Arquivo mensal: dezembro 2020

A necessária indomesticabilidade de termos como “Antropoceno”: desafios epistemológicos e ontologia relacional (Opinião Filosófica)

Opinião Filosófica Special Issuehttps://doi.org/10.36592/opiniaofilosofica.v11.1009


A necessária indomesticabilidade de termos como “Antropoceno”: desafios epistemológicos e ontologia relacional

The necessary untameability of terms as “the Anthropocene”: epistemological challenges and relational ontology


Renzo Taddei[1]
Davide Scarso[2]
Nuno Pereira Castanheira[3]

Resumo
Nesta entrevista, realizada por Davide Scarso e Nuno Pereira Castanheira entre os meses de novembro e dezembro de 2020 via e-mail, o Professor Renzo Taddei (Unifesp) discute o significado do termo Antropoceno e as suas implicações, com base nas contribuições teóricas de Deborah Danowski, Eduardo Viveiros de Castro, Donna Haraway, Isabelle Stengers e Bruno Latour, entre outros. O entrevistado enfatiza a necessidade de evitarmos a redução do Antropoceno ou termos similares a conceitos científicos, assim preservando a sua capacidade indutora de novas perspectivas e transformações existenciais e resistindo à tentação de objetivação dominadora de um mundo mais complexo e bagunçado do que a epistemologia clássica gostaria de admitir.

Palavras-chave: Ecologia. Sustentabilidade. Ontologia. Epistemologia. Política

Abstract
In this interview, conducted via e-mail by Davide Scarso and Nuno Pereira Castanheira between the months of November and December 2020, Professor Renzo Taddei (Unifesp) discusses the meaning of the term Anthropocene and its implications, based on the theoretical contributions of Deborah Danowski, Eduardo Viveiros de Castro, Donna Haraway, Isabelle Stengers and Bruno Latour, among others. The interviewee emphasizes the need of avoiding the reduction of the Anthropocene and similar terms to scientific concepts, thus preserving their ability to induce new perspectives and existential transformation, and resisting the temptation of objectifying domination of a world that is more complex and messier than classical epistemology would like to acknowledge.

Keywords: Ecology. Sustainability. Ontology. Epistemology. Politics


1)  O que exatamente é o Antropoceno: um conceito científico, uma proposição política, um alarme soando?

Esta questão é tema de amplos e acalorados debates. Uma coisa que parece estar clara, no entanto, é que não há lugar para o advérbio “exatamente” nas muitas formas como o Antropoceno é conceitualizado. De certa maneira, o contexto em que a questão é colocada define suas respostas potenciais. Sugerir um nome que aponte para os sintomas do problema é distinto de tentar circunscrever as suas causas, e ambas as coisas não são equivalentes ao intento de atribuir responsabilidades. O problema é que o Antropoceno pode ser lido como qualquer uma destas coisas, e isso causa desentendimentos. É neste contexto que surgem argumentos em defesa do uso dos termos Capitaloceno ou Plantationceno[4], dentre outros, como alternativas mais apropriadas. O anthropos do Antropoceno sugere uma humanidade tomada de forma geral, sem atentar para a quantidade de injustiça e racismo ambientais na conformação do contexto presente.

Todos estes nomes têm sua utilidade, mas devem ser usados com cuidado. Como mostraram, cada qual à sua maneira, Timothy Morton[5] e Deborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro[6] em colaboração, não somos capazes de abarcar o problema em sua totalidade. É um marco importante na história do pensamento social e filosófico que efetivamente exista certo consenso de que o problema é maior e mais complexo que nossos sistemas conceituais e nossas categorias de pensamento. O que nos resta é fazer uso produtivo, na forma de bricolagem, das ferramentas conceituais imperfeitas que possuímos. Como Donna Haraway afirmou repetidamente por toda a sua carreira, o mundo real é mais complexo e bagunçado (“messy”) do que tendemos a reconhecer. Todas as teorias científicas são modelos de arame, e isto inclui, obviamente, as das ciências sociais. Não seria diferente no que diz respeito ao Antropoceno.

No fundo, a busca sôfrega pelo termo “correto” é um sintoma do problema de como nossas mentes estão colonizadas por ideias positivistas sobre a realidade. Em geral, tendemos a cair muito rápido na armadilha de sentir que, quando temos um nome para algo, entendemos do que se trata. Via de regra, trata-se do oposto: nomes estão associados a formas de regimentação semiótica do mundo; são parte de nossos esforços em domesticação da realidade, em tentativa de reduzi-la a nossas expectativas sobre ela. Este é especialmente o caso de nomes “taxonômicos”, como o Antropoceno: são molduras totalizantes que direcionam nossa atenção a certas dimensões do mundo, produzidas pelas ideias hegemônicas do lugar e do tempo em que estão em voga. Há muitas maneiras de desarmar esse esquema; uma é apontando para o fato de que pensar um mundo feito de “objetos” ou mesmo “fenômenos” é causa e efeito, ao mesmo tempo, do fato de que as ciências buscam, em geral, causas unitárias para efeitos específicos no mundo. Isso funciona para a física newtoniana mas não funciona para o que chamamos de ecossistemas, por exemplo. A existência mesma do hábito de criar coisas como o termo Antropoceno nos impede de abordar de forma produtiva o problema que o termo tenta descrever.

O termo é, desta forma, uma tentativa de objetificação; o que ele acaba objetificando são alguns de nossos medos e ansiedades. Dado que temos muito a temer, e tememos de formas muito diversas, não é surpresa que inexista consenso a respeito do que é o Antropoceno.   

Se um nome se faz necessário, precisamos de um que faça coisas outras que reduzir nossa ansiedade cognitiva a níveis administráveis. Esta é a forma, lembremos, como Latour definiu a produção da “verdade” no âmbito das ciências[7]. Ou seja, o que estou dizendo é que o Antropoceno, ou qualquer outro termo que usemos em seu lugar, para ser útil de alguma forma, não deve ser um conceito científico. Necessitamos de um termo que desestabilize nossos esquemas conceituais e nos induza a novas perspectivas e à transformação de nossos modos de existência. Um conceito desta natureza deve ser, necessariamente, indomesticável. Deve, portanto, resistir ao próprio ímpeto definidor da cognição. Etimologicamente, definir é delimitar, colocar limites; trata-se, portanto, de uma forma de domesticação. Um conceito indomesticável será, necessariamente, desconfortável; será percebido como “confusão”.

Na minha percepção, essa é uma das dimensões do conceito de Chthuluceno, proposto por Donna Haraway[8]. Ele não nos fala sobre o que supostamente está acontecendo com o mundo, mas propõe, ao mesmo tempo e de forma sobreposta, novas maneiras de entender as relações entre os seres e o poder de constituição de mundos de tais relações, onde o humano e o próprio pensamento são frutos de processos simpoiéticos. Esta perspectiva impossibilita a adoção, mesmo que tácita e por hábito, da ideia de humano herdada do iluminismo e do liberalismo europeus como elemento definidor da condição que vivemos no Antropoceno, e desarticula o especismo embutido em tais perspectivas.

Outra dimensão fundamental associada ao conceito de Chthuluceno é sua rejeição das metafísicas totalizantes, onde ideias abstratas tem a pretensão de ser universais e, portanto, de não ter ancoragem contextual. Haraway sugere que precisamos alterar nossa perspectiva a respeito do que é importante, em direção ao que ela chama de materialismo sensível em contextos simpoiéticos: a capacidade de perceber as relações que constituem a vida, nos contextos locais, e de agir de forma responsável sobre tais relações. Toda forma de conhecimento é parcial, fragmentada, e tem marcas de nascimento. Quando o conhecimento se apresenta sem o reconhecimento explícito dessas coisas, uma de duas alternativas está em curso: os envolvidos reconhecem e aceitam essa incontornável contextualidade do saber e isso não é mais uma questão; ou o conhecimento segue parte das engrenagens do colonialismo.

A ideia de aterramento, apresentada no último livro de Latour[9], converge em grande medida com as posições de Haraway. Em termos de tradições filosóficas, na minha percepção de não-especialista parece-me que ambos se alinham com o pragmatismo norte-americano, ainda que raramente façam referência a isso.

2)  Frequentemente, quando se discutem os problemas ambientais mais críticos do presente, mas também outros temas urgentes da contemporaneidade, a falta de unanimidade e consenso é lamentada. O que seria, à luz de sua pesquisa e reflexão, uma resposta “adequada” às muitas questões difíceis colocadas pelo Antropoceno?

Vivemos em tempos complexos, e o desenvolvimento das ferramentas conceituais disponíveis para dar conta do que temos adiante de nós segue em ritmo acelerado, mas não exatamente na direção do que as ideologias de progresso científico do século 20 supunham natural. Não me parece que estamos chegando “mais perto” de algo que sejamos capazes de chamar de “solução”, ainda que filosófica. Não se trata mais disso. O que os autores inseridos nos debates sobre o Antropoceno estão sugerindo é que este ideário de progresso colapsou filosoficamente, ainda que siga sendo conveniente ao capitalismo. A maior parte da academia segue trabalhando dentro deste paradigma falido, de forma inercial ou porque efetivamente atua para fornecer recursos ao capitalismo.

O que ocorre é que as noções de que a mente tem acesso imediato à realidade e de que as ideias explicativas sobre o mundo buscam uma ordem subjacente universal, da qual as coisas e contextos são apenas reflexos imperfeitos – uma ordem platônica, portanto – vêm sendo atacadas desde pelo menos Nietzsche. Os autores mais importantes do debate do Antropoceno são herdeiros de uma corrente perspectivista do século 20 que tinha Nietzsche em posição central, mas que incluía também Whitehead e James, e que posteriormente esteve ligada principalmente a Deleuze e Foucault. Isso explica o fato de que é parte fundamental do debate sobre o Antropoceno a crítica às filosofias de transcendência e a atenção dada à questão das relações de imanência. É contribuição fundamental de Eduardo Viveiros de Castro mostrar ao mundo que o que Deleuze entendia como imanência tinha relações profundas com o pensamento indígena amazônico[10], e ele estava trabalhando nisso muito antes da questão do Antropoceno se impor na filosofia e nas ciências sociais. Quando o Antropoceno se tornou tema incontornável, a questão dos modos de vida indígenas ganhou saliência não apenas por se apresentar como forma real, empírica de se viver de modos relacionais, mas também pelo fato de que os povos indígenas têm pegada de carbono zero e promovem a biodiversidade. Este último item funciona como ponte entre os debates mais propriamente filosóficos e os ecológicos.

Isso tudo me parece importante para falarmos sobre o que são, e que expectativas existem em torno dos temas de unanimidade e consenso. O desejo da comunicação perfeita é irmão gêmeo do desejo da nomeação perfeita, citado na resposta anterior. Em ambos os casos, trata-se da manifestação de uma concepção de mente que flutua no vácuo, desconectada das bases materiais e processuais que a fazem existir. De certa forma, esta concepção subjaz aos debates sobre o dissenso sempre que este é entendido como problema epistemológico. Quando isso ocorre, a intersubjetividade entendida como necessária ao processo de construção de consenso é vista como ligada a conceitos e ideias, e os diagnósticos sobre a razão do dissenso rapidamente caem nas valas comuns da “falta de educação” ou de “formas míticas de pensamento”.

A despeito das diferenças entre os autores associados ao debate sobre o Antropoceno – Haraway, Latour, Viveiros de Castro, Stengers, dentre muitos outros -, uma das coisas que todos têm em comum é a rejeição de uma abordagem que reduz o problema a uma questão epistemológica, em favor de uma perspectiva que dá centralidade à dimensão mais propriamente ontológica. Em razão disso, intercâmbios muito frutíferos passaram a ocorrer entre a filosofia e a antropologia, como se pode ver na obra não apenas do Viveiros de Castro, mas também de Tim Ingold, Elizabeth Povinelli, Anna Tsing, e muitos outros.

A questão aqui é que, quando as questões ontológicas, dentro de filosofias relacionais e perspectivísticas, passam a ser tomadas em conta, a comunicação passa a ser outra coisa. O exemplo mais bem acabado de teorização sobre isso é a teoria do perspectivismo ameríndio[11], desenvolvida por Viveiros de Castro e por Tania Stolze Lima. Esta teoria postula que o que os seres percebem no mundo é definido pelo tipo de corpos que têm, dentro de relações interespecíficas perigosas (de predação, por exemplo), e frente a um pano de fundo cosmológico em que grande parte dos seres têm consciência e intencionalidade equivalentes às humanas. Para alguns povos, por exemplo, a onça vê o humano como porco do mato e sangue como cerveja de caium, enquanto o porco do mato vê o humano como onça. A questão crucial, aqui, é que nenhuma das visões é ontologicamente superior à outra. Isso quer dizer que percepção humana não é mais “correta” que a da onça; é simplesmente produzida por um corpo humano, enquanto a da onça é produzida por um corpo de onça. Não há perspectiva absoluta, porque não corpo absoluto.    

Como é que onça e humano se comunicam, então? A pergunta é interessante logo de saída, porque entre os ocidentais a onça é tida como irracional e destituída de linguagem, e a comunicação é entendida como impossível. Nos mundos indígenas, geralmente cabe ao xamã, através de tecnologias xamânicas – que na Amazônia costuma implicar o uso de substâncias das plantas da floresta -, sair de seu corpo de humano e entrar em contato com o espírito da onça, ou dos seres de alguma forma associados às onças. Mas essa é apenas parte da questão; a relação entre caçador e presa, mais ordinária do que o contexto xamânico, é frequentemente descrita como relação de sedução, como uma forma de coreografia entre os corpos.

Alguns autores do debate sobre o Antropoceno têm explorado as implicações filosóficas de uma nova fronteira da microbiologia que apresenta os seres e seus corpos através de outras lentes. Em seu último livro, Haraway discute o conceito de holobionte, um emaranhado de seres em relações simbióticas que permitem a ocorrência da vida dos envolvidos. A questão filosófica importante que advém dos holobiontes é que, ao invés de falarmos de seres que estão em simbiose, parece mais apropriado dizer que é a partir das relações que emergem os seres. A simbiose é anterior aos seres, por assim dizer. Isso pode parecer muito técnico, e fica mais claro se mencionarmos que o corpo humano é entendido como um holobionte. O corpo existe em relação de simbiose com um número imenso de bactérias e outros seres, como fungos e vírus, e está bem documentado que as bactérias que habitam o trato intestinal humano têm efeito sobre o funcionamento do sistema nervoso, induzindo a pessoa a certos estados de ânimo e vontades. Esticando o argumento no limite da provocação, seria possível dizer que o que chamamos de consciência não é produzido nas células que têm o “nosso” DNA, mas é um fenômeno emergente da associação simbiótica entre os sistemas do corpo humano e os demais seres que compõe o holobionte.

Se for este o caso, a comunicação não se dá entre mentes e sistemas semióticos imateriais, mas entre seres imbuídos de sua materialidade e da materialidade dos contextos em que vivem. Mais do que pensar de forma alinhada, a questão passa a ser encontrar formas de relação que, como diz Haraway, nos permita viver e morrer bem em simpoiese com os demais seres. Como coloquei em outro lugar[12], precisamos ser capazes de fazer alianças com quem não pensa como pensamos, com quem não pensa como humanos, e com que não pensa.

O problema é imensamente maior que o do consenso, e ao mesmo tempo mais realista, em termos das possibilidades de materialização de soluções. Duas formas de abordagem da questão foram desenvolvidas entre antropólogos que trabalham na Amazônia: Viveiros de Castro propôs a teoria do equívoco controlado[13], e Mauro Almeida a dos encontros pragmáticos[14]. Ambos os casos se referem à comunicação de seres que existem em mundos distintos, ou seja, suas existências são compostas de acordo com pressupostos distintos sobre o que existe e o que significa existir. É imediato pensar no contexto do contato entre povos indígenas e não indígenas, mas o esquema pode ser usado para pensar qualquer relação de diferença. A ideia de que a comunicação pressupõe necessariamente o alinhamento epistemológico, nesta perspectiva, implica processos de violência contra corpos, culturas e mundos.

Basta olharmos a nosso redor para perceber que a vida comum não pressupõe alinhamento epistemológico. Há alguns dias vi um grupo de formigas cooperando para carregar uma migalha de pão muito maior do que o corpo de cada uma delas, e estavam subindo uma parede vertical. Fiquei espantado com a capacidade de cooperação entre seres entre os quais não existe atividade epistemológica. Entre os seres que pensam, boa parte do que existe no mundo é fruto de desentendimentos produtivos – uma pessoa diz uma coisa, a outra entende algo diferente, e juntas transformam a sua realidade, sem serem capazes sequer de avaliar de forma idêntica o resultado de suas ações, mas ainda assim podendo ambas sentirem-se satisfeitas com o processo. É como se estivessem dançando: nunca se dança da mesma forma, ainda que os corpos estejam conectados, e tampouco se entende o que se está fazendo da mesma forma durante a performance da dança, e com tudo isso é perfeitamente possível que o efeito seja o sentimento de satisfação e a fruição estético-afetiva da situação.

Haraway tem uma forma ainda mais provocadora de colocar a questão: devemos construir relações de parentesco com outros seres, animados e inanimados, se quisermos efetivamente caminhar no tratamento dos problemas ambientais.

No contexto dos conflitos associados ao Antropoceno, dois exemplos equivalentes de acordos pragmáticos são as manifestações conta a exploração de xisto betuminoso no Canadá, em 2013, e os protestos contra o oleoduto que cruzaria o território Sioux nos estados de Dakota do Sul e Dakota do Norte, nos Estados Unidos, em 2016. Em ambos os casos, viam-se pessoas indígenas marchando ao lado de estudantes universitários não-indígenas, ativistas e celebridades televisivas. Enquanto os manifestantes indígenas referiam-se à poluição do seu solo sagrado como motivação para o protesto, ativistas e celebridades gritavam o slogan de que não devemos continuar emitindo carbono. O fato de que um astro de Hollywood seja incapaz de entender o que é o solo sagrado Sioux não o impediu de marchar ao lado de anciãos Sioux que não têm nada parecido com a “molécula do carbono” em suas ontologias. Este é um exemplo pedagógico do tipo de acordo pragmático que precisamos no futuro.

Precisamos encontrar formas de “marchar” ao lado de processos do sistema terrestre que não entendemos, bem como de rochas, rios, plantas, animais, e outros seres humanos. É claro que isso não significa abdicar do uso da capacidade do uso da linguagem, mas apenas que devemos parar de atribuir poderes metafísicos transcendentes a ela – inclusive o de resolver todos os conflitos humanos -, e entender que a linguagem é tão material e relacional quantos as demais dimensões da existência.

3) Nas conversas sobre o Antropoceno e a crise ambiental planetária, as palavras e ações de resistência de comunidades indígenas de distintos lugares é frequentemente evocada. Qual é, na sua visão, a contribuição que estas experiências e intervenções, aparentemente tão distanciadas da face mais tecnológica, para não dizer tecnocrática, dos discursos oficiais sobre o Antropoceno, oferecem ao debate?

São inúmeras, e possivelmente as transformações em curso relacionadas ao papel e lugar dos intelectuais e líderes indígenas nas sociedades ocidentais ou ocidentalizadas fará com que sejamos capazes de perceber nuances dos modos de existência indígenas que hoje não são valorizadas. Refiro-me, no caso do Brasil, ao fato de que, no período de dois anos, Sonia Guajajara foi candidata à vice-presidência da república, Raoni foi indicado ao prêmio Nobel da Paz, Ailton Krenak foi agraciado com o prêmio Juca Pato de intelectual do ano e Davi Kopenawa ganhou o Right Livelihood Award e foi eleito para a Academia Brasileira de Ciência. E isso tudo nos dois anos mais obscuros e retrógrados da história política recente do país.

Uma parte da resposta já foi elaborada nas questões anteriores. O que se poderia agregar é o fato de que, como Latour desenvolve em seu último livro, não se pode ficar assistindo o desenrolar dos fatos na esperança de que, no fim, tudo dê certo em razão de alguma ordem transcendente misteriosa. O momento atual é de embate entre quem se alinha e vive de acordo com as agendas de exploração colonial do planeta, mesmo que não se perceba desta forma, e quem luta pela recomposição dos modos de existência em aliança com os ecossistemas e demais seres. O discurso oficial sobre o Antropoceno está em transformação, justamente em razão do ativismo das lideranças indígenas, como Davi Kopenawa[15] e Ailton Krenak[16], e dos pensadores que venho mencionando em minhas respostas, junto aos meios mais conservadores da ciência e da sociedade. E uso o termo ativismo de forma consciente aqui: não se trata de escrever livros e esperar que o mundo se transforme (ou não) como resultado. A disputa se dá palmo a palmo, reunião a reunião, e o final da história não está definido. Esta atitude se alinha mais com o modo como os indígenas entendem a realidade do que com o pensamento ocidental moderno.

Uma última coisa que vale a pena adicionar, aqui, diz respeito à questão da relação entre os modos de vida indígena e a sustentabilidade. É possível que toda a argumentação que eu apresentei aqui até agora tenha pouca aceitação e repercussão entre os cientistas que definem isso que a pergunta chama de “discursos oficiais”. Ocorre, no entanto, que pesquisas nas áreas de biodiversidade e ecologia têm mostrado que nos territórios indígenas em que as populações vivem de modos tradicionais, a eficácia na conservação da biodiversidade é igual, e algumas vezes maior, do que as medidas preservacionistas mais misantrópicas, como as chamadas áreas de proteção integral. Isto tem chamado a atenção dos biólogos e ecologistas, graças ao trabalho de antropólogos como a Manuela Carneiro da Cunha, o Mauro Almeida, o Eduardo Brondízio e outros[17]. Os povos indígenas, deste modo, são bons em conservação da natureza, mesmo que não tenham, em seus vocabulários, uma palavra para natureza. É de importância central, para os esforços ocidentais em conservação da biodiversidade, entender como isso se passa entre os povos indígenas e demais populações tradicionais. Escrevi sobre isso recentemente[18]: a chave para a compreensão deste fenômeno reside na relação entre o conceito de cuidado e a ontologia relacional habitadas pelos povos indígenas. Colocando isso de forma direta, em um contexto em que as coisas importantes do mundo são pessoas, isto é, possuem intenção e agência, independente do formato e da natureza dos seus corpos, as relações entre os seres passam a ser sociais e políticas e, portanto, perigosas e complicadas. A liberdade de ação é bem menor em um mundo em que árvores, rios e animais são gente com força de ação política. O resultado líquido disso é o que chamamos de proteção da biodiversidade.

Ou seja, índio não protege a natureza porque gosta ou vive dentro dela; índio protege a floresta justamente porque a natureza, da forma como o Iluminismo europeu plasmou o conceito, simplesmente não existe[19]. Disso tudo decorre que o cuidado para com a vida é um precipitado da arquitetura ontológica dos mundos indígenas, sem demandar voluntarismo nem culpa. Nos modos de vida ocidentais, cuidado é entendido como vontade, como obrigação moral[20], em um contexto em que as infraestruturas e o jogo político são capazes muito facilmente de desarticularem tal voluntarismo. Isso explica a desconexão entre o conhecimento e o cuidado nos modos de vida ocidentais modernos. Se tomarmos a Amazônia como exemplo, é muito fácil perceber que nunca se estudou tanto o bioma amazônico como nos últimos 20 anos; ao mesmo tempo, isso não deteve em nada a devastação da floresta. A mensagem relevante, aqui, e que é bastante contundente, é que ao invés de ficarmos culpando o mundo da política por impedir que o conhecimento científico se transforme em cuidado efetivo para com o meio ambiente, precisamos transformar as bases ontológicas sobre as quais conhecimento sobre o mundo e ação no mundo ocorrem, de modo que, à maneira dos mundos indígenas, conhecer seja, ao mesmo tempo e de forma imediata, cuidar.

4)  O seu trabalho toca frequentemente em questões associadas à interdisciplinaridade, um tema recorrente em muitas das iniciativas relacionadas ao Antropoceno e às mudanças climáticas. Como você resumiria sua experiência e posição a respeito disso?

Com minha colega Sophie Haines[21] desenvolvi uma análise das relações interdisciplinares na academia, com base nas coisas que mencionei em meu comentário acima sobre o consenso, a linguagem e a comunicação. O universo da cooperação interdisciplinar é permeado por conflitos de todas as naturezas, mas o mais proeminente é o resultado da ideia de que a colaboração só é possível com o alinhamento dos conceitos. A quantidade de tempo, fundos e amizades que se desperdiçam na tentativa vã de colonizar as mentes uns dos outros é imensa. Por essa razão as paredes simbólicas dos departamentos universitários são tão grossas.

Uma forma de pensar o problema, usando ainda o arcabouço conceitual da filosofia da ciência, é considerar que em termos epistemológicos, o mundo ao qual a atividade intelectual se refere pode ser dividido em três campos: o das variáveis, foco da atenção e do investimento da atividade científica, e que define os próprios contornos disciplinares; o dos axiomas, que são suposições a respeito da realidade que não estão ali para serem testadas, mas para instrumentalizar o trabalho com as variáveis; e o que Pierre Bourdieu[22] chamou de doxa, o fundo fenomênico da realidade que é tomado como não problemático (e portanto não tem o privilégio de se transformar em variável de pesquisa), e que algumas vezes sequer é reconhecido como existente. O problema nas relações interdisciplinares é que o que é variável para uma disciplina é parte da doxa para a outra, o que induz os acadêmicos a pensar que o que os colegas de disciplinas muito distintas fazem é inútil e perda de tempo. Vivi isso na pele, no início de minha pesquisa de campo de doutorado, quando disse a colegas meteorologistas que iria pesquisar a dimensão cultural do clima. Um deles me falou que parecia óbvio que as culturas reagissem aos climas, e isso portanto não justificaria uma pesquisa que pudesse ser chamada de científica.

Hoje, mais de duas décadas depois, as grandes agências financiadoras internacionais, como a National Science Foundation e o Belmont Forum, exigem a participação de cientistas sociais em pesquisas sobre questões ambientais. As coisas caminharam. Mas falta muito a ser feito ainda.

5)  Em algo que pode ser visto como um gesto “revisionista”, Bruno Latour recentemente afirmou que o declínio acentuado na confiança pública das ciências “duras” e nos cientistas pode estar de alguma forma relacionado com décadas de trabalhos críticos produzidos pelas ciências sociais. Devemos nós, pesquisadores das ciências sociais (e, de forma mais geral, intelectuais) recuarmos para uma forma de “essencialismo estratégico”? Ou, colocando de outra maneira, o que significa hoje um posicionamento crítico no debate sobre o Antropoceno?

Na minha percepção, a ideia de essencialismo estratégico é produto de formas essencialistas de pensar. Como se tivéssemos uma resposta rígida e correta que precisasse ser escondida. Em termos pragmáticos as coisas podem parecer assim, mas conceitualmente a questão é outra. A ideia de que estamos escondendo a resposta “correta” vai contra a compreensão da realidade como constituída de forma relacional. É como se na arena de embates a realidade não estivesse sendo plasmada ali mesmo, mas o conhecimento sobre a realidade fosse algo rígido que é apresentado na arena como arma para acabar com a conversa. Este é um argumento antigo de Latour; já estava em Jamais Fomos Modernos[23].

Há uma outra questão importante a ser mencionada: Latour é nada mais do que vítima do seu próprio sucesso em ganhar um grau de atenção que se estende de forma inédita para fora da academia. Ele não foi o primeiro a revelar que os mecanismos de produção da ciência ocidental não condizem com a imagem que os discursos hegemônicos da ciência apresentam de si. Isso já estava em Wittgenstein. Paul Feyerabend desenvolveu toda a sua carreira sobre essa questão. O trabalho sobre os paradigmas e revoluções científicas de Thomas Kuhn[24] teve grande repercussão no mundo acadêmico, e é um dos golpes mais devastadores no positivismo. Lyotard[25] inaugura o que ficou conhecido como momento pós-moderno com um livro que ataca os ideais positivos da modernidade. Mais recentemente, a ideia de que se pode associar os problemas políticos com os científicos, de modo que ao resolver os últimos se resolvem os primeiros, foi novamente atacada pela teoria da sociedade do risco de Beck[26] e da ciência pós-normal de Funtowicz e Ravetz[27].

A diferença da atuação de Latour é que ele efetivamente buscou interlocução fora da academia. Ele escreveu obras teatrais, organizou diversas exposições, interagiu de forma criativa com artistas, fez experimentos sobre sua ideia de parlamento das coisas misturando intelectuais, ativistas e artistas, e recorrentemente faz uso de um estilo de escrita que busca ser inteligível entre audiências não acadêmicas. Ele começou sua carreira docente na França em uma escola de engenharia, e tem interagido de forma intensa com o meio da arquitetura e do design, especialmente no campo da computação. Ainda que para muita gente as ideias dele não são exatamente fáceis, não há dúvida de que todo o seu esforço deu frutos. E colocou ele na mira dos conservadores, naturalmente.

Ocorre que, ao se adotar uma abordagem ontológica relacional, composicionista, como ele mesmo chamou-a, não faz muito sentido pensar que os debates são vencidos em função do valor de verdade absoluta dos enunciados. Faz muito mais sentido colocar atenção nas estratégias e efeitos pragmáticos de cada debate do que defender uma ideia a ferro e fogo, independentemente de quem sejam os interlocutores. Se tudo é político, como nos mostram o feminismo, os estudos sociais da ciência e da tecnologia, a filosofia da ciência e tantos outros campos de pensamento, é politicamente irresponsável assumir uma atitude positivista sobre o mundo, ainda mais em um momento de transformação tão difícil.

Mas não é só isso. Existem arenas de debate em que o contexto e a lógica de organização semiótica da interação podem desfigurar, de antemão, uma ideia. Lyotard falou sobre essa questão em seu livro Le différend[28]; o grupo de antropólogos da linguagem e da semiótica vinculados aos trabalhos sobre metapragmática de Michael Silverstein[29] também trabalhou extensamente sobre o assunto. Em cada momento da luta política, os avanços se dão através de alianças e movimentos cuidadosamente construídos, em função do caminho que se está seguindo, e não de alguma lógica metafísica transcendente. É assim que se caminha, honrando as alianças e caminhando devagar, com a certeza de que o próprio caminhar transforma as perspectivas.

Vou dar um exemplo mais concreto: um bocado do que vai ocorrer no que diz respeito ao meio ambiente daqui a vinte anos está sendo definido nos assentos de cursos universitários no presente. Ocorre que as pessoas ocupando os assentos dos cursos de ecologia, biologia e afins têm menos poder neste processo de plasmar o futuro do que as que ocupam os assentos dos cursos de engenharia, direito, economia e agronomia. Se quisermos que o sistema de agricultura extensiva baseada em monocultura e agrotóxico deixe de existir, não basta este debate ocorrer nos cursos ligados à ecologia e às humanidades. Ele tem que ocorrer nos cursos de agronomia. O mesmo se dá com relação à mineração ou a questões energéticas e os cursos de engenharia, a questões ligadas aos direitos ambientais e das populações tradicionais e os cursos de direito, e a ideia de crescimento econômico e os cursos de economia. Dito isso, se eu chegar em um curso de engenharia com as ideias da Haraway sobre simpoiése e materialismo sensível, no mínimo não serei tomado a sério. É nisso que as alianças e movimentos têm que ser estratégicos. Não há nada mais importante, hoje, do que fazer este debate sobre o Antropoceno, da forma como os autores que eu mencionei aqui o entendem, nas faculdades de engenharia, economia, direito, agronomia e outras; mas para que eu possa fazer isso, preciso construir alianças dentro destas comunidades. E estas alianças, vistas de longe e sem a compreensão da dimensão estratégica do movimento, podem parecer retrocesso ou essencialismo estratégico. Uma diferença importante aqui é que, no caso de essencialismo estratégico, não existe a abertura para efetivamente escutar quem está do outro lado da interlocução. Em uma abordagem relacional de cunho composicionista, as alianças implicam, no mínimo, a escuta mútua, e isso tem o poder de transformar os membros da aliança. É essa abertura à vida e à transformação, característica das ontologias relacionais, que está ausente na ideia de essencialismo estratégico.

Voltando então ao Latour, o que me parece que ele está tentando fazer, em seus últimos dois livros, é reordenar a dimensão metapragmática dos debates internacionais, ou seja, reordenar os marcos de referência usados pelas pessoas para dar sentido aos problemas correntes. Um bocado de gente existe em uma situação de inércia com relação aos sistemas e infraestruturas dominantes – em como consomem ou votam, por exemplo – mas que estão potencialmente (cosmo)politicamente alinhados com o que ele chama de “terranos”. Seu objetivo é tirar estas pessoas de sua inércia perceptiva e afetiva, através do reordenamento simbólico dos elementos que organizam o debate. Ao mesmo tempo, Latour reconhece que não se trata apenas de ideias e regras de interação: instituições e infraestruturas são elementos fundamentais da composição dos mundos, e que precisam ser transformados. Daí a quantidade imensa de atividades extra-acadêmicas às quais Latour se dedica.

Talvez mais controvertido até do que esta questão do essencialismo estratégico é o movimento recente de insistir na necessidade de composição de um mundo comum. Essa defesa da composição do mundo comum é entendida por muitos como um retrocesso com relação às ideias de multiverso e multinaturalismo, de Viveiros de Castro. Talvez seja, uma vez mais, uma desaceleração e um desvio de percurso, no intuito de construir alianças importantes que demandam essas ações. Veremos. O debate está em curso.

6) Como você vê o futuro próximo dos estudos sobre o Antropoceno e, de maneira geral, das questões ecológicas no mundo lusoparlante e, em particular, no Brasil? Há novos projetos no horizonte que gostaria de mencionar? Que formas de intervenção são possíveis nos debates, não apenas dentro da academia mas também em níveis políticos mais amplos?

Há muita coisa acontecendo; não há dúvida que estamos em um momento de grandes transformações. Por essa razão, é muito difícil fazer previsões.

A condição do meio ambiente no Brasil, no governo Bolsonaro, é calamitosa, e não há qualquer sinal de que as coisas irão melhorar nos dois anos que ainda faltam para as próximas eleições. O país está à deriva. É impressionante, no entanto, que o país seja capaz de permanecer à deriva sem que tudo termine em anomia. Isso significa que existe alguma coisa além das estruturas de governo e do estado. É preciso seguir lutando, com todas as forças, para tirar o Bolsonaro do poder, e ao mesmo tempo é preciso abandonar o culto à figura do presidente que existe no Brasil. A situação atual do Brasil é paradoxal porque, ao mesmo tempo que aos sofrimentos trazidos pela pandemia se somam os sofrimentos trazidos por este governo, a vitalidade da sociedade civil, dos movimentos sociais e do ativismo ambiental é imensa.

Aqui acho que podemos fazer aqui um paralelo com uma das dimensões da questão do Antropoceno: ele pegou o mundo ocidental de surpresa, o que significa que há coisas bem à nossa frente que não somos capazes de perceber por muito tempo. Se assumirmos o início do Antropoceno com as detonações nucleares da década de 1940, vão-se aí mais de 70 anos e ainda não há reconhecimento científico institucionalizado sobre o fato. Não faz sentido dizer que já “se sabia” de sua existência porque Arrhenius tinha falado sobre isso em 1896. Uma voz perdida nos salões acadêmicos não pode ser tomada como percepção coletiva da realidade. E nem se pode reduzir o tempo que demorou para o reconhecimento do problema ao negacionismo, de forma anacrônica. O fato é que as ciências do sistema terrestre nos mostram que há inúmeros padrões de variação no funcionamento do planeta que não conhecemos, e que nos afetam diretamente. Até a década de 1920, a ciência não conhecia o fenômeno El Niño, que afeta o clima do planeta inteiro. Certamente há muitos El Niños que ainda não conhecemos, e alguns que nunca seremos capazes de conhecer com o aparato cognitivo que possuímos. O mesmo ocorre com fenômenos sociais. Há transformações e padrões no funcionamento das coletividades que não conhecemos, mas a que estamos sujeitos. Coisas imprevistas ocorrem o tempo todo no mundo social. No Brasil, por exemplo, ninguém anteviu as manifestações de 2013, e tampouco previu tamanho reconhecimento público e projeção das lideranças indígenas no país neste ano de 2020. Nem que este seria o ano em que, pela primeira vez na história brasileira, haveria mais candidatos pretos e pardos do que brancos nas eleições municipais. Eu sinceramente pensei que não veria isso acontecer nesta vida.  

Por isso acho improdutivo reduzir o contexto brasileiro atual ao Bolsonaro. Isso é seguir cultuando o estado, de certa forma, e reproduzir uma visão de mundo antropocêntrica. Há coisas importantes, inclusive nas dimensões tradicionalmente chamadas de sociais, que não acontecem na escala dos indivíduos nem na escala dos estados. Esta é exatamente uma das dimensões do Antropoceno. Reconhecer isso talvez diminua a amargura e a negatividade com que a intelectualidade progressista brasileira tem observado a realidade.

