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A notável atualidade do Animismo (Outras Palavras)

Ele foi visto pela velha antropologia como “forma mais primitiva” de religião. Mas, surpresa: sugere respostas a questões cruciais de hoje: o divórcio entre cultura e natureza e a tendência da ciência a tratar como objeto tudo o que não é “humano”

Publicado 02/09/2021 às 17:46 – Atualizado 02/09/2021 às 18:00

Por Renato Sztutman, na Revista Cult, parceira editorial de Outras Palavras

Muito se tem falado hoje em dia sobre o animismo. E mais, muito se tem falado sobre uma necessidade de retomar o animismo – uma forma de responder ao projeto racionalista da modernidade, que transformou o ambiente em algo inerte, opaco, sinônimo de recurso, mercadoria. Em tempos de pandemia, constatamos que algo muito importante se perdeu na relação entre os sujeitos humanos e o mundo que eles habitam, e isso estaria na origem da profunda crise que vivemos.

Animismo é, em princípio, um conceito antropológico, proposto por Edward Tylor, em Primitive Culture (1871), para se referir à forma mais “primitiva” de religião, aquela que atribui “alma” a todos os habitantes do cosmos e que precederia o politeísmo e o monoteísmo. O termo “alma” provém do latim anima – sopro, princípio vital. Seria a causa mesma da vida, bem como algo capaz de se desprender do corpo, viajar para outros planos e tempos. O raciocínio evolucionista de autores como Tylor foi refutado por diferentes correntes da antropologia ao longo do século 20, embora possamos dizer que ainda seja visto entranhado no senso comum da modernidade. A ideia de uma religião embrionária, fundada em crenças desprovidas de lógica, perdeu lugar no discurso dos antropólogos, que passaram a buscar racionalidades por trás de diferentes práticas mágico-religiosas.

Uma reabilitação importante do conceito antropológico de animismo aparece com Philippe Descola, em sua monografia “La nature domestique” (1986), sobre os Achuar da Amazônia equatoriana. Descola demonstrou que, quando os Achuar dizem que animais e plantas têm wakan (“alma” ou, mais precisamente, intencionalidade, faculdade de comunicação ou inteligência), isso não deve ser interpretado de maneira metafórica ou como simbolismo. Isso quer dizer que o modo de os Achuar descreverem o mundo é diverso do modo como o fazem os naturalistas (baseados nos ditames da Ciência moderna), por não pressuporem uma linha intransponível entre o que costumamos chamar Natureza e Cultura. O animismo não seria mera crença, representação simbólica ou forma primitiva de religião, mas, antes de tudo, uma ontologia, modo de descrever tudo o que existe, associada a práticas. Os Achuar engajam-se em relações efetivas com outras espécies, o que faz com que, por exemplo, mulheres sejam tidas como mães das plantas que cultivam, e homens como cunhados dos animais de caça.

Para Descola, a ontologia naturalista não pode ser tomada como único modo de descrever o mundo, como fonte última de verdade. Outros três regimes ontológicos deveriam ser considerados de maneira simétrica, entre eles o animismo. Esse ponto foi desenvolvido de maneira exaustiva em Par-delà nature et culture (2005), no qual o autor se lança em uma aventura comparatista cruzando etnografias de todo o globo. O animismo inverte o quadro do naturalismo: se neste último caso a identificação entre humanos e não humanos passa pelo plano da fisicalidade (o que chamamos corpo, organismo ou biologia), no animismo essa mesma identificação se dá no plano da interioridade (o que chamamos alma, espírito ou subjetividade). Para os naturalistas, a alma seria privilégio da espécie humana, já para os animistas é uma mesma “alma humana” que se distribui entre todos os seres do cosmos.

A ideia de perspectivismo, que autores como Eduardo Viveiros de Castro e Tânia Stolze Lima atribuem a cosmologias ameríndias, estende e transforma a de animismo. O perspectivismo seria, grosso modo, uma teoria ou metafísica indígena que afirma que (idealmente) diferentes espécies se têm como humanas, mas têm as demais como não humanas. Tudo o que existe no cosmos pode ser sujeito, mas todos não podem ser sujeitos ao mesmo tempo, o que implica uma disputa. Diz-se, por exemplo, que onças veem-se como humanas e veem humanos como presas. O que os humanos veem como sangue é, para elas, cerveja de mandioca, bebida de festa. Onças e outros animais (mas também plantas, astros, fenômenos meteorológicos) são, em suma, humanos “para si mesmos”. Um xamã ameríndio seria capaz de mudar de perspectiva, de se colocar no lugar de outrem e ver como ele o vê, portanto de compreender que a condição humana é partilhada por outras criaturas.

Como insiste Viveiros de Castro em A inconstância da alma selvagem (2002), a perspectiva está nos corpos, conjuntos de afecções mais do que organismos. A mudança de perspectiva seria, assim, uma metamorfose somática e se ancoraria na ideia de um fundo comum de humanidade, numa potencialidade anímica distribuída horizontalmente no cosmos. Se o perspectivismo é o avesso do antropocentrismo, ele não se separa de certo antropomorfismo, fazendo com que prerrogativas humanas deixem de ser exclusividade da espécie humana, assumindo formas as mais diversas.

O livro de Davi Kopenawa e Bruce Albert, A queda do céu (2010), traz exemplos luminosos desses animismos e perspectivismos amazônicos. Toda a narrativa de Kopenawa está baseada em sua formação como xamã yanomami, que se define pelo trato com os espíritos xapiripë, seres antropomórficos que nada mais são que “almas” ou “imagens” (tradução que Albert prefere dar para o termo utupë) dos “ancestrais animais” (yaroripë). Segundo a mitologia yanomami, os animais eram humanos em tempos primordiais, mas se metamorfosearam em seus corpos atuais. O que uniria humanos e animais seria justamente utupë, e é como utupë que seus ancestrais aparecem aos xamãs. Quando os xamãs yanomami inalam a yãkoana (pó psicoativo), seus olhos “morrem” e – mudando de perspectiva – eles acessam a realidade invisível dos xapiripë, que se apresentam em uma grande festa, dançando e cantando, adornados e brilhosos. O xamanismo yanomami – apoiando-se em experiências de transe e sonho – é um modo de conhecer e descrever o mundo. É nesse sentido que Kopenawa diz dos brancos, “povo da mercadoria”, que eles não conhecem a terra-floresta (urihi), pois não sabem ver. Onde eles identificam uma natureza inerte, os Yanomami apreendem um emaranhado de relações. O conhecimento dessa realidade oculta é o que permitiria a esses xamãs impedir a queda do céu, catalisada pela ação destrutiva dos brancos. E assim, insiste Kopenawa, esse conhecimento passa a dizer respeito não apenas aos Yanomami, mas a todos os habitantes do planeta.

Embora distintas, as propostas de Descola e de Ingold buscam na experiência animista um contraponto às visões naturalistas e racionalistas, que impõem uma barreira entre o sujeito (humano) e o mundo. Como propõe Viveiros de Castro, essa crítica consiste na “descolonização do pensamento”, pondo em xeque o excepcionalismo humano e a pretensão de uma ontologia exclusiva detida pelos modernos. Contraponto e descolonização que não desembocam de modo algum na negação das ciências modernas, mas que exigem imaginar que é possível outra ciência ou que é possível reencontrar o animismo nas ciências. Tal tem sido o esforço de autores como Bruno Latour e Isabelle Stengers, expoentes mais expressivos dos science studies: mostrar que a ciência em ação desmente o discurso oficial, para o qual conhecer é desanimar (dessubjetivar) o mundo, reduzi-lo a seu caráter imutável, objetivo.

No livro Sobre o culto moderno dos deuses “fatiches” (1996), Latour aproxima a ideia de fetiche nas religiões africanas à ideia de fato nas ciências modernas. Um fetiche é um objeto de culto (ou mesmo uma divindade) feito por humanos e que, ao mesmo tempo, age sobre eles. Com seu trabalho etnográfico em laboratórios, Latour sugeriu que os fatos científicos não são meramente “dados”, mas dependem de interações e articulações em rede. Num laboratório, moléculas e células não seriam simplesmente objetos, mas actantes imprevisíveis, constantemente interrogados pelo pesquisador. Em seu pioneiro Jamais fomos modernos (1991), Latour assume que fatos científicos são em certo sentido feitos, e só serão aceitos como fatos quando submetidos à prova das controvérsias, isto é, quando conseguirem ser estabilizados como verdades.

Isabelle Stengers vai além da analogia entre fatos (“fatiches”) e fetiches para buscar na história das ciências modernas a tensão constitutiva com as práticas ditas mágicas. Segundo ela, as ciências modernas se estabelecem a partir da desqualificação de outras práticas, acusadas de equívoco ou charlatanismo. Ela acompanha, por exemplo, como a química se divorciou da alquimia, e a psicanálise, do magnetismo e da hipnose. Em suma, as ciências modernas desqualificam aquilo que está na sua origem. E isso, segundo Stengers, não pode ser dissociado do lastro entre a história das ciências e a do capitalismo. Em La sorcellerie capitaliste (A feitiçaria do capitalismo, 2005), no diálogo com a ativista neopagã Starhawk, Stengers e Philippe Pignarre lembram que o advento da ciência moderna e do capitalismo nos séculos 17 e 18 não se separa da perseguição às práticas de bruxaria lideradas por mulheres. Se o capitalismo, ancorado na propriedade privada e no patriarcado, emergia com a política dos cercamentos (expulsão dos camponeses das terras comuns), a revolução científica se fazia às custas da destruição de práticas mágicas. Stengers e Pignarre encontram no ativismo de Starhawk e de seu grupo Reclaim, que despontou na Califórnia no final dos anos 1980, um exemplo de resistência anticapitalista. Para Starhawk, resistir ao capitalismo é justamente retomar (reclaim) práticas – no caso, a tradição wicca, de origem europeia – que foram sacrificadas para que ele florescesse.

Retomar a magia, retomar o animismo seria, para Stengers, uma forma de existência e de resistência. Como escreveu em Cosmopolíticas (1997), quando falamos de práticas desqualificadas pelas ciências modernas, não deveríamos apenas incorrer em um ato de tolerância. Não se trata de considerar a magia uma crença ou “cultura”, como fez-se na antropologia da época de Tylor e até pouco tempo atrás. Ir além da “maldição da tolerância” é levar a sério asserções indígenas, por exemplo, de que uma rocha tem vida ou uma árvore pensa. Stengers não está interessada no animismo como “outra” ontologia: isso o tornaria inteiramente exterior à experiência moderna. Ela tampouco se interessa em tomar o animismo como verdade única, nova ontologia que viria desbancar as demais. Mais importante seria experimentá-lo, seria fazê-lo funcionar no mundo moderno.

Que outra ciência seria capaz de retomar o animismo hoje? Eis uma questão propriamente stengersiana. Hoje vivemos mundialmente uma crise sanitária em proporções jamais vistas, que não pode ser dissociada da devastação ambiental e do compromisso estabelecido entre as ciências e o mercado. A outra ciência, diriam Latour e Stengers, seria a do sistema terra e do clima, que tem como marco a teoria de Gaia, elaborada por James Lovelock e Lynn Margulis nos anos 1970. Gaia é para esses cientistas a Terra como um organismo senciente, a Terra como resultante de um emaranhado de relações entre seres vivos e não vivos. Poderíamos dizer que Gaia é um conceito propriamente animista que irrompe no seio das ciências modernas, causando desconfortos e ceticismos. O que Stengers chama de “intrusão de Gaia”, em sua obra No tempo das catástrofes (2009), é uma reação ou resposta do planeta aos efeitos destruidores do capitalismo, é a ocorrência cada vez mais frequente de catástrofes ambientais e o alerta para um eventual colapso do globo. Mas é também, ou sobretudo, um chamado para a conexão entre práticas não hegemônicas – científicas, artísticas, políticas – e a possibilidade de recriar uma inteligência coletiva e imaginar novos mundos.

O chamado de Stengers nos obriga a pensar a urgência de uma conexão efetiva entre as ciências modernas e as ciências indígenas, uma conexão que retoma o animismo, reconhecendo nele um modo de engajar humanos ao mundo, contribuindo assim para evitar ou adiar a destruição do planeta. Como escreve Ailton Krenak, profeta de nosso tempo, em Ideias para adiar o fim do mundo (2019), “quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo de humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista”. Em outras palavras, quando desanimamos o mundo, o deixamos à mercê de um poder mortífero. Retomar o animismo surge como um chamado de sobrevivência, como uma chance para reconstruir a vida e o sentido no tempo pós-pandêmico que há de vir.

Entenda o que é o “Parecer Antidemarcação” e o que está em jogo no STF (CIMI)

20/05/2020

Após liminar, o STF decide se mantém a suspensão do Parecer 001/2017 da AGU, que vem sendo usado para barrar demarcações de terras indígenas

Indígenas manifestam-se em frente ao STF. Foto: Guilherme Cavalli/Cimi Por Mobilização Nacional Indígena

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) realizarão um importante julgamento, que terá consequências para todos os povos indígenas do Brasil. Em data ainda indefinida, eles avaliarão no plenário, confirmando ou não, a decisão liminar que suspendeu o Parecer 001/2017 da Advocacia-Geral da União (AGU), que trata da demarcação de terras indígenas.

O pedido de suspensão foi deferido pelo relator, ministro Edson Fachin, no dia 7 de maio. O Parecer da AGU foi emitido em julho de 2017 e traz graves consequências para os povos indígenas: ele vem sendo usado para barrar e anular demarcações de terras.

O julgamento chegou a iniciar, no dia 22 de maio, em plenário virtual, mas acabou sendo interrompido após pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes. Agora, a votação deverá ser retomada, ainda sem data definida, por meio de videoconferência.

Entenda o que é o Parecer 001/2017 e porque é tão importante que o STF mantenha sua suspensão.

O que é o Parecer 001/2017 da AGU?
Qual a origem do Parecer 001?
Que consequências o Parecer tem para os povos indígenas?
O que é a tese do marco temporal?
Por que a tese do marco temporal é tão ruim para os povos indígenas?
O que é o caso de repercussão geral no STF?
Qual a participação dos povos indígenas neste processo?
Qual a participação da sociedade civil no processo?
Qual a relação entre o Parecer da AGU e o caso de repercussão geral?
E o que está em jogo agora?

O que é o Parecer 001/2017 da AGU?

O Parecer Normativo 001/2017, publicado pela AGU em 20 de julho de 2017, determina que toda a administração pública federal adote uma série de restrições à demarcação de TIs. Entre elas, estão as condicionantes do caso da TI Raposa Serra do Sol (RR), de 2009, e a tese do chamado “marco temporal”, segundo a qual os povos indígenas só teriam direito à demarcação das terras que estivessem comprovadamente sob sua posse em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

Na prática, o Parecer 001/2017 serve para inviabilizar e rever demarcações, mesmo aquelas já  concluídas ou em estágio avançado. A tese legitima as invasões, expulsões e a violência que vitimaram os povos indígenas antes da promulgação da Constituição Federal, quando eram tutelados pelo Estado e sequer podiam reclamar seus direitos na Justiça.

Por esse motivo, muitos povos indígenas referem-se a ele como o “Parecer Antidemarcação” ou o “Parecer do Genocídio”. Esta medida é considerada inconstitucional inclusive pelo Ministério Público Federal (MPF).

Qual a origem do Parecer 001?

O Parecer foi publicado pela AGU no governo de Michel Temer, em meio às negociações do então presidente para evitar que as denúncias de corrupção contra ele, feitas pela Procuradoria-Geral da República (PGR), fossem aceitas pela Câmara dos Deputados. As negociações envolveram a liberação de emendas a parlamentares e também o atendimento à pauta de setores e bancadas, como a ruralista.

Dias antes da publicação do Parecer 001/2017, a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) publicou em suas redes um vídeo em que o deputado Luís Carlos Heinze (PP-RS) afirmou ter conversado sobre a medida com diversos ministros e “acertado um parecer vinculante” com os então ministros da Casa Civil, Eliseu Padilha, da Justiça, Osmar Serraglio, e a advogada-geral da União, Grace Mendonça.

O vídeo de comemoração de Heinze e a publicação do Parecer 001/2017 da AGU ocorreram pouco antes da votação da primeira denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Michel Temer na Câmara dos Deputados, ocorrida no dia 2 de agosto. A Câmara negou  a autorização para a investigação, e 134 dos 251 votos a favor de Temer vieram da bancada ruralista. Heinze é o deputado que, também em 2014, afirmou em um vídeo que quilombolas, índios, gays e lésbicas eram “tudo o que não presta”.

Desde então, os povos indígenas vêm lutando para barrar a medida, com diversas manifestações na AGU, inúmeros pedidos feitos ao órgão e diversas reuniões nas quais expuseram as contradições da medida.

Que consequências o Parecer tem para os povos indígenas?

Desde a sua publicação, ainda sob o governo de Michel Temer, o Parecer 001/2017 vem sendo utilizado para inviabilizar, retardar e até reverter demarcações de terras indígenas. Em 2018, o próprio ministro da Justiça de Temer, Torquato Jardim, admitiu ter “dificuldades” para trabalhar com a norma.

Em janeiro de 2020, uma reportagem apurou que pelo menos 17 processos de demarcação foram devolvidos pelo Ministério da Justiça para análise da Funai. Segundo o MPF, há pelo menos 27 processos que hoje estão sendo revistos com base na medida.

Além disso, desde 2019, a Funai também já vinha abandonando a defesa de comunidades indígenas em diversos processos judiciais com base na norma, deixando os indígenas à mercê de despejos e da anulação da demarcação de suas terras. O órgão fez isso em, pelo menos, quatro processos. Conforme a  legislação, os indígenas devem ser defendidos pela Procuradoria da Funai quando não constituem advogados próprios.

O potencial destrutivo do Parecer 001/2017 e do marco temporal, portanto, é enorme: ele pode afetar todas as terras indígenas com o processo de demarcação ainda não concluído e, inclusive, as terras com a demarcação concluída após 1988 e questionadas judicialmente.

O que é a tese do marco temporal?

O marco temporal é uma tese que pretende reduzir o alcance do direito constitucional dos povos indígenas à terra. De caráter restritivo, o marco temporal estabelece que estes povos só têm direito à demarcação de suas terras tradicionais caso comprovem que as ocupavam, ou estavam as reivindicando na Justiça Federal, na data da promulgação da Constituição Federal de 1988, 5 de outubro.

Como argumento em ações judiciais contra a demarcação de terras indígenas, a tese restritiva do marco temporal teve as primeiras abordagens em processos envolvendo a posse da Fazenda Caipe, território tradicional que faz parte da TI Xukuru do Ororubá, em Pernambuco, e da TI Buriti, do povo Terena, no Mato Grosso do Sul.

A atual conformação da tese, que estabelece a promulgação da Constituição de 1988 como marco, é formulada pela primeira vez no âmbito do STF, quando aparece junto a 19 condicionantes para a demarcação de terras indígenas, em 2009, no julgamento da TI Raposa Serra do Sol no voto do ministro-relator Carlos Ayres Britto, favorável à homologação de Raposa.

Essa decisão não teve efeitos vinculantes, ou seja, não obriga juízes, tribunais ou a administração pública a aplicar o mesmo entendimento. Entretanto, a tese do “marco temporal” e as condicionantes do caso Raposa Serra do Sol passaram a ser usadas para orientar outras demarcações de terras indígenas. Essa utilização indevida e questionável teve início ainda no governo Dilma Rousseff, pela AGU, com a Portaria 303/2012.

Por que a tese do marco temporal é tão ruim para os povos indígenas?

Condicionar as demarcações à presença dos povos indígenas nas terras em uma data específica, junto das 19 condicionantes, passou a ser a estratégia anti-indígena usada em processos de reintegração de posse e anulação de demarcações.

A tese restritiva do marco temporal nega a histórica vulnerabilidade dos indígenas ante as violências que permearam o processo pós-colonial, a abertura das frentes de expansão pelo Brasil e as violações de direitos durante o período da ditadura civil militar, conforme denunciou, recentemente, o relatório da Comissão Nacional da Verdade.

Conforme a tese do marco temporal, o direito indígena à terra se converte em crime: a ocupação tradicional, respaldada pela Constituição, torna-se mera invasão de propriedade privada e sujeita a responsabilizações criminais e repressão policial.

A partir de 1988, o verdadeiro marco é o consenso jurídico, científico e social de que a sobrevivência física e cultural dos indígenas depende necessariamente da posse de suas terras tradicionais, tal como estabelece a própria Constituição. Anular processos de demarcação com base no “marco temporal”, além de se mostrar juridicamente questionável, tem como efeito direto condenar os indígenas ao relento da assimilação forçada, paradigma que a Constituição pretende superar.

O que é o caso de repercussão geral no STF?

Em abril de 2019, o STF reconheceu por unanimidade a “repercussão geral” do Recurso Extraordinário (RE) 1.017.365. O processo servirá como referência, segundo a corte, para a “definição do estatuto jurídico-constitucional das relações de posse das áreas de tradicional ocupação indígena à luz das regras dispostas no artigo 231 do texto constitucional”.

Em outras palavras, neste processo o tribunal definirá qual a sua interpretação do artigo 231 da Constituição Federal, que trata dos direitos dos povos indígenas, inclusive ao reconhecimento de suas terras (mais informações aqui).

Em disputa, basicamente, estão as teses do indigenato, que trata o direito dos povos indígenas à demarcação de suas terras como um direito “originário”, anterior ao próprio Estado, e a tese do marco temporal, defendida pela bancada ruralista e outros setores econômicos interessados na exploração das terras indígenas.

O processo trata, no mérito, de uma reintegração de posse movida contra o povo Xokleng, em Santa Catarina. A repercussão geral, entretanto, faz com que esse julgamento extrapole o caso específico e tenha consequências para todos os povos e terras indígenas do Brasil, já que o que fica decidido vincula obrigatoriamente as demais instâncias do Poder Judiciário e a administração pública

Qual a participação dos povos indígenas neste processo?

A disputa que deu origem ao processo se dá em torno da revisão de limites da TI Ibirama La-Klãnô (SC) e está diretamente relacionada à história do povo Xokleng. Ainda em meados do século XX, os Xokleng eram perseguidos pelos chamados “bugreiros”, caçadores de índios responsáveis por limpar as terras de “bugres”, expressão pejorativa para designar os povos indígenas na época, e liberá-las para a ocupação de não indígenas.

Em maio de 2019, o povo Xokleng foi admitido como parte no processo de repercussão geral do STF. Esse é um direito previsto no artigo 232 da Constituição Federal e seu reconhecimento ainda é uma luta das comunidades indígenas em todo o país.

Em função da tutela a que os povos indígenas estiveram submetidos até a Constituição de 1988, contudo, a maioria dos processos ainda é julgada – muitas vezes com decisões extremamente negativas às comunidades – sem que os povos indígenas participem ou sequer tomem conhecimento das ações.

Além dos Xokleng, admitidos como parte do processo porque a ação trata, no mérito, da demarcação de sua terra tradicional, diversos outros povos indígenas, por meio de suas organizações, participam do caso de repercussão geral como amicus curiae ou “amigos da corte”, fornecendo informações e subsídios ao julgamento.

Qual a participação da sociedade civil no processo?

Diversas outras organizações da sociedade civil, como as de defesa dos direitos indígenas ou humanos, também pediram habilitação no processo como “amigos da corte”. Várias dessas organizações apresentaram fundamentos que justificam a inconstitucionalidade do Parecer 001 e seus prejuízos para a garantia dos direitos indígenas previstos na Constituição Federal.

Qual a relação entre o Parecer da AGU e o caso de repercussão geral?

O principal argumento da AGU para a publicação do Parecer 001/2017 foi a de que o órgão estava apenas aplicando as definições que o STF já tinha estabelecido acerca da demarcação de terras indígenas. Isso contraria a orientação do próprio STF, que já decidiu, em alguns processos, que essas definições não se aplicam automaticamente a outros casos.

O MPF também elenca uma série de decisões que demonstram que as teses assumidas pela AGU estão muito longe de ser uma “jurisprudência consolidada” sobre a demarcação de terras indígenas.

Pelo contrário: a decisão unânime do STF, ao reconhecer a repercussão geral do caso Xokleng, indica que os 11 ministros entendem que este assunto ainda carece de definições. Esta é a prova cabal de que o tema não está pacificado no Judiciário brasileiro e que, portanto o fundamento do parecer 001 (jurisprudência consolidada do STF sobre o marco temporal e as 19 condicionantes) é inexistente.

E o que está em jogo agora?

Considerando todo este contexto, em março de 2020, os Xokleng e um conjunto de organizações que atuam como amici curiae no processo de repercussão geral ingressaram com um pedido de tutela provisória incidental, solicitando ao relator, Edson Fachin, que suspendesse os efeitos do Parecer 001/2017 da AGU sobre todas as terras indígenas do Brasil até que o julgamento do caso fosse concluído.

O povo Xokleng e as organizações indígenas, indigenistas e de direitos humanos também pediram que ações de reintegração de posse contra indígenas fossem suspensas em meio à pandemia, para evitar expor povos e comunidades à contaminação por covid-19.

Em decisão monocrática do dia 6 de maio, Fachin suspendeu todas as ações de reintegração de posse contra indígenas e as que visavam anular demarcações de terras tradicionais. No dia 7 de maio, em decisão liminar, o ministro também suspendeu os efeitos do Parecer 001/2017 da AGU, e determinou que o pleno do STF decida se referenda ou não esta última decisão.

É esta a importante decisão que será tomada pelo STF, em julgamento ainda sem data definida.

Indigenous People Advance a Dramatic Goal: Reversing Colonialism (New York Times)

nytimes.com

Max Fisher


The Interpreter

Fifty years of patient advocacy, including the shocking discovery of mass graves at Kamloops, have secured once-unthinkable gains.

A makeshift memorial to honor the 215 children whose remains have been discovered near the Kamloops Indian Residential School in British Columbia, earlier this month.
Credit: Darryl Dyck/The Canadian Press, via Associated Press

June 17, 2021

When an Indigenous community in Canada announced recently that it had discovered a mass burial site with the remains of 215 children, the location rang with significance.

Not just because it was on the grounds of a now-shuttered Indian Residential School, whose forcible assimilation of Indigenous children a 2015 truth and reconciliation report called “a key component of a Canadian government policy of cultural genocide.”

That school is in Kamloops, a city in British Columbia from which, 52 years ago, Indigenous leaders started a global campaign to reverse centuries of colonial eradication and reclaim their status as sovereign nations.

Their effort, waged predominantly in courts and international institutions, has accumulated steady gains ever since, coming further than many realize.

It has brought together groups from the Arctic to Australia. Those from British Columbia, in Canada’s mountainous west, have been at the forefront throughout.

Only two years ago, the provincial government there became the world’s first to adopt into law United Nations guidelines for heightened Indigenous sovereignty. On Wednesday, Canada’s Parliament passed a law, now awaiting a final rubber stamp, to extend those measures nationwide.

It was a stunning victory, decades in the making, that activists are working to repeat in New Zealand — and, perhaps one day, in more recalcitrant Australia, Latin America and even the United States.

“There’s been a lot of movement in the field. It’s happening with different layers of courts, with different legislatures,” said John Borrows, a prominent Canadian legal scholar and a member of the Chippewa of the Nawash Unceded First Nation.

The decades-long push for sovereignty has come with a rise in activism, legal campaigning and historical reckonings like the discovery at Kamloops. All serve the movement’s ultimate aim, which is nothing less than overturning colonial conquests that the world has long accepted as foregone.

A classroom at All Saints Residential School in Lac la Ronge, Saskatchewan, circa 1950.
Credit: Shingwauk Residential Schools Center, via Reuters

No one is sure precisely what that will look like or how long it might take. But advances once considered impossible “are happening now,” Dr. Borrows said, “and in an accelerating way.”

The Indigenous leaders who gathered in 1969 had been galvanized by an array of global changes.

The harshest assimilation policies were rolled back in most countries, but their effects remained visible in everyday life. Extractive and infrastructure megaprojects were provoking whole communities in opposition. The civil rights era was energizing a generation.

But two of the greatest motivators were gestures of ostensible reconciliation.

In 1960, world governments near-unanimously backed a United Nations declaration calling to roll back colonialism. European nations began withdrawing overseas, often under pressure from the Cold War powers.

But the declaration excluded the Americas, Australia and New Zealand, where colonization was seen as too deep-rooted to reverse. It was taken as effectively announcing that there would be no place in the modern world for Indigenous peoples.

Then, at the end of the decade, Canada’s progressive government issued a fateful “white paper” announcing that it would dissolve colonial-era policies, including reserves, and integrate Indigenous peoples as equal citizens. It was offered as emancipation.

A statue in Toronto of Egerton Ryerson, considered an architect of Canada’s residential indigenous school system, was toppled and defaced during a protest this month.
Credit: Chris Helgren/Reuters

Other countries were pursuing similar measures, with the United States’ inauspiciously named “termination policy.”

To the government’s shock, Indigenous groups angrily rejected the proposal. Like the United Nations declaration, it implied that colonial-era conquests were to be accepted as forgone.

Indigenous leaders gathered in Kamloops to organize a response. British Columbia was a logical choice. Colonial governments had never signed treaties with its original inhabitants, unlike in other parts of Canada, giving special weight to their claim to live under illegal foreign occupation.

“It’s really Quebec and British Columbia that have been the two epicenters, going back to the ’70s,” said Jérémie Gilbert, a human rights lawyer who works with Indigenous groups. Traditions of civil resistance run deep in both.

The Kamloops group began what became a campaign to impress upon the world that they were sovereign peoples with the rights of any nation, often by working through the law.

They linked up with others around the world, holding the first meeting of The World Council of Indigenous Peoples on Vancouver Island. Its first leader, George Manuel, had passed through the Kamloops residential school as a child.

The council’s charter implicitly treated countries like Canada and Australia as foreign powers. It began lobbying the United Nations to recognize Indigenous rights.

It was nearly a decade before the United Nations so much as established a working group. Court systems were little faster. But the group’s ambitions were sweeping.

Legal principles like terra nullius — “nobody’s land” — had long served to justify colonialism. The activists sought to overturn these while, in parallel, establishing a body of Indigenous law.

“The courts are very important because it’s part of trying to develop our jurisprudence,” Dr. Borrows said.

The movement secured a series of court victories that, over decades, stitched together a legal claim to the land, not just as its owners but as sovereign nations. One, in Canada, established that the government had an obligation to settle Indigenous claims to territory. In Australia, the high court backed a man who argued that his family’s centuries-long use of their land superseded the government’s colonial-era conquest.

Activists focused especially on Canada, Australia and New Zealand, which each draw on a legal system inherited from Britain. Laws and rulings in one can become precedent in the others, making them easier to present to the broader world as a global norm.

Irene Watson, an Australian scholar of international Indigenous law and First Nations member, described this effort, in a 2016 book, as “the development of international standards” that would pressure governments to address “the intergenerational impact of colonialism, which is a phenomenon that has never ended.”

It might even establish a legal claim to nationhood. But it is the international arena that ultimately confers acceptance on any sovereign state.

By the mid-1990s, the campaign was building momentum.

The United Nations began drafting a declaration of Indigenous rights. Several countries formally apologized, often alongside promises to settle old claims.

This period of truth and reconciliation was meant to address the past and, by educating the broader public, create support for further advances.

A sweeping 1996 report, chronicling many of Canada’s darkest moments, was followed by a second investigation, focused on residential schools. Completed 19 years after the first, the Truth and Reconciliation Commission spurred yet more federal policy recommendations and activism, including last month’s discovery at Kamloops.

Prime Minister Justin Trudeau visited a makeshift memorial near Canada’s Parliament honoring the children whose remains were found near the school in Kamloops.
Credit: Dave Chan/Agence France-Presse — Getty Images

Judicial advances have followed a similar process: yearslong efforts that bring incremental gains. But these add up. Governments face growing legal obligations to defer to Indigenous autonomy.

The United States has lagged. Major court rulings have been fewer. The government apologized only in 2010 for “past ill-conceived policies” against Indigenous people and did not acknowledge direct responsibility. Public pressure for reconciliation has been lighter.

Still, efforts are growing. In 2016, activists physically impeded construction of a North Dakota pipeline whose environmental impact, they said, would infringe on Sioux sovereignty. They later persuaded a federal judge to pause the project.

Native Americans marching against the Dakota Access oil pipeline near Cannon Ball, North Dakota, in 2017.
Credit: Terray Sylvester/Reuters

Latin America has often lagged as well, despite growing activism. Militaries in several countries have targeted Indigenous communities in living memory, leaving governments reluctant to self-incriminate.

In 2007, after 40 years of maneuvering, the United Nations adopted the declaration on Indigenous rights. Only the United States, Australia, New Zealand and Canada opposed, saying it elevated some Indigenous claims above those of other citizens. All four later reversed their positions.

“The Declaration’s right to self-determination is not a unilateral right to secede,” Dr. Claire Charters, a New Zealand Māori legal expert, wrote in a legal journal. However, its recognition of “Indigenous peoples’ collective land rights” could be “persuasive” in court systems, which often treat such documents as proof of an international legal principle.

Few have sought formal independence. But an Australian group’s 2013 declaration, brought to the United Nations and the International Court of Justice, inspired several others to follow. All failed. But, by demonstrating widening legal precedent and grass roots support, they highlighted that full nationhood is not as unthinkable as it once was.

It may not have seemed like a step in that direction when, in 2019, British Columbia enshrined the U.N. declaration’s terms into provincial law.

But Dr. Borrows called its provisions “quite significant,” including one requiring that the government win affirmative consent from Indigenous communities for policies that affect them. Conservatives and legal scholars have argued it would amount to an Indigenous veto, though Justin Trudeau, Canada’s prime minister, and his liberal government dispute this.

Mr. Trudeau promised to pass a similar law nationally in 2015, but faced objections from energy and resource industries that it would allow Indigenous communities to block projects. He continued trying, and Wednesday’s passage in Parliament all but ensures that Canada will fully adopt the U.N. terms.

Mr. Gilbert said that activists’ current focus is “getting this into the national systems.” Though hardly Indigenous independence, it would bring them closer than any step in generations.

Near the grounds of the former Kamloops Indian Residential School.
Credit: Jennifer Gauthier/Reuters

As the past 50 years show, this could help pressure others to follow (New Zealand is considered a prime candidate), paving the way for the next round of gradual but quietly historical advances.

It is why, Mr. Gilbert said, “All the eyes are on Canada.”

Um parlamento para dar voz aos indígenas do Brasil (Sete Margens)

setemargens.com


Manifestação em Brasília durante o Acampamento Terra Livre de 2017. Foto © Guilherme Cavalli/Cimi.

Um parlamento indígena aberto, para dar voz e visibilidade política aos 305 povos originários do país, é o objectivo do Parlaíndio, fundado este mês no Brasil, anunciado nesta quarta-feira, 26 de Maio, e que terá assembleias mensais.

O Parlaíndio integra as lideranças indígenas brasileiras e tem já um portal com fotos dos seus líderes e notícias de assembleias ou de acontecimentos directa ou indirectamente relacionados com os povos indígenas.  

O cacique Raoni Metuktire, um importante líder indígena brasileiro, conhecido em todo o mundo pela sua luta pela preservação da Amazónia e dos povos nativos, é o seu presidente de honra, enquanto a coordenação executiva é da responsabilidade do cacique Almir Narayamoga Suruí, principal liderança do povo Paiter Suruí, da Rondónia, reconhecido internacionalmente pelos seus projectos de sustentabilidade em terras indígenas.

A primeira assembleia do Parlaíndio Brasil, noticia a Lusa citada pela TSF, decorreu virtualmente na última quinta-feira, 20 de Maio. Nessa altura, as lideranças indígenas discutiram os objectivos do movimento, bem como a sua estruturação e o modo como decorrerão as assembleias mensais.  

Entre as principais questões que o movimento abordará, ainda de acordo com a Lusa, estão a desflorestação e invasões das terras indígenas, projectos de mineração e hidroeléctricas em terras dos povos nativos, garimpo ilegal, poluição dos rios por mercúrio e contaminação das populações originárias e ribeirinhas.

O Parlaíndio tomou já uma primeira decisão política: a entrada com uma acção na justiça pedindo a exoneração do presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio), órgão tutelado pelo Governo brasileiro, cuja missão deveria ser coordenar e pôr em prática políticas de protecção dos povos nativos.

“Foi aprovado, por unanimidade, o Parlaíndio Brasil entrar com uma acção na justiça pedindo a exoneração do presidente da Funai, delegado Marcelo Xavier, que à frente do órgão não tem cumprido a missão institucional de proteger e promover os direitos dos povos indígenas do país”, indicou o movimentou o em comunicado.

Em causa, refere a mesma fonte, está um pedido feito recentemente pelo presidente da Funai à Polícia Federal (PF), para a abertura de um inquérito contra lideranças indígenas, sob o pretexto de difamação do Governo de Jair Bolsonaro. 

“A Funai é um órgão que deveria promover assistência, protecção e garantias dos direitos dos povos indígenas brasileiros e, actualmente, faz o inverso. O inquérito teve carácter de intimidação e criminalização a partir de uma determinação do presidente da Funai”, explicou Almir Suruí, coordenador executivo do Parlaíndio Brasil.

Assembleia de indígenas. Foto da página do Parlaíndio.

O mesmo responsável considera que esta estrutura será importante para construir uma política de defesa dos povos indígenas, depois de a Constituição de 1988 ter consagrado um conjunto de políticas públicas e direitos para os indígenas brasileiros. “Um dos nossos objectivos é debater a construção do presente e do futuro a partir de uma cuidadosa avaliação do passado. Vamos discutir também as políticas públicas e fornecer subsídios para as organizações que integram o movimento indígena”, acrescentou o responsável na sessão de lançamento do movimento.

A ideia de criar o Parlamento Indígena do Brasil, como se pode ler no portal do Parlaíndio, surgiu numa reunião de lideranças indígenas realizada em Outubro de 2017, no Conselho Indigenista Missionário, uma organização da Igreja Católica de apoio aos povos indígenas. 

De acordo com a mesma informação, há actualmente no Brasil mais de 900 mil indígenas no Brasil, membros de 305 povos distintos, que falam mais de 180 línguas, segundo dados do Parlaíndio (a propósito do qual se pode ouvir aqui a crónica Outros Sinais, de Fernando Alves, na TSF, nesta quinta, 27). 

Cada vez mais pobres e indígenas em Manaus

Paolo Maria Braghini, franciscano em Manaus a ajudar famílias pobres. Foto © ACN Portugal.

Esta notícia surge em simultâneo com a denúncia de um frade católico franciscano, segundo o qual muitos indígenas e outras pessoas do interior do Amazonas estão a chegar a Manaus, a capital do Estado, sem nada para viver. 

“Temos famílias nos subúrbios que não têm nada para viver. Muitos vieram do interior do país e chegaram aqui na esperança de encontrar comida na cidade. Mas aqui só encontram fome e desemprego. Para cúmulo, agora nem sequer têm uma horta para cultivar ou o rio para pescar”, diz o padre Paolo Maria Braghini, franciscano capuchinho italiano, citado pela Ajuda à Igreja que Sofre

“No meio de tanta pobreza, escolhemos certas localidades na periferia e, com a ajuda de líderes comunitários locais, identificámos as famílias mais carenciadas”, explica frei Paolo, sobre o modo como a comunidade de franciscanos está a procurar minorar a situação. 

Manaus, um dos principais centros financeiros, industriais e económicos de toda a região norte, tem mais de dois milhões de habitantes e continua a atrair as populações da região. A cidade, que já tinha muitas bolsas de pobreza, viu a situação agravar-se com a pandemia do novo coronavírus e o colapso dos serviços de saúde.

As populações pobres e indígenas do Amazonas foram alguns dos sectores mais atingidos pela falta de estruturas. Em Janeiro, num dos picos da crise, o bispo de Manaus chegou mesmo a pedir ajuda para que fosse enviado oxigénio para os hospitais.

Ancient Indigenous forest gardens promote a healthy ecosystem, says study (Native News Post)

nativenewspost.com


An aerial view of a forest garden. Credit: SFU

A new study by Simon Fraser University historical ecologists finds that Indigenous-managed forests—cared for as “forest gardens”—contain more biologically and functionally diverse species than surrounding conifer-dominated forests and create important habitat for animals and pollinators. The findings are published today in Ecology and Society.

According to researchers, ancient forests were once tended by Ts’msyen and Coast Salish peoples living along the north and south Pacific coast. These forest gardens continue to grow at remote archeological villages on Canada’s northwest coast and are composed of native fruit and nut trees and shrubs such as crabapple, hazelnut, cranberry, wild plum, and wild cherries. Important medicinal plants and root foods like wild ginger and wild rice root grow in the understory layers.

“These plants never grow together in the wild,” says Chelsey Geralda Armstrong, an SFU Indigenous Studies assistant professor and the study lead researcher. “It seemed obvious that people put them there to grow all in one spot—like a garden. Elders and knowledge holders talk about perennial management all the time.”

“It’s no surprise these forest gardens continue to grow at archeological village sites that haven’t yet been too severely disrupted by settler-colonial land-use.”

Ts’msyen and Coast Salish peoples’ management practices challenge the assumption that humans tend to overturn or exhaust the ecosystems they inhabit. This research highlights how Indigenous peoples not only improved the inhabited landscape, but were also keystone builders, facilitating the creation of habitat in some cases. The findings provide strong evidence that Indigenous management practices are tied to ecosystem health and resilience.

“Human activities are often considered detrimental to biodiversity, and indeed, industrial land management has had devastating consequences for biodiversity,” says Jesse Miller, study co-author, ecologist and lecturer at Stanford University. “Our research, however, shows that human activities can also have substantial benefits for biodiversity and ecosystem function. Our findings highlight that there continues to be an important role for human activities in restoring and managing ecosystems in the present and future.”

Forest gardens are a common management regime identified in Indigenous communities around the world, especially in tropical regions. Armstrong says the study is the first time forest gardens have been studied in North America—showing how important Indigenous peoples are in the maintenance and defense of some of the most functionally diverse ecosystems on the Northwest Coast.

“The forest gardens of Kitselas Canyon are a testament to the long-standing practice of Kitselas people shaping the landscape through stewardship and management,” says Chris Apps, director, Kitselas Lands & Resources Department. “Studies such as this reconnect the community with historic resources and support integration of traditional approaches with contemporary land-use management while promoting exciting initiatives for food sovereignty and cultural reflection.”



More information:
Chelsey Geralda Armstrong et al, Historical Indigenous Land-Use Explains Plant Functional Trait Diversity, Ecology and Society (2021). DOI: 10.5751/ES-12322-260206

Citation:
Ancient Indigenous forest gardens promote a healthy ecosystem, says study (2021, April 22)
retrieved 22 April 2021
from https://phys.org/news/2021-04-ancient-indigenous-forest-gardens-healthy.html

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part may be reproduced without the written permission. The content is provided for information purposes only.

Source link

Ancient Indigenous forest gardens promote a healthy ecosystem (Science Daily)

Date: April 22, 2021

Source: Simon Fraser University

Summary: A new study by historical ecologists finds that Indigenous-managed forests — cared for as ‘forest gardens’ — contain more biologically and functionally diverse species than surrounding conifer-dominated forests and create important habitat for animals and pollinators.


A new study by Simon Fraser University historical ecologists finds that Indigenous-managed forests — cared for as “forest gardens” — contain more biologically and functionally diverse species than surrounding conifer-dominated forests and create important habitat for animals and pollinators. The findings are published today in Ecology and Society.

According to researchers, ancient forests were once tended by Ts’msyen and Coast Salish peoples living along the north and south Pacific coast. These forest gardens continue to grow at remote archaeological villages on Canada’s northwest coast and are composed of native fruit and nut trees and shrubs such as crabapple, hazelnut, cranberry, wild plum, and wild cherries. Important medicinal plants and root foods like wild ginger and wild rice root grow in the understory layers.

“These plants never grow together in the wild,” says Chelsey Geralda Armstrong, an SFU Indigenous Studies assistant professor and the study lead researcher. “It seemed obvious that people put them there to grow all in one spot — like a garden. Elders and knowledge holders talk about perennial management all the time.”

“It’s no surprise these forest gardens continue to grow at archaeological village sites that haven’t yet been too severely disrupted by settler-colonial land-use.”

Ts’msyen and Coast Salish peoples’ management practices challenge the assumption that humans tend to overturn or exhaust the ecosystems they inhabit. This research highlights how Indigenous peoples not only improved the inhabited landscape, but were also keystone builders, facilitating the creation of habitat in some cases. The findings provide strong evidence that Indigenous management practices are tied to ecosystem health and resilience.

“Human activities are often considered detrimental to biodiversity, and indeed, industrial land management has had devastating consequences for biodiversity,” says Jesse Miller, study co-author, ecologist and lecturer at Stanford University. “Our research, however, shows that human activities can also have substantial benefits for biodiversity and ecosystem function. Our findings highlight that there continues to be an important role for human activities in restoring and managing ecosystems in the present and future.”

Forest gardens are a common management regime identified in Indigenous communities around the world, especially in tropical regions. Armstrong says the study is the first time forest gardens have been studied in North America — showing how important Indigenous peoples are in the maintenance and defence of some of the most functionally diverse ecosystems on the Northwest Coast.

“The forest gardens of Kitselas Canyon are a testament to the long-standing practice of Kitselas people shaping the landscape through stewardship and management,” says Chris Apps, director, Kitselas Lands & Resources Department. “Studies such as this reconnect the community with historic resources and support integration of traditional approaches with contemporary land-use management while promoting exciting initiatives for food sovereignty and cultural reflection.”



Journal Reference:

  1. Chelsey Geralda Armstrong, Jesse E. D. Miller, Alex C. McAlvay, Patrick Morgan Ritchie, Dana Lepofsky. Historical Indigenous Land-Use Explains Plant Functional Trait Diversity. Ecology and Society, 2021; 26 (2) DOI: 10.5751/ES-12322-260206

Sonia Guajajara: Todo brasileiro hoje sente o que é ser tratado como indígena (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

Sonia Guajajara, Coordenadora-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e ex-candidata do PSOL à Vice-Presidência da República (2018)

19 de abril de 2021


Nem sempre deixamos de sentir a dor do outro por falta de empatia; às vezes, isso acontece por puro desconhecimento. A história do Brasil sempre foi muito mal contada. Não desejamos o que passamos a ninguém, nem mesmo aos nossos algozes. São 520 anos de perseguição praticamente ininterrupta. Mas, neste Dia do Índio (19.abr), estamos enfrentando a maior ameaça de nossa existência. E agora não me refiro somente a nós, indígenas. O governo federal atual fez do coronavírus um aliado e põe em risco a vida da população em geral. Hoje, todos sentem como é ser acuado por uma doença que vem de fora, contra a qual não há defesa. Todos mesmo; agora, falo do mundo inteiro.

Nós, indígenas, somos perseguidos em nosso próprio país; neste momento, por causa da Covid-19. Todos nós, brasileiros, corremos o sério risco de sermos marginalizados globalmente. Ninguém em sã consciência nega a importância da Amazônia para a saúde do planeta —e hoje a ciência atesta que a destruição da natureza e as mudanças climáticas podem causar novas pandemias. Mas, além de abusar da caneta para atacar o meio ambiente e os nossos direitos, como de costume, o presidente Jair Bolsonaro vem tentado aliciar e constranger lideranças indígenas. Até Funai e Ibama estão jogando no time rival. Não é apenas um vírus.

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) foi criada em 2005 no primeiro Acampamento Terra Livre (ATL), evento que reunia milhares de pessoas de todo o país em Brasília —por causa da pandemia, ele foi realizado virtualmente em 2020 e, neste ano, terá encontros online durante todo o o mês de abril. É fruto da união e auto-organização dos povos, que são as raízes que sustentam esse país e que durante a pandemia recebeu o reconhecimento do Supremo Tribunal Federal (STF) como entidade que pode entrar com ações diretas na principal corte do país.

Com organizações regionais, nossa rede está presente em todas as regiões do país: a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), o Conselho do Povo Terena, a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (Arpinsudeste), a Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul), a Grande Assembleia do Povo Guarani (Aty Guasu), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e a Comissão Guarani Yvyrupa.

No ano passado, a Apib ganhou o Prêmio Internacional Letelier-Moffitt de Direitos Humanos, concedido pelo Instituto de Estudos Políticos de Washington. A organização tem sido chamada a falar em conferências da ONU. Há décadas tem voz ativa em conferências internacionais, junto a organismos como a ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Enquanto o governo negligencia criminosamente o atendimento aos povos tradicionais durante a pandemia, com seu projeto integracionista, estamos garantindo segurança alimentar, barreiras sanitárias e equipamentos de proteção por meio do Plano Emergência Indígena, construído de forma participativa com todas as organizações de base que compõem nossa grande articulação.

Estamos nas redes, aldeias, universidades, cidades, prefeituras, Câmaras Legislativas federal, estaduais e municipais e seguiremos lutando contra o racismo e a violência. Em um mundo doente e enfrentando um projeto de morte, nossa luta ainda é pela vida, contra todos os vírus que nos matam! Nosso maior objetivo é garantir a posse de nossas terras para preservá-las e manter nossas identidades culturais.

Terras indígenas são bens da União; ou seja, pertencem ao Brasil, a todos os brasileiros. Temos direito a seu usufruto, mas para manter nossos modos de vida tradicionais. Está tudo na Constituição. Conhecemos as mentiras, que agora são as famosas fake news, desde 1500, quando os portugueses chegaram aqui oferecendo amizade e, assim que dávamos as costas, nos apunhalavam. Não trocamos Pindorama por espelhos, conforme ensinavam erroneamente os livros de história de antigamente. Sabemos o real valor das coisas e das pessoas.

No dia 6 de abril, quando 4.195 compatriotas foram levados pela Covid-19 no país, a revista “Forbes” publicou duas notícias que dizem muito: mais 11 brasileiros entraram para a lista de bilionários do mundo durante a pandemia —dentre eles, ironicamente, nomes ligados à saúde privada— e que todo dia 116,8 milhões de pessoas não sabem se terão o que comer no país.

