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É preciso interromper a tragédia humanitária na terra ianomâmi (O Globo)


Malu Gaspar

Por Editorial 15/04/2022 00:00

Ianomâmis (Reuter) Ianomâmis (Reuter) | Reuters

São contundentes as conclusões do relatório da Hutukara Associação Yanomami sobre os efeitos nocivos do garimpo ilegal na maior reserva do país, que reúne cerca de 30 mil indígenas numa área de 9 milhões de hectares entre Amazonas e Roraima. Como mostrou O GLOBO, em apenas um ano (de 2020 a 2021), a devastação cresceu 46%, maior taxa desde a demarcação das terras ianomâmis em 1992. A destruição, evidenciada pelas crateras no meio da floresta e pelos rios contaminados com mercúrio, pode ser a ponta mais visível, mas não é a única tragédia. Com o desmatamento, forasteiros levam doenças, violência, drogas e terror.

Segundo o relatório, as aldeias enfrentam uma explosão de casos de malária — em algumas regiões, o aumento foi de mais de 1.000% em dois anos. Comida é outro problema crônico. Estudos mostram que 60% das crianças estão desnutridas. No fim do ano passado, imagens de crianças ianomâmis com as costelas à mostra chocaram o mundo. A situação é agravada pela estrutura precária de saúde e pelas grandes distâncias que separam as aldeias dos postos de atendimento médico.

Estima-se que existam 20 mil garimpeiros ilegais nas terras ianomâmis, sob vista grossa dos órgãos ambientais. Nesse cenário sem lei, os indígenas se tornam presas fáceis de esquemas criminosos. Há relatos de aliciamento de menores, abuso sexual de mulheres e crianças e oferecimento de drogas e bebidas alcoólicas aos indígenas. De acordo com a Hutukara, ao menos três crianças já foram mortas depois de ser abusadas por garimpeiros ilegais.

Não surpreende que a violência impere nesse ambiente de anomia. Na segunda-feira, um conflito entre indígenas numa área de garimpo dentro da terra ianomâmi deixou dois mortos (um indígena e um garimpeiro) e cinco feridos. Segundo relatos, índios tireis, apoiados por garimpeiros, invadiram a aldeia pixanehabi, contrária à exploração mineral na reserva.

Seria incorreto dizer que o Ibama e a Polícia Federal não agem. Na terça-feira, foi deflagrada a Operação Escudo de Palha, para combater o desmatamento ilegal numa comunidade indígena de Mato Grosso. Mas essas ações esporádicas são insuficientes. Além disso, são notórios o desmonte da fiscalização ambiental e a falta de empenho do governo para enfrentar madeireiros, grileiros e garimpeiros ilegais. Infelizmente, a sinalização que emana do Palácio do Planalto é outra.

Durante uma pajelança no Ministério da Justiça no mês passado, o presidente Jair Bolsonaro foi condecorado com a Medalha do Mérito Indigenista, concedida pela Funai “pelos serviços relevantes relacionados com o bem-estar, a proteção e a defesa das comunidades indígenas”. Bolsonaro foi um dos 26 agraciados, entre os quais estavam dez integrantes do primeiro escalão do governo. Para fazer jus à homenagem, presidente e ministros poderiam se esforçar para interromper a tragédia humanitária que se abate sobre os ianomâmis e envergonha o país.

Brasil oficializa ‘pedalada climática’ em nova meta de redução de gases (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

Phillippe Watanabe

7 de abril de 2022


Uma atualização das metas de redução de gases estufa foi registrada pelo Brasil, nesta quinta-feira (7), na UNFCCC (sigla em inglês para Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), formalizando, dessa forma, uma “pedalada climática“.

As novas metas aparecem mais de cinco meses depois da COP26, a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, e, mesmo assim, ainda não formalizam todas promessas feitas durante o evento à comunidade internacional.

Entre os objetivos atualizados está a neutralidade de carbono até 2050, a redução, em 2025, de 37% dos gase estufa, em comparação com as emissões de 2005, e a diminuição, em 2030, de 50% dos gases, também em comparação com 2005.

As emissões brasileiras são resultado, principalmente, de desmatamento e atividade pecuária.

As promessas, feitas durante a COP, de zerar o desmatamento até 2030 e de redução na emissão de metano não constam no documento, ausência apontada por entidades como o Política por Inteiro e o Observatório do Clima.

Os cortes de emissões de gases para 2030 e a neutralidade de carbono em 2050 tinham sido anunciados pelo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, em 1º de novembro do ano passado.

As organizações também criticam a “pedalada climática” das metas apresentadas.

A pedalada ocorre pela mudança no dado das emissões de 2005, que foi atualizado nos mais recentes inventários nacionais de gases estufa, ou seja, ocorreu uma mudança na base de comparação.

A primeira NDC brasileira (sigla para contribuição nacional determinada e que pode ser, de modo mais simples, traduzida como meta climática) é de 2015, ano do Acordo de Paris. Nela, o Brasil se compromete a até 2030 reduzir em 43%, em relação a 2005, as emissões de gases estufa. Nesse cenário e com os dados disponíveis naquele momento, o país emitiria, em 2030, cerca de 1,208 gigatoneladas de gás carbônico equivalente (em linhas gerais, uma soma dos gases que causam o aquecimento global).

Com a evolução nas metodologias para medir os gases, os dados de 2005 sofreram correções e aumentaram. A meta brasileira, porém, não foi alinhada a essa correção e permaneceu em 43% de redução. Como os dados de base (2005) são menores, a redução de 43% passou a significar emissões maiores em 2030 (cerca de 1,620 gigatoneladas), em comparação ao prometido inicialmente. Surgiu, assim a pedalada climática.

Aumentando-se mais o percentual de corte de emissões, a situação poderia ser corrigida com a nota meta nacional submetida ao UNFCCC. Mas isso não aconteceu. Considerando o documento que foi submetido com 50% de redução de emissões, o Brasil em 2030 estará emitindo 1,281 gigatoneladas de CO2e (leia gás carbônico equivalente), segundo análises do Observatório do Clima e do Política por Inteiro.

O alerta sobre a manutenção da pedalada já tinha sido soado no momento em que Leite anunciou a nova meta, na COP26. No dia anterior à promessa, o Brasil havia, inclusive, submetido uma carta-adendo à UNFCCC em que oficializava somente a meta de neutralidade climática até 2050, sem citações aos objetivos desta década.

Organizações apontam que as novas metas nacionais não aumentam a ambição climática, algo que era esperado das nações que assinaram o Acordo de Paris.

“O teto de emissões estipulado para 2030 está uma Colômbia inteira (em termos de emissões anuais) acima daquele estipulado anteriormente pelo Governo do Brasil”, afirma uma análise produzida pelo Política por Inteiro. Já o teto de 2025 está uma Polônia inteira acima do estipulado anteriormente aponta o documento.

O Política por Inteiro ainda aponta que o país deve resolver em definitivo a questão de atualização de metas. “As sucessivas demonstrações de retrocesso afetam diretamente a credibilidade do país na esfera internacional”, diz a análise.

O Observatório do Clima aponta que o país está descumprindo o Acordo de Paris e que mente no documento enviado ao UNFCCC ao afirmar que está aumentando sua ambição.

“Continua sendo um retrocesso, num momento em que as Nações Unidas fazem um chamado para os países aumentarem suas ambições. O Brasil não responde ao chamado e ainda continua retrocedendo”, diz, em nota, Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima.