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Aceito a expressão, mas racismo não é estrutural no Brasil, diz Muniz Sodré (Folha de S.Paulo)

Artigo original

Em novo livro, sociólogo diz que falta base científica ao conceito e propõe nova radiografia da discriminação racial

    18.mar.2023 às 23h00

    MAURÍCIO MEIRELES, repórter especial

    [RESUMO] Em novo livro, Muniz Sodré contesta o conceito de racismo estrutural, que a seu ver carece de base científica. Embora não se oponha ao uso da expressão, o sociólogo e colunista da Folha afirma que a discriminação racial no Brasil é difícil de combater por ser institucional e intersubjetiva, tendo como marca a negação do preconceito, e que teria se reconfigurado depois da Abolição com as ideias fascistas europeias. Sodré defende ainda que o pensamento da aproximação, manifestado em algumas situações brasileiras, traz oportunidade de combater o racismo.

    Muniz Sodré é um intelectual de luta. Faixa-preta de caratê, continua a praticar o esporte aos 81 anos. A idade só o obrigou a deixar para trás a capoeira, que ele treinou com mestre Bimba, um dos grandes capoeiristas do Brasil.

    Professor emérito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e colunista da Folha, ele é um dos mais influentes pesquisadores da comunicação no Brasil. Também é um dos obás de Xangô, espécie de ministros do Ilê Axé Opô Afonjá, um dos mais antigos terreiros de candomblé de Salvador.

    O sociólogo e colunista da Folha Muniz Sodré em seu apartamento no bairro Cosme Velho, no Rio – Eduardo Anizelli/ Folhapress

    Além de livros publicados sobre a mídia, Sodré também publicou obras acerca da cultura brasileira, em especial a cultura negra. Em seu novo lançamento, “O Fascismo da Cor” (Vozes), ele traça uma radiografia da discriminação racial no Brasil, construindo o argumento de que, passadas a Abolição e a Proclamação da República, uma outra forma de racismo se estabeleceu no país.

    Para o pesquisador, essa nova configuração tem laços com as ideias fascistas surgidas na Europa e com o eugenismo associado a elas. Um dos divulgadores desse discurso no país, lembra, era o escritor Monteiro Lobato.

    Além desse diagnóstico, Sodré dedica parte significativa do livro a contestar o conceito de racismo estrutural, tal como desenvolvido por Silvio Almeida, agora ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania. “Se fosse estrutural, já teria sido derrotado. O movimento negro é o movimento mais antigo da sociedade brasileira”, diz o autor, que propõe no lugar o conceito de “forma social escravista”.

    Em entrevista à Folha, Sodré analisa o perfil do racismo à brasileira e explica os motivos pelos quais discorda de Silvio Almeida. Ele também defende que as rodas de capoeira e os candomblés podem oferecer uma chave de saída para a discriminação racial.

    Na primeira metade do seu livro, o sr. contesta o conceito de racismo estrutural, hoje muito popular. Por que considera essa definição insuficiente para explicar o racismo no Brasil? 

    O conceito de estrutura é um conceito complexo. Primeiro, tenho que advertir que não tenho nada contra falar em racismo estrutural, porque acho que, do ponto de vista político, é bom, é fácil. Dá um ancoramento para a ideia de racismo aqui no Brasil.

    Mas eu digo que ele não é estrutural. Parto de coisas simples, como a frase do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, quando ele disse que, no Brasil, as estruturas são feitas para não funcionar. Ele está falando da estrutura jurídica, da estrutura econômica, e é verdade. As estruturas aqui são feitas para não funcionar. Por que a única a funcionar seria o racismo?

    Acho que o racismo funciona exatamente porque ele não é estrutural. Minha visão é que o racismo que existia no Brasil estava consolidado e ligado à escravatura. Portanto, a estrutura escravista existia. Há um livro do historiador Jacob Gorender em que ele mostra a estrutura existente na escravidão. Outros ensaístas, como Alberto Torres, mostram que era uma estrutura que funcionava.

    O Brasil se sustentou na escravidão, foi ela que fez a acumulação primitiva [de capital] aqui e foi a coisa mais bem-organizada neste país. Mas isso acabou com a Lei Áurea. Ao contrário do que acham alguns amigos meus escritores negros, a Abolição não foi uma farsa. Ela efetivamente acabou com a sociedade escravista e, portanto, acabou com a estrutura escravista, mas não acabou com o racismo. São duas coisas diferentes.

    Antes da Abolição, não era necessário um racismo atuante. Quatro quintos da população que trabalhavam como escravos eram torturados no Império de dom Pedro 2º. Mesmo assim, houve naquele momento uma classe média negra, uma intelectualidade negra que emergiu. Grandes figuras da literatura e das artes eram negras.

    O primeiro embaixador plenipotenciário do Brasil na Inglaterra, Francisco Jê Acaiaba Montezuma, era um negão baiano muito brilhante. Os artistas negros de Pernambuco formavam uma classe média com quase 2.000 pessoas. Só ouvimos falar deles hoje depois de livros focados nisso porque, como dizia Mário de Andrade, foi uma aurora que não deu dia. Quando veio a Abolição, se esqueceu de tudo isso. A cultura negra passou a ser a cultura popular, reconhecida muito tempo depois.

    Desenho de Angelo Agostini publicados na "Revista Ilustrada", que retrata a brutalidade do cotidiano escravocrata
    Desenho de Angelo Agostini publicados na “Revista Ilustrada”, que retrata a brutalidade do cotidiano escravocrata. Acervo Biblioteca Mário de Andrade
    Desenho de Angelo Agostini publicados na "Revista Ilustrada", que retrata a brutalidade do cotidiano escravocrata
    Desenho de Angelo Agostini publicados na “Revista Ilustrada”, que retrata a brutalidade do cotidiano escravocrata. Acervo Biblioteca Mário de Andrade

    Se o racismo brasileiro não é estrutural, qual seria a característica dele? 

    Ele é institucional. Defino no livro o que é estrutura. É um termo muito preciso na sociologia e na filosofia. O conceito pressupõe uma totalidade fechada de elementos interdependentes. Você pode falar, por exemplo, da estrutura jurídica: a doutrina do direito se reflete nos tribunais, no processo penal, nas leis. Isso é estrutural.

    Se dissermos que o racismo é uma estrutura, temos que mostrar qual é a interdependência dos elementos. Aí você diria que, quando se vai selecionar alguém para um emprego, só brancos são selecionados. Mas a estrutura é formal, tem uma forma escrita ou uma forma de costumes que é reconhecida por todos. A discriminação racial no Brasil não é reconhecida por ninguém. Nenhum Estado ou governante se diz racista. Às vezes, os racistas mais atrozes diziam que não eram racistas.

    A grande dificuldade do combate ao racismo no Brasil é que, aqui, a negação funciona. O grande mecanismo do racismo é a negação.

    Li o livro do Silvio Almeida (“Racismo Estrutural”), e ele não diz o que é uma estrutura. O racismo foi estrutural nos Estados Unidos, na África do Sul…

    Então, o sr. defende que, para ser estrutural, o racismo precisa estar explicitamente amparado pela burocracia do Estado. 

    Exatamente. Para mim, o racismo é institucional e intersubjetivo. Por isso ele é muito difícil de combater. Você não o pega. Se o racismo brasileiro fosse estrutural, já teríamos acabado com ele. O movimento negro é o movimento mais antigo da sociedade brasileira, ele vem desde a Abolição.

    Silvio Almeida fala de instituições que funcionam como uma correia de transmissão do racismo. 

    Sou obrigado a me perguntar: correia de transmissão a partir de onde? Quando Lênin diz que os jornais deveriam ser a correia de transmissão do partido para as massas trabalhadoras, você tem de um lado o partido, de outro, as massas, e no meio, o jornalismo.

    Sem dúvida, as instituições são uma correia de transmissão, mas não de uma estrutura. Onde é que está essa estrutura? No Estado? Mas o Estado não tem leis racistas, elas acabaram com a Abolição. Estão na economia? Não conheço leis econômicas racistas, conheço discriminações econômicas, mas não leis.

    Manifestantes pintam frase #vidaspretasimportam na avenida Paulista. Discriminação racial é o ato de discriminar alguém por conta de sua raça, origem étnica, cor e/ou condição que apresente diferença, com demonstração de suposta superioridade sobre a vítima e com o objetivo de anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou o exercício em igualdade de condições, de direitos e liberdades fundamentais no campo político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada
    Manifestantes pintam frase #vidaspretasimportam na avenida Paulista. Discriminação racial é o ato de discriminar alguém por conta de sua raça, origem étnica, cor e/ou condição que apresente diferença, com demonstração de suposta superioridade sobre a vítima e com o objetivo de anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou o exercício em igualdade de condições, de direitos e liberdades fundamentais no campo político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada. Folhapress/Bruno Santos – 21.nov.20
    Ato pelo Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, na avenida Paulista. RACISMO ou INJÚRIA RACIAL: A principal diferença entre o crime de injúria racial e racismo é a quem é dirigida a ofensa
    Ato pelo Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, na avenida Paulista. RACISMO ou INJÚRIA RACIAL: A principal diferença entre o crime de injúria racial e racismo é a quem é dirigida a ofensa . Folhapress/Jardiel Carvalho – 13.mai.21

    sistema tributário brasileiro, que pesa mais sobre os pobres, em sua maioria pretos e pardos, não tem um componente racial implícito? 

    Não tem uma implicação estritamente racial, são os pobres que pagam mais impostos. Entre eles, você tem claros e escuros —ainda que, sem dúvida, os salários mais baixos sejam dos negros. Acho importante que se estudem esses aspectos embutidos na economia, nas instituições, na remuneração da força de trabalho. Com esses dados, é possível intervir no debate público, tomar um partido antirracista.

    Não sou contra a expressão racismo estrutural, sou contra a cientificidade dela.

    O sr. disse que, depois da Abolição e da Proclamação da República, surgiu uma nova forma de racismo. Qual é o seu perfil? 

    O segundo ponto do livro é mostrar a diferença entre sociedade e forma social. Você não vai encontrar na literatura sociológica brasileira essa distinção, mas ela é feita por mim. A sociedade implica uma estrutura: ela tem uma interconexão de seus elementos, ou seja, o modo de produção está articulado com o sistema jurídico, com a política… Toda a visão marxista sobre a sociedade, para mim, é coerente. Nesse ponto, sou bem marxista.

    Mas a forma social é outra coisa. Ela é uma imagem que a sociedade projeta de si mesma, que ela tem ou quer ter de si. Isso nós temos individualmente: você tem uma imagem de si mesmo e quer que os outros reconheçam você como uma imagem válida.

    Isso também existe em termos coletivos. A imagem que a sociedade tem de si é gerida pelo Estado e pelas classes dirigentes. Ela pode ser oficial, mas também subterrânea, uma imagem oculta que existe e lhe determina. Isso eu chamei de forma social escravista.

    Aluna da Emef Ruben Bento Alves, em Caxias do Sul (RS), Sophya Domingues Marcos, 13, tem na família da mãe a afrodescendência
    Aluna da Emef Ruben Bento Alves, em Caxias do Sul (RS), Sophya Domingues Marcos, 13, tem na família da mãe a afrodescendência . /Carlos Macedo/Folhapress

    O que seria essa forma social escravista? 

    Ela é aparência, mas isso não quer dizer que seja uma ilusão. As aparências existem e continuam a existir por ter força, e é um erro querer lidar só com o que é material, concreto. Na forma social, falo de uma aparência que a sociedade quer ter sobre si mesma: as classes dirigentes querem se ver como brancas, europeias e cristãs, sem ter nada a ver com negros.

    Esse querer ver-se é a forma social. Dentro dessa imagem, se desenvolvem os mecanismos linguísticos, psicossociais, de subjetividade e de comunicação. Portanto, a aparência cria formas.

    Ou seja, acabou a escravidão, mas nasceu a forma social escravista. Ela mantém a escravidão como ideia e como discriminação institucional. Essa forma não é captada apenas objetivamente, não está em números. Portanto, não é pega pela sociologia quantitativa. São também as percepções, os afetos. A forma social é um conceito que vem da sociologia alemã e está na sociologia francesa contemporânea.

    O sr. dá um papel de destaque ao patrimonialismo nisso que chama de forma social. 

    A forma escravista está ancorada nesse modo de controle social que é o patrimonialismo, ou seja, no poder exercido por grandes famílias, pelo compadrio, pelo afilhadismo. Esse parentesco dominante no Brasil é branco e reproduz a forma social racista. Quis mostrar como essa forma é tão ampla, tão invasiva, tão maior que a estrutura que ela pode atingir o próprio preto. O preto pode se adequar a ela e ser racista contra pretos também.

    Vivemos essa forma no cotidiano. Podemos vê-la em explosões súbitas de fúria e agressões. No Maranhão, o cara estava passando com a mulher, veem um homem tentando abrir o próprio carro e acham que ele está tentando roubar o veículo. Aí os dois descem a porrada no homem. Quando foi jogado no chão, a mulher grita para o marido chutar a cabeça da vítima. O carro era dele. Isso é diário no Brasil.

    Kaique do Nascimento Mendes (de camisa da seleção) e seu advogado, Ewerton Carvalho
    Kaique do Nascimento Mendes (de camisa da seleção) e seu advogado, Ewerton Carvalho. Folhapress/Marlene Bergamo

    O sr. diz que essa nova manifestação do racismo está ligada ao fascismo europeu. Qual é a relação entre os dois fenômenos? 

    Diferentemente do período da escravidão, o racismo pós-abolicionista é plenamente doutrinário, ou seja, ele incorpora ideias europeias sobre o racismo. Essas ideias vêm principalmente da doutrina do eugenismo.

    Isso não coincide, em termos de data, só com o período pós-Abolição, mas, nesse momento no mundo, o eugenismo faz parte de uma atmosfera fascista. O que faz com que o fascismo se expanda para Portugal, Espanha e outros países é a questão da preservação do cristianismo e da pureza do homem europeu. É o nacionalismo extremado do homem branco.

    O racismo ocidental vem da Igreja Católica e é primeiro antissemita. O modelo do racismo [contra os negros] é o antissemitismo: as primeiras vítimas são os judeus, e os primeiros carrascos são os padres. Depois, isso se transfere para o negro. Os escritos do fascismo incorporam a ideia de eugenia e isso chega aqui muito tempo depois da Abolição, através de igrejas, mas principalmente por meio de intelectuais —Monteiro Lobato é o grande modelo.

    O fascismo é o espírito da época do racismo brasileiro. É dele que conflui, para as classes dirigentes brasileiras, a discriminação do negro, que já não era mais jurídica nem política.

    No livro, o sr. aponta Nilo Peçanha, que virou presidente em 1909 e era negro, como um caso a ser estudado. O que a história dele diz sobre o racismo à brasileira? 

    Examinaram pouco essa história. Nilo Peçanha veio de uma família pobre em Campos dos Goytacazes (RJ), a mãe era meio clarinha e o pai era preto, eram agricultores. Ele se tornou um político brilhante e abolicionista, mas não queria ser reconhecido como negro. Ele se maquiava para clarear a pele antes de ser fotografado, e as fotos eram retocadas.

    É o primeiro e único presidente negro do Brasil. É uma figura importante por mostrar esse mascaramento, ou seja, a tentativa de não parecer negro, que foi típico do mulato aqui no Brasil. A imprensa o ridicularizava. Faço uma análise linguístico-filosófica do discurso racial, mostrando como ele é atravessado pela ambiguidade. Quis mostrar como há jogos de linguagem no discurso racista, para mostrar como a forma social escravista opera.

    Nilo Peçanha lê jornais

    Retrato de Nilo Peçanha – Reprodução

    Há algumas semanas, participantes do Big Brother Brasil expressaram medo de um colega por ele seguir uma religião afro-brasileira. Qual o papel do medo na consolidação do racismo no país? 

    O medo é um elemento importante nas relações hierárquicas. Torturavam-se escravos para infligir medo. Uma tortura podia começar porque a sinhá achava que o negro olhou atravessado para ela.

    Mas o medo é uma faca de dois fios. O torturador tem medo também. Temer os negros foi algo que se intensificou com a Revolta dos Malês, em 1835, mas já vinha do Haiti e de Cuba e se disseminou entre as classes brasileiras.

    Mas como esse medo de revoltas negras nas Américas se transforma no medo de manifestações culturais? 

    O racismo cultural é o racismo do sentido que o outro produz. Junto com ter medo físico do negro vem, principalmente depois da Abolição, ter medo da cultura afro, do feitiço, que era um ponto de repulsa e atração, porque a classe média branca sempre se consultou nos cultos afros.

    Como você sabe, eu sou de candomblé, da hierarquia do Ilê Axé Opô Afonjá. Conheci ao longo da vida professores razoáveis, ateus, que têm medo do pertencimento ao candomblé. A pessoa não acredita em nada, mas tem medo. Isso é o preconceito.

    Ao mesmo tempo que há esse preconceito, as artes brasileiras promoveram uma celebração da cultura afro-brasileira, como na obra de tropicalistas ou de Jorge Amado. Como o racismo brasileiro comporta essa contradição? 

    Porque ele não é estrutural [risos] e essa celebração não foi insurrecional.

    Conheci bem o Jorge Amado. Ele dizia que não acreditava em nada, mas era do Axé Opô Afonjá como eu. Não viajava de avião sem que uma mãe de santo fizesse um jogo para ele, porque morria de medo. Quando me confirmei como obá de Xangô, Caymmi entrou comigo. Quando eu estava na Bahia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, esse pessoal não era de candomblé. Hoje, Gil também é obá de Xangô.

    Quando digo que essas celebrações na cultura brasileira não representam uma insurreição, quero dizer que não são algo contra o Estado, é mais uma posição existencial. Mas celebrar o candomblé é celebrar aquilo que a cultura afro traz de mais precioso, o apego à vida.

    Se o catolicismo é a religião do amor universal irradiado de Cristo, o candomblé é a alegria, uma alegria litúrgica. Quem é baiano é atravessado por essa liturgia. Jorge Amado foi o grande romancista disso. Ele inventa uma Bahia, a língua da Bahia para fora é o jorge-amadês. Todas aquelas histórias são e não são inventadas.

    Filhas de santo com trajes rituais e colares de conta nas cores de seus orixás, no terreiro Ilê Axé Oyó Ibessi, de pai Gegeo, no bairro Faceira, em Cachoeira, Recôncavo Baiano 
    Filhas de santo com trajes rituais e colares de conta nas cores de seus orixás, no terreiro Ilê Axé Oyó Ibessi, de pai Gegeo, no bairro Faceira, em Cachoeira, Recôncavo Baiano . Raul Spinassé/Folhapress/
    Filha de santo na subida que dá acesso ao terreiro Ilê Axé Oyó Ibessi em Cachoeira, no Recôncavo Baiano; ao fundo, o Rio Paraguaçu e, na outra margem, a cidade de São Félix
    Filha de santo na subida que dá acesso ao terreiro Ilê Axé Oyó Ibessi em Cachoeira, no Recôncavo Baiano; ao fundo, o Rio Paraguaçu e, na outra margem, a cidade de São Félix . Raul Spinassé/Folhapress

    Abdias do Nascimento via um racismo implícito na obra de Jorge Amado. 

    Jorge Amado é o ideólogo do povo nacional, e esse povo nacional era um povo mestiço, os baianos. Ele vai encontrar o modelo dessa mestiçagem no candomblé, em que essa mestiçagem não é só ideológica, é cultural também.

    No Axé Opô Afonjá, eu já vi padre bater cabeça, já vi judeu bater cabeça. É isso que sempre atraiu Jorge Amado. Quando Jean-Paul Sartre esteve na Bahia, passou o dia inteiro no Axé Opô Afonjá, sentado com mãe Senhora.

    No livro, o sr. tenta destacar as particularidades do racismo no Brasil, traçando a diferença em relação aos Estados Unidos. Nos últimos anos, alguns intelectuais têm criticado o que veem como uma influência excessiva do pensamento racial americano no debate público brasileiro. Como avalia essa questão? 

    Os negros americanos são diferentes. Acho que nossas condições de luta e opressão são bastante diferentes e o que é igual é a cultura negra. O samba nasceu na Praça 11 nas mesmas circunstâncias que o jazz nasceu na praça Congo, em Nova Orleans. Nasceu do candomblé, com os baianos que civilizaram o Rio de Janeiro.

    Falo da cultura como a vitalidade do povo. O que é forte nos Estados Unidos vem dos negros, nada é mais forte que a música, que o jazz. Isso cria uma ponte, é como se o ritmo viajasse pelos Estados Unidos, pelo Caribe, por Cuba, e essa ponte não está sob a égide do Estado, é também uma forma social.

    Em um mundo com trocas possibilitadas pelas tecnologias da informação, seria necessário pensar o racismo com um recorte global em vez de apenas nacional? 

    O pensamento nacional, se for forte, vai ser global. O pensamento global não atinge o núcleo do racismo, que está em conformações nacionais. O combate aqui no país tem que ser pensado em termos brasileiros para ser suficientemente forte e se irradiar transnacionalmente. É algo que o Brasil pode oferecer ao mundo, uma chave de saída do racismo.

    Como? 

    O principal modo de combater o racismo não é pensar intelectualmente a diferença. Não dou muita atenção a toda essa coisa de proteger linguisticamente a diferença, por exemplo. A filosofia da diferença é a grande filosofia moderna, que fala da necessidade de aceitar o diferente. É um pensamento avançado e global.

    Mas, para mim, o principal modo de combater o racismo é o pensamento da aproximação, que é mais completo. É o morar junto, a vizinhança na escola, no trabalho, nas relações amorosas. A aproximação está em qualquer unidade que se possa construir, e o racismo se exacerba quando os diferentes estão próximos.

    O Brasil já é um país que tem as oportunidades de aproximação pela própria heterogeneidade da população. Temos que pensar as diferentes formas de existir no Brasil e aprender com elas. Onde você não encontra racismo aqui? No Axé Opô Afonjá, no candomblé de Menininha do Gantois, no terreiro da Casa Branca, nas rodas de capoeira. Será que não pode vir daí uma lição?

    Não é que as pessoas sejam perfeitas, mas há modos de vida ali que são antirracistas. São casos pequenos, mas é do pequeno que você começa a pensar o grande. Foi assim que Davi matou Golias.

    O FASCISMO DA COR: UMA RADIOGRAFIA DO RACISMO NACIONAL
    • Preço: R$ 54,90 (280 págs.); R$ 41 (ebook)
    • Autor: Muniz Sodré
    • Editora: Vozes

    Eduardo Paes, quando cai o Pix do Cacique Cobra Coral? (Lu Lacerda/IG)

      Por Redação,

      Cadê os trabalhos do Cacique Cobra Coral para o carnaval carioca, prefeito? /Foto: Reprodução G1/Marcelo Brandt

      A frequência de Eduardo Paes no Centro de Operações Rio (COR) tem aumentado nas últimas semanas. O prefeito tem até um quartinho no prédio da Cidade Nova, como mostrou em vídeo, nessa segunda (13/02), para casos emergenciais, o que acontece bem pouco, já que ele não dorme. 

      No entanto, cariocas e turistas estão preocupados com a previsão de chuva forte para os dias de carnaval e já estão pedindo que Paes contrate os serviços da Fundação Cacique Cobra Coral, quer dizer, da médium Adelaide Scritori, que diz incorporar o espírito que espanta as águas e cujo trabalho funcionou no réveillon. Supõe-se! 

       Nas redes, comentários como “essa chuvarada constante no Rio me faz acreditar que o Cacique Cobra Coral já até recebeu o Pix do carnaval. Seria a única explicação para esse sofrimento atual. Estamos nos sacrificando em prol de um bem maior”, “Dudu, pague o Cacique Cobra Coral imediatamente!”, “acompanhando com preocupação a previsão do tempo para os dias de carnaval. Pensando em fazer uma vaquinha e contratar o Cacique Cobra Coral pra garantir sol até a Quarta-Feira de Cinzas” e assim vai.

       Além do réveillon, a fundação também fez um trabalho para a posse de Lula em Brasília, já que a previsão do dia 1º de janeiro era de chuva. Mas a fundação não está vinculada a nenhum grupo político ou ideológico, tanto que também fez serviços na posse de Bolsonaro, em 2019. Hoje, a fundação atende clientes em 17 países de 4 continentes, com histórias de sucesso.

      Posse de Lula: Cacique Cobra Coral diz que foi chamado para garantir que não chova na cerimônia (O Globo)

      oglobo.globo.com

      Por Luiz Ernesto Magalhães

      01/01/2023 11h18


      Menos de 24 horas depois de trabalhar por um réveillon sem chuvas no Rio de Janeiro, a médium Adelaide Scritori, que diz incorporar o espírito do Cacique Cobra Coral, capaz de manipular o clima, se movimenta agora para que não caia um pingo d’água na cerimônia de posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva em Brasília. O porta-voz da instituição, Osmar Santos, chegou há pouco à capital em uma ”missão de reconhecimento”’ e diz que foram chamados a pedido de uma pessoa ligada à Janja, futura primeira-dama do país.

      — Fomos convocados por uma pessoa ligada à primeira-dama, Janja. O tempo já melhorou em Brasília. Na hora da posse, o céu pode até ficar nublado. Mas não vai chover. Para isso, a intervenção atingirá todo Centro-Oeste. Por isso, antes de voltar ainda hoje para o Rio, vou ter que passar em Goiás para passar informações para Adelaide — disse Osmar.

      O porta-voz contou que, em 2019, a Fundação também foi chamada para agir na posse de Jair Bolsonaro que deixa o cargo neste domingo. Mas na ocasião, o combinado era garantir que não chovesse enquanto o Rolls-Royce que tradicionalmente transporta os presidentes eleitos passasse pela Esplanada dos Ministérios.

      — Não atendemos a um determinado governo. Mas instituições públicas: Presidência da República, governos dos Estados e prefeituras — explicou Osmar.

      A médium já atuou em dezenas de situações com governos. O GLOBO, por exemplo, registrou a presença do cacique e o porta-voz em Copenhague, em 2009, quando o Rio era finalista para organizar a Olimpíada de 2016. Nos Jogos Olímpicos de Londres (2012), a Fundação Cacique Cobra Coral também atuou. Coincidência ou não, os jogos foram disputados em um ambiente mais quente que o normal para os padrões britânicos.

      Nos próximos meses, a médium deve passar uma temporada na Europa. A ideia é tentar ”esquentar” o inverno da região, para evitar uma crise energética países não dependam tanto do gás russo.

      — Ainda vamos avaliar se essa intervenção será a partir do Reino Unido, Espanha, Alemanha ou Itália — acrescentou o porta-voz.

      Fundação Cacique Cobra Coral e o Réveillon no Rio de Janeiro, 2023

      oglobo.globo.com

      Réveillon 2023: com previsão de chuva em Copacabana, produção chama cacique Cobra Coral para tentar virar o tempo (O Globo)

      31/12/2022

      Adelaide Scritori, médium contratada pela produção do réveillon em Copacabana. Reprodução

      O clima é de festa, mas também de chuva no Rio na noite deste sábado. Para não atrapalhar as celebrações de quem vai comemorar a chegada do novo ano ao ar livre, a produtora dos shows que vão acontecer na praia de Copacabana pediu uma ajudinha mística: convocou a médium Adelaide Scritoi, que diz incorporar o cacique Cobra Coral, para intervir no tempo.

      A última vez que Adelaide participou da festa foi em 2019, antes da pandemia. Com a intervenção, o produtor Abel Gomes disse não acreditar em chuva na hora da virada e aposta até no aparecimento da lua no céu.

      — Na verdade, ela já está atuando. Hoje está chovendo, mas tivemos dias maravilhosos de sol antes disso, o que ajudou na montagem das estruturas — disse Abel.

      A Fundação Cacique Cobra Coral é uma entidade esotérica brasileira, com sede em Guarulhos, São Paulo. É conhecida por manter contratos com empresas e órgãos governamentais para intervir misticamente no tempo e garantir tempo firme durante realização de eventos como o réveillon.

      Chuva a qualquer hora

      As áreas de instabilidade que atuam sobre o Estado do Rio tendem a enfraquecer no fim de semana, mas não vão se dissipar e não dá para descartar a chance de chuva. Em Copacabana, o céu nublado predomina no sábado, com sol entre nuvens pela manhã e pancadas de chuva com raios à tarde e à noite, o que pode atrapalhar os planos de quem planeja celebrar ao ar livre. A tendência, segundo o Climatempo, é que a chuva enfraqueça até a hora da virada, mas tem chance de persistir de forma fraca e passageira. O panorama é o mesmo tanto para a capital, quanto para o restante do estado do Rio de Janeiro.

      — No momento da virada para 2023 ainda deve haver bastante nebulosidade e possibilidade de chuva fraca. Ao longo do dia, as temperaturas variam de 20 a 29 graus na cidade do Rio. Na virada, deve estabilizar em torno de 23 graus. O domingo deve amanhecer com sol e algumas nuvens, mas pancadas de chuva moderada a forte voltam a acontecer no decorrer da tarde e da noite, em vários pontos da cidade. Os termômetros variam entre 19 e 31 graus — informa Josélia Pegorim, meteorologista da Climatempo.

      Na Região dos Lagos, o sábado vai ter bastante nebulosidade com chance de chuva a qualquer hora.

      — Há possibilidade de chuva fraca e moderada inclusive na hora da virada, mais precisamente em Búzios e Cabo Frio. As áreas de chuva devem perder força ao longo da madrugada do dia 1º. Já o domingo tem previsão de períodos com sol já pela manhã, mas pancadas de chuvas com raios voltam a acontecer durante a tarde e à noite, podendo ser moderadas a fortes — acrescenta a meteorologista.

      O clima vai estar abafado, segundo explica a meteorologista. Nos dois municípios, a temperatura mínima é de 20 graus e máxima é de 25, no sábado. No primeiro dia do ano a máxima sobe para 27. A segunda-feira segue a tendência de aumento, com 30 graus de máxima, podendo, no entanto, ter pancadas de chuva à tarde e à noite.

      A terça-feira promete ser o melhor dia da semana para aproveitar praia: o calor chega ao ápice, com 31 graus de máxima, bastante sol e sem previsão de chuva. Mas tem que aproveitar: na quarta-feira, outra frente fria chega ao estado.

      — A primeira semana do ano, que começa com tendência de melhora, com sol e tempo mais firme, vai ser interrompida com frente fria, nebulosidade e risco de temporais no estado do Rio, a partir de quarta-feira — conclui Josélia.


      lulacerda.ig.com.br

      De duas uma: ou os institutos não adiantam nada ou o cacique Cobra Coral é mesmo incrível (LuLacerda)

      Por Redação, 01/01/2023


      Réveillon carioca foi sem chuva, contrariando as previsões /Foto: Alexandre Macieira/ Riotur

      Depois desse réveillon, pode-se dizer que o prefeito Eduardo Paes começou bem o ano. Pelas previsões do tempo dos mais considerados institutos, o sábado (31/12) seria de chuva forte com trovoadas, intercaladas com breves aberturas de sol, e a meia-noite debaixo d’água era praticamente certa. No entanto, aconteceu exatamente o contrário: sol reinando, praias lotadas e uma virada dos sonhos nas areias de Copacabana, para alegria de três milhões de pessoas espalhadas nos nove palcos – segundo dados da prefeitura. “Foi uma noite incrível. Depois de dois anos, o maior réveillon do mundo voltou, e retomamos a festa. Cariocas e turistas celebraram a chegada de 2023 em clima de paz, harmonia, amor e ao som de artistas incríveis”, disse Paes neste domingo (01/01).

      Nas redes, o “milagre” tem nome: o cacique Cobra Coral — ou melhor, a médium Adelaide Scritori, que declara incorporar a entidade para intervir no tempo —, contratado pela prefeitura para a “limpeza” dos céus, na sexta (30/12), quando, segundo amiga, Paes acendeu até um charuto e recebeu a bênção do cacique com galhos de arruda, contra inveja e outros males. Entre os comentários, “não choveu no rio – a grana gasta com o cacique Cobra Coral sempre compensa, impressionante”, “a meta era não ter político de estimação, mas um dos obstáculos é Eduardo Paes. O prefeito contratou o cacique, limpou o céu, e ainda brotou no palco durante o show do Zeca Pagodinho tocando pandeiro!”, “é só andar na fé dos cariocas, que milagres acontecem. Contrariando as previsões, com a valiosa colaboração da Fundação Cacique Cobra Coral, o réveillon de Copacabana não viu um pingo de chuva”… e por aí vai. 

      A Fundação Cacique Cobra Coral é uma entidade esotérica brasileira, com sede em Guarulhos, São Paulo. É conhecida por manter contratos com empresas e órgãos governamentais para intervenções místicas e garantir tempo firme durante a realização de eventos.


      mv.mixvale.com.br

      O primeiro amanhecer de 2023 no Rio: Copacabana tem areia cheia e sol (Mix Vale)

      Por Agência O Globo – 01/01/2023


      Não faz muito tempo que nos despedimos de 2022. A vontade de celebrar a chegada de 2023 era tanta que às 6h do primeiro dia do ano, as areias de Copacabana, na Zona Sul do Rio, continuavam cheias. O número de pessoas vistas pode até parecer tímido perto dos mais de 2 milhões que ocuparam a orla da princesinha do mar. Shows e um espetáculo de 12 minutos de queima de fogos deixaram no passado a saudade de comemorar a chegada de um novo ano com pé na areia. A volta, enfim, ao normal após dois anos de pandemia da Covid-19.

      Quem ficou de fora da festa foi a chuva, que prometia cobrir a cidade ao longo de todo o último dia do ano. Pelo visto, perdeu a hora para chegar na cidade. Já o sol garante presença no dia 1º desde as primeiras horas da manhã. A produtora do evento, que assumiu o comando numa revira-volta de última hora na organização da festa, disse ter contratado a Fundação Cacique Cobra Coral para garantir o tempo firme e a curtição da festa sem capa ou guarda-chuva para mudar o look.

      Mas a tendência é de que o cenário mude, segundo o Alerta Rio, neste domingo. A previsão é de céu parcialmente nublado a nublado e de pancadas isoladas de chuva no período da tarde, acompanhadas de raios. Os ventos estarão fracos a moderados e as temperaturas permanecerão estáveis e elevadas, com máxima de 34°C, um pouco mais a cara da estação.

      Behind Argentina’s World Cup Magic, an Army of Witches (N.Y. Times)

      nytimes.com


      Magalí Martínez, a self-proclaimed witch, is one of hundreds who has used magic to try to help Argentina’s soccer team.
      Magalí Martínez, a self-proclaimed witch, is one of hundreds who has used magic to try to help Argentina’s soccer team. Credit: Anita Pouchard Serra for The New York Times

      France might have its star Kylian Mbappé, but Argentina has hundreds of “brujas” casting spells to protect Lionel Messi and the rest of its national squad.

      Jack Nicas and Ana Lankes

      Jack Nicas and Ana Lankes met with witches in Buenos Aires and in Lionel Messi’s hometown, Rosario, Argentina, for this article.

      Dec. 17, 2022

      Magalí Martínez knew something was off: The seemingly invincible soccer star Lionel Messi was scuffling on the soccer pitch. To her, it looked like he was afflicted with a supernatural curse that has roots in different cultures across history, the “evil eye.”

      So Martínez, a self-proclaimed witch and part-time babysitter, got to work. She focused intensely on Messi, began repeating a prayer and drizzled a bit of oil into a bowl of water. If the oil remained dispersed, he was safe. If it collected in the middle, he was cursed.

      “It came together like a magnet,” she said. “I knew I wouldn’t be able to cure him alone.”

      She went to Twitter and called on her fellow witches across Argentina. “Evil-eye healing sisters, Messi is very affected,” she said. “I need your help.”

      A thousand people shared her tweet, with many saying they, too, were witches and would work to protect Argentina’s golden boy.

      Argentina has not lost since.

      The bookkeepers have set their odds, gamblers have placed their bets and the experts have made their picks for Sunday’s World Cup final between Argentina and France, but their analysis of the matchup — focused on just the 22 players on the field — might not be considering a wild card: Argentina’s army of witches.Witches in Argentina have formed groups to give their soccer team a magic boost ever since the team’s first loss in the World Cup.Credit…Anita Pouchard Serra for The New York Times

      In recent weeks, hundreds, if not thousands of Argentine women who call themselves “brujas,” or witches, have taken up arms — in the form of prayers, altars, candles, amulets and burning sage — to protect their nation’s beloved soccer team in its quest to secure a third World Cup title and its first in 36 years.

      “We think of ourselves as agents that, from love, can take care, protect and sow happiness,” said Rocío Cabral Menna, 27, a witch and high-school teacher in Messi’s hometown, Rosario, who burns a bay leaf inscribed with her predicted score in a ceremony before each match. The players are competing on the field, she said, and at home, “the witches are taking care of them.”

      The trend caught fire after Argentina’s shocking loss to Saudi Arabia in the opening match, causing Argentines to search for any way to help the team on which this nation of 47 million has pitted its hopes.

      After that match, several witches started a WhatsApp group to instruct other witches on how to help the national team. They called it the Argentine Association of Witches, or La Brujineta, a play on “bruja” and “La Scaloneta,” Argentina’s nickname for its national team.

      “I thought there were going to be 10 people at most,” said the group’s founder, Antonella Spadafora, 23, a witch who runs a convenience store in a city in northwest Argentina. Within days, more than 300 people had joined the group. Last week, there was so much demand that they started a Twitter account. It has gained 25,000 followers in seven days.

      “We got tired of being closet witches,” said Andrea Maciel, 28, a witch and graphic designer in Buenos Aires who now helps manage the group.

      The witches said their main focus is to use rituals to absorb negative energy from Argentina’s players and exchange it with good energy. That, however, leaves them exhausted.

      Rocío Cabral Menna is a witch, poet and literature professor in Rosario, Argentina, the hometown of Lionel Messi.
      Credit: Sebastián López Brach for The New York Times
      Cabral Menna works with tarot cards and candles to help Argentina’s team.
      Credit: Sebastián López Brach for The New York Times

      “Headaches, dizziness, vomiting, muscle pain,” Spadafora said. “We are absorbing all the bad vibes,” she added. “It wears you down a lot, because these are very public figures who have so much negative energy from other people.”

      So, to divide the burden, the group leaders now split the witches into groups before every match, each focused on protecting a certain player.

      While many of the witches said they are working to look after Messi and his teammates, others are attempting to cast spells on opposing players, particularly the goalkeepers. One ritual involves freezing a slip of paper with the name of a player on it, saying a curse and then burning the frozen paper just before the match.

      But the Brujineta group warned that trying to curse France could backfire, particularly because of the team’s star forward, Kylian Mbappé.

      “We do not recommend freezing France, as their players are protected by dark entities and the energy can bounce back!!” the group announced on Twitter on Wednesday. “We saw very dark things in the French team and especially in Mbappé. Please share!!!”

      The witches focused on the World Cup represent a wide variety of occult disciplines, more New Age than ancient and Indigenous. Practices include black magic, white magic, Wicca, Reiki, Tarot, astrology, and healers of the evil eye and other ailments.

      Some women said they were born with special abilities, while others said they developed their skills through study. Several said they began practicing witchcraft as part of a growing feminist movement in Argentina that began in 2018 with the fight for legal abortion.

      “I think we all have magic inside,” said Cabral Menna.

      But the witches are far from the only Argentines trying to help their team in the supernatural realm. On game days, many more Argentines have been practicing some sort of cábala, or superstition designed to avoid causing any bad luck to their team. The cábalas often involve people sticking to the exact same routine if the team is winning, including where they watch the game, with whom, in what clothes, at what volume and on which channel.

      Jesica Fernandez Bruera, an astrologer in Rosario.
      Credit: Sebastián López Brach for The New York Times
      During Argentina’s matches, Fernandez performs several rituals, such as burning laurel leaves.
      Credit: Sebastián López Brach for The New York Times

      The practice is so mainstream that millions of Argentines likely practice some sort of cábala, a word that derives from kabbalah, a Jewish mystical tradition. Cábalas have been especially pronounced this year after Argentina’s loss in its opening match.

      Adrián Coria, Messi’s childhood coach in Rosario and later on the national team, said that he watched the first loss with his family in his living room. Then his wife and daughter sent him to a small cabin in the backyard for the second match. “Alone,” he said. He has since watched the rest of the World Cup there.

      Cabral Menna, the witch from Rosario, said she and her mother watched Argentina’s first victory in her mother’s bedroom. “It’s the only part of the house without air conditioning,” she said. “It’s very hot. But we’re not going to move.”

      And Sergio Duri, the owner of a restaurant in Rosario with Messi’s signature on the wall, said he now watches the matches in his kitchen with one dachshund, Omar, while his wife watches them in their bedroom with the other dachshund, Dulce. “If this comes out, everybody will know that we’re all completely crazy,” he said. “But these are cábalas, you know?”

      The players are also practicing cábalas. Alejandro Gómez, Leandro Paredes and Rodrigo de Paul, three midfielders, have taken to walking around the pitch an hour before kickoff while chewing candy, a tradition they started last year when Argentina won the Copa América, South America’s premier soccer tournament.

      During Argentina’s matches, Maia Morosano performs rituals to lead to a win, such as burning certain herbs.
      Credit: Sebastián López Brach for The New York Times
      Morosano, who is from Rosario, is also a poet.
      Credit: Sebastián López Brach for The New York Times
      Morosano casting spells for the national team.
      Credit: Sebastián López Brach for The New York Times

      So now the question for the witches is: What will happen on Sunday?

      “We don’t want to give information as if we have the absolute last word,” Spadafora said. “But obviously we have started working, and obviously we have checked with most of the means at our disposal — esoteric means, for example, pendulums, Tarot, all the divination methods — and it indicates that Argentina is going to win.”

      Azucena Agüero Blanch, a 72-year old professional fortune-teller once consulted by former President Carlos Menem, has also explained that she is working with magical stones to ensure an Argentina victory. “Many people who are pushing for Argentina to win have called on me to work on this,” she told an Argentine newspaper.

      On Friday night, Martínez was in her candlelit home in Buenos Aires wearing a robe covered in tigers and lighting candles at an altar that included burned sandalwood; Ganesha, the elephant-headed Hindu god; and a photo of Diego Maradona, the late Argentine soccer star who is something like a deity to many in this country.

      Martínez said she has a series of methods to protect the national team, including a practice that involves swinging a pendulum, or a wooden cylinder on a string, above a player’s jersey number and then burning cotton doused with a mistletoe tincture. She said she follows the news for updates about players’ ailments and then uses the pendulum to help alleviate them. “The pendulum is the most powerful tool I have,” she explained.

      She said she has also had psychic moments during matches. During Argentina’s match against Australia on Dec. 3, she said she had a vision of the Argentine forward Julián Álvarez celebrating a goal.

      At 5:13 p.m., she tweeted: “Julian Alvarez I want your goal 🕯👁🕯👁🕯.”

      Four minutes later, Álvarez scored.

      Tarot sets used by Violeta Parisi, a witch in Buenos Aires.
      Credit: Anita Pouchard Serra for The New York Times
      Parisi, 24, is one of the hundreds of witches across the country practicing magic to help their national team.
      Credit: Anita Pouchard Serra for The New York Times
      An altar in Parisi’s bedroom.
      Credit: Anita Pouchard Serra for The New York Times

      Natalie Alcoba contributed reporting.

      The Dos and Don’ts of Living in a Haunted House (New York Times)

      nytimes.com

      Anna Kodé


      Many Americans believe that their home is inhabited by ghosts, a conviction that researchers attribute to the rise of paranormal-related media, a decline in religious beliefs and the pandemic.

      A man with short brown hair and a salt-and-pepper beard sits at a dining room table. His face is illuminated by a chandelier hanging from the ceiling. Several paintings and photographs hang on the walls. The room includes a large window and a chair and small buffet. All furnishings are antique.
      Shane Booth in his dining room where he said the bulk of the paranormal activity happens at his home in Benson, N.C.Credit: Eamon Queeney for The New York Times

      Oct. 26, 2022

      How to Live With a Ghost

      On a routine afternoon, Shane Booth, a photography professor living in Benson, N.C., was folding laundry in his bedroom, when he was startled by a loud, crashing noise. He stepped out to find a shattered front window and his dog sitting outside it. He was confused, how could his dog have jumped through the window with enough force to break it?

      After cleaning up the glass, Mr. Booth came back to his room, where all of the clothes he had just folded were scattered and strewn about, he said. “That’s when I thought, this is actually really scary now,” said Mr. Booth, 45.

      In an interview, Mr. Booth described several other inexplicable, eerie encounters that have led him to believe that his century-old house is haunted. Pictures that he’d hung on the wall he’d later discover placed perfectly on the floor with no broken frames to indicate a fall. He noticed vases moved to different locations, had momentary sightings of a ghost (an old man), and heard bellowing laughter when no one else was in the house. “There’s so many little things that sporadically happen that you just can’t explain,” he said.

      Many Americans believe that their home is inhabited by someone or something that isn’t a living being. An October study from the Utah-based home security company Vivint found that nearly half of the thousand surveyed homeowners believed that their house was haunted. Another survey of 1,000 people by Real Estate Witch, an education platform for home buyers and sellers, found similar results, with 44 percent of respondents saying that they’ve lived in a haunted house.

      Researchers attribute increasing belief in the supernatural to the rise of paranormal-related media, a decline in religious affiliation and the pandemic. With so many people believing that they live with ghosts, a new question arises: How does one live with ghosts? Are there ways to become comfortable with it, or certain actions to keep away from so as not to disturb it?

      In a person’s left hand is a cellphone showing a black and white photograph of a small white church with a steeple and a human figure standing in front of it.
      Mr. Booth holds a cellphone showing a photograph of the church that is now his home in Benson, N.C.Credit: Eamon Queeney for The New York Times

      Mr. Booth’s house was originally built as a Baptist church in 1891, he learned through some digging online. The religious ties made him think that maybe the unearthly happenings could be because he was gay, and the spirits weren’t welcoming of that. However frightening those experiences may get at times, Mr. Booth has made a sort of peace with it.

      “I love this house. I’ve made it my space, and I don’t want to let anything kick me out,” Mr. Booth said. “When things happen, I talk to it and say, ‘Hey, calm it down.’”

      While cohabiting with a spirit could be a fearful experience, some people enjoy it or, at the least, have learned how to live with it.

      “I’m not opposed to a little bit of weird,” said Brandy Fleischer, 28, who lives in a house that was originally built in the 1800s in Genoa City, Wis. Ms. Fleischer said that she believes the house is haunted, and that one of the ghosts is named Henry. This, she figured out by placing a pendulum above a board with letters on it and asking the spirit to spell its name, she explained. “He likes to play pranks. He’ll move shoes around,” she said.

      Ms. Fleischer wasn’t always so comfortable with the phantoms, though. “The very first time I walked in the door, it felt like I was walking into a party that I wasn’t invited to. It felt like everyone was looking at me,” she said, “but I couldn’t see them.”

      An upstairs hallway has worn hardwood floors and a wooden banister leading to stairs. Two large windows of two different rooms can be seen through open doors.
      The interior of Brandy Fleischer’s home.Credit: Via Brandy Fleischer

      She compared living with ghosts to having roommates — these just happen to be ones she didn’t ask for. Ms. Fleischer has been able to get a sense of what to avoid in order to coexist harmoniously with Henry. In particular, when people in the house are squabbling, it bothers him, she said. “He’s slammed a drawer to interrupt an argument,” she said.

      Some people believe that ghosts can follow them from one house to another.

      Lisa Asbury has lived in her home in Dunlap, Ill., for three years now. But the paranormal activity she’s observed began in her old home in 2018, following the death of her husband’s grandfather, and is identical to what she’s been experiencing now, she said. Ms. Asbury, 43, said that she’s seen objects fly off shelves, lights flash in multiple rooms and fan blades start turning suddenly. “I hear my name being called when I’m alone, phantom footsteps, our dogs barking while staring at nothing,” she added.

      But nothing has felt aggressive, Ms. Asbury said. Just attention-seeking. “I believe our spirits to be family,” she said. “I get the feeling that we have different family members visit at different times.”

      And though it was unsettling for a while, she’s figured out how to live within the ghostly milieu. “Usually if something occurs, we will acknowledge it out loud or just say hi to the spirit,” Ms. Asbury said.

      For sellers, paranormal murmurings could also be a helpful marketing point. Earlier this year, the three-bedroom Rhode Island house that inspired the “The Conjuring” horror movie sold above asking price for $1.525 million. In 2021, a Massachusetts property that was the site of the infamous Borden family murders sold for $1.875 million without any open houses or showings. Dozens of Airbnb listings advertise phantasmal experiences as well, such as a “second-floor haunted oasis” or a “Phantoms Lair.”

      “Embracing a home’s haunted history may be a scary good seller strategy in the race to go viral,” said Amanda Pendleton, Zillow’s home trends expert. “Unique homes captured the imagination of Zillow surfers during the pandemic — the more unusual a listing, the more page views it can generate.”

      Sharon Hill, the author of the 2017 book “Scientifical Americans: The Culture of Amateur Paranormal Researchers,” added that “many are no longer fearful of ghosts because we’ve been so habituated to them by the media.”

      Haunted houses can also be “a way to connect to the past or a sense of enchantment in the everyday world,” Ms. Hill said. “We have a sense of wanting to find out for ourselves and be able to feel like we can reach beyond death. To know that ghosts exist would be very comforting to some people.”

      Still, most sellers and agents are wary of taking that strategy. Of the over 760,000 properties on Zillow in the last two weeks, only two listings had descriptions that implied the home could be haunted, according to data provided by Zillow. One property is a six-bedroom hotel in Wisconsin where the description boasts that it was recently the subject of a Minnesota ghost hunter group’s investigation. The other, a rundown three-bedroom in Texas built in 1910, reads, “If your dream has been to host a Haunted Air BNB look no further. Owner has had ghost hunters to the house twice overnight.”

      A two-story, brick building is painted red with white trim. It has several windows on both floors and a white porch. An American flag is hanging in front, and storage for ice is also in front. Two cars, one dark-colored and one red, are parked in the front on the street.
      A six-bedroom hotel in Wisconsin is for sale, and a description on Zillow boasts that it was recently the subject of a Minnesota ghost hunter group’s investigation.Credit: via Zillow
      A rundown house has chipped, white paint. It has lush green lawn that is not manicured, and bushes and vines in front of the house are also growing wildly.
      “If your dream has been to host a Haunted Air BNB look no further. Owner has had ghost hunters to the house twice overnight,” reads a listing on Zillow for a dilapidated three-bedroom house in Texas built in 1910.Credit: via Zillow

      Most states don’t mention paranormal activity in real estate disclosure laws, but New York and New Jersey have explicit requirements surrounding it. In New Jersey, sellers, if asked, must disclose known information about any potential poltergeists. In New York, a court can rescind a sale if the seller has bolstered the reputation of the home being haunted and takes advantage of a buyer’s ignorance of that notoriety.

      There are generational differences in who believes in ghosts. In the Vivint survey, 65 percent of Gen Zers (defined as people born between 1997 and 2012) who participated in the survey thought their home was haunted, while 35 percent of baby boomers (born between 1946 and 1964) surveyed thought the same.

      “With so much conversation on TikTok about true crime, podcasts about haunted things and crime documentaries, we thought that could be spreading this trend among younger people,” said Maddie Weirman, one of the researchers of the Vivint survey.

      Gen Z “might be searching for meaning in new places,” Ms. Hill said. “If the modern world they live in isn’t providing food for the soul, if capitalism is a system that drains us of personal enlightenment, it’s not hard to figure out that younger people will search elsewhere for that and find the idea of an alternate world — of ghosts, aliens, cryptids, et cetera — to be enticing to explore.”

      The pandemic also played a role in society’s relationship with houses and ghosts.

      The salience of death in our culture increased, igniting a desire for evidence of an afterlife for some people. “Think of all the sudden, and often not-sufficiently-ritually-mourned deaths during Covid. Many times people lost loved ones with no last contact, no funeral,” said Tok Thompson, a folklorist and professor of anthropology at the University of Southern California.

      A sleek black cat sits on a table in the middle of a room painted red with white trim. The room includes a grandfather clock with two rifles hanging on a wall above it.
      Shane Booth’s black cat Bullet poses for a photograph in the foyer of his home this week.Credit: Eamon Queeney for The New York Times

      “People weren’t normally around all the time to notice the normal noises of a house as it heats up from the sun during the day and then cools in the afternoon. With everyone inside, there was even less noise outside to drown out the typical sounds,” Ms. Hill, the author, said.

      Many experts also attribute a decline in religious belief to fostering a belief in the paranormal. A 2021 Pew Research Center survey found that nearly 30 percent of Americans were religiously unaffiliated, 10 percentage points higher than a decade ago.

      After all, the same comfort or understanding that religion can bring people can also be found in paranormal beliefs.

      Karla Olivares, a financial consultant living in San Antonio, Texas, said that growing up in a house she believed was haunted has made her more accepting of the unexplainable happenings that have occurred in other places she’s lived or visited.

      “When I feel something now, I acknowledge it. It’s also made me become more spiritual myself,” Ms. Olivares, 27, said. “Now, I feel that it’s all around me, and I won’t get surprised if I feel something again.”

      Preceitos da Pombagira: mulheres de terreiros e lutas (Outras Palavras)

      outraspalavras.net

      por AzMina

      Publicado 17/02/2022 às 15:11 – Atualizado 17/02/2022 às 15:23

      Visita a espaços de culto de religiões de matriz africana – que historicamente têm mulheres como líderes. As Iaôs e Ialorixás tornam-se referências nas lutas pelo direito à igualdade religiosa, de raça e de gênero

      Por Aymê Brito, no AzMina

      “Exu (…) exerce forte domínio sobre as mulheres e as moças”, dizia uma coluna de opinião no jornal O Estado de São Paulo, em 1973. Escrito no período da Ditadura Militar no Brasil, o artigo demonizava as religiões de matriz africana e demonstrava preocupação que as mulheres abandonassem o “lar” em troca da vida nos terreiros. Quase cinco décadas depois, o machismo e o racismo seguem presentes na vida das mulheres que escolhem fazer parte das religiões afro-brasileiras, mas elas resistem e lideram terreiros.

      Não é comum vê-las em cargos de liderança em outras religiões, como na Igreja Católica com padres e papas homens. Já nas religiões de matriz africana, as mulheres quase sempre são maioria, ocupando os postos mais altos. Quem frequenta os barracões (como também são chamados os terreiros) percebe isso.

      Seja como mulheres de santo, senhoras do ilê, sacerdotisas ou herdeiras do axé, elas conquistaram um protagonismo que não ficou restrito aos terreiros. Axé Muntu! Essa é uma expressão criada pela intelectual Lélia Gonzalez – uma mistura das línguas Iorubá (axé: poder, energia) com o dialeto Kimbundo (muntu: gente). A socióloga e ativista usou muito de sua vivência como mulher do candomblé na produção intelectual que fez sobre a vida e posição das mulheres negras na sociedade brasileira.

      Nesta reportagem trazemos as falas de Mãe Du, Nailah, Kenya e Renata, que, assim como Lélia, mostram que a influência dos povos de terreiros pode ser encontrada hoje no espaço acadêmico, na militância, na política, na culinária e em vários outros campos da sociedade.

      Num país marcado por profundas desigualdades sociorraciais como o Brasil, os terreiros e as mulheres à frente deles – as macumbeiras, como elas mesmas se chamam – desempenham um papel social muito além da religião. Elas realizam uma verdadeira “feitiçaria” ao conciliar a tradição de diferentes povos, resistir às opressões e ajudar a proporcionar um espaço de acolhimento a quem sempre foi excluído.

      Perseguição à cultura e às mulheres

      A perseguição aos terreiros e barracões, que já dura mais de 500 anos, e as campanhas de difamação na imprensa geraram uma falta de conhecimento generalizada. “A umbanda, com seus sucedâneos e religiões assemelhadas, é entre nós um subproduto da ignorância associada à politicalha. Seu terreno de eleição já foi o quilombo e o mocambo. Modernamente é a favela e o escritório eleitoral” – dizia mais um trecho da coluna do jornal paulista, publicada logo após uma festa em comemoração ao Dia de Oxóssi.

      Noticiários racistas como esse não eram (e não são) raros. Resquícios de uma sociedade que até 1832 obrigava todos a se converterem à religião oficial do Estado – na época, a Cristã. Isso fez com que outras expressões religiosas fossem criminalizadas, sofrendo com opressão policial e apreensão de objetos sagrados – que até hoje nunca foram devolvidos.

      A cientista política e também praticante do Candomblé, Nailah Neves, Ìyàwó ty Ọ̀ṣun (seu nome de santo), afirma que essa perseguição também era resultado do fato de as mulheres serem maioria e liderarem as casas de axé. “Terreiros, quilombos e escolas de samba, que eram espaços de resistência e de valorização da cultura negra matriarcal, eram um grande risco para o projeto eugenista e patriarcal do Estado brasileiro.”

      Passados 34 anos da Constituição Federal que, em seu artigo 5, passou a garantir a liberdade de crença e proteção aos locais de cultos religiosos diversos, a discriminação não teve fim. Em 2021, um estudo da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa apontou que 91% dos ataques que ocorreram no estado do Rio de Janeiro eram contra as mesmas religiões – as de Racistradição africana. 

      Ensinamentos da pombagira

      Kenya Odara (primeira na imagem), de 23 anos, é uma das cofundadoras do coletivo de mulheres negras Siriricas Co e atualmente frequenta o terreiro de Candomblé Àse Efon Omibainà, composto apenas por mulheres. “Quando estamos nos terreiros não nos preocupamos só com a questão religiosa, somos mulheres negras, toda a nossa existência é política.” Foto: Divulgação/ Arquivo Pessoal

      Embora as investidas contra os afro-religiosos não tenham sido poucas, os terreiros e as mulheres continuam passando de geração em geração os preceitos e fundamentos do povo de axé. Renata Pallottine, de 36 anos, é bisneta de Dona Maria, Mãe de Santo, de uma casa de umbanda no interior de São Paulo, e cresceu aprendendo os valores civilizatórios desta comunidade.

      Advogada pelos direitos das mulheres e atuante no combate ao racismo religioso, Renata atualmente é responsável pela área jurídica do coletivo Terreiro Resiste, movimento de defesa das comunidades tradicionais. Hoje, como uma das filhas de santo mais velhas de um terreiro na capital paulista, ela conta que foi essa vivência que contribuiu para o seu engajamento na luta:

      “Quem nasce umbandista já aprende com a Pombagira que a desigualdade de gênero mata, aniquila e silencia, e que mulheres, sobretudo as racializadas, devem ocupar lugar de poder e decisão dentro das nossas comunidades.”

      A Pombagira é uma das entidades cultuadas nessas religiões, que representa as encruzilhadas e é conhecida por simbolizar uma figura feminina ligada ao prazer e à liberdade sexual. Renata explica que a figura da pombagira em muitos lugares é temida exatamente por romper com a lógica patriarcal: “mulher que poeticamente nos ensina a autonomia dos corpos femininos”.

      Renata também chama atenção para a história dessas religiões, que vêm de uma cultura de valorização de povos ancestrais socialmente excluídos, mas passou por um forte embranquecimento nos últimos anos. “Em 1908, um homem branco, militar, espírita, de São Gonçalo, teria fundado a religião só porque deu nome às práticas que já existiam nos morros cariocas. Como é possível fundar algo que já existe?”, questionou a advogada.

      A família de santo

      Eu, repórter desta matéria, cresci ouvindo as histórias das macumbeiras, contadas por Elza Mendes, baiana de 72 anos, mulher negra e minha avó. Ela lida com a ignorância da sociedade sobre sua cultura há pelo menos 50 anos. “Ninguém vê com bons olhos, ainda hoje as pessoas têm muito medo, acham que é magia”, desabafa. Mas ressalta sempre o sentimento que há no terreiro de pertencer a uma comunidade. “Quando você abraça um terreiro, você começa a fazer parte de uma comunidade”, diz ela.

      Hoje candomblecista, Elza foi a primeira a se tornar uma Iaô num dia de feitura, recebendo o título de dofona.

      Glossário:

      Iorubá: é um grupo étnico-linguístico da África Ocidental, principalmente na Nigéria e no Congo. Varia conforme o local e é usada nos rituais de matrizes africanas.

      – Feitura no santo: é a iniciação de alguém no culto aos orixás. Pode vir com novo nome e assume novas funções. O ritual varia segundo a religião e pode durar até três meses.

      Orixás (em iorubá: Òrìṣà): divindades representadas pela natureza, acredita-se que tenham existido anteriormente em Orum (céu em iorubá).

      Aborós: orixás de energia masculina. Podem ser incorporados por pessoas de todos os gêneros.

      Ayabás: orixás de energia feminina. Podem ser incorporados por pessoas de todos os gêneros.

      Dona Elza conta que quando se começa a fazer parte de um terreiro você se torna também integrante de uma família de santo. “Tanto é que a gente diz irmão, tio, filho de santo”, comentou. Em muitos lugares os terreiros são conhecidos por serem receptivos a todo tipo de gente. “Uma mãe de santo nunca deixa de acolher um filho, mesmo se não tiver onde morar, será bem recebido no terreiro.”

      Esse acolhimento está intimamente ligado à presença das mulheres na religião e a própria história dos negros no Brasil, conforme explica a pesquisadora Jacyara Silva, professora e coordenadora do núcleo de estudos afro-brasileiros da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). “É importante lembrar que as famílias dos negros que chegavam ao Brasil eram separadas por estratégia de dominação.”

      Após o sequestro da população negra do continente africano, a formação das “famílias de santo” foi o jeito encontrado para preservar a identidade cultural e reconstruir essa ideia de família que havia sido destruída na escravidão. As grandes responsáveis por refazer esses laços familiares, dentro das religiões afro-brasileiras, foram as mulheres negras, as Yalorixás. Os barracões passaram a se tornar presentes na maior parte das regiões periféricas do país, acolhendo as pessoas que eram estigmatizadas pela sociedade, como mães solo e o público LGBTQIA+. 

      “Não quer dizer que não existam nos terreiros os mesmos problemas que existem fora deles”, explicou Jacyara. As religiões de matriz africana estão inseridas dentro de uma sociedade onde racismo, machismo e transfobia são estruturais. Por isso, o cotidiano dos terreiros não está isento dessas questões. Mas, “pode estar na estrutura, mas não é institucionalizado”, ponderou a pesquisadora.

      Debatendo fora dos terreiros

      Maria do Carmo, Omó de Omolú Iemanjá Oxalá, conhecida como Mãe Du, é uma das mulheres à frente de um terreiro de Umbanda, na cidade de Viçosa, no interior de Minas Gerais. Apesar do grande respeito que conquistou entre os seus, teve que encarar o preconceito das mães e professoras da escola em que a sua filha estudava. “As pessoas ficaram meio cismadas”, conta.

      A força de seguir por mais de 20 anos na defesa dos povos de terreiros vem da crença de que o amanhã será melhor que o hoje. A trajetória dela no culto aos orixás já tem, na verdade, 50 anos. “Fui a primeira Yaô daqui, andei pela cidade toda de branquinho.” Atualmente Mãe Du está na Umbanda, mas foi iniciada dentro do Candomblé, onde teve que passar por diversos processos até se tornar de fato umaIaô – filha de santo. Se tornar feita no santo é uma vitória para a maioria das mulheres de axé, por ser um processo de várias etapas, que requer muito tempo de dedicação e prática dentro do terreiro.

      Ela também é líder espiritualista e integra o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Viçosa. Os cargos fora do terreiro são um marco e uma representação importante para quem é de religiões de matriz africana, mas também são espaços arriscados. “Defender aquilo que se é, hoje em dia, é perigoso, principalmente para nós mulheres.”

      O preconceito acaba afastando outros praticantes dos encontros e debates religiosos, por preferirem se resguardar. Mas, Mãe Du – que tem viajado nos últimos anos para falar das religiões de matriz africana nas universidades – sente que agora as pessoas começaram a querer entender mais sobre sua cultura.

      Hierarquia ancestral

      Em boa parte da tradição africana, a hierarquia não se baseia no gênero, mas sim na experiência e conhecimento. “O matriarcalismo é natural de vários povos africanos, até porque a hierarquia não é por gênero como os europeus impuseram, é por ancestralidade”, explicou a candomblecista Nailah Neves.

      As religiões de matriz africana não dividem o mundo entre bem e mal, emoção e ciência, corpo e alma, homens e mulheres. Nailah argumenta que essa lógica binária foi imposta aos povos que estavam sendo colonizados, por influência do eurocentrismo cristão. Existe na Umbanda e no Candomblé uma outra forma de ver e se relacionar com o mundo. “Não são apenas religiões, são povos e comunidades tradicionais, assim como são os quilombos.”

      As religiões afro-brasileiras que conhecemos hoje são fruto das características de diversos povos africanos que se encontram no país e, exatamente por isso, elas variam conforme a nação ou tradição de origem, como acontece no caso do Candomblé, da Umbanda, do Batuque e do Xangô.

      Sem nenhum tipo de livro oficial, como a Bíblia, os fundamentos são passados por gerações via tradição oral, e nem sempre são os mesmos em todos os lugares. Os preceitos e costumes não estão “escritos em pedra”.

      AÇÕES E ESPAÇOS OCUPADOS PELAS MULHERES DE AXÉ NOS ÚLTIMOS ANOS:

      • No Brasil, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, 21 de janeiro, data que assegura a diversidade religiosa, foi criado em homenagem a uma líder religiosa, a Mãe Gilda. Em 1999, ela teve seu terreiro em Salvador invadido e depredado por fundamentalistas religiosos e acabou falecendo no ano seguinte.
      • Em 2021, a Organização das Mulheres de Axé do Brasil (MAB) realizou uma campanha de combate a violência menstrual. Elas distribuíram mais de 23 mil pacotes de absorventes higiênicos para pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social.
      • O Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA), presidido pela médica e líder religiosa Kato Mulanji, é uma das organizações que lutam para garantir soberania alimentar aos povos tradicionais.
      • Desde 2017, as mulheres de axé conquistaram o reconhecimento da profissão de baiana de acarajé e passaram a ter direitos aos benefícios profissionais. Em 2005 elas já tinham sido reconhecidas como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
      • Pelo país todo, terreiros são responsáveis por projetos de atendimento à comunidade, oficinas, distribuição de alimentos e ações de combate a violência. O Ilê Omolu Oxum, liderado pela ialorixá Mãe Meninazinha de Oxum, em atividade na Baixada Fluminense desde 1968, é um dos que oferece orientação às mulheres vítimas de violência. 

      O que é racismo religioso. E qual seu efeito nas crianças (Nexo)

      Iraci Falavina e Guilherme Gurgel

      21 de jan de 2022 (atualizado 21/01/2022 às 20h39)

      Pais que praticam religiões de matriz africana no Brasil relatam casos de preconceito, incluindo a perda da guarda de filhos sob a anuência da Justiça
      Devotos do candomblé carregam cestas de flores em cerimônia religiosa, na Bahia
       DEVOTOS DO CANDOMBLÉ CARREGAM CESTAS DE FLORES EM CERIMÔNIA RELIGIOSA, NA BAHIA

      Este conteúdo foi produzido pelos autores como trabalho final do Lab Nexo de Jornalismo Digital, que teve como tema “Primeira Infância e Desigualdades” e foi realizado no segundo semestre de 2021. O programa é uma iniciativa do Nexo Jornal em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e apoio da Porticus América Latina e do Insper.

      Dados do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos apontam 645 registros de violações da liberdade de crença e religião no Brasil entre janeiro e dezembro de 2021, a maior parcela relacionada a religiões de matriz africana — incluindo Candomblé, Umbanda e outras. Levantamentos anteriores também refletem essa realidade.

      INTOLERÂNCIA

      Registros de violações de liberdade religiosa no Brasil, por gênero da vítima, de acordo com dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos

      O preconceito que cerca quem pratica o Candomblé, a Umbanda, entre outras designações afro, integra o fenômeno do racismo religioso. Trata-se de um problema que, segundo especialistas, tem um impacto especialmente danoso para crianças.

      Neste texto, o Nexo explica o que configura o racismo religioso, mostra o que a legislação prevê sobre o tema e traz relatos, que vão do preconceito no ambiente escolar a decisões judiciais que fazem com que filhos sejam separados dos pais.

      O conceito e a legislação

      A expressão “racismo religioso” não está no Código Penal, mas é algo que se enquadra na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, segundo o advogado especialista em crimes raciais Gilberto Silva.

      Tal lei versa sobre crimes provocados por “discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, com penas previstas de um a três anos de reclusão.

      O termo “racismo religioso”, então, acaba sendo usado para reforçar um ponto central da sociedade brasileira: o racismo estrutural no Brasil.

      Silva afirma que a lei ainda é vista por muitos como pouco eficiente e permissiva. Professor de história da África da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Alexandre Marcussi concorda que a punição ainda é ineficaz para os casos de racismo religioso. “A lei é extremamente leniente. Tem sido principalmente nos últimos anos no Brasil, com a ascensão ao poder e a influência de cultos religiosos pentecostais, que fazem ataques recorrentes a cultos de religiões africanas”, afirma.

      “Se pode entender essas intolerâncias menos como intolerância contra as práticas dessas religiões e mais como uma intolerância às camadas da população que estão historicamente associadas a essas religiões” – Alexandre Marcussi, professor de história da África da UFMG

      O Brasil viveu 300 anos de escravidão, período em que milhões de pessoas foram trazidas à força de regiões da África para serem usadas e negociadas como mercadoria. A cultura e a religião dessas pessoas sofreram um processo de tentativa de apagamento.

      O artigo 5º da Constituição brasileira de 1824, por exemplo, instituiu o catolicismo como a religião oficial do Império. Já o artigo 276 do Código Criminal de 1830 proibia celebrar em casa, publicamente ou em templos “o culto de outra religião que não seja a do Estado”.

      A abolição só foi proclamada em 1888 no Brasil e o Estado brasileiro só se tornou laico a partir de 1890, com o decreto nº 119-A, de 7 de janeiro daquele ano. A lei concedeu a todas as confissões religiosas “a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas” e proibiu o Estado de definir uma religião oficial.

      Mais tarde, na Constituição de 1988, conhecida como a Constituição Cidadã, o inciso 6 do Artigo 5º assegura ser inviolável a liberdade de crença e o livre exercício dos cultos religiosos.

      Ainda assim, o preâmbulo da atual Carta Magna define a promulgação do documento “sob a proteção de Deus”, mostrando resquícios da ainda influente religião cristã no país.

      “Ninguém se incomoda da mãe levar o filho para batizar no cristianismo quando é bebê. É uma cerimônia bonita, celebrada, lembrada. Agora, todo mundo incomoda com a iniciação das crianças no Candomblé e na Umbanda. Mesmo estando acompanhada de seus pais. Isso é o quê? Se não o racismo religioso?” – Makota Celinha, coordenadora geral do Cenarab (Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira)

      O racismo religioso na escola

      As crianças de religiões de matriz africana sofrem preconceito na escola começando por suas brincadeiras, segundo Makota Kidoiale, líder da comunidade quilombola Manzo N’Gunzo Kaiango e coordenadora do programa Educa Quilombo, em Belo Horizonte.

      “No primeiro ano de escola dos meus netos, eles iam para o parquinho e as brincadeiras deles eram muito diferentes do que a própria estrutura da escola foi programada para poder receber. Eles ficavam reproduzindo tudo aquilo que eles viviam dentro do terreiro”, conta.

      Segundo Kidoiale, a administração da escola se incomodou com o comportamento das crianças. “Tinham medo de criar um problema com outras famílias, porque as outras crianças podiam reproduzir isso em casa. Eu questionei, porque da mesma forma que meu neto trazia outra cultura, outra tradição, outros conhecimentos para dentro da nossa casa, por que não transversalizar com tudo que ele vivenciava dentro da comunidade?”, afirma.

      Em 2003 entrou em vigor a lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira no ensino fundamental e médio. Mas, para Kidoiale, a legislação não faz com que a temática tenha uma abordagem adequada na grade curricular. Ela acredita que o fato da educação brasileira ser muito baseada em princípios cristãos acaba por gerar uma exclusão da diversidade. “A escola não dá conta de trabalhar nem mesmo a história da população africana, quanto mais a religião.”

      Segundo a psicóloga Jaqueline Gomes de Jesus, da Abrapso (Associação Brasileira de Psicologia Social) e da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros), o combate ao racismo religioso nas escolas é de responsabilidade dos profissionais de educação, dos pais e responsáveis.

      “O desafio é que os adultos são formatados nessa sociedade racista, nessa sociedade que tenta formatar, principalmente em um contexto cristão, fundamentalista, crianças que não se enquadram em certos padrões até de roupa e de práticas, então isso é muito violento”.

      O racismo religioso na Justiça

      Além das diferentes violações de direitos de expressar ritos de matriz africana na escola, há casos em que os pais perdem a guarda das crianças por iniciá-los na religião.

      Uma situação que ganhou grande destaque na mídia em 2021 foi a da manicure Kate Belintani, de Araçatuba (SP) que teve a guarda da filha — na época, com 11 anos — suspensa. Kate foi acusada de lesão corporal após raspar os cabelos da menina em um ritual religioso do Candomblé.

      Outro caso, que chegou a ser citado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), é o da professora e jornalista Rosiane Rodrigues. Moradora de Rio das Ostras, no Rio de Janeiro, ela conta que perdeu a guarda do filho em 2007 por causa do preconceito religioso, a partir de uma decisão judicial.

      Marcus Rodrigues, chamado geralmente de Marquinhos, o mais novo dos três filhos de Rosiane, nasceu em 2004. No ano seguinte, ela se separou do pai da criança, Marcus Henriques, o que deu início a uma disputa sobre quantos dias cada um ficaria com o filho.

      Em uma das audiências do processo, Rosiane estava “tomando obrigação de santo”, um costume religioso do Candomblé que determina o uso de roupas brancas, cabeça coberta e colar de contas. Ao ver a professora vestida dessa maneira, a juíza do caso determinou que o laudo psicológico da família fosse feito com urgência. Segundo Rosiane, “depois disso, a juíza concluiu que por eu ser do Candomblé eu tinha menos condições morais de criar o garoto do que o pai dele.”

      Rosiane afirma que dois oficiais de Justiça foram retirar Marquinhos de casa acompanhados de um carro da polícia. No momento, o filho estava na escola, e Rosiane se recusou a informar a localização da criança. Ela foi levada para a delegacia.

      Marquinhos foi inicialmente entregue ao pai. Mas depois de uma série de vaivéns que duraram quatro anos, Rosana conseguiu a guarda de volta. Ela então buscou auxílio do Nudem (Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública). Três psicólogos e duas assistentes sociais trabalharam em um novo laudo psicossocial de Rosiane e seus filhos.

      O garoto fez terapia com um psicólogo infantil durante um ano. “Logo que ele voltou para mim, que a gente consegue essa guarda provisória, ele volta muito assustado, com muito problema, com muito transtorno, uma criança muito agressiva”, conta Rosiane, que chegou a registrar um boletim de ocorrência contra o ex-marido por agressões ao filho.

      O caso foi citado no relatório “Direito a uma vida livre de violência”, publicado em 2013 pela Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos em parceria com a Unesco como um caso emblemático de intolerância religiosa no Brasil.

      Os efeitos do racismo religioso nas crianças

      “As crianças não sabem que estão sofrendo intolerância, não têm o discernimento, a capacidade de entender o racismo. Há uma vulnerabilidade de quem não consegue se defender”, ressalta Makota Celinha, do Cenarab.

      Para a líder quilombola Makota Kidoiale, um dos passos importantes para lidar com o choque de tradições é ouvir o que as crianças vivenciam. “A gente vai direcionando tudo que elas descobriram lá fora a um determinado lugar da comunidade”, diz.

      “Por exemplo, se elas aprendem na escola sobre as folhas, a fase da vegetação, do plantio, aqui a gente acrescenta: ‘essa aula está relacionada a Oxossi, que é deus das folhas, das plantas. E é delas também que a gente tira os remédios’. A gente faz um complemento do que elas aprenderam”, exemplifica.

      Nos casos em que o racismo religioso é mais explícito, é difícil conseguir a garantia do bem-estar da criança. “A gente mostra que existem as diferenças das religiões e cada um tem um conceito, e que infelizmente o nosso direito de falar sobre nós é muito recente, então as pessoas poucos sabem sobre nós. Mas às vezes é muito difícil, muito violento. Violento de pegar e pôr pra fora, fazer chacota quando estão vestidas com as contas, ou de branco, as pessoas olham assustadas para eles”, diz Kidoiale.

      A psicóloga Jaqueline Gomes de Jesus afirma que crianças que crescem em ambientes de discriminação religiosa se tornam adultos intolerantes, tornando a violência uma marca que molda a personalidade.

      “A gente tem que lutar para que os profissionais de educação, de saúde, os que cuidam das crianças, permitam que elas sejam quem elas são, para que não gerem esses traumas que ficam para o resto da vida”, diz.

      De acordo com o psicólogo Flávio Prata, pesquisador da área, é importante que a criança tenha um ambiente seguro. “Não há como dimensionar os efeitos do racismo especificamente, mas a influência está nos mecanismos que a criança encontra para lidar com essa discriminação”, afirma.

      Zélio, o Caboclo das Sete Encruzilhadas: o fundador da umbanda que não é bem aceito por umbandistas atuais (BBC News Brasil)

      bbc.com


      Edison Veiga – De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil

      31 dezembro 2021

      Retrato em preto e branco
      Legenda da foto, Zélio, em foto publicada pelo jornal A Gazeta de São Gonçalo, extinto em 1937

      Se a tentativa era criar uma espécie de mito da religião nacional por excelência, elementos simbólicos não faltam na história de como o médium fluminense Zélio Fernandino de Moraes (1891-1975) teria criado a umbanda.

      A começar pela data: 15 de novembro de 1908. Sim, um 15 de novembro, aniversário da Proclamação da República, data portanto da criação do Brasil contemporâneo.

      E também pela história: no transe vivido por Zélio, ele teria dialogado com espíritos de negros e indígenas e, por fim, incorporado um padre jesuíta italiano que havia pregado no Brasil colonial — e acusado de bruxaria.

      Mais simbólico do sincretismo cultural, étnico e religioso do Brasil, impossível.

      Por outro lado, e é esse o ponto que vem sendo revisto e muito criticado por pesquisadores contemporâneos da umbanda, considerar Zélio o precursor dessa religião é também resultado de um processo de embranquecimento — é negar que a umbanda já vinha sendo praticada por negros oriundos da África e seus descendentes em solo brasileiro, é entregar a primazia da religião afrobrasileira a um homem branco.

      “Não é um assunto novo: a história de Zélio como fundador da umbanda vem sendo questionada. Eu não o considero fundador da umbanda porque a umbanda é muito anterior a isso”, crava o sociólogo Lucas de Lucena Fiorotti, autor da página Abrindo a Gira, no Instagram.

      “Ele se tornou uma figura importante em função do embranquecimento [da umbanda]. Ele é importante para um tipo de umbanda, que no passado queriam chamar de ‘espiritismo de umbanda’. Quem o celebra como fundador da umbanda não tem culpa. A culpa é do projeto de país”, acrescenta Fiorotti.

      Para o historiador Guilherme Watanabe, pai de santo do terreiro Urubatão da Guia, em São Paulo e membro fundador do Coletivo Navalha, Zélio é “a representação de uma grande construção histórica”, do “mito de fundação que, a partir dos anos 1960, começa a se fazer no Rio”. “Uma grande mentira”, sentencia.

      O que teria acontecido em 1908

      Filho de uma família tradicional de São Gonçalo, na região metropolitana do Rio, Zélio estava se preparando para seguir carreira militar na Marinha quando foi acometido por uma paralisia. Ele tinha 17 anos. Acamado por alguns dias, teria declarado que “amanhã estarei curado” e, de fato, no dia seguinte levantou-se como se nada houvesse acontecido.

      Diante da surpresa dos médicos, os familiares decidiram recorrer a padres católicos — que também não souberam explicar o que havia sucedido ao jovem.

      Para a família, Zélio sofria de distúrbios espirituais. Então, por indicação de um amigo, levaram-no até a Federação Espírita do Estado do Rio de Janeiro, então sediada em Niterói.

      O médium presidente da entidade teria organizado uma sessão espírita, com Zélio à mesa. Na ocasião, conforme relatos da época, houve a manifestação de espíritos de ancestrais africanos, os chamados “pretos-velhos”, e indígenas, os “caboclos”.

      O dirigente da sessão, então, teria classificado tais espíritos como atrasados e solicitado que eles se retirassem. Foi quando Zélio acabaria incorporando uma entidade, o chamado “Caboclo das Sete Encruzilhadas”, em defesa dos pretos-velhos e dos caboclos. E disse que se ali não houvesse espaço para que negros e indígenas “cumprissem sua missão”, ele, o tal caboclo, fundaria no dia seguinte um novo culto — na casa de Zélio.

      Seria então 15 de novembro de 1908. E, para muitos, se trata do marco fundador da umbanda, como uma nova religião do Brasil.

      A partir do episódio, Zélio e o Caboclo das Sete Encruzilhadas seriam identidades indissociáveis. De acordo com o médium, a entidade seria a manifestação do padre jesuíta italiano Gabriel Malagrida (1689-1761), um missionário que chegou a andar pelo Brasil catequizando indígenas e, mais tarde, acusado de bruxaria e heresia, foi morto pela fogueira da Inquisição em Lisboa.

      “Ele é caboclo mas, dentro do mito, também é um padre jesuíta. O que cria uma disforia total, uma loucura promovida pelo processo de embranquecimento [da umbanda]”, diz Fiorotti.

      Crédito: Domínio Público. Ilustração antiga e recortada do padre Gabriel Malagrida, morto pela Inquisição em Lisboa

      Segundo a narrativa de Zélio, na “última existência física”, Deus teria concedido a Malagrida “o privilégio de nascer como caboclo brasileiro”.

      Com esse caldo cultural multiétnico, estava criado o mito da fundação da umbanda.

      ‘Embranquecimento’

      Conforme explica o sacerdote de umbanda David Dias, pesquisador em ciência da religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a história de Zélio pode ser vista sob duas óticas.

      “A primeira traz sua vida contada por meio dos manuais de umbanda e mantida pela sua família, a qual assegura sua memória até os dias de hoje. Já a segunda é contada por meio de um mito de criação onde cada um que conta aumenta uma ponta, deixando na história contada uma lenda de existência questionável”, pondera ele.

      Dias lembra que um dos relatos atesta que, entre a consulta médica, o conselho dos padres e a famosa sessão espírita, Zélio teria sido levado a uma benzedeira do Rio. E fora ela, incorporando um preto-velho, que dera a sentença: àquele jovem seria reservada uma grande missão pela frente.

      O pesquisador ressalta que há ainda um fato importante que só reforça a ideia de que muitos detalhes não tenham passado de ficção para azeitar uma mitologia da fundação.

      “Na ata de 15 de novembro de 1908 da citada federação [espírita] não há registros destes fatos, o nome do dirigente da suposta sessão não confere com a história, nem mesmo o nome de Zélio se faz presente”, afirma Dias.

      Por fim, ele lembra ainda que a figura do Caboclo das Sete Encruzilhadas também apresenta “incongruências”.

      Segundo especialistas, a história de Zélio como fundador da umbanda foi uma construção que passou a tomar forma nos anos 1960, quando o médium já era idoso.

      Em 1961, a jornalista e umbandista Lilia Ribeiro publicou pela primeira vez essa versão no jornal informativo Macaia, ligado à Tenda de Umbanda Luz, Esperança e Caridade, da qual ela era dirigente.

      Após a morte de Zélio, essa narrativa se consolidou. Em dezembro de 1978, por exemplo, a Revista Planeta, publicação da Editora Três que hoje não circula mais, trouxe uma grande reportagem intitulada Como surgiu a umbanda em nosso país: 70o. aniversário de uma religião brasileira, na qual todos os elementos dessa mitologia fundadora estavam presentes.

      Fiorotti acredita que então Zélio se torna “uma figura importante para a umbanda hegemônica”.

      Mas que tudo seria um esforço sistêmico para apagar as raízes realmente africanas — e anteriores ao século 20.

      “Há indícios de que já havia práticas de umbanda muito semelhantes tanto em ritualística quanto em estética ao que acontece hoje muito antes de 1908”, diz ele.

      “Essa umbanda que tem Zélio como fundador é uma umbanda muito associada ao espiritismo em si. Mas há diversos autores que se sentem contemplados por essa narrativa e eles são pessoas fortemente associadas ao espiritismo e a algumas ideias esotéricas, místicas. Fogem da vivência do terreiro de fato. A estrutura umbandista já existia no século 19.”

      Crédito: Reprodução/Correios. Selo em homenagem a Zélio de Moraes

      Watanabe lembra que a própria palavra umbanda vem das línguas quimbundo e umbundu da África Central e “significa algo como arte ou maneira de curar”.

      “É uma palavra que existe há muito tempo e, como sendo arte ou maneira de curar, se trata de uma prática medicinal e espiritual feita por um médico feiticeiro”, contextualiza.

      “Algo que já era praticado por centro-africanos desde muito tempo atrás e, a partir da diáspora, do tráfico de escravizados, acaba sendo trazido ao Brasil. Por isso, no Rio de Janeiro do século 19 já havia diversas casas de feiticeiros africanos.”

      Para Fiorotti, a mitologia de Zélio é, na verdade, a tentativa do “embranquecimento da umbanda, dentro da ideia da democracia racial, de que não há racismo no Brasil, de que as relações raciais são simétricas”.

      “Essa umbanda do Zélio está na esteira desse país que começa a se pensar como mestiço para disfarçar os problemas das relações sociais”, aponta.

      Assim, Zélio teria sido “usado” como “uma história privilegiada para encarnar a umbanda da democracia racial”, enfatiza o pesquisador.

      E a consolidação desse estilo deixou como legado uma série de “descaracterização das divindades, dos orixás, dos espíritos”.

      “Por exemplo, ao dizer que um caboclo, que é indígena, pode ser um branco. Ou dizendo que um preto-velho pode ser uma pessoa branca. São absurdos. Mas a partir dessa umbanda [de Zélio], isso passou a ser possível”, exemplifica.

      “Zélio é a história de um homem branco classe média que se apropria da cultura dos centro-africanos e seus descendentes”, resume o historiador Watanabe. “Além disso, apaga e invisibiliza a cultura dos centro-africanos ao se dizer fundador de algo que, na verdade, já existia.”

      E de onde vêm as sete encruzilhadas? A resposta está na própria ideia umbandista do que é uma encruzilhada.

      “É um conceito: estar na encruzilhada, ao contrário do que as pessoas costumam pensar, é desejável. Porque tudo é feito de caminhos. Um caminho reto, sem possibilidades, não é desejável. O desejável é estarmos na encruzilhada, onde não há caminho fechado”, explica o sociólogo Fiorotti.

      “Sete encruzilhadas, assim, é o infinito de possibilidades”, conclui ele.

      Papa reúne líderes religiosos em apelo por ‘ação urgente’ de cúpula do clima (Folha de S.Paulo)

      www1.folha.uol.com.br

      Tom Brenner, 4 de outubro de 2021

      Francisco promoveu encontro ecumênico a pouco menos de um mês da COP 26


      O papa Francisco reuniu cientistas e líderes religiosos, nesta segunda-feira (4), para pedir que a cúpula do clima que será realizada no Reino Unido a partir do próximo dia 31 ofereça “urgentemente” ações concretas de combate à crise climática.

      “A COP 26 está sendo convocada a oferecer, urgentemente, respostas eficazes para a crise ecológica sem precedentes e para a crise de valores em que vivemos”, disse o pontífice. “Isso permitirá dar uma esperança concreta às futuras gerações. Vamos acompanhar com nosso compromisso e nossa proximidade espiritual.

      O argentino transmitiu a mensagem em encontro no Vaticano batizado de “Fé e Ciência: Rumo à COP 26”. Estavam presentes líderes cristãos, como Justin Welby, arcebispo de Canterbury e líder espiritual dos anglicanos, e o patriarca ortodoxo Bartolomeu; mas também representantes muçulmanos, judeus, hindus, sikhs, budistas e taoistas, entre outros.

      A reunião terminou com a assinatura de um apelo aos participantes da 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 26), que acontecerá em Glasgow, na Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro. O texto foi entregue ao chanceler italiano, Luigi Di Maio, e ao presidente da COP, Alok Sharma.

      A menos de um mês do evento sobre o clima, o documento é mais um movimento de pressão para que os líderes mundiais ajam de forma rápida e contundente ante um aquecimento global chamado de “catastrófico” pelos religiosos.

      Lá fora

      Na newsletter de Mundo, semanalmente, as análises sobre os principais fatos do globo, explicados de forma leve e interessante.

      Com frequência, Francisco denuncia o que ele considera comportamentos prejudiciais para o planeta.

      Essas “sementes de conflito”, destacou o papa, “causam as graves feridas que provocamos ao meio ambiente, como as mudanças climáticas, a desertificação, a poluição, a perda da biodiversidade”.

      Welby, por sua vez, criticou que “nos últimos 100 anos tenhamos declarado guerra à Criação”.

      “Nossos abusos, nossa guerra contra o clima, afetam os mais pobres”, disse. Ele defendeu o que chamou de “arquitetura financeira global que se arrependa de seus pecados” para promover mudanças como impostos que estimulem atividades mais sustentáveis e a economia verde.

      Outros líderes destacaram a importância de uma ação conjunta entre os países —e Francisco afirmou que diferenças culturais devem ser vistas como uma força, não uma fraqueza, nesse contexto. “Se um país naufragar, todos naufragamos”, disse Rajwant Singh, líder sikh americano.

      Há um mês, o papa Francisco, Welby e o chefe da Igreja Ortodoxa, Bartolomeu, lançaram um “apelo urgente”. Nele, pediram “a todo mundo, independentemente de suas crenças, ou visão de mundo, que se esforce para ouvir o grito da Terra”.

      Is There a Secularocene? (Political Theology Network)

      A Snapshot of Sea Ice by NASA Goddard Space Flight Center CC BY-NC 2.0

      By Mohamad Amer Meziane – September 17, 2021

      If modernity is the Anthropocene and if secularization is a defining feature of modernity’s birth, then it is natural to ask: did secularization engender climate change?

      Why is secularization never connected to climate change? And why is climate change not connected to secularization? If modernity is the Anthropocene and if secularization is a defining feature of modernity’s birth, then it is natural to ask: did secularization engender climate change?

      I aim to open a new space in the study of both secularism and the Anthropocene, of religion and climate change. Further, I aim to create a philosophical bridge between influential currents in anthropology and the humanities. I build this bridge through the critique of Orientalism and the anthropology of secularism and Islam, respectively founded by Edward Said and Talal Asad, on one hand, and the literature on the Anthropocene influenced by scholars such as Donna Haraway and Bruno Latour, on the other.

      I argue that secularization should be re-conceptualized not only as an imperial and racial but also as an ecological set of processes.

      My perspective stems from a philosophical engagement with both the project and the concept of secularization. It therefore presupposes a critical understanding of what has been called ‘the secular’ as a name given to the result of the destruction of nature: the transformation of the earth itself by industrial and colonial powers. I propose an alternative definition of secularization, secularism, and secularity. As I argue fully in my first book, Des empires sous la terre, the Anthropocene is an outcome of secularization understood as a set of processes engendered by the imperial relations of power between Europe and the rest of the world.

      Thinking Through the Secularocene

      What is secularization? Neither a supposed decline of religion nor a simple continuation of Christianity by other means, secularization should be seen as a transformation of the earth itself by virtue of its connection with fossil empires and capitalism.

      This perspective differs from scholars who have been engaged in criticizing the idea of secularization as a mythology of progress and privatization – a mythology to which 9/11 proved false. I argue that the concept of secularization should be redefined instead of being dissolved. It is only if one presupposes that secularization is reducible to the privatization of religion that the existence of political religion can be construed as testifying against the reality of secularization. When one opposes the permanence of religion or of Christianity to the reality of secularization, one is in fact reactivating the secularization thesis in its primitive, Hegelian version (developed by Marcel Gauchet) – that modernity is the secular realization of Christianity on earth – and, therefore, of all religions in the world.

      In other words, before it can be seen as a process, secularization should be approached as an order which articulates philosophy and politics, discourse and practices throughout the 19th century in Western Europe. Secularization is the order which claims that the other-worldliness of religion and the divine must be abolished by virtue of its realization in this world. The first instance of this demand is Hegel’s absolute knowledge and his interpretation of the French Revolution as the realization of heaven on earth. The so-called ‘end of history’ is indeed the accomplishment of a secularizing process by which the divine becomes the institution of freedom through the modern state.

      The first way in which secularization manifests its reality is discursive. As a discourse, it asserts that the modern West must be and therefore is Christianity itself, Christianity as the secular. Before it can become an analytical concept, the concept of secularization formulates a demand: Christianity and religions realize heaven and all forms of transcendence in this world. 

      Is the reality of secularization solely discursive? No. The reality of the secular is the earth itself as it is transformed by industrial capitalism. This redefinition of the secular and of secularization allows us to think alternatively about this ‘global’ event called climate change. I argue that the Anthropocene should be seen as an effect of secularization, and that one might use the word Secularocene to describe this dimension of ‘colonial modernity.’

      How did secularization lead to climate change, one might ask? By authorizing the extraction of coal through expropriating lands that belonged to the Church, and dismissing the reality of demons in the underground as superstitious, secularization allowed fossil industrialism to transform the planet. For this reason, secularization should be seen as a crucial aspect of what Marx calls the primitive accumulation of capital: an extra-economic process of expropriation structured by state violence deploying itself through racial, gender, class, and religious hierarchies.

      The critique of secularism is more than the critique of a political doctrine demanding the privatization of religion. It is the critique of how the earth itself has been transformed. As such, philosophical secularism refers to an ontology that posits this world as the sole reality. It defines immanence, or earth, as the reality which must be opposed to transcendence, or “heaven”. The critique of heaven is not the condition of all critique, as Marx famously puts it. It is part of how capitalism operates. Hence, the critique of heaven has transformed the earth itself through the secularization of both empire and capital.

      While genealogy authorizes us to think about the categories of religion and secularity critically, it should be integrated within a larger perspective if we are to rethink secularization by constructing an alternative narrative of its deployment beyond the tropes of religion’s decline. A post-genealogical philosophy of history is a theory, not of progress, but of how the earth has been transformed through imperial and capitalist processes of globalization. The very existence of climate change invites us to think past Foucault’s legacies in postcolonial thought. Beyond genealogy, the hypothesis of the Anthropocene – or of the Secularocene for that matter – might require that we integrate genealogical inquiries into a radically new form of philosophical history. After the genealogy of religion and the secular, a philosophy of global history might help us understand imperial secularization as the birth of the Anthropocene.

      By Mohamad Amer Meziane

      Mohamad Amer Meziane holds a PhD from the University of Paris 1 Panthéon-Sorbonne. He is currently a Postdoctoral Research Fellow and Lecturer at Columbia University. He is affiliated to the Institute of Religion Culture and Public Life, the Institute of African Studies and the Department of Religion.

      The Catholic Church Is Responding to Indigenous Protest With Exorcisms (Truthout)

      truthout.org

      Charles Sepulveda, November 26, 2020

      LaRazaUnida cover the Fray Junípero Serra Statue in protest at the Brand Park Memory Garden across from the San Fernando Mission in San Fernando on June 28, 2020.
      Keith Birmingham, Pasadena Star-News / SCNG


      On this day, Indigenous activists in New England and beyond are observing a National Day of Mourning to mark the theft of land, cultural assault and genocide that followed after the anchoring of the Mayflower on Wampanoag land in 1620 — a genocide that is erased within conventional “Thanksgiving Day” narratives.

      The acts of mourning and resistance taking place today build on the energy of Indigenous People’s Day 2020, which was also a day of uprising. On October 11, 2020, also called “Indigenous People’s Day of Rage,” participants around the country took part in actions such as de-monumenting — the toppling of statues of individuals dedicated to racial nation-building.

      In response to Indigenous-led efforts that demanded land back and the toppling of statues, Catholic Church leaders in Oregon and California deemed it necessary to perform exorcisms, thereby casting Indigenous protest as demonic.

      The toppled statues included President Abraham Lincoln, President Theodore Roosevelt and Father Junípero Serra, who founded California’s mission system (1769-1834) and was canonized into sainthood by the Catholic Church and Pope Francis in 2015.

      What do these leaders whose statues were toppled have in common? They perpetrated and promoted devastating violence against Native peoples.

      Abraham Lincoln was responsible for the largest mass execution in United States history when 38 Dakota were hanged in 1862 after being found guilty for their involvement in what is known as the “Minnesota Uprising.”

      Theodore Roosevelt gave a speech in 1886 in New York that would have made today’s white supremacists blush when he declared: “I don’t go as far as to think that the only good Indian is the dead Indian, but I believe nine out of every ten are…” This was not his only foray in promoting racial genocide.

      Junípero Serra is known for having committed cruel punishments against the Indians of California and enslaved them as part of Spain’s genocidal conquest.

      Last month, “Land Back” and “Dakota 38” were scrawled on the base of the now-toppled Lincoln statue in Portland, Oregon. The political statements and demands for land return reveal a Native decolonial spirit based in resistance continuing through multiple generations

      The “Indigenous People’s Day of Rage” came after months of protests in Portland in support of Black Lives Matter. The resistance enacted in Portland coincides with demands for both abolition (the end of racialized policing and imprisonment) and decolonization (the return of land and regeneration of life outside of colonialism). Both of these notions encompass a multifaceted imagining of life beyond white supremacy.

      In San Rafael, California, Native activists gathered at the Spanish mission that had been the site of California Indian enslavement. Activists, who included members of the Coast Miwok of Marin, first poured red paint on the statue of Serra and then pulled it down with ropes, while other protesters held signs that read: “Land Back Now” and “We Stand on Unceded Land – Decolonization means #LandBack.” The statue broke at the ankles, leaving only the feet on the base.

      What was even more provocative than the toppling of the statues by Native activists and their accomplices, was the response by the Catholic Church, which not only condemned the actions of the Native activists, but also spiritually chastised them. In both Portland and San Rafael, the reaction by the Church was to perform exorcisms.

      The purpose of an exorcism, according to the Catechism of the Catholic Church, is to expel demons or “the liberation from demonic possession through the spiritual authority which Jesus entrusted to his Church.”

      In other words, Native activism and demands for land back were deemed blasphemous and evil by two archbishops and were determined to require exorcism.

      In Portland, Archbishop Alexander K. Sample led 225 members of his congregation to a city park where he prayed a rosary for peace and conducted an exorcism on October 17, six days after the “Indigenous People’s Day of Rage.” Archbishop Sample stated that there was no better time to come together to pray for peace than in the wake of social unrest and on the eve of the elections. His exorcism was a direct response to Indigenous-led efforts that demanded land back.

      San Francisco Archbishop Salvatore Cordileone held an exorcism on the same day as the one performed in Portland and after the toppling of Saint Junipero Serra’s statue in San Rafael. In his performance of the exorcism, he prayed that God would purify the mission of evil spirits as well as the hearts of those who perpetrated blasphemy. Was he responding to a “demonic possession” or was he exorcising the political motivations of those he did not agree with? Perhaps both, as he also stated that the toppling of the statue was an attack on the Catholic faith that took place on their own property. However, the mission is only Church property because of Native dispossession through conquest and missionization.

      The conquest of the Americas by European nations was, as Saint Serra had deemed his own work, a “spiritual conquest.” From the doctrine of discovery to manifest destiny, the possession of Native land was rationalized as divine – from God. Those who threaten colonial possession are attacking the theological rationalization of possession, not their faith.

      Demands for land back interfere with the doctrine that enabled Native land to be exorcised from them. Archbishop Cordileone’s exorcism was in the maintenance of property that had been stolen from Indigenous people long ago, and Archbishop Sample’s was in the maintenance of peace and the status quo of Native dispossession.

      With a majority-Christian population in the United States and other nations in the Americas, demands for the return of land and decolonization have more to reckon with than racial injustice and white supremacy. Christians must also consider how dominant strains of Christian theology rationalized conquest and its ongoing structures of dispossession. Can a religion, made up of many sects, shift its framework to help end continued Native dispossession and its rationalization? Can we come together to overturn a racialized theological doctrine that functioned through violence and was adopted into a nation’s legal system? Can we imagine life beyond rage and the racialized spiritual possession of stolen land?

      The Doctrine of Discovery was the primary international law developed in the 15th and 16th centuries through a series of papal bulls (Catholic decrees) that divided the Americas for white European conquest and authorized the enslavement of non-Christians. In 1823 the Doctrine of Discovery was cited in the U.S. Supreme Court case Johnson v. M’Intosh. Chief Justice John Marshall declared in his ruling that Indians only held occupancy rights to land — ownership belonged to the European nation that discovered it. This case further legalized the theft of Native lands. It continues to be a foundational principal of U.S. property law and has been cited as recently as 2005 by the U.S. Supreme Court (City of Sherrill v. Oneida Nation of Indians) to diminish Native American land rights.

      In 2009 the Episcopal Church passed a resolution that repudiated the Doctrine of Discovery. It was the first Christian denomination to do so and has since been followed by several other denominations, including the Anglican Church of Canada (2010), the Religious Society of Friends/Quakers (2009 and 2012), the World Council of Churches (2012), the United Methodist Church (2012), the United Church of Christ (2013) and the Mennonite Church (2014).

      Decolonization and land return are as possible as repudiating the legal justification of land theft. Social, cultural, governmental and economic systems are constantly changing, but the land remains — in the hands of the dispossessors. When our faith is held above what we know is true — we will prolong doing what is right.

      Native peoples are not ancient peoples of the past only remembered on days such as Thanksgiving, just as our mourning is not all that we are. Native peoples are a myriad of things, including activists who demand land back — which is not a demonic request. Our land can be returned, and we can work together to heal and imagine a future beyond white supremacy and dispossession.

      Papa Francisco pede orações para robôs e IA (Tecmundo)

      11/11/2020 às 18:30 1 min de leitura

      Imagem de: Papa Francisco pede orações para robôs e IA

      Jorge Marin

      O Papa Francisco pediu aos fiéis do mundo inteiro para que, durante o mês de novembro, rezem para que o progresso da robótica e da inteligência artificial (IA) possam sempre servir a humanidade.

      A mensagem faz parte de uma série de intenções de oração que o pontífice divulga anualmente, e compartilha a cada mês no YouTube para auxiliar os católicos a “aprofundar sua oração diária”, concentrando-se em tópicos específicos. Em setembro, o papa pediu orações para o “compartilhamento dos recursos do planeta”; em agosto, para o “mundo marítimo”; e agora chegou a vez dos robôs e da IA.

      Na sua mensagem, o Papa Francisco pediu uma atenção especial para a IA que, segundo ele, está “no centro da mudança histórica que estamos experimentando”. E que não se trata apenas dos benefícios que a robótica pode trazer para o mundo.

      Progresso tecnológico e algoritmos

      Francisco afirma que nem sempre o progresso tecnológico é sinal de bem-estar para a humanidade, pois, se esse progresso contribuir para aumentar as desigualdades, não poderá ser considerado como um progresso verdadeiro. “Os avanços futuros devem ser orientados para o respeito à dignidade da pessoa”, alerta o papa.

      A preocupação com que a tecnologia possa aumentar as divisões sociais já existentes levou o Vaticano assinar no início deste ano, em conjunto com a Microsoft e a IBM, a “Chamada de Roma por Ética de IA”, um documento em que são fixados alguns princípios para orientar a implantação da IA: transparência, inclusão, imparcialidade e confiabilidade.

      Mesmo pessoas não religiosas são capazes de reconhecer que, quando se trata de implantar algoritmos, a preocupação do papa faz todo o sentido.

      Sideline collective has rearranged the entire bible into alphabetical order (Design Boom)

      designboom.com

      lynne myers, oct 15, 2020


      joseph ernst and jan van bruggen of sideline collective have reorganized all 1,364 pages of the king james bible into alphabetical order. this immense undertaking marks part of a project to convert seminal books into something objective, quantifiable, and analytical: data. and with this first book, ‘BIBLE THE’, the pair have broken down the world’s most famous publication, allowing us to see which words are used most often.

      sideline collective has rearranged the entire bible into alphabetical order designboom

      images courtesy of sideline collective

      to make BIBLE THE, ernst and van bruggen used a custom-made piece of software. they’ve taken the entire text of the bible and reorganized it alphabetically from a-z. this distills each text down to its lowest common denominator. it highlights the importance people tend to place on the order of said words – and their meaning – and allows for new and interesting interpretations of the written word, in much the same way as an abstract painting might.

      sideline collective has rearranged the entire bible into alphabetical order designboom

      by analyzing the words found in the bible, sideline collective found that it skews towards a positive bias. for example, ‘good’ is used 720 times, ‘bad’ only 18. ‘love’ is used 308 times and ‘hate’ 87 times. and ‘happy’ less so, at 28 times, but still over twice as much as the 11 uses of ‘sad’. ‘right’ features 358 times, ‘wrong’ just 26. and ‘life’ 451 times, still more than the 371 instances of ‘death’.

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      this positive trait also translates into biblical subject matter. for example, ‘heaven’ features 582 times, whereas ‘hell’ only 54. there are 94 ‘angels’ to 55 ‘devils’, 96 ‘saints’ to 48 ‘sinners’, and 302 ‘blessed’ to a mere 3 ‘damned’, and a total of 27 ‘miracles’.

      sideline collective has rearranged the entire bible into alphabetical order designboom

      unsurprisingly, there is no ‘sex’ or ‘intercourse’ in the bible, but there are 17 ‘concubines’, 9 ‘adulterers’, 8 ‘harlots’, 4 ‘sodomites’, 3 instances of ‘copulation’, 3 instances of ‘conception”, 2 ‘whores’, and 1 ‘prostitute’. socio-economically, there are twice as many ‘givers’ as ‘takers’ – 93 ‘poor’ and 81 ‘rich’, 77 ‘rulers’, 237 ‘prophets’, ‘30 nobles’, 480 ‘servants’, 400 ‘priests’, 30 ‘soldiers’, 17 ‘publicans’, 27 ‘workers’, 5 ‘lawyers’, 9 carpenters, 1 ‘fishermen’, 6 ‘lepers’, 3 ‘beggar’s, and 1 ‘slave’.

      sideline collective has rearranged the entire bible into alphabetical order designboom

      in terms of diversity, ‘white’ dominates by about 4:1, featuring 75 times, with ‘black’ just 18 times. but the bible does appear to feature a diverse cast: 256 ‘jews’, 254 ‘philistines’, 98 ‘egyptians’, 61 ‘syrians’, 14 ‘greeks’, 10 ‘cushi’ (north africans), 10 ‘assyrians’, 7 ‘romans’, 7 ‘samaritans’, 5 ‘persians’, 4 ‘babylonians’, 2 ‘libyans’, 2 ‘christians’, a single ‘arab’, and an equal amount of ‘believers’ and ‘infidels’.

      sideline collective has rearranged the entire bible into alphabetical order designboom

      gender-wise, the data suggests that the bible is overwhelmingly biased towards males. at it’s most extreme, the bible has 8,472 instances of the word ‘his’ and only a mere 3 instances of ‘hers’. and while this gender bias persists across the male-female divide, for the most part, it is less pronounced. there are 1,653 references to ‘men’ and only 181 to ‘women’. ‘he’ is used 10,404 times, ‘she’ only 982. ‘him’ 6,659 times to 1,994 uses of ‘her’. 

      sideline collective has rearranged the entire bible into alphabetical order designboom

      this gender bias extends beyond pronouns, to other gender-specific identifiers. there’s only 252 ‘daughters’ to 1,094 ‘sons’, only 8 ‘mothers’ to 548 ‘fathers’, only 4 uses of the term ‘lady’ to 7,830 uses of the term ‘lord’, 3 ‘queens’ to 340 ‘kings’, and just 5 uses of ‘goddess’ to 4,440 uses of ‘god’.

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      sideline collective has rearranged the entire bible into alphabetical order

      The unintended consequence of becoming empathetic (Science Daily)

      Date: September 16, 2020

      Source: Michigan State University

      Summary: Many people want to become more empathetic. But, these changes in personality may also lead to changes in political ideologies.


      When people say that they want to change things about their personalities, they might not know about the inadvertent consequences these changes could bring. In fact, changes in personality may also lead to changes in political ideologies, say researchers from Michigan State University and the University of Granada, who led the study.

      “We found this interesting effect where people wanted to improve on things like being more emotionally connected to others — or, becoming more empathetic,” said William Chopik, assistant professor of psychology at MSU. “But we found that this leads to changes in their political souls as well, which maybe they weren’t intending. We saw that in these personality changes toward greater empathy, people placed a lot more importance upon more liberal ideologies — like how you should treat other people and take others’ perspectives.”

      The study, published in the most recent edition of Journal of Research in Personality, is the first to look at shifts in personalities and morals due to volitional change — or, changes one brings upon oneself.

      Chopik and co-authors from Southern Methodist University and the University of Illinois asked 414 volunteer participants to take a weekly questionnaire. Such questions included how they would react in certain situations, if they wanted to improve or change themselves, how they felt about helping others and other personality-related queries. Additionally, the researchers measured participants’ “empathic concern” — or, feelings that would arise when they saw someone in need or doing poorly. The researchers continued the weekly questionnaire for four months.

      “Among the questions, we asked participants how they felt about five broad moral foundations: care, fairness, loyalty, authority and purity. We tracked sentiments week-to-week,” Chopik said. “While these are common for personality-related assessments, individual moral foundations can also help explain attitudes toward various ideologies, ethical issues and policy debates.”

      Generally, liberal and progressive people tend to prioritize two of the five moral foundations: care and fairness; whereas, conservatives draw from all five — including the more binding foundations: loyalty to the ingroup, respect for authority, and observance of purity and sanctity standards, Chopik said.

      “Our study shows that when people are motivated to change, they can successfully do so,” he said. “What we were surprised to find was that an upward trajectory for something like perspective-taking aligned with the person’s shift towards the more liberal foundations.”

      The researchers did not intend for their study to generalize personality traits of one political party or another, but rather to see if — and how — a person could change themselves and what might be a result of their “moral transformation.”

      “Being a better perspective-taker exposes you to all sorts of new ideas, so it makes sense that it would change someone because they would be exposed to more diverse arguments,” Chopik said. “When you become more empathic, it opens up a lot of doors to change humans in other ways, including how they think about morality and ideology — which may or may not have been intended.”


      Story Source:

      Materials provided by Michigan State University. Original written by Caroline Brooks. Note: Content may be edited for style and length.


      Journal Reference:

      1. Ivar R. Hannikainen, Nathan W. Hudson, William J. Chopik, Daniel A. Briley, Jaime Derringer. Moral migration: Desires to become more empathic predict changes in moral foundations. Journal of Research in Personality, 2020; 88: 104011 DOI: 10.1016/j.jrp.2020.104011

      Study suggests religious belief does not conflict with interest in science, except among Americans (PsyPost)

      Beth Ellwood – August 31, 2020

      A new study suggests that the conflict between science and religion is not universal but instead depends on the historical and cultural context of a given country. The findings were published in Social Psychological and Personality Science.

      It is widely believed that religion and science are incompatible, with each belief system involving contradictory understandings of the world. However, as study author Jonathan McPhetres and his team point out, the majority of research on this topic has been conducted in the United States.

      “One of my main areas of research is trying to improve trust in science and finding ways to better communicate science. In order to do so, we must begin to understand who is more likely to be skeptical towards science (and why),” McPhetres, an assistant professor of psychology at Durham University, told PsyPost.

      In addition, “there’s a contradiction between scientific information and many traditional religious teachings; the conflict between science and religion also seems more pronounced in some areas and for some people (conservative/evangelical Christians). So, I have partly been motivated to see exactly how true this intuition is.”

      First, nine initial studies that involved a total of 2,160 Americans found that subjects who scored higher in religiosity showed more negative implicit and explicit attitudes about science. Those high in religiosity also showed less interest in science-related activities and a decreased interest in reading or learning about science.

      “It’s important to understand that these results don’t show that religious people hate or dislike science. Instead, they are simply less interested when compared to a person who is less religious,” McPhetres said.

      Next, the researchers analyzed data from the World Values Survey (WEVs) involving 66,438 subjects from 60 different countries. This time, when examining the relationship between religious belief and interest in science, correlations were less obvious. While on average, the two concepts were negatively correlated, the strength of the relationship was small and varied by country.

      Finally, the researchers collected additional data from 1,048 subjects from five countries: Brazil, the Philippines, South Africa, Sweden, and the Czech Republic. Here, the relationship between religiosity and attitudes about science was, again, small. Furthermore, greater religiosity was actually related to greater interest in science.

      Based on these findings from 11 different studies, the authors suggest that the conflict between religion and science, while apparent in the United States, may not generalize to other parts of the world, a conclusion that “severely undermines the hypothesis that science and religion are necessarily in conflict.” Given that the study employed various assessments of belief in science, including implicit attitudes toward science, interest in activities related to science, and choice of science-related topics among a list of other topics, the findings are particularly compelling.

      “There are many barriers to science that need not exist. If we are to make our world a better place, we need to understand why some people may reject science and scientists so that we can overcome that skepticism. Everyone can contribute to this goal by talking about science and sharing cool scientific discoveries and information with people every chance you get,” McPhetres said.

      The study, “Religious Americans Have Less Positive Attitudes Toward Science, but This Does Not Extend to Other Cultures”, was authored by Jonathon McPhetres, Jonathan Jong, and Miron Zuckerman.

      Elogio da Profanação – Giorgio Agamben (Territórios de Filosofia)

      Aurora Baêta

      Os juristas romanos sabiam perfeitamente o que significa “profanar”. Sagradas ou religiosas eram as coisas que de algum modo pertenciam aos deuses. Como tais, elas eram subtraídas ao livre uso e ao comércio dos homens, não podiam ser vendidas nem dadas como fiança, nem cedidas em usufruto ou gravadas de servidão. Sacrílego era todo ato que violasse ou transgredisse esta sua especial indisponibilidade, que as reservava exclusivamente aos deuses celestes (nesse caso eram denominadas propriamente “sagradas”) ou infernais (nesse caso eram simplesmente chamadas “religiosas”). E se consagrar (sacrare) era o termo que designava a saída das coisas da esfera do direito humano, profanar, por sua vez, significava restituí-las ao livre uso dos homens. “Profano” — podia escrever o grande jurista Trebácio — “em sentido próprio denomina-se àquilo que, de sagrado ou religioso que era, é devolvido ao uso e à propriedade dos homens”. E “puro” era o lugar que havia sido desvinculado da sua destinação aos deuses dos mortos e já não era “nem sagrado, nem santo, nem religioso, libertado de todos os nomes desse gênero” (D. 11, 7, 2).

      Puro, profano, livre dos nomes sagrados, é o que é restituído ao uso comum dos homens. Mas o uso aqui não aparece como algo natural; aliás, só se tem acesso ao mesmo através de uma profanação. Entre “usar” e “profanar” parece haver uma relação especial, que é importante esclarecer.

      Pode-se definir como religião aquilo que subtrai coisas, lugares, animais ou pessoas ao uso comum e as transfere para uma esfera separada. Não só não há religião sem separação, como toda separação contém ou conserva em si um núcleo genuinamente religioso. O dispositivo que realiza e regula a separação é o sacrifício: através de uma série de rituais minuciosos, diferenciados segundo a variedade das culturas, e que Hubert e Mauss inventariaram pacientemente, ele estabelece, em todo caso, a passagem de algo do profano para o sagrado, da esfera humana para a divina. É essencial o corte que separa as duas esferas, o limiar que a vítima deve atravessar, não importando se num sentido ou noutro. O que foi separado ritualmente pode ser restituído, mediante o rito, à esfera profana. Uma das formas mais simples de profanação ocorre através de contato (contagione) no mesmo sacrifício que realiza e regula a passagem da vítima da esfera humana para a divina. Uma parte dela (as entranhas, exta: o fígado, o coração, a vesícula biliar, os pulmões) está reservada aos deuses, enquanto o restante pode ser consumido pelos homens. Basta que os participantes do rito toquem essas carnes para que se tornem profanas e possam ser simplesmente comidas. Há um contágio profano, um tocar que desencanta e devolve ao uso aquilo que o sagrado havia separado e petrificado.

      O termo religio, segundo uma etimologia ao mesmo tempo insípida e inexata, não deriva de religare (o que liga e une o humano e o divino), mas de relegere, que indica a atitude de escrúpulo e de atenção que deve caracterizar as relações com os deuses, a inquieta hesitação (o “reler”) perante as formas — e as fórmulas — que se devem observar a fim de respeitar a separação entre o sagrado e o profano. Religio não é o que une homens e deuses, mas aquilo que cuida para que se mantenham distintos. Por isso, à religião não se opõem a incredulidade e a indiferença com relação ao divino, mas a “negligência”, uma atitude livre e “distraída” — ou seja, desvinculada da religio das normas — diante das coisas e do seu uso, diante das formas da separação e do seu significado. Profanar significa abrir a possibilidade de uma forma especial de negligência, que ignora a separação, ou melhor, faz dela um uso particular.

      A passagem do sagrado ao profano pode acontecer também por meio de um uso (ou melhor, de um reuso) totalmente incongruente do sagrado. Trata-se do jogo. Sabe-se que as esferas do sagrado e do jogo estão estreitamente vinculadas. A maioria dos jogos que conhecemos deriva de antigas cerimônias sacras, de rituais e de práticas divinatórias que outrora pertenciam à esfera religiosa em sentido amplo. Brincar de roda era originalmente um rito matrimonial; jogar com bola reproduz a luta dos deuses pela posse do sol; os jogos de azar derivam de práticas oraculares; o pião e o jogo de xadrez eram instrumentos de adivinhação. Ao analisar a relação entre jogo e rito, Émile Benveniste mostrou que o jogo não só provém da esfera do sagrado, mas também, de algum modo, representa a sua inversão. A potência do ato sagrado — escreve ele — reside na conjunção do mito que narra a história com o rito que a reproduz e a põe em cena. O jogo quebra essa unidade: como ludus, ou jogo de ação, faz desaparecer o mito e conserva o rito; como jacus, ou jogo de palavras, ele cancela o rito e deixa sobreviver o mito. “Se o sagrado pode ser definido através da unidade consubstanciai entre o mito e o rito, poderíamos dizer que há jogo quando apenas metade da operação sagrada é realizada, traduzindo só o mito em palavras e só o rito em ações.”

      Isso significa que o jogo libera e desvia a humanidade da esfera do sagrado, mas sem a abolir simplesmente. O uso a que o sagrado é devolvido é um uso especial, que não coincide com o consumo utilitarista. Assim, a “profanação” do jogo não tem a ver apenas com a esfera religiosa. As crianças, que brincam com qualquer bugiganga que lhes caia nas mãos, transformam em brinquedo também o que pertence à esfera da economia, da guerra, do direito e das outras atividades que estamos acostumados a considerar sérias. Um automóvel, uma arma de fogo, um contrato jurídico transformam-se improvisadamente em brinquedos. É comum, tanto nesses casos como na profanação do sagrado, a passagem de uma religio, que já é percebida como falsa ou opressora, para a negligência como vera religio. E essa não significa descuido (nenhuma atenção resiste ao confronto com a da criança que brinca), mas uma nova dimensão do uso que crianças e filósofos conferem à humanidade. Trata-se de um uso cujo tipo Benjamin devia ter em mente quando escreveu, em O novo advogado, que o direito não mais aplicado, mas apenas estudado, é a porta da justiça. Da mesma forma que a religio não mais observada, mas jogada, abre a porta para o uso, assim também as potências da economia, do direito e da política, desativadas em jogo, tornam-se a porta de uma nova felicidade.

      O jogo como órgão da profanação está em decadência em todo lugar. Que o homem moderno já não sabe jogar fica provado precisamente pela multiplicação vertiginosa de novos e velhos jogos. No jogo, nas danças e nas festas, ele procura, de maneira desesperada e obstinada, precisamente o contrário do que ali poderia encontrar: a possibilidade de voltar à festa perdida, um retorno ao sagrado e aos seus ritos, mesmo que fosse na forma das insossas cerimônias da nova religião espetacular ou de uma aula de tango em um salão do interior. Nesse sentido, os jogos televisivos de massa fazem parte de uma nova liturgia, e secularizam uma intenção inconscientemente religiosa. Fazer com que o jogo volte à sua vocação puramente profana é uma tarefa política.

      É preciso, nesse sentido, fazer uma distinção entre secularização e profanação. A secularização é uma forma de remoção que mantém intactas as forças, que se restringe a deslocar de um lugar a outro. Assim, a secularização política de conceitos teológicos (a transcendência de Deus como paradigma do poder soberano) limita-se a transmutar a monarquia celeste em monarquia terrena, deixando, porém, intacto o seu poder.

      A profanação implica, por sua vez, uma neutralização daquilo que profana. Depois de ter sido profanado, o que estava indisponível e separado perde a sua aura e acaba restituído ao uso. Ambas as operações são políticas, mas a primeira tem a ver com o exercício do poder, o que é assegurado remetendo-o a um modelo sagrado; a segunda desativa os dispositivos do poder e devolve ao uso comum os espaços que ele havia confiscado.

      Os filólogos não cansam de ficar surpreendidos com o dúplice e contraditório significado que o verbo profanare parece ter em latim: por um lado, tornar profano, por outro — em acepção atestada só em poucos casos — sacrificar. Trata-se de uma ambigüidade que parece inerente ao vocabulário do sagrado como tal: o adjetivo sacer, com um contra-senso que Freud já havia percebido, significaria tanto “augusto, consagrado aos deuses”, como “maldito, excluído da comunidade”. A ambigüidade, que aqui está em jogo, não se deve apenas a um equívoco, mas é, por assim dizer, constitutiva da operação profanatória (ou daquela, inversa, da consagração). Enquanto se referem a um mesmo objeto que deve passar do profano ao sagrado e do sagrado ao profano, tais operações devem prestar contas, cada vez, a algo parecido com um resíduo de profanidade em toda coisa consagrada e a uma sobra de sacralidade presente em todo objeto profanado.

      Veja-se o termo sacer. Ele designa aquilo que, através do ato solene da sacratio ou da devotio (com que o comandante consagra a sua vida aos deuses do inferno para assegurar a vitória), foi entregue aos deuses, pertence exclusivamente a eles. Contudo, na expressão homo sacer, o adjetivo parece designar um indivíduo que, rendo sido excluído da comunidade, pode ser morto impunemente, mas não pode ser sacrificado aos deuses. O que aconteceu de fato nesse caso? Um homem sagrado, ou seja, pertencente aos deuses, sobreviveu ao rito que o separou dos homens e continua levando uma existência aparentemente profana entre eles. No mundo profano, é inerente ao seu corpo um resíduo irredutível de sacralidade, que o subtrai ao comércio normal com seus semelhantes e o expõe à possibilidade da morte violenta, que o devolve aos deuses aos quais realmente pertence; considerado, porém, na esfera divina, ele não pode ser sacrificado e é excluído do culto, pois sua vida já é propriedade dos deuses e, mesmo assim, enquanto sobrevive, por assim dizer, a si mesma, ela introduz um resto incongruente de profanidade no âmbito do sagrado. Sagrado e profano representam, pois, na máquina do sacrifício, um sistema de dois polos, no qual um significante flutuante transita de um âmbito para outro sem deixar de se referir ao mesmo objeto. Mas é precisamente desse modo que a máquina pode assegurar a partilha do uso entre os humanos e os divinos e pode devolver eventualmente aos homens o que havia sido consagrado aos deuses. Daí nasce a promiscuidade entre as duas operações no sacrifício romano, na qual uma parte da própria vítima consagrada acaba profanada por contágio e consumida pelos homens, enquanto outra é entregue aos deuses.

      Nessa perspectiva, tornam-se talvez mais compreensíveis o cuidado obsessivo e a implacável seriedade de que, na religião cristã, deviam dar mostras teólogos, pontífices e imperadores, a fim de garantirem, na medida do possível, a coerência e a inteligibilidade da noção de transubstanciação no sacrifício da missa, e das noções de encarnação e omousia no dogma trinitário. Ali estava em jogo nada menos que a sobrevivência de um sistema religioso que havia envolvido o próprio Deus como vítima do sacrifício e, desse modo, havia introduzido nele a separação que, no paganismo, tinha a ver apenas com as coisas humanas. Tratava-se, portanto, de resistir, através da contemporânea presença de duas naturezas numa única pessoa, ou numa só vítima, à confusão entre divino e humano que ameaçava paralisar a máquina sacrificai do cristianismo.

      A doutrina da encarnação garantia que a natureza divina e a humana estivessem presentes sem ambigüidade na mesma pessoa, assim como a transubstanciação garantia que as espécies do pão e do vinho se transformassem, sem resíduos, no corpo de Cristo. Acontece assim que, no cristianismo, com a entrada de Deus como vítima do sacrifício e com a forte presença de tendências messiânicas que colocaram em crise a distinção entre o sagrado e o profano, a máquina religiosa parece alcançar um ponto limítrofe ou uma zona de indecidibilidade, em que a esfera divina está sempre prestes a colapsar na esfera humana, e o homem já transpassa sempre para o divino.

      O capitalismo como religião é o título de um dos mais profundos fragmentos póstumos de Benjamin. Segundo Benjamin, o capitalismo não representa apenas, como em Weber, uma secularização da fé protestante, mas ele próprio é, essencialmente, um fenômeno religioso, que se desenvolve de modo parasitário a partir do cristianismo. Como tal, como religião da modernidade, ele é definido por três características: 1. É uma religião cultual, talvez a mais extrema e absoluta que jamais tenha existido. Tudo nela tem significado unicamente com referência ao cumprimento de um culto, e não com respeito a um dogma ou a uma ideia. 2. Esse culto é permanente; é “a celebração de um culto sans trêve et sans merci” . Nesse caso, não é possível distinguir entre dias de festa e dias de trabalho, mas há um único e ininterrupto dia de festa, em que o trabalho coincide com a celebração do culto. 3. O culto capitalista não está voltado para a redenção ou para a expiação de uma culpa, mas para a própria culpa.

      O capitalismo é talvez o único caso de um culto não expiador, mas culpabilizante […] Uma monstruosa consciência culpável que não conhece redenção transforma-se em culto, não para expiar com ele a sua culpa, mas para torná-la universal […] e para, ao final, envolver o próprio Deus na culpa […] Deus não está morto, mas foi incorporado ao destino do homem.

      Precisamente porque tende com todas as suas forças não para a redenção, mas para a culpa, não para a esperança, mas para o desespero, o capitalismo como religião não tem em vista a transformação do mundo, mas a destruição do mesmo. E o seu domínio é em nosso tempo tão total que também os três grandes profetas da modernidade (Nietzsche, Marx e Freud) conspiram com ele, segundo Benjamin, sendo, de algum modo, solidários com a religião do desespero. “Esta passagem do planeta homem, através da casa do desespero, para a absoluta solidão do seu percurso é o ethos que define Nietzsche. Este homem é o Super-Homem, ou seja, o primeiro homem que começa conscientemente a realizar a religião capitalista.” Também a teoria freudiana pertence ao sacerdócio do culto capitalista: “o removido, a representação pecaminosa […] é o capital, sobre o qual o inferno do inconsciente paga os juros”. E em Marx, o capitalismo “com os juros simples e compostos, que são função da culpa […] transforma-se imediatamente em socialismo”.

      Procuremos continuar as reflexões de Benjamin na perspectiva que aqui nos interessa. Poderíamos dizer então que o capitalismo, levando ao extremo uma tendência já presente no cristianismo, generaliza e absolutiza, em todo âmbito, a estrutura da separação que define a religião. Onde o sacrifício marcava a passagem do profano ao sagrado e do sagrado ao profano, está agora um único, multiforme e incessante processo de separação, que investe toda coisa, todo lugar, toda atividade humana para dividi-la por si mesma e é totalmente indiferente à cisão sagrado/profano, divino/humano. Na sua forma extrema, a religião capitalista realiza a pura forma da separação, sem mais nada a separar.

      Uma profanação absoluta e sem resíduos coincide agora com uma consagração igualmente vazia e integral. E como, na mercadoria, a separação faz parte da própria forma do objeto, que se distingue em valor de uso e valor de troca e se transforma em fetiche inapreensível, assim agora tudo o que é feito, produzido e vivido — também o corpo humano, também a sexualidade, também a linguagem — acaba sendo dividido por si mesmo e deslocado para uma esfera separada que já não define nenhuma divisão substancial e na qual todo uso se torna duravelmente impossível. Esta esfera é o consumo. Se, conforme foi sugerido, denominamos a fase extrema do capitalismo que estamos vivendo como espetáculo, na qual todas as coisas são exibidas na sua separação de si mesmas, então espetáculo e consumo são as duas faces de uma única impossibilidade de usar. O que não pode ser usado acaba, como tal, entregue ao consumo ou à exibição espetacular. Mas isso significa que se tornou impossível profanar (ou, pelo menos, exige procedimentos especiais). Se profanar significa restituir ao uso comum o que havia sido separado na esfera do sagrado, a religião capitalista, na sua fase extrema, está voltada para a criação de algo absolutamente Improfanável.

      O cânone teológico do consumo como impossibilidade do uso foi fixado no século XIII pela Cúria Romana no contexto do conflito em que ela se opôs à Ordem dos Franciscanos. Na sua reivindicação da “altíssima pobreza”, os franciscanos afirmavam a possibilidade de um uso totalmente desvinculado da esfera do direito, que eles, para o distinguir do usufruto e de qualquer outro direito de uso, chamavam de usus facti, uso de fato (ou do fato). Contra eles, João XXII, adversário implacável da Ordem, escreve a sua bula Ad conditorem canonum. Nas coisas que são objeto de consumo — argumenta ele —, como o alimento, as roupas etc., não pode haver um uso diferente daquele da propriedade, porque o mesmo se define integralmente no ato do seu consumo, ou seja, da sua destruição (abusus). O consumo, que destrói necessariamente a coisa, não é senão a impossibilidade ou a negação do uso, que pressupõe que a substância da coisa permaneça intacta (salva rei substantia). Não só isso: um simples uso de fato, distinto da propriedade, não existe naturalmente, não é, de modo algum, algo que se possa “ter”. “O próprio ato do uso não existe naturalmente nem antes de o exercer, nem durante o tempo em que se exerce, nem sequer depois de tê-lo exercido. O consumo, mesmo no ato do seu exercício, sempre é já passado ou futuro e, como tal, não se pode dizer que exista naturalmente, mas apenas na memória ou na expectativa. Portanto, ele não pode ter sido a não ser no instante do seu desaparecimento.”

      Dessa maneira, com uma profecia inconsciente, João XXII apresenta o paradigma de uma impossibilidade de usar que iria alcançar seu cumprimento muitos séculos depois na sociedade dos consumos. Essa obstinada negação do USO percebe, porém, a sua natureza mais radicalmente do que eram capazes de fazê-lo os que o reivindicavam dentro da ordem franciscana. Isso porque o puro uso aparece, na sua argumentação, não tanto como algo inexistente — ele existe, de fato, instantaneamente no ato do consumo — quanto, sobretudo, como algo que nunca se pode ter, que nunca pode constituir uma propriedade (dominium). Assim, o uso é sempre relação com o inapropriável, referindo-se às coisas enquanto não se podem tornar objeto de posse. Desse modo, porém, o uso evidencia também a verdadeira natureza da propriedade, que não é mais que o dispositivo que desloca o livre uso dos homens para uma esfera separada, na qual é convertido em direito. Se hoje os consumidores na sociedade de massas são infelizes, não é só porque consomem objetos que incorporaram em si a própria não-usabilidade, mas também e sobretudo porque acreditam que exercem o seu direito de propriedade sobre os mesmos, porque se tornaram incapazes de os profanar.

      A impossibilidade de usar tem o seu lugar tópico no Museu. A museificação do mundo é atualmente um dado de fato. Uma após outra, progressivamente, as potências espirituais que definiam a vida dos homens — a arte, a religião, a filosofia, a idéia de natureza, até mesmo a política — retiraram-se, uma a uma, docilmente, para o Museu. Museu não designa, nesse caso, um lugar ou um espaço físico determinado, mas a dimensão separada para a qual se transfere o que há um tempo era percebido como verdadeiro e decisivo, e agora já não é. O Museu pode coincidir, nesse sentido, com uma cidade inteira (Évora, Veneza, declaradas por isso mesmo patrimônio da humanidade), com uma região (declarada parque ou oásis natural), e até mesmo com um grupo de indivíduos (enquanto representa uma forma de vida que desapareceu). De forma mais geral, tudo hoje pode tornar-se Museu, na medida em que esse termo indica simplesmente a exposição de uma impossibilidade de usar, de habitar, de fazer experiência.

      Por essa razão, no Museu, a analogia entre capitalismo e religião se torna evidente. O Museu ocupa exatamente o espaço e a função em outro tempo reservados ao Templo como lugar do sacrifício. Aos fiéis no Templo — ou aos peregrinos que percorriam a terra de Templo em Templo, de santuário em santuário — correspondem hoje os turistas, que viajam sem trégua num mundo estranhado em Museu. Mas enquanto os fiéis e os peregrinos participavam, no final, de um sacrifício que, separando a vítima na esfera sagrada, restabelecia as justas relações entre o divino e o humano, os turistas celebram, sobre a sua própria pessoa, um ato sacrifical que consiste na angustiante experiência da destruição de todo possível uso. Se os cristãos eram “peregrinos”, ou seja, estrangeiros sobre a terra, porque sabiam que tinham no céu a sua pátria, os adeptos do novo culto capitalista não têm pátria alguma, porque residem na forma pura da separação. Aonde quer que vão, eles encontrarão, multiplicada e elevada ao extremo, a própria impossibilidade de habitar, que haviam conhecido nas suas casas e nas suas cidades, a própria incapacidade de usar, que haviam experimentado nos supermercados, nos shopping centers e nos espetáculos televisivos. Por isso, enquanto representa o culto e o altar central da religião capitalista, o turismo é atualmente a primeira indústria do mundo, que atinge anualmente mais de 650 milhões de homens. E nada é mais impressionante do que o fato de milhões de homens comuns conseguirem realizar na própria carne talvez a mais desesperada experiência que a cada um seja permitido realizar: a perda irrevogável de todo uso, a absoluta impossibilidade de profanar.

      É possível, porém, que o Improfanável, sobre o qual se funda a religião capitalista, não seja de fato tal, e que atualmente ainda haja formas eficazes de profanação. Por isso, é preciso lembrar que a profanação não restaura simplesmente algo parecido com um uso natural, que preexistia à sua separação na esfera religiosa, econômica ou jurídica. A sua operação — como mostra com clareza o exemplo do jogo — é mais astuta e complexa e não se limita a abolir a forma da separação para voltar a encontrar, além ou aquém dela, um uso não contaminado. Também na natureza acontecem profanações. O gato que brinca com um novelo como se fosse um rato — exatamente como a criança fazia com antigos símbolos religiosos ou com objetos que pertenciam à esfera econômica — usa conscientemente de forma gratuita os comportamentos próprios da atividade predatória (ou, no caso da criança, próprios do culto religioso ou do inundo do trabalho). Estes não são cancelados, mas, graças à substituição do novelo pelo rato (ou do brinquedo pelo objeto sacro), eles acabam desativados e, dessa forma, abertos a um novo e possível uso.

      Mas de que uso se trata? Qual é, para o gato, o uso possível do novelo? Ele consiste em libertar um comportamento da sua inscrição genética em uma esfera determinada (a atividade predatória, a caça). O comportamento libertado dessa forma reproduz e ainda expressa gestualmente as formas da atividade de que se emancipou, esvaziando-as, porém, de seu sentido e da relação imposta com uma finalidade, abrindo-as e dispondo-as para um novo uso. O jogo com o novelo representa a libertação do rato do fato de ser uma presa, e é libertação da atividade predatória do fato de estar necessariamente voltada para a captura e a morte do rato; apesar disso, ele apresenta os mesmos comporta-mentos que definiam a caça. A atividade que daí resulta torna-se dessa forma um puro meio, ou seja, uma prática que, embora conserve tenazmente a sua natureza de meio, se emancipou da sua relação com uma finalidade, esqueceu alegremente o seu objetivo, podendo agora exibir-se como tal, como meio sem fim. Assim, a criação de um novo uso só é possível ao homem se ele desativar o velho uso, tornando-o inoperante.

      A separação dá-se também e sobretudo na esfera do corpo, como repressão e separação de determinadas funções fisiológicas. Umas delas é a defecação, que, em nossa sociedade, é isolada e escondida através de uma série de dispositivos e de proibições (que têm a ver tanto com os comportamentos quanto com a linguagem). O que poderia querer dizer: profanar a defecação? Certamente não encontrar nisso uma pretensa naturalidade, nem simplesmente desfrutá-lo como forma de transgressão perversa (o que, aliás, é melhor do que nada). Trata-se, sim, de alcançar arqueologicamente a defecação como campo de tensões polares entre natureza e cultura, privado e público, singular e comum. Ou melhor, trata-se de aprender um novo uso das fezes, assim como as crianças estavam tentando fazer a seu modo antes que interviessem a repressão e a separação. As formas desse uso só poderão ser inventadas de maneira coletiva. Como observou certa vez Italo Calvino, também as fezes são uma produção humana como as outras, só que delas nunca se fez uma história. Por esse motivo, qualquer tentativa individual de profaná-las pode ter apenas valor de paródia, a exemplo da cena da defecação em volta de uma mesa de jantar no filme de Buñuel.

      As fezes — é claro — aparecem aqui apenas como símbolo do que foi separado e pode ser restituído ao uso comum. Mas é possível uma sociedade sem separação? A pergunta talvez esteja mal formulada. Profanar não significa simplesmente abolir e cancelar as separações, mas aprender a fazer delas um uso novo, a brincar com elas. A sociedade sem classes não é uma sociedade que aboliu e perdeu toda memória das diferenças de classe, mas uma sociedade que soube desativar seus dispositivos, a fim de tornar possível um novo uso, para transformá-las em meios puros.

      Nada é, porém, tão frágil e precário como a esfera dos meios puros. Também o jogo, na nossa sociedade, tem caráter episódico, depois do qual a vida normal deve retomar seu curso (e o gato a sua caça). E ninguém melhor do que as crianças sabe como pode ser atroz e inquietante um brinquedo quando acabou o jogo de que era parte. O instrumento de libertação converte-se então em um pedaço de madeira sem graça, e a boneca para a qual a menina dirigiu seu amor torna-se um gélido e vergonhoso boneco de cera que um mago malvado pode capturar e enfeitiçar para servir-se dele contra nós.

      Esse mago malvado é o grande sacerdote da religião capitalista. Se os dispositivos do culto capitalista são tão eficazes é porque agem não apenas e nem sobretudo sobre os comportamentos primários, mas sobre os meios puros, ou seja, sobre comportamentos que foram separados de si mesmos e, assim, separados da sua relação com uma finalidade. Na sua fase extrema, o capitalismo não é senão um gigantesco dispositivo de captura dos meios puros, ou seja, dos comportamentos profanatórios. Os meios puros, que representam a desativação e a ruptura de qualquer separação, acabam por sua vez sendo separados em uma esfera especial. Exemplo disso é a linguagem. Certamente o poder sempre procurou assegurar o controle da comunicação social, servindo-se da linguagem como meio para difundir a própria ideologia e para induzir a obediência voluntária. Hoje, porém, tal função instrumental — ainda eficaz às margens do sistema, quando se verificam situações de perigo e de exceção — deu lugar a um procedimento diferente de controle, que, ao ser separado na esfera espetacular, atinge a linguagem no seu rodar no vazio, ou seja, no seu possível potencial profanatório. Mais essencial do que a função de propaganda, que diz respeito à linguagem como instrumento voltado para um fim, é a captura e a neutralização do meio puro por excelência, isto é, da linguagem que se emancipou dos seus fins comunicativos e assim se prepara para um novo uso.

      Os dispositivos midiáticos têm como objetivo, precisamente, neutralizar esse poder profanatório da linguagem como meio puro, impedir que o mesmo abra a possibilidade de um novo uso, de uma nova experiência da palavra. A Igreja, depois dos dois primeiros séculos de esperança e de expectativa, já tinha concebido sua função com o objetivo essencial de neutralizar a nova experiência da palavra que Paulo, ao colocá-la no centro do anúncio messiânico, havia denominado pistis, fé. Da mesma maneira, no sistema da religião espetacular, o meio puro, suspenso e exibido na esfera midiática, expõe o próprio vazio, diz apenas o próprio nada, como se nenhum uso novo fosse possível, como se nenhuma outra experiência da palavra ainda fosse possível.

      Essa aniquilação dos meios puros evidencia-se no dispositivo que, mais que qualquer outro, parece ter realizado o sonho capitalista da produção de um Improfanável. Trata-se da pornografia. Quem tem alguma familiaridade com a história da fotografia erótica sabe que, no seu início, as modelos mostram uma expressão romântica e quase sonhadora, como se a objetiva as tivesse surpreendido, e não visto, na intimidade do seu boudoir. Às vezes, preguiçosamente estendidas sobre um canapé, fingem estar dormindo ou até mesmo lendo, como acontece em alguns nus de Braquehais e de Camille d’Olivier; outras vezes, o fotógrafo indiscreto flagrou-as precisamente quando, sozinhas consigo mesmas, se estão olhando no espelho (é a mise-en-scène preferida por Auguste Belloc). Muito cedo, no entanto, acompanhando a absolutização capitalista da mercadoria e do valor de troca, a expressão delas se transforma e se torna desavergonhada; as poses ficam complicadas e adquirem movimento, como se as modelos exagerassem intencionalmente a sua indecência, exibindo assim a sua consciência de estarem expostas frente à objetiva. Mas é apenas em nosso tempo que tal processo alcança o seu estágio extremo. Os historiadores do cinema registram como novidade desconcertante a seqüência de Monika (1952) na qual a protagonista Harriet Andersson mantém improvisadamente fixo, por alguns segundos, o seu olhar voltado para a câmara (“aqui, pela primeira vez na história do cinema”, irá comentar retrospectivamente o diretor Ingmar Bergman, “estabelece-se um contato despudorado e direto com o espectador”). Desde então, a pornografia certamente banalizou o procedimento: as pornostars, no preciso momento em que executam suas carícias mais íntimas, olham resolutamente para a objetiva, mostrando maior interesse pelo espectador do que pelos seus partners.

      Dessa maneira, realiza-se plenamente o princípio que Benjamin já havia enunciado em 1936, ao escrever o ensaio sobre Fuchs: “o que nestas imagens atua como estímulo sexual não é tanto a visão da nudez quanto a idéia da exibição do corpo nu frente à objetiva”. Um ano antes, a fim de caracterizar a transformação que a obra de arte sofre na época da sua reprodutibilidade técnica, Benjamin havia criado o conceito de “valor de exposição” (Ausstellun­gswert). Nada poderia caracterizar melhor a nova condição dos objetos e até mesmo do corpo humano na idade do capitalismo realizado do que esse conceito. Na oposição marxiana entre valor de uso e valor de troca, o valor de exposição sugere um terceiro termo, que não se deixa reduzir aos dois primeiros. Não se trata de valor de uso, porque o que está exposto é, como tal, subtraído à esfera do uso; nem se trata de valor de troca, porque não mede, de forma alguma, uma força-trabalho.

      Mas é talvez só na esfera do rosto humano que o mecanismo do valor de exposição encontra o seu devido lugar. É uma experiência comum que o rosto de uma mulher que se sente olhada se torne inexpressivo. Saber que está exposta ao olhar cria o vazio na consciência e age como um poderoso desagregador dos processos expressivos que costumeiramente animam o rosto. Trata-se aqui da descarada indiferença que, antes de qualquer outra coisa, as manequins, as pornostars e as outras profissionais da exposição devem aprender a conquistar: não dar a ver nada mais que um dar a ver (ou seja, a própria e absoluta medialidade). Dessa forma, o rosto carrega-se até chegar a explodir de valor de exposição. Mas exatamente através dessa aniquilação da expressividade o erotismo penetra ali onde não poderia ter lugar: no rosto humano, que não conhece nudez, porque sempre já está nu. Exibido como puro meio para além de toda expressividade concreta, ele se torna disponível para um novo uso, para uma nova forma de comunicação erótica.

      Uma pornostar, que presta seus serviços em performances artísticas, levou recentemente tal procedimento ao extremo. Ela se faz fotografar precisamente no momento de realizar ou sofrer os atos mais obscenos, mas sempre de tal maneira que o seu rosto fique bem visível em primeiro plano. E, em vez de simular o prazer, segundo a convenção comum nesses casos, ela simula e exibe — como as manequins — a mais absoluta indiferença, a mais estóica ataraxia. A quem fica indiferente Chloé des Lysses? Certamente ao seu partner. Mas também aos espectadores, que, com surpresa, se dão conta de que a star, mesmo sabendo perfeitamente estar exposta ao olhar, não tem com eles sequer a mínima cumplicidade. O seu semblante impassível rompe assim toda relação entre o vivido e a esfera expressiva; não exprime mais nada, mas se dá a ver como lugar imaculado da expressão, como puro meio.

      O que o dispositivo da pornografia procura neutralizar é esse potencial profanatório. O que nele acaba sendo capturado é a capacidade humana de fazer andar em círculo os comportamentos eróticos, de os profanar, separando-os do seu fim imediato. Mas enquanto, dessa maneira, os mesmos se abriam para um possível uso diferente, que dizia respeito não tanto ao prazer do partner mas a uni novo uso coletivo da sexualidade, a pornografia intervém nessa altura para bloquear e para desviar a intenção profanatória. O consumo solitário e desesperado da imagem pornográfica acaba substituindo a promessa de um novo uso.

      Todo dispositivo de poder sempre é duplo: por um lado, isso resulta de um comportamento individual de subjetivação e, por outro, da sua captura numa esfera separada. Em si mesmo, o comportamento individual não traz, muitas vezes, nada de reprovável e até pode expressar uma intenção liberatória; reprovável é eventualmente — quando não foi obrigado pelas circunstâncias ou pela força — apenas o fato de se ter deixado capturar no dispositivo. Não é o gesto impudente da pornostar nem o rosto impassível da manequim, como tais, que devem ser questionados; infames são, isso sim — política e moralmente — o dispositivo da pornografia, o dispositivo do desfile de moda, que os desviaram do seu uso possível.

      O Improfanável da pornografia — qualquer improfanável — baseia-se no aprisionamento e na distração de uma intenção autenticamente profanatória. Por isso é importante toda vez arrancar dos dispositivos — de todo dispositivo — a possibilidade de uso que os mesmos capturaram. A profanação do improfanável é a tarefa política da geração que vem.

      *Texto originalmente publicado em: AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2012.

      Refazer o luto: Como construir novos rituais diante de uma doença que deixa meio milhão de brasileiros sem despedida? (ECOA/UOL)

      uol.com.br

      Carina Martins, 30 de junho de 2020

      Quando o irmão da psicóloga Marília Gabriela morreu, três meses atrás, a pandemia no Brasil ainda era chamada de gripezinha. Saudável, ativo e aos 39 anos, Alexandre prestou sua peregrinação pelo sistema de saúde por alguns dias, até que não considerassem mais sua condição tão benigna. Quando finalmente foi internado, apenas o irmão que o conduziu ao hospital o viu entrar. Nunca mais ninguém da família pôde falar com ele. Um dia depois, ligaram pedindo os seus documentos, e os parentes já entenderam.

      Acabou assim, no ar. “A gente foi até o local da cremação, mas você só vai para assinar papel. E tem a coisa de não poder tocar no outro. Na hora, minha mãe acabou abraçando algumas pessoas. Tentei impedir, mas me disseram que deixasse”, conta Marília.

      Não foi suficiente para aplacar o rompimento inesperado do vínculo que o jovem filho, irmão, amigo tinha com os seus. A mãe de Alexandre não sabia, mas decidiu fazer exatamente o que aconselham os especialistas: criar um ritual possível. “Ela ligou para um amigo muito querido dele e falou, me ajuda a pensar, não sei o que faço com as cinzas”. A atitude desencadeou um movimento em rede entre pessoas que amavam Alexandre e que começaram a falar sobre ele e rememorar – a viver seu luto. Os amigos sugeriram espalhar as cinzas na praça ao lado da casa onde cresceram e passaram muitos momentos. Uma amiga da mãe pensou em plantar uma árvore e fazer uma oração.

      Criaram então, juntos, seu próprio ritual. Escolheram uma árvore – flamboyant – e chamaram poucas pessoas para uma celebração. Na véspera, Marília teve medo de remexer nos sentimentos. Mas foi em frente. “Procurei o jardineiro da praça, ele preparou o buraco com todo cuidado para a muda”. No dia seguinte, cerca de 10 pessoas, afastadas e de máscara, mas juntas, estavam lá. “Nosso irmão mais novo disse algumas palavras, falou o quanto Alexandre amava essas pessoas e fizemos uma oração”. Um ritual simples, mas fundamental. Agora, a mãe de Alexandre sempre visita a mudinha quando passeia com a cachorra que era do filho. Anda achando que a planta está mirrada, quer ver a árvore mais vigorosa. De vez em quando, vai lá cuidar do canteiro.

      “Sentimos acho que uma calma, uma coisa que se fecha. A dor existe, mas está bem diferente”, diz Marília. “Não é algo banal”.

      Linoca Souza/UOL

      Meio milhão sem adeus

      Todas as culturas têm um ritual próprio para despedir-se de seus mortos. Todos, até onde sabemos, desde sempre, desde o momento mais primitivo da história humana. A unanimidade dessa necessidade é incomum, e um bom indicativo do quanto ela é, literalmente, uma necessidade. Nem mesmo os rituais de nascimento têm essa incidência absoluta. “Porque a morte desorganiza”, explica a doutora em psicologia Maria Helena Franco, coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto da PUC-SP. “O nascimento, nem tanto. A morte desorganiza um grupo, uma sociedade, e em extensão, uma cultura. E o ritual tem essa função de reorganizar”.

      Desde o início da pandemia, no entanto, os ritos tradicionais foram suspensos pela imposição de uma realidade em que a despedida tornou-se um risco. Os rituais existem em diversidade inumerável, mas quase sempre envolvem o toque, a presença ou a manipulação do corpo. Essa proximidade não é mais possível, já que, por questões de segurança sanitária, as vítimas de covid-19 chegam às suas famílias envoltas em três camadas protetoras, dentro de urnas lacradas, com a orientação de velórios muito curtos e funerais sem aglomeração.

      Uma série de estudos sobre luto antes da pandemia, e outros realizados também com o viés do coronavírus, estima que, em média, cada vida deixa até dez enlutados. Dez pessoas com vínculo significativo com a pessoa que se foi, e que passarão pelo processo do luto. É o número com que trabalham especialistas como Maria Helena, embora ela o considere “conservador” para a realidade brasileira. Isso significa que, dentro dessa estimativa conservadora, os (também conservadores) mais de 50 mil mortos oficiais por Covid, somados aos mortos suspeitos que também são submetidos aos mesmos cuidados, deixaram para trás uma multidão de mais de meio milhão de brasileiros que não puderam se despedir de seus entes queridos. E essa multidão segue crescendo.

      “Estamos vivendo um desastre. Mas é um desastre diferente, porque é lento. Em um tsunami, numa barragem que estoura, a onda vem, passa, e fica a destruição. O coronavírus é uma onda em câmera lenta. Você olha para fora e não tem destruição”, diz Elaine Gomes Alves, doutora e pesquisadora da área de Psicologia de Emergências e Desastres do Laboratório de Estudos sobre a Morte da USP.

      A gente tem que desconstruir uma coisa que já existe há gerações para colocar no lugar uma realidade que tá aqui, agora, imposta. Não foi nem construída, foi imposta. E é natural que a gente proteste e tenha dificuldade de aceitar isso

      Maria Helena Franco, coordenadora do Laboratório de Estudos e Intervenções sobre o Luto da PUC-SP

      Diferentemente da maior parte dos desastres, a pandemia não tem a vivência do luto coletivo, que é um recurso muito útil de acolhimento. “As pessoas se aglomeram, ofertam apoio, vivenciam junto. Em Brumadinho, por exemplo, você pode chegar na cidade e falar dos mortos com qualquer um. Na situação atual, a pessoa morre, é enterrada e vai cada um para sua casa, fica sozinho, isolado”, aponta Elaine.

      “Não é a pessoa, é o corpo da pessoa. Mas nós, humanos, trabalhamos com símbolos, e para os enlutados falta como simbolizar”, concorda Maria Helena.

      Além de ser uma nuance comovente dentro da situação que vivemos, esse obstáculo ao luto é, por si, um potencial problema para cada um que passa por isso e, na proporção que está sendo construído, para a sociedade. Quando o processo do luto não é bem vivido, ele pode tornar-se o que os especialistas chamam de “luto complicado”, que é um luto com possibilidade de adoecimento. As duas especialistas ouvidas pela reportagem, assim como a OMS, esperam uma enormidade de aumento na demanda de saúde mental no porvir da pandemia. Aliás, da saúde como um todo, já que nenhuma das duas dissocia totalmente as saúdes física e mental.

      “O luto é um processo de dor intensa. Não existe na existência humana nenhum processo que seja pior do que o luto. Você precisa de um tempo primeiro para entender que a pessoa morreu, para chorar com ela, entrar em contato com a falta, buscar ferramentas internas parta sair do sofrimento. Cada um vai ter um tempo de luto para terminar seu processo”, explica Elaine. O problema é que, sem os rituais, os enlutados muitas vezes sequer conseguem começar adequadamente. “Você pode empacar em algumas coisas. Por exemplo, na negação – como não viu o corpo, pode dizer que ele não morreu. Algumas pessoas que passam por isso dizem coisas como ‘Sabe o que eu penso? Que ele está viajando’. E isso é um problema. É importante fechar o ciclo. Não importa quanto tempo leve.”

      Em busca de um símbolo

      A construção de uma despedida possível feita pela família de Marília Gabriela não é banal, como ela apontou. Fazer um ritual, ainda que não seja seguindo a tradição, é a recomendação unânime dos psicólogos. Mas não é fácil encontrar os recursos internos para isso, muito menos em um momento de dor. “A racionalidade não tem tido muito efeito. Porque o ritual é tão antigo, é tão arraigado, que a gente saber por quê não pode – por quê não pode aglomeração, por quê tem que enterrar rapidamente – não surte muito efeito”, diz Maria Helena.

      No caso de Alexandre, colaborou o fato de que ele não seguia nenhuma religião específica – os ritos a seguir, portanto, eram menos rígidos, mais fáceis de serem adaptados. Mas esse é o caso de apenas 10% dos brasileiros, segundo o IBGE. Nem todos os detalhes religiosos e culturais precisam ser impossíveis na pandemia, mas, para que isso seja avaliado, seria preciso uma cartilha de manejo com mais nuances do que as publicadas até agora.

      Na região metropolitana de São Paulo como no Alto Xingu, tem sido difícil. Pela primeira vez em sua milenar história, este ano foi cancelado o Kuarup. Talvez a mais conhecida entre as manifestações indígenas brasileiras, o Kuarup é um grande ritual sagrado que celebra os mortos de todo um ano, e envolve onze etnias do Alto Xingu. É no Kuarup que os parentes encerram o período de luto pelos que morreram. O coronavírus chegou ao Alto Xingu, e este ano não tem Kuarup.

      Quando se encerrarão esses milhares de lutos?

      O líder indígena Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, em Roraima, tem sido uma das vozes ativas sobre tudo que envolve a questão do coronavírus entre os povos das florestas. Em sua etnia, uma das tradições fundamentais é de que o corpo, cremado, permaneça na aldeia. Mas os yanomamis mortos estão sendo enterrados em cemitérios de Boa Vista, sem a participação ou autorização de seus entes queridos. “Estamos seguindo os protocolos do mundo não-indígena, como os da Organização Mundial da Saúde, das prefeituras, do governo. E isso atrapalha muito em nossa cerimônia [fúnebre]. Sabemos que, neste momento, não é bom pegar o corpo de nosso parente e transmitir a doença. Mas não nos despedimos das vítimas que foram enterradas. É uma falta de respeito, um preconceito contra a nossa cultura”, diz.

      O deslocamento dos corpos é uma ruptura grande demais no rito para que a comunidade consiga criar alternativas. “É muito longe, a comunicação é difícil, mas os familiares estão muito tristes de não enterrar os corpos onde ele nasceu, cresceu e viveu. É muito importante o corpo retornar para a aldeia. É muito ruim para nossa cultura e para o familiar fora da comunidade ter o corpo em um cemitério. As lideranças acionaram o Ministério Público Federal questionando que não pode colocar nossos parentes longe da família. Precisamos mais ainda dos médicos, dos epidemiologistas, para nos dizer: quantos dias a doença fica no corpo morto? Isso não é claro ainda. Nós não somos médicos, e acionamos o órgãos públicos para desenterrar o corpo e levá-los para as aldeias, ou cremá-los na cidade e levar as cinzas para as aldeias”.

      Quando os yanomamis morrem sem doenças e problemas, conversam com a família e guardam as cinzas em uma vasilha. Reúnem muita comida, muitos alimentos para fazer festa, despedir novamente. Normalmente, parentes de outras aldeias vão ao cerimonial. Riem, choram. “Depois pega as cinzas em uma vasilha e devolvemos à mãe terra com respeito. É tradicional.”

      Também liderança, Milena Kokama chorava os então 55 mortos de seu povo sepultados em cova coletiva em Manaus. “Na nossa cultura, a gente não sepulta. A gente crema”, diz, sobre seu luto, agravado pelos entraves das autoridades. “E ainda sai assim no atestado de óbito: pardo. Eu não sei o que é pardo, eu sou Kokama.”

      É uma questão muito difícil. Eu não sei o que você entende como parente, mas meu povo é meu parente independentemente de laços sanguíneos

      Milena Kokama, liderança indígena

      Promessa do encontro

      O babalorixá e antropólogo Pai Rodney de Oxóssi sabe o que os enlutados estão sentindo. “Nós, do candomblé, já tínhamos que pensar em alternativas desde antes da doença, sempre tivemos nossos ritos impedidos por intolerância e o racismo religioso”. As restrições a religiões de matrizes africanas acontecem desde famílias que não seguem a denominação e impedem que um familiar iniciado seja tratado segundo sua crença, até hospitais que não permitem a entrada dos sacerdotes – ainda que os de outras religiões circulem sem problemas. “Já tomei chá de cadeira para visitar minha própria mãe, já tive gente de hospital me ligando no dia seguinte a uma visita dizendo que fosse mais discreto e não usasse ‘aquelas roupas'”.

      A assistência religiosa é uma garantia legal dos cidadãos brasileiros, mas o babalorixá diz que começou a sentir melhora a partir da lei estadual, sancionada no ano passado, que proíbe a discriminação religiosa. “A lei tem garantido a gente tomar o caminho da cidadania. E isso não permite que as pessoas te impeçam do que a lei te assegura”.

      Mesmo com vivência desses complicadores, o candomblé não passou imune às restrições da covid. Com rituais fúnebres muito específicos que incluem o comunitário axexê e um preparo do corpo feito pelo babalorixá, seus enlutados estão, como todos, sem poder exercer seus símbolos tradicionais. “Essas despedidas fazem com que a gente consiga acomodar a morte. Sem elas, há essa sensação de vazio, porque a morte continua fora do lugar. O luto acomoda as dores para que você consiga se recuperar”, diz.

      Como os terreiros se organizam como uma espécie de família expandida, todos eles têm hoje seu grupo de WhatsApp. Na ausência da homenagem tradicional, é nesses espaços que os enlutados têm encontrado seus símbolos. “É uma religião essencialmente comunitária, cada terreiro é uma família extensa, então a vivência comunitária para nós é essencial. Sempre que alguém morre há um momento de solidariedade, mandam muitas mensagens, fazem suas homenagens, postam suas fotos com os falecidos”, explica.

      O axexê com toda a comunidade, suspenso, também está se tornando, em si, um símbolo, com a promessa de que será feito no momento oportuno em que seja possível a aglomeração, a reunião que o ritual demanda. Quando ele vier, será um grande momento de comemoração.

      Claro que a humanidade sempre acha uma maneira de compensar isso. Sempre há, depois que tudo isso passa, um florescimento – das artes, da religiosidade, das coisas que fazem o imaginário humano fluir para que compense esse período de obscuridade. A religião e as culturas têm um papel . Os rituais são inventados na medida em que a gente tem necessidade de preencher uma lacuna que a ciência e racionalidade não preenchem

      Pai Rodney de Oxóssi, babalorixá e antropólogo

      É preciso sensibilidade

      Os enlutados nem sempre vão conseguir criar esses novos símbolos sozinhos. As alternativas podem vir de seus líderes religiosos, dos hospitais, dos próprios serviços funerários. Mas as especialistas recomendam que não se espera que os outros façam: que venham de todos nós que tivermos contato com quem perdeu um ente querido.

      “Vamos possibilitar que as pessoas façam seus rituais. Que a gente não fique naquele lugar de ‘ah, mas não é a mesma coisa’. É fato, não é a mesma coisa, e a gente não ganha muito ficando nesta tecla. Vamos ver que outra coisa a gente vai fazer”, diz Maria Helena. “Acho que aí a gente pode ser criativo, ajudar as pessoas a honrar a memória do seu amado, honrar uma tradição, de uma outra forma. Que não terá menos valor. Que será diferente. Acho importante a gente entender por aí, e não como algo que não pôde ser feito. Mas sim o que pôde ser feito, e o quão importante é o que pode ser feito.”

      A psicóloga Elaine Alves tem dado várias sugestões práticas para as famílias que tem encontrado. “Que as famílias se unam, que possam fazer juntas um rito religioso que faça sentido para elas. Podem pegar uma caixa onde colocam coisas da pessoa que morreu que sejam significativas, fechar e colocar num lugar importante, por exemplo. Falar palavras de despedida. Escrever cartas – a escrita é muito importante, ajuda muito. Ver fotos. Usar a rede social da pessoa que morreu e ali postar coisas para se comunicar com os amigos da pessoa. Os amigos podem postar fotos que a família nunca viu, isso é um presente para os familiares”, diz. São infinitas opções, que funcionarão de acordo com o vínculo e os valores de cada um.

      Mas é preciso sensibilidade. “Não deixem os enlutados sozinhos. E liguem logo, não tem que esperar um tempo, uma hora boa”, explica. E seja generoso. “Tem aquela coisa do ‘mas depois que morreu virou santo’? A verdade é que os enlutados não merecem ouvir coisas ruins de seus mortos”, diz. Se, por vício, perguntar se está tudo bem, acolha a resposta. “Entenda que o outro não está bem, e que é para o outro falar. E a parte mais fácil é de quem não está passando por aquilo e só precisa escutar. O enlutado conta várias vezes a mesma história, porque ele precisa entender o que aconteceu. Quando dizem que não aguentam mais escutar, respondo que essa é a parte mais fácil. Você não precisa passar pelo que outro está passando. Só precisa escutar. Escute”.

      A fala encontra eco na de Maria Helena. “Eu queria muito pedir a quem tiver acesso a pessoas enlutadas que busque oferecer a elas possibilidades criativas de fazer seus rituais, que não terão menos valor. Terão valor, sim, porque serão feitos. Sem eles é que a gente vai ter problemas”, afirma. “Vamos respeitar algumas requisições religiosas que são necessárias, que fazem falta. Vamos buscar isso. Vamos proporcionar. Isso não precisa ser só a psicologia que faz, não. É a gente que faz com as pessoas que estão próximas a nós. Tendo essa sensibilidade, a gente consegue fazer. Vamos cuidar. E cuidar da gente também.”

      Mathias Pape / Arte UOL. Edição de arte: René Cardillo; Edição de texto: Adriana Terra; Ilustração: Linoca Souza; Reportagem: Carina Martins.

      Fundação Cacique Cobra Coral diz ter mudado o clima para barrar gafanhotos no Brasil (Folha de S.Paulo)

      www1.folha.uol.com.br

      Bruna Narcizo, 26 de junho de2020

      A FCCC (Fundação Cacique Cobra Coral), entidade esotérico-científica que diz controlar o clima, afirmou que mudou a direção dos ventos para afastar a nuvem de gafanhotos que se aproximava no Brasil.

      “Estávamos na região Sul em uma operação para elevar o nível dos reservatórios de água Curitiba e fomos chamados por uma empresa agropecuária para afastar os gafanhotos”, diz Osmar Santos, porta-voz da Fundação Cacique Cobral Coral.

      Segundo ele, as mudanças efetuadas aceleraram o vento e criaram uma barreira de ar frio que fizeram com que os insetos não se aproximassem do Brasil. “Gafanhoto não gosta de frio”, afirma o porta-voz da entidade.

      Na quinta-feira (25), o Ministério da Agricultura declarou estado de emergência fitossanitária nos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina para que os governos possam adotar medidas de contenção de gafanhotos.

      Com a medida, estados têm autorização para tomar medidas prioritárias de combate à praga, como utilização de agrotóxicos e chamamento de entidades que auxiliem nas ações.

      A expectativa era de que os insetos poderiam chegar até o Paraná. Na última terça-feira (23), estavam concentrados na região argentina de Santa Fé, a 250 km da fronteira com o Rio Grande do Sul. No dia seguinte, a nuvem já estava a 150 km do Brasil.

      O gafanhoto conhecido como sul-americano tem como hábito a formação de massas migratórias e pode viajar até 100 km por dia.

      Um quilômetro quadrado da nuvem comporta cerca 40 milhões de insetos. Em apenas um dia, eles podem comer o equivalente ao alimento de 2.000 vacas. Em uma das áreas medidas pelo governo argentino, a nuvem de gafanhotos chegou a 10 km de extensão.

      A fundação afirma ter começado a operação climática na quarta-feira (24).

      A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, enviou nota para a reportagem da Folha na quinta-feira (25) afirmando que as condições climáticas estavam favoráveis. “Estamos monitorando, mas tudo indica que ela vai ficar mesmo no Uruguai por enquanto. Se o clima continuar favorecendo, ela nem chegará ao nosso território”, explicou a ministra.

      Santos diz que as mudanças feitas pela entidade contrariaram as previsões. “O vento virou e mudou temporariamente a rota dos gafanhotos que viriam da Argentina para o sul do Brasil. Mas para nós foi um sinal de que não estamos fazendo a lição de casa com a mãe natureza”, diz Santos.

      Ele diz que está prestando serviços para um cliente que procura manter o que chama de veranico durante a pandemia causada pelo novo coronavírus. “Fizemos um trabalho semelhante no hemisfério norte, onde as temperaturas elevaram antes do fim do inverno e seguirão altas até novembro.”

      A FCCC diz que presta serviço para empresas e governos de várias partes do mundo. Os nomes são protegidos por sigilo contratual.

      A emergência causada pela presença da gigantesca nuvem de gafanhotos também foi tema de três videoconferências na sexta-feira (26). Os encontros abrangeram diretores do Sindag (Sindicato Nacional das Empresas de Aviação Agrícola) e mais de 60 técnicos, pesquisadores e dirigentes, além de autoridades federais.

      “A pauta foi no sentido de nivelarmos as informações e esclarecermos dúvidas de autoridades e dirigentes, principalmente nos órgãos federais e dos Estados de outras regiões”, afirmou o presidente do Sindag, Thiago Magalhães Silva.

      O objetivo foi avaliar a situação atual do problema e definir os próximos passos na elaboração de um protocolo nacional de combate aos gafanhotos. O Sindag terá ainda outras duas reuniões sobre o tema, uma neste sábado (27) e outra na quinta-feira (2).

      Segundo informações do Senasa (Serviço Nacional de Segurança e Qualidade Alimentar da Argentina), a nuvem de gafanhotos pousou na região de Sauce, na província de Corrientes, na sexta.

      De acordo com o fiscal agropecuário da Secretaria de Agricultura gaúcha, Juliano Ritter, a atenção agora está sobre os ventos na região e a chegada do frio junto à fronteira brasileira, que podem impedir a nuvem de entrar no país. “Mas seguimos monitorando 300 quilômetros de fronteira a partir da Barra do Quaraí [extremo oeste gaúcho]”, afirmou.

      A conversa deste sábado será com as três empresas aeroagrícolas situadas na região de Uruguaiana –na fronteira gaúcha com Argentina e Uruguai. Já na quinta (2), a conversa será com representantes dos ministérios da Agricultura dos três países e dirigentes das entidades de aviação agrícola da Argentina e Uruguai. “O foco será uma avaliação da crise e a costura de futuras ações conjuntas”, disse o diretor-executivo do Sindag, Gabriel Colle.

      A nuvem de gafanhotos vem sendo monitorada desde maio por autoridades argentinas e já tinha percorrido mais de 1.000 quilômetros. Especialistas afirmam que a seca registrada nos últimos meses na região, com a consequente falta de alimentos para os insetos adultos, condicionou a migração dos gafanhotos. Pragas semelhantes já foram registradas na região em 1930 e 1940.

      Representantes do grupo de aiação agrícola também ajustaram junto ao Sindag, na sexta-feira, o esboço da parte do setor agrícola para o plano de ação contra os gafanhotos.

      “Embora estivéssemos prontos para agir na emergência, essa crise mostrou que tínhamos uma lacuna importante ainda aberta sobre protocolos, rede de apoio, produtos e outros aspectos. Resolvendo isso seremos mais eficientes desde o monitoramento até as ações em campo. Esse plano será um legado importante para a agricultura brasileira”, afirmou o presidente do sindicato, Thiago Magalhães.

      Ainda segundo especialistas, ainda que as plantações de arroz já tenham sido colhidas na região gaúcha, os bichos poderiam prejudicar culturas de inverno e, principalmente, pastagens. Para eles, somente inseticidas podem combater o gafanhoto.


      Entidade afirma ter mudado clima para barrar nuvem de gafanhotos no Brasil (Yahoo Notícias)

      Colaboradores, 27 de junho de 2020

      Baixa temperatura deve dificultar entrada de gafanhotos no Brasil
      Nuvem de gafanhotos vista da cidade argentina Córdoba: insetos voam em direção à fronteira brasileira (Governo de Córdoba/Divulgação)

      A nuvem de gafanhotos que se aproximava no Brasil alterou a rota por interferência humana no clima. A FCCC (Fundação Cacique Cobra Coral) afirmou ter mudado a direção dos ventos para afastar os insetos do país.

      “Estávamos na região Sul em uma operação para elevar o nível dos reservatórios de água em Curitiba e fomos chamados por uma empresa agropecuária para afastar os gafanhotos”, explicou Osmar Santos, porta-voz da entidade, ao jornal Folha de S.Paulo.

      Para afastar os insetos, a Fundação Cacique Cobra Coral disse ter alterado o clima para acelerar os ventos e criar uma barreira de ar. “Gafanhoto não gosta de frio”, afirmou o porta-voz.

      O Ministério da Agricultura chegou a decretar estado de emergência fitossanitária no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina para que os governos estaduais pudessem adotar medidas de contenção dos gafanhotos, que poderiam chegar até o rio Paraná.

      A FCCC alegou ter começado a operação climática na quarta-feira, quando a nuvem de gafanhotos estava a 150 quilômetros da fronteira da Argentina com o Rio Grande do Sul.

      The religious roots of Trump’s magical thinking on coronavirus (CNN)

      Analysis by Daniel Burke, CNN Religion Editor

      Updated 1424 GMT (2224 HKT) May 21, 2020

      (CNN) As the novel coronavirus has spread across the globe, President Trump has repeated one phrase like a mantra: It will go away.

      Since February Trump has said the virus will “go away” at least 15 times, most recently on May 15.

      “It’s going to disappear one day,” he said on February 27. “It’s like a miracle.”

      Invoking a miracle is an understandable response during a pandemic, but to some, the President’s insistence that the coronavirus will simply vanish sounds dangerously like magical thinking — the popular but baffling idea that we can mold the world to our liking, reality be damned.

      The coronavirus, despite Trump’s predictions, has not disappeared. It has spread rapidly, killing more than 90,000 Americans.

      In that light, Trump’s response to the pandemic, his fulsome self-praise and downplaying of mass death seems contrary to reality. But long ago, his biographers say, Trump learned how to craft his own version of reality, a lesson he learned in an unlikely place: a church.

      It’s called the “power of positive thinking,” and Trump heard it from the master himself: the Rev. Norman Vincent Peale, a Manhattan pastor who became a self-help juggernaut, the Joel Osteen of the 1950s.

      “He thought I was his greatest student of all time,” Trump has said.

      Undoubtedly, the power of positive thinking has taken Trump a long way — through multiple business failures to the most powerful office in the world.

      Trump has repeatedly credited Peale — who died in 1993 — and positive thinking with helping him through rough patches.

      Norman Vincent Peale wrote the bestselling 1952 self-help book, "The Power of Positive Thinking." It sold millions of copies.

      Norman Vincent Peale wrote the bestselling 1952 self-help book, “The Power of Positive Thinking.” It sold millions of copies.

      “I refused to be sucked into negative thinking on any level, even when the indications weren’t great,” Trump said of the early 1990s, when his casinos were tanking and he owed creditors billions of dollars.

      But during a global public health crisis there can be a negative side to positive thinking.

      “Trump pretending that this pandemic will just go away is not just an unacceptable fantasy,” said Christopher Lane, author of “Surge of Piety: Norman Vincent Peale and the Remaking of American Religious Life.”

      “It is in the realm of dangerous delusion.”

      Trump says Peale has made him feel better about himself

      Though they were professed Presbyterians, it’s more accurate to call Trump’s family Peale-ites.

      On Sundays, Trump’s businessman father drove the family from Queens to Peale’s pulpit at Marble Collegiate Church in Manhattan.

      The centuries-old edifice was, and remains, the closest thing Trump has to a family church. Funerals for both of his parents were held there, and Peale presided over Trump’s marriage to Ivana at Marble Collegiate in 1977. Two of his siblings were also married in the sanctuary.

      The draw, Trump’s biographers say, was Peale, who elevated businessmen like the Trumps to saint-like status as crusaders of American capitalism.

      Known as “God’s Salesman,” Peale wrote many self-help books, including “The Power of Positive Thinking,” that sold millions of copies.

      From left to right, Donald Trump, Ivana Trump, Ruth Peale and Dr. Norman V. Peale at Peale's 90th birthday party in 1988.

      From left to right, Donald Trump, Ivana Trump, Ruth Peale and Dr. Norman V. Peale at Peale’s 90th birthday party in 1988.

      Peale drew throngs of followers, but also sharp criticism from Christians who accused him of cherry-picking Bible verses and peddling simplistic solutions.

      But the young Donald Trump was hooked.

      “He would instill a very positive feeling about God that also made me feel positive about myself,” Trump writes in “Great Again,” one of his books. “I would literally leave that church feeling like I could listen to another three sermons.”

      Peale peppered his sermons with pop psychology. Sin and guilt were jettisoned in favor of “spirit-lifters,” “energy-producing thoughts” and “7 simple steps” to happy living.

      “Attitudes are more important than facts,” Peale preached, a virtual prophecy of our post-truth age.”Formulate and stamp indelibly on your mind a mental picture of yourself as succeeding,” Peale writes in “The Power of Positive Thinking.”

      “Hold this picture tenaciously. Never permit it to fade.”

      Peale has also influenced Trump’s spiritual advisers

      To this day, Trump surrounds himself with Peale-like figures, particularly prosperity gospel preachers.

      One of his closest spiritual confidantes, Florida pastor Paula White, leads the White House’s faith-based office and is a spiritual descendent of Peale’s positive thinking — with a Pentecostal twist.

      White, a televangelist, belongs to the Word of Faith movement, which teaches that God bestows health and wealth on true believers.

      In a Rose Garden ceremony for the National Day of Prayer earlier this month, White quoted from the Bible’s Book of Job: “If you decree and declare a thing, it will be established.”

      “I declare no more delays to the deliverance of Covid-19,” White continued. “No more delays to healing and a vaccination.”

      Paula White, a televangelist and religious adviser to President Trump.

      Paula White, a televangelist and religious adviser to President Trump.

      The Book of Job, a parable of human suffering and powerlessness, may be a strange book for a preacher to cite while “declaring” an end to the pandemic. If it were so easy, Job’s story would involve fewer boils and tortures.

      But in a way, White perfectly captures the problem with positive thinking: It tries to twist every situation into a “victory,” even when reality demonstrates otherwise.

      “Positive thinking can help people focus on goals and affirm one’s merits,” said Lane, author of the book on Peale. “But it does need a reality check, and to be based in fact.

      “Sometimes, the reality is that you’ve failed and need to change course. But to Peale, that wasn’t an option. Even self-doubt was a sin, he taught, an affront to God.

      “He had a huge problem with failure,” Lane said. “He would berate people for even talking about it.”

      Peale’s teachings can explain why Trump won’t accept criticism

      You can hear echoes of Peale’s no-fail philosophy in Trump’s angry response to reporters’ questions about his handling of the coronavirus pandemic, said Trump biographer Michael D’Antonio.

      “Nothing is an exchange of ideas or discussion of facts,” D’Antonio said. “Everything is a life or death struggle for the definition of reality. For him, being wrong feels like being obliterated.”

      President Donald Trump answers questions with members of the White House Coronavirus Task Force on April 3, 2020 in Washington.

      President Donald Trump answers questions with members of the White House Coronavirus Task Force on April 3, 2020 in Washington.

      And that’s one reason why the President refuses to accept any criticism or admit to any failure. To do so would puncture his bubble of positivity, not to mention his self-image.

      So, despite his administration’s early missteps in preparing for and responding to the coronavirus, Trump won’t acknowledge any errors.

      Instead, he has misled the public, claiming in February that the situation was “under control” when it was not; promising a vaccine is coming “very soon,” which it is not; and falsely insisting that “anyone can get tested,” when they could not and many still cannot.

      Still, when asked in mid-March to grade his administration’s response, Trump gave himself a perfect score.

      “I’d rate it a 10,” he said. “I think we’ve done a great job.”

      Trump’s self-appraisal might not match reality. But Peale would be proud.

      Ética cresce em importância no mundo com menos religião, diz Luciano Floridi (Folha de S.Paulo)

      Folha de S.Paulo

      Raphael Hernandes – 19 de fevereiro de 2020

      Ser um pioneiro em um dos ramos de uma área do conhecimento que possui milênios de existência, a filosofia, é para poucos. E esse é o caso do italiano Luciano Floridi, 55, professor da Universidade de Oxford.

      Ele é um dos primeiros, e mais proeminentes, nomes nos campos de filosofia e ética da informação. Esses ramos estudam tópicos ligados à computação e tecnologia. É conselheiro da área para o governo britânico e trabalhou para empresas gigantes da área, como Google e a chinesa Tencent.

      Ele também se destaca quando o assunto é especificamente IA (inteligência artificial). Floridi foi um dos 52 autores das “Orientações éticas para uma IA de confiança”, da União Europeia.

      À Folha, falou sobre temas que foram desde o elementar na sua área, como a definição de inteligência artificial, a discussões mais complexas acerca de como pensar nossa relação com a tecnologia.

      Para ele, a discussão moral cresce em importância na era digital. “Temos menos religião. As pessoas tendem a associar ética à religião um pouco menos do que no passado”, diz. “Ela precisa se sustentar sozinha.”

      A conversa por videochamada durou aproximadamente uma hora e foi interrompida apenas uma vez: quando a mulher de Floridi, brasileira, foi embarcar num avião para visitar o país natal e ele quis desejar uma boa viagem.

      A fala paciente e educada deu lugar a irritação quando o assunto se tornou pensamento de Nick Bostrom, também filósofo da Universidade de Oxford, que versa sobre os riscos de a IA destruir a humanidade.

      “A IA descrita na singularidade e na superinteligência de Nick Bostrom não é impossível”, diz. “Da mesma forma que é possível que uma civilização extraterrestre chegue aqui, domine e escravize a humanidade. Impossível? Não. Vamos nos planejar para o caso de isso acontecer? Só pode ser piada.”

      *

      Como definir IA? São artefatos construídos pelo homem capazes de fazer coisas no nosso lugar, para nós e, às vezes, melhor do que nós, com uma habilidade especial que não encontramos em outros artefatos mecânicos: aprender a partir de sua performance e melhorar.
      Uma forma de descrever IA é como uma espécie de reservatório de operações para fazer coisas que podemos aplicar em contextos diferentes. Podemos aplicar para economizar eletricidade em casa, para encontrar informações interessantes sobre pessoas que visitam minha loja, para melhorar a câmera do meu celular, para recomendar em um site outros produtos dos quais o consumidor gostaria.

      Na academia há muitas opiniões contrastantes sobre o que é IA. A definição de IA é importante? Uma definição diz “isso é aquilo” e “aquilo é isso”, como “água é H2O” e “H2O é água” e não tem erro. Não temos uma definição sobre IA dessa forma, mas também não temos definição de muitas coisas importantes na vida como amor, inteligência e por aí vai. Muitas vezes temos um bom entendimento, conseguimos reconhecer essas coisas ao vê-las. É crucial ter um bom entendimento da tecnologia porque aí temos as regras e a governança de algo que compreendemos.

      Qual a importância da ética hoje, uma era digital? Ela se tornou mais e mais importante porque nós temos algo mais e algo menos. Temos menos religião, então ela precisa se sustentar sozinha. Não se pode justificar algo dizendo “porque a Igreja diz isso” ou porque “Deus mandou”. Um pouco menos de religião tornou o debate ético mais difícil, mas mais urgente.
      E temos algo mais: falamos muito mais uns com os outros do que em qualquer momento no passado. Estou falando de globalização. De repente, diferentes visões sobre o que está certo e errado estão colidindo de uma forma que nunca aconteceu. Quanto mais tecnologia, ciência e poder tivermos sobre qualquer coisa –sociedade, o ambiente, nossas próprias vidas–, mais urgentes ficam as questões éticas.

      E por que discutir ética em IA? Até recentemente, entendíamos em termos de “intervenções divinas” (para as pessoas do passado que acreditavam em Deus), “intervenções humanas” ou “intervenções animais”. Essas eram as forças possíveis. É como se tivéssemos um tabuleiro de xadrez em que, de repente, surge uma peça nova. Claramente, essa peça muda o jogo todo. É IA.
      Se você tem algo que pode fazer coisas no mundo de forma autônoma e aprendendo, de modo que podem mudar seus próprios programas, sua atividade requer entendimento de certo e errado: ética.

      Como respondemos essas perguntas e definimos os limites? No último ano tivemos um florescer de códigos éticos para IA. Dois em particular são bem importantes pelo alcance. Um é o da União Europeia. Fizemos um bom trabalho, penso, e temos uma boa estrutura na Europa para entender IA boa e não tão boa. O outro é da OCDE, uma estrutura semelhante.

      Críticos dizem que esses documentos não são específicos o suficiente. O sr. vê eles como um primeiro passo? Mostra que, pelo menos, algumas pessoas em algum lugar se importam o suficiente para produzir um documento sobre essa história toda. Isso é melhor do que nada, mas é só isso: melhor que nada. Alguns deles são completamente inúteis.
      O que acontece agora é que toda empresa, toda instituição, todo governo sente que não pode ser deixado para trás. Se 100 empresas têm um documento com suas estruturas e regras para IA, se sou a empresa 102 também preciso ter. Não posso ser o único sem.
      Precisamos fazer muito mais. Por isso, as diretrizes verdadeiras são feitas por governos, organizações ou instituições internacionais. Se você tem instituições internacionais, como a OECD, União Europeia, Unesco, intervindo, já estamos em um novo passo na direção certa.
      Olhe, por exemplo, a IA aplicada a reconhecimento facial. Já tivemos esse debate. Uso reconhecimento facial na minha loja? No aeroporto? Esse buraco tem que ser tapado e as pessoas o estão tapando. Eu tendo a ser um pouco otimista.

      E como estamos nessa tradução de diretrizes em políticas práticas? Num contexto geral, vejo grandes empresas desenvolvendo serviços de consultoria para seus clientes e ajudando a verificar se estão de acordo com as regras e regulações, bem como se levaram em consideração questões éticas.
      Há lacunas e mais precisa ser feito, mas algo já está disponível. As pessoas estão se mexendo em termos de legislação, autorregulação, políticas ou ferramentas digitais para traduzir princípios em práticas. O que se pode fazer é se certificar que os erros aconteçam o mais raramente possível e que, quando acontecerem, haja uma forma de retificar.

      Com diferentes entidades, governos, instituições e empresas criando suas regras para uso de IA, não corremos o risco de ficar perdidos em termos de qual documento seguir? Um pouco, sim. No começo pode ter discordância, ou visões diferentes, mas isso é algo que já vivemos no passado.
      Toda a história de padrões industriais e de negócios é cheia desses desacordos e, depois, reconciliação e encontrar uma plataforma comum para todos estarem em concordância.

      As grandes empresas de tecnologia estão pedindo por regulação, o que é estranho, visto que elas normalmente tentam autoregulação. O sr. esteve com uma delas, a Google. Por que esse interesse das empresas de tecnologia agora? Há alguns motivos para isso. O primeiro é certeza: eles querem ter certeza do que é certo e errado. Empresas gostam de certeza, mais até do que de regras boas. Melhor ter regras ruins do que regra nenhuma. A segunda coisa é que entendem que a opinião pública pede por uma boa aplicação de IA. Dado que é opinião pública, tem que vir da sociedade o que é aceitável e o que não é. Empresas gostam de regulações desde que elas ajudem.

      Há diferença ao pensar em regulações para sistemas com finalidades diferentes? Por exemplo, é diferente pensar em regulação em IA para carros automatizados e IA para sugestão de músicas? Sim e não. Há regulações que são comuns para muitas áreas. Pense nas regulações de segurança envolvendo eletricidade. Não importa se é uma furadeira elétrica, um forno elétrico ou um carro elétrico. É eletricidade e, portanto, tem regulações de segurança. Isso se aplicaria igualmente à IA. Mas aí você tem algo específico: você tem segurança ligada aos freios para o carro, não para o micro-ondas. Isso é bem específico. Penso, então, numa combinação dos dois: princípios que cubram várias áreas diferentes, diretrizes que se espalhem horizontalmente, mas também verticalmente pensando em setor por setor.

      Quão longe estamos de ter essas diretrizes estabelecidas? Falamos de meses, anos, uma geração? Alguns anos. Eu não me surpreenderia se tivéssemos essa conversa em cinco anos e o que dissemos hoje fosse história.

      E como funciona esse processo de pensamento na prática? Por exemplo, no caso de carros autônomos, como se chega a uma conclusão em relação à responsabilidade do caso de acidente: é do motorista, da fabricante, de quem? Tínhamos isso em muitos outros contextos antes da IA. A recomendação é distribuir a responsabilidade entre todos os agentes envolvidos, a menos que eles consigam provar que não tiveram nada a ver com acidente.
      Um exemplo bem concreto: na Holanda, se você andar de bicicleta ao lado de alguém, sem problemas. Você pode andar na rua, lado a lado com alguém e tudo bem. Se uma terceira pessoa se junta a vocês, é ilegal. Não se pode ir com três pessoas lado a lado numa rua pública. Quem recebe a multa? Todos os três, porque quando A e B estavam lado a lado e o C chega até eles, A e B poderiam reduzir a velocidade ou parar totalmente para que o C passasse. Agora, na mesma Holanda, outro exemplo, se dois barcos estão parados na margem do rio lado a lado, é legal. Se um terceiro barco chegar e parar ao lado deles, é ilegal. Nesse caso, somente o terceiro barco tomaria uma multa. Por quê? Porque os outros dois barcos não podem ir para lugar algum. Não é culpa deles. Pode ver que são dois exemplos bastante elementares, bem claros, com três agentes. Em um caso igualmente responsáveis e a responsabilidade é distribuída, no outro caso apenas um responsável.
      Com IA é o mesmo. Em contextos nos quais tivermos uma pessoa, doida, usando IA para algo mal, a culpa é dessa pessoa. Não tem muito debate. Em muitos outros contextos, com muitos agentes, quem será culpado? Todos, a menos que provem que não fizeram nada de errado. Então o fabricante do carro, do software, o motorista, até mesmo a pessoa que atravessou a rua no lugar errado. Talvez haja corresponsabilidade que precise ser distribuída entre eles.

      Seria sempre uma análise caso a caso? Acho que é mais tipos de casos. Não só um caso isolado, mas uma família de casos.
      Façamos um exemplo realista. Se uma pessoa dirigindo em um carro autônomo não tem como dirigir, usar um volante, nada. É como eu em um trem, tenho zero controle. Aí o carro se envolve num acidente. De quem é a culpa? Você culparia um passageiro pelo acidente que o trem teve? Claro que não. Num caso em que haja um volante, em que haja um grande botão vermelho dizendo “se algo der errado, aperte o botão”… Quem é responsável? O fabricante do carro e o motorista que não apertou o botão.
      Precisamos ser bastante concretos e nos certificar de que existem tipologias e, não exatamente caso a caso, mas compreendendo que caso tal pertence a tal tipologia. Aí teremos um senso claro do que está acontecendo.

      Em suas palestras, o sr. menciona um uso em excesso e a subutilização de IA. Quais os problemas nessas situações? O excesso de uso, com um exemplo concreto, é como o debate que temos hoje sobre reconhecimento facial. Não precisamos disso em todos os cantos. É como matar mosquitos com uma granada.
      A subutilização é típica, por exemplo, no setor de saúde. Não usamos porque a regulação não é muito clara, as pessoas têm medo das consequências.

      A IA vai criar o futuro, estar em tudo? Temos uma grande oportunidade de fazer muito trabalho bom, tanto para nossos problemas sociais, desigualdade em particular, e para o ambiente, particularmente aquecimento global. É uma tecnologia muito poderosa que, nas mãos certas e com a governança correta, poderia fazer coisas fantásticas. Me preocupa um pouco o fato de que não estamos fazendo isso, estamos perdendo a oportunidade.
      O motivo de a ética ser tão importante é exatamente porque a aplicação correta dessa tecnologia precisará de um projeto geral sobre a nossa sociedade. Gosto de chamá-lo de “projeto humano”. O que a sociedade irá querer. Qual futuro queremos deixar para as próximas gerações? Estamos preocupados com outras coisas, como usar IA para gerar mais dinheiro, basicamente.

      E os direitos dos robôs? Deveríamos estar pensando nisso? [Risos]. Não, isso é uma piada. Você daria direitos à sua lavadora de louças? É uma peça de engenharia. É um bom entretenimento [falar de direito dos robôs], podemos brincar sobre isso, mas não falemos de Star Wars.

      O sr. é crítico em relação à ficção científica que trata do fim do mundo por meio de IA ou superinteligência. Não vê a ideia de Nick Bostrom como uma possibilidade? Acho que as pessoas têm jogado com alguns truques. Esses são truques que ensinamos a alunos de filosofia no primeiro ano. O truque é falar sobre “possibilidade” e é exatamente essa a palavra que usam.
      Deixe-me dar um exemplo: imagine que eu compre um bilhete de loteria. É possível que eu ganhe? Claro. Compro outro bilhete de outra loteria. É possível que eu ganhe da segunda vez? Sim, mas não vai acontecer. É improvável, é insignificantemente possível. Esse é o tipo de racionalização feita por Nick Bostrom. “Ah! Mas você não pode excluir a possibilidade…” Não, não posso. A IA descrita na singularidade e na superinteligência de Nick Bostrom não é impossível. Concordo. Significa que é possível? Não.
      Da mesma forma que é possível que uma civilização extraterrestre chegue aqui, domine e escravize a humanidade. Impossível? Hmmm. Não. Vamos nos planejar para o caso de isso acontecer? Só pode ser piada.

      A IA é uma força para o bem? Acho que sim. Como a maioria das tecnologias que já desenvolvemos são. Quando falamos da roda, alfabeto, computadores, eletricidade… São todas coisas boas. A internet. É tudo coisa boa. Podemos usar para algo ruim? Absolutamente.
      Sou mais otimista em relação à tecnologia e menos em relação à humanidade. Acho que faremos uma bagunça com ela. Por isso, discussões como a do Nick Bostrom, singularidade, etc. não são simplesmente engraçadas. Elas distraem, e isso é sério.
      Conforme falamos, temos 700 milhões de pessoas sem acesso a água limpa que poderiam usar IA para ter uma chance. E você realmente quer se preocupar com algum Exterminador do Futuro? Skynet? Eticamente falando, é irresponsável. Pare de ver Netflix e caia na real.

      Reportagem: Raphael Hernandes/ Edição: Camila Marques, Eduardo Sodré, Roberto Dias / Ilustrações e infografia: Carolina Daffara

      O luto e os sentidos da morte

      Mulher Luto Arte - Foto gratuita no Pixabay
      Pixabay

      Renzo Taddei – 20 de abril de 2020

      Em um texto anterior, escrito há exatamente um mês, eu calculei que, se a taxa de mortalidade no Brasil se igualasse à da Itália, 166 das minhas amizades no Facebook estariam mortas no final da pandemia; considerando apenas aquela com as quais tenho contato mais frequente ou pessoal, e adicionando indivíduos mais velhos que não usam o Facebook, calculei o tamanho do meu luto previsto: 65 pessoas queridas. E perguntei: quem é que está preparado para perder, em poucas semanas, cinco dúzias de afetos?

      Naquele momento, eu não havia recebido a notícia de mortes relacionadas ao COVID-19 de uma das minhas amizades sequer. Percebi que meu texto provocou aversão em alguns conhecidos; outro disseram-me que foi o que fez a ficha cair.

      Quinze dias depois, republiquei no meu blogue uma entrevista com David Kessler, um especialista em luto. Na entrevista, ele afirmava que muitas pessoas estavam sentindo-se emocionalmente alteradas, e que tratava-se de uma forma de luto direcionada não a pessoas, mas a contextos e modos de vida. Certamente há muitas variedades de certeza e de segurança que não voltarão jamais. Com relação à estranheza do distanciamento social, ele diz que existem fases que são idênticas às fases típicas do processo psicológico do luto:

      Existe a negação, que acontece bastante no início: “este vírus não vai nos afetar”. Existe a raiva: “vocês estão nos fazendo ficar em casa e tirando nossos trabalhos”. Existe a barganha: “ok, se estabelecemos o distanciamento social por duas semanas, tudo vai melhorar, certo?”. Existe a tristeza: “eu não sei quando isto vai terminar”. E, finalmente, a aceitação: “isto está acontecendo; eu tenho que descobrir como seguir adiante”.

      Kessler ressalta que as fases podem não ocorrer de forma linear no tempo. Em livro mais recente, ele acresceu uma sexta fase: a descoberta de significado.

      Menos de uma semana após a publicação da entrevista, meu sogro faleceu de COVID-19. Tenho a impressão de que, das minhas 2660 amizades no Facebook, os parentes consanguíneos do meu sogro e eu fomos os primeiros a sentir o baque. Poucos dias depois, começaram as postagens, esparsas e discretas, de pais e avós que haviam falecido. Comecei a escutar isso também nas conversas pessoais, fora das redes sociais, de forma crescente.

       No dia 16 de abril, rodou o país notícia de modelo matemático que previa que o sistema de saúde no país entraria em colapso no dia 21 de abril. Amanhã. Ontem, no noticiário da noite, repórteres desorientados informavam que, na maior metrópole do país, o número de leitos disponíveis de UTI se esgotaria em poucos dias.

      Estamos afetados por uma quantidade imensa de lutos encavalados. É impossível estar dentro do furacão e não elaborar sentidos e narrativas. A mais imediata e intuitiva é a que afirma que é preciso fazer isso tudo valer, e o faremos se sairmos melhores do que entramos. Frente à imagem prevista dos corpos empilhados em containers refrigerados, produzidos pela tsunami de mortes que nos aguarda, velamos a ideia de que éramos, humanos, o topo da cadeia alimentar e que não tínhamos predadores. Que deste luto emerja a compreensão coletiva de que o futuro só existirá se reconstruirmos nossa relação com ecossistemas e demais seres vivos, como vizinhos e não como patrões (que nunca fomos).

      Pelo desgoverno de quem nos dirige, velamos o sentimento de que o progresso, em qualquer de suas variações, ocorreria de qualquer modo, independente de nossas ações e de nossas capacidades. Que deste luto emerja a consciência de que o mundo é resultado das relações que construímos, e portanto só existirá felicidade se os mundos da política e da economia forem construídos sobre bases que a promovam.

      Na impossibilidade de sentir fisicamente o calor humano do abraço de tanta gente querida, alguns até o final da pandemia, outro para sempre, velamos nossas ilusões a respeito de vidas vividas com pressa e sem cuidado, com produtividade e sem delicadeza, com metas e sem sentido. Que deste luto emerja a consciência de que ninguém é capaz de constituir-se, como pessoa e mesmo como organismo, sem a troca incessante com os demais; e se queremos um futuro de paz e serenidade, as trocas que nos constituem mutuamente têm que ser pautadas por essas qualidades.

      Há, no entanto, o luto mais difícil, o mais literal: o da morte fria, brutal, a um palmo de distância, dilacerando os sentimentos e a capacidade de raciocínio. É também o mais importante dos lutos, porque garante a continuidade da nossa vida psíquica e emocional, se o vivermos bem. É preciso viver o luto, com coragem. Mas não é preciso que se viva o luto sem apoio e ajuda. Como afirmou David Kessler, o significado é parte fundamental da experiência do sofrimento, não apenas no luto, mas em todas as situações difíceis. Ocorre, no entanto, que se sairmos da psicologia e olharmos para a antropologia ou para a história, veremos que a humanidade é riquíssima em tecnologias e ferramentas para lidar com o sofrimento e com o luto, e a ideia de que o sentido emerge apenas no final do processo é, no meu entendimento, desperdiçar oportunidades e sofrer mais do que o necessário. É como ter um problema psicológico e colocar-se a responsabilidade de reinventar a própria psicologia no processo de cura. Obviamente as coisas não precisam ser assim.

      Um problema aqui é que, além da própria psicologia e da psiquiatria, boa parte das demais tecnologias é classificada como “religião”, o que afasta muita gente. Isso é, em geral, uma bobagem, e ocorre em função de como nosso pensamento e percepção das coisas são colonizados por realidades culturais que não refletem de forma clara o nosso mundo cotidiano. Estou me referindo ao fato de que a suposta guerra entre “ciência” e “religião” não é sobre ciência, de forma genérica, nem religião, de maneira ampla, mas à ciência que dominavas as atenções do império britânico na época de Darwin (um naturalismo que via no mundo o reflexo do liberalismo individualista que dominava o pensamento inglês) e a religião hegemônica dentro do mesmo império britânico (um protestantismo literalista que se colocava em rota de colisão com outros literalismos, como o científico). Quando nossos cientistas brasileiros bradam a respeito das incompatibilidades entre ciência e religião, estão se referindo a um tipo específico de ciência e à religião que mimetiza o que Darwin tinha no seu tempo, de forma exacerbada: o neopentecostalismo. Com um pouco de imaginação, pesquisa e estudo, facilmente se descobre que, quanto mais o tempo passa, maiores e mais frutíferas são as colaborações entre o budismo e a ciência; o papa Francisco gerou uma volta de cento e oitenta graus na relação entre o Vaticano e a ciência, e tornou-se o primeiro papa declaradamente ambientalista da história; as obras de Alan Kardec, que fundamentam as práticas do Espiritismo Kardecista e de boa parte da Umbanda, dizem repetidamente que a fé só é verdadeira se pautada por pensamento racional e em harmonia com a ciência. Finalmente, há tempos a psiquiatria descobriu que sistemas de crenças que não induzem à culpa têm efeito efetivamente positivos no tratamento de doenças mentais, não sendo apenas “placebos”.

      Além disso, dizer que a religião não tem nada a ver com a ciência é um equívoco: a ciência mostra, de forma clara, que a construção de narrativas que promovem coesão social e dão sentido à existência, como as religiões, foram fundamentais no desenvolvimento de todas as sociedades humanas – e continuam sendo. Yuval Harari, em seu livro Sapiens, por exemplo, diz de forma provocadora que o capitalismo e o socialismo (e muitas outras coisas) são formas de religião.

      O luto precisa ser vivido, mas pode ser vivido mais fácil e positivamente. Em texto anterior, listei uma longa série de organizações e profissionais das áreas de psicologia e psiquiatria que organizaram-se para ofertar apoio gratuito e virtual às pessoas psicologicamente afetadas pela pandemia. Nas próximas semanas, este tipo de apoio será fundamental. Aqui, listo abaixo organizações religiosas localizadas na cidade de São Paulo que oferecem canal de comunicação e serviços de apoio, com o objetivo de oferecer consolo e ajudar as pessoas a encontrarem sentido e propósito no sofrimento pelo qual estão passando. Como os atendimentos estão sendo feitos de forma remota, por telefone ou internet, não é necessário residir em São Paulo para fazer uso dos serviços.

      Se você conhece instituição religiosa que organizou-se para oferecer serviços no contexto presente e não está listada aqui, por favor envie esta informação para o autor ou deixe comentário abaixo.

      Em ordem alfabética:

      Budismo

      – Centro de Estudos Budistas Bodisatva: site: http://www.cebb.org.br/centros/sp/; Facebook: https://www.facebook.com/cebbsp/

      Catolicismo

      – Marcus Tullius, coordenador nacional da Pastoral da Comunicação, informou que não há atividade centralizada, em função da quantidade e abrangência geográfica de fiéis, e que estes devem entrar em contato com as suas paróquias. As paróquias e os padres locais estão se organizando para atenderem as comunidades. É possível encontrar paróquias na lista de paróquias da Arquidiocese de São Paulo: http://arquisp.org.br/buscar-paroquias

      Hare Krishna

      – Centro Hare Krishna de Bhakti Yoga: e-mail centroharekrishnasp@gmail.com; Facebook: https://www.facebook.com/harekrishnasp/

      – Templo Hare Krishna em São Paulo, Centro Cultural Vrinda: e-mail satyamssdd@gmail.com

      – Vrinda São Paulo Templo Hare Krishna: https://www.facebook.com/temploharekrishnaSP/

      Igreja Ortodoxa

      – Igreja Ortodoxa Antioquina: E-mail catedralortodoxa@uol.com.br; site: http://www.catedralortodoxa.com.br

      Judaísmo

      – Congregação Israelita Paulista: site cip.org.br; email central.atendimento@cip.org.br;

      – União Brasileiro Israelita do Bem Estar Social: email unibes@unibes.org.br; https://www.facebook.com/Unibes/

      Kardecismo (Espiritismo)

      – Os centros espíritas associados à União das Sociedades Espíritas do Estado de São Paulo estão organizando atendimento em suas áreas de atuação. Use o localizador de entidades associadas: https://usesp.org.br/localizar. A USE tem perfil no Facebook: https://www.facebook.com/USESP/

      – A Federação Espírita do Estado de São Paulo possui um canal de atendimento telefônico, no número (11) 3106.4403 ou pelo site https://feesp.com.br/telefeesp/; possui também perfil no Facebook: https://www.facebook.com/FEESPoficial/

      Umbanda e Candomblé

      – O Pai Salun, da Federação de Umbanda e Candomblé do Estado de São Paulo, coloca a entidade à disposição através do site https://www.fucesp.com.br; no site é possível encontrar lista de entidades filiadas: https://www.fucesp.com.br/nossos-filiados.

      Religião, ciência e política: as várias “mutações” de um vírus pandêmico (UOL)

      bernardomachado.blogosfera.uol.com.br

      Bernardo Machado

      18/04/2020 04h00 12-16 minutes


      Fusão de imagem de microscópio mostra o novo coronavírus em paciente infectado com foto de altar com diversas referências religiosas (National Institutes of Health / AFP)

      “As dores humanas podem ter sentido, mesmo quando não têm solução”, pontuou o professor João Décio Passos, do programa de pós-graduação de ciência da religião da PUC-SP. Diante dos desafios transbordantes, pessoas católicas, evangélicas, esotéricas e das religiões de matrizes africanas têm mobilizado tanto recursos simbólicos de suas crenças como bússolas para navegar no amplo emaranhado de incertezas quanto se informado por fontes científicas para definir suas ações.

      As singularidades

      De um lado, uma parte da classe média urbana escolarizada – não necessariamente adepta de uma igreja em particular – tem apelado para uma noção ampla de “espiritualidade”, destaca Rodrigo Toniol, professor de antropologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Há o imaginário de que a quarentena é um momento propício para olhar para si mesmo e suas idiossincrasias. Nesse caso, pondera o antropólogo, o próprio sujeito produziria a relação com o sagrado, descartando qualquer mediador (sacerdotal ou institucional). Abundam as “tecnologias da espiritualidade” – os aplicativos de meditação, de mindfulness, de yoga – imersas num referencial de terapias alternativas.

      Por sinal, Toniol recebeu recentemente a informação de que, em um hospital de referência em São Paulo, uma paciente diagnosticada com Covid-19 foi orientada por uma terapeuta a desenhar mandalas como estratégia para cura. Após aderir à proposta, a paciente teria sentido melhoras físicas e aumentado o índice de saturação de oxigênio em seu corpo.

      Há de se notar, em paralelo, a emergência de leituras esotéricas sobre a pandemia. Segundo essas narrativas, a espécie humana estaria passando por uma “purificação natural e necessária”, constata Passos. As respostas defendem uma lógica de crises predeterminadas, como uma crise sanitária a cada 100 anos.  Nesses casos, a pandemia teria uma origem fora da História (do contexto biológico e social) e adviria de forças externas ou sobrenaturais. A solução dependeria de unções com óleo, colocação de crucifixo nas portas, correntes de oração etc. “A religião teria uma solução ritual (mágica) para a pandemia. Deus é quem estaria no comando, e não as ciências”, comenta o professor da PUC.

      Desde a virada do milênio, os discursos sobre o apocalipse andavam desaparecidos no vocabulário evangélico, relembra Jacqueline Moraes Teixeira, pesquisadora e professora da USP. Nos anos 1980 e 1990, o fim dos tempos era dado como certo, com abundantes sinais de calamidade: a ausência de carne na mesa, as altas taxa de desemprego, a queda do muro de Berlim. Entretanto, recentemente, período que coincide com a produção da novela “Apocalipse”, que foi ao ar na Record entre 2017 e 2018 (e que será reprisada pela mesma emissora durante a quarentena), a narrativa voltou a ganhar fôlego, destaca a antropóloga. Nesse sentido, o Sars-CoV-2 emergiu como um novo sinal do apocalipse.

      Para devotos do candomblé ou da umbanda, tal postura não faz sentido, pondera Vagner Gonçalves da Silva, do departamento de antropologia da USP. Isso porque, nessas religiões, as divindades podem trazer a doença com o objetivo de punição e, simultaneamente, de purificação. Isto é, a doença não é entendida como algo somente negativo, afinal, ao adoecer se aprende a cura e se valoriza a saúde. Nesse sentido, o vírus não é entendido na chave do demoníaco, mas como uma oportunidade para pensar no equilíbrio com a natureza, uma forma de valorizar o axé dos lugares e na força do sagrado. Ao contrário das cosmologias cristãs de expiação, no caso das religiões de matrizes africanas, as divindades não são aprisionadas no binômio maniqueísta de bem e mal.

      De toda forma, parece haver um elemento comum de partilha no cenário contemporâneo, apesar das diferentes respostas religiosas.

      A gramática científica

      “Até o século 17 e 18, os agentes biológicos globais que matavam muita gente eram chamados de praga, afinal, o que organizava a experiência era a Igreja e a religião”, explicou Rodrigo Toniol. Com as revoluções científicas e a ascensão do Estado como princípios organizadores da vida social, os modelos explicativos se alteraram e fenômenos antes denominados como “pragas” passaram a ser compreendidos como “pandemias”.

      No debate público recente, termos como “cloroquina”, “achatar a curva”, “isolamento” e “quarentena” tornaram-se comuns no vocabulário da população brasileira. “Por mais variadas que estejam sendo as experiências e interpretações sobre o que está acontecendo agora, a gramática tornou-se científica-estatal”, analisa Toniol.

      O papa Francisco, por exemplo, adotou o isolamento social e, em seus discursos, demonstrou estar em sintonia com as orientações dos especialistas e entidades de saúde, conforme explica João Décio Passos. As fundamentações científicas orientaram o pontífice a adotar uma postura inédita: a suspensão das atividades religiosas, inclusive aquelas relacionadas à Semana Santa, essenciais na tradição católica. Ainda nesse sentido, pondera Passos, Francisco “não expressou em nenhum momento qualquer explicação religiosa sobre a origem da doença, bem como ofereceu rituais de cura para a mesma. Suas atitudes respeitaram a distinção entre o que é da ciência e o que é da fé”.

      No caso de religiões de matrizes africanas, “houve uma transformação muito grande em relação ao que foi a epidemia da Aids no começo dos anos 1980”, comenta Vagner Gonçalves. Na época, uma parcela de pais e mães de santo defendia que a doença não iria afetar as pessoas em seu terreiro pela proteção do Orixá Obaluaiê. Décadas depois, a postura, ao menos entre os terreiros nos quais o pesquisador tem contato, mudou: terreiros suspenderam as festividades religiosas em consonância com as orientações da OMS e do Ministério da Saúde.

      Mesmo quem deseja negar o conhecimento epidemiológico e as posturas de entidades governamentais parece mobilizar a gramática científica e estatal para vociferar suas convicções, afirma Toniol. A Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, tem recorrido ao vocabulário científico para defender suas posições, salienta Jacqueline Moraes Teixeira. Logo após o governo estadual paulista decretar a quarentena e impedir as igrejas de várias orientações a realizar cultos com aglomeração de pessoas, Renato Cardoso – genro de Edir Macedo e bispo principal da IURD – fez uma live reclamando a necessidade de procurar outras bases científicas para garantir que, de um lado, o vírus não se espalhasse e, de outro, a produtividade econômica fosse mantida.

      Nas redes sociais evangélicas, “há uma disputa acirrada sobre o conhecimento científico”, descreve Teixeira. Mesmo o que é fake news se traduz em formato que emula a ciência. Além disso, a antropóloga nota entre fiéis uma tentativa de procurar um conhecimento “puro”, “despido de um discurso político”. Segundo o diagnóstico dessas pessoas, “a esquerda defenderia o isolamento social, a direita defenderia o fim do isolamento” e, por isso, seria necessário acessar uma ciência pura que estaria despida de qualquer política ou posicionamento.

      A política

      Apesar dessa vontade, é notável como interesses políticos calculam os passos munidos de referenciais científicos e como o campo religioso municia as ações públicas para as decisões sanitárias.

      O papa Francisco tem assumido, por exemplo, um papel de global player, avalia Toniol: “Ele tem produzido uma estética da política ao apresentar o Vaticano vazio e com uma iluminação calculada para que ele caminhasse no meio da chuva. Isso resultou na foto do início do século 21”. A imagem, desse modo, fazia uma defesa do isolamento endossado pelo Vaticano.

      Decisões científicas também afetam as práticas religiosas. Nos terreiros com os quais mantém contato, Vagner Gonçalves relata o impacto do isolamento nas festividades. Afinal, nessas religiões, o contato é mediado pelo corpo: “quando o Orixá incorpora uma pessoa, ele abraça outras e faz transferência do axé nesse contato corpo a corpo. As ‘emanações’ do corpo como saliva, suor, sopro são fontes de axé…”. Para atender as orientações governamentais e, simultaneamente, manter viva a relação com o sagrado, os terreiros não deixaram de fazer os rituais privadamente. Por exemplo, as oferendas a Obaluaiê – a divindade associada às epidemias – passaram a ser fotografadas e enviadas nas listas dos terreiros. Mesmo assim, o isolamento tem impactado a sobrevivência material das pessoas, “são comunidades, no geral, de poucos recursos financeiros. O sacerdote vive do jogo de búzios, dos ebós (oferendas), dos rituais de limpeza espiritual e tudo isso cessou”, relata Gonçalves. Como alternativa, as comunidades têm pedido contribuição de seus filhos para manutenção e sustento das pessoas.

      Posições políticas e religiosas também disputam os significados da ciência. Segundo pesquisa do Datafolha, houve uma divisão significativa na base de apoio ao presidente Bolsonaro, sobretudo entre católicos e evangélicos. Jacqueline Moraes Teixeira pondera que, mesmo nos segmentos protestantes no Brasil, notou-se uma divisão entre aqueles que desacreditaram inicialmente o vírus e aqueles que adotaram prontamente o isolamento social – como algumas denominações batistas que, em 2018, apoiaram o então candidato Bolsonaro.

      Diante desse impasse, o presidente e líderes evangélicos ligados ao governo procuraram uma estratégia religiosa capaz de fazer frente à orientação científica do isolamento. O jejum emergiu como uma alternativa. Isso porque, afirma Teixeira, no imaginário cristão, o jejum é um momento de sacrifício individual em que se intensifica a relação com Deus. “Ninguém faz jejum em aglomeração, em templo”, destaca Teixeira, “Esse jejum foi uma tentativa de trazer para perto do governo essa gama de evangélicos que defendem as políticas de isolamento social”. Dessa maneira, o jejum produziria uma nova narrativa, lastreada em uma política teológica, para o governo se conectar com uma base política que se desfazia e acenar para um tipo de isolamento religioso.

      Simultaneamente, nas redes de fiéis começaram a circular as imagens dos templos evangélicos com as portas fechadas e as pessoas ajoelhadas do lado de fora. “Isso traz um peso histórico. Essas igrejas quase nunca estão fechadas, desde as 6h da manhã até a madrugada elas ficam abertas”, relembra Teixeira. Essa foi uma postura política adotada por igrejas como a IURD para se contrapor ao decreto do governo estadual paulista que impede aglomerações. Na regra, os edifícios poderiam manter as portas abertas para prestar atendimentos individuais, por isso a decisão de trancar as igrejas produziu um efeito simbólico e político. Afinal, templos cerrados sugerem o caos e a proximidade com o apocalipse.

      Sob essa imagem, a articulação entre política e religião ganhou novas dimensões, afinal, essa narrativa “consegue colocar a gestão do governo Bolsonaro numa posição que faz sentido para algumas pessoas – embora não seja unânime”, comenta Teixeira. “O governo passa a ser lido por segmentos evangélicos como um governo do fim do mundo. Ele não vai ser coerente – não precisa ser coerente –, não vai resolver os problemas, ele não vai tirar as pessoas do seu sofrimento… ele é um governo apocalíptico”. Por esse motivo, para alguns segmentos da população, a forma de administração da doença não geraria incômodo ou preocupação, afinal, estaria afinada com essa leitura cosmológica cristã.

      Nesse universo de referências intrincadas e emaranhadas, o que se pode inferir é a articulação entre religião, ciência e política. Apesar de imaginarmos essas esferas como campos separados, nota-se, na prática, universos mutuamente constituídos e repletos de interpelações.

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      Depoimentos de fé (Estadão)

      Artigo original

      19 de abril de 2020

      Praticantes de diversas religiões relatam sua rotina e líderes refletem sobre a pandemia

      Há os que estão rezando sozinhos, em pequenos altares em casa. E os que vão até as janelas fazer orações em voz alta, para si e para a vizinhança. Missas e reuniões online também ajudam, assim como mensagens de fé que chegam em grupos de WhatsApp. Em tempos difíceis, ter uma crença é ainda mais importante, garantem pessoas de diferentes religiões.

      E como os líderes religiosos estão avaliando esse momento de pandemia? Ouvimos nove deles, que falam que essa época ensina a valorizar o que há de mais imprescindível: o amor e a solidariedade. Abaixo, você encontra depoimentos de Dom Odilo Scherer, do rabino Michel Schlesinger e do lama Segyu Choepel Rinpoche, entre outros.

      Na sacada de casa ou em reuniões virtuais, o estímulo da fé

      Morador da Vila Mariana, por exemplo, faz orações que chegam a vários condomínios da vizinhança

      Maria Fernanda Rodrigues

      Tem sido assim todos os dias desde o fim de fevereiro, quando o coronavírus se tornou uma ameaça mais real aos brasileiros: ao meio-dia e às 21 horas, o desembargador aposentado Luiz Sabbato, de 76 anos, sai na sacada de seu apartamento na Rua Maestro Callia, na Vila Mariana, para fazer uma oração. Ele começou sendo acompanhado apenas pelos vizinhos de condomínio, que convidou pelo grupo de WhatsApp. Com o silêncio das ruas desertas, no entanto, sua voz foi se espalhando pelas redondezas.

      Claudia Lopes mora no prédio ao lado e consegue ouvir bem o Pai Nosso e a Ave-Maria. Quando Sabbato faz algum outro comentário, fica mais difícil de entender. “Tenho vontade de ir para a rua, assistir à oração mais de perto, mas é hora de ficar em casa e rezar junto a distância”, diz a fonoaudióloga que faz, com o marido, também todos os dias, o Evangelho no Lar. “É reconfortante essa rotina: todos os dias depois do panelaço vem um silêncio e, então, as orações. No fim, ouvimos os vizinhos se despedindo uns dos outros e voltamos todos para o silência das nossas casas.”

      Moradores da Rua Pelotas também querem poder acompanhar mais de perto e mandaram um apelo para Sabbato. “Eu bem gostaria de poder atender e comprar um megafone, mas com todas as lojas fechadas fica difícil. O que tenho feito é treinar a minha voz para eu poder falar mais alto”, disse.

      Luiz Sabbato é um dos elos de uma corrente que tem levado mensagem de esperança para as pessoas que estão vivendo sob o medo do coronavírus e estão isoladas em suas casas. Diariamente, ele recebe de um amigo um vídeo ou um áudio com alguma mensagem de fé, enviada por um padre. Ele, então, começou a repassar esse conteúdo aos seus contatos, não sem antes deixar um comentário próprio. O grupo foi crescendo e o desembargador aposentado do Superior Tribunal de Justiça de São Paulo calcula que suas palavras estejam chegando, por meio dessas mensagens ou da oração compartilhada na sacada, a cerca de 30 condomínios da região.

      Para que mais vizinhos consigam ouvir as orações, desembargador treina a voz para falar mais alto: “Eu bem gostaria de poder atender e comprar um megafone”Nilton Fukuda/Estadão

      “Nós passamos por diversas crises e sempre houve uma esperança de vencer. Coisas como essa que estamos vivendo são sinais que vêm mostrar para a humanidade que é preciso ter mais solidariedade e compaixão. E você acredita em alguma coisa e tem um consolo ou não acredita em nada e vive em desespero”, comentou Sabbato.

      Um pouco distante dali, no Jardim Paulista, Lucy de Araújo também se apoia na fé, que ela sempre teve, para superar este momento. Às vésperas de completar 79 anos e muito ativa, ela não parava em casa antes do confinamento. Era coral, clube, ginástica, trabalho voluntário e missa aos domingos. Se dava certo de estar casa às 18 horas, na hora do terço da Rede Vida, ela fazia. Agora, ela reza o terço todos os dias com o padre Lúcio.

      “A religiosidade não ficou mais forte para mim neste momento porque ela sempre foi assim, mas ela está mais presente. O fato de ter uma fé, uma religião, algo em que acreditar, nos fortalece e isso está sendo muito importante para mim neste momento de crise, de quarentena, quando estou sozinha resolvendo as minhas coisas”, diz a aposentada, diante de seu pequeno altar, enquanto se acostuma com as novidades: a missa de Páscoa na TV, o banco no celular e o cafezinho com as amigas pelo Skype.

      “O fato de ter uma fé está sendo muito importante para mim neste momento de crise, de quarentena”, diz LucyArquivo pessoal

      Na casa de Amanda Castro, no Jardim Guedala, o momento é desafiador. A designer de 34 anos tinha acabado de voltar ao mercado de trabalho agora que seu filho mais novo – são quatro crianças entre 3 e 11 anos – havia entrado na escola. Há dois meses ela iniciou o novo trabalho, fazendo home office desde o começo. No primeiro mês tudo correu bem, porque os filhos estavam indo ao colégio. Mas a situação complicou muito com a interrupção das aulas.

      “Tem sido muito difícil. São quatro crianças num apartamento, que virou também a escola. Um desafio que nunca pensei que fosse passar. Além de tudo o que desempenhamos no dia-a-dia, estamos sendo obrigados a fazer coisas que não sabíamos fazer antes”, disse Amanda. “Um dia desses, minha filha se estressou porque não conseguia realizar a tarefa e pedi ajuda ao Pai para que ela e os irmãos consigam entender o que está acontecendo.”

      A família de Amanda é muito religiosa e frequentar a Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias fazia parte da rotina de todos. Era como se a igreja fosse a continuação de suas vidas, segundo ela. “A igreja fechou por causa do coronavírus, mas está aberta em nossa casa.”

      E não falta criatividade para ensinar a religião para as crianças. Dia desses, enquanto ela contava a história do rei Benjamim, do Livro do Mórmon, os filhos construíam uma montanha de palitos e uma coroa de E.V.A. para ele. Na Páscoa, Amanda recortou figuras e colou no pufe da sala para explicar a ressurreição. “Tento fazer com que cada história que conto fique interessante. As crianças aprendem brincando.”

      Isso tudo deixou a designer ainda mais perto de sua fé? Ela diz que sim. “Tenho me aproximado mais de Deus sim. Sinto que preciso mais da ajuda dele porque sozinha eu não conseguiria.”

      Amanda conta ainda que a família fez os dois jejuns sugeridos pelo líder da igreja como forma de pedir pela “cura física e espiritual”, neste momento em que a humanidade enfrenta o coronavírus. “Eu tenho visto o caos no mundo, as previsões, e acredito do fundo do meu coração que as pessoas não estão contando com um milagre. Tenho certeza que vai haver um milagre e vamos sair disso.”

      Espírita, a jornalista Ivani Cardoso também tem fé e todos os dias, ao acordar, ela faz o autopasse de proteção e, uma vez por semana, o Evangelho no Lar. “São ferramentas que trazem mais tranquilidade e você se sente mais protegida e integrada a um grupo que está vibrando pela saúde, pela humanidade, pela paz”, disse Ivani. “A palavra do momento é confiança. Confiança que há um plano espiritual fazendo o melhor.”

      Ela costumava frequentar um centro espírita em Pinheiros. Hoje, as reuniões estão sendo feitas pelo aplicativo  Zoom. Na terça-feira, 14 de abril, nada menos do que 80 pessoas participaram virtualmente. Mas seu ritual não para por aí. Todas as noites, ela faz uma mediação de futuro: inspira e expira, imagina cenas alegres do futuro, pensa nas netas, nos amigos e em coisas boas. “Tem me feito um bem enorme me imaginar fazendo as coisas que são importantes no futuro.” Ela conclui dizendo que ouviu uma frase na reunião do centro desta semana que, em sua opinião, devia ser o nosso mantra: “O medo e a esperança não podem conviver no mesmo espaço.”

      Para Bernardo Tanis, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise, um momento como o que estamos vivendo, evoca situações vividas quando éramos pequenos: o desamparo. “Nós chegamos no mundo com muita fragilidade e precisamos de alguém que nos proteja. Quando crescemos, percebemos que isso não ficou no passado e que somos frágeis diante da natureza e dos nossos desejos e conflitos”, explica Tanis. “Mas vamos criando recursos, de personalidade, de ego, nos vínculo com os outros, que nos dão o sentimento de segurança e, com isso, vamos enfrentando a vida.”

      Tudo muda quando acontecem situações com um potencial traumático muito grande e nos encontramos face a face com esse desamparo, de acordo com o especialista. “E o que fazer nesses momentos? Cada indivíduo tem um repertório muito próprio. Alguns podem pintar, escrever, procurar outras pessoas e dialogar”, diz Tanis. “Outras se reencontram com coisas mais voltadas à ideia de transcendência, com a crença de que existem outras forças desconhecidas e buscam nisso uma proteção e uma sensação de segurança ante a incerteza.”

      O psicanalista vai além em sua análise. “Nós também precisamos poder confiar não só em Deus, na transcendência, mas nas autoridades que estão conduzindo a situação. Se elas nos mostrarem, com atos concretos, que estão cuidando de tudo e se importando com as pessoas, nos sentiremos bem mais amparados e confiantes”, acredita. “Se isso não acontecer, o sentimento de desamparo aumenta e buscamos na salvação, na religião, em algum lugar, a possibilidade de nos sentirmos mais cuidados.”


      O momento atual, na palavra e na visão de nove líderes religiosos

      Uma das mensagens comuns é a necessidade de cuidar e si e dos outros; entrevistados também ressaltam a oportunidade para promover mudanças

      Giovanna Wolf e Maria Fernanda Rodrigues

      Como as diversas religiões estão vendo este momento de pandemia? Quais são as grandes mensagens trazidas pela crise global provocada pelo coronavírus – e os aprendizados que devemos ter a partir dela? Ouvimos nove líderes religiosos sobre esses temas. Em comum, eles falam da necessidade de amor e solidariedade, e dos cuidados que precisamos ter conosco e com os outros. Também ressaltam que este período é uma oportunidade de refletir e promover mudanças. Confira, abaixo, o que eles disseram:

      DEPOIMENTOS

      Dom Odilo Pedro Scherer
      Cardeal-Arcebispo de São Paulo

      “Como vamos sair dessa pandemia? Antes de tudo, espero sairmos vivos e com muitas lições aprendidas”, diz Dom Odilo Scherer – JF Diorio/Estadão

      ‘A pandemia nos dá a ocasião de revermos valores e prioridades na vida’

      “Já tive a ocasião de me manifestar sobre a pandemia do novo coronavírus num artigo publicado no Estado, em 11 de abril passado. Esse artigo, de alguma maneira, já responde às questões levantadas no pedido recebido para esta manifestação.

      As reflexões feitas em nome da Igreja Católica são numerosas e aquelas do papa Francisco são as mais expressivas e representativas. Ele fala pela Igreja Católica como um todo.

      Pessoalmente, vivo como a maioria das pessoas a apreensão diante dos riscos de contágio com o vírus e me preocupo com a saúde de todo o povo. Faço votos e rezo para que os pesquisadores e cientistas encontrem o quanto antes uma vacina para a prevenção contra o vírus e uma medicação eficaz para combater os efeitos dessa virose. Enquanto isso não acontece, uno minha voz à das autoridades sanitárias que recomendam medidas e comportamentos que ajudem a evitar o contágio.

      Em relação às ações da própria Igreja, nós suspendemos temporariamente as celebrações da liturgia católica e outros encontros e reuniões das nossas comunidades e paróquias, para evitar aglomerações e o risco do contágio. Enquanto isso, fazemos as celebrações religiosas com um mínimo indispensável de pessoas presentes e as transmitimos aos fiéis pelos meios de comunicação e das mais variadas mídias sociais. Mantemos também uma rede de organizações de ajuda solidária às pessoas doentes ou necessitadas de alimento e outras ajudas, como aos pobres, de maneira geral. Muitas iniciativas estão sendo organizadas pelos meios virtuais.

      Nossa preocupação também é alimentar a fé religiosa das pessoas, pois ela tem grande importância nessas horas difíceis. Quando experimentamos e reconhecemos nosso limite, nós damos espaço para que Deus possa agir em nós e através de nós. A fé religiosa não é mera resignação diante dos fatos e situações, mas uma luz que dá um sentido mais profundo às realidades que vivemos.

      Como refleti no citado artigo, a pandemia do coronavírus nos traz muitos questionamentos. Antes de tudo, devemos reconhecer que, apesar de todos os recursos de segurança pessoal e coletiva que possamos ter (dinheiro, poder, boa organização econômica e social), continuamos frágeis e expostos a riscos imprevisíveis e, aparentemente, insignificantes, como no caso de um vírus. Isso nos deve levar a ser humildes e a renunciar a qualquer delírio de onipotência ou superioridade.

      Penso que a pandemia nos dá a ocasião de revermos valores e prioridades na vida e nossas atitudes diante desses valores e prioridades. A vida e a saúde, a família, cada pessoa e a companhia das pessoas, a sensibilidade diante do sofrimento alheio e a solidariedade, o afeto, o amor gratuito e a ternura, a natureza, nossa ‘casa comum’, a arte e a cultura, como construção de nosso convívio… Todos esses valores ajudam a expressar o melhor que trazemos dentro de nós: nossa humanidade.

      Por outro lado, a pandemia nos obriga a rever os modos de vida muito acelerados que levamos, arrastados por uma economia que visa ao acúmulo mais que à satisfação das necessidades básicas. A pandemia oferece uma boa ocasião para refletirmos juntos sobre questões cruciais que movem imensas somas de dinheiro e, ao mesmo tempo, causam imensos sofrimentos pelo mundo: as guerras, as ideologias que semeiam o ódio e a divisão, o consumo desenfreado e o acúmulo de riquezas, que colocam em risco até mesmo a sustentabilidade da vida no nosso planeta. Existe algo de muito errado em tudo isso! Em vez de investir em armamentos, bens supérfluos e consumo de vaidades, por que não investir mais em saúde,  educação, moradia, saneamento básico e bem-estar essencial para todos? Por que não sentar em torno de uma mesa e tomar decisões eficazes para erradicar doenças endêmicas, miséria e fome, que ainda existem e matam milhões de pessoas no mundo a cada ano? Por que duvidar em fazer isso, quando existem os recursos para fazê-lo?

      Como vamos sair dessa pandemia? Antes de tudo, espero sairmos vivos e com muitas lições aprendidas. E que essas lições não sejam logo esquecidas. Sinceramente, espero sairmos mais solidários e atenciosos uns para com os outros; mais humildes e gratos por tantos bens da natureza e da cultura, que temos à nossa disposição. E que também saiamos com a fé religiosa reencontrada, ou renovada, dando graças a Deus todos os dias por termos a oportunidade de participar do banquete da vida, que é a coisa mais importante desta vida!”


      Roberto Watanabe
      Presidente da Federação Espírita do Estado de São Paulo

      “Muito já progredimos em matéria de solidariedade e fraternidade. Mas ainda há muito o que fazer”, afirma Watanabe – Arquivo Pessoal

      ‘Que neste momento possamos refletir sobre o que é perene e que nos traz paz’

      “A Doutrina Espírita revela-nos Deus como a inteligência suprema do Universo, que atua como nosso Pai, infinitamente justo, misericordioso e bom. Um Pai que não pune e não castiga, mas que submete toda a Criação às Leis da Natureza, divinas, perfeitas e imutáveis, e que se sobrepõem à vontade e à ação do homem. Uma dessas leis é justamente a Lei do Progresso, que proporciona a todos os seres da natureza evoluir, progredir e alcançar a perfeição intelectual e moral que estas leis possibilitam.

      Temos em Jesus o modelo, o guia seguro para esta conquista e que, quando de sua presença entre nós, revelou e viveu as atitudes e os comportamentos que asseguram a conquista deste progresso.

      Diante destes conceitos, as dores e dificuldades que nos alcançam precisam ser analisadas por meio de uma visão transcendente da vida, pois em nossa condição de espíritos imortais, que já vivemos várias vidas e viveremos outras, infelizmente, ainda necessitamos do auxílio das dores para despertar para a conquista de valores morais que vão proporcionar a convivência fraterna, o respeito, a paz e a solidariedade entre toda a humanidade, exterminando os conflitos e a acentuada desigualdade social que existe em nosso planeta.

      Muito já progredimos em matéria de solidariedade e fraternidade. Mas ainda há muito o que fazer. Grande parte de nós ainda não vê a todos como irmãos, criando barreiras e levantando muros de discórdia e separação.

      Periodicamente, a Terra vivencia grandes desafios, sejam os provocados pelo homem ou aqueles que independem de nossa vontade, como as epidemias e os flagelos naturais. E que sem dúvida trazem muita dor. Pandemias como esta, deste momento, revelam a fragilidade do homem diante da própria natureza, servem de doloroso auxílio para o despertamento consciencial e o consequente exercício da solidariedade, da oração, da busca de Deus e da revisão de nossa escala de valores.

      Diante da nossa impotência, temporária, no controle e combate deste vírus, façamos o possível para ser úteis na construção de uma atmosfera psíquica mais saudável no planeta, utilizando os recursos poderosos da prece, que nos coloca em sintonia com Deus e nos proporciona sustentação, coragem e esperança, orarmos pelos nossos irmãos que partem para a Pátria Espiritual e seus familiares, pelas equipes médicas e pesquisadores que se empenham na busca de soluções para este inimigo invisível, valorizarmos a convivência fraterna dentro do lar, o exercício dos bons pensamentos, da confiança de que tudo está sob absoluto controle de Deus e das Leis Divinas e da certeza de dias melhores, que sempre chegam.

      Que saibamos aproveitar o momento para rever nossos conceitos sobre a vida, sobre as pessoas, auxiliar nossos irmãos em necessidade, dentro de nossas possibilidades, respeitando as orientações da ciência e das autoridades sanitárias, ter contato com bons livros e atividades que nos estimulem na elevação de nossos pensamentos, enfim, refletir sobre aquilo que realmente é perene e que nos traz a tão almejada paz.”


      Michel Schlesinger
      Rabino da Congregação Israelita Paulista e representante da Confederação Israelita do Brasil para o diálogo inter-religioso

      “Se conseguirmos identificar essa oportunidade de amadurecimento e crescimento, sairemos da crise mais rápido e melhor”, diz Schlesinger – Daniel Teixeira/Estadão

      ‘Único caminho para superar essa crise é darmos as mãos uns aos outros’

      “Vivemos um momento de inflexão, muito especial, repleto de desafios e com oportunidades proporcionais a esses desafios. Minha esperança como religioso é que possamos identificar as oportunidades que existem em meio a esses desafios e nos fortalecermos como indivíduo e como sociedade. Se existe uma coisa que o coronavírus ensinou de forma inequívoca é que estamos todos no mesmo barco. O coronavírus não escolheu nacionalidade, idioma, religião, cor de pele, preferência sexual. O coronavírus ameaça a todos da mesma forma. Isso significa que a solução também deverá ser coletiva e a partir da cooperação entre todos. Não existe outro caminho para superar essa crise que não seja darmos as mãos uns aos outros e fazermos juntos essa travessia.

      Falo de travessia porque estamos justamente na festa da nossa travessia do Mar Vermelho, o Pessach, quando os judeus lembram o momento de terem saído do Egito e da escravidão, atravessado o Mar Vermelho e conquistado a liberdade. Penso que essa liberdade ainda não é absoluta. A liberdade absoluta só vai acontecer quando ela for para todo mundo, universal, para todos os homens e mulheres. Os que se sentem mais livres estão equivocados. Eles precisam olhar para trás e ver que a travessia ainda não foi realizada por todos e estender a mão para que todos possam fazer essa travessia. E o coronavírus acentua esse sentimento de que estamos todos no mesmo barco, de que somos afetados da mesma forma e que, portanto, temos de buscar coletivamente uma solução.

      Se apenas esse aprendizado for conquistado, já vejo uma enorme evolução. Quando olho por uma perspectiva histórica mais recente, depois da Segunda Guerra Mundial, quando 6 milhões de judeus e tantos outros milhões de não judeus foram assassinados, o mundo parecia ter aprendido alguma lição. Foi criada a Organização das Nações Unidas, foi feita a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Havia um sentimento de que nossos destinos estão interligados e que nós temos de cooperar e trabalhar em conjunto. Nos últimos anos, eu identifico um retrocesso nesse processo. Voltou a existir no mundo um discurso ultranacionalista e xenófobo, e o coronavírus é a oportunidade de interrompermos esse processo e voltarmos a entender o quanto somos parte da mesma raça, que é a raça humana, antes de qualquer coisa – antes de religião, de nacionalidade -, e como humanos temos de defender uns aos outros, respeitar uns aos outros, e temos de ver na nossa diversidade a oportunidade de aprendizado e de crescimento. Essa lição é muito poderosa e muito importante. Se no meio dessa crise conseguirmos identificar essa oportunidade de amadurecimento e crescimento, sairemos dela mais rápido e melhor.”


      Pastor Marcos Botelho
      Igreja Presbiteriana Comunidade da Vila

      “Deus ensinou os filhos a serem corajosos e a enfrentarem as situações”, explica o pastor – Marcos BotelhoArquivo Pessoal

      ‘Aproveite o momento para olhar para onde estamos caminhando’

      “A pandemia é um tempo para a humanidade dar dois passos para trás e repensar atitudes em relação ao consumismo desenfreado, à religião e à família. É uma oportunidade para olharmos para a sociedade doentia em que vivemos e para onde estamos caminhando. Também para os pais e as mães darem mais atenção aos filhos e para os cônjuges estarem mais juntos.

      Do ponto de vista bíblico, Deus não perde o controle de nada. Mas isso não quer dizer que Ele mandou fazer a pandemia. É uma consequência do que a gente está fazendo na natureza nos últimos anos. As coisas erradas vão ter consequências, o que a gente planta, a gente colhe. Porém, Deus ensinou os filhos a serem corajosos e a enfrentarem as situações.

      É uma chance para agirmos de forma diferente, mas isso não significa que realmente as pessoas vão mudar. Muitas vezes, os seres humanos não aprendem: estamos vendo por aí lutas por máscaras e respiradores, que evidenciam o egoísmo. Mas há sempre a opção também de agir pensando no próximo, com amor e solidariedade.

      É um momento em que Deus nos colocou para pensar obrigatoriamente. É hora de mudar. O que você quer da sua vida? É um xeque-mate.

      Não se isole. Fique em casa, mas não isole a alma. Aproveite o momento para olhar para sua casa, para a família, para a sociedade e para onde estamos encaminhando.”


      Pai Guimarães de Ogum
      Diretor da Associação Brasileira dos Templos de Umbanda e Candomblé (Abratu)

      “As pessoas estão ficando mais próximas da família, estão sentindo falta umas das outras e sendo solidárias”, acredita Pai Guimarães de Ogum – Arquivo Pessoal

      ‘Espiritualmente, é um momento de recolhimento para acolhimento’

      “A humanidade sempre vai colher os resultados das suas escolhas. Não tem sagrado e fé que mude aquilo que é uma escolha da humanidade. A humanidade não respeita a natureza, não toma os cuidados necessários e não respeita limites. As escolhas do homem fazem com que de tempos em tempos vivenciemos essa realidade de tristeza e perda de vida.

      Não há uma explicação teológica. É um castigo, mas não é proveniente de Deus, é um castigo da própria conduta que o homem escolheu. É até contraditório Deus, que me abençoa e quer o melhor para mim, resolver castigar pessoas no planeta e punir a humanidade na figura de pessoas inocentes.

      Que esse momento possa servir de aprendizado, para que a gente aprenda a cuidar de si e do próximo. A pandemia já está deixando uma mensagem: as pessoas estão ficando mais próximas da família, estão sentindo falta umas das outras e sendo solidárias. Que possamos manter tudo isso quando a doença acabar, e que não precisemos mais de uma pandemia para ser solidário, ser amigo e se preocupar.

      Talvez a humanidade aprenda a valorizar coisas a que não está atenta mais. Talvez haja a reflexão de que existe algo maior e mais valioso que o materialismo.

      É uma situação oportuna para quem está em família, para cada um dentro da sua fé fazer uma oração, para as pessoas conversarem. Espiritualmente, é um momento de recolhimento para acolhimento, para se aproximar dos parentes. Perdeu-se o costume do almoço em família. As pessoas estão interiorizadas em seus mundos e em suas interligações. Tem muito filho que não conhece a história do próprio pai.

      Não podemos perder a crença de que o ser humano quer evoluir. Precisamos dar um jeito de ficar em casa e cuidar da família. Vamos nos amar. E para amar não precisa estar próximo, tem de respeitar.”


      Babalaô Ronaldo Antonio Linares
      Sacerdote Umbandista, criador do Santuário Nacional da Umbanda

      “Nós, umbandistas, acreditamos em um Deus de amor, que ama, compreende e não pune todos por alguns”, explica o babalaôMaria Aparecida Linares/Santuário Nacional da Umbanda

      ‘Vivemos tempos em que a fé e a ciência precisam andar de mãos dadas’

      “A pandemia é um recado à humanidade, qualquer que seja o credo, se o Deus é de amor.  Devemos parar de discutir o que Ele disse e fazer o que Ele mandou: ‘Amai-vos uns aos outros’.

      Vivemos tempos em que a fé e a ciência precisam andar de mãos dadas. Portanto, a melhor postura agora é fazer o que diz a ciência, como ficar em casa, evitar contato físico e manter a higiene. Tudo isso sem deixar de lado a fé, porque é sempre um desafio fazer uma coisa com que não estamos habituados, que está além de nossos conhecimentos.

      Nessas ocasiões, mais do que nunca, aqueles que creem recorrem a Deus para o conforto que só a religião proporciona. É quando então nos socorremos na fé.

      As pandemias são cíclicas e parece que a cada século enfrentamos uma. Há uma grande tendência de culpar alguém nessas ocasiões e quase sempre culpa-se a humanidade, alegando que é um castigo de Deus. Nós umbandistas acreditamos em um Deus de amor, que ama, compreende e não pune todos por alguns.

      Rogo a Oxalá que mantenha acesa no coração dos homens a chama da espiritualidade, que afasta as trevas da incerteza.”


      Monge Sato
      Regente do Templo Shin-Budista de Brasília

      “As pessoas estão ficando irritadas e ansiosas, mas é um momento importante de reflexão”, diz o Monge Sato – Valdegran Oliveira Rodrigues

      ‘Não devemos voltar à realidade da mesma forma que saímos’

      “A crise é um perigo mas também uma oportunidade. Se mal tratada, pode nos levar ao buraco. Porém, pode ser um ensejo para sermos melhores. É um momento de aprendizagem, de pensar em quem somos nós como humanidade. Somos a humanidade que cria desigualdades e que trata a natureza como inimiga? Será que é esse tipo de vida que queremos?

      Não devemos voltar à realidade normal, depois da pandemia, da mesma forma que saímos. É o momento de pensar o que é uma vida humanitária normal. É competição ou solidariedade? Se nós podemos ser solidários nesta crise, por que não podemos ser solidários em tempos normais?

      Essa crise é muito especial. Normalmente, em outras crises, as pessoas que tinham posses se sentiam defendidas. Nesta pandemia ninguém está imune. É hora de rever o privilégio. A terra pertence a todos, mas no sistema que estamos vivendo algumas camadas têm privilégios. Será que todo esse avanço científico e tecnológico está beneficiando todos ou apenas os poderosos?

      Será preciso muita serenidade e calma. As pessoas estão ficando irritadas e ansiosas, mas é um momento importante de reflexão, para refletirmos quem nós somos. Essa irritação é porque nós não estamos acostumados a entrar fundo em nós próprios.

      É um tempo de autoconhecimento, de prestar atenção não só em si, mas nas relações com as pessoas. Queremos sempre mais, e talvez possa ser um aviso de que o planeta tem seus limites. O grande avanço científico e tecnológico nos promete abundância material mas não o amor, a solidariedade e a equidade.

      De repente percebemos a importância do ar. As pessoas ficam sem ar com essa doença, elas morrem porque falta ar. Colocamo-nos todos iguais perante ao ar, que é um bem-comum e universal. E a espiritualidade é tão valiosa quanto o ar.”


      Lama Segyu Choepel Rinpoche
      Brasileiro, fundador da Fundação Juniper, centro de meditação localizado na Califórnia, nos Estados Unidos

      “Nesta hora é preciso ter um sistema que me conduz a ter uma paz interior,” afirma Rinpoche – Galen Stolee/Fundação Juniper

      ‘Momento atual é uma tragédia, mas também grande oportunidade para transformação interior’

      “O mundo está passando por uma transformação e existe muita dor pela perda. É um momento em que a morte está na nossa casa, está na nossa visão o tempo todo. É uma tragédia, sim, mas também uma grande oportunidade para transformação interior.

      Um dos ensinamentos do Budismo é que a morte é certa: todos nós vamos morrer, só não sabemos quando. E a morte chega sem aviso. Muitas pessoas vivem como se nunca pensassem que fossem morrer, e morrem como se nunca tivessem vivido. Quando a morte chegar e eu tiver um minuto ou um segundo para fazer um panorama da minha vida, como é que eu vivi? Como é que foi minha vivência? A vida em certo ponto é respirar, comer, beber, defecar e urinar. Mas a vivência depende da mente.

      A vida tem problemas, eles estão aí. Ela é como se fosse uma bolha d’água: a morte chega sem aviso em uma situação como essa que estamos vivendo. Mas como eu reajo a esses problemas? Como eu posso aproveitar esse momento para fortalecer meu pensamento e para mudar os meus padrões internos negativos em padrões que sejam de felicidade, alegria e bem-estar? É por isso que nesta hora é preciso ter um sistema que me conduz a ter uma paz interior, uma serenidade interior, uma harmonia interior. Isso vai ajudar nesses momentos difíceis.

      É como diz um provérbio budista: ‘A felicidade e o sofrimento dependem da nossa mente e da nossa interpretação. Ela não vem de fora, nem tampouco dos outros. Toda felicidade e todo sofrimento são criados por nós mesmos, pela nossa própria mente’. Já parou para pensar por que tem gente que tem ojeriza a barata? Muitas pessoas dizem que é nojento, mas quantos animais são nojentos e a gente gosta? Então de onde vem o nojento, da barata ou da cabeça? A barata pode remeter a enfermidades por causa de onde ela anda, mas não é preciso ter pânico dela. A barata não é o problema, o problema é meu estado mental: a barata simplesmente é um gatilho para esse estado mental que eu tenho.

      A pandemia nos alerta que precisamos trabalhar nossa mente para situações como essa. Esse vírus não tem uma explicação, tudo acontece, as coisas estão aí. Tem muita teoria em volta disso, mas é uma coisa que acontece no mundo como muitas outras coisas já aconteceram. Perdemos muito tempo criando histórias. Não gosto de dogmas. É um grande momento para a humanidade porque afetou a todos: não é só um país, é o planeta Terra. O mundo todo está afetado e condicionado ao tratamento dessa enfermidade. Se a humanidade encarar esses dois meses em casa não como sacrifício mas como oportunidade de crescimento, acredito que muitas pessoas vão mudar. Não sei se será uma medicina mental para todos, mas acredito que muitas pessoas vão começar a ter uma visão melhor da própria vivência.

      É o momento ideal para essa transformação, porque as pessoas estão em reclusão, não têm para onde ir, não há desculpas. Estou em casa há sete semanas aqui na Califórnia, nos Estados Unidos. Para mim é normal ficar recluso, porque eu faço muito retiro. Aqui está lindo, não tem barulho de carro, os passarinhos estão falando melhor. Isso não é maravilhoso? A humanidade poderia aproveitar esse tempo de silêncio não só como um silêncio externo, mas como um silêncio interior. Desse silêncio interior você vai trazer mais amor, mais carinho, mais tranquilidade e mais compaixão para você e para os outros.

      Quatro meditações são importantes para as pessoas aproveitarem neste momento: a de acalmar a mente, a de pensamentos positivos, a de cura (fortalecimento do sistema imunológico), e a de compaixão (comigo e com os demais). Toda as sexta-feiras, às 19 horas, estou disponibilizando meditações online para os brasileiros, transmitindo também algumas mensagens.”


      Ali Zoghbi
      Vice-presidente da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil

      “A pandemia demonstrou o quanto somos insignificantes, é uma lição de humildade”, acredita Ali Zoghbi – Adriano Cardos/FAMBRAS

      ‘‘Essa doença uniformizou a diferença de classe: todos estamos sofrendo’

      “Neste momento devemos agir para preservar a vida, porque ela é essencial e prioritária. O Islã é uma religião que acredita e aceita a ciência, e sempre a teve como um suporte e um sinal da misericórdia divina.

      A visão do Islã é de que Deus é onisciente: nenhuma folha cai de uma árvore sem a ciência do criador. Acreditamos no livre arbítrio, e também que a sociedade cria suas próprias armadilhas no decorrer da história. Como muçulmano, entendo que nós somos responsáveis por esse tipo de epidemia que está nos assolando, por conta da maneira como estamos lidando com o alimento, com o meio ambiente, com uma série de fatores da nossa trajetória.

      Entendemos essa pandemia com súplicas de que esse momento, tão difícil e delicado, que tem provocado mortes de seres humanos, possa ser um prenúncio de uma sociedade mais adequada, mais harmoniosa e mais justa no futuro. A pandemia vem no sentido de demonstrar que os caminhos que estão sendo adotados estão provocando sofrimento e morte e, portanto, precisam ser revistos.

      Em tudo na história, quando estamos no meio do processo, não conseguimos fazer uma avaliação precisa, nem do que está acontecendo nem do que está por vir. O tempo vai mostrar para nós com mais clareza quais serão os resultados. Imagino que nada será como antes. Teremos reflexões muito profundas em diversos setores, desde o sistema econômico até o de relacionamento humano. Essa doença praticamente uniformizou a diferença de classe: todos somos seres humanos que estão sofrendo com a situação.

      A pandemia demonstrou o quanto somos insignificantes, é uma lição de humildade. Existe uma arrogância do ser humano em entender que talvez ele poderia suplantar as coisas da natureza e suplantar um pequeno vírus como esse. Mas essa doença deixou os seres humanos de joelhos.”