Quando os habitatssão reduzidos pela urbanização e atividades humanas muitas espécies vão desaparecer enquanto outras vão se adaptar e aumentar suas populações”, disse Magalhães.

Com a flora não é diferente. Do total, 47 espécies foram registradas pela primeira vez na cidade depois de mais de 50 anos sem coletas. São, portanto, espécies que poderiam ser consideradas extintas, mas que foram reencontradas.

“Isto pode indicar tanto falta de coletas nesse intervalo de tempo como, também, que porções do território estão sendo reocupadas por espécies campestres, dadas as atuais condições ambientais. Dentre estas, 20 espécies ocorrem nos biomas Mata Atlântica e Cerrado”, disse Garcia.

Originalmente, os campos cerrados, matas, vegetação de várzea e campos alto-montanos eram os tipos de vegetação que cobriam o município de São Paulo. Apenas na área do Centro Histórico é que predominavam os campos mais secos (nos morros) e vegetação de várzea nas baixadas. Hoje, essas vegetações originais foram quase extintas por completo. Porém, observou-se uma intensificação também da flora típica do Cerrado nos últimos anos. No conjunto das 3.474 espécies vasculares nativas no município, 18 são consideradas como exclusivas do bioma Cerrado, sendo que cinco delas possuem registros recentes em ambientes naturais (não foram cultivadas).

O levantamento possibilitou outra constatação importante: os parques da cidade de São Paulo têm função essencial ao servirem como ponto de parada para aves. “Eles dão suporte para alimentação e descanso durante os deslocamentos das aves entre os fragmentos de mata. É o caso do Parque Ibirapuera, do Parque da Aclimação e do Parque Buenos Aires, que recebem a visita da araponga [Procnias nudicolis] durante a primavera, por exemplo. A malha de parques municipais, com sua miscelânea de vegetação nativa e exótica, tem maior relevância ecológica para as aves florestais e migratórias do que se supunha”, disse Magalhães.

A bióloga explica que, além da importância dos parques ser confirmada, há ainda necessidade de acompanhar a arborização urbana. “O que você escolhe para plantar na sua cidade vai influenciar na biodiversidade”, disse.

Ao longo dos 20 anos de realização do inventário, ele já serviu de base para compensação ambiental de grandes obras. “ No fim, isso tudo depende de decisões políticas, mas com o inventário podemos instrumentalizar as decisões”, disse.

Magalhães conta que nas obras do Rodoanel, trecho sul, por exemplo, foram criados por compensação ambiental quatro parques naturais, com base nas informações do inventário de fauna e flora. O mesmo ocorreu com a alteração da fiação elétrica da Eletropaulo, em áreas rurais, para um menor risco para a fauna, baseado nos casos de eletrocussão relatados pela Divisão de Fauna.

“Isso porque conseguimos provar que havia impacto e que animais estavam morrendo eletrocutados. Caso contrário, poderiam sempre falar que em São Paulo não tem bicho nem planta”, disse.

O Inventário da Biodiversidade do Município de São Paulo – 2016 está disponível em: www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/pubbiodiversidademunsp2016.pdf.

Onde se escondem as poucas onças-pintadas que sobraram (Pesquisa Fapesp)

03 de março de 2017

Pesquisadores compõem retrato dos padrões de deslocamento do maior felino das Américas nos grandes biomas brasileiros. Na Mata Atlântica, restam apenas cerca de 300 indivíduos (foto: Eduardo Cesar/Revista Pesquisa FAPESP)

Peter Moon | Agência FAPESP – Restam apenas cerca de 300 onças-pintadas (Panthera onca) na Mata Atlântica. É muito, muito pouco. São inúmeras as razões para o desaparecimento eminente do maior felino das Américas ao longo do bioma que um dia se estendia desde o norte da Argentina, passando pelo Paraguai e Uruguai, até o Nordeste brasileiro.

A primeira e mais óbvia razão é que só restam 7% da Mata Atlântica original. A segunda, uma consequência direta, é que o pouco que sobrou é composto por áreas muito fragmentadas. Ou seja, as onças remanescentes precisam percorrer áreas muito maiores do que suas congêneres da Amazônia ou do Pantanal, por exemplo, para encontrar caça ou achar parceiros para cruzamento.

E como as áreas são muito fragmentadas, as andanças das onças na Mata Atlântica envolvem riscos cada vez mais frequentes de contato com humanos – o que envolve todo um leque de consequências letais para os grandes felinos. Elas viram alvo de caçadores, são atropeladas, são vítima da retaliação por parte de fazendeiros e pecuaristas ou perseguidas pela população em geral, que tem medo desses bichos.

Todas essas conclusões foram publicadas em novembro em um grande estudo internacional na Scientific Reports, da Nature. Entre os pesquisadores envolvidos no trabalho está o conservacionista Ronaldo Gonçalves Morato, chefe do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), em Atibaia (SP).

Em outro artigo, publicado no fim de dezembro, Morato e colaboradores vão além das conclusões do trabalho sobre as onças da Mata Atlântica para começar a compor um retrato dos padrões de deslocamento das onças-pintadas em cinco grandes biomas brasileiros – e os riscos que elas correm em cada um deles. O artigo foi publicado na revista PLoS ONE. A pesquisa teve apoio da FAPESP, por meio de uma bolsa de pesquisa, me nível de pós-doutorado no exterior, concedida a Morato para a realização no Smithsonian Conservation Biology Institute, nos Estados Unidos.

“O objetivo da pesquisa foi verificar as condições de deslocamento e o tamanho da área de vida das onças-pintadas em cada um desses biomas brasileiros: Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pantanal e Amazônia, e também no norte da Argentina”, disse Morato.

Para a obtenção dos dados de deslocamento, entre 1998 e 2016 foram monitorados 44 indivíduos que haviam sido previamente capturados, sedados e neles colocado um colar especial dotado de localizador por satélite (GPS).

Foram estudados 21 indivíduos no Pantanal, 12 na Mata Atlântica, oito na Amazônia, um no Cerrado e dois na Caatinga. Foram amostrados 22 machos e 22 fêmeas. As idades estimadas variaram de 18 meses até 10 anos, sendo que a maioria das onças (41) era adulta, com mais de três anos.

O GPS dos colares foi programado para informar a localização dos animais a cada uma hora, 24 horas por dia. Os períodos de monitoramento variaram de 11 até 1.749 dias (média de 183 dias), enquanto que o número de localizações registradas por indivíduo variou de 53 até 11 mil (média de 2.264). O total de registros somou 81 mil localizações, a maior já realizada no estudo de onças.

“Os colares tinham baterias capazes de durar cerca de 500 dias de uso. Mas bem antes disso, geralmente com 400 dias de monitoramento, acionamos um dispositivo que permite a soltura automática do colar do pescoço do animal. A seguir, tentamos recuperar o colar para seu reúso, o que nem sempre é possível”, disse Morato. Em certos casos, mesmo que o colar seja encontrado, nem sempre continua em condições de uso.

“Sabemos se o animal morreu quando o sinal do GPS permanece na mesma localização por 24 horas. Neste caso, dispara um sinal automático. Foi o que aconteceu no Pantanal Norte em 2010, quando uma onça atacou e matou um pescador. Houve retaliação e algumas onças foram mortas na região. Suspeitamos que um dos animais mortos em nosso projeto tenha sofrido retaliação”, disse.

De acordo com Morato, cerca de 80% dos animais residiam na região de monitoramento. Os demais apresentaram padrões de deslocamento nômades ou estavam em dispersão.

Os machos exibiram as maiores áreas de vida – o território ocupado durante a vida de cada animal. É um resultado compatível com a hipótese de que a necessidade de maiores áreas por parte dos machos de espécies carnívoras está ligada à distribuição das fêmeas e à necessidade de maximizar as oportunidades reprodutivas.

“As onças com a maior área de vida foram as da Mata Atlântica, que muitas vezes precisam se aventurar por pastagens e campos cultivados para passar de um fragmento de floresta ao outro, correndo o risco de contato com humanos”, disse Morato.

Mobilidade limitada

Entre todos os animais, o do Cerrado mostrou necessidade de maior área de vida (1.268 km2). No Brasil, a onça com menor área de vida (36 km2) estava no Pantanal. Para efeito de comparação, a ilha de Santa Catarina tem 424 km2.

“Pela primeira vez conseguimos comparar os deslocamentos das onças nos diversos biomas. O próximo passo envolve saber como os animais se comportam nas diferentes estruturas e paisagens. Queremos verificar quais são os fatores que limitam a mobilidade das onças em cada bioma”, disse Morato.

Segundo o pesquisador, é importante saber o que limita os deslocamentos das onças, uma vez que a saúde do animal depende da sua variabilidade genética, que por sua vez depende da capacidade de os indivíduos encontrarem parceiros sexuais de outros grupos que não os familiares. É a mesma lógica que não indica o casamento entre primos, por exemplo.

O artigo Space Use and Movement of a Neotropical Top Predator: The Endangered Jaguar(http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0168176), de Ronaldo G. Morato e outros, publicado na PLoS One, pode ser lido em: http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0168176.

O artigo A biodiversity hotspot losing its top predator: The challenge of jaguar conservation in the Atlantic Forest of South America(doi:10.1038/srep37147), publicado na Scientific Reports, pode ser lido em: www.nature.com/articles/srep37147.

Biohacking e a modificação da natureza humana

GEICT

Por Rodrigo R. Autrán*

Na sexta-feira, 18 de novembro de 2017, ocorreu no Instituto de Geociências e no âmbito dos eventos realizados pela GEICT – Grupo de Estudos Interdisciplinares em Ciência e Tecnologia do Programa de Pós-graduação em Política Cientifica e Tecnológica (DPCT) da Universidade de Campinas (UNICAMP) o Workshop e conferência com o Professor Alessandro Delfanti, Professor Assistente de Cultura e Novas Mídias da Universidade de Toronto, que ensinou na Universidade da Califórnia-Davis, Universidade McGill e Universidade de Milão. Sua pesquisa se concentra no Trabalho Digital, no Hacking e na Economia Política de Ciência e Tecnologia. Ele é o autor de Biohackers: The Politics of Open Science (Pluto 2013) e muitos outros trabalhos.

Biohackers explora as mudanças fundamentais que ocorrem na circulação e propriedade da informação científica. Alessandro Delfanti argumenta que a combinação do ethos da ciência do século XX, o movimento de hackers e o movimento de

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Nível do mar na costa brasileira tende a aumentar nas próximas décadas (Pesquisa Fapesp)

05 de junho de 2017

Elton Alisson | Agência FAPESP – O nível do mar na costa brasileira tende a aumentar nas próximas décadas. No Brasil, contudo, onde mais de 60% da população vive em cidades costeiras, não há um estudo integrado da vulnerabilidade dos municípios litorâneos a este e a outros impactos decorrentes das mudanças climáticas, como o aumento da frequência e da intensidade de chuvas. Um estudo desse gênero possibilitaria estimar os danos sociais, econômicos e ambientais e elaborar um plano de ação com o intuito de implementar medidas adaptativas.

As conclusões são do relatório especial do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) sobre “Impacto, vulnerabilidade e adaptação das cidades costeiras brasileiras às mudanças climáticas”, lançado nesta segunda-feira (05/06) durante um evento no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.

A publicação tem apoio da FAPESP e parte dos estudos nos quais se baseia são resultado do Projeto Metrópole e de outros projetos apoiados pela Fundação no âmbito do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Mudanças Climáticas, financiado pela Fundação e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“A ideia do relatório foi mostrar o estado da arte sobre mudanças de clima e cidades costeiras, baseado em uma exaustiva revisão de publicações internacionais e nacionais sobre o tema, e também identificar lacunas no conhecimento para que os formuladores de políticas públicas e tomadores de decisão no Brasil possam propor e implementar medidas de adaptação”, disse José Marengo, coordenador-geral de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e um dos autores e editores do relatório, à Agência FAPESP.

De acordo com dados do documento, entre 1901 e 2010 o nível médio do mar globalmente aumentou 19 centímetros – com variação entre 17 e 21 centímetros.

Entre 1993 e 2010, a taxa de elevação correspondeu a mais de 3,2 milímetros (mm) por ano – com variação entre 2,8 e 3,6 mm por ano.

No Brasil também há uma tendência de aumento do nível do mar nas regiões costeiras com algum grau de incerteza porque não há registros históricos contínuos e confiáveis, ponderam os autores.

“Ainda não conseguimos detectar o aumento do nível do mar no Brasil por conta das poucas observações existentes e de estudos de modelagem para avaliar os impactos. Mas já identificamos por meio de estudos regionais diversas cidades de médio e grande porte que apresentam alta exposição à elevação do nível relativo do mar e já têm sofrido os impactos desse fenômeno, particularmente na forma de ressacas e inundações”, disse Marengo.

