Arquivo mensal: novembro 2009

>José de Souza Martins: Palmares de todos nós ou efeméride como fato histórico (O Estado de S.P.)

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Data só terá sentido como dia da consciência de todos nós, da nossa identidade brasileira

José de Souza Martins – O Estado de S.Paulo
Domingo, 22 de novembro de 2009

– A transformação em feriado do dia do aniversário da morte de Zumbi, general e cabo de guerra do Quilombo dos Palmares, em 1695, como Dia da Consciência Negra, é providência que pode se transformar numa grande bobagem ou num fato histórico. Será uma grande e deseducativa bobagem se for capturado e instrumentalizado pelo neorracismo brasileiro para alimentar a destrutiva ideologia do confronto, que nos assola, e firmar a suposta legitimidade de uma visão de mundo que nos divide e nos afasta de nós mesmos. Será um grande fato histórico se for aceito por todos os brasileiros como desafio que pode nos instigar a rever nossa memória coletiva, para que nos livremos dos fantasmas de uma história que não é nossa. Para que nos encontremos no reconhecimento dos feitos que redundaram na construção do país pluralista que somos e deveríamos gostar de ser. Os heroicos feitos de Zumbi se inscrevem nessa pauta. São feitos que dão sentido ao anseio de liberdade e emancipação do Brasil multirracial e democrático.

Nossa cultura escolar e de oitiva insere-se numa tradição que conspira todos os dias contra essa alternativa e essa busca. Expressão disso é o modo como se propõe a figura do mulato Domingos Fernandes Calabar à consciência dos brasileiros, estigmatizado como traidor porque passou para o lado dos holandeses no século 17, quando o Brasil ainda não era Brasil. No mínimo falta aí uma consciência crítica da história, que nos revele os efetivos dilemas sociais e políticos com que se defrontavam os protobrasileiros de então.

Calabar, na verdade, fez uma opção, como tantos outros fizeram naquela época de profundas transformações no mundo, aberta a opções religiosas, econômicas e políticas. Seu próprio detrator, o frei Manuel Calado, autor de O Valeroso Lucideno, teve sua simpatia pelos holandeses. O que parece ter irritado Calado e mantido essa irritação nos registros históricos é que, como outros, Calabar tenha se convertido ao protestantismo e negado o imobilismo socialmente estreito que se anunciava na dominação portuguesa e se confirmaria em nossa história redundante e conformista.

A mesma mentalidade que amaldiçoou Calabar folclorizou Zumbi, negando-lhe o lugar em que temos o direito de tê-lo em nossa memória histórica e com ele os insubmissos palmarinos, que morreram em grande número, aniquilados como seres destituídos de humanidade. Em Palmares, a luta do negro (e do índio) foi feita em nome de todos nós, pelo reconhecimento da condição humana de pessoas que eram tratadas como animais de trabalho, peças de mercado, objeto de partilha mercantil prévia nos próprios contratos de encomenda das entradas repressivas que destruiriam o quilombo.

Acima da crônica de botequim, a história de Palmares é a fascinante história épica de um povo, que não era só de negros, como narra, apoiado em documentos, Édison Carneiro, o grande historiador e estudioso das culturas negras, autor de O Quilombo dos Palmares. Uma história bem distante de fabulações raciais. Ou mesmo de interpretações redutivas, descabidamente apoiadas em simplificações inaplicáveis ao caso, pescadas antidialeticamente no Manifesto Comunista, de Marx e Engels, como as que definem Palmares como capítulo pioneiro da história da luta de classes. Nem Zumbi era um Spartacus do sertão nem a sociedade de classes estava constituída entre nós, nem mesmo em Portugal, apenas se anunciando em países como a Itália, a Holanda e a Inglaterra. Nem por isso a história documentada macula o que poderia e deveria ser o imaginário épico que a traz à nossa consciência e aos nossos dias.

Houve vários grandes e resistentes quilombos em diferentes pontos do Brasil até o final da escravidão. Palmares foi, sem dúvida, o maior, durou quase todo o século 17 e no seu último meio século sofreu reiterados ataques. Menos porque representasse um efetivo perigo político à dominação portuguesa e muito mais porque sua captura e sujeição recompensariam seus mercenários opressores com escravos e terras. Que tampouco lutavam por algo que pudesse ser chamado de Brasil. Era o caso de Domingos Jorge Velho, o mais violento e ambicioso deles, que nem mesmo falava português, pois vivia entre tapuias. Precisou de um intérprete para conversar com um bispo que o visitou.

Palmares tem sido apresentado como uma república libertária, antecedente em quase dois séculos da Revolução Francesa, o que nunca foi. Em Palmares também havia escravidão, a dos raptados e levados à força para os mocambos. Só eram livres os que voluntariamente fugissem de seus senhores e buscassem refúgio no Quilombo. Os escravos dos negros palmarinos podiam obter a alforria, como ensina Édison Carneiro, se para lá levassem um negro cativo.

Os milhares de negros que ali se refugiaram criaram um Estado, no modelo dos Estados nativos africanos, dominado por um déspota, o rei Ganga Zumba, e por uma aristocracia em parte de sangue, de que Zumbi era membro, sobrinho do monarca. Quando o rei celebrou a paz com os brancos e o governo colonial de Pernambuco, em 1678, foi envenenado pelos negros. Zumbi, contrário à vassalagem, levou a luta até o limite, quando o quilombo foi invadido e destruído, em 1695.

Ao contrário da lenda, não se matou, e dos 20 combatentes que o acompanhavam na luta final, só um sobreviveu. Os portugueses chegaram até ele quando um mulato capturado, que era seu imediato, sob tortura e em troca da vida, indicou o reduto em que ele se encontrava. Morto Zumbi, André Furtado de Mendonça, que comandava a tropa, cortou-lhe a cabeça, enviando-a ao governo, no Recife, onde foi exibida, espetada numa estaca, para que os negros se convencessem de que morrera.

A efeméride de Zumbi terá sentido como dia da consciência de todos nós, da nossa identidade brasileira, se for o prenúncio de uma reordenação dos termos da nossa memória coletiva para nela inscrever a história como história do povo brasileiro e não como história dos feitos de funcionários públicos ou de minorias.

>Brasil melhora no ranking que mede corrupção

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Paula Laboissière
Repórter da Agência Brasil
17 de Novembro de 2009 – 13h01/14h40

Brasília – O Brasil subiu cinco posições no ranking anual de corrupção divulgado hoje (17) pela Transparência Internacional. Apesar de ter passado do 80º lugar em 2008 para o 75º neste ano, o relatório apontou que o país ainda é marcado por escândalos que envolvem impunidade e corrupção política.

Na mesma colocação brasileira aparecem a Colômbia, o Suriname e o Peru – todos com 3,7 pontos. Nas Américas, um total de 21 dos 31 países receberam pontuação inferior a 5, o que, de acordo com a Transparência Internacional, indica “sérios problemas de corrupção” na região.

No grupo de países americanos com mais de 5 pontos, o Canadá permanece como líder, além de integrar os dez Estados com os menores índices de corrupção em todo o mundo. O Chile, o Uruguai e a Costa Rica são os únicos da América Latina a integrarem a lista com mais de 5 pontos.

O Haiti aparece mais uma vez como o último no ranking das Américas – apesar de ter passado de 1,4 ponto em 2008 para 1,8 neste ano. Também registraram baixa pontuação a Bolívia, a Nicarágua, Honduras e o Paraguai. Já a presença da Argentina e da Venezuela no grupo com menos de 5 pontos, segundo o documento, é vista como um indicativo de que a corrupção não é presença exclusiva em países pobres.

O relatório acrescenta que jornalistas da América Latina, em particular, enfrentam um ambiente de restrições “crescentes”, com a aprovação de legislações destinadas a “silenciar” a cobertura crítica, limitando a liberdade de imprensa e dificultando a divulgação de práticas de corrupção.

No ranking geral de países, a Nova Zelândia aparece em primeiro lugar com 9,4 pontos, seguida pela Dinamarca, com 9,3 pontos, e por Cingapura, com 9,2 pontos.

>UCLA study proves [sic] looking at photo of loved one reduces pain

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By Tima Vlasto
November 14, 5:12 AM – NY Holistic Science & Spirit Examiner – Examiner.com

According to a recent study by UCLA psychologists, looking at a photo, holding the hand or even just thinking of a loved one will reduce pain.

The study which appeared in the November 2009 issue of the Journal Psychological Science, involved 25 women who received a moderately painful heat stimulus on their forearms while they looked at either a photo of their loved one, a stranger or a chair.

“When the women were just looking at pictures of their partner, they actually reported less pain to the heat stimuli than when they were looking at pictures of an object or pictures of a stranger,” said study co-author Naomi Eisenberger, assistant professor of psychology and director of UCLA’s Social and Affective Neuroscience Laboratory. “Thus, the mere reminder of one’s partner through a simple photograph was capable of reducing pain.”

“This changes our notion of how social support influences people,” she added. “Typically, we think that in order for social support to make us feel good, it has to be the kind of support that is very responsive to our emotional needs. Here, however, we are seeing that just a photo of one’s significant other can have the same effect.”

During the second part of the study, each woman either held the hand of her partner, the hand of a male stranger or a squeeze ball. The study again found that holding their partner’s hand reduced their pain more so than when they held a stranger’s hand or squeeze ball.

Another interesting study, by Arizona State University, published in the Journal of Humanistic Psychology, Vol. 49, No. 1, 100-113 in January 2009, Imaginal Relationships with the Dead, explored the benefits of imaginal relationships with deceased loved ones. Through the analysis of experts, interviews with the elderly and research on LexisNexis; they found that imagining conversations with the deceased was “common, normal and therapeutic. The therapeutic benefits included: feeling cared for and loved, experiencing resolution of grief and relationship conflicts, and experiencing increased confidence in problem solving and decision making.”

Of course, we may not have needed a study to prove this; the photographs we hold in our wallets and Flickr pages, the family photos that adorn our walls, tables and desks, should be proof enough. Even the imaginal relationships with the dead must obviously have some therapeutic effect, considering almost every culture and faith in the world, from the ancient Egyptians, Romans, Africans, Chinese, Indians and Christians have references to relationships with their loved ones and ancestors that have passed on.

The UCLA study did demonstrate once again how our social ties (whether with the living or the dead) support our well-being: physically, mentally and spiritually.

UCLA’s advice: “the next time you are going through a stressful or painful experience, if you cannot bring a loved one with you, a photo may do.”

>EUA: Um sexto das famílias passaram fome em 2008

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Por Jim Lobe, da IPS – Revista Envolverde
17/11/2009 – 11h11

Washington, 17/22/2009 – Um em cada seis lares norte-americanos passou fome em algum momento do ano passado, segundo o Departamento de Agricultura. Trata-se da maior incidência da fome desde que teve início o estudo da segurança alimentar nos Estados Unidos, em 1995. No total, 14,6% dos lares, que equivalem a cerca de 49 milhões de pessoas, “tiveram ocasionalmente problemas para levar à mesa comida suficiente durante o ano”, afirma o informe Segurança Alimentar das Famílias nos Estados Unidos, 2008, divulgado ontem.

Isto representa um notável aumento em relação à quantidade de população que passou as mesmas penúrias em 2007, 11,1% dos lares, ou 36,2 milhões de pessoas. E seguramente este ano a proporção será maior, devido aos persistentes efeitos da crise econômica que começou a se manifestar há 14 meses. Do grupo de 17 milhões de famílias que passaram fome – ou “insegurança alimentar”, segundo o informe – um terço suportaram uma “segurança muito baixa’, o que significa que a quantidade de alimento disponível para pelo menos alguns membros dessas famílias diminuiu e seus níveis normais de alimentação foram alterados.

Esses lares sofreram tais dificuldades pelo menos vários dias durante sete ou oito meses do ano. Os outros dois terços puderam conseguir comida suficiente para evitar alterações substanciais por meio de diferentes estratégias, com dieta menos variada, programas governamentais de ajuda alimentar e nutricional ou restaurantes públicos e despensas comunitárias. A quantidade de famílias nas quais as crianças, tanto quanto os adultos, sofreram “segurança alimentar muito baixa” aumentou notavelmente de 323 mil em 2007 para 506 mil no ano passado.

O presidente Barack Obama qualificou de “inquietantes” as revelações do informe, em declaração divulgada desde a China, última etapa de sua viagem pela Ásia. “Esta tendência é dolorosamente evidente em muitas comunidades de nosso país onde os vales de alimentação se multiplicam e as prateleiras das despensas se esvaziam”, disse Obama. “É especialmente complicado haver mais de 500 mil famílias com pelo menos uma criança que passou fome muitas vezes ao longo de um ano. A capacidade de nossos filhos de crescer, aprender e conseguir suas potencialidades, e, portanto, de nossa competitividade futura como nação, depende do acesso a comida saudável”, acrescentou.

Dos 49 milhões de pessoas que passaram fome pelo menos uma vez em 2008, 16,7 milhões eram crianças, segundo o informe, 4,2 milhões a mais do que em 2007 e o registro mais alto desde 1995. “Estes dados não são uma surpresa. O que deveria nos comover é que quase uma em cada quatro crianças de nosso país vive à beira da fome”, afirmou David Beckmann, presidente da Pão para o Mundo, organização nacional que também realiza programas em países pobres.

Feeding America (Alimentando os Estados Unidos), a maior organização de ajuda alimentar do país, disse que as estatísticas coincidem com sua própria experiência em comunidades nas quais dirige cerca de 200 bancos de alimentos que atendem a mais de 25 milhões de pessoas pro ano. “É trágico tanta gente nesta nação da abundãncia não ter acesso à quantidade necessária de comida nutritiva”, disse Vicki Escarra, presidente e diretora-executiva da Feeding America. “E é de se destacar que esses números refletem o estado de nossa nação um ano atrás”, acrescentou. A economia continuou se debilitando e “é muito provável que haja muito mais gente lutando contra fome”, afirmou.

Os serviços prestados pela organização – despensas comunitárias, restaurantes e centros de emergência alimentar – registraram aumento de 50% na demanda por ajuda desde o ano passado. A taxa oficial de desemprego passou de 10% no mês passado, pela primeira vez desde o começo da década de 80, enquanto o ex-secretário do Trabalho, Robert Reich, estima a cifra “não oficial”, que inclui os desempregados que já não tentam conseguir trabalho e os subempregados, em 20%. A pesquisa de recessões anteriores indica que as pessoas que caem na pobreza em períodos de crise não se recuperam. “Muitos podem estar precisando de nossos serviços agora ou precisarão no futuro”, disse Escarra.

A insegurança alimentar, segundo o informe, se relaciona estreitamente com as famílias com renda igual ou menor do que a linha de pobreza (US$ 22.050 anuais para uma família de quatro pessoas) com um só progenitor, afro-descendentes e latino-americanos. O informe determina que a fome é mais comum em grandes cidades e zonas rurais do que nos subúrbios e prevalece mais no sudeste do país. O atual governo aumentou significativamente o financiamento para os cupões de alimento, ajuda alimentar de emergência e restaurantes escolares. Em sua declaração, Obama disse que espera aumentar esses itens para o próximo ano.

“As coisas poderiam estar muito piores se não tivéssemos amplos programas de assistência”, disse o secretário da Agricultura, Tom Vilsack. “Esta é uma grande ocasião para expor este problema”, acrescentou. Beckmann concorda: “A recessão agravou o problema da fome e o tornou mais visível. A consciência do público e o compromisso do governo me dão esperanças”, disse. “Para acabar com fome, nossos governantes devem fortalecer os programas de nutrição e fornecer empregos seguros que permitam aos pais fugir do ciclo da pobreza e alimentar suas famílias no futuro”, concluiu. (IPS/Envolverde)

>FOME: Cúpula sem agricultores, sem prazos e sem números

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Por Sabina Zaccaro, da IPS – Revista Envolverde
17/11/2009 – 11h11

Roma, 17/11/2009 – Os agricultores do mundo não são parte das delegações oficiais enviadas à Cúpula Mundial sobre a Segurança Alimentar, iniciada nesta segunda-feira (16) em Roma. Mas, se acertaram para chegar e expressar seus pontos de vista. Suas comunidades são as que mais sofrem o impacto da crise alimentar. Pequenos produtores da selva amazônica, da África, das ilhas do Pacífico e do Himalaia se reuniram na capital italiana por ocasião do Fórum pela Soberania alimentar dos Povos, que começou sexta-feira e termina hoje, paralelamente à cúpula da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).

O objetivo do fórum foi debater sobre os sérios efeitos da crise nas comunidades agrícolas e camponesas. Os pequenos agricultores e outros pequenos produtores de alimentos representam mais de 1,5 bilhão de pessoas no mundo, estima o fórum da sociedade civil. “Produzem mais de 75% das necessidades alimentares do mundo mediante a agricultura camponesa e a pequena produção pecuária, além da pesca artesanal”, disseram os organizadores. Segundo a FAO, a quantidade de pessoas famintas no mundo aumentou este ano para 1,020 bilhão, devido à crise econômica mundial aos elevados preços dos alimentos e dos combustíveis, às secas e aos conflitos.

“A quantidade de famintos anunciada pela FAO inclui, em grande parte, os que produzem alimentos. E isto representa o aspecto mais incrível da fome”, disse à IPS Antonio Onorati, do Comitê Internacional de Planejamento da Sociedade Civil. Os conhecimentos e as práticas indígenas têm o potencial de melhorar a segurança alimentar local e mundial, mas ainda não são reconhecidos, de acordo com as organizações de produtores.

Por estes dias, as questões-chave sobre a mesa das entidades de agricultores e camponeses têm a ver com quem decide as políticas alimentares e agrícolas, onde são tomadas estas decisões, quem controla os recursos para produzir alimentos, como estes são obtidos e como ajudar as pessoas que não têm acesso diretamente a eles, isto é, os pobres das cidades. Os resultados de seu trabalho serão apresentados no fechamento da cúpula da FAO, amanhã.

Segundo Renée Vellvé, da organização não-governamental internacional Grain, o acesso e o direito à terra deveriam ser uma prioridade. “A atual tendência à compra e apropriação de terras se manifesta em países que têm dinheiro, mas dependem de compras no exterior para se alimentar, como Arábia Saudita, Coréia do Sul e outros. Vão à África e à Ásia para conseguir terras de cultivo a fim de produzir seus próprios alimentos no exterior”, disse Vellvé à IPS. “As companhias investidoras estão tentando fazer o mesmo apenas para ganhar dinheiro, por isso se vê governos e indústrias sacando os agricultores de suas terras, especialmente onde a posse não é segura. Isto afeta primeiro as mulheres, sobretudo na África”, acrescentou.

Nettie Wiebem, da rede internacional de movimentos e organizações rurais Via Camponesa, concorda que é fundamental devolver as terras aos pequenos agricultores. “É obvio, mas se esquece, que a produção de alimentos é absolutamente necessária para a segurança alimentar, ou seja, que os agricultores que produzem alimentos os coloquem no mercado”, disse à IPS. “Mas, agora estamos cada vez mais longe de nossos alimentos, particularmente nas nações em desenvolvimento, a ponto de a parte do produtor se esquecida, e, de fato, apagada por uma produção industrial corporativa”, acrescentou.

Segundo Wiebe, a agricultura e os mercados locais podem, inclusive, esfriar o planeta. “Uma reforma agrária real e genuína, adiada durante décadas, faria muito mais pelo clima do que qualquer acordo que possa resultar das próximas negociações em Copenhague”, afirmou. O especialista referia-se à 15ª Conferência sobre Mudança Climática que acontecerá de 7 a 18 de dezembro na capital dinamarquesa.

Vellvé afirmou que as organizações de agricultores já não acreditam nos códigos de conduta, pautas e princípios discutidos na FAO. “O problema é até onde pressionarão, e como se situam os governos”, disse. Assim, além dos recursos econômicos, o que os pequenos produtores pedem é uma mudança na tomada de decisões que afetam suas vidas. “Isto só pode acontecer se a comunidade local tem um papel nas decisões e se tem acesso e controle sobre os recursos produtivos locais”, afirmou Onorati.

O diretor-geal da FAO, Jacques Diouf – que no final de semana fez jejum de 24 horas em solidariedade aos que passam fome no mundo – pediu aos países ricos que aumentem a quantia que destinam anualmente à assistência agrícola de US$ 7,9 bilhões para US$ 44 bilhões. Mas o texto da declaração da cúpula já perdeu a cifra concreta de US$ 44 bilhões e a proposta da FAO de introduzir um compromisso com prazo preciso, no ano de 2025, para erradicar a fome no mundo.

“O texto é positivo quanto ao direito à alimentação, à promoção da agricultura sustentável e ao Comitê de Segurança Alimentar”, disse a ativista Sarah Gillam, da organização humanitária ActionAid, referindo-se ao corpo da FAO que está sendo reformado para ampliar a participação a novos atores e promover seu papel no combate à fome. Mas a declaração carece de “dentes’, dsse Gillam. Os Estados se comprometem a cumprir a meta do milênio de reduzir pela metade a população faminta até 2015 e prometem “agir de forma sustentada para erradicar a fome o mais rápido possível”.

A declaração inclui promessas de “elevar substancialmente a ajuda ao desenvolvimento destinada à agricultura e à segurança alimentar”. Mas, sem prazos e sem números, “este é um documento desprovido de instrumentos concretos para uma luta efetiva contra a fome”, disse Sergio Marelli, presidente do grupo assessor da sociedade civil na cúpula. (IPS/Envolverde)

* Com a contribuição de Paul Virgo (Roma).

>Natureza conflitante

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Especiais

AGÊNCIA FAPESP – 9/11/2009

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – “Civilizar” o país e inseri-lo em um projeto de modernidade significava, em grande parte, abandonar a ideia do ambiente rural, da natureza selvagem e dos territórios inóspitos e atrasados. Paraíso terrestre, guerra contra a natureza, sentimento de nostalgia, ideia de progresso e transformação da natureza são alguns dos aspectos analisados no livro Natureza e Cultura no Brasil (1870-1922), que acaba de ser lançado.

A obra investiga como grande parte da intelectualidade brasileira – do fim do século 19 até a Semana de Arte Moderna, em 1922 – percebia e concebia as múltiplas relações entre natureza e sociedade, aliado a um projeto de modernidade nacional.

O livro analisa um conjunto de escritos desse período tanto na ficção como em textos não literários (ensaios, relatos de viagem e memórias) de autores consagrados, como Euclides da Cunha, Graça Aranha e Visconde de Taunay, e outros menos conhecidos, como Alberto Rangel, Hugo de Carvalho Ramos e Domicílio da Gama.

De acordo com a autora Luciana Murari, o conjunto de textos é multifacetado, com muitas contradições, dividido de um lado pela tentativa de “racionalizar tudo”, de encaixar a realidade em modelos cognitivos que a explicassem e que possibilitassem que o homem adquirisse controle sobre a natureza e, de outro, pela percepção da natureza como um espaço sagrado e inatingível.

“Essas duas inclinações não se mostravam mutuamente excludentes no contexto das obras, nem mesmo no conjunto da obra de um mesmo autor. Na melhor das hipóteses, em momentos otimistas, grande parte dos intelectuais brasileiros acreditava que o progresso resolveria tudo, anularia as diferenças e criaria a própria nacionalidade”, disse Luciana, professora do Centro de Ciências Humanas e do Programa de Pós-graduação em Letras, Cultura e Regionalidade da Universidade de Caxias do Sul, à Agência FAPESP

O livro é resultado de sua tese de doutorado, defendida na Universidade de São Paulo (USP) sob a orientação de Elias Thomé Saliba, professor titular em Teoria da História da USP, e recebeu apoio da FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Publicações.

“O livro mostra que essa geração de pensadores e ensaístas, mais do que presa às explicações deterministas, biológicas e racistas, viveu uma consciência dividida, característica da cultura do fim de século”, disse Saliba.

“A obra revela ainda como esses pensadores, cada um a sua maneira, denunciam a modernidade postiça, construída a partir da devastação brutal da natureza e da destruição dos laços que mantinham a coesão da sociedade tradicional. Alguns de seus argumentos e descrições, com difusa e surpreendente consciência ecológica, mostram-se ainda estranhamente atuais”, disse.

De acordo com Luciana, em relação ao recorte histórico pouco convencional, a ideia foi investigar o período anterior à Semana de Arte Moderna, “porque esse período precisa ser revisto como um todo e não apenas nos momentos que pareceriam, na melhor das hipóteses, antecipar a chamada revolução modernista”.

“A delimitação é uma referência para se pensar o início do processo de modernização produtiva no Brasil, que também viveu uma espécie de modernização intelectual nesse período, dedicado a transformar os padrões cognitivos em vigor no debate sobre a nacionalidade e a construir uma nova imagem e uma nova postura frente ao país, baseada na ciência”, disse.

Embora não analise os textos dos chamados modernistas de 1922, a pesquisadora conta ter percebido que não houve uma ruptura radical em relação ao debate modernista e algumas questões que circulavam há tempos entre os intelectuais brasileiros do período anterior.

“Os modernistas transformaram muitas coisas e estabeleceram novos padrões estéticos, mas talvez essa noção de ruptura associada ao movimento reproduza o próprio discurso deles, ou de alguns deles, e nos impeça de ver continuidades importantes”, disse.

Ao elencar os escritores interessados na questão da natureza brasileira, Luciana destaca três nomes: o cearense Rodolfo Teófilo, Alberto Rangel, um seguidor de Euclides da Cunha cuja linha ficcional apresenta características de não ficcionais, e Coelho Neto, um dos intelectuais mais prestigiados do seu tempo, mas muito pouco estudado.

Coelho Neto era uma referência para seus contemporâneos, sempre chamado para palpitar nos assuntos mais importantes da vida nacional. Mas acabou, segundo a pesquisadora, ganhando fama de intelectual alienado da realidade nacional.

“Essa acusação, a meu ver, não tem fundamento, mesmo porque ele foi uma referência para o nativismo de sua época, como pioneiro da literatura regionalista. A visão de Coelho Neto sobre a natureza resume muito do que seus contemporâneos discutiam, mas ao mesmo tempo é bastante original porque tem um aspecto místico muito forte e uma emotividade arrebatadora”, disse Luciana.

Sonho da modernidade

Natureza e Cultura no Brasil (1870-1922) está dividido em quatro capítulos, mais um pós-escrito. Um paraíso terrestre mostra as concepções teóricas sobre a relação entre homem e natureza no país e como a relação da sociedade brasileira com sua base natural adquiriu um sentido negativo, “exprimindo um conflito inexorável entre os empreendimentos humanos e as condições do meio natural”.

Guerra contra a natureza, segundo capítulo, aprofunda o diagnóstico “negativo” de uma relação baseada na violência recíproca: tanto a ação destrutiva da natureza em relação aos desígnios humanos como a ação destruídora do homem em relação a ela.

Nos dois últimos capítulos, a autora aborda, respectivamente, o Sentimento do sertão na alma brasileira e o Progresso e transformação da natureza.

“Nesse quarto capítulo, discuto a modernidade propriamente dita, compreendida como uma relação de domínio do homem sobre a natureza. Os autores tentavam demonstrar a viabilidade de uma sociedade moderna no ambiente brasileiro, pacificando a luta do homem contra a natureza e superando a melancolia por meio da ação. É um capítulo sobre as utopias da modernidade brasileira”, explicou.

Segundo Luciana, a construção da natureza no imaginário nacional permite observar o dilema brasileiro a partir da perspectiva de homens conscientes e temerosos do peso da formação colonial e escravocrata do Brasil.

“Trata-se de um fardo que concorria com seus projetos de alinhamento à modernidade e que perturbava a formação de um sentimento coletivo em um país em que as divisões sociais eram muito profundas e irredutíveis”, apontou.

“A modernidade era um sonho que parecia fadado a nunca se realizar, porque aquele peso sempre se fazia sentir e se expressava de forma muito intensa na relação do país com seu meio físico”, disse a autora.

Título: Natureza e Cultura no Brasil (1870-1922)
Autora: Luciana Murari
Ano: 2009
Páginas: 474
Preço: R$ 50
Mais informações: http://www.alamedaeditorial.com.br

>Aspectos psicológicos na comunicação social das mudanças climáticas

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The Psychology of Climate Change Communication: A Guide for Scientists, Journalists, Educators, Political Aides, and the Interested Public
Download the guide and learn more at: cred.columbia.edu/guide/home.html
Press release:
HOW DOES THE MIND GRASP CLIMATE CHANGE? A research-based guide tries to narrow the gap between information and action
NEW YORK, Nov. 4, 2009 — A recent poll shows that the number of Americans who accept that human activity is changing Earth’s climate is declining—down from 47 percent to 36 percent—even though the scientific data is overwhelming, and continues to build rapidly. A concise new publication delves into what goes on in the human mind that causes this disconnect, and what communicators of climate science can do about it.
The new 43-page guide, The Psychology of Climate Change Communication, released today by Columbia University’s Center for Research on Environmental Decisions, looks at how people process information and decide to take action, or not. Using research into the reactions of groups as disparate as African farmers and conservative U.S. voters, it offers insights on how scientists, educators, journalists and others can effectively connect with the wider world.
For the nonscientist, climate can seem alternately confusing, overwhelming and politically loaded, say lead authors Debika Shome and Sabine Marx. The guide shows how evolving scientific knowledge can be conveyed without running into predictable roadblocks. Using eight basic principles, it identifies tactics that scientists and other can use to increase the chances that people will understand what they are saying and, when appropriate, take action. These include framing complex issues in ways that people can relate to personally. (New Yorkers may respond more to the idea that sea-level rise threatens to flood their subways, than to the idea that it also threatens much of Bangladesh.) They say scientists and journalists also need to do a better job of sorting the larger picture from smaller uncertainties—for instance, concentrating on the strong consensus that sea levels will rise in the 21st century, versus confusing readers with disagreements over exactly how much levels will rise.
Scientists generally acknowledge that nothing can be known with absolute certainty; their trade involves reducing the amount of uncertainty. But, as with the numbers they give out, the words they habitually use can be misinterpreted by the public to mean they do not really know what they are talking about. For instance, a recent report from the Intergovernmental Panel on Climate Change states that global temperature increases that have taken place in the last 50 years have been “very likely due to the observed increase in anthropogenic GHG concentrations.” Panel scientists have agreed that “very likely” means 90 percent certain or more–but when researchers asked ordinary people to assign a percentage to that specific phrase, most came up with a much lower number. The guide also attacks fancy words like anthropogenic (translation: manmade) and acronyms such as GHG, (shorthand for greenhouse gases). These may alienate even educated people, say the authors. Even many graphs that in the minds of scientists show alarming trends elicit only yawns or incomprehension from almost everyone else.
One chart in the guide lists words with columns showing their meaning as perceived by scientists, and by nonscientists. To scientists, a “theory” is the “physical understanding of how [something] works.” Hence, the theory of evolution, the theory that the earth formed over billions of years—and now, the theory of manmade climate change. But to the public, a theory may be just “a hunch, conjecture or speculation.” (Politicians long ago learned the lesson that language is important: one recent study by the authors and their colleagues finds that conservative Americans find “carbon offsets” more acceptable than a “carbon tax”—even though it might be argued the two are essentially the same. Climate legislation now before Congress has excluded anything labeled a “tax.”)
The public has its own chronic problems. For one thing, there is a phenomenon that social scientists call the “finite pool of worry”; people can deal with only so much bad news at a time before they tune out. For another, when individuals respond to threats like climate change, they are likely to alleviate their worries by taking only one action, even if it is in their interest to take more than one—an effect called the “single actions bias.” For Americans, recycling often serves as a catchall “green” measure, and people will neglect to take others, such as switching to more efficient light sources. One study showed that farmers in Argentina who had capacity to store grain were less likely to use irrigation or crop insurance, even though the added measures would have made their operations more resilient to changing weather.
“Gaining public support for climate change policies and encouraging environmentally responsible behavior depends on a clear understanding of how people process information and make decisions,” say Shome and Marx. “Social science provides an essential part of the puzzle.”
Free printed copies and an interactive online version of the guide are available on CRED’s website . The  project received funding from the Charles Evans Hughes Memorial Foundation and the U.S. National Science Foundation.

>Biocomunicação

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Da apresentação do livro Biocommunication and Natural Genome Editing, de Günther Witzany (Springer, 2010):

Biocommunication occurs on three levels (A) intraorganismic, i.e. intra- and intercellular, (B) interorganismic, between the same or related species and (C) transorganismic, between organisms which are not related. The biocommunicative approach demonstrates both that cells, tissues, organs and organisms coordinate and organize by communication processes and genetic nucleotide sequence order in cellular and non-cellular genomes is structured language-like, i.e. follow combinatorial (syntactic), context-sensitive (pragmatic) and content-specific (semantic) rules. Without sign-mediated interactions no vital functions within and between organisms can be coordinated. Exactly this feature is absent in non-living matter.

Additionally the biocommunicative approach investigates natural genome editing competences of viruses. Natural genome editing from a biocommunicative perspective is competent agent-driven generation and integration of meaningful nucleotide sequences into pre-existing genomic content arrangements and the ability to (re)combine and (re)regulate them according to context-dependent (i.e. adaptational) purposes of the host organism.

>Para além da escrita – Fabiana Bruno e Etienne Samain em pesquisa inédita no campo da antropologia da imagem

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ÁLVARO KASSAB
Jornal da UNICAMP – Campinas, 2 a 8 de novembro 2009 – ANO XXIV – Nº 446

Uma caixa de 32 cm de altura por 18 cm de largura abriga mais que os seis volumes resultantes da tese Fotobiografia – Por uma Metodologia da Estética em Antropologia, de autoria da jornalista e pesquisadora Fabiana Bruno. Seu conteúdo, composto de seis quilos de matéria bruta, guarda tesouros imagéticos amealhados por cinco idosos ao longo de suas vidas. Para além do impressionante relicário de afinidades eletivas reunido em um não menos impressionante esforço de manufatura, a pesquisa ganha contornos inéditos no campo da antropologia da imagem ao apostar em uma metodologia que subverte a velha ordem: prioriza o visual – embora a escrita ganhe considerável espaço, tanto ancorada na fundamentação teórica como na transcrição de depoimentos dos cinco personagens. “Trata-se de um trabalho muito novo. Fabiana soube dar confiança às imagens”, atesta o professor e antropólogo Etienne Samain, orientador da tese, recém-defendida no Instituto de Artes (IA) e que contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Em parecer emitido recentemente, a agência de fomento sugere a publicação da tese, ressaltando a originalidade da pesquisa.

Fabiana vem se dedicando ao tema há oito anos, quando iniciou o mestrado, sempre com os mesmos informantes, à época todos octogenários e de alguma maneira vinculados à fotografia, fosse profissional ou afetivamente. Depois de abertos os baús de lembranças de Olga Rebellato Bruno, Manoel Rodrigues Seixas, Moacir Malachias, Celeste Pires da Costa Ferrari e Maria Teresa de Arruda, estas últimas já falecidas, a pesquisa não teve mais volta. Na dissertação, a jornalista dedicou-se ao trabalho de campo, experiência que pavimentaria posteriormente o recorte mais analítico da tese de mestrado.

No campo antropológico, emergiram reflexões acerca da velhice, da memória e da família. Na esfera da imagem – e seus aportes verbais –, as investigações resultaram no que Fabiana chama de “pequenos filmes de vida” que podem ser “montados, desmontados e remontados”. Das milhares de imagens revolvidas, Fabiana buscou a síntese trabalhando com conjuntos de 20, 10 e 3 fotografias, em escolha que passou pelo crivo dos informantes. Ali, naquelas pranchas, o roteiro foi escrito pela vida de seus protagonistas e reproduzido nas páginas da tese.

Os guardados

Para chegar à metodologia e à confecção de cinco fotobiografias, relembra Fabiana, o percurso foi longo e todo construído no trabalho de campo. A pesquisadora revela que a motivação inicial de sua proposta, entre outras, era tentar dimensionar o que significava, do ponto de vista afetivo, as fotos mantidas pelos idosos em seus baús, partindo do pressuposto de que, em razão da idade avançada, eram muitos os guardados. “Queria saber como essas pessoas interagiam com suas memórias no momento de escolherem as fotografias, já que eu tinha intenção de trabalhar com conjuntos de imagens. Obviamente, estaríamos falando de histórias de vida”, afirma a pesquisadora, ressaltando que optou, para poder seguir uma trilha original, por não predeterminar uma temática ou uma cronologia de vida.

Essa busca pelo novo a partir das fotografias, reforça a pesquisadora, priorizava o estudo visual, sem o descarte da fala – todas as entrevistas, por exemplo, foram gravadas, transcritas e utilizadas no transcorrer do trabalho de campo. Um ponto, entretanto, sempre a incomodou: o fato de a maioria dos trabalhos que se debruçam sobre histórias de vida, invariavelmente, usarem num primeiro momento a fotografia como algo que desperta a lembrança, para, depois de concluída essa tarefa, excluí-la do conjunto da investigação. A partir da constatação, surgiram as indagações. “Queríamos descobrir como dialogar e lidar com a fotografia numa pesquisa acadêmica, dando a ela o devido valor”.

A opinião de Fabiana é corroborada pelo professor Etienne, que coordena, no Departamento de Cinema do IA, o Grupo de Reflexão Imagem e Pensamento (Grip). Para o orientador da pesquisa, teria sido mais cômodo render-se ao modus operandi corriqueiro, por meio do qual, a partir de um leque de fotografias, procede-se o recolhe de memórias. Segundo o docente, trata-se do típico registro de história de vida. “A gente vai transcrevendo e depois deixa as fotos de lado. Elas acabam voltando para a gaveta”, critica o professor, para quem o trabalho de sua orientanda é totalmente novo por seguir na contramão dessa tendência.

“Ela tomou a sério as imagens para fazer não apenas uma história de vida verbal, mas também uma fotobiografia visual”, afirma Etienne, ressaltando que, embora não houvesse um método preconcebido, ele e Fabiana ficaram muito atentos aos passos que tanto os entrevistados como o próprio trabalho proporcionavam. “Se a gente perguntar hoje qual o método adotado, podemos oferecer uma cortina de elementos que nos parecem realmente novos. Outros poderão até ser eliminados. Mas a novidade é ter cinco álbuns, nos quais você diz tudo da vida das fontes – e o que elas escolheram”.

Dar valor ao que se vê não é caminho dos mais fáceis, reconhece Etienne. Na opinião do docente, as pessoas não são alfabetizadas para ver – e entender – o mundo por meio da imagem. O antropólogo ressalta que não se trata de desprezar a escrita, mas argumenta que o verbal também é uma dupla imagem. “Vamos imaginar uma folha de papel branca sobre a qual escrevo ou faço um retrato. Esse retrato, ou esse texto escrito, só vem à tona se contar com o suporte dessa página branca. Se isto é uma figura, o texto escrito é uma dupla figura, já que ele não pode emergir sem o suporte, essa tela de fundo – outra imagem. Ignoramos isso e reduzimos a escrita apenas à transcrição codificada de um alfabeto. É preciso repensá-la. Não descartamos a escrita, mas sempre damos o devido relevo, em cada etapa, às imagens”.

Embora esse tipo de reflexão seja recorrente no Grip, no qual ele conta atualmente com 9 orientandos, Etienne afirma que a pesquisa de Fabiana é um exemplo emblemático de como a imagem “pode ser portadora de pensamento” e de como as pessoas podem se sensibilizar com elas. “Entre elas, ou ao se associarem, essas imagens têm vida própria, independentemente de nós”, afirma o docente, que no momento organiza um livro, de cerca de 350 páginas, cujo título é O que (como) pensam as imagens?

O orientador da pesquisa enfileira as razões para inserir a investigação de Fabiana na categoria de seminal. Segundo ele, trata-se, antes de mais nada, de um trabalho generoso. Ademais, lembra o docente, a metodologia cresceu no transcorrer do trabalho. “Não partimos de uma teoria e muito menos tivemos a pretensão de fazer semiologia, semiótica etc. Tivemos, sim, a audácia de apostar no escuro, sem saber aonde o trabalho iria desembocar. Fomos redescobrindo a teoria a partir da prática, daquilo que se fazia”.

Etienne revela que, apesar de já ter orientado cerca de 35 trabalhos, este foi o primeiro que o envolveu desde o começo, além de ter sido o que despertou um número relevante de questões as quais nunca teria pensado, chegando ao ponto de rever seus conceitos acerca da antropologia, em razão de sua diversidade. “A pesquisa suscitou, em razão de seus aportes comuns, uma espécie de dubiedade que carecia de aprofundamento”, admite, elencando alguns desses pontos, entre os quais as questões da forma, do tempo e da memória da imagem. O esforço foi compensador. “Estamos notadamente fornecendo uma bibliografia enorme para quem vai se arriscar”.

Um desses conceitos aos quais Etienne se refere lhe é particularmente caro, e com frequência norteia suas incursões no campo da reflexão antropológica. Trata-se da definição feita pelo antropólogo Claude Lévi-Strauss, belga como o docente do IA, acerca da diferenciação do pensamento do chamado homem selvagem e do nosso, escrito antes da tetralogia Mitológicas. Na obra, Lévi-Strauss opõe o modo como ambos fazem ciência. Enquanto, segundo ele, o selvagem é sensível, concreto e ligado à natureza, o outro é mais racional e abstrato. Há, entretanto, um liame na intersecção dos dois pensamentos e ao qual Etienne se apega e reverencia a sua maneira: a arte.

O trabalho de Fabiana, na opinião de seu orientador, é um bom exemplo dessa interação. “É, ao mesmo tempo, ponto de partida e, talvez, o final de minha longa caminhada pessoal. O homem não é apenas um cego, um louco. Se quisermos reencontrar o ser humano, temos que pensar que a fusão das duas vertentes da realidade humana terá que ser muito melhor inserida no discurso antropológico. Os antropólogos que ainda não entenderam isto estão condenados ao formol”, opina o docente, para complementar. “Só faremos uma boa antropologia quando nela introduzirmos a arte”.

Essa dimensão artística, no caso da tese de Fabiana Bruno, dá-se em vários níveis e suportes, transcendendo a parte teórica, também densa – de Bateson a Godard. Uma revisão crítica ocupa os primeiros capítulos do trabalho. A própria confecção artesanal das fotobiografias é um exemplo da fusão entre os campos poético e estético, espécie de antídoto ao “analfabetismo visual”. Sobreposições e transparências permeiam todo o trabalho, criando um diálogo inusitado entre a imagem e a narrativa. A opção não foi aleatória. “Há sempre um recorte inicial e, em algumas fotografias, há uma transparência. Minha ideia é associá-la às camadas das memórias das pessoas, já que essas fotos foram escolhidas diversas vezes. Trata-se, em última instância, de uma metáfora”, revela Fabiana. As transcrições das narrativas, por sua vez, inovam na forma – de espiral à labiríntica – e não ignoram o som, o silêncio e as pausas.

Esse trabalho de “desconstrução” de álbuns de família tem o condão de permitir, observa Fabiana, uma nova leitura de suportes quase centenários, embora até se chegar a ela a autora da pesquisa enfrentasse dilemas inerentes a sua concepção. “Poderíamos ter feito tudo em formato multimídia. Isso resolveria todos os problemas, menos um, que era justamente relacionar imagem e escrita. A intenção era trabalhar com a dimensão do papel. Isso fazia parte do conceito”

Desnecessário dizer que a empreitada foi bem-sucedida. Os “filmes de vida” de cinco pessoas nascidas há quase um século podem ser vistos, “com autonomia”, segundo Fabiana, por qualquer interessado, inclusive por aqueles nascidos neste século. Resta saber como os álbuns de família serão configurados daqui para a frente, diante da avalanche multimídia. Isto para não falar da própria família. Bons temas para novas descobertas foram colocados na berlinda. Fabiana e Etienne estão atentos.

A síntese, por Fabiana Bruno

“A tese se configurou como um estudo verbo-visual, a partir das imagens (numa primeira instância, a fotográfica) e da memória representada pelas narrativas de histórias de vida de pessoas idosas. A conjugação do que chamamos verbo-visual se deu pela intersecção das operações de escolha, montagem e remontagem de fotografias guardadas por cinco pessoas idosas ao longo de suas vidas e dos relatos orais elaborados espontaneamente durante o percurso da pesquisa (entenda-se: três momentos de trabalho de campo e entrevistas, separados por um intervalo de tempo, que originaram a escolha e a montagem de conjuntos de 20, 10 e 3 fotografias). Desta maneira, a metodologia se deu essencialmente pela dinâmica do próprio trabalho de campo.

O propósito metodológico buscou desenvolver um modelo de pesquisa para utilização efetiva e de maneira sistematizada da imagem na composição de histórias de vida de pessoas idosas. Valorizando também as palavras/a verbalidade dos informantes, a tese priorizou as imagens e a montagem dessas imagens (reunião de fotografias distintas numa composição alusiva a um filme de vida), oferecidas pelas pessoas durante a pesquisa, como modo de conhecimento da própria história de vida e da configuração da memória. Este modo de conhecimento foi se dando a partir do estudo de como um conjunto de fotografias ordenadas por idosos poderia, quando associadas, serem capazes de dialogar, produzir pensamento e serem também ‘formas que pensam’ (Godard). Desta forma, considerando as histórias de vida pertencentes à Antropologia nos arriscamos a pensar este modelo, no campo antropológico, incorporando a dimensão visual-estética”.

Esta caixa contém:

Dimensões: 32 cm (altura)
x18 cm (largura) x 23,5 cm (profundidade)
Peso: 6 kg
1 volume – livro tese
5 volumes – Fotobiografias
5 cadernos de arranjos visuais
1 DVD com audiovisual dos informantes
150 fotografias relacionadas a histórias de vida
40 horas de entrevistas
738 páginas