Em termos do que se vê no horizonte, o quadro é confuso, mas gosto de manter a minha atenção voltada aos fatos que sugerem que mudanças positivas estão ocorrendo. Vejamos: a ONU tem um secretário geral efetivamente comprometido com a agenda ambiental, e está sinalizando em direção à inclusão de indicadores ambientais nos índices usados para avaliar a situação dos países, como o IDH. O Papa Francisco é um ambientalista de esquerda. Trump perdeu as eleições nos EUA, e isso pode ter efeito cascata sobre a política no resto do mundo. A pandemia, a despeito da dimensão impensável de sofrimento que trouxe, forçou os mecanismos de governança planetários a se redesenharem e melhorarem seus processos. Mostrou ainda que a colaboração científica pode ocorrer sem ser induzida, e deformada, pela competição capitalista. A pandemia também deixou bastante evidente a necessidade da luta pelos comuns, inclusive entre grupos mais conservadores. As elites conservadoras abandonaram, por exemplo, a ideia de privatizar o sistema público de saúde brasileiro, o maior do mundo.

No Brasil, enquanto a ciência e a universidade são estranguladas pelo governo atual e resistem bravamente, os movimentos sociais, as periferias, a arte de rua e as iniciativas de solidariedade associadas à pandemia demonstram uma energia impressionante. O movimento da agroecologia tem ganhado muita força no país, também. Acho que, no curto prazo, haverá mais avanço vindo dessas áreas do que da academia. Mas coisas importantes estão ocorrendo no campo acadêmico, também. O que me está mais próximo é a experiência dos bacharelados interdisciplinares, nos quais efetivamente há um esforço de superação das barreiras disciplinares no tratamento de questões importantes. Sou professor em um bacharelado interdisciplinar em ciência e tecnologia do mar, onde os estudantes são preparados para lidar com as questões ambientais a partir de suas dimensões físicas, ecológicas, mas também filosóficas e sociológicas. Esta tem sido uma experiência muito positiva, e que me ajuda a ter esperança sobre o futuro.

Recebido em: 24/12/2020.
Aprovado em: 26/12/2020.
Publicado em: 26/12/2020.


[1] Professor de Antropologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Orcid ID: https://orcid.org/0000-0002-9935-6183. E-mail: renzo.taddei@unifesp.br

[2] Professor no Departamento de Ciências Sociais Aplicadas da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa (FCT-UNL). Orcid ID: https://orcid.org/0000-0003-1111-1286. E-mail: d.scarso@fct.unl.pt

[3] Pesquisador PNPD/CAPES e Professor-Colaborador no Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Orcid ID: https://orcid.org/0000-0003-3295-9454. E-mail: npcastanheira@gmail.com

[4] Haraway, Donna. “Anthropocene, capitalocene, plantationocene, chthulucene: Making kin.” Environmental humanities 6.1 (2015): 159-165.

[5] Morton, Timothy. Hyperobjects: Philosophy and Ecology after the End of the World. U of Minnesota Press, 2013.

[6] Danowski, Déborah, and Eduardo Viveiros de Castro. Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os fins. Cultura e Barbárie Editora, 2014.

[7] Latour, Bruno, and Steve Woolgar. A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1997

[8] Haraway, D. 2016. Staying with the Trouble: Making Kin in the Chthulucene. Durham: Duke University Press.

[9] Latour, Bruno. Onde aterrar? Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.

[10] Viveiros de Castro, Eduardo. Metafísicas canibais. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

[11] Viveiros de Castro, Eduardo. “Perspectivismo e multi-naturalismo na América indígena.” In: A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2002: 345-399.

[12] Taddei, Renzo. “No que está por vir, seremos todos filósofos-engenheiros-dançarinos ou não seremos nada.” Moringa 10.2 (2019): 65-90.

[13] Viveiros de Castro, Eduardo. 2004. “Perspectival Anthropology and the Method of Controlled Equivocation.” Tipití: Journal of the Society for the Anthropology of Lowland South America 2 (1): 1.

[14] Almeida, Mauro William Barbosa. Caipora e outros conflitos ontológicos. Revista de Antropologia da UFSCar, v. 5, n. 1, p.7-28, 2013

[15] Kopenawa, Davi e Bruce Albert, A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.

[16] Krenak, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. Editora Companhia das Letras, 2019; Krenak, Ailton. O amanhã não está à venda. Companhia das Letras, 2020.

[17] IPBES. 2019. Summary for policymakers of the global assessment report on biodiversity and ecosystem services of the Intergovernmental Science-Policy Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. Edited by S. Díaz, J. Settele, E. S. Brondízio E.S., et al. Bonn, Germany: IPBES secretariat.

[18] Taddei, Renzo. “Kopenawa and the Environmental Sciences in the Amazon.” In Philosophy on Fieldwork: Critical Introductions to Theory and Analysis in Anthropological Practice, edited by Nils Ole Bubandt and Thomas Schwarz Wentzer. London: Routledge, no prelo.

[19] Para uma análise surpreendente da importância filosófica do pensamento ameríndio, especialmente o de Davi Kopenawa, ver Valentin, M.A. Extramundanidade e Sobrenatureza. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2018.

[20] Puig de la Bellacasa, M. 2017. Matters of Care: Speculative Ethics in More Than Human Worlds. Minneapolis: University of Minnesota Press.

[21] Taddei, Renzo, and Sophie Haines. “Quando climatologistas encontram cientistas sociais: especulações etnográficas sobre equívocos interdisciplinares.” Sociologias 21.51 (2019).

[22] Bourdieu, Pierre. Esquisse d’une théorie de la pratique. Précédé de trois études d’ethnologie kabyle. Le Seuil, 2018.

[23] Latour, Bruno. Jamais fomos modernos. Editora 34, 1994.

[24] Kuhn, Thomas S. A estrutura das revoluções científicas. Editora Perspectiva, 2020.

[25] Lyotard, Jean-François. A condição pós-moderna. J. Olympio, 1998.

[26] Beck, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. Editora 34, 2011.

[27] Funtowicz, Silvio, and Jerry Ravetz. “Ciência pós-normal e comunidades ampliadas de pares face aos desafios ambientais.” História, ciências, saúde-Manguinhos 4.2 (1997): 219-230.

[28] Lyotard, Jean-François, Le différend, Paris, Éd. de Minuit, 1983.

[29] Silverstein, Michael. “Metapragmatic discourse and metapragmatic function” In Lucy, John ed. Reflexive language: Reported speech and metapragmatics. Cambridge University Press, 1993.

Kamyla Borges: A hora e a vez da eficiência energética (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

15 de dezembro de 2020

Kamyla Borges – Coordenadora do Programa de Eficiência Energética do Instituto Clima e Sociedade (ICS)


O custo da energia pesa, cada vez mais, no bolso das pessoas e do setor produtivo brasileiro. Uma das razões é que o Brasil a usa mal. O país é o único, entre as economias do G20, cujo consumo de energia cresce mais que a produção econômica.

Em relatório recente, a Agência Internacional de Energia (IEA) mostra que países como China e Índia, mesmo tendo ampliado sua indústria energointensiva recentemente, conseguiram quedas sucessivas nas suas intensidades energéticas com a priorização de políticas e medidas de eficiência energética.

Acomodado na falsa percepção de abundante oferta de energia elétrica, o Brasil patina em eficiência energética. Com isso, perdemos todos. A maior parte das geladeiras vendidas no país, por exemplo, usa tecnologias de 20 anos atrás. Muitas indústrias dependem de motores velhos. E as mesmas empresas que fornecem equipamentos obsoletos para o mercado doméstico exportam produtos de alta eficiência. Uma prova clara de que nossa ineficiência se dá por falta de política pública orientada para o melhor interesse público.

Nesse jogo perdemos várias vezes. Como consumidores, porque pagamos uma conta de luz cada vez mais cara. Como agentes produtivos, porque arcamos com custos crescentes de produção. Como parte de uma economia cada vez menos competitiva, com menos empregos, oportunidades e inovações.

Em todos os lugares em que a eficiência energética cresce, o Estado nacional tem um papel importante, que se resume a favorecer equipamentos, sistemas e processos eficientes. E há um papel importante para cada um. Ao Congresso Nacional cabe agilizar a aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) 232/2018, que estabelece a reforma estrutural do setor elétrico, abrindo espaço para o desenvolvimento de um mercado mais dinâmico para a eficiência energética. À Agência Nacional de Energia Elétrica, reformular e dar efetividade ao Programa de Eficiência Energética, estabelecendo prioridades, metas quantitativas, critérios objetivos e transparência ao uso desse recurso dos consumidores. Ao Ministério de Minas e Energia, atualizar e ampliar os padrões mínimos de eficiência energética para equipamentos, começando por aqueles que mais pesam hoje aos consumidores: refrigeradores e ar-condicionado. Prédios e equipamentos públicos —serviços de iluminação, condicionamento e refrigeração— deveriam ser “eficientizados”.

No setor financeiro, há todo um universo de instrumentos que vão de fundos garantidores a certificados (verdes, branco) e derivativos. A estruturação desses instrumentos colocaria a eficiência energética no merecido terreno dos investimentos. Aumentar a produção e criar empregos é prioridade. O Brasil tem todos os elementos para fazer isso com aumento de eficiência, produtividade e baixa emissão de carbono. Devemos garantir continuidade, resiliência e sustentabilidade. Não deixemos passar essa oportunidade.

Human-Made Stuff Doubles in Mass Every 20 Years. It Just Crossed a Disturbing Line (Science Alert)

sciencealert.com

Mike McRae, 10 December 2020


All of the Amazon’s splendid greenery. Every fish in the Pacific. Every microbe underfoot. Every elephant on the plains, every flower, fungus, and fruit-fly in the fields, no longer outweighs the sheer amount of stuff humans have made.

Estimates on the total mass of human-made material suggest 2020 is the year we overtake the combined dry weight of every living thing on Earth.

Go back to a time before humans first took to ploughing fields and tending livestock, and you’d find our planet was coated in a biosphere that weighed around 2 x 10^12 tonnes.

Thanks in no small part to our habit of farming, mining, and building highways where forests once grew, this figure has now halved.

According to a small team of environmental researchers from the Weizmann Institute of Science in Israel, the mass of items constructed by humans – everything from skyscrapers to buttons – has grown so much, this year could be the point when biomass and mass production match up.

The exact timing of this landmark event depends on how we define the exact point a chunk of rock or drop of crude oil changes from natural resource to manufactured item.

But given we’re currently rearranging roughly 30 gigatonnes of nature into anything from IKEA bookcases to luxury apartments each year (a rate that’s been doubling every 20 years since the early 1900s), such fuzziness will be arbitrary soon enough.

biomass of plants and animals compared with plastic and construction massKey components of dry biomass and anthropogenic mass in the year 2020. (Elhacham et al., Nature, 2020)

The researchers draw our attention to this depressing moment in history as a symbol of our growing dominance over the planet.

“Beyond biomass, as the global effect of humanity accelerates, it is becoming ever more imperative to quantitatively assess and monitor the material flows of our socioeconomic system, also known as the socio-economic metabolism,” the researchers write in their report.

Concern over society’s metaphorical expanding waistline isn’t new. Researchers have been crunching the numbers on humanity’s gluttony for energy and raw materials for years.

When it comes to calculating the mass of resources being gobbled up by our industrial complexes, past studies have generally focussed their estimates on primary productivity.

This isn’t really all that surprising. From mowing down forests for agriculture to plundering the oceans for their fish stocks, we’re increasingly aware that our hunger for T-bone steaks and convenient tins of tuna in spring water comes at a great ecological cost.

While it’s important to keep the greener parts of our environment in mind, this study shows why our insatiable hunger for sand, concrete, and asphalt shouldn’t be ignored, given the contribution infrastructure makes to our overall consumption.

“The anthropogenic mass, whose accumulation is documented in this study, does not arise out of the biomass stock but from the transformation of the orders-of-magnitude higher stock of mostly rocks and minerals,” the team notes.

The numbers can be hard to visualise. If the total mass of all humans exceeds 300 million tonnes, we could say there’s another 3.8 tonnes of cookware, jumbo jets, microwaves and backyard swimming pools on Earth each year for every single one of us.