O abismo social se aprofunda; a quem isso interessa? Quem acredita que vai ver a cor do dinheiro que será arrancado das ruínas de nossas terras? “Decidimos não morrer”: esta resolução, tomada por nós há mais de cinco séculos, foi reafirmada no Acampamento Terra Livre. Nem todos sabem, mas zelar pelo meio ambiente é um dever constitucional de todo cidadão —é só consultar o artigo 225.

Convidamos todos os brasileiros a firmar esse acordo conosco.

This river in Canada is now a ‘legal person’ (Al Jazeera)

aljazeera.com

Indigenous communities are leading worldwide push to recognise legal ‘personhood’ rights of rivers, lakes and mountains.
The Magpie River, a 300km waterway in the Cote Nord region of the Canadian province of Quebec, was recognised as a 'legal person' in February [Courtesy Uapukun Metokosho/International Observatory on the Rights of Nature]
The Magpie River, a 300km waterway in the Cote Nord region of the Canadian province of Quebec, was recognised as a ‘legal person’ in February [Courtesy Uapukun Metokosho/International Observatory on the Rights of Nature]

Jillian Kestler-D’Amours, 3 Apr 2021


Montreal, Canada – Jean-Charles Pietacho says the belief that nature is a living thing that must be respected, has been at the heart of the Innu people’s way of life for generations.

But now, that idea has been applied in a new way as the Innu Council of Ekuanitshit in February recognised the Magpie River, a 300km (186 miles) waterway in the Cote Nord region of the Canadian province of Quebec, as a “legal person”.

The designation – a first in Canada – aims to give the Indigenous community an added tool to defend the river, known as Muteshekau Shipu in the Innu language, from potential environmental harms.

“The Creator put us on this piece of territory called Nitassinan, which encompasses all these rivers, all these mountains, all these trees,” Pietacho, chief of the Innu Council of Ekuanitshit, told Al Jazeera in a phone interview. “The Innu people always believed that you had to protect the earth. It’s water – it’s life.”

The Magpie River, which sits on the north shore of the St Lawrence River and is known for its strong rapids, currently has one hydroelectric dam on it, but the provincial energy authority has said it has no plans for further development on the waterway.

“Despite that, we didn’t feel secure, we didn’t have total confidence,” Pietacho said.

“It’s very, very important for us to have arrived at this protection. It might be tested, but at least we have a majority – if not the entire region – that supports us.”

Indigenous stewardship

The Magpie is the first river in Canada to be granted legal personhood rights – through twin resolutions adopted by the Innu Council of Ekuanitshit and a local body, the Minganie Regional County Municipality – but it is unclear what would happen if the designation is tested in a Canadian court.

Among other things, the resolution affirms the river’s “right to live, exist and flow”, to evolve naturally, to be protected from pollution, to maintain its integrity, and to take legal action. It says “river guardians” will soon be appointed to ensure that those rights are respected.

The decision comes as a movement called “rights of nature” gains global attention.

Proponents of the idea, put forward in a 1972 paper by Christopher D Stone called Should Trees Have Standing? Toward Legal Rights for Natural Objects, say current legal systems often fall short on protecting the environment.

The Magpie River is known for its strong rapids [Courtesy Uapukun Metokosho/International Observatory on the Rights of Nature]

Instead of treating nature as property under the law, they want it to hold legal standing on its own – in other words, legally enforceable rights akin to those of humans or corporations. Depending on how a specific case is framed, the obligation then falls to specific actors to ensure the legal rights of nature are not infringed upon.

Courts, various levels of government, and other decision-making bodies in countries around the world have recognised the personhood rights of ecosystems in different ways over the past few years: In 2017, a court in India ruled that the Ganges and Yamuna rivers should be granted the same legal rights as people. Colombia’s Constitutional Court declared in 2016 that the Atrato River in the country’s northwest was a “subject of rights”.

Over a decade earlier, Ecuador in its 2008 constitution recognised the right of nature to exist, maintain and regenerate. “All persons, communities, peoples and nations can call upon public authorities to enforce the rights of nature,” the constitution reads.

Experts say Indigenous communities around the world – where the idea that nature has inherent rights is longstanding – have emerged at the forefront of many of the campaigns to grant personhood status to bodies of water and other ecosystems.

“The rights of nature, in the Ecuadorian context, is very much tied to the worldviews of various Indigenous groups … of emphasing the interconnectedness of ecosystems and the social world,” said Maria Akchurin, assistant professor of sociology at Loyola University in Chicago, who has studied the Ecuador case.

Akchurin told Al Jazeera that while Ecuador is one of the region’s major oil exporters and has a growing mining sector, it is also extremely biodiverse – and the constitutional recognition came amidst underlying tensions between economic development, environmental protection and Indigenous rights in the country.

Indigenous people in Ecuador hold a banner which reads, ‘Vote Yes’, during a rally in support of a referendum to approve the country’s 2008 constitution [File: Guillermo Granja/Reuters]

Legal personhood for nature has been largely symbolic so far, she added, though it can give social groups and communities a new way to frame their opposition to extractive projects, especially as the rights of nature have begun to be applied by the courts. “But in terms of actually stopping projects it’s difficult to say if it’s been really effective,” Akchurin said.

“I think it’s a great conversation to have, I think it’s extremely valuable and I think it can work in particular settings; but we should also be mindful that just having rights on paper doesn’t necessarily translate into concrete change on the ground immediately.”

New Zealand

Perhaps the most prominent cases have been in New Zealand, where the Whanganui River – the country’s third-longest river, located on the North Island – was recognised as a “legal entity” in 2017 as part of a negotiated settlement between the government and the Maori people. The legal entity, called Te Awa Tupua, “has all the rights, powers, duties and liabilities of a legal person”, the agreement reads.

Three years earlier, also in negotiations with Maori leaders, New Zealand similarly recognised Te Urewera, a former national park, as a “legal entity”. It also reached an agreement in 2017 with Maori tribes to recognise the Taranaki Mountain on the North Island as a person. Negotiations for the implementation of the latter deal are ongoing.

The Whanganui River is New Zealand’s third longest river [Courtesy: Creative Commons]

Jacinta Ruru, professor of law at University of Otago and co-director of Nga Pae o te Maramatanga, New Zealand’s Maori Centre of Research Excellence, said she does not consider these examples part of the environmentally driven “rights of nature” movement, however.

“In the New Zealand context, the legal personality arose from a hopeful reconciliation with the Indigenous peoples, Maori, not from a rights to nature [perspective],” Ruru told Al Jazeera.

Both the Te Awa Tupua and Te Urewera agreements clearly outline the legal rights, obligations and decision-making bodies tasked with monitoring the legal personhood status of the ecosystems. In the case of the river, the government of New Zealand and the Maori tribal federation each chose one person to speak on its behalf.

“From a Maori perspective, that comes very naturally,” Ruru said, explaining that Maori people have always spoken about rivers or mountains “as being their ancestors and that we must be respecting them, that their health and wellbeing is totally interrelated to the health and wellbeing of us as people and our community”.

Ruru added that the New Zealand agreements demonstrate that countries can better enable Indigenous participation in the management of lands and waters. “This is not Indigenous peoples necessarily saying anything new, it’s just that other peoples are now listening.”

A general view of a mountain range near Wanganui on New Zealand’s North Island [File: David Brookes/AFP]

Pushback

In other countries, some have raised concerns about how legal personhood for nature is being applied. In Bangladesh, where the country’s top court in 2019 granted all rivers the same legal rights as people, some say without a clear framework for implementation, the decision could make it easier to evict poor communities living off the waterways.

“The New Zealand ruling recognised communities as stakeholders, and that is key,” Himanshu Thakkar, coordinator of South Asia Network on Dams, Rivers and People, told the Reuters news agency at the time.

Meanwhile, in the United States, legal personhood cases have been met with staunch opposition. A court in the US state of Ohio last year ruled as unconstitutional the Lake Erie Bill of Rights, passed by the city of Toledo in 2019, which recognised the lake’s “right to exist, flourish, and naturally evolve”. A farmer had sued, saying the move was an “unconstitutional and unlawful assault” on family farms.

A view of a power plant and frozen Lake Erie in Avon Lake, Ohio [Aaron Josefczyk/Reuters]

Another lawsuit seeking to have a court recognise the Colorado River ecosystem as “capable of possessing rights similar to a ‘person’” as well as “rights to exist, flourish, regenerate, and naturally evolve” was withdrawn in 2017 after pressure from state authorities.

“At the time, the Attorney General was run by a Republican, so they threatened me with sanctions and disbarment,” Jason Flores-Williams, the lawyer who brought the case, told Al Jazeera. He said officials had argued “that it was ridiculous to make an argument on behalf of the rights of nature and personhood of nature”.

Nevertheless, the push to grant legal personhood to nature is gaining attention.

Back in Montreal, Yenny Vega Cardenas, president of the International Observatory on the Rights of Nature, said the Magpie River recognition drew interest from people across Canada and abroad, who have since called to ask if their local rivers could also get personhood rights.

She said a shift in thinking is under way – and with each successful case, more communities are considering the idea. “We’ve become aware of the weaknesses of our system,” she told Al Jazeera. “And if we don’t change now, when? We cannot wait any longer.”

Indigenous peoples by far the best guardians of forests – UN report (The Guardian)

Preserving Latin America’s forests is vital to fight the climate crisis and deforestation is lower in indigenous territories

Damian Carrington Environment editor @dpcarrington

Thu 25 Mar 2021 14.00 GMT Last modified on Thu 25 Mar 2021 16.44 GMT

A Waiapi boy climbs up a Geninapo tree to pick fruits to make body paint at the Waiapi indigenous reserve in Amapa state, Brazil.
A Waiapi boy climbs up a Geninapo tree to pick fruits to make body paint at the Waiapi indigenous reserve in Amapa state, Brazil. Photograph: AFP Contributor/AFP/Getty Images

The embattled indigenous peoples of Latin America are by far the best guardians of the regions’ forests, according to a UN report, with deforestation rates up to 50% lower in their territories than elsewhere.

Protecting the vast forests is vital to tackling the climate crisis and plummeting populations of wildlife, and the report found that recognising the rights of indigenous and tribal peoples to their land is one of the most cost-effective actions. The report also calls for the peoples to be paid for the environmental benefits their stewardship provides, and for funding for the revitalisation of their ancestral knowledge of living in harmony with nature.

However, the demand for beef, soy, timber, oil and minerals means the threats to indigenous peoples and their forest homes are rising. Hundreds of community leaders have been killed because of disputes over land in recent years and the Covid-19 pandemic has added to the dangers forest peoples face.

Sateré-Mawé men collect medicinal herbs to treat people showing Covid symptoms, in a rural area west of Manaus, Brazil.
Sateré-Mawé men collect medicinal herbs to treat people showing Covid symptoms, in a rural area west of Manaus, Brazil. Photograph: Ricardo Oliveira/AFP/Getty Images

Demands by indigenous peoples for their rights have become increasingly visible in recent years, the report said, but this has come with increasing persecution, racism, and assassinations. Supporting these peoples to protect the forests is particularly crucial now with scientists warning that the Amazon is nearing a tipping point where it switches from rainforest to savannah, risking the release of billions of tonnes of carbon into the atmosphere.

The report was produced by the UN Food and Agriculture Organization and the Fund for the Development of Indigenous Peoples of Latin America and the Caribbean (Filac), based on a review of more than 300 studies.

“Almost half of the intact forests in the Amazon basin are in indigenous territories and the evidence of their vital role in forest protection is crystal clear,” said the president of Filac, Myrna Cunningham, an indigenous woman from Nicaragua. “While the area of intact forest declined by only 5% between 2000 and 2016 in the region’s indigenous areas, in the non-indigenous areas it fell by 11%. This is why [indigenous peoples’] voice and vision should be taken into account in all global initiatives relating to climate change, biodiversity and forestry.”

“Indigenous peoples have a different concept of forests,” she said. “They are not seen as a place where you take out resources to increase your money – they are seen as a space where we live and that is given to us to protect for the next generations.”

Indigenous and tribal territories contain about a third of all the carbon stored in the forests of Latin America, said Julio Berdegué, the FAO’s Regional Representative: “These peoples are rich when it comes to culture, knowledge, and natural resources, but some of the poorest when it comes to incomes and access to services.” Supporting them would also help avoid new pandemics, he said, as these are most often the result of the destruction of nature.

Cattle graze on land recently burned and deforested by farmers near Novo Progresso, Pará state, Brazil.
Cattle graze on land recently burned and deforested by farmers near Novo Progresso, Pará state, Brazil. Photograph: André Penner/AP

“Even under siege from Covid-19 and a frightening rise in invasions from outsiders, we remain the ones who can stop the destruction of our forests and their biodiverse treasures,” said José Gregorio Diaz Mirabal, indigenous leader of an umbrella group, the Coordinator of the Indigenous Organizations of the Amazon Basin. He said the report’s evidence supports his call for climate funds to go directly to indigenous peoples and not governments vulnerable to corruption. Advertisement

The report found the best forest protection was provided by peoples with collective legal titles to their lands. A 12-year study in the Bolivian, Brazilian, and Colombian Amazon found deforestation rates in such territories were only one half to one-third of those in other similar forests. Even though indigenous territories cover 28% of the Amazon Basin, they only generated 2.6% of the region’s carbon emissions, the report said.

Indigenous peoples occupy 400m hectares of land in the region, but there is no legal recognition of their property rights in a third of this area. “While the impact of guaranteeing tenure security is great, the cost is very low,” the report said, needing less than $45 per hectare for the mapping, negotiation and legal work required.

The report said it would cost many times more to prevent carbon emissions from fossil fuel burning using carbon capture and storage technology on power plants. The granting of land rights to indigenous people has increased over the last 20 years, Cunningham said, but has slowed down in recent years.

Paying indigenous and tribal communities for the environmental services of their territories has reduced deforestation in countries including Ecuador, Mexico, and Peru. Berdegué said such programmes could attract hundreds of millions of dollars per year from international sources.

The need for protection is urgent, the report said, with annual deforestation rates in Brazil’s indigenous territories rising from 10,000 hectares in 2017 to 43,000 hectares in 2019. In January, indigenous leaders urged the international criminal court to investigate Brazil’s president, Jair Bolsonaro, over his dismantling of environmental policies and violations of indigenous rights.

Elsewhere, the area of large intact forests in indigenous territories has fallen between 2000 and 2016, with 59% lost in Paraguay, 42% in Nicaragua, 30% in Honduras and 20% in Bolivia. Mining and oil concessions now overlay almost a quarter of the land in Amazon basin indigenous and tribal territories, the report said.

Arqueólogos identificam 48 ilhas construídas por indígenas na Amazônia da era pré-colonial (G1)

g1.globo.com

Pesquisadores do Instituto Mamirauá trabalham na identificação de estruturas encontradas em áreas de várzea no Amazonas; levantamento foi feito em 4 anos. Segundo o IPHAN, quase 400 sítios arqueológicos achados no estado estão registrados no cadastro nacional.

Por Lucas Faria e Mayara Subtil, Rede Amazônica

20/02/2021 09h46


As longas distâncias percorridas em voadeiras e as conversas informais com ribeirinhos resultaram no registro de 48 ilhas criadas artificialmente por indígenas no período anterior à era-colonial na floresta amazônica.

Entre 2015 e 2019, arqueólogos do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá trabalharam na identificação dessas estruturas, localizadas em áreas de várzea do Médio e Alto Solimões, no Amazonas.

“Um dos principais pontos de importância (da identificação das ilhas) é a engenhosidade humana frente às adversidades, pois na Amazônia se tem uma ideia vaga e pensa que populações que viveram aqui não conseguiram desenvolver estratégias e evoluir. É uma resposta positiva de como se integrar à natureza e como aproveitar recursos de uma maneira mais ordenada e se ter segurança, alimento, fatura. É um legado que a gente precisa passar das populações que viveram na floresta amazônica”, declarou Márcio Amaral, pesquisador do instituto que encontrou as ilhas.

Ilustração de indivíduo da população indígena Omágua, atual Kambeba.  — Foto: Alexandre Rodrigues Ferreira/Arquivo pessoal
Ilustração de indivíduo da população indígena Omágua, atual Kambeba. — Foto: Alexandre Rodrigues Ferreira/Arquivo pessoal

Uma das hipóteses dos arqueólogos envolvidos no levantamento aponta que essas ilhas podem ter sido construídas por indígenas Omáguas, ancestrais dos Kambeba, população composta atualmente por cerca de 1,5 mil indivíduos, segundo o Instituto Socioambiental (ISA).

Os pesquisadores acreditam também que há chances dessas áreas terem sido ocupadas ainda entre os séculos XV e XVI, época em que os europeus começaram a passar pela Amazônia – principalmente no entorno do rio Solimões. O indício reforça a teoria de que o bioma possivelmente já era ocupado nesse período por grupos organizados e complexos.

“Essas ilhas foram encontradas meio que por acaso. Por acaso por nós, pesquisadores. Na verdade, a gente estava fazendo trabalho de levantamento de sítio. Eram áreas que a gente não conhecia nada, não sabia nem como eles eram. Isso é interessante porque todas essas informações já vieram dos moradores. Só vamos incorporando essas informações”, complementou Eduardo Kazuo, coordenador do grupo de pesquisa em arqueologia do Instituto Mamirauá.

Ilhas artificiais foram identificadas em áreas de várzea do Médio e Alto Solimões, no Amazonas.  — Foto: Earth Studio/Reprodução
Ilhas artificiais foram identificadas em áreas de várzea do Médio e Alto Solimões, no Amazonas. — Foto: Earth Studio/Reprodução

Mas os dados ainda são preliminares. Segundo os arqueólogos, ainda não se tem conhecimento, por exemplo, sobre o período de ocupação das ilhas ou quais as culturas indígenas que estavam ali.

Os “aterrados”, como são chamados pelas pessoas que moram nas proximidades, medem pelo menos de um a três hectares por sete metros de altura. Márcio Amaral cita que somente na última expedição, ocorrida em novembro de 2019 e com duração de 12 dias, encontrou 13 ilhas. Todo o trabalho dos pesquisadores abrange uma área de 180 mil km² e 350 sítios arqueológicos já foram mapeados.

Resquícios de materiais foram encontrados nas ilhas artificiais identificadas na Amazônia.  — Foto: Márcio Amaral/Instituto Mamirauá
Resquícios de materiais foram encontrados nas ilhas artificiais identificadas na Amazônia. — Foto: Márcio Amaral/Instituto Mamirauá

“O primeiro traço diagnóstico dessas ilhas é a forma singular na paisagem. Há um microbioma nessas ilhas que tem relação com plantas úteis, árvores frutíferas, algumas plantas medicinais. Se tem uma floresta antropogênica, que tem um fundo de criação humana, com árvores e espécies úteis aos seres humanos que é diferenciado do entorno imediato da várzea. A cobertura florestal é diferente”, acrescentou.

Márcio também conta ter encontrado resquícios de material cerâmico nas ilhas. Segundo o arqueólogo, cacos, potes, panelas e tigelas achados eram usados, principalmente, para preparar os alimentos e armazená-los, “além de várias outras coisas de origem orgânica, como ossos, carvões, até o chamado ‘pão de índio’, que pode ser mandioca ou milho, processado e armazenado de maneiras que poderiam ser estocado de um ano para o outro”, acrescentou.

No Médio e Alto Solimões, ilhas artificiais oferecem proteção durante as cheias
No Médio e Alto Solimões, ilhas artificiais oferecem proteção durante as cheias

Próximos passos

O material encontrado pelos pesquisadores ainda precisa ser registrado junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) para que possam, então, conseguir recursos e retornar a campo. O objetivo é seguir com o trabalho de escavação para futuras análises. Conforme Eduardo Kazuo, um relatório sobre as identificações está sendo preparado para ser encaminhado ao instituto.

Somente no Amazonas, 395 sítios arqueológicos estão registrados no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos (CNSA) e mais de mil já foram identificados, conforme o IPHAN. Todos são protegidos pela Lei Federal 3.924, de julho de 1961. Ainda conforme o IPHAN, o tipo de sítio mais conhecido no estado do Amazonas são os que estão relacionados com as ocupações ceramistas.

“Contudo, na minha visão, os agentes de preservação mais importantes dos sítios arqueológicos, sobretudo na Amazônia, são as comunidades que ali vivem no entorno e muitas vezes sobre os sítios arqueológicos, que conhecem esses sítios, auxiliam os pesquisadores a identificarem esses lugares, registrarem e pesquisarem. Eu vejo os moradores dos sítios arqueológicos como os principais agentes de conservação”, declarou a arqueóloga Helena Lima, pesquisadora titular do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG).

“Na Amazônia, a gente não tem muita pedra como material construtivo. Não tem muita rocha. Então, o que que era utilizado por esses povos como material construtivo que viviam ali? Era a própria terra, o solo que era movimentado, coisas de madeira e de palha que se apodrecem muito rapidamente ao longo do tempo. Então normalmente um sítio arqueológico na Amazônia vai ter muita cerâmica fragmentada na superfície, vai ter restos de plantas e ossos de animais, vai ter solos escuros, que são as terras pretas, mas em alguns lugares vamos encontrar aterros artificiais, que são como ilhas”, explicou o arqueólogo e professor da USP Eduardo Neves.

Materiais encontrados pelos pesquisadores serão registrados no IPHAN.  — Foto: Márcio Amaral/Instituto Mamirauá
Materiais encontrados pelos pesquisadores serão registrados no IPHAN. — Foto: Márcio Amaral/Instituto Mamirauá

Ainda de acordo com o professor Eduardo Neves, tais registros revelam informações sobre uma Amazônia ocidental que é “absolutamente desconhecida”.

“E segundo que mostra uma variabilidade, pois se a gente olhar para os povos indígenas hoje no Brasil e na Amazônia, a gente percebe que tem uma diversidade cultural muito grande que pode ser aferida das diferentes, centenas, dezenas de línguas indígenas faladas na Amazônia, na América do Sul, mas na Amazônia em particular”, reforçou.

The Catholic Church Is Responding to Indigenous Protest With Exorcisms (Truthout)

truthout.org

Charles Sepulveda, November 26, 2020

LaRazaUnida cover the Fray Junípero Serra Statue in protest at the Brand Park Memory Garden across from the San Fernando Mission in San Fernando on June 28, 2020.
Keith Birmingham, Pasadena Star-News / SCNG


On this day, Indigenous activists in New England and beyond are observing a National Day of Mourning to mark the theft of land, cultural assault and genocide that followed after the anchoring of the Mayflower on Wampanoag land in 1620 — a genocide that is erased within conventional “Thanksgiving Day” narratives.

The acts of mourning and resistance taking place today build on the energy of Indigenous People’s Day 2020, which was also a day of uprising. On October 11, 2020, also called “Indigenous People’s Day of Rage,” participants around the country took part in actions such as de-monumenting — the toppling of statues of individuals dedicated to racial nation-building.

In response to Indigenous-led efforts that demanded land back and the toppling of statues, Catholic Church leaders in Oregon and California deemed it necessary to perform exorcisms, thereby casting Indigenous protest as demonic.

The toppled statues included President Abraham Lincoln, President Theodore Roosevelt and Father Junípero Serra, who founded California’s mission system (1769-1834) and was canonized into sainthood by the Catholic Church and Pope Francis in 2015.

What do these leaders whose statues were toppled have in common? They perpetrated and promoted devastating violence against Native peoples.

Abraham Lincoln was responsible for the largest mass execution in United States history when 38 Dakota were hanged in 1862 after being found guilty for their involvement in what is known as the “Minnesota Uprising.”

Theodore Roosevelt gave a speech in 1886 in New York that would have made today’s white supremacists blush when he declared: “I don’t go as far as to think that the only good Indian is the dead Indian, but I believe nine out of every ten are…” This was not his only foray in promoting racial genocide.

Junípero Serra is known for having committed cruel punishments against the Indians of California and enslaved them as part of Spain’s genocidal conquest.

Last month, “Land Back” and “Dakota 38” were scrawled on the base of the now-toppled Lincoln statue in Portland, Oregon. The political statements and demands for land return reveal a Native decolonial spirit based in resistance continuing through multiple generations

The “Indigenous People’s Day of Rage” came after months of protests in Portland in support of Black Lives Matter. The resistance enacted in Portland coincides with demands for both abolition (the end of racialized policing and imprisonment) and decolonization (the return of land and regeneration of life outside of colonialism). Both of these notions encompass a multifaceted imagining of life beyond white supremacy.

In San Rafael, California, Native activists gathered at the Spanish mission that had been the site of California Indian enslavement. Activists, who included members of the Coast Miwok of Marin, first poured red paint on the statue of Serra and then pulled it down with ropes, while other protesters held signs that read: “Land Back Now” and “We Stand on Unceded Land – Decolonization means #LandBack.” The statue broke at the ankles, leaving only the feet on the base.

What was even more provocative than the toppling of the statues by Native activists and their accomplices, was the response by the Catholic Church, which not only condemned the actions of the Native activists, but also spiritually chastised them. In both Portland and San Rafael, the reaction by the Church was to perform exorcisms.

The purpose of an exorcism, according to the Catechism of the Catholic Church, is to expel demons or “the liberation from demonic possession through the spiritual authority which Jesus entrusted to his Church.”

In other words, Native activism and demands for land back were deemed blasphemous and evil by two archbishops and were determined to require exorcism.