Entre essas cidades, onde 60% da população reside na faixa de 60 quilômetros da costa, estão Rio Grande (RS), Laguna e Florianópolis (SC), Paranaguá (PR), Santos (SP), Rio de Janeiro (RJ), Vitória (ES), Salvador (BA), Maceió (AL), Recife (PE), São Luís (MA), Fortaleza (CE) e Belém (PA).

Nos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo, têm sido registradas taxas de aumento do nível médio do mar de 1,8 a 4,2 mm por ano desde a década de 1950.

Na cidade de Santos, no litoral sul paulista, onde está situado o maior porto da América Latina, o nível do mar tem aumentado 1,2 mm por ano, em média, desde a década de 1940. Além disso, ocorreu um aumento significativo na altura das ondas – que alcançava 1 metro em 1957 e passou a atingir 1,3 m, em 2002 – e na frequência de ressacas no município.

Já no Rio de Janeiro, a análise dos dados da estação maregráfica da Ilha Fiscal – que tem a série histórica mais antiga do Brasil e fica no meio da Baía da Guanabara – indica uma tendência média de aumento do nível do mar de mais ou menos 1,3 mm por ano, com base nos dados mensais do nível do mar do período de 1963 a 2011 e com um índice de confiança de 95%.

Por sua vez, em Recife o nível do mar aumentou 5,6 mm entre 1946 e 1988 – o que corresponde a uma elevação de 24 centímetros em 42 anos. A erosão costeira e a ocupação do pós-praia provocaram uma redução da linha de praia em mais de 20 metros na Praia de Boa Viagem – a área da orla mais valorizada da cidade –, apontam os autores do relatório.

“Existem poucas observações como essas em outras regiões do país. Quando tentamos levantar dados dos últimos 40 ou 100 anos sobre o aumento do nível do mar em outras cidades do Nordeste, como Fortaleza, por exemplo, é difícil encontrar”, disse Marengo.

Impactos socioeconômicos

De acordo com os autores do relatório, as mudanças climáticas e um acelerado ritmo de elevação do nível do mar podem causar sérios impactos nas áreas costeiras do Brasil.

Os impactos socioeconômicos seriam mais restritos às vizinhanças das 15 maiores cidades litorâneas, que ocupam uma extensão de 1,3 mil quilômetros da linha costeira – correspondente a 17% da linha costeira do Brasil.

Entre as principais consequências da elevação do nível do mar, entre diversas outras, estão o aumento da erosão costeira, da frequência, intensidade e magnitude das inundações, da vulnerabilidade de pessoas e bens e a redução dos espaços habitáveis.

“Os impactos mais evidentes da elevação do nível do mar são o aumento da frequência das inundações costeiras e a redução da linha de praia. Mas há outros não tão perceptíveis, como a intrusão marinha, em que a água salgada do mar começa a penetrar aquíferos e ecossistemas de água doce”, ressaltou Marengo.

As projeções do quinto relatório (AR5) do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) são que a elevação do nível do mar globalmente varie entre 0,26 e 0,98 metro até 2100 – em um cenário mais pessimista. O relatório apresenta estimativas similares para a costa brasileira.

Considerando que a probabilidade de inundações aumenta com a elevação do nível do mar pode ser esperada uma maior probabilidade de inundações em áreas que apresentam mais de 40% de mudanças no nível do mar observadas nos últimos 60 anos – como é o caso de várias metrópoles costeiras brasileiras, ressaltam os autores.

As inundações costeiras serão mais preocupantes no litoral do Nordeste, Sul e Sudeste, e também podem afetar o litoral sul e sudoeste da cidade do Rio de Janeiro. Os seis municípios fluminenses mais vulneráveis à elevação do nível do mar, de acordo com estudos apresentados no relatório, são Parati, Angra dos Reis, Rio de Janeiro, Duque de Caxias, Magé e Campos dos Goytacazes.

“A combinação do aumento do nível do mar com tempestades e ventos mais fortes pode provocar danos bastante altos na infraestrutura dessas cidades”, estimou Marengo.

Exemplo de plano

O documento destaca o Plano Municipal de Adaptação à Mudança de Clima (PMAMC) da cidade de Santos como exemplo de plano de ação para adaptação às mudanças de clima e os seus impactos nas cidades [Leia mais sobre o assunto em http://agencia.fapesp.br/21997/].

A elaboração do plano foi baseada nos resultados do Projeto Metrópole, coordenado por Marengo.