Yet not all of us have an equal share in the benefits of this growth, nor do we all have the same influence over it.

Given our obsession with economic growth plays a major factor in our increasing rate of consumption, slowing it down will require rethinking the very foundations of how we function as a global society.

The prognosis of a future that’s more concrete than forest is far from novel. But with 2020 serving as a symbolic crossroads into a new epoch of human consumption, there’s no better time to act.

This research was published in Nature.

Água (sim, água) começa a ser negociada no mercado futuro de commodities (Come Ananás)

comeananas.com

por Hugo Souza, 09.dez.2020


Com a loucura fingindo que isso é normal, a água começou a ser negociada na última segunda-feira, 7, na Nasdaq, no mercado futuro de commodities, como o petróleo e o ouro.

O nome do índice é Nasdaq Veles California Water, que, segundo a Nasdaq, “oferece maior transparência e soluções inovadoras de gestão de risco para os indivíduos e entidades que dependem dos mercados de água para alinhar a oferta e a procura”.

O ticker é NQH2O e, na segunda, 1.233 metros cúbicos de água valiam no mercado futuro US$ 486,53, fechando o dia com valorização de 1,06%. Por mais que vinculado à precificação das reservas de água da Califórnia, a tendência é que o NQH2O seja usado como referência para o resto do mundo.

“Em períodos de condições hidrológicas secas e oferta limitada de água, o índice responde à pressão de alta sobre o preço. A mesma relação é verdadeira em períodos de condições hidrológicas úmidas e excesso de oferta de água”, informa ainda a Nasdaq.

O “conceito original para indexação do preço da água” é um oferecimento da Nasdaq em parceria com a Veles Water, “empresa de produtos financeiros especializada em precificação da água, produtos financeiros da água, além de metodologias econômicas e financeiras da água”.

“Os futuros” do Nasdaq Veles California Water Index são negociados por meio do CME Group, vulgo Bolsa de Chicago. Em seu site, o CME Group participa que o NQH2O é “uma solução clara para a gestão de risco do preço da água. Agora disponível”.

Insípida, inodora, incolor e produto financeiro “agora disponível” para os fundos globais de investimento.

Os Xapiri Yanomami sopram no Congresso Nacional (Instituto Socioambiental)

segunda-feira, 07 de Dezembro de 2020

Intervenção artística com desenhos de Joseca Yanomami marca a entrega da petição #ForaGarimpoForaCovid a deputados federais e demais autoridades

Por Oswaldo Braga de Souza*

Poesia e política se somaram no encerramento da campanha #ForaGarimpoForaCovid, liderada pelo Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana. Para marcar o fim do capítulo mais recente da luta dos indígenas pela expulsão dos mais de 20 mil garimpeiros de suas terras, os coordenadores da Hutukara Associação Yanomami, Dário Kopenawa e Maurício Ye’kwana, entregaram a representantes do Parlamento brasileiro um abaixo-assinado com quase 440 mil assinaturas de apoiadores em todo o mundo.

À noite, em uma intervenção artística inédita, frases em defesa da floresta e desenhos dos xapiri, os espíritos Yanomami, foram projetados na fachada do Congresso por quase duas horas. As ilustrações são do artista Joseca Yanomami e o texto é do líder indigena Davi Kopenawa.

*Consulte a ficha ténica abaixo

Os xapiri são os espíritos que auxiliam os xamãs em seu árduo trabalho de manter o equilíbrio do mundo e o próprio céu em seu lugar. São figuras centrais na cosmologia Yanomami, e se materializam para os xamãs como os espíritos dos animais, das árvores, das águas, de tudo o que existe na Urihi a, a “terra-floresta”, conceito Yanomami que engloba a floresta e todos os seus habitantes físicos e metafísicos.

O objetivo da campanha é exigir a retirada de milhares de garimpeiros da Terra Indígena (TI) Yanomami (AM/RR) para impedir a disseminação da Covid-19, a contaminação do solo e dos rios e o degradação florestal. O garimpo está espalhando a doença na área, segundo relatório produzido pelo Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana e a Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana, também encaminhado aos parlamentares.

Mais de um terço das 26,7 mil pessoas que moram na TI foi exposto ao novo coronavírus e o número de casos confirmados saltou de 335 para 1,2 mil, entre agosto e outubro, um aumento de mais de 250%, ainda conforme o levantamento. Apesar disso, menos de 5% da população foi testada.

A petição foi apresentada numa reunião virtual das frentes parlamentares de defesa dos direitos indígenas e ambientalista, com a presença de deputados federais e senadores. O evento foi organizado para discutir o aumento do garimpo e seus impactos nos territórios yanomami, kayapó e munduruku e contou com a participação de parlamentares, líderes indígenas, procuradores da República, pesquisadores e organizações da sociedade civil.

“Chega de sofrer. Já perdemos muitos parentes”

“Chega de sofrer. Já perdemos muitos parentes. Temos xawara [Covid-19]. Os Yanomami estão contaminados pelo garimpo, nossos rios estão poluídos, contaminados com mercúrio”, afirmou Dário Kopenawa. “Queremos que as autoridades tomem providências. Não queremos mais perder nossos velhos, nossos filhos, não queremos mais chorar. Queremos que as autoridades retirem os garimpeiros o mais rápido possível”, continuou.

“Ao longo desses meses, alertamos as autoridades sobre os impactos que sofremos
com os garimpeiros que invadem nossa terra”, diz carta lida por Maurício Ye’kwana na reunião. “Mas nosso recado não foi escutado. Os garimpeiros continuam entrando em nossas casas”, seguiu a liderança.

“Um absurdo dizer que defender Terras Indígenas, defender indígena, se manifestar contra os garimpos em Terras Indígenas é uma questão ideológica, de esquerda ou de comunista. Isso é lei. Isso é direito. Está na nossa Constituição”, afirmou a deputada federal e coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, Joênia Wapichana (Rede-RR). “Essa petição é mais uma forma de reivindicar nada além do que está na Constituição, que é o direito à proteção à vida, o direito à terra, o direito de ter sua terra sem invasões”, afirmou.

Joênia lembrou que a TI Yanomami abriga grupos indígenas isolados, os Moxihatëtëa, que correm risco de desaparecer caso sejam contatados por não indígenas e contaminados por doenças para os quais não têm defesas imunológicas, como gripe e sarampo. A Covid-19 representa um risco ainda maior para essas comunidades em virtude da dificuldade para atendimento e transporte de doentes em regiões remotas e de difícil acesso, como é o caso da área.

Estímulo ao garimpo

O governo Bolsonaro não só não fez nada para retirar os invasores do território yanomami como estimula abertamente o garimpo em TIs, o que é ilegal. O Planalto enviou um Projeto de Lei ao Congresso, em fevereiro, para regulamentar a atividade nessas áreas, além da mineração industrial e a construção de hidrelétricas. O resultado é o aumento da presença garimpeira, dos conflitos envolvendo sua atividade e do desmatamento nos territórios indígenas em geral, nos últimos dois anos.

“A responsabilidade pelo aumento das invasões está diretamente relacionada à complacência deste governo com a criminalidade, a desestruturação dos órgãos de fiscalização e controle e com a omissão em cumprir decisões judiciais”, criticou, na reunião, a advogada do ISA Juliana de Paula Batista. Ela lembrou que a Justiça Federal determinou que a União apresente um plano de retirada dos garimpeiros da TI Yanomami e o STF ordenou a implantação de barreiras sanitárias na área. Nenhuma das duas decisões foi cumprida.

“É fundamental que as casas legislativas estejam comprometidas com a defesa e proteção dos povos indígenas e em assegurar seus direitos, previstos na Constituição”, concluiu.

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou uma liminar do ministro Luís Roberto Barroso que obriga o governo a agir para conter a escalada da crise de saúde entre os povos indígenas. A única medida incluída no pedido original da ação e não atendida foi justamente a retirada imediata de invasores de sete TIs, entre elas a Yanomami. Barroso criou um grupo de trabalho para acompanhar as providências da administração federal. O ministro determinou que fossem refeitos os planos oficiais de enfrentamento geral da Covid-19 e de instalação de barreiras sanitárias nas TIs. O movimento indígena segue aguardando uma medida mais enérgica para forçar o governo a retirar os invasores das sete áreas.

Munduruku

“Querem legalizar o garimpo, como se isso fosse resolver o problema da população indígena. Isso só vai piorar a situação. O garimpo traz prostituição e drogas para o territorio”, criticou, na reunião do dia 03 de dezembro, Alessandra Korap Munduruku, líder indígena ameaçada de morte pelas denúncias contra os invasores da TI Sawré Muybu, no sudoeste do Pará. Em outubro, ela ganhou o prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos, dos EUA.

“A maioria dos indígenas tem de beber água suja do rio. Todas as nascentes estão sendo desmatadas para uso dos garimpos. Vemos máquinas, dragas cavando o fundo do rio, enquanto os indígenas têm de comer o peixe. Teremos de comprar peixes na cidade para levar para as aldeias? Teremos de comprar água na cidade para levar para as aldeias. O que será dos indígenas depois de legalizarem o garimpo?”, questionou Alessandra Munduruku.

Ainda na reunião, o WWF-Brasil apresentou parte dos resultados de um estudo realizado pela organização em conjunto com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre contaminação do mercúrio em três aldeias da TI Sawré Muybu.

Os dados revelam uma situação dramática. O mercúrio foi detectado em 100% da população e, em 60% dela, o nível da substância não foi considerado seguro.
Em 100% das amostras de peixes, havia resquícios do elemento químico. Em algumas, havia 18 vezes mais mercúrio do que o máximo tolerado pelos critérios da agência ambiental dos EUA.

Em quatro de cada 10 crianças foram identificadas altas concentrações de mercúrio. Em 16% das crianças, foram detectados problemas de neurodesenvolvimento. “As crianças estão perdendo a saúde. Isso é um crime gravíssimo contra as crianças indígenas! Quando Alesssandra Munduruku fala em genocídio, ela não está exagerando”, afirmou Bruno Taitson, representante do WWF-Brasil.

* Com informações de Ester Cezar

Ficha técnica:

O SOPRO DOS XAPIRI
XAPIRI PË NË MARI
2020
animação em três canais projetada no Palácio do Congresso Nacional
01:39”

Desenhos: Joseca Yanomami

Frases: Davi Kopenawa Yanomami

Cantos: Ehuana Yaiara Yanomami, Levi Malamahi Alaopeteri Yanomami, Tafarel Yanomami – captados por Marcos Wesley de Oliveira na aldeia Watorikɨ. Outros registros sonoros captados por Gustavo Fioravante, em Watorikɨ.

Realização: Fórum de Lideranças Yanomami e Ye’kwana e Instituto Socioambiental

Apoio: Hutukara Associação Yanomami

Criação, direção e roteiro: Gisela Motta, Isabella Guimarães e Mariana Lacerda [Barreira Y.]

Animação e montagem: JR Muniz e Leandro Mendes – Vigas

Video mapping em Brasília, direção técnica: Alexis Anastasiou

Equipamentos: Visual Farm / Paralax

Captação em Brasília: Bruna Carolli, Cleber Machado, Daniel Basil, Ester Cezar, Guto Martins, Paulo Comar, Victor Ekstrom

Edição e áudio: Cauê Ito

Agradecimentos: aos povos Yanomami e Ye’kwana, Ana Teixeira, André Komatsu, Bruno Rangel, Carlo Zacquini, Claudia Andujar, Gui Conti, Irina Theophilo, Joana Amador, Juliana Calheiros, Kauê Lima, Laura Andreato, Lucas Bambozzi, Peter Pál Pelbart, Pio Figueiroa, Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana, Rivane Neuenschwander, Tuíra Kopenawa Yanomami, Vitor Osório

Total de objetos construídos pela humanidade supera, pela 1ª vez, a massa dos seres vivos na Terra (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

Reinaldo José Lopes, 9 de dezembro de 2020


O total dos objetos construídos pela humanidade acaba de superar pela primeira vez a massa somada das formas de vida na Terra, mostra um levantamento liderado por pesquisadores israelenses.

A chamada massa antropogênica, como decidiram designá-la, ultrapassou a marca de 1,1 teratonelada (ou 1,1 trilhão de toneladas) em 2020 e tem dobrado de tamanho a cada 20 anos ao longo do último século, segundo os autores do estudo.