In Portland, Archbishop Alexander K. Sample led 225 members of his congregation to a city park where he prayed a rosary for peace and conducted an exorcism on October 17, six days after the “Indigenous People’s Day of Rage.” Archbishop Sample stated that there was no better time to come together to pray for peace than in the wake of social unrest and on the eve of the elections. His exorcism was a direct response to Indigenous-led efforts that demanded land back.

San Francisco Archbishop Salvatore Cordileone held an exorcism on the same day as the one performed in Portland and after the toppling of Saint Junipero Serra’s statue in San Rafael. In his performance of the exorcism, he prayed that God would purify the mission of evil spirits as well as the hearts of those who perpetrated blasphemy. Was he responding to a “demonic possession” or was he exorcising the political motivations of those he did not agree with? Perhaps both, as he also stated that the toppling of the statue was an attack on the Catholic faith that took place on their own property. However, the mission is only Church property because of Native dispossession through conquest and missionization.

The conquest of the Americas by European nations was, as Saint Serra had deemed his own work, a “spiritual conquest.” From the doctrine of discovery to manifest destiny, the possession of Native land was rationalized as divine – from God. Those who threaten colonial possession are attacking the theological rationalization of possession, not their faith.

Demands for land back interfere with the doctrine that enabled Native land to be exorcised from them. Archbishop Cordileone’s exorcism was in the maintenance of property that had been stolen from Indigenous people long ago, and Archbishop Sample’s was in the maintenance of peace and the status quo of Native dispossession.

With a majority-Christian population in the United States and other nations in the Americas, demands for the return of land and decolonization have more to reckon with than racial injustice and white supremacy. Christians must also consider how dominant strains of Christian theology rationalized conquest and its ongoing structures of dispossession. Can a religion, made up of many sects, shift its framework to help end continued Native dispossession and its rationalization? Can we come together to overturn a racialized theological doctrine that functioned through violence and was adopted into a nation’s legal system? Can we imagine life beyond rage and the racialized spiritual possession of stolen land?

The Doctrine of Discovery was the primary international law developed in the 15th and 16th centuries through a series of papal bulls (Catholic decrees) that divided the Americas for white European conquest and authorized the enslavement of non-Christians. In 1823 the Doctrine of Discovery was cited in the U.S. Supreme Court case Johnson v. M’Intosh. Chief Justice John Marshall declared in his ruling that Indians only held occupancy rights to land — ownership belonged to the European nation that discovered it. This case further legalized the theft of Native lands. It continues to be a foundational principal of U.S. property law and has been cited as recently as 2005 by the U.S. Supreme Court (City of Sherrill v. Oneida Nation of Indians) to diminish Native American land rights.

In 2009 the Episcopal Church passed a resolution that repudiated the Doctrine of Discovery. It was the first Christian denomination to do so and has since been followed by several other denominations, including the Anglican Church of Canada (2010), the Religious Society of Friends/Quakers (2009 and 2012), the World Council of Churches (2012), the United Methodist Church (2012), the United Church of Christ (2013) and the Mennonite Church (2014).

Decolonization and land return are as possible as repudiating the legal justification of land theft. Social, cultural, governmental and economic systems are constantly changing, but the land remains — in the hands of the dispossessors. When our faith is held above what we know is true — we will prolong doing what is right.

Native peoples are not ancient peoples of the past only remembered on days such as Thanksgiving, just as our mourning is not all that we are. Native peoples are a myriad of things, including activists who demand land back — which is not a demonic request. Our land can be returned, and we can work together to heal and imagine a future beyond white supremacy and dispossession.

Ailton Krenak: Receber sonhos (Teoria e Debate)

teoriaedebate.org.br

EDIÇÃO 07 – 06/07/1989 – Alipio Freire e Eugênio Bucci


Remanescentes de uma guerra de extermínio que quase os dizimou ao longo de cinco séculos, os índios brasileiros agora comparecem à sociedade civil brasileira representados por uma nova geração. Ailton Krenak é dessa geração. Com habilidade, inteligência, é capaz de articular alianças e desenvolver políticas inéditas. Ao mesmo tempo, é um ser humano como poucos, que conversa com sua tradição por meio dos sonhos e que sonha com o futuro dos seus netos

Entrevistar Ailton, índio da tribo krenak, 35 anos, é uma experiência definitiva. Ele é um sábio, e há poucos sábios entre nós. Parece que Ailton Krenak conhece, de tempos imemoriais, os segredos mais ancestrais que a cultura dos brancos depois sistematizou, dissecou, ordenou à guisa de interpretação. “Eu não interpreto sonhos, eu recebo sonhos”, diz o índio para quem os sonhos não carecem ser “decifrados”, não precisam passar por leituras que a razão da modernidade precisou de tanta ciência para estruturar.

A sabedoria de Ailton Krenak exerce o fascínio que a natureza pode exercer e que nada tem a ver com a tentação do exótico que é a única atração que, em geral, as pessoas de boa vontade sentem em relação aos índios. É um fascínio necessário do curso natural da vida, um fascínio que encontra ressonância no íntimo de cada ser humano. A sabedoria de Ailton Krenak está contida na atuação política da UNI (União das Nações Indígenas), que ele dirige, cuja intervenção política é hoje decisiva não apenas para os povos indígenas mas para o conjunto da sociedade civil brasileira. No bairro das Perdizes, na cidade de São Paulo, ele falou, ao longo de três horas, para Teoria & Debate, instalado em sua mesa no escritório da UNI, sediado no prédio da Sedes Sapientiae. A leitura desta entrevista, é nossa intenção, deve passar a mesma sensação que nos captou ao fazê-la: uma experiência definitiva. Isso vale tanto para a política que se pense para os índios brasileiros, que deve ser imaginada a partir da formulação de Ailton Krenak – “o ser humano não se preserva, o ser humano se respeita”-, como vale para o que se espera do futuro, para o que se guarda da memória, para o que se vive da vida.

Então, Krenak, quem é você?
Eu sou Ailton Krenak. Sou filho de uma pequena tribo originária da região do Vale do Rio Doce. Nosso território tradicional se estende do litoral do Espírito Santo até entrar um pouco no sertão de Minas. Neste século XX, nós tivemos uma reserva delimitada pelo governo brasileiro. Os vários grupos do povo Krenak foram presos nessa reserva em 1922. Eu nasci em 1953; então, já sou filho da geração dos Krenak do cativeiro. Os Krenak livres viveram até 1922.

Como você saiu da tribo?
Eu saí da minha região com dezessete para dezoito anos, com meu grupo familiar. Nós atravessamos o Vale do Rio Doce inicialmente com destino à divisa do Paraná com o Paraguai, região do Iguaçu. Partimos no final de 68 para fazer a viagem e paramos na saída de São Paulo. E vários jovens arrumaram serviço na indústria.

Vocês já tinham sido alfabetizados?
Não. Eu só fui alfabetizado depois de adulto. Fiz o que corresponde hoje ao primeiro grau, quando já estava com vinte anos.

Então você não chegou à fronteira com o Paraguai e ficou em São Paulo…
Eu cheguei. Meu povo, o grupo familiar todo é que não foi. Eu continuei a viagem e morei com meus tios, que já estavam lá. Fiquei até o verão de 75, quando voltei para São Paulo. Aí eu fiz aqueles cursos de madureza de primeiro e segundo graus.

Você é uma das pessoas mais importantes da atualidade, no que diz respeito à autonomia dos índios, à questão ecológica, à questão da vida no planeta. Você é considerado uma pessoa que está na linha de frente disso tudo. Como se dá esse seu engajamento? Como você passou a manipular todo o código dos brancos?
E tem o Raoni, né? O Raoni não sabe ler, não sabe escrever; ele fala só algumas palavras em português. No início deste ano, ele foi recebido pelo príncipe Charles em Londres, pelo rei da Espanha em Madri, pelos ministros da Alemanha, do Japão e da Itália, pelo papa no Vaticano, por Mitterrand na França. Discutiu com eles a política de proteção da Amazônia; o Raoni é um sábio do povo indígena. É um sábio caiapó. Eu sou membro de uma geração nova das populações indígenas, que está dando continuidade ao que pessoas como Raoni fizeram. Há uma centena de índios da minha geração que são tão atualizados com relação ao mundo em que vivemos quanto eu. Então, essa minha maneira de intervir na realidade do nosso povo é uma experiência em parte pessoal, mas ela não está se dando, de maneira nenhuma, de forma individual. Eu não assumiria nenhuma dessas atividades que assumo, não estaria realizando esse avanço na minha compreensão do mundo, se não tivesse junto comigo desde os xamãs, os pajés mais tradicionais que nunca saíram da aldeia, até pessoas como Marcos Terena, que é piloto de avião. Entre nós existe muito mais coisas em comum, porque somos da mesma geração e somos índios. Nós sentimos que temos uma responsabilidade muito grande com relação aos novos moradores daqui da América. Eles vieram para cá – em alguns casos – fugidos, escorraçados das suas regiões de origem, desprezando essa terra, e agiram aqui – na maioria das vezes – como estrangeiros. Nós queremos conversar com os novos brasileiros para ver se eles conseguem entender os sinais dessa terra, amar esse lugar, protegê-lo, viver aqui não como quem vive num acampamento.

Gostaria que você resumisse as suas atividades. Quais são?
Hoje, eu coordeno um conselho que reúne 180 tribos: a UNI (União das Nações Indígenas). Esse conselho de tribos é uma aliança entre as várias etnias que falam língua diferente, que estão em regiões diferentes do país, que têm uma aliança comum para tratar com os não-índios; não se limita a fazer o tratamento administrativo de política com o Estado. A minha atividade hoje poderia – ser entendida como a de um embaixador. Eu represento uma embaixada indígena junto a instituições e organizações não-indígenas. Agora, eu tomo outras iniciativas no campo da aproximação mesmo e divulgação do pensamento do nosso povo, da articulação de alianças políticas com outros movimentos e outros setores da população regional e nacional que vão até a aliança com os ambientalistas que no mundo inteiro lutam no sentido de preservar o ambiente.

Qual é a sua religião?
A minha religião é a dos meus avós, dos meus antigos.

Você pratica a sua religião?
Eu pratico. Eu acho que a nossa tradição é muito diferente, por exemplo, da dos cristãos, para quem a idéia de praticar uma tradição ou uma religião está vinculada a um conjunto de normas e condutas. Para nós isso não existe. Eu não tenho que ir a um templo, não tenho que ir a uma missa. Eu me relaciono com o meu criador; me relaciono com a natureza e com os fundamentos da tradição do meu povo.

Existe essa natureza aqui em São Paulo?
Ela existe em cada uma das células do meu corpo. Ela existe em cada um dos pequenos, no ar que eu respiro, naquelas plantinhas que estão ali no quintal, na chuva que cai, nos raios de sol que atravessam todos esses concretos e cimentos e passam por este buraquinho da janela aqui. E ela bate com a mesma força e intensidade com que faz uma cachoeira lá no meio do Amazonas ou uma geleira lá no Alaska. Porque a natureza é a vida mesmo. Não há natureza apenas num parque, num jardim.

Você é um cidadão brasileiro, que deve ter cédula de identidade. Você não é um índio que tenha responsabilidade relativa.
A responsabilidade relativa não tem a ver comigo. Ela tem a ver com os outros. Meu avô viveu até 96 anos. Meu avô criou meu pai, todos os meus tios e os netos. E para o governo ele continuava sendo alguém com responsabilidade relativa. Para o meu povo, meu avô foi um sábio, um guerreiro. Para o governo brasileiro ele foi um menino, um sujeito que devia ser vigiado, tutelado. Mas nós podemos observar também que a sociedade brasileira, apesar de já ter aí uns duzentos ou trezentos anos de vida institucional, continua sendo considerada pelo Estado algo parecido. Uma espécie de deficiente mental. Então acho que podemos concluir que isso diz menos respeito ao nosso espírito e ao nosso propósito no mundo e muito mais a uma visão que os outros têm de nós mesmos.

Mas você é um cidadão comum hoje… Você vota, por exemplo?
Eu voto. Pratico vários atos jurídicos que os brasileiros têm o prazer de fazer. E meus parentes, que não exercitam esses chamados direitos civis, são também cidadãos, porque ninguém é mais cidadão na América do que os nossos antigos. Se cidadania se mede por gestos cívicos como votar, tirar cédula de identidade e coisas assim, nós não somos cidadãos. Mas se ser cidadão é você estar instalado numa região, num lugar onde você participa, onde você vive, nós somos os primeiros cidadãos aqui da América. Acho que a maioria das pessoas tem dificuldade de nos considerar remanescentes de uma guerra de colonização. Todos os meus parentes são sobreviventes de uma guerra de ocupação. Quando os seus parentes vieram para cá, involuntariamente se instalaram como forças de ocupação da minha terra. Acredito que a grande maioria veio sem saber o que estava fazendo. Os que vieram sabendo o que estavam fazendo e os que vieram sem saber estavam realizando a ocupação dos nossos territórios. Hoje, se a minha tribo está reduzida a quase uma centena de indivíduos, sendo que no começo do século nós éramos mais de 5 mil pessoas, e se o nosso território atual é uma reserva miserável de 4 mil hectares, isso tem que ser compreendido como parte de minha história, muito mais do que uma cédula de identidade. A minha história é a experiência coletiva do meu povo. A minha história, de maneira nenhuma, se resume ao conjunto de documentos públicos que o governo me deu.

Por que o governo nega esses documentos para os índios e os mantém tutelados e oprimidos?
Acho que você conhece a história das potências que colonizaram outras regiões do mundo e que tratam os nativos como cidadãos de segunda ou terceira categoria. Se você observar, a Inglaterra e a França até recentemente mantinham colônias na África e na Ásia, onde os nativos tinham o status aproximado da mula ou do cavalo. Aqui, no Brasil, os índios continuam tendo um status parecido com o de animais silvestres. Nós somos objeto da atenção do Estado enquanto seres que precisam ser preservados como fauna. Também temos a atenção do Estado como pessoas e indivíduos que precisam ser vigiados para que não entrem num processo de contestação do poder do Estado, de contestação da ordem estabelecida e de questionamento dos crimes que foram praticados contra o nosso povo. Nós somos a memória viva e um testemunho sempre muito explícito da história recente da ocupação desta região do mundo. Cada um dos nossos meninos sabe como foi que os brancos se tornaram senhores desta terra e quando nós deixamos de ser os donos.

Como se dá essa passagem de memória entre os índios?
Você me perguntou há pouco sobre minha educação e alfabetização. Para mim e para meu povo, ler e escrever é uma técnica, da mesma maneira que alguém pode aprender a dirigir um carro ou a operar uma máquina. Então a gente opera essas coisas, mas nós damos a elas a exata dimensão que têm. Escrever e ler para mim não é uma virtude maior do que andar, nadar, subir em árvores, correr, caçar, fazer um balaio, um arco, uma flecha ou uma canoa. Acredito que quando uma cultura elege essas atividades como coisas que têm valor em si mesmas está excluindo da cidadania milhares de pessoas para as quais a atividade de escrever e ler não tem nada a ver. Como elas não escrevem e não lêem, também nunca serão parte das pessoas que decidem, que resolvem. E quando aceitei aprender a ler e escrever, encarei a alfabetização como quem compra um peixe que tem espinha. Tirei as espinhas e escolhi o que eu queria. Acho que a maioria das crianças que vão hoje para a escola e que são alfabetizadas é obrigada a engolir o peixe com espinha e tudo. É uma formação que não atende à expectativa delas como seres humanos e que violenta sua memória. Na nossa tradição, um menino bebe o conhecimento do seu povo nas práticas de convivência, nos cantos, nas narrativas. Os cantos narram a criação do mundo, sua fundação e seus eventos. Então, a criança está ali crescendo, aprendendo os cantos e ouvindo as narrativas. Quando ela cresce mais um pouquinho, quando já está aproximadamente com seis ou oito anos, aí então ela é separada para um processo de formação especial, orientado, em que os velhos, os guerreiros, vão iniciar essa criança na tradição. Então, acontecem as cerimônias que compõem essa formação e os vários ritos, que incluem gestos e manifestações externas. Por exemplo, você fura a orelha. Fura o lábio para colocar o botoque. Dependendo de qual povo a que você pertence, você ganha sua pintura corporal, seu paramento, que vai identificar sua faixa etária, seu clã e seu grupo de guerreiros. Esses são os sinais externos da formação. Os sinais internos, os sinais subjetivos, são a essência mesma daquele coletivo. Então você passa a compartilhar o conhecimento, os compromissos e o sonho do seu povo. As grandes festas se constituem em instantes de renovação permanente do compromisso de andar junto, de celebrar a vida, de conquistar as suas aventuras. Então a nossa tradição consiste, de maneira resumida, nesses eventos. A formação é isso.

Você acha que houve conquistas importantes da UNI e do trabalho de vocês aqui?
Acho que sim. Eu disse para um amigo meu outro dia que a UNI só tem sentido porque existem os brancos. Se não existissem brancos aqui, a UNI não existiria, e eu estaria lá na minha aldeia, com o meu povo, com a minha tribo, caçando, guerreando, namorando. Mas como os brancos existem, tive que trocar toda essa vida paradisíaca por uma vida chata de ficar aqui conversando com as pessoas, negociando politicamente, sendo transigente ou intransigente, sendo tolerante e, às vezes, sendo duro. Muito poucas pessoas indígenas fazem isso, ou estão dispostas a pagar esse preço. Nesse sentido, foram positivos esses quase dez anos. A UNI iniciou a sua articulação mais permanente em 1979. Hoje, o Brasil sabe que existe o povo indígena. Acho que vocês sabem que na década de 60 e até o começo da década de 70, mesmo as pessoas mais bem informadas do Brasil se perguntassem a elas sobre índios, iam dizer: “Não, índio não. Não tem. Bem, talvez tenha um ou outro aí guardado em alguma reserva pelos irmãos Vilas Boas”. “Quem são os irmãos Vilas Boas?”, outro diria. “São heróis que têm lutado para guardar como relíquia alguns índios sobreviventes de 1500.” Raoni trouxe para o povo brasileiro e para o mundo cheiro de índio, cara de índio, impressão sobre o índio, expectativa. Em alguns casos, irritação, ódio, carinho, solidariedade. Nós provocamos sentimentos nas pessoas quando mostramos que éramos gente de verdade. Nós provocamos os fazendeiros. Nós provocamos o Conselho de Segurança Nacional, que botou os militares para nos vigiar mais de perto. Mas, em compensação, nós lembramos a milhares de pessoas que ainda estamos vivos e que queremos ser amigos dessas pessoas. E isso é solidariedade. É uma palavra que nós não conhecíamos, mas uma idéia que praticamos há milhares de anos.

De onde vem a sustentação financeira de vocês?
Bem, a UNI praticamente não tem infra-estrutura. Nós temos a cooperação de organizações da sociedade civil, de movimentos que estão junto com a gente, que são solidários para com o povo indígena. Há, por exemplo, o Sedes Sapientiae, que nos oferece este local e a infra-estrutura de serviços, para a gente trabalhar juntos. Contamos com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, aberto o tempo inteiro para um trabalho conjunto. A universidade estabelece com a gente um tipo de cooperação. E, mais recentemente, temos conseguido coisas como uma empresa que quer fazer uma política de proteção do meio ambiente e que se dirige assim à gente: “Olha, queremos apoiar algum trabalho de vocês; nós temos interesse nisso”.

Onde estão as alianças das nações indígenas com as diversas camadas do povo brasileiro? Onde estão seus aliados?
Durante esses últimos cinqüenta anos, o povo indígena fez um esforço através de uma ou outra liderança para dialogar com o que a gente chama de sociedade brasileira. Esse diálogo foi bloqueado de todas as formas. Os nossos interlocutores mais permanentes têm sido gente do Estado. O marechal Rondon é como lenda, inclusive para a maioria das tribos indígenas. Porque foi o marechal que criou o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) no final do século passado. Toda a política que ele imprimiu ia no sentido de preservar os índios do contato com o Brasil. Então, toda a orientação que o Estado aplicou no seu contato com os povos indígenas procurava segregar as tribos indígenas da nação brasileira. O marechal Rondon, baseado no positivismo, defendia a idéia de que, se nós fôssemos preservados do contato negativo com a nação brasileira, poderíamos evoluir e gradualmente alcançar um estágio de sabedoria, de civilização, que nos habilitasse à convivência civilizada, social. É uma idéia generosa porque o marechal Rondon acreditava que os índios estavam muito expostos a aprender aquilo que havia de mais espúrio no comportamento dos brasileiros. Daí ele fundou aquela máxima: “Morrer se preciso for; matar, nunca”. E esse lema derivava do seguinte princípio: “Nós estamos chegando junto de um povo. Esse povo tem um pensamento e costumes diferentes. Nós somos os invasores; vamos fazer com que esse povo tenha o tempo necessário para nos interpretar. Aí ele se incorpora a nós como parte integrante da nacionalidade”. No começo do século XX, convenhamos que esse pensamento era muito louvável, porque um contemporâneo dele, o general Custer, achava que “índio bom era índio morto”. O que acontece é que não apareceram mais na história do Brasil figuras da grandeza do marechal Rondon, para avançar historicamente esse processo de respeito, conhecimento e reconhecimento da existência de culturas diferentes. Ele foi substituído e toda a sua orientação, contrariada por uma outra leitura, que passou a vigorar a partir da Segunda Guerra Mundial. A leitura de que os índios, enquanto seres estranhos à nacionalidade, precisavam ser rigorosamente vigiados, porque eram potenciais inimigos internos. Quando surge a doutrina da segurança nacional, aquela visão do marechal Rondon é substituída por outra preconceituosa e integracionista, que supõe o seguinte: para eles serem brasileiros, têm que estar integrados às forças de trabalho, ao comportamento, a todas as manifestações culturais, a todos os signos desta pátria. Então, para que garantir terras para eles, se isso pode ser exatamente a base de uma cultura e de uma prática tradicional que só vai reforçar a sua identidade? Teve início um trabalho sistemático de diluição da identidade das tribos indígenas… E aí eles começam a trabalhar com a idéia do índio aculturado. Índio aculturado é um índio sem terra. Ele tem que cooperar como mão-de-obra nos canaviais, nas lavouras, nos garimpos, etc. Aí o povo indígena responde a essa iniciativa do Estado: “Não. Nós achamos que podemos ser, sem deixar de ser quem somos”.

E dos irmãos Vilas Boas, o que você diria?
Os irmãos Vilas Boas são os últimos herdeiros do pensamento de Rondon. Eu os respeito e os coloco num lugar na história da relação do Estado com as sociedades indígenas. Estão situados num tempo histórico que vai de 1940 a 1980.

Eles não se coadunavam com essa política de preconceitos?
É claro que eles traziam na sua formação os equívocos que todos os jovens brasileiros tiveram e receberam na escola. Mas, no contato e na convivência com as comunidades indígenas, fizeram a revisão do que receberam na escola.

Mas eles deixaram algum saldo positivo?
Acredito que a história não se fez de fatos positivos ou de fatos negativos. Na tradição do nosso povo, essa coisa de bem, de mal, de positivo, de negativo não existe de maneira tão simples assim. Nós temos eventos na nossa história antiga que podem ser considerados, numa narrativa, uma catástrofe. Mas nós sabemos que toda catástrofe era o prenúncio de um novo tempo. E quando o Estado, quando o Brasil, na sua relação com o povo indígena, nos possibilitou o contato ou a convivência com personalidades como Rondon, os irmãos Vilas Boas, provavelmente o país deu as melhores personalidades que tinha para tratar com o povo indígena. Então, não cabe a nós fazer o julgamento. Seria a mesma coisa que perguntar se foi positivo ou negativo o Mário Juruna ter sido eleito deputado. Eu já ouvi essa pergunta centenas de vezes.

É uma pergunta que eu queria mesmo fazer.
Acho que essa pergunta está sempre engatilhada na cabeça do repórter, porque a cultura dele é assim. Juruna foi um parlamentar indígena, que teve um primeiro mandato na Câmara Federal; esse fato em si é que tem valor. E ele não se travestiu de branco para ser um parlamentar índio. Ele foi um parlamentar índio com todas as suas dificuldades, com todas as suas deficiências e virtudes. Com todas as suas contradições. E ele revelou muito mais do Brasil do que milhares de parlamentares que passaram por aquela casa desde a instalação da República. A história do Brasil não pode negar esse fato. Na nossa tradição, na tradição indígena, nós temos uma história – a história da fundação do mundo – que nos integra no que poderia ser considerado o Universo. Os fatos dessa história se aproximariam muito dos eventos religiosos. Nós temos uma história que poderíamos chamar de história objetiva, história do mundo, sobre a qual agimos. Nós agimos no mundo, mas somos filhos de uma tradição em que o nosso poder é limitado. Quando comecei a ler a literatura universal, descobri um pensamento nos homens de outra tradição que me assustou – o pensamento de que o homem é total, de que ele pode submeter a natureza e a história. Na minha tradição, isso não existe. Somos parte de eventos importantes. Nós podemos estar ou não nos lugares em determinados momentos. Apesar de estar há muito tempo já convivendo e me relacionando com os fatos marcados pelo calendário do relógio, tenho buscado preservar dentro de mim essa memória. A minha apreciação da história tem que ser cuidadosa e seguir a visão do meu povo. Nós entendemos que somos capazes de mover uma pedra que está na beira do igarapé represando tronquinhos e folhas, mas sabemos que não podemos mover o destino das águas. Nós somos parte dos eventos. Interferimos neles a partir da nossa virtude e do nosso conhecimento, da nossa interação com aquele lugar, mas não podemos agir como seres externos aos eventos.