O estudo internacional estimou que a inundação de áreas costeiras das zonas sudeste e noroeste de Santos, causada pela combinação da elevação do nível do mar com ressacas, marés meteorológicas e astronômicas e eventos climáticos extremos, pode causar prejuízos acumulados de quase R$ 2 bilhões até 2100 se não forem implementadas medidas de adaptação.

O estudo é realizado por pesquisadores do Cemaden, dos Institutos Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e Geológico (IG) e das Universidades de São Paulo (USP) e Estadual de Campinas (Unicamp), em parceria com colegas da University of South Florida, dos Estados Unidos, do King’s College London, da Inglaterra, além de técnicos da Prefeitura Municipal de Santos.

“Nossa intenção é aplicar essa metodologia utilizada em Santos em outras cidades litorâneas brasileiras para termos pelo menos uma estimativa inicial do custo de adaptação à elevação do nível do mar”, disse Marengo.

Universidades não têm diagnóstico da saúde mental de seus alunos de pós (Folha de S.Paulo)

FERNANDO TADEU MORAES
DE SÃO PAULO

As principais universidades brasileiras não sabem o que se passa com a saúde mental de seus estudantes de pós-graduação.

É o que se depreende das respostas que 19 instituições de ensino superior deram ao questionário enviado pela reportagem sobre o assunto. Foram procuradas as 20 primeiras colocadas do Ranking Universitário Folha (RUF ) além da melhor da região Norte, a UFPA. Juntas, elas abrigam mais de 70% dos alunos de mestrado e doutorado do país. Apenas PUC-Rio e UnB não responderam.

SAÚDE MENTAL NA PÓS

Na última segunda (18), a Folhapublicou reportagem com parte dos quase 300 depoimentos enviados ao jornal por alunos de mestrado e doutorado de todo o Brasil em que eles contam suas agruras e dificuldades durante a pós.

À pergunta “Qual é o diagnóstico da instituição sobre a saúde mental de seus alunos de pós-graduação?”, sete universidades afirmaram que não possuíam um; seis não responderam à questão e seis manifestaram algum tipo de preocupação com o assunto, sem, porém, apresentarem qualquer resposta concreta acerca do tema.

“Ainda não há a percepção, dentro da universidade, de que essas questões são ligadas ao ensino e à vida acadêmica. Em geral, considera-se que é um problema do aluno”, diz Tânia de Mello, coordenadora do Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao Estudante da Unicamp.

“Como a universidade poderá ter um diagnóstico de algo que ela nem considera um problema?”, questiona.

Para o psicólogo Robson Cruz, professor da PUC-MG e pesquisador da saúde mental de estudantes de pós, outra razão para a falta de atenção das universidades a essa questão é a dificuldade de lidar com ela, já que os problemas variam de acordo com a área.

Nas humanas, por exemplo, a relação com a escrita –como elaboração da tese e artigos– pode ser a parte mais penosa. Já nas áreas experimentais, a maior questão é a carga excessiva de trabalho dentro de um laboratório, explica Cruz.

ATENDIMENTO

Todas as instituições procuradas possuem algum tipo de assistência psicológica e psiquiátrica, seja em serviços voltados ao corpo discente ou a toda a comunidade universitária. Nenhuma, porém, possui uma assistência específica para a pós-graduação.

“Existe um certo entendimento de que o pós-graduando, por já ter passado pela graduação e em geral ter bolsa, é alguém que possui autonomia e independência, quase um pesquisador, e que, portanto, não precisaria receber muito apoio. É um engano”, diz Eduardo Benedicto, coordenador do Centro de Orientação Psicológica da USP de Ribeirão Preto.

Na visão de Cruz, diante das especificidades da pós, seria necessário um treinamento especializado de profissionais para lidar com esses estudantes.

Já Tânia de Mello acredita não ser necessária tal especialização. “Claro que ajuda quando você entende esse universo, mas uma boa rede de acolhimento deve conseguir dar conta dessas questões.”

O mais importante, diz, é haver uma boa estrutura de acolhimento no momento de crise. “Teria de ser algo acessível. A continuidade do tratamento pode até ser feita em outro lugar. É como funciona a maior parte dos serviços nos EUA e no Reino Unido”, diz Mello.

Ressaltando que se trata de uma realidade diversa da brasileira, Mello cita como exemplo a Universidade de Berkeley, nos EUA, que disponibiliza uma linha direta para que os estudantes em crise possam ligar, com divisão por língua, origem étnica e orientação sexual. “Não há nada similar por aqui.”