A transformação de matérias-primas naturais em artefatos humanos cresceu de forma tão vertiginosa que, a cada semana, os novos objetos feitos pela nossa espécie superam o peso corporal de cada pessoa viva hoje, afirma a pesquisa, que acaba de ser publicada na revista científica Nature por uma equipe do Instituto Weizmann de Ciência.

“Precisaríamos de décadas para reunir todos esses dados. Para nossa sorte, é algo que já está sendo explorado há anos por cientistas que trabalham na área de análise de fluxo de materiais”, explicou à Folha o coordenador do estudo, Ron Milo, do Departamento de Ciências Botânicas e Ambientais do Weizmann.

“Eles compilaram uma base de dados global, abrangendo todos os países e campos da indústria, e isso nos permitiu ter dados confiáveis sobre o tema”, diz Milo, cuja mãe nasceu no Brasil.

Para chegar à conclusão (que tem margem de erro de seis anos para mais ou para menos), Milo e seus colegas precisaram fazer uma série de delimitações metodológicas. De um lado, eles colocaram a soma de toda a biomassa viva —ou seja, a totalidade do que é produzido pelos seres vivos que ainda não morreram, incluindo árvores e demais vegetais, animais, fungos de tamanho macroscópico e todos os micro-organismos no solo e nas águas. A conta inclui também o peso de todos os seres humanos vivos hoje, e o de seus animais e plantas domesticados.

Do outro lado, a massa antropogênica é composta pela matéria não viva modificada diretamente pela ação do Homo sapiens: metal, concreto, tijolos, asfalto, plástico, vidro etc. (veja infográfico abaixo). Os pesquisadores optaram por usar o peso seco (desprezando a presença de água) de ambos os conjuntos.

No caso da massa antropogênica, eles só levaram em conta objetos que ainda não viraram lixo —se eles fossem incluídos, a produção humana teria “virado o jogo” em relação à biomassa já em 2013 (margem de erro de cinco anos a mais ou a menos), calcula o grupo. Também não colocaram na soma os materiais apenas deslocados pela ação do ser humano, mas ainda não usados diretamente para nada (como a terra removida para a construção de um reservatório, digamos).

Se a taxa atual de crescimento se mantiver, espera-se que a massa antropogênica alcance 3 teratoneladas em 2040, ou seja, o triplo da biomassa terrestre. As comparações caso a caso, porém, já são suficientemente assustadoras. A atual massa de plásticos, por exemplo, já equivale ao dobro da de todos os animais do planeta, enquanto o peso dos prédios e da infraestrutura (estradas etc.) superou o da totalidade das árvores e arbustos. A massa da Torre Eiffel, cartão-postal parisiense, equivale à de todos os 10 mil rinocerontes-brancos ainda existentes no mundo, enquanto a de Nova York empata com a de todos os peixes nos mares e rios da Terra.

A magnitude e a clareza dos dados podem se tornar um argumento em favor da definição oficial do chamado Antropoceno —a ideia de que a ação humana inaugurou uma nova fase geológica da história do planeta. No momento, o conceito está sendo debatido pela Comissão Internacional de Estratigrafia.

“Não somos parte da discussão oficial, mas estamos em contato com as pessoas envolvidas nela. Acho que, de fato, é questão de tempo até que o Antropoceno seja oficializado”, diz o cientista israelense.

Comissão Arns – Homenagem a Davi Kopenawa (Comissão Arns/UOL)

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08/12/2020 16h46


A eleição do líder Yanomami Davi Kopenawa como membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC) é motivo de júbilo para a Comissão Arns. Em qualquer entidade científica no mundo, Davi brindará o conhecimento humano com a transmissão de saberes e sensibilidades que melhorariam a vida de todos no planeta. Davi tem sido voz incansável na defesa dos povos indígenas, das florestas que ardem em incêndios criminosos e dos recursos naturais que elas abrigam. Por sua ética e coragem, foi agraciado em 2019 com o Right Livelihood Foundation Award, conhecido como o Nobel alternativo. E, agora, vemos as portas da nossa academia centenária abrirem-se para ele. Congratulamos a ABC pela escolha. E saudamos o grande líder e xamã do povo Yanomami.

Aos leitores deste blog, a Comissão Arns oferece um presente: a íntegra de um testemunho recente de Davi Kopenawa, no qual que ele trata do cerco de garimpeiros e desmatadores na região do seu povo, acuando grupos indígenas isolados, como os Moxihatetea. Este texto foi distribuído, em três idiomas, na 43ª. Sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, no início de março deste ano de 2020, em Genebra. Davi participou da sessão e de outros encontros presenciais, ao lado da Comissão Arns e do Instituto Socioambiental.

A invasão do território Yanomami e o risco de morte para os Moxihatetea

Tradução do Yanomami por Bruce Albert, antropólogo

As coisas estão assim. Agora os Brancos não vivem longe de nós. Eles não param de se aproximar. Na cidade vizinha de Boa Vista, chegam em muitos, sem trégua, exortando uns aos outros. Eles dizem entre eles: “Sim, vamos tomar para nós os bens preciosos dos Yanomami. Esses bens ainda não são mercadorias de verdade, porque estão escondidos sob os cascalhos da terra. Mas nós tomaremos essas riquezas, também as árvores da floresta e vamos nos instalar na Terra Yanomami!”. É o que os Brancos se dizem e é como eles mesmos se encorajam: “Venham para Boa vista! Eu, governo de Roraima, vou lhes dar trabalho! Vocês não serão mais pobres!”. Estas são as palavras deles. Com elas querem trocar seu dinheiro e suas mercadorias. Por isso, os Brancos não param de fixar seu olhar sobre a nossa floresta, todos eles, para tentar se apoderar. Eles dizem: “Sim, nós vamos tirar dinheiro da floresta. Como os Yanomami não sabem de nada, então, são nossas as riquezas”. É isso o que os Brancos falam ao encorajar seus trabalhadores a virem para a floresta. “Sim, podem ir! Não tenham medo! Os Yanomami parecem muitos, mas nós é que somos, de verdade! Mesmo que eles ataquem com flechas alguns de nós, ainda somos mais numerosos do que eles! “.

Dizendo esse tipo de coisa, eles crescem por toda a parte, na floresta, nos rios, nas terras. Eles querem pegar o ouro. E como o ouro vale cada vez mais, eles continuam a crescer, sem parar. Eles se dizem: “Sim, agora o valor do ouro está muito alto, então, vamos todos para a terra dos Yanomami!”. É assim que eles vão penetrando a floresta por todas as partes, através dos rios, pelos caminhos, com seus aviões e helicópteros. É assim que as coisas estão hoje em dia. Abriram portas de entrada nos cursos da água e também pelos ares. Desmataram para fazer pistas de aterrissagem por toda a parte. E também para fazer novos caminhos na floresta. Na bacia do Rio Apiaú, chegam em grande número. Através o rio Parimiú, também. Eles já foram expulsos de lá, mas voltaram ainda mais numerosos! Há também um outro caminho aberto, que sobe ao longo do Rio Catrimani.

Pelo caminho do Rio Apiaú eles se aproximaram do lugar onde vive o grupo isolado Moxihatetea. Nas nascentes do Rio Apiaú, onde vivem esses povos isolados, começaram a atacar e a destruir a floresta com seus rios. No início, eles estavam trabalhando com as mãos, mas agora usam máquinas. Descem as peças destas máquinas de um helicóptero para, depois, montar tudo no solo. Os Moxihatetea estão vigilantes, eles desejam ficar longe dos Brancos. Eles não conhecem esses garimpeiros e não querem se aproximar deles. Já fugiram algumas vezes, agora não podem mais fugir. Já se transferiram para a floresta profunda, muito longe dos caminhos, e lá ficaram em abrigos provisórios, como quando estavam em expedições de caça, longe de casa. Os garimpeiros então começaram a roubar a comida dos seus jardins – a mandioca, as bananas, as canas de açúcar, e fizeram isso quando as suas provisões de arroz, farinha e latas de conservas estavam esgotadas. Então os guerreiros Moxihatetea atacaram com flechas, mas os garimpeiros, mais violentos, responderam com fuzis. É o que se passou com os Moxihatetea isolados, e eu acho isso muito ruim.

Eles fugiram de novo subindo o rio, mas nessa direção há também garimpeiros instalados no Rio Catrimani, criando obstáculo. Os índios agora estão cercados. Por isso estou falando para defender os Moxihatetea. Eu não conheço as suas casas, assim como vocês também não conhecem. Eu só os vi do céu, pelo avião. Nunca pude visitá-los caminhando, a pé. Nunca nos falamos. É por isso que estou muito preocupado. Todos poderão ser rapidamente exterminados — é o que eu acho.

Os garimpeiros irão matá-los com seus fuzis e suas doenças, a malária, a pneumonia… Os indígenas não têm vacinas de proteção, vão todos morrer.

E não há só eles na terra-floresta Yanomami. Mais além, na região de Erico, vivem outros povos isolados. São como os Moxihatetea. E também, sobre a margem do Rio Catrimani, descendo o rio, nas fontes do Rio Xeriuini, há outros grupos isolados. E ainda num afluente do Rio Arca, no meio. É por isso que lutamos por eles. Estamos angustiados pelo possa acontecer.

Há outros isolados na floresta dos Waimiri-Atroari e há outros em toda a Amazônia! Vivem assim há muito tempo e querem continuar assim! São eles que cuidam verdadeiramente da floresta. São os Moxihatetea e todos os povos isolados da Amazônia que ainda guardam a última floresta. Mas os Brancos não sabem disso, porque eles não compreendem a língua desses povos. Os brancos apenas pensam: “O que eles estão fazendo aqui?” E quando os Brancos chegam, suas epidemias que chegam, também.

É por isso que digo a mim mesmo: “O que pensam os grandes homens brancos? Eles não querem nos deixar viver em paz e em boa saúde? Eles nos detestam, de verdade?”. É evidente que nos consideram como inimigos, porque somos outras gentes, somos habitantes da floresta. Fomos criados na floresta da Amazônia, no Brasil, e por isso os Brancos não nos conhecem. Eles se contentam em atacar e destruir nossa floresta como querem. Não é a terra deles, mas, declararam que é. Eles se dizem: “Esta floresta é nossa. Vamos arrancar o ouro do solo, cortar as suas árvores e vamos instalar aqui outros brancos que necessitam de terra, os criadores de gado, os colonos, e vamos então terminar com os Yanomami”.

Não é mais o que eles pensam, agora, é verdadeiramente o que eles dizem!

Sobre o presidente do Brasil, nem menciono o seu nome, mas posso dizer para ele: “Como você é o presidente, você deveria nos proteger”. Eu já conheço muito bem as palavras deste presidente: “Que venham todos os Brancos que queiram dinheiro, os criadores de gado, os forasteiros, os garimpeiros e os colonos, também. Eu vou dar a eles essa floresta, para terminar com todos os Yanomami, não importa quantos eles sejam, e para que os Brancos se tornem os proprietários. É nossa terra e tudo bem! E assim eu serei o único senhor desta terra!”. Essas são as suas palavras. Essas são as palavras daquele que se faz de grande homem no Brasil e se diz Presidente da República. É o que ele verdadeiramente diz: “Eu sou o dono dessa floresta, desses rios, desse subsolo, dos minérios, do ouro e das pedras preciosas! Tudo isso me pertence, então, vamos lá buscar tudo e trazer para a cidade. Tudo deve virar mercadorias!”.

É também o que os Brancos se dizem e é com estas palavras que destroem a floresta, desde sempre. Mas, hoje, eles estão prontos para terminar com o pouco que resta. Eles já destruíram os nossos caminhos, sujaram os nossos rios, envenenaram os peixes, queimaram as árvores e os animais que caçamos. Eles nos matam também com as suas epidemias.

Alguns Brancos têm pena de nós, mas não os seus Grandes Homens que afirmam que nós somos animais. Eles dizem: “São macacos, porcos selvagens!”. No entanto, são esses homens que não sabem pensar. Eles não sabem trabalhar na floresta, não conhecem seu poder de fertilidade në rope e nem querem conhecer. Não fazem outra coisa do que andar de um lado para o outro destruindo tudo. Eles só conhecem floresta do alto de suas máquinas satélites, que passam sobre as árvores, as nossas casas, os rios, as colinas, a beleza da floresta. Depois, eles chamam uns e outros: “Sim, venham por aqui. Nós todos do Brasil vamos tirar os bens preciosos! Nós vamos acumular tudo isso nas cidades! Nós vamos, de verdade, virar o Povo da Mercadoria! Não seremos mais pobres, vamos ter muitos bens!”. É o que eles dizem entre eles. E era isso que eu queria contar aqui. Essas gentes são indiferentes às palavras daqueles que defendem os Yanomami. Mesmo assim, envio essa mensagem.

Gostaria que os Direitos Humanos da ONU possam olhar para nós e nos dar um apoio forte para que as autoridades do Brasil – os políticos dos municípios, dos estados e da capital – todos esses Brancos das cidades, nos respeitem e não nos molestem mais. Que eles compreendam e reconheçam os direitos dos seres humanos, assim como a ONU. Os Direitos Humanos da ONU são construídos para defender os que sofrem. Então, eu gostaria que a ONU faça um bom trabalho, denunciando com muita força o que nos acontece, para que as autoridades do Brasil respeitem os Yanomami, os povos isolados e todos os povos ainda não reconhecidos.

Meu povo tem o direito de viver em paz e em boa saúde, porque ele vive em sua própria casa. Na floresta estamos em casa! Os Brancos não podem destruir nossa casa, senão, tudo isso não vai terminar bem para o mundo. Cuidamos da floresta para todos, não só para os Yanomami e os povos isolados. Trabalhamos com os nossos xamãs, que conhecem bem essas coisas, que possuem a sabedoria que vem do contato com a terra. A ONU precisa falar com as autoridades do Brasil para retirar – imediatamente – os garimpeiros que cercam os isolados e todos os outros em nossa floresta.

4 efeitos do racismo no cérebro e no corpo de crianças, segundo Harvard (BBC)

Paula Adamo Idoeta

Da BBC News Brasil em São Paulo

9 dezembro 2020, 06:01 -03

Criança com a mãe
Viver o racismo, direta ou indiretamente, tem efeitos de longo prazo sobre desenvolvimento, comportamento, saúde física e mental

Episódios diários de racismo, desde ser alvo de preconceito até assistir a casos de violência sofridos por outras pessoas da mesma raça, têm um efeito às vezes “invisível”, mas duradouro e cruel sobre a saúde, o corpo e o cérebro de crianças.

A conclusão é do Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard, que compilou estudos documentando como a vivência cotidiana do racismo estrutural, de suas formas mais escancaradas às mais sutis ou ao acesso pior a serviços públicos, impacta “o aprendizado, o comportamento, a saúde física e mental” infantil.

No longo prazo, isso resulta em custos bilionários adicionais em saúde, na perpetuação das disparidades raciais e em mais dificuldades para grande parcela da população em atingir seu pleno potencial humano e capacidade produtiva.

Embora os estudos sejam dos EUA, dados estatísticos — além do fato de o Brasil também ter histórico de escravidão e desigualdade — permitem traçar paralelos entre os dois cenários.

Aqui, casos recentes de violência contra pessoas negras incluem o de Beto Freitas, espancado até a morte dentro de um supermercado Carrefour em Porto Alegre em 20 de novembro, e o das primas Emilly, 4, e Rebeca, 7, mortas por disparos de balas enquanto brincavam na porta de casa, em Duque de Caxias em 4 de dezembro.

No Brasil, 54% da população é negra, percentual que é de 13% na população dos EUA.

A seguir, quatro impactos do ciclo vicioso do racismo, segundo o documento de Harvard. Para discutir as particularidades disso no Brasil, a reportagem entrevistou a psicóloga Cristiane Ribeiro, autora de um estudo recente sobre como a população negra lida com o sofrimento físico e mental, que foi tema de sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência da UFMG.

1. Corpo em estado de alerta constante

O racismo e a violência dentro da comunidade (e a ausência de apoio para lidar com isso) estão entre o que Harvard chama de “experiências adversas na infância”. Passar constantemente por essas experiências faz com que o cérebro se mantenha em estado constante de alerta, provocando o chamado “estresse tóxico”.

“Anos de estudos científicos mostram que, quando os sistemas de estresse das crianças ficam ativados em alto nível por longo período de tempo, há um desgaste significativo nos seus cérebros em desenvolvimento e outros sistemas biológicos”, diz o Centro de Desenvolvimento Infantil da universidade.

Na prática, áreas do cérebro dedicadas à resposta ao medo, à ansiedade e a reações impulsivas podem produzir um excesso de conexões neurais, ao mesmo tempo em que áreas cerebrais dedicadas à racionalização, ao planejamento e ao controle de comportamento vão produzir menos conexões neurais.

Protesto pela morte de Beto Freitas, em Porto Alegre, 20 de novembro
Protesto pela morte de Beto Freitas, em Porto Alegre, 20 de novembro; assistir cenas de violência contra pessoas da mesma raça tem efeito traumático – é o chamado ‘racismo indireto’

“Isso pode ter efeito de longo prazo no aprendizado, comportamento, saúde física e mental”, prossegue o centro. “Um crescente corpo de evidências das ciências biológicas e sociais conecta esse conceito de desgaste (do cérebro) ao racismo. Essas pesquisas sugerem que ter de lidar constantemente com o racismo sistêmico e a discriminação cotidiana é um ativador potente da resposta de estresse.”

“Embora possam ser invisíveis para quem não passa por isso, não há dúvidas de que o racismo sistêmico e a discriminação interpessoal podem levar à ativação crônica do estresse, impondo adversidades significativas nas famílias que cuidam de crianças pequenas”, conclui o documento de Harvard.

2. Mais chance de doenças crônicas ao longo da vida

Essa exposição ao estresse tóxico é um dos fatores que ajudam a explicar diferenças raciais na incidência de doenças crônicas, prossegue o centro de Harvard:

“As evidências são enormes: pessoas negras, indígenas e de outras raças nos EUA têm, em média, mais problemas crônicos de saúde e vidas mais curtas do que as pessoas brancas, em todos os níveis de renda.”

Alguns dados apontam para situação semelhante no Brasil. Homens e mulheres negros têm, historicamente, incidência maior de diabetes — 9% mais prevalente em negros do que em brancos; 50% mais prevalente em negras do que em brancas, segundo o Ministério da Saúde — e pressão alta, por exemplo.

Os números mais marcantes, porém, são os de violência armada, como a que vitimou as meninas Emilly e Rebeca. O Atlas da Violência aponta que negros foram 75,7% das vítimas de homicídio no Brasil em 2018.

A taxa de homicídios de brasileiros negros é de 37,8 para cada 100 mil habitantes, contra 13,9 de não negros.

Há, ainda, uma incidência possivelmente maior de problemas de saúde mental: de cada dez suicídios em adolescentes em 2016, seis foram de jovens negros e quatro de brancos, segundo pesquisa do Ministério da Saúde publicada no ano passado.

“O adoecimento (pela vivência do racismo) é constante, e vemos nos dados escancarados, como os da violência, mas também na depressão, no adoecimento psíquico e nos altos números de suicídio”, afirma a psicóloga Cristiane Ribeiro.

Protesto pela morte de Beto Freitas
“Embora possam ser invisíveis para quem não passa por isso, não há dúvidas de que o racismo sistêmico e a discriminação interpessoal podem levar à ativação crônica do estresse, impondo adversidades significativas nas famílias que cuidam de crianças pequenas”, diz o documento de Harvard

“E por que essa é violência é tão marcante entre pessoas negras? Porque aprendemos que nosso semelhante é o pior possível e o quanto mais longe estivermos dele, melhor. A criança materializa isso de alguma forma. Temos estatísticas de que crianças negras são menos abraçadas na educação infantil, recebem menos afeto dos professores. (Algumas) ouvem desde cedo ‘esse menino não aprende mesmo, é burro’ ou ‘nasceu pra ser bandido'”, prossegue Ribeiro.

Embora muitos conseguem superar essa narrativa, outros têm sua vida marcada por ela, diz Ribeiro. “Trabalhei durante muito tempo no sistema socioeducativo (com jovens infratores), e essas sentenças são muito recorrentes: o menino que escuta desde pequeno que ‘não vai ser nada na vida’. São trajetórias sentenciadas.”

3. Disparidades na saúde e na educação

Os problemas descritos acima são potencializados pelo menor acesso aos serviços públicos de saúde, aponta Harvard.

“Pessoas de cor recebem tratamento desigual quando interagem em sistemas como o de saúde e educação, além de terem menos acesso a educação e serviços de saúde de alta qualidade, a oportunidades econômicas e a caminhos para o acúmulo de riqueza”, diz o documento do Centro de Desenvolvimento infantil.

“Tudo isso reflete formas como o legado do racismo estrutural nos EUA desproporcionalmente enfraquece a saúde e o desenvolvimento de crianças de cor.”

Mais uma vez, os números brasileiros apontam para um quadro parecido. Segundo levantamento do Ministério da Saúde, 67% do público do SUS (Sistema Único de Saúde) é negro. No entanto, a população negra realiza proporcionalmente menos consultas médicas e atendimentos de pré-natal.

E, entre os 10% de pessoas com menor renda no Brasil, 75% delas são pretas ou pardas.

Na educação, as disparidades persistem. Crianças negras de 0 a 3 anos têm percentual menor de matrículas em creches. Na outra ponta do ensino, 53,9% dos jovens declarados negros concluíram o ensino médio até os 19 anos — 20 pontos percentuais a menos que a taxa de jovens brancos, apontam dados de 2018 do movimento Todos Pela Educação.

Familiares das meninas Emilly e Rebecca, mortas a tiros,em encontro com o governador em exercício do Rio, Claudio Castro
Familiares das meninas Emilly e Rebecca, mortas a tiros,em encontro com o governador em exercício do Rio, Claudio Castro; Atlas da Violência aponta que negros foram 75,7% das vítimas de homicídio no Brasil em 2018

4. Cuidadores mais fragilizados e ‘racismo indireto’

Os efeitos do estresse não se limitam às crianças: se estendem também aos pais e responsáveis por elas — e, como em um efeito bumerangue, voltam a afetar as crianças indiretamente.

“Múltiplos estudos documentaram como os estresses da discriminação no dia a dia em pais e outros cuidadores, como ser associado a estereótipos negativos, têm efeitos nocivos no comportamento desses adultos e em sua saúde mental”, prossegue o Centro de Desenvolvimento Infantil.

Um dos estudos usados para embasar essa conclusão é uma revisão de dezenas de pesquisas clínicas feita em 2018, que aborda o que os pesquisadores chamam de “exposição indireta ao racismo”: mesmo quando as crianças não são alvo direto de ofensas ou violência racista, podem ficar traumatizadas ao testemunhar ou escutar sobre eventos que tenham afetado pessoas próximas a elas.

“Especialmente para crianças de minorias (raciais), a exposição frequente ao racismo indireto pode forçá-las a dar sentido cognitivamente a um mundo que sistematicamente as desvaloriza e marginaliza”, concluem os pesquisadores.

O estudo identificou, como efeito desse “racismo indireto”, impactos tanto em cuidadores (que tinham autoestima mais fragilizada) como nas crianças, que nasciam de mais partos prematuros, com menor peso ao nascer e mais chances de adoecer ao longo da vida ou de desenvolver depressão.

Na infância, diz a psicóloga Cristiane Ribeiro, é quando começamos a construir nossa capacidade de acreditar no próprio potencial para viver no mundo. No caso da população negra, essa construção é afetada negativamente pelos estereótipos racistas, sejam características físicas ou sociais — como o “cabelo pixaim” ou “serviço de preto”.

Homem penteando cabelo de menina negra
Valorização e representatividade impactam positivamente as crianças e, por consequência, suas famílias

“A gente precisa ter referências mais positivas da população negra como aquela que também é responsável pela constituição social do Brasil. A única representação que a gente tem no livro didático de história é de uma pessoa (escravizada) acorrentada, em uma situação de extrema vulnerabilidade e que está ali porque ‘não se esforçou para não estar'”, diz a pesquisadora.

Mesmo atos “sutis” — como pessoas negras sendo seguidas por seguranças em shopping centers ou recebendo atendimento pior em uma loja qualquer —, que muitas vezes passam despercebidos para observadores brancos, podem ter efeitos devastadores sobre a autoestima, prossegue Ribeiro.

“Isso que a gente costuma chamar de sutileza do racismo não tem nada de sutil na minha perspectiva. Quando alguém grita ‘macaco’ no meio da rua, as pessoas compartilham a indignação. É diferente do olhar (preconceituoso), que só o sujeito viu e só ele percebeu. Mesmo para a militante mais empoderada e ciente de seus direitos — porque é uma luta sem descanso —, tem dias que não tem jeito, esse olhar te destroça. A gente fala muito da força da mulher negra, mas e o direito à fragilidade? será que ser frágil também é um privilégio?”

Como romper o ciclo

“Avanços na ciência apresentam um retrato cada vez mais claro de como a adversidade forte na vida de crianças pequenas pode afetar o desenvolvimento do cérebro e outros sistemas biológicos. Essas perturbações iniciais podem enfraquecer as oportunidades dessas crianças em alcançar seu pleno potencial”, diz o documento de Harvard.

Mas é possível romper esse ciclo, embora lembrando que as formas de combatê-lo são complexas e múltiplas.

Cristiane Ribeiro
“A gente fala muito da força da mulher negra, mas e o direito à fragilidade? será que ser frágil também é um privilégio?”, diz Cristiane Ribeiro

“Precisamos criar novas estratégias para lidar com essas desigualdades que sistematicamente ameaçam a saúde e o bem-estar das crianças pequenas de cor e os adultos que cuidam delas. Isso inclui buscar ativamente e reduzir os preconceitos em nós e nas políticas socioeconômicas, por meio de iniciativas como contratações justas, oferta de crédito, programas de habitação, treinamento antipreconceito e iniciativas de policiamento comunitário”, diz o Centro de Desenvolvimento Infantil de Harvard.

Para Cristiane Ribeiro, passos fundamentais nessa direção envolvem mais representatividade negra e mais discussões sobre o tema dentro das escolas.

“Se tenho uma escola repleta de negros ou pessoas de diferentes orientações sexuais, mas isso não é dito, não é tratado, você tem a mesma segregação que nos outros espaços”, opina.

“Precisamos extinguir a ideia do ‘lápis cor de pele’. Tem tanta cor de pele, porque um lápis rosa a representa? Tem também a criança com cabelo crespo em uma escola onde só são penteados os cabelos lisos. Se a professora der conta de tratar aquele cabelo de uma forma tão afetiva quanto ela trata o cabelo lisinho, ela mudará o mundo daquela criança, inclusive incluindo nessa criança defesa para que ela responda quando seu cabelo for chamado de duro, de feio. E daí ela se olha no espelho e vê beleza, que é um direito que está sendo conquistado muito aos poucos. A chance é de que faça diferença pra família inteira. A criança negra que fala ‘não, mãe, meu cabelo não é feio’ desloca aquele ciclo naquela família, de todas as mulheres alisarem o cabelo. (…) Um olhar afetivo nessa história quebra o ciclo.”

O afeto e a construção de redes de apoio também são apontados por Harvard como formas de aliviar o peso do estresse tóxico e construir resiliência em crianças e famílias.

“É claro que a ciência não consegue lidar com esses desafios sozinha, mas o pensamento informado pela ciência combinado com o conhecimento em mudar sistemas entrincheirados e as experiências vividas pelas famílias que criam seus filhos sob diferentes condições podem ser poderosos catalisadores de estratégias eficientes,” defende o Centro para o Desenvolvimento Infantil.

Como a educação brasileira acentua desigualdade racial e apaga os heróis negros da história do Brasil

Crianças reproduzem racismo? O debate que transformou escola em SP

Líder Ianomâmi, Davi Kopenawa é novo membro da Academia Brasileira de Ciências (Folha de S.Paulo)

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Kopenawa, primeiro indígena eleito na academia, deve tomar posse no primeiro dia de janeiro.

7 de dezembro de 2020


Um dos principais líderes do povo ianomâmi, Davi Kopenawa foi eleito membro colaborador da ABC (Academia Brasileira de Ciências). Ele toma posse no dia 1º de janeiro. Trata-se do primeiro indígena a integrar a academia.

A ABC, fundada em 1916 e uma das mais tradicionais associações científicas do país, diz que para fazer parte de seu quadro, reconhece os mais importantes pesquisadores brasileiros, que “podem ser considerados os representates mais legítimos da comunidade científica nacional”. O foco da academia, com seus mais de 900 membros, é o desenvolvimento científico do Brasil.

O líder indígena foi uma das pessoas dos que chamou mais atenção para o risco da Covid-19 para as populações tradicionais. Além disso, Kopenawa tem sido uma voz constante na luta contra a violência contra indígenas e para evitar a presença prejudicial de garimpos na Terra Indígena (TI) Ianomami.

No fim de 2019, ele recebeu, junto com a Associação Hutukara Yanomami, o Prêmio Right Livelihood, apelidado de “Nobel alternativo”, destinado a homenagear aqueles que oferecem respostas práticas e exemplares para os desafios mais urgentes enfrentados atualmente. Na mesma premiação, também foi homenageada a jovem ativista ambiental sueca Greta Thunberg.

Kopenawa é autor, ao lado de Bruce Albert, de “A Queda do CéuPalavras de um Xamã Yanomami”, livro lançado pela Companhia das Letras.

Publicada originalmente em francês em 2010, na coleção Terre Humaine, a história traz as observações do xamã a respeito do contato predador com o homem branco, ameaça constante para seu povo desde os anos 1960. O livro foi escrito a partir de suas palavras contadas a um etnólogo com quem nutre uma longa amizade —foram mais de 40 anos de contato entre Bruce Albert, o etnólogo-escritor, e o povo de Davi Kopenawa.

Segundo descrição da Companhia das Letras, a vocação de xamã desde a primeira infância, fruto de um saber cosmológico adquirido graças ao uso de potentes alucinógenos, é o primeiro dos três pilares que estruturam este livro. O segundo é o relato do avanço dos brancos pela floresta e seu cortejo de epidemias, violência e destruição. Por fim, os autores trazem a odisseia do líder indígena para denunciar a destruição de seu povo.

Os ianomâmis lutam há décadas contra o garimpo. Os primeiros contatos sistemáticos de brancos com eles, em território brasileiro, aconteceram nos anos 1940.

O contato com os “napë” (brancos), porém, trouxe uma enorme quantidade de mortes por doenças como gripe, sarampo e rubéola, além dos massacres ao povo indígena.

“Napë”, para ianomâmis, de forma geral, significa garimpeiros, que produziram sérios conflitos dentro do território, e continuam em atividade na área. Um dos casos emblemátcos foi o massacre de Haximu (1993), que resultou na morte de 16 indígenas, principalmete de mulheres, crianças e velhos. O fato ocorreu após o assassinato de um garimpeiro.

Kopenawa dizia que não adianta brigar com “napë”, pelas suas armas de fogo, tratores e o fogo na mata.

Is it better to give than receive? (Science Daily)

Children who experienced compassionate parenting were more generous than peers

Date: December 1, 2020

Source: University of California – Davis

Summary: Young children who have experienced compassionate love and empathy from their mothers may be more willing to turn thoughts into action by being generous to others, a University of California, Davis, study suggests. Lab studies were done of children at ages 4 and 6.


Child holding present | Credit: © ulza / stock.adobe.com
Child holding present (stock image). Credit: © ulza / stock.adobe.com

Young children who have experienced compassionate love and empathy from their mothers may be more willing to turn thoughts into action by being generous to others, a University of California, Davis, study suggests.

In lab studies, children tested at ages 4 and 6 showed more willingness to give up the tokens they had earned to fictional children in need when two conditions were present — if they showed bodily changes when given the opportunity to share and had experienced positive parenting that modeled such kindness. The study initially included 74 preschool-age children and their mothers. They were invited back two years later, resulting in 54 mother-child pairs whose behaviors and reactions were analyzed when the children were 6.

“At both ages, children with better physiological regulation and with mothers who expressed stronger compassionate love were likely to donate more of their earnings,” said Paul Hastings, UC Davis professor of psychology and the mentor of the doctoral student who led the study. “Compassionate mothers likely develop emotionally close relationships with their children while also providing an early example of prosocial orientation toward the needs of others,” researchers said in the study.

The study was published in November in Frontiers in Psychology: Emotion Science. Co-authors were Jonas G. Miller, Department of Psychiatry and Behavioral Sciences, Stanford University (who was a UC Davis doctoral student when the study was written); Sarah Kahle of the Department of Psychiatry and Behavioral Sciences, UC Davis; and Natalie R. Troxel, now at Facebook.

In each lab exercise, after attaching a monitor to record children’s heart-rate activity, the examiner told the children they would be earning tokens for a variety of activities, and that the tokens could be turned in for a prize. The tokens were put into a box, and each child eventually earned 20 prize tokens. Then before the session ended, children were told they could donate all or part of their tokens to other children (in the first instance, they were told these were for sick children who couldn’t come and play the game, and in the second instance, they were told the children were experiencing a hardship.)

At the same time, mothers answered questions about their compassionate love for their children and for others in general. The mothers selected phrases in a survey such as:

  • “I would rather engage in actions that help my child than engage in actions that would help me.”
  • “Those whom I encounter through my work and public life can assume that I will be there if they need me.”
  • “I would rather suffer myself than see someone else (a stranger) suffer.”

Taken together, the findings showed that children’s generosity is supported by the combination of their socialization experiences — their mothers’ compassionate love — and their physiological regulation, and that these work like “internal and external supports for the capacity to act prosocially that build on each other.”

The results were similar at ages 4 and 6.

In addition to observing the children’s propensity to donate their game earnings, the researchers observed that being more generous also seemed to benefit the children. At both ages 4 and 6, the physiological recording showed that children who donated more tokens were calmer after the activity, compared to the children who donated no or few tokens. They wrote that “prosocial behaviors may be intrinsically effective for soothing one’s own arousal.” Hastings suggested that “being in a calmer state after sharing could reinforce the generous behavior that produced that good feeling.”

This work was supported by the Fetzer Institute, Mindfulness Connections, and the National Institute of Mental Health.


Story Source:

Materials provided by University of California – Davis. Original written by Karen Nikos-Rose. Note: Content may be edited for style and length.


Journal Reference:

  1. Jonas G. Miller, Sarah Kahle, Natalie R. Troxel, Paul D. Hastings. The Development of Generosity From 4 to 6 Years: Examining Stability and the Biopsychosocial Contributions of Children’s Vagal Flexibility and Mothers’ Compassion. Frontiers in Psychology, 2020; 11 DOI: 10.3389/fpsyg.2020.590384

Com Paes, Cacique Cobra Coral volta à cena para domar o tempo no Rio (Veja Rio)

vejario.abril.com.br

Cleo Guimarães, 30 nov 2020, 13h25

Cacique Cobra Coral: de volta aos bastidores do governo municipal Facebook/Reprodução

Ela vai voltar. Depois de quase duas duas décadas trabalhando espiritualmente para desviar nuvens de chuva que pairavam sobre o Rio e expunham a cidade a enchentes, deslizamentos e ao insucesso de grandes eventos, Adelaide Scritori prepara seu retorno à cidade.

A médium que diz incorporar o espírito do Cacique Cobra Coral – entidade que teria a capacidade de controlar o tempo – teve a parceria com a prefeitura suspensa por Marcelo Crivella e agora, com a eleição de Paes, voltará a usar seus poderes paranormais para monitorar o clima e as precipitações no Rio. “A primeira coisa que vamos fazer é redistribuir as chuvas para que não caiam em excesso e no lugar errado”, disse a VEJA RIO Osmar Santos, porta-voz da Fundação, que teve Paulo Coelho entre seus diretores. A presença da médium não será apenas espiritual: no início de janeiro, Adelaide e sua equipe reabrem a sede carioca do grupo e voltam a passar quatro dias da semana na cidade – mais especificamente, na Barra da Tijuca.

A Fundação vinha sendo chamada para evitar temporais na virada do ano em Copacabana desde 2000, mesmo ano em que passou a monitorar os carnavais da cidade – a única exceção foi 2015, quando o estado vivia uma crise hídrica. Exatamente naquele ano, um temporal atrapalhou os desfiles da Mocidade, da Mangueira e da Viradouro, que foi rebaixada. Adelaide costumava ser convocada por empresários do entretenimento, como Roberto Medina (Rock in Rio) e Abel Gomes (Réveillon, Árvore de Natal da Lagoa), para “desviar” chuvas e temporais que se aproximavam da cidade em dias de shows e eventos ao ar livre. João Doria, ex-prefeito e atual governador de São Paulo, também firmou parceria com a Fundação Cacique Cobra Coral.