Mas, por outro lado, quando vocês constroem a UNI, também estão manipulando leis gerais da política, fazendo alguma coisa comparável a uma embaixada e atuando nesse mundo. Vocês também estão lutando e subordinando os acontecimentos a seus objetivos. Então há uma contradição.
Vou contar uma coisa. Se eu for dormir hoje e meus parentes antigos me vierem num sonho para dizer: “Vá pro mato!”, vou embora. Você pode vir aqui amanhã e não verá mais este escritório. Isso significa que dizer que eu estou irremediavelmente no meio disso é só aparência. E as aparências enganam… Por exemplo, existem muitos truques e muitas armadilhas que são postos em nosso espírito para nos testar. Você pode estar seguindo por um caminho, e um ser sobrenatural aparece sugerindo uma situação. Se você acreditar que tudo que está vendo é exato, pode sofrer por isso. Se tiver no espírito a generosidade de aceitar que aquilo não existe, exatamente nesse momento você pode ter decifrado o enigma que o espírito lhe pôs. É nesse sentido que aquilo que aparenta ser pode não ser realmente. Assim, eu não estou aqui em caráter indefinido. Vai chegar o momento em que eu não vou estar mais aqui, e que outros parentes poderão ou não estar realizando isso. Essa é uma atitude em relação à vida um pouco diferente da maioria das atividades que as outras pessoas executam. Alguém, por exemplo, inicia um projeto pessoal, vai ser jornalista ou deputado; isso se torna a vida dessa pessoa. Ela faz todos os julgamentos das oportunidades e conveniências dessa escolha. Para nós, é diferente. Quando eu estou aqui, assumindo uma determinada atividade, e esse círculo se completa, tenho que me assegurar de que o universo das minhas relações esteja preservado. Não posso comprometer minha integridade e o pensamento de meu povo com um simples gesto.

Sendo o sábio que é, você dialoga com outras categorias além daquelas com que o nosso conhecimento consciente consegue dialogar. Você falou há pouco de um sonho em que um antepassado seu pode aparecer. Como o sonho atua na composição dessa sua sabedoria?
O sonho é o instante em que nós estamos conversando e ouvindo os nossos motivos, os nossos sábios, que não transitam aqui nesta realidade. E um instante de conhecimento que não coexiste com este tempo aqui.

Mas o sonho acontece com você, e as pessoas falam coisas no sonho?
Não as pessoas propriamente.

Uma cultura fala no sonho?
É, uma tradição.

Há alguma decisão importante da sua vida que tenha sido tomada no sonho?
A minha vida toda. Eu falei com vocês no começo da nossa conversa sobre os fundamentos da tradição. Nos fundamentos da tradição não há a palavra vazia. Os fundamentos da tradição são como o esteio do Universo. A memória desses fundamentos não é uma coisa decifrável. É como a água do rio: você olha de um determinado ponto a água correndo; quando voltar na manhã seguinte, não verá a mesma água, mas o rio é o mesmo. Ele está ali. Você não distingue. Você só sabe que não é a mesma água porque vê que ela corre, mas é o mesmo rio. O que o meu tataravô e todos os nossos antigos puderam experimentar passa pelo sonho para a minha geração. Tenho o compromisso de manter o leito do sonho preservado para os meus netos. E os meus netos terão que fazer isso para as gerações futuras. Isso é a memória da criação do mundo. Então, não decifro sonhos. Eu recebo sonhos. O leito de um rio não decifra a água, ele recebe a água do rio. Existe uma fronteira que eu procuro não romper, uma fronteira cultural. Quando nós decidimos que queríamos dialogar com o Brasil, tivemos em primeiro lugar que olhá-lo. Nós olhamos durante décadas, durante séculos; ficamos observando essas pessoas indo pro Norte pro Sul, atravessando rios e montanhas, devastando florestas e fazendo guerras. Depois, pensamos: “Eles não são todos iguais. Eles têm diferenças muito grandes entre eles mesmos. Eles precisam ver e entender essas diferenças Para a Partir delas poder construir alguma coisa juntos”. E aí nós começamos a conversar com as pessoas, preservando essa diferença e fazendo um esforço muito grande de aproximação. Há muitas coisas que eu busco entender que para mim significam um esforço terrível. Quando nós preparamos um movimento, temos que pensar muito sobre que tipo de sentimento vamos provocar nas pessoas. Se incitarmos em alguns milhões de pessoas um sentimento contra o nosso povo, estaremos fazendo uma coisa muito perigosa. Se nós criarmos uma imagem irreal de nós mesmos para as pessoas, estaremos fazendo também algo perigoso. Então, tratamos com o Brasil sabendo que ele não é único; ele é diverso. Dialogamos com essas diferenças, fazendo amizades e alianças, inclusive com nossos inimigos. Porque com os amigos você pode viver em paz. Com os inimigos você só sobrevive através das alianças. Os maiores conflitos da nação brasileira não são com os de fora mas com ela mesma. Assim nós levamos raspões e recebemos as fagulhas. Como somos populações com mecanismos de defesa muito frágeis em relação a esse conflito, quando os estilhaços nos atingem, causam grandes estragos. Existe uma tribo que foi contatada agora, lá no Pará, na região do rio Cuminapanema. Quinze dias depois que a rede Globo mostrou o contato com eles, uma equipe de reportagem encontrou a população toda doente, alguns já com risco de morte, porque pegaram uma epidemia naquele contato. Numa tribo, nossa visita pode ser fatal. Estou dando esse exemplo para mostrar que os conflitos mais violentos que ocorrem na sociedade brasileira causam menos estragos que as fagulhas que atingem as nossas comunidades. Então eu acho que esse limite do contato é intenso. Acho que o Mário Juruna quando saiu deputado trincou essa fronteira. Quando Raoni viaja pelo mundo, ele dá um passo naquela linha de limite. Quando a UNI faz um movimento mais organizado, de caráter mais permanente, esboçando um leque de articulações mais amplas, ela clareia a zona da fronteira para o diálogo. Porque provocamos um posicionamento de vários setores da sociedade em relação ao índio. O desenvolvimento desse questionamento implica uma outra coisa importante: o posicionamento das pessoas em relação ao Brasil. Pensar o que vão fazer com o Brasil obriga esse povo a pensar o que vai fazer de si mesmo. Na semana passada, um empresário me perguntou se eu achava positivo o fato de o mundo inteiro estar tendo uma imagem exótica do Brasil na figura de Raoni com o botoque na boca e um cocar na cabeça. O que eu achava disso? Eu disse: “O mundo está vendo o Brasil como quer ver e como sempre acreditou que ele é”. O que eu acho é que muitas pessoas aqui estão incomodadas com que o mundo veja o Brasil na cara do Raoni. Porque o sinhozinho estava reunido na sala tomando café, quando soube que alguém fugiu da senzala e foi fazer fuzarca. Ficou apavorado, chamou o capataz e perguntou: “Mas o que é isso? Fugiu um negro da senzala; foi fazer confusão aí no mundo”. Quem pode mostrar a cara lá fora é o sinhozinho. Ele sai da sala com gravata e paletó e vai se exibir no paraíso. Agora, pessoal da senzala, das malocas, não pode sair por aí se exibindo de tanga, botoque e cocar. O incômodo é tão grande para uma parte da elite brasileira que é mais ou menos como se vocês estivessem exibindo um segredo da família para o público. O Brasil está vendendo o retrato do branco para o mundo há quinhentos anos. De repente, quando ele mostra o pessoal que não é branco…

Agora, você diz que quer passar esse rio do sonho, da tradição e do conhecimento para os seus netos. Você acha possível que isso se passe aqui na cidade?
As pessoas que vivem na cidade estão experimentando uma cultura urbana. Isso atinge a pessoa na sua formação, na sua essência mesmo. Quando falo da minha confiança de passar para os meus filhos a tradição do meu povo, estou reconhecendo a dificuldade a mais que enfrento por ter que fazer isso num lugar inadequado, numa cidade. Mas é possível você preservar e manter uma memória e uma tradição, independentemente do lugar em que se vive. O habitat em que se está é essencial para a formação e mesmo para a experiência permanente de vida, mas ele não é assim determinante. Acredito que passamos para as pessoas, e muito mais para os nossos parentes, algo que não é só resultado do nosso esforço e da nossa virtude. Nesse sentido, acho que as nossas experiências de conhecimento são diferentes. No Ocidente, se o menino nasce, cresce e não é colocado numa escola, ele vai ser um pária. Na nossa tradição, não existe o pária, porque cada pessoa é beneficiária da experiência coletiva. Na nossa sociedade não existe o menor abandonado. O menor abandonado foi uma das figuras mais fantásticas que eu conheci na tradição ocidental. Se uma criança não tem pai nem mãe, ela tem a sociedade. Se a sociedade não tem pai nem Mãe, aí há o caos. Outra coisa que me deixou muito preocupado: quando comecei a ver o tanto de pessoas que não têm acesso às coisas mínimas dessa sociedade aparentemente tão vigorosa. Ela é muito exibicionista: seus prédios monstruosos podem competir com as montanhas; as grandes avenidas querem ser mais largas que os rios; um amontoado de casas pretende competir com as florestas e oculta uma hipocrisia muito grande. Ela tenta esconder milhares de pessoas que ficam encostadas nos prédios, nas calçadas, sem comida, sem alento, sem sonho, sem alegria, tangidas pelo medo, escorraçadas. Isso me tocou profundamente. Como uma sociedade cruel assim pode pretender o bem, o bem estar, o estar bem? Ela está fazendo como um louco que joga bombas para cima, pensando que vão flutuar, sem perceber que irão explodir na sua cabeça. Esses milhões de crianças, de miseráveis, de excluídos da sociedade, vão se constituir em exércitos poderosos, que devorarão os privilégios das pessoas. Eu consigo entender como isso acontece, mas não compreendo por que acontece. Entendo que quando um homem é dono de prédios de apartamentos e dono de fazendas num país como o Brasil, é natural que existam, por exemplo, milhares de favelas. Vejo que isso acontece. Mas não entendo por quê. Aquele homem que faz isso, se está querendo o poder, pratica aquele gesto de louco: está jogando as bombas para cima. Podem não cair na cabeça da primeira geração, nem da segunda, nem da terceira. Mas haverá uma geração deles em cuja cabeça vai explodir essa bomba humana.

Nessa sociedade que tem esses escorraçados, esses excluídos, como é o caso do Brasil, quais as alianças que as nações indígenas fazem? Você começou a falar dos contatos com o Estado. E fora do Estado?
Quando o Estado esgotou o repertório de contato com a gente, também esgotou a nossa paciência. Nesse momento as comunidades indígenas começaram a ver que existia alguém além daquele representante do Estado que ia contatar a tribo. Mas uma coisa interessante aconteceu com nossos parentes, as pessoas que eles conheciam eram do Exército, quando não, enfermeira ou médico. Me lembro de um rapaz que foi comigo visitar esses parentes; eles olharam e perguntaram: Enfermeiro?”. “Não, não sou enfermeiro.” “Médico?” “Não.” Ele não era nem a entidade enfermeiro nem médico. Do Exército ele não era porque não estava fardado. “Quem é você?” “Eu sou um amigo de vocês.” “FUNAI?” “Não. Eu não sou da FUNAI.” “Você não é da FUNAI, não é do Exército, então é médico, não é enfermeiro. Quem é você? Fazendeiro?” “Não. Eu sou amigo. Gosto muito dos índios.” “De qual?” “Assim, de vocês.” “Mas você não conhece a gente.” “Mas vim conhecer. Escutei notícias de vocês e quero ser amigo.” Esse episódio revela muito do que é a sociedade brasileira para a maioria de nossas tribos. Quando o Estado esgotou o repertório de médicos, enfermeiros e pilotos de avião, começamos a descobrir os brasileiros. De repente tinha um parente que um cara virou amigo dele. E a pessoa gostava dele. Foi lá, pescou na aldeia, fez amizade com o povo e, vai ver, é um grande empresário, que tem uma fazenda vizinha da aldeia. Quando aquele parente começa a ampliar a visão que tem do país, observa que aquele cara que está instalado ali perto da reserva é um beneficiário da política estatal de redução do seu território. Aí a amizade começa a esfriar, porque algo que era de coração de um lado, do outro era de intenção. A aproximação daquele vizinho não era uma coisa carinhosa. Não estou dizendo que todo empresário toma a iniciativa de um gesto de aproximação com uma tribo para cooptá-la. Mas isso acontece permanentemente; muitas vezes em grupos de contato recente. Aí, os parentes começam a observar que naquela mesma fazenda ali perto explode um conflito. Os parentes verão que aquele cara simpático tem um monte de homens armados, que matam seringueiro para evacuar a área. Daí um parente olha e fala: “O seringueiro está mais perto de mim. Tem um conjunto de situações que fazem do seringueiro meu vizinho em meu universo muito mais do que o fazendeiro”. Então, você começa esse aprendizado da realidade. Isso vai avançando o questionamento. Observa que o empresário não é seu aliado. Ele no máximo é seu vizinho. Em alguns casos, quanto mais perto dos olhos, mais longe do coração. Aquele seringueirinho que vai lá no caixa-pregos e é escorraçado está mais perto de você do que o fazendeirão que exibe os títulos do Estado. Você observou como as nossas relações com o Estado passam por um conjunto de ritos hereditários, em que o Estado monopoliza o contato e depois começa a preservar a bola para outra classe de gente; o Estado de certa maneira controla o tempo inteiro, porque nós não saímos da relação com ele para conversar com a sociedade civil. Quando se tem uma década de contato com os brancos, ele fica praticamente restrito aos agentes do Estado, porque você não fala a língua portuguesa, ainda está sob controle de endemias. Há os surtos de gripe e de malária; a área ainda está isolada. Passa-se uma década em alguns casos, e você avança esses contatos. Começa sua percepção de Brasil. Hoje existe uma organização indígena que antecipa articulações com a sociedade civil. Já se formou uma visão crítica dessa sociedade civil em relação àquele contato e há a disposição de aliança, mesmo que os parentes arredios não tenham ainda conhecimento disso. Essa novidade coloca a organização indígena como a vanguarda da defesa do nosso interesse e do nosso povo. Porque o processo administrativo de titulação das terras e de distribuição de benefícios na região vai acontecer depois que a FUNAI tiver identificado e demarcado a área, começando os procedimentos administrativos. Nessa época o movimento indígena tem que estar adiantado na sua aliança com a sociedade civil, para criar um cinturão de segurança e não expor seus parentes à brutalidade que a minha tribo sofreu na década de 20. O que nós queremos é que os mais de vinte grupos indígenas que estão sem contato na floresta amazônica posam ser os aliados do futuro e não os seus remanescentes. Queremos que aqueles parentes vítimas do contato possam ser beneficiários dessa articulação do movimento indígena para respeitar seu território, sua pessoa, sua cultura, sua tradição, e não para preservar. Você não preserva seres humanos, você os respeita.

E quais os mecanismos de defesa que vocês têm para chegar lá e atuar?
Quando o “Fantástico” hipocritamente jogou para o Brasil inteiro a imagem daqueles parentes de botoque longo e disse: “FUNAI contata uma tribo arredia no meio da Amazônia. Veja que fantástico; existem lá uns índios da idade da pedra!”, naquela semana eu fui para o ar num programa de rádio. Eu disse o seguinte: “Hoje, engraçado, o ‘Programa de Índio’ vai falar de uns parentes lá do Cuminapanema, um povo da língua tupi muito contemplativo. Eles habitaram a região que vai do paralelo tal ao paralelo tal; os seus vizinhos são a mineradora tal, a madeireira tal e o grande empreendimento tal, que jogam mercúrio na cabeceira do rio. Diante desse assédio, esses parentes formaram uma expedição e avançaram para uma frente de contato, aceitando logo o primeiro. Este não foi na semana passada como o ‘Fantástico’ disse. O primeiro contato deles aconteceu em 1976 com a missão evangélica americana. Até, agora não ocorreu nenhum episódio de conflito, mas a maioria deles está vitimada devido ao contato com os garimpeiros. Estão sofrendo com o envenenamento e buscam socorro médico”. A gente está botando isso na consciência deles. Quando a besta do “Fantástico” vier de novo dizer ‘descobrimos gente da idade da pedra’, quem ouvir essa porcaria muda de canal ou questiona. Quer dizer, estamos colocando a informação à disposição das pessoas para que elas questionem. Outra coisa que eu fiz foi mandar um telex para a procuradoria do Ministério Público, pro Congresso, para a FUNAI, e dei entrevista para a imprensa internacional. Disse a todos o seguinte: ‘Estou responsabilizando a União pelas conseqüências do contato com esses meus parentes. O movimento indígena vai entrar com uma ação no Supremo Tribunal. Índios arredios do Cuminapanema versus União. Queremos comprometer a União, pela primeira vez “na história, por todas as seqüelas do contato. O Estado brasileiro abordou uma nação indígena. Eu quero que haja observadores vigiando em abordagem e exijo uma avaliação das conseqüências do contato. Nós não vamos aceitar um inventário unilateral do território desse povo”. Porque hoje quem fixa o território de um povo tradicional e sua população é a FUNAI. É ela que tem o poder de polícia. Chega na área e faz um inquérito, uma espécie de boletim de ocorrência do contato. Nós não admitimos isso. O movimento indígena quer que as conquistas que conseguimos na Constituição sejam aplicadas na prática. Por exemplo, o Ministério Público tem a função de assistir a sociedade civil. Se o Estado desrespeitar alguém, essa pessoa pode pedir a guarda do Ministério Público para contestar o Executivo. Nós estamos agora buscando a participação do Ministério Público para vigiar a abordagem que o Executivo está fazendo junto a esses parentes. Isso era exclusivo da FUNAI. Antes da Constituinte, somente a FUNAI podia entrar em juízo, em nome dos índios. Nem os índios tinham esse direito em seu próprio nome. Agora, nós podemos convocar o Ministério Público para nos assistir e interpelar o Estado. Isso para nós foi um progresso, um avanço muito grande.

Como foi o trabalho da UNI na elaboração dessa nova Constituição?
Na ocasião em que estávamos discutindo a Assembléia Nacional Constituinte, formulamos uma proposta que eu continuo achando muito interessante. A idéia em que as nações indígenas não concorressem às eleições gerais, mas que apresentassem à Assembléia Nacional Constituinte uma bancada própria. Reivindicávamos que, devido à diversidade das nossas tribos, pudéssemos indicar representantes por região do Brasil. Então, nós teríamos um número de representantes indígenas que participaria da Assembléia Nacional Constituinte, realizando o processo constituinte do povo indígena. Concluída essa etapa, nossas lideranças voltariam para suas regiões de origem e cessariam a intervenção política. Isso não foi aceito e virou outra coisa.

Mas aí não saiu a Assembléia Nacional Constituinte mas o Congresso Constituinte. E como ficou a situação da UNI e das nações indígenas?
Nós definimos um programa mínimo que queríamos levar ao Congresso. São pontos que tratam do reconhecimento dos direitos territoriais, da superação da tutela, e que buscam assegurar no texto da Constituição o caráter de permanência de nossas populações, em lugar da transitoriedade que estava fixada em todos os textos de leis do Brasil. Nós somos índios hoje; amanhã, seremos brasileiros, como se estivéssemos num processo evolutivo, né? O Brasil tem que entender que nós somos populações nacionais, que estamos aqui para ficar. Nós não vamos para lugar nenhum, nem sob o ponto de vista da assimilação ou da integração nem sob o da migração. Nossas populações têm apego às nossas regiões, e o Brasil precisa estabelecer um diálogo com a gente a partir desse dado. Fomos para o Congresso mobilizando a opinião pública e com a participação intensa das lideranças indígenas do país inteiro, o que possibilitou a aprovação do nosso texto. Nada do que botamos no nosso texto foi suprimido. É óbvio que houve uma campanha intensa por parte da ala conservadora, que queria inclusive que não existisse no texto da Constituição uma referência específica aos índios. E nós conseguimos assegurar um capítulo de populações indígenas na Constituição, até mesmo com esse título: “Das Populações Indígenas”.

Qual a relação da UNI e das nações indígenas com os partidos políticos do Brasil?
A relação do movimento indígena e, mais precisamente, da UNI é cautelosa, com respeito à aproximação com qualquer partido político. Se você, pegar o conjunto de todos os partidos, eles não somam vinte anos de existência. Aqueles que se poderia considerar mais críticos e até mais atuantes em relação à realidade econômica que vivemos são partidos que têm cinco ou seis anos de idade. Os partidos não conseguiram ainda expressar uma maturidade compatível com a história, por exemplo, que o povo indígena tem nesse país. Em segundo lugar, não acreditamos que os partidos políticos estão determinados. Eles têm um perfil que responde a uma realidade de sociedade de classes, de interesses, das alianças que na maioria das vezes são estritamente políticas. As populações indígenas não lidam com esse tipo de alianças. Nós estabelecemos alianças tradicionais, que eu costumo chamar de afetivas. As alianças políticas possibilitam coisas constrangedoras, como um presidente da República que gostaria de matar seu vice-presidente ou um vice-presidente que adoraria explodir uma bomba no avião do presidente. As alianças afetivas são feitas com base em outros princípios: identidade, conhecimento, respeito mútuo, amizade e uma profunda compreensão do outro. Isso é a aliança para nós. Não vemos ainda, no Brasil, qualquer partido que esboce esse tipo de respeito.

Enfim, vocês colocam uma ética rígida como base das relações?
Sim. E ela não basta como princípio, tem que estar fundamentada numa prática. Se você elabora hoje um princípio ético e o anuncia, isso para nós é pouco. Levará mais mil ou dois mil anos praticando essa ética para a gente decidir se vale a pena ou não estar junto. Eu sei que o PT, por exemplo, tem pautado a sua prática e seu conjunto de alianças por princípios bastante claros e éticos, mas ele vai ter ainda que caminhar alguns séculos fazendo a depuração dessa sua ética para eu poder dizer quem é.

Ailton, com os outros movimentos da sociedade brasileira, como a UNI e as nações indígenas vêm se relacionando? Por exemplo, com os ambientalistas e os que costumamos chamar de ecologistas?
Os ambientalistas, os ecologistas, assim como os partidos, não têm ainda uma identidade clara. Existe muita declaração de intenção e muito pouca história. Nós nos aproximamos com cuidado dos tais ambientalistas e ecologistas, não com preconceitos, mas com cautela, porque nós queremos ver quem está fazendo declaração de intenção e quem sabe realmente o que está fazendo e tem propósitos de ir além da conversa fiada.

E o que é o movimento, a aliança dos povos da floresta?
A aliança dos povos da floresta é o contraponto disso tudo que nós estamos falando. A aliança dos povos da floresta se dá quando o povo indígena vê o seringueiro – que também está no seu habitat -, a sua prática, a sua vida, a sua luta e junta a sua luta para proteger aquela região. É quando índios e seringueiros vão para uma região onde uma grande empresa como a Bordon está fazendo um desmatamento com incentivos fiscais do governo. Vão acabar com as castanheiras, com as seringueiras. Os índios e os seringueiros se juntam e bloqueiam esse processo, interditando o desmatamento… Os índios, os ribeirinhos e os seringueiros, estão acolhendo, adotando, os colonos como alguém que tem que ser educado. Uma parte deles já está preparada. Mas a grande maioria dos colonos é rebelde, porque foi educada pelo pensamento predatório. Eles estão imitando os grandes fazendeiros. Quando conseguem um lote ou uma gleba do INCRA, eles desmatam a metade – a lei permite – e vendem toda a madeira. Com esse dinheirinho, eles operam um, dois ou três anos. O colono degrada o solo e não tem mais dinheiro para continuar fazendo uma agricultura intensiva. Ele não pode tomar empréstimos do banco, nem receber os incentivos do governo. Então, ele vende a gleba depois do quarto ou quinto ano de titulação para um outro cara, que assim pode desmatar a outra metade. Na terceira venda do lote, a terra está pelada. O terceiro cara vende a terra para um grande proprietário, que a reincorpora ao latifúndio. Eu sei que tem muita gente que analisa e estuda o problema fundiário no Brasil, mas parece que ainda não conseguiram enxergar como a terra fica sempre na mão do latifundiário, mesmo quando se tenta fazer uma reforma agrária. O colono não está preparado para ter terra; ele a entrega para o patrão de novo. Quando a UDR fala isso, todo mundo fica nervoso e declara que a UDR manipula e é mentirosa. Nós estamos falando isso de experiência pró. Alguns vizinhos de áreas indígenas eram beneficiados com a reforma agrária, e cinco anos depois entregaram as terras para grandes proprietários, que incorporaram dezenas de glebas.

E como vocês se aproximam dos colonos nesse trabalho? Qual é a alternativa de tratamento da questão que vocês sugerem? E para a própria questão fundiária?
Bem, se observarmos a própria aliança que envolve índios e seringueiros, poderemos dar um exemplo muito concreto de como isso avança. Os seringueiros que foram colonizar a Amazônia eram os colonos do final do século passado. Eles eram levados pelo governo para expulsar os índios e instalar os seringais. Os patrões que tinham os barracões e incorporaram os seringueiros como trabalhadores patrocinavam as “correrias”, que eram as grandes blitze nas áreas indígenas. Expulsavam, matavam índios e incorporavam os sobreviventes como mão-de-obra do seringal, que anteriormente era território indígena. O patrão se estabelecia ali, abastecia os seringueiros, e criava o regime de barracão, no qual a produção do seringal se afinava com a atividade econômica, recebendo incentivos fiscais, infra-estrutura e financiamento. O governo federal chegou a criar vários programas de caráter nacional como incentivo a essa atividade de produção de borracha. Quando o povo indígena, em especial no Acre e no sul do Amazonas, iniciou a retomada dos territórios, principalmente no início da década de 70, isso provocou conflitos com os seringalistas – aqueles caras que não botam a mão na massa, mas manipulam os seringueiros. Nossas comunidades não foram para um conflito aberto com os seringueiros. Houve um primeiro período de coexistência pacífica, que evoluiu para atividades conjuntas, mandando delegações de índios e seringueiros para Brasília para discutir com o governo federal o reconhecimento dessas áreas indígenas e dos seringais. Até então os seringueiros não sabiam como resolver a questão da posse da terra. Antes eles tinham um patrão que era dono do seringal inteiro, onde dezenas de famílias de seringueiros operavam. Quando eles suprimiram o patrão, apareceu a tendência de cada um deles ter um lote. As lideranças indígenas começaram a mostrar que, se cada um deles tivesse um lote, dali a dez anos estaria tudo na mão dos patrões de novo. Porque eles não iam der comercializar os seus produtos. Eles não tinham uma experiência produtiva construída. As comunidades indígenas começaram a fazer trabalhos conjuntos com os seringueiros, mostrando como se pode viver na floresta. Parte desse aprendizado eles tinham realizado, porque muitas daquelas famílias já estavam lá há mais de um século e incorporaram muitos valores da tradição indígena. Os seus hábitos alimentares incorporaram enorme quantidade de alimentos indígenas. Sua prática de coleta e de caça já está sendo determinada por ciclos culturais e não mais por necessidade econômica. Nós fomos identificando que aquele povo estava migrando para uma prática cultural muito próxima da nossa e que podia ser nosso aliado. Foi quando os seringueiros perceberam que não queriam lotes mas reservas extrativistas. Por que reservas? Porque a reserva extrativista era a maneira de dezenas de famílias de seringueiros terem assegurado seu acesso à terra, dispensando a propriedade. Os seringueiros não são proprietários das reservas extrativistas, e sim seus habitantes. Mas não era simples coletivização. Se você pegar um monte de gente que está nas favelas em torno de São Paulo, dez milhões de hectares de terra, e colocar todos lá, eles não só vão vender todos os lotes como se matar em poucos meses.

Ao nível da estrutura da propriedade, seria uma visão mais de coletivização da terra do que de apropriação e coletivização de espaços?
Está mais próximo disso. É respeito ao planeta Terra. Porque se os homens não conseguirem entender que o lugar em que nós vivemos não pode ser tomado como propriedade, eles vão continuar quebrando a cara. Nossas tribos nunca aceitaram ser proprietárias de seus territórios. Você habita aquele lugar, o defende e protege. Mas você não o defende como propriedade, e sim como habitat. Quando nós fazemos a defesa dos nossos territórios, estamos utilizando o sentido mais completo da palavra “territorialidade”, que envolve um povo, uma tradição, uma cultura, um ecossistema.

Agora, Ailton, e esses grandes grupos econômicos, essas grandes empresas que estão se instalando por aí, qual vai ser o fim deles?
Essas grandes empresas, esses grandes grupos econômicos estão manipulando isso de forma muito astuta. Quando fazem um investimento fantástico, eles o mantêm por um período determinado. Nenhum desses grandes grupos se instala em regiões como o Centro-Oeste ou a Amazônia em caráter permanente. Eles especulam com a ocupação territorial em períodos claramente determinados. Tanto que existem grupos que se instalam nessas regiões considerando que o filé mignon de sua atividade será o desmatamento. Imediatamente após o desmatamento – com o qual ele irá faturar bilhões de dólares vendendo madeira – fará uma monocultura intensiva com maquinário, equipamentos e incentivos fiscais. Quando a terra finalmente entra no estoque de terras que o Estado pode colocar à disposição dos trabalhadores, ela já virou um bagaço. É assim que é feita a história da teria.

O ponto de partida é a predação.
Isso mesmo. Os grandes investimentos são como grandes abutres, porque têm um procedimento predatório horrível.

Agora, dá para dar exemplos de empresas que estão fazendo isso em regiões aqui do Brasil, no Centro-Oeste, no Norte?
Há vários. São grupos empresariais daqui do Sul, especialmente do Paraná, que estão investindo hoje na Amazônia com a seguinte estratégia: escolhem uma região de floresta tropical preservada, com muitos recursos naturais e terra fértil. Depois, montam um programa cuja fachada é de industrialização, de montar um parque industrial. Como uma fábrica para o preparo do papel. O projeto dele supõe infra-estrutura industrial, mão-de-obra. Vai haver empregos. Esse aspecto social do projeto da empresa é o primeiro critério para tomar grana; então, ele toma grana dos incentivos fiscais. Ele não tem um centavo na mão, mas pega bilhões de cruzados para o projeto que ainda está no papel. O governo, além dos incentivos fiscais, dá a facilidade para ele obter grandes extensões de terra para se instalar. A primeira condição para poder implantar o projeto é devastar aquele lugar, ou seja, desmatar. O primeiro proveito que ele tem quando desmata: não gasta um centavo, mas já toma os produtos que havia na floresta como mercadoria. Ele já acumulou os incentivos fiscais e o lucro que teve com o desmatamento. Não investiu um centavo ainda, mas já está com bilhões de cruzados aplicados no mercado financeiro. Esses grupos do Paraná estão agindo especialmente no vale do Jaguari. Agora, estão entrando no Purus e no Juruá e no sul do Amazonas. E ainda conseguem recursos do governo para a infra-estrutura dos projetos. A infra-estrutura pode ser estradas, hidroelétricas e projetos de núcleos habitacionais para instalar a mão-de-obra. Então, esse conjunto de necessidades inventadas em torno do projeto significa investimentos que geram subsídios. Muitas vezes, quando aquele grupo está com a estrutura semimontada, o jogo político de Brasília se altera, o cara entra em desgraça e o projeto vai à falência. Só que aquela experiência redundou na destruição de sua área, na expulsão de várias famílias e na morte de índios, de seringueiros, de ribeirinhos, bem como na expulsão de animais da região e no deslocamento de famílias inteiras que foram para lá. Isso provoca uma clareira no meio da floresta. Esse procedimento acontece e se repete com um descaramento e uma permanência terríveis.

A aliança dos povos da floresta discute essas questões?
Nós tratamos essas questões como prioridade. Nós devemos ter alternativas gerais para as nossas populações diante dessas ameaças. Quando vamos discutir com o governo, não estamos discutindo apenas no sentido de que ele cesse o favorecimento a esses grandes grupos, mas de que respeite o modelo de ocupação diferenciada que estamos imprimindo nessas regiões.

Existem outros segmentos que participam dessa aliança? E no que consiste a aliança propriamente: ela tem um conselho de representação, é um movimento?
A aliança dos povos da florestal uma iniciativa da UNI e do Conselho Nacional dos Seringueiros, que inclui as populações ribeirinhas e comunidades de colonos, mas que não têm ainda uma presença tão expressiva quanto a dos índios e seringueiros. A coordenação da aliança dos povos da floresta é constituída por representantes indígenas, seringueiros e ribeirinhos. É um conselho de representantes. Nós temos pontos em que andamos juntos, mas cada uma das nossas populações tem a sua identidade própria.

Gostaria que você falasse um pouco de como as nações indígenas têm visto o Calha Norte. Como isso tem funcionado?
Eu acredito que o projeto Calha Norte foi uma das primeiras ideias efetivas do governo brasileiro, no sentido de dar um novo tratamento para a questão das populações indígenas, mas foi seguido de outras medidas como o programa Nossa Natureza, que desenvolve e avança alguns conceitos que estão no Calha Norte e outros projetos setoriais do governo. Esse conjunto de medidas configura um novo quadro de relação do Estado com as populações indígenas, no qual as medidas e as providências do Estado são determinadas por um diagnóstico definitivo. Segundo esse diagnóstico, as comunidades indígenas são de interesse da segurança nacional. O Estado nunca havia declarado isso. Agora ele o faz. Em segundo lugar, afirma que as comunidades indígenas têm bloqueado o processo de desenvolvimento e criado dificuldades para a plena implementação das políticas de consolidação da soberania nacional. Esse é o diagnóstico. Então o governo vai tomando providências. A providência que o Calha Norte indicava era a necessidade de trabalhar com as populações indígenas que estão na faixa de fronteira norte do Brasil, na faixa de fronteira da Amazônia com os países vizinhos, no sentido de criar um amortecedor de choque entre essas comunidades indígenas. Criar núcleos populacionais que absorvessem a atenção dos indíos, para que eles não ficassem migrando para regiões vizinhas. Diminuir a intensidade de contato dos índios que estão na fronteira do Brasil com os do lado de lá das fronteiras da Colômbia, da Venezuela, da Bolívia, do Peru, das Guianas. Esses países vivem intensa atividade política e, em alguns casos, mencionam até atividades subversivas, que poderiam contaminar a convivência dos índios com o governo brasileiro. Então, as providências são no sentido de instalar núcleos populacionais com brancos, com brasileiros confiáveis. Instalar regimentos militares próximos dessas áreas, para ir fazendo a retificação da fronteira. Instalar núcleos comerciais e linhas de abastecimento para essas regiões, através da Cobal, Caixa Econômica, bancos, serviço telefônico. Estender a malha viária a essas regiões isoladas do país, para que elas se integrem no mercado. Essas são providências de caráter prático. Existem outras de caráter mais político e até social: iniciar a incorporação dessas comunidades ao processo de desenvolvimento nacional; alfabetizar as crianças em língua portuguesa, já que há uma centena de línguas estranhas que são faladas ali; e levar a televisão. Hoje, se você chegar lá na fronteira do Brasil com a Colômbia, em São Gabriel da Cachoeira, lá no alto rio Negro, os índios já podem receber as emissoras de TV daqui do Sul. Tudo isso com o fim de incorporar essas comunidades ao ideário nacional. O programa Nossa Natureza vem atualizar as providências do governo com relação àquela região, prevendo medidas que seriam de caráter administrativo, no sentido de fazer o real ordenamento territorial da Amazônia. Dentro desse programa, estaria um levantamento ou um estudo eco-agro-ecológico que analisaria a compatibilidade dessas regiões com determinadas práticas econômicas – por exemplo, inventariar as regiões de províncias minerais e direcionar para ali, de forma organizada e racional, segundo o governo, a atividade de exploração mineral. Expandir as fronteiras da exploração mineral da atividade de metalúrgica; levar para lá, por exemplo, o parque siderúrgico: alumínio, ferro etc. A partir do momento em que esses lugares estiverem ocupados, começa o chamamento ao capital para investir. Descobrir as áreas aptas para a agricultura, para que também os grandes investimentos do setor possam ser direcionados; retificar as áreas de preservação ambiental para que também as preocupações planetárias com o meio ambiente possam direcionar os investimentos para a preservação daquelas regiões. Hoje, o governo brasileiro sabe que da mesma maneira que ele pode captar recursos para o setor mineral ou para o setor de investimentos em pecuária, em agricultura, é possível captar também grandes volumes de recursos a pretexto de proteção ambiental. Junto a organismos institucionais o governo consegue grandes empréstimos e até investimentos a fundo perdido, para preservar o meio ambiente.

Alípio Freire é membro do Conselho de Redação de Teoria & Debate.

Eugenio Bucci é editor de Teoria & Debate.

How Inuit Parents Teach Kids To Control Their Anger (NPR)

Goats and Soda STORIES OF LIFE IN A CHANGING WORLD

The Other Side of Anger

March 13, 20199:01 AM ET

Michaeleen Doucleff and Jane Greenhalgh

For more than 30 years, the Inuit welcomed anthropologist Jean Briggs into their lives so she could study how they raise their children. Briggs is pictured during a 1974 visit to Baffin Island. Jean Briggs Collection / American Philosophical Society

For more than 30 years, the Inuit welcomed anthropologist Jean Briggs into their lives so she could study how they raise their children. Briggs is pictured during a 1974 visit to Baffin Island. Jean Briggs Collection / American Philosophical Society

Back in the 1960s, a Harvard graduate student made a landmark discovery about the nature of human anger.

At age 34, Jean Briggs traveled above the Arctic Circle and lived out on the tundra for 17 months. There were no roads, no heating systems, no grocery stores. Winter temperatures could easily dip below minus 40 degrees Fahrenheit.

Briggs persuaded an Inuit family to “adopt” her and “try to keep her alive,” as the anthropologist wrote in 1970.

At the time, many Inuit families lived similar to the way their ancestors had for thousands of years. They built igloos in the winter and tents in the summer. “And we ate only what the animals provided, such as fish, seal and caribou,” says Myna Ishulutak, a film producer and language teacher who lived a similar lifestyle as a young girl.

Briggs quickly realized something remarkable was going on in these families: The adults had an extraordinary ability to control their anger.

“They never acted in anger toward me, although they were angry with me an awful lot,” Briggs told the Canadian Broadcasting Corp. in an interview.

Myna Ishulutak (upper right, in blue jacket) lived a seminomadic life as a child. Above: photos of the girl and her family in the hunting camp of Qipisa during the summer of 1974. Jean Briggs Collection / American Philosophical Society

Even just showing a smidgen of frustration or irritation was considered weak and childlike, Briggs observed.

For instance, one time someone knocked a boiling pot of tea across the igloo, damaging the ice floor. No one changed their expression. “Too bad,” the offender said calmly and went to refill the teapot.

In another instance, a fishing line — which had taken days to braid — immediately broke on the first use. No one flinched in anger. “Sew it together,” someone said quietly.

By contrast, Briggs seemed like a wild child, even though she was trying very hard to control her anger. “My ways were so much cruder, less considerate and more impulsive,” she told the CBC. “[I was] often impulsive in an antisocial sort of way. I would sulk or I would snap or I would do something that they never did.”

Briggs, who died in 2016, wrote up her observations in her first book, Never in Anger. But she was left with a lingering question: How do Inuit parents instill this ability in their children? How do Inuit take tantrum-prone toddlers and turn them into cool-headed adults?

Then in 1971, Briggs found a clue.

She was walking on a stony beach in the Arctic when she saw a young mother playing with her toddler — a little boy about 2 years old. The mom picked up a pebble and said, “‘Hit me! Go on. Hit me harder,'” Briggs remembered.

The boy threw the rock at his mother, and she exclaimed, “Ooooww. That hurts!”

Briggs was completely befuddled. The mom seemed to be teaching the child the opposite of what parents want. And her actions seemed to contradict everything Briggs knew about Inuit culture.

“I thought, ‘What is going on here?’ ” Briggs said in the radio interview.

Turns out, the mom was executing a powerful parenting tool to teach her child how to control his anger — and one of the most intriguing parenting strategies I’ve come across.

Iqaluit, pictured in winter, is the capital of the Canadian territory of Nunavut. Johan Hallberg-Campbell for NPR

No scolding, no timeouts

It’s early December in the Arctic town of Iqaluit, Canada. And at 2 p.m., the sun is already calling it a day. Outside, the temperature is a balmy minus 10 degrees Fahrenheit. A light snow is swirling.

I’ve come to this seaside town, after reading Briggs’ book, in search of parenting wisdom, especially when it comes to teaching children to control their emotions. Right off the plane, I start collecting data.

I sit with elders in their 80s and 90s while they lunch on “country food” —stewed seal, frozen beluga whale and raw caribou. I talk with moms selling hand-sewn sealskin jackets at a high school craft fair. And I attend a parenting class, where day care instructors learn how their ancestors raised small children hundreds — perhaps even thousands — of years ago.

The elders of Iqaluit have lunch at the local senior center. On Thursdays, what they call “country food” is on the menu, things like caribou, seal and ptarmigan. Johan Hallberg-Campbell for NPR

Across the board, all the moms mention one golden rule: Don’t shout or yell at small children.

Traditional Inuit parenting is incredibly nurturing and tender. If you took all the parenting styles around the world and ranked them by their gentleness, the Inuit approach would likely rank near the top.(They even have a special kiss for babies, where you put your nose against the cheek and sniff the skin.)

The culture views scolding — or even speaking to children in an angry voice — as inappropriate, says Lisa Ipeelie, a radio producer and mom who grew up with 12 siblings. “When they’re little, it doesn’t help to raise your voice,” she says. “It will just make your own heart rate go up.”

Even if the child hits you or bites you, there’s no raising your voice?

“No,” Ipeelie says with a giggle that seems to emphasize how silly my question is. “With little kids, you often think they’re pushing your buttons, but that’s not what’s going on. They’re upset about something, and you have to figure out what it is.”

Traditionally, the women and children in the community eat with an ulu knife. Johan Hallberg-Campbell for NPR

Traditionally, the Inuit saw yelling at a small child as demeaning. It’s as if the adult is having a tantrum; it’s basically stooping to the level of the child, Briggs documented.

Elders I spoke with say intense colonization over the past century is damaging these traditions. And, so, the community is working hard to keep the parenting approach intact.

Goota Jaw is at the front line of this effort. She teaches the parenting class at the Arctic College. Her own parenting style is so gentle that she doesn’t even believe in giving a child a timeout for misbehaving.

“Shouting, ‘Think about what you just did. Go to your room!’ ” Jaw says. “I disagree with that. That’s not how we teach our children. Instead you are just teaching children to run away.”

And you are teaching them to be angry, says clinical psychologist and author Laura Markham. “When we yell at a child — or even threaten with something like ‘I’m starting to get angry,’ we’re training the child to yell,” says Markham. “We’re training them to yell when they get upset and that yelling solves problems.”

In contrast, parents who control their own anger are helping their children learn to do the same, Markham says. “Kids learn emotional regulation from us.”

I asked Markham if the Inuit’s no-yelling policy might be their first secret of raising cool-headed kids. “Absolutely,” she says.

Playing soccer with your head

Now at some level, all moms and dads know they shouldn’t yell at kids. But if you don’t scold or talk in an angry tone, how do you discipline? How do you keep your 3-year-old from running into the road? Or punching her big brother?

For thousands of years, the Inuit have relied on an ancient tool with an ingenious twist: “We use storytelling to discipline,” Jaw says.

Jaw isn’t talking about fairy tales, where a child needs to decipher the moral. These are oral stories passed down from one generation of Inuit to the next, designed to sculpt kids’ behaviors in the moment.Sometimes even save their lives.

For example, how do you teach kids to stay away from the ocean, where they could easily drown? Instead of yelling, “Don’t go near the water!” Jaw says Inuit parents take a pre-emptive approach and tell kids a special story about what’s inside the water. “It’s the sea monster,” Jaw says, with a giant pouch on its back just for little kids.

“If a child walks too close to the water, the monster will put you in his pouch, drag you down to the ocean and adopt you out to another family,” Jaw says.

“Then we don’t need to yell at a child,” Jaw says, “because she is already getting the message.”

Inuit parents have an array of stories to help children learn respectful behavior, too. For example, to get kids to listen to their parents, there is a story about ear wax, says film producer Myna Ishulutak.

“My parents would check inside our ears, and if there was too much wax in there, it meant we were not listening,” she says.

And parents tell their kids: If you don’t ask before taking food, long fingers could reach out and grab you, Ishulutak says.

Inuit parents tell their children to beware of the northern lights. If you don’t wear your hat in the winter, they’ll say, the lights will come, take your head and use it as a soccer ball! Johan Hallberg-Campbell for NPR

Then there’s the story of northern lights, which helps kids learn to keep their hats on in the winter.

“Our parents told us that if we went out without a hat, the northern lights are going to take your head off and use it as a soccer ball,” Ishulutak says. “We used to be so scared!” she exclaims and then erupts in laughter.

At first, these stories seemed to me a bit too scary for little children. And my knee-jerk reaction was to dismiss them. But my opinion flipped 180 degrees after I watched my own daughter’s response to similar tales — and after I learned more about humanity’s intricate relationship with storytelling.

Oral storytelling is what’s known as a human universal. For tens of thousands of years, it has been a key way that parents teach children about values and how to behave.

Modern hunter-gatherer groups use stories to teach sharing, respect for both genders and conflict avoidance, a recent study reported, after analyzing 89 stories from nine different tribes in Southeast Asia and Africa. With the Agta, a hunter-gatherer population of the Philippines, good storytelling skills are prized more than hunting skills or medicinal knowledge, the study found.

Today many American parents outsource their oral storytelling to screens. And in doing so, I wonder if we’re missing out on an easy — and effective — way of disciplining and changing behavior. Could small children be somehow “wired” to learn through stories?

Inuit parenting is gentle and tender. They even have a special kiss for kids called kunik. (Above) Maata Jaw gives her daughter the nose-to-cheek Inuit sniff. Johan Hallberg-Campbell for NPR

“Well, I’d say kids learn well through narrative and explanations,” says psychologist Deena Weisberg at Villanova University, who studies how small children interpret fiction. “We learn best through things that are interesting to us. And stories, by their nature, can have lots of things in them that are much more interesting in a way that barestatements don’t.”

Stories with a dash of danger pull in kids like magnets, Weisberg says. And they turn a tension-ridden activity like disciplining into a playful interaction that’s — dare, I say it — fun.

“Don’t discount the playfulness of storytelling,” Weisberg says. “With stories, kids get to see stuff happen that doesn’t really happen in real life. Kids think that’s fun. Adults think it’s fun, too.”

Why don’t you hit me?

Inuit filmmaker and language teacher Myna Ishulutak as a little girl. Anthropologist Jean Briggs spent six months with the family in the 1970s documenting the child’s upbringing. Jean Briggs Collection / American Philosophical Society

Back up in Iqaluit, Myna Ishulutak is reminiscing about her childhood out on the land. She and her family lived in a hunting camp with about 60 other people. When she was a teenager, her family settled in a town.

“I miss living on the land so much,” she says as we eat a dinner of baked Arctic char. “We lived in a sod house. And when we woke up in the morning, everything would be frozen until we lit the oil lamp.”

I ask her if she’s familiar with the work of Jean Briggs. Her answer leaves me speechless.

Ishulutak reaches into her purse and brings out Briggs’ second book, Inuit Morality Play, which details the life of a 3-year-old girl dubbed Chubby Maata.

“This book is about me and my family,” Ishulutak says. “I am Chubby Maata.”

In the early 1970s, when Ishulutak was about 3 years old, her family welcomed Briggs into their home for six months and allowed her to study the intimate details of their child’s day-to-day life.

Myna Ishulutak today in Iqaluit, Canada. As the mother of two grown boys, she says, “When you’re shouting at them all the time they tend to kind of block you. So there’s a saying: ‘Never shout at them.’ ” Johan Hallberg-Campbell for NPR

What Briggs documented is a central component to raising cool-headed kids.

When a child in the camp acted in anger — hit someone or had a tantrum — there was no punishment. Instead, the parents waited for the child to calm down and then, in a peaceful moment, did something that Shakespeare would understand all too well: They put on a drama. (As the Bard once wrote, “the play’s the thing wherein I’ll catch the conscience of the king.”)

“The idea is to give the child experiences that will lead the child to develop rational thinking,” Briggs told the CBC in 2011.

In a nutshell, the parent would act out what happened when the child misbehaved, including the real-life consequences of that behavior.

The parent always had a playful, fun tone. And typically the performance starts with a question, tempting the child to misbehave.

For example, if the child is hitting others, the mom may start a drama by asking: “Why don’t you hit me?”

Then the child has to think: “What should I do?” If the child takes the bait and hits the mom, she doesn’t scold or yell but instead acts out the consequences. “Ow, that hurts!” she might exclaim.

The mom continues to emphasize the consequences by asking a follow-up question. For example: “Don’t you like me?” or “Are you a baby?” She is getting across the idea that hitting hurts people’s feelings, and “big girls” wouldn’t hit. But, again, all questions are asked with a hint of playfulness.

The parent repeats the drama from time to time until the child stops hitting the mom during the dramas and the misbehavior ends.

Ishulutak says these dramas teach children not to be provoked easily. “They teach you to be strong emotionally,” she says, “to not take everything so seriously or to be scared of teasing.”

Psychologist Peggy Miller, at the University of Illinois, agrees: “When you’re little, you learn that people will provoke you, and these dramas teach you to think and maintain some equilibrium.”

In other words, the dramas offer kids a chance to practice controlling their anger, Miller says, during times when they’re not actually angry.

This practice is likely critical for children learning to control their anger. Because here’s the thing about anger: Once someone is already angry, it is not easy for that person to squelch it — even for adults.

“When you try to control or change your emotions in the moment, that’s a really hard thing to do,” says Lisa Feldman Barrett, a psychologist at Northeastern University who studies how emotions work.

But if you practice having a different response or a different emotion at times when you’re not angry, you’ll have a better chance of managing your anger in those hot-button moments, Feldman Barrett says.

“That practice is essentially helping to rewire your brain to be able to make a different emotion [besides anger] much more easily,” she says.

This emotional practice may be even more important for children, says psychologist Markham, because kids’ brains are still developing the circuitry needed for self-control.

“Children have all kinds of big emotions,” she says. “They don’t have much prefrontal cortex yet. So what we do in responding to our child’s emotions shapes their brain.”

A lot has changed in the Arctic since the Canadian government forced Inuit families to settle in towns. But the community is trying to preserve traditional parenting practices. Johan Hallberg-Campbell for NPR

Markham recommends an approach close to that used by Inuit parents. When the kid misbehaves, she suggests, wait until everyone is calm. Then in a peaceful moment, go over what happened with the child. You can simply tell them the story about what occurred or use two stuffed animals to act it out.

“Those approaches develop self-control,” Markham says.

Just be sure you do two things when you replay the misbehavior, she says. First, keep the child involved by asking many questions. For example, if the child has a hitting problem, you might stop midway through the puppet show and ask,”Bobby, wants to hit right now. Should he?”

Second, be sure to keep it fun. Many parents overlook play as a tool for discipline, Markham says. But fantasy play offers oodles of opportunities to teach children proper behavior.

“Play is their work,” Markham says. “That’s how they learn about the world and about their experiences.”

Which seems to be something the Inuit have known for hundreds, perhaps even, thousands of years.

Inuit parents value the playful side of kids even when disciplining them. Above: Maata Jaw and daughter. Johan Hallberg-Campbell for NPR

This story is part of a series from NPR’s Science desk called The Other Side of Anger. There’s no question we are in angry times. It’s in our politics, our schools and homes. Anger can be a destructive emotion, but it can also be a positive force.

Join NPR in our exploration of anger and what we can learn from this powerful emotion. Read and listen to stories in the series here.

Líder indígena Ailton Krenak vence prêmio Juca Pato de intelectual do ano (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

Autor de “A Vida Não É Útil” foi escolhido pela União Brasileira de Escritores

27.set.2020


O líder indígena e escritor Ailton Krenak foi o vencedor da edição deste ano do prêmio Juca Pato, concedido pela União Brasileira de Escritores.

O autor de “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” e do recente “A Vida Não É Útil”, editados pela Companhia das Letras, foi escolhido como intelectual do ano por votação do grupo.

O Juca Pato premia autores que tenham publicado obras de repercussão nacional, em qualquer área do conhecimento, que contribuíram para o desenvolvimento do país e da democracia.

Nos últimos anos, condecorou nomes como Ignácio de Loyola Brandão, Luiz Carlos Bresser-Pereira e Milton Hatoum.

Krenak concorria contra finalistas como os jornalistas Eliane Brum e Laurentino Gomes, a escritora Maria Valéria Rezende e a filósofa Djamila Ribeiro, colunista deste jornal.

O prêmio está programado para ser entregue em dezembro, em local ainda a ser definido.

A Ciência Política brasileira também odeia os povos indígenas? (Boletim Lua Nova)

Leonardo Barros Soares[1]

No fim de 2016, o cientista político professor da universidade de Wisconsin-Milwalkee, Kennan Ferguson, publicou um artigo na revista da American Political Science Association com o título provocativo “ Why does Political Science hate American Indians?” (“Por que a Ciência Política odeia os índios norte-americanos?”, em tradução livre). O texto é uma espécie de ensaio crítico que parte do que o autor considera verdades incontroversas: 1. Há poucos professores indígenas nos departamentos de Ciência Política dos EUA; 2. Poucos assuntos indígenas são tomados, por cientistas políticos, como assuntos políticos importantes; 3. Poucos pontos de vistas de povos indígenas são considerados criticamente dentro da disciplina e; 4. Poucos intelectuais, acadêmicos ou discursos de ativistas indígenas são parte dos programas dos cursos da área.

Não é preciso uma investigação de muita envergadura para constatar que estes pontos se aplicam integralmente ao caso brasileiro. Você, cientista político que me lê, conhece algum colega professor que é indígena? Considera que a política indigenista ou qualquer outro tema ligado aos povos indígenas brasileiros é importante? Os pontos de vista indígenas estão incluídos criticamente em nossos programas de cursos? Se a resposta é negativa a todas essas perguntas – como eu tenho certeza de que são – talvez caiba perguntar, ecoando o texto de Ferguson: a Ciência Política brasileira também odeia os povos indígenas do país?

Nesse texto, busco apresentar brevemente as oito hipóteses de trabalho levantadas por Ferguson no referido texto para explicar o que ele denomina de “processo de eliminação” dos povos indígenas do radar disciplinar da Ciência Política. Devido ao escopo exíguo, o intuito aqui é tão somente o de iniciar algum debate entre nós. Em que pese o fato de que foram pensadas a partir da percepção de Ferguson para os Estados Unidos, como veremos a seguir, as reflexões do autor se aplicam, quase que sem necessidade de qualquer mediação, para o caso brasileiro.  

Antes de adentrarmos na lista de hipóteses, duas palavras. Primeiramente, está para ser publicado na Revista Brasileira de Ciência Política meu artigo no qual traço um amplo diagnóstico do desinteresse da Ciência Política sobre questões indígenas. Nele também demonstro que há exemplos muito interessantes de cientistas políticos não- indígenas e indígenas – sim, eles existem, mas ainda não aqui no Brasil- fazendo trabalhos excepcionais no Canadá, país que parece ser o exemplo também para Ferguson. Aliás, cabe ressaltar que a Canadian Political Science Association talvez seja a única associação profissional do campo que tem um comitê de reconciliação com os povos indígenas do país e que oferece um conjunto de referências sistematizadas para que os professores possam incluir em seus cursos. “Fica a dica” para a Associação Brasileira de Ciência Política, e para conferirem o artigo.

Em segundo lugar,  é forçoso reconhecer que as hipóteses de Ferguson são mais amplas do que as que eu estava desenvolvendo até o momento. Eu julgava que a Ciência Política brasileira não se interessava por povos indígenas basicamente por três motivos: 1. O processo progressivo de especialização das disciplinas científicas e a consequente eleição de certos “objetos” de pesquisa canônicos, quando a questão indígena virou tema cativo da antropologia; 2. O proverbial internalismo da disciplina, ou seja, sua dificuldade de dialogar com outros campos do conhecimento, especialmente a antropologia nacional e; 3. Racismo e ignorância puras e simples, fruto do completo desconhecimento da história e do presente dos povos indígenas brasileiros, o que facilita a perpetuação de uma série de estereótipos perniciosos ligados a uma suposta arcaicidade do modo de fazer política indígena.

Como veremos a seguir, há mais razões do que essas por mim elencadas. Vamos a elas.

As hipóteses de Ferguson sobre o processo de eliminação da temática indígena do campo disciplinar da Ciência Política

  1. A disciplina é estruturada em torno do conceito de estado-nação, um conceito amarrado em torno de uma série de premissas sobre soberania territorial que exclui as vítimas do colonialismo: O conceito de estado-nação é certamente um dos mais importantes e centrais do campo, tomado como unidade de análise precípua de estudos quantitativos e qualitativos de todos os tipos. Ferguson chama a atenção para a necessidade de que falta à disciplina uma reflexão mais profunda e crítica sobre o conceito, de modo a trazer à baila a violência do processo colonial que expulsou indígenas de seus territórios tradicionais e exterminou-os quando possível. Ademais, um conceito monolítico de soberania territorial exclui da equação política o fato de que muitos povos indígenas nunca foram “conquistados” ou “cederam” suas terras para a potência colonizadora, e que remanescem se autocompreendendo como nações soberanas que têm direito a algum grau de controle sobre o território em que habitam. Colega cientista político, você conhece e saberia  elencar os povos indígenas brasileiros e suas reivindicações por soberania territorial?
  2. A Ciência Política sofre de um viés anti-histórico: segundo o autor, a Ciência Política mainstream tem uma parca compreensão dos fenômenos históricos e dificuldade de trabalhar com um conceito de “historicidade rica”. Ademais, ao se aproximar de disciplinas como a Economia, busca mais capacidade preditiva sobre o futuro do que a investigação consequente do passado. Por fim, em suas palavras, “a história para a Ciência Política é o historicismo Whig, uma forma de contar os eventos do passado como um conto procedimental de progressivo acúmulo de riqueza, felicidade e equidade” (p.1032, tradução nossa). Mais uma vez, você seria capaz de falar da história da relação do Estado brasileiro com os povos indígenas e sua evolução ao longo dos séculos?
  3. A política dos grupos de interesse é o tema central para a Ciência Política e, sob esse prisma, os povos indígenas são apenas mais um grupo de interesse: enxergar os povos indígenas como um grupo de interesse “a mais” dentre os demais grupos políticos tem o condão de minimizar a distinção de suas demandas políticas. Estas, grosso modo, são caracterizadas, sobretudo, pela luta pelo reconhecimento de sua legitimidade enquanto atores que almejam deter algum grau de autodeterminação cultural e material em face à pressão por seu desaparecimento ou integração forçada à sociedade colonizadora. Caracterizados assim, grupos indígenas podem facilmente ser integrados a esquemas analíticos em pesquisas sobre “não-brancos”, o que diminui a capacidade de entendimento de suas demandas específicas. Você sabe qual é a pauta de reivindicações da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil?
  4. A centralidade de análises a partir do sistema legal da sociedade nacional exclui as investigações sobre os sistemas legais criados pelos povos indígenas: Em que pese o fato de que o debate recente sobre o chamado Novo Constitucionalismo Latino-Americano tenha colocado em evidênciaas novas constituições da região que, em larga medida, incluíram dispositivos relativos aos direitos dos povos indígenas, a perspectiva de que cientistas políticos trabalhariam com outro paradigma constitucional que não do estado-nação é, para dizer o mínimo, pouco plausível. O debate sobre sistemas legais criados por povos indígenas ainda está confinado a algumas pesquisas no campo do Direito no Brasil e mais avançada em outros países. Colega cientista político, você conhece algum sistema legal instituído por algum povo indígena? Esses códigos legais são escritos ou orais? Em que medida eles se relacionam com o sistema político e jurídico da sociedade circundante?
  5. Mesmo as disciplinas potencialmente mais abertas a receberem contribuições indígenas estão eivadas pelo pressuposto da superioridade europeia: Ferguson argumenta que há dois pressupostos conectados em certas disciplinas do currículo dos cientistas políticos  que facilitam a exclusão dos povos indígenas: a ideia de que autores europeus construíram conceitos universais inquestionáveis e; a ideia de que o conhecimento válido é aquele em formato de texto, o que exclui toda a reflexão política indígena incorporada, por exemplo, em forma de pinturas, cantos ou objetos artesanais. De fato, hoje parece mais comum que o chamado “pensamento decolonial” se torne uma disciplina à parte no currículo dos cientistas políticos do que um componente que atravessa “por dentro” as formulações clássicas de autores tais como Locke, Hobbes e Rousseau. Por outro lado, também parece impensável a ideia de questionar o conceito de soberania territorial a partir, digamos, da exegese de uma “Wampum Belt” (cordões de contas utilizadas por indígenas canadenses para celebrar a realização de um tratado com a coroa britânica). Ou você, colega cientista político, está disposto a mergulhar profundamente no significado político das pinturas corporais de um determinado povo indígena para produzir conhecimento a partir dessa perspectiva?
  6. As categorias consideradas políticas por excelência são de difícil tradução para os contextos indígenas: categorias tais como “líder político”, ou “propriedade fundiária individual”, por exemplo, são inexistentes em muitos povos indígenas. Cientistas políticos normalmente são ávidos por esculpir variáveis independentes e dependentes claramente separadas uma das outras, ou trabalhar com atores e instituições políticas monolíticas, artifícios redutores da complexidade inerente à organização política dos povos indígenas. Assim, um problema de incomensurabilidade conceitual pode ser um desafio a mais para indígenas que queiram adentrar o mundo do campo da Ciência Política e, inversamente, para analistas que possam se interessar pelo tema indígena.
  7. O indivíduo liberal auto orientado da escolha racional como unidade de análise é uma abstração teórica que deslegitima as formas coletivas de pertencimento e de ação: se o Estado é uma ficção teórica que invisibiliza as violências cometidas contra os povos indígenas, assim o é a ideia de indivíduos racionais que agem motivados pela maximização de sua satisfação. A antropologia é pródiga em estudos demonstrando a complexidade das afiliações comunitárias e ontológicas dos povos indígenas brasileiros, e o pressuposto o indivíduo racional-maximizador deve ser profundamente revisto quando da realização de pesquisas relacionadas aos povos indígenas.
  8. Por fim, a própria estrutura institucional do sistema universitário dificulta o acesso e a conexão dos povos indígenas à disciplina: em primeiro lugar, é evidente que muitas universidades estão localizadas distantes das terras indígenas, o que traz uma dificuldade real de presença de indígenas nos campi das instituições. Além disso, a despeito do fato de que já há uma razoável difusão de cotas para indígenas em cursos de graduação, estas ainda são pouco comuns em nível de pós-graduação. Em suma, há uma série de entraves estruturais para que povos indígenas formem seus intelectuais e possam pautar debates acadêmicos de dentro das universidades.

As hipóteses de Kennan Ferguson aqui apresentadas são provocativas e eu espero que possamos, enquanto grupo de scholars do campo da Ciência Política, refletir criticamente sobre cada uma delas. Assim, quem sabe, possamos ter menos receio, no futuro, de respondermos à pergunta que dá título a esse texto.

Referências     

FERGUSON, Kennan. Why does Political Science Hate American Indians? In:  Perspectives on Politics nº.14.vol. 4, 2016.

SOARES, Leonardo Barros Soares: A ausência eloquente: ciência política brasileira, povos indígenas e o debate acadêmico canadense contemporâneo. In: Revista Brasileira de Ciência Política. No prelo.

Referência imagética


[1] Doutor em ciência política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Realiza Estágio pós-doutoral no Departamento de Estudos Latino-americanos da Universidade de Brasília (ELA/UnB). Membro do Laboratório e Grupo de Estudos em Relações Interétnicas (LAGERI/UnB) e do Réseau d’études Latinoamericaínes de Montréal (RÉLAM/Université de Montréal). E-mail: leobarros@ufpa.br.   

Indigenous knowledge still undervalued – study (EurekaAlert!)

News Release 3-Sep-2020

Respondents describe a power imbalance in environmental decision-making

Anglia Ruskin University

New research has found that Indigenous knowledge is regularly underutilised and misunderstood when making important environmental decisions.

Published in a special edition of the journal People and Nature, the study investigates how to improve collaborations between Indigenous knowledge holders and scientists, and recommends that greater equity is necessary to better inform decision-making and advance common environmental goals.

The research, led by Dr Helen Wheeler of Anglia Ruskin University (ARU), involved participants from the Arctic regions of Norway, Sweden, Greenland, Russia, Canada, and the United States.

Indigenous peoples inhabit 25% of the land surface and have strong links to their environment, meaning they can provide unique insights into natural systems. However, the greater resources available to scientists often creates a power imbalance when environmental decisions are made.

The study’s Indigenous participants identified numerous problems, including that Indigenous knowledge is often perceived as less valuable than scientific knowledge and added as anecdotes to scientific studies.

They also felt that Indigenous knowledge was being forced into frameworks that did not match Indigenous people’s understanding of the world and is often misinterpreted through scientific validation. One participant expressed the importance of Indigenous knowledge being reviewed by Indigenous knowledge holders, rather than by scientists.

Another concern was that while funding for Arctic science was increasing, the same was not happening for research rooted in Indigenous knowledge or conducted by Indigenous peoples.

Gunn-Britt Retter, Head of the Arctic and Environmental Unit of the Saami Council, said: “Although funding for Arctic science is increasing, we are not experiencing this same trend for Indigenous knowledge research.

“Sometimes Indigenous organisations feel pressured to agree to requests for collaboration with scientists so that we can have some influence in decision-making, even when these collaborations feel tokenistic and do not meet the needs of our communities. This is because there is a lack of funding for Indigenous-led research.”

Victoria Buschman, Inupiaq Inuit wildlife and conservation biologist at the University of Washington, said: “Much of the research community has not made adequate space for Indigenous knowledge and continues to undermine its potential for information decision-making. We must let go of the narrative that working with Indigenous knowledge is too challenging.”

The study concludes that values, laws, institutions, funding and mechanisms of support that create equitable power-relations between collaborators are necessary for successful relationships between scientists and Indigenous groups.

Lead author Dr Helen Wheeler, Lecturer in Zoology at Anglia Ruskin University (ARU), said: “The aim of this study was to understand how to work better with Indigenous knowledge. For those who do research on Indigenous people’s land, such as myself, I think this is an important question to ask.

“Our study suggests there are still misconceptions about Indigenous knowledge, particularly around the idea that it is limited in scope or needs verifying by science to be useful. Building capacity for research within Indigenous institutions is also a high priority, which will ensure Indigenous groups have greater power when it comes to informed decision-making.

“Indigenous knowledge is increasingly used in decision-making at many levels from developing international policy on biodiversity to local decisions about how to manage wildlife. However, as scientists and decision-makers use knowledge, they must do so in a way that reflects the needs of Indigenous knowledge holders. This should lead to better decisions and more equitable and productive partnerships.”

Related Journal Article

http://dx.doi.org/10.1002/pan3.10131

Mahamoud Darwich, palestino e pele-vermelha (A Terra É Redonda)

05/09/2020

Por LAYMERT GARCIA DOS SANTOS*

Talvez possamos aprender com os palestinos a lidar com o nosso momento, isto é com o desespero, o exílio e a tragédia

No momento em que se inaugura a revista Exilium, da comunidade intelectual árabe no Brasil, creio não haver nada mais oportuno do que evocar Mahamoud Darwich. Vivemos sob um governo de ultradireita cuja estratégia compreende, entre outros, dois temas cruciais que, interligados, tornam atualíssima, quiçá imprescindível, a leitura de sua obra. Pois com o bolsonarismo, estamos presenciando o ataque aberto aos povos indígenas e a adoção de uma política destrutiva com a terra, o lugar e o meio (veneno dos agrotóxicos nas plantações, desmatamento acelerado, mercúrio do garimpo nos rios, descaso com a poluição dos mares, lama de barragem rompida, desmantelamento das instituições de fiscalização e controle…) que merecem ser considerados à luz de seus escritos. Se percebermos as conexões entre tais temas e as questões que neles ressoam, através da vida e da poesia do poeta máximo da Palestina, talvez possamos aprender com os palestinos a lidar com o nosso momento, isto é com o desespero, o exílio e a tragédia, concebidos a partir de uma perspectiva vital.

São muitas as possíveis portas de entrada na poesia e na vida de Darwich. Como nossas experiências de vida parecem ser muito distantes das dele e dos Palestinos, escolho a que me parece mais próxima, a de maior ressonância. Aquela em que o poeta palestino se descobre índio na própria condição de poeta e de Palestino. Mais precisamente, Pele-Vermelha.

Preso duas vezes pelos israelenses por razões políticas em sua juventude, Darwich se viu como um espectro assombrando seus algozes. Em Presente ausência, sua  última autobiografia poética publicada em 2006, dois anos antes de sua morte, o poeta escreve:

“Espectro que leva o guarda a vigiar. Chá e um fuzil. Quando o vigia cochila, o chá esfria, o fuzil cai de suas mãos e o Pele-Vermelha infiltra-se na história

A história, é que és um Pele-Vermelha

Vermelha de plumas, não de sangue. És o pesadelo do vigia

Vigia que caça a ausência e massageia os músculos da eternidade

A eternidade pertence ao guarda. Bem imobiliário e investimento. Se necessário, ele se torna um soldado disciplinado numa guerra sem armistício. E sem paz

Paz sobre ti, no dia em que nascestes e no dia em que ressuscitarás na folhagem de uma árvore

A árvore é um agradecimento erguido pela terra como uma confiança em seu vizinho, o céu (…)” [i].

“A história, é que és um Pele-Vermelha.” No início dos anos 90, em“Na última noite, nesta terra”, Darwich havia publicado o Discurso do homem vermelho, no qual abordava a problemática do Outro. Para escrevê-lo, havia lido uma vintena de livros sobre a história dos Pele-Vermelha e a literatura deles. Queria impregnar-se de seus textos, dos discursos dos chefes. Precisava conhecer suas roupas, os nomes de suas aldeias, a flora, os modos de vida,  o ambiente, os instrumentos, as armas, os meios de transporte. Ora, por que esse interesse tão agudo nos povos indígenas norte-americanos, tão distantes no espaço e no tempo, aparentemente tão sem conexão com o que se passava na Palestina na segunda metade do século XX?

No material coletado para escrever seu Discurso, Darwich inspirou-se particularmente na fala do Cacique Seattle no Congresso norte-americano, em 1854, em resposta à proposta formulada por Isaac Stevens, governador do Território de Washington, de comprar as terras indígenas. Ali, o líder indígena dizia: “Cada parcela deste solo é sagrada na avaliação de meu povo. Cada encosta, cada vale, cada planície e arvoredo foi consagrado por algum acontecimento triste ou feliz nos dias que há tempos desvaneceram. Até as pedras, que parecem ser mudas e mortas como o calor sufocante do sol na praia silente, estremecem com as memórias de comoventes acontecimentos conectados com as vidas de meu povo, e até o pó sobre o qual agora erguei-vos responde mais amorosamente aos pés dele do que aos vossos, porque é rico com o sangue de nossos ancestrais, e nossos pés descalços são conscientes do toque empático. Nossos bravos falecidos, queridas mães, alegres e amorosas esposas, e até mesmo as criancinhas que viveram aqui e aqui se alegraram durante uma breve estação, amarão estas solidões sombrias e a cada entardecer saúdam os espíritos das sombras que retornam.E quando o último Pele-Vermelha terá desaparecido, e a memória de minha tribo terá se tornado um mito entre os Homens Brancos, estas praias fervilharão com os mortos invisíveis de minha tribo.” [ii].

Ora, a relação sagrada com a terra e o lugar é a mesma que encontramos no Discurso do homem vermelho. Vejamos dois pequenos trechos, traduzidos por Elias Sanbar para o francês: “Assim, somos o que somos no Mississipi. E cabem a nós as relíquias de ontem. Mas a cor do céu mudou e a Leste, o mar mudou. Ô senhor dos Brancos, domador dos cavalos, o que esperas dos que partem com as árvores da noite? Elevada é nossa alma e sagradas são as pastagens. E as estrelas são palavras que iluminam.. Escruta-ase lerás nossa história inteira: aqui nascemos entre fogo e água, e logo renasceremos nas nuvens às margens do litoral azulado. Não firas ainda mais a relva, ela possui uma alma que defende em nós a alma da terra. Ô domador dos cavalos, domestica tua montaria, que ela diga à alma da natureza seu pesar pelo que fizestes com nossas árvores. Árvore minha irmã. Eles te fizeram sofrer, como a mim. Não peças misericórdia para o lenhador de minha mãe e da tua (…)”.

“Há mortos que cochilam nos quartos que erguereis. Mortos que visitam seu passado nos lugares que demolireis. Mortos que cruzam as pontes que construireis. E há mortos que iluminam a noite das borboletas que chegam na aurora para tomar chá convosco, calmas como vossos fuzis que as abandonaram. Deixai então, ô convidados do lugar, alguns assentos livres para os anfitriões, que eles vos leiam as condições da paz com os defuntos.” [iii].

A boca do Pele-Vermelha, porém, porta a voz do chefe índio e do Palestino. Mais do que através de uma abstrata noção de pátria, a relação Pele-Vermelha–Palestino se desenha como intensidade de parentesco com o lugar, com a natureza, e seu caráter cósmico. Como o Cacique, o poeta palestino pertence à terra; e não a terra a ele. Assim, a carga poética da enunciação é a mesma nos dois discursos, e expressa a solenidade da locução, seu caráter sagrado, transcendente. Mas, ao mesmo tempo, os dois discursos se pretendem históricos, fazem História, são marcos de acontecimentos tremendos.

Escrevendo o Discurso do homem vermelho, Darwich levantou a questão do genocídio indígena nas Américas e da relação que ele tinha com o fim da presença árabe na Península Ibérica. Tratava-se de estabelecer o sentido da imposição do Ocidente e de sua cosmovisão. Com efeito, em entrevista a Subhi Hadidi e Basheer al-Baker, o poeta esclarece o motivo estético e político dessa incursão na História: “Distingo entre a crônica e o arquivo. Meus poemas dizem o direito, a recusa de que a força imponha seus “direitos”. Podem objetar-me que a História não passa de uma longa sucessão desses direitos nascidos do uso da força. Isso significa que o fraco é obrigado a aceitar sua ausência forçada, até a colaborar para o seu próprio desaparecimento? Muito ao contrário, não deve ele continuar combatendo para permanecer presente?

O registro histórico sobre o qual trabalho é aquele da defesa do direito, ainda que me digam que é pela espada que nascem os Estados. A poesia não pode conciliar-se com a força, pois ela é habitada pelo dever de criar sua própria força, fundando um espaço vital para a defesa do direito, da justiça e da vítima. A poesia é a aliada indefectível da vítima, e só pode encontrar terreno de entendimento com a História com base nesse princípio fundamental. É sob esse ângulo que precisamos compreender a temática dos Pele-Vermelha ou da queda de Granada, para propor, em 1992, uma leitura humanista de 1492.

Naquele ano, o mundo ocidental atrelou-se à interpretação do alcance histórico de 1492, e mais particularmente, de dois episódios fundadores para o Ocidente: a viagem de Colombo e a queda de Granada. O primeiro dos dois acontecimentosfoi uma conquista acompanhada de um projeto genocida, na linhagem do espírito das guerras cruzadas. O segundo consagrou definitivamente a ideia de Ocidente e expulsou os árabes do caminho que levava a esse mesmo Ocidente.

Sou um cidadão do mundo que eles destruíram, ou chutaram para fora da História. E sou uma vítima cujo único bem é a autodefesa. Mergulhei numa leitura aprofundada da história dos árabes na Espanha, e a dos índios e sua relação com a terra, os deuses e o Outro. O que me impressionou nos índios, é que eles apreenderam os acontecimentos como manifestações de um destino incontornável, e que os enfrentaram com o espanto daqueles que vêem a história geral se abater sobre a “história privada”.

A consagração do conceito de Ocidente exigiu o desaparecimento de setenta milhões de seres humanos, bem como uma guerra cultural furiosa contra uma filosofia intrinsecamente mesclada à terra e à natureza, às árvores, às pedras, à turfa, e à água. O homem vermelho desculpava-se com ardor de surpreendente poesia da árvore que ia cortar, explicando sua necessidade vital de sua casca, seu tronco, seus ramos; em seguida, lançava um pedaço de tronco na floresta para que a árvore renascesse… A máquina venceu essa santidade que o homem vermelho atribuía à sua terra, uma terra divinizada, pois não distinguia entre suas fronteiras e as dos deuses.

Coloquei-me na pele do índio para defender a inocência das coisas, a infância da humanidade; para alertar contra a máquina militar tentacular, que não vê limites para seu horizonte., mas arranca todos os valores herdados, e devora, insaciável, a terra e suas entranhas. (…) Meu poema tentou encarnar o Pele-Vermelha no momento em que ele olhou o derradeiro sol. Mas o “branco” não encontrará mais repouso nem sono, pois as almas das coisas, da natureza, das vítimas ainda volteiam sobre sua cabeça.” [iv].

Darwich extrai, assim, no passado, os acontecimentos que seguem ressoando no presente e vê com clareza como a condição agonizante do Palestino sobrepõe-se à do Índio; mas não é só a privação derradeira, a privação do direito de recusar uma vida e um estatuto abomináveis que o levam ao encontro do Índio; é preciso assinalar que é como poeta, como homem que busca a fonte da poesia no continuum da relação cósmica, mítica, com a natureza, que Darwich se vê na pele vermelha. O Pele-Vermelha infiltra-se na História como o selvagem resiste na “civilização” – ser poeta-índio e, ao mesmo tempo, índio-poeta, é assumir uma condição ontológica e epistemológica.

Mas é, também, ser um mistanenim, o Palestino-Árabe infiltrado em território ocupado e no pesadelo israelo-americano. E é aqui que a dimensão política da ressonância Pele-Vermelha-Palestino se explicita. Encontramos a chave dessa explicitação em Être arabe, livro de entrevistas de Christophe Kantcheff com Farouk Mardam-Bey e Elias Sanbar, dois amigos próximos de Darwich, tradutores de vários de seus livros para o francês e companheiros de seu longo exílio em Paris. Como o poeta,Sanbar foi e é um intelectual palestino que atuou como verdadeiro diplomata na Europa, defendendo a causa palestina nos campos da política, das ideias e da cultura. Como o poeta, Sanbar também pertencia à Organização de Libertação da Palestina (OLP).

A Palestina, observa Elias Sanbar, é uma nação sem Estado. Como pode, então, existir um sentimento nacional tão vivo, tão forte? Segundo ele, isso ocorre em virtude da centralidade da questão do lugar. Desde o início, no entender de Sanbar, tratou-se de uma substituição, não apenas de uma ocupação, nem de uma exploração colonial, ou de uma colonização clássica. Desde a Declaração Balfour, de 2 de Novembro de 1917, o projeto sionista consistiu  na volatilização de uma terra árabe e sua substituição por uma outra.

“Portanto, diz Sanbar, os Palestinos serão submetidos a uma ofensiva de domínio dos lugares, um domínio no qual a apropriação da terra, que embora semelhante como duas gotas d’água a uma aquisição clássica, comum, de uma propriedade por uma pessoa privada ou uma pessoa moral – no caso, o “povo judeu” representado pela Agência judaica -, será na realidade apenas um elemento, importante, claro, mas elemento de um edifício visando não a constituição de uma imensa propriedade de 26.320 quilômetros quadrados, isto é a superfície da Palestina, mas o desaparecimento de um país” [v].

Um país, quer dizer, um espaço considerado por séculos pelos Palestinos como sua terra natal. Por isso mesmo, os filhos da terra, embora se considerassem Árabes e falassem árabe, se diziam “Árabes da Palestina”. Esse duplo pertencimento é constitutivo do seu ser. Por sua vez, como que para confirmar essa condição, todos os Árabes de outros países “verão no projeto anglo-sionista uma ofensiva contra um membro, no sentido fisiológico, de seu corpo. E como a própria posição da Palestina nos mapas ajuda, esta se verá espontaneamente assimilada como o mais vital dos órgãos, “o coração dos Árabes” [vi].

Com efeito, em Novembro de 1917 o povo palestino fica sabendo que o Ministro inglês James Balfour prometera seu país a um movimento vindo do Ocidente, comprometido com a ideia de promover o retorno dos judeus após um exílio de dois mil anos e de restaurar um “Estado dos judeus” na Palestina. Tem início, então, o conflito. Os Palestinos reagem imediatamente ao texto de Balfour. Mas, perplexos, caem numa armadilha, pois aceitam os termos da declaração que os designam como“comunidades não judaicas na Palestina”.

Assim, com Balfour, não só o “povo judeu” “volta” a um antigo território que haveria sido seu, como encontra ali não uma nação e um povo, mas “comunidades não judaicas”, isto é de uma outra religião, muçulmana e cristã. Desse modo, desmonta-se a identidade palestina secular. E isso tem como corolário o fato de que os Palestinos judeus não só deixam de existir como parecem nunca ter existido!

“Doravante, continua Elias Sanbar, tudo se passa entre o povo judeu que retorna e duas outras comunidades que esperam partir para ceder lugar, o seu lugar. A história contemporânea da Palestina reduzir-se-á então, sob diversas formas, a uma repetição permanente de um enunciado terrível: os Palestinos se encontram permanentemente em instância de ausência anunciada”[vii]. De nada adianta cristãos e muçulmanos reivindicarem o estatuto de “povo da Palestina” e afirmarem que já estavam lá antes dos judeus. Tampouco adianta afirmarem sua presença no lugar – os sionistas argumentam que na verdade a Palestina é um território vazio, um deserto, segundo a famosa frase de Israel Zangwill: “O sionismo é um povo sem terra que volta a uma terra sem povo”.

Conhecemos bem esse tipo de argumento, que também foi usado no Brasil da ditadura para justificar o projeto “desenvolvimentista” de “ocupação” e de “integração” da Amazônia, desconhecendo deliberadamente que ela era e é habitada por povos indígenas, a quem também os militares brasileiros negam o direito ao emprego do termo “povos”, visto que povo, nestas paragens, só existiria um, o brasileiro. Mas voltando à Palestina: cria-se uma diferença absoluta entre a vivência do colono israelense e a do cidadão palestino: o primeiro pensa que esteve lá há milênios e por isso pode voltar; o segundo sabe que nunca partiu, que tem o direito de viver ali… porque é dali!

Assim, desde o início do século XX, o projeto de constituição do Estado de Israel já preconiza a expulsão do povo palestino e institui a sua condição de refugiado em sua própria terra ou de exilado. Por isso, Sanbar vai afirmar: “O que marca e marcará profundamente o ser palestino, é que cedo essa sociedade sabe que está engajada num combate que ultrapassa a independência que ela reivindica. Ela luta para continuar a existir no lugar, seu lugar” [viii].

Ora, como bem sublinha Elias Sanbar, Israel nasce da mesma maneira que nasceram os Estados Unidos – os sionistas repetem a mesma lógica adotada pelos colonizadores na América; aos Palestinos caberá então o destino de se transformarem em Pele-Vermelha, isto é autóctones destinados à ausência. Como os Índios, os Palestinos ficam sem lugar.

Ao longo de todo o século XX, a questão, no fundo, sempre foi a mesma. De um lado, uma guerra de conquista do território, uma guerra de ocupação progressiva e negação da existência do autóctone; de outro, resistência e afirmação obstinada de existência do homem e do lugar. Não cabe aqui nos determos nas datas-chave desse conflito que oficialmente explode em 1948 com a criação do Estado de Israel e o desaparecimento da Palestina do mapa e dos dicionários enquanto país. Desde então a determinação israelense de fazer país e povo sumirem prolonga-se na Guerra dos Seis Dias, em 1967, estende-se na invasão do Líbano no início dos anos 80 com o massacre de Sabra e Chatila, ganha novos contornos com a Intifada e, posteriormente, com as intermináveis negociações de paz que nunca põem um fim ao avanço sistemático da colonização dos territórios ocupados…

Mas se há semelhança de destino entre os Pele-Vermelha e os Palestinos, também há diferença e ela precisa ser registrada. Numa conversa entre Elias Sanbar e Gilles Deleuze, publicada pelo jornal Libération, em 8-9 de Maio de 1982, o filósofo francês aborda o assunto: “Muitos artigos da Revue d’Etudes Palestiniennes lembram e analisam de uma maneira nova os procedimentos pelos quais os Palestinos foram expulsos de seus territórios. Isso é muito importante porque os Palestinos não se encontram na situação de gente colonizada, mas evacuada, expulsa. (…) É que há dois movimentos muito diferentes no capitalismo. Ora trata-se de manter um povo em seu território e de fazê-lo trabalhar, de explorá-lo, para acumular um excedente – é o que comumente se chama uma colônia. Ora, pelo contrário, trata-se de esvaziar um território de seu povo, para dar um salto adiante, trazendo uma mão-de-obra de outras partes. A história do sionismo e de Israel , como a da América, passou por isso: como criar o vazio, como esvaziar um povo?” [ix].

Até aí, estamos ainda no campo da semelhança. Mas, segundo Deleuze, quem demarcou o limite da comparação foi Yasser Arafat, ao apontar que existe um mundo árabe, enquanto os Pele-Vermelha não dispunham de nenhuma base ou força fora do território do qual eram expulsos. Sanbar concorda com essa análise: “Somos expulsos singulares porque não fomos deslocados para terras estrangeiras, mas para o prolongamento de nossa “casa”. Fomos deslocados em terra árabe, onde não só ninguém quer nos dissolver, mas essa própria ideia é uma aberração” [x].

Assim, os Palestinos não foram confinados em “reservas”, como os Pele-Vermelha. Deslocados “dentro de casa”, para o meio de povos irmãos e solidários, os Palestinos assumiram a condição do exílio de um modo muito particular. Como aponta Sanbar, todo exílio comporta duas rupturas: uma com o lugar de partida, outra com o lugar de chegada. “Ora, expulsos e forçados a se deslocar, os Palestinos continuavam sendo Árabes e em momento algum seu deslocamento suscitará uma diáspora, pois esta exige que se eleja residência numa terra estrangeira. O que precisamente não eram os países vizinhos que os acolheram.

Os Palestinos se encontravam refugiados, é claro, mas em sua continuidade territorial e identitária; deslocados, é claro, mas dentro de sua língua, sua cultura, sua cozinha, sua música, seu imaginário. Mais ainda: compartilhavam com os povos que os acolhiam o sonho da unidade em um grande Estado árabe” [xi]. Nesse sentido, “(…) os refugiados reagem como homens e mulheres/território, isto é estão convencidos de transportar com eles, neles, sua terra, esperando efetuar o Retorno e “repousá-la em seu lugar”[xii]. (Idem pp. 166-167) É essa condição complexa e trágica que faz com que Mahamoud Darwich, trinta anos depois de deixar a Palestina, se encontra em Gaza e escreve:

“Vim, mas não cheguei.

Estou aqui, mas não voltei!”

Com efeito, não se pode voltar de onde nunca se saiu, porque nunca se abandonou o lugar. Por isso, importa agora salientar que Darwich foi a voz que enunciou com todas as letras todas as camadas de sentido dessa complexa condição. Não foi à toa que se tornou um patrimônio coletivo do povo palestino, que  o vê como seu porta-voz. A ponto dele escrever um comovente poema para sua mãe e todos os leitores/ouvintes lerem/ouvirem naquele termo a palavra Palestina.

É impressionante: percorrer sua obra é perceber que Darwich é Palestino, é Árabe, é o refugiado, é o exilado de dentro e o exilado de fora, é o infiltrado, é o Pele-Vermelha; mas é, também, o Troiano vencido que nenhum Homero cantou e o Cananeu cuja Bíblia se perdeu. Darwich é tudo isso porque é poeta que acessa diretamente apotência da matriz ancestral da poesia – a presente ausência de onde ela brota.

“Não te perguntas mais: O que escrever?, mas: Como escrever? Invocas um sonho. Ele foge da imagem. Solicitas um sentido. A cadência se torna estreita para ele. Crês que ultrapassastes o limiar que separa o horizonte do abismo, que te exercitastes a abrir a metáfora para uma ausência que se torna presença, para uma presença que se ausenta com uma espontaneidade de aparência dócil. Sabes que em poesia o sentido é movimento numa cadência. Nela a prosa aspira ao pastoral da poesia, e a poesia à aristocracia da prosa. Leva-me ao que não conheço dos atributos do rio… Leva-me. Uma linha melódica semelhante a esta abre seu caminho no curso das palavras, feto em devir que traça os traços de uma voz e a promessa de um poema. Mas ela precisa de um pensamento que a guie e que ela guia através das possibilidades, de uma terra que a porta, de uma inquietação existencial, de uma história ou de uma lenda. O primeiro verso é o que os perplexos nomearam, segundo sua origem, inspiração ou iluminação” [xiii].

É espantosa para nós, brasileiros, a determinação com que os palestinos se aferram à sua identidade, língua e lugar. Para nós, é quase incompreensível. Daí a importância de MahamoudDarwich como emblema do que não somos. Desde os anos 20 do século passado, os modernistas brasileiros se perguntaram: O que é “ser brasileiro”? e, na impossibilidade de reconhecer-se como tal: Como tornar-se brasileiro? Se a questão moderna brasileira é eminentemente ontológica e epistemológica, é porque interpela diretamente o ser e o devir. Mais do que interpelados, ameaçados de extinção enquanto povo, os Palestinos forjaram na luta uma resposta, pela boca de Darwich e de tantos outros.

Tentando responder, os modernistas brasileiros saíram em busca da “redescoberta” do Brasil e acabaram descobrindo o Outro, isto é os índios, que constituíam uma das três grandes correntes populacionais da formação do povo brasileiro (com os europeus e os africanos trazidos como escravos); mais ainda: descobriram que, apesar do genocídio inconfessado praticado desde 1500, muitos desses povos ainda sobreviviam no território nacional. Portanto, o Outro não era o de fora, o Outro era o Outro da própria terra, do lugar, presente e no entanto sistematicamente ignorado, “ausente”. E era esse Outro que fazia o brasileiro moderno perceber-se como um “desterrado em sua própria terra”, nos dizeres de Sérgio Buarque de Holanda.

Assim, nos anos 1920-30, ficou claro que, para saber o que é ser brasileiro ou como tornar-se um, seria preciso pôr sobre a mesa o que é ser índio, e como os brasileiros lidam, ou melhor não lidam com isso. No Manifesto Antropófago, Oswald de Andrade, formulou a questão de maneira tremenda, emseu achado paródico do dilema hamletiano: “Tupy or not tupy, that is the question[xiv].

Formulado em língua estrangeira, mais propriamente na língua de Shakespeare, o statement não poderia expressar melhora condição esquizofrênica do brasileiro moderno, pois este se encontra diante de um Double bind que, segundo Gregory Bateson [xv], não permite opção e decisão. Com efeito, quanto mais tentamos resolvê-lo, mais afundamos na armadilha. Isso ocorre porque tanto os brasileiros quanto os índios, tanto os selvagens quanto os civilizados, não podem ser eles mesmos sem “resolver” sua relação com o Outro, historicamente negada, e recalcada desde sempre. Pois o que dizem os brasileiros para os índios: “Vocês não podem ser brasileiros porque são índios!” E, ao mesmo tempo: “Vocês não podem ser índios porque são brasileiros!” Assim, índios e brasileiros têm o seu devir bloqueado pelo dilema Tupy or not Tupy

Mahamoud Darwich deveria ser ensinado em nossas escolas. Para que nossas futuras gerações aprendessem o que é a paixão exemplar e irremissível de um povo pelo seu lugar no mundo.

*Laymert Garcia dos Santos é professor aposentado do departamento de sociologia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Politizar as novas tecnologias (Editora 34).

Publicado originalmente no primeiro número da Exilium – Revista de Estudos da Contemporaneidade órgão da Cátedra Edward Saïd da Unifesp.

Notas


[i]Darwich, M. Présenteabsence. Col. Mondes árabes. Arles: Actes Sud, 2016. Tradução do árabe por FaroukMardam-Bey e EliasSanbar. Pp. 146-147.

[ii]http://www.halcyon.com/arborhts/chiefsea.html

[iii]https://cpa.hypotheses.org/1641

[iv]Darwich, M. La Palestine comme métaphore. Entretiens. Col. Babel. Arles: Actes Sud, 1997. Tradução do árabe por Elias Sanbar e do hebraico por Simone Bitton. Pp. 78-80.

[v]Mardam-Bey, F. e Sanbar, E. Être árabe – Entretiens avec Christofe Kant cheff. Col. Sindbad. Arles: Actes Sud, 2005. Pp. 74-75.

[vi]Idem. P. 78.

[vii]Ibidem. P. 82.

[viii]Ibidem. P. 92.

[ix]Deleuze, G. Deuxrégimes de fous – Textes et entretiens 1975-1995. Paris: Minuit, 2003. Edição preparada por David Lapoujade. Pp. 180-181.

[x]Idem. P. 181.

[xi]Ibidem. P. 166.

[xii]Ibidem. Pp. 166-167.

[xiii]Darwich, M. Présente absence. Op. Cit. Pp. 80-81.

[xiv]Nunes, Benedito. “Antropofagia ao alcance de todos – Introdução”. In Andrade, Oswald de. Do Pau-Brasil à Antropofagia e àsUtopias – Obras Completas VI. Rio de Janeiro: Civ. Brasileira, 1972, p. XXVI.

[xv] Bateson, G. Double bind, Steps to na ecology of the mind: A revolutionary approach to man’s understanding of himself, 271-278. Chicago: University of Chicago Press, 1972, pp. 271-278.

Eduardo Góes Neves: ‘O Brasil não tem ideia do que é a Amazônia’ (Gama)

Fabrizio Lenci

A mentalidade colonial, o racismo ambiental e a política são os maiores desafios da floresta. A análise é do arqueólogo Eduardo Góes Neves

Isabelle Moreira Lima – 30 de Agosto de 2020

A Amazônia é uma incompreendida. É regida por uma mentalidade colonial, com decisões tomadas de fora para dentro. E é justamente por isso que sua preservação é um imenso desafio. A análise é do arqueólogo Eduardo Góes Neves, que pesquisa a Amazônia há 30 anos. Professor Titular de Arqueologia Brasileira do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, onde é vice-diretor, ele mantém a pesquisa de campo em estados como Rondônia e Acre pelo menos três meses por ano.

Para continuar a leitura acesse o conteúdo completo, disponível no link: https://gamarevista.com.br/semana/o-que-sera-da-amazonia/entrevista-eduardo-goes-neves-floresta-amazonica

Djamila Ribeiro: Salta na biografia de Claudia Andujar o seu compromisso com povos ameaçados (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

Djamila Ribeiro, 27 de agosto de 2020

Recebi de presente de um querido amigo o livro “A Luta Yanomami”, de Claudia Andujar (editado pelo Instituto Moreira Salles, org. Thyago Nogueira).

Andujar dedicou parte considerável de sua vida a fotografar o povo indígena na fronteira entre Brasil e Venezuela, no extremo norte da Amazônia. Além do talento, que refletiu a tradição, a comunidade, a espiritualidade, as dores e perdas pela integração forçada por projetos de colonização da região implementados pelo regime militar, passando por suas próprias incursões experimentais na fotografia, salta na biografia da fotógrafa o seu compromisso com os direitos dos povos constantemente ameaçados e atacados pelos interesses predatórios do garimpo nas jazidas minerais da área, pelas doenças ocidentais e pelos governos.

Fabio Cypriano, estudioso da obra de Andujar, analisa no artigo “Quando o museu se torna um canal de informação” que a exposição “‘Luta Yanomami’ foi vista no início de um governo que se caracteriza por perseguir a causa indígena, ocupando um espaço nobre na avenida Paulista em defesa dessa causa urgente, o que foi, afinal, sempre o objetivo de Andujar”.

O livro, com fotos colhidas durante uma vida, que neste ano completou 89 anos, tem valor cultural inestimável e me aproximou dos ianomâmis, a quem peço licença para fazer uma ligeira visita pelas imagens.

Ao visitar, peço a bênção de Davi Kopenawa Yanomami, xamã, porta-voz e escritor, junto ao antropólogo Bruce Albert, da obra monumental “A Queda do Céu”, livro que narra a vida de Kopenawa até se tornar líder ianomâmi, fazendo dessa trajetória uma incursão na espiritualidade, na visão de mundo e de conceitos a partir da matriz de seu povo, bem como a denúncia de todos os graves ataques do garimpo na região.

É uma obra rara em um país que costuma apagar tais saberes do debate público. Ao explicar a origem de seu nome, Kopenawa, este de origem guerreira presenteado a ele pelos espíritos xapiri “em razão da fúria que havia em mim para enfrentar os brancos”, explica um pouco de seu povo.

“Primeiro foi Davi, o nome que os brancos me atribuíram na infância, depois foi Kopenawa, o que me deram mais tarde os espíritos vespa. E por fim acrescentei Yanomami, que é palavra sólida que não pode desaparecer, pois é o nome do meu povo. Eu não nasci numa terra sem árvores. Minha carne não vem do esperma de um branco. Sou filho dos habitantes das terras altas da floresta e caí no solo da vagina de uma mulher yanomami. Sou filho da gente à qual Omama deu a existência no primeiro tempo. Nasci nesta floresta e sempre vivi nela. Hoje, meus filhos e netos, por sua vez, nela crescem. Por isso meus dizeres são os de um verdadeiro yanomami.”

As palavras de Kopenawa ecoam pelo mundo. Em março, ele esteve na ONU para denunciar avanços contra os índios. O xamã denunciou o garimpo predatório sob a chancela do governo, eleito sob um discurso de ódio contra as populações originais desse país: “Essas são as palavras daquele que se faz de grande homem no Brasil e se diz presidente da República. É o que ele verdadeiramente diz: ‘Eu sou o dono dessa floresta, desses rios, desse subsolo, dos minérios, do ouro e das pedras preciosas! Tudo isso me pertence, então, vão lá buscar tudo e trazer para a cidade. Faremos tudo virar mercadoria!’. É o que os brancos acham e é com essas palavras que destroem a floresta, desde sempre. Mas, hoje, estão acabando com o pouco que resta. Eles já destruíram as nossas trilhas, sujaram os rios, envenenaram os peixes, queimaram as árvores e os animais que caçamos. Eles nos matam também com as suas epidemias”.

As palavras de Kopenawa, ditas antes da eclosão da pandemia no Brasil, ganharam contornos ainda mais sombrios. Desde 2019, o país vinha apresentando retrocessos desastrosos na preservação de terras indígenas. Segundo relatório do Instituto Socioambiental, a derrubada da floresta nas terras ianomâmi cresceu 113% no último ano, sendo que o aumento foi de 80% nas terras indígenas.

No cenário de pandemia, a situação é trágica. Somado ao desmonte em órgãos de proteção indígena, a subnotificação dos números de indígenas mortos pelo Ministério da Saúde, bem como o demorado e insuficiente plano para prevenção de contágio em comunidades indígenas e quilombolas com vetos que vão da obrigação do governo em fornecer água potável até a facilitação ao acesso ao auxílio emergencial, o governo segue com seu projeto de genocídio da população e deve ser responsabilizado, na pessoa do presidente, no Tribunal Penal Internacional, no qual está denunciado. Havendo justiça, assim será.

He Wants to Save the Present With the Indigenous Past (New York Times)

Bruce Pascoe’s book “Dark Emu” sparked a reconsideration of Australian history. Now he hopes to use his writing to revive Aboriginal community.

Bruce Pascoe in a field of mandadyan nalluk, also known as “dancing grass.”
Bruce Pascoe in a field of mandadyan nalluk, also known as “dancing grass.”Credit…AnnaMaria Antoinette D’Addario for The New York Times

By Damien Cave

Aug. 20, 2020

WALLAGARAUGH, Australia — Bruce Pascoe stood near the ancient crops he has written about for years and discussed the day’s plans with a handful of workers. Someone needed to check on the yam daisy seedlings. A few others would fix up a barn or visitor housing.

Most of them were Yuin men, from the Indigenous group