PREVENÇÃO

No campo da prevenção e da educação, o quadro parece ainda pior. Nove das 19 universidades ou não possuem ou não informaram a existência de ações nesse sentido. As dez restantes ou promovem iniciativas esporádicas (não vinculados a programas específicos), reduzidas, ou ainda estão implantando ações mais robustas.

Nenhuma, no entanto, implementou medidas que visem preparar o docente para para lidar com seus alunos, sobretudo orientandos, algo considerado fundamental pelos especialistas ouvidos.

“Temos de preparar os orientadores para ter uma visão mais humana da orientação”, afirma Eduardo Benedicto.

Mello lembra que “em geral, o docente não tem subsídios para lidar com a questão, pois não recebe qualquer treinamento das universidades para identificar e ajudar o aluno que enfrenta um transtorno mental.”
Cruz, por sua vez, aponta que o problema é mais embaixo e deveria ser objeto da própria formação dos docentes. “Eles simplesmente não são preparados para serem orientadores. Não há nenhuma ênfase, durante o mestrado e o doutorado, em ensino, didática, relação interpessoal, processo de orientação etc.”

Além de ações voltadas aos docentes, os especialistas sugerem a criação de “espaços de segurança” em que os alunos possam confidenciar suas angústias e fazer denúncias de assédio moral e sexual.

“Seriam espaços onde as pessoas pudessem falar com mais naturalidade sobre o tema e desmistificá-lo, ou seja, deixar claro que esse sofrimento existe, que tem a ver com a pós e que se pode falar disso”, afirma Tânia de Mello.

Universidades que enviaram respostas: Ufscar, UFRJ, UFPA, Univ. Fed. de Santa Maria, UFF, UFMG, UFC, UFBA, UFPR, Univ. Fed. de Viçosa, Unicamp, USP, Unesp, PUC-RS, Unifesp, Uerj, UFPE, UFSC, UFRGS

Orientadores de pós-graduação impõem dificuldades a alunos (Folha de S.Paulo)

ANÁLISE

Diego Padgurschi – 26.fev.2016/Folhapress

GABRIEL ALVES
DE SÃO PAULO

Uma das características mais marcantes da pós-graduação “stricto sensu” –mestrado e doutorado– é aquilo que podemos definir como o mito da forja.

Muitos orientadores (que mandam e desmandam na vida do aluno), pensam que quanto mais dificuldades eles impuserem, mais bem preparados –forjados– sairão os futuros mestres e doutores. E os fracos que fiquem pelo caminho.

Deixar discípulos quebrarem a cara não seria abandono, e sim lição de vida. No fim das contas eles não vão ter de se virar sozinhos?

A verdade é que muitas vezes dedicar um tempinho para os estudantes de pós fica lá no finzinho da lista de obrigações do pesquisador.

SAÚDE MENTAL NA PÓS

Antes ele tem que garantir sua própria biografia, publicando artigos e capítulos de livros, viajar para dar palestras, registrar suas patentes, cuidar de suas empresas…

É nesse contexto que se revela o feudal sistema de poder acadêmico. Não raro o professor delega parte de suas obrigações, como orientações e aulas, para pós-doutorandos, doutorandos e mestrandos.

Não é por acaso nem é tão raro que os elos mais fracos da cadeia acabem rompendo, como mostraram as reportagens sobre saúde mental na pós recentemente veiculadas por esta Folha.

Nesse contexto ainda há outras questões: o país tem de perseguir uma meta numérica na formação de doutores? Que tipo de doutor temos de formar? A que custo e em que prazo? Faz falta um jeito inteligente de lidar com a questão.

Já se foi o tempo em que o papel da pós-graduação era abastecer a academia com pesquisadores e docentes.

Muitos orientadores, por sua vez, se queixam de alunos despreparados, mas não têm como rejeitá-los: sem reposição na base da pirâmide, a produção fica estagnada.

Trocando em miúdos, o orientador ganha o direito de explorar por alguns anos uma força de trabalho barata (ou gratuita) em troca de atestar a formação de um novo mestre ou doutor, por mais que o título seja imerecido. Conscientemente ou não, alguns não veem aí um mau negócio.

E pode ser até mais grave. Em ciências experimentais, às vezes é adotado o “estágio probatório”, período que o futuro pós-graduando se dedica a aprender as técnicas usadas em um laboratório, a se inserir na rotina –sem receber nada por isso. Só depois é que vem a matrícula e, quem sabe, a bolsa. Desacompanhada de vários benefícios trabalhistas, vale notar.

Human societies evolve along similar paths (University of Exeter)

PUBLIC RELEASE: 

Societies ranging from ancient Rome and the Inca empire to modern Britain and China have evolved along similar paths, a huge new study shows.

Despite their many differences, societies tend to become more complex in “highly predictable” ways, researchers said.

These processes of development – often happening in societies with no knowledge of each other – include the emergence of writing systems and “specialised” government workers such as soldiers, judges and bureaucrats.The international research team, including researchers from the University of Exeter, created a new database of historical and archaeological information using data on 414 societies spanning the last 10,000 years. The database is larger and more systematic than anything that has gone before it.

“Societies evolve along a bumpy path – sometimes breaking apart – but the trend is towards larger, more complex arrangements,” said corresponding author Dr Thomas Currie, of the Human Behaviour and Cultural Evolution Group at the University of Exeter’s Penryn Campus in Cornwall.

“Researchers have long debated whether social complexity can be meaningfully compared across different parts of the world. Our research suggests that, despite surface differences, there are fundamental similarities in the way societies evolve.

“Although societies in places as distant as Mississippi and China evolved independently and followed their own trajectories, the structure of social organisation is broadly shared across all continents and historical eras.”

The measures of complexity examined by the researchers were divided into nine categories. These included:

  • Population size and territory
  • Number of control/decision levels in administrative, religious and military hierarchies
  • Information systems such as writing and record keeping
  • Literature on specialised topics such as history, philosophy and fiction
  • Economic development

The researchers found that these different features showed strong statistical relationships, meaning that variation in societies across space and time could be captured by a single measure of social complexity.

This measure can be thought of as “a composite measure of the various roles, institutions, and technologies that enable the coordination of large numbers of people to act in a politically unified manner”.

Dr Currie said learning lessons from human history could have practical uses.

“Understanding the ways in which societies evolve over time and in particular how humans are able to create large, cohesive groups is important when we think about state building and development,” he said.

“This study shows how the sciences and humanities, which have not always seen eye-to-eye, can actually work together effectively to uncover general rules that have shaped human history.”

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The new database of historical and archaeological information is known as “Seshat: Global History Databank” and its construction was led by researchers from the University of Exeter, the University of Connecticut, the University of Oxford, Trinity College Dublin and the Evolution Institute. More than 70 expert historians and archaeologists have helped in the data collection process.

The paper, published in Proceedings of the National Academy of Sciences, is entitled: “Quantitative historical analysis uncovers a single dimension of complexity that structures global variation in human social organisation.”

Michael Shermer: A favor da razão (Pesquisa Fapesp)

Divulgador de ciência norte-americano combate irracionalismos e fundamentalismos em voga

MARCOS PIVETTA | ED. 261 | NOVEMBRO 2017

Escritor se dedica a divulgar explicações científicas para fenômenos supostamente extraordinários ou sobrenaturais. © LÉO RAMOS CHAVES

Colunista desde 2001 da edição norte-americana da revista Scientific American, o californiano Michael Shermer, 63 anos, dedica-se a divulgar explicações científicas que refutam a existência de fenômenos supostamente extraordinários ou sobrenaturais, como a possibilidade de ressurreição, e a combater ideias pseudocientíficas. Formado em psicologia, com doutorado em história da ciência, é autor de livros sobre ciência, moral e religião e editor da revista Skeptic. Também leciona um curso básico sobre ceticismo na Universidade Chapman, uma instituição regional de ensino superior do sul da Califórnia mantida pela denominação protestante Discípulos de Cristo. Shermer, que já foi religioso e hoje é ateu, esteve em São Paulo no início de outubro para participar de um evento sobre divulgação da ciência.

O senhor acredita que ser religioso e fazer ciência é incompatível?
Muitos cientistas profissionais são pessoas religiosas. Então, aparentemente, isso é possível. Mas é lógico proceder assim? Acho que na maioria das vezes não. Os cientistas que são religiosos adotam uma estratégia para lidar com ciência e religião: colocam esses temas em diferentes categorias mentais e não os deixam se sobrepor. A maioria das afirmações religiosas pode ser testada pela ciência. Se os religiosos dizem que a Terra tem 10 mil anos de idade e os geólogos, que ela tem 4,5 bilhões de anos, não se pode somar essas duas idades e dividir por dois para encontrar a verdade. Uma dessas afirmações está simplesmente errada. No caso, a dos religiosos. Mas, quando se trata de determinar valores morais, a espiritualidade, o sentido da vida, o que é certo e o que é errado, a maioria das pessoas acha que isso só pode ser obtido por meio da religião. Não concordo com isso. Acho que podemos usar o método científico para abordar esses temas. Devemos trabalhar e nos esforçar mais para proceder assim.

Como o método científico pode ajudar nesse tipo de questão?
Vou dar um exemplo. Podemos usar a ciência para determinar qual é o melhor sistema político para se viver. Há muitos dados sobre isso, acumulados ao longo de uns 500 anos. A democracia é melhor do que teocracias, ditaduras, monarquias e estados comunistas. Estes últimos são estados falidos. É possível medir as consequências dos sistemas políticos em termos dos níveis de sobrevivência da população e do desenvolvimento. Esse é um argumento utilitário. As sociedades em que foram implantados esses sistemas políticos são experimentos naturais que foram conduzidos pelo homem. Quando houve o desmembramento da Coreia em dois países [em 1948], o norte e o sul eram iguais. Hoje os dois países não são nem remotamente parecidos. Cada um tem um sistema político, legal e econômico diferente. Por que a antiga Alemanha Ocidental era mais desenvolvida do que a Oriental? Essas perguntas podem e devem ser respondidas por cientistas políticos e econômicos. Isso é ciência.

O senhor acha que a ciência social deve ser encarada da mesma forma que as chamadas ciências duras? Não é mais difícil fazer previsões no campo da ciência social do que em química ou na matemática?
Sim. Mas, na verdade, acho que as ciências duras, no sentido de que são mais difíceis de fazer, são as sociais. Nelas, há muito mais variáveis envolvidas. Átomos, moléculas, gases, rochas, planetas e estrelas, todos esses objetos de estudo apresentam um número limitado de variáveis. São sistemas mais previsíveis. Como disse, o comportamento dos seres humanos, da economia, envolve muito mais variáveis. Mas essa ciência pode ser feita. Aliás, tem sido feita há séculos. Adam Smith [1723-1790] fez isso no seu livro Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Ele é o Newton [1643-1727] da economia. Mas essa minha posição é minoritária entre os cientistas. Eles não sabem nada das “ciências moles”.

Por que as pessoas acreditam em poderes sobrenaturais e explicações religiosas para fenômenos naturais?
O cérebro humano está biologicamente preparado para acreditar nessas coisas. As pessoas podem encontrar padrões em certos eventos e tentam estabelecer causas e conexões entre eles. As pessoas acham que esses padrões não são aleatórios, inanimados. Os eventos ocorreriam por uma razão. Elas acreditam que há uma entidade por trás deles, um espírito, uma força, alguém manipulando as cordinhas. Daí é um passo para chamar essa força de Deus, espírito, fantasma, alienígena, anjo ou demônio. O mundo sempre viveu assim até o momento em que a ciência desbancou essas ideias. Não é que as pessoas sejam ignorantes ou pouco instruídas. Apenas é mais fácil seguir esse caminho. As teorias sobre conspirações modernas também se alimentam dessa lógica.

Por que o criacionismo é tão forte nos Estados Unidos?
Vejo duas razões. Somos, de longe, a nação mais religiosa entre as industrializadas do Ocidente. Nenhum país da Europa chega nem mesmo perto. E não se trata de qualquer tipo de religião. Os Estados Unidos são protestantes, batistas. A maioria dos católicos, até o papa, fez as pazes com Darwin [1809-1882] e a teoria da evolução. Para eles, a evolução foi a forma que Deus encontrou para criar as espécies. Newton também achava que a gravidade era o jeito de Deus criar planetas. Já os protestantes, sobretudo os fundamentalistas, precisam crer que a Bíblia está certa. Eles fazem uma leitura literal, não de forma metafórica, da Bíblia. Se a Bíblia fala em dias, entendem que se trata literalmente de dias – não de uma figura de linguagem que se refere a uma noção de tempo. Outra razão diz respeito a uma tensão entre religião e política na arena pública, a despeito da existência da divisão entre Igreja e Estado. Não há, por exemplo, um conselho geral que dite o currículo para todas as escolas públicas do país. Cada estado, cada condado, às vezes cada distrito, tem os seus próprios conselhos. Às vezes, há uma maioria de religiosos fundamentalistas nesses conselhos e eles decidem ensinar criacionismo ao lado da teoria da evolução, ou até no lugar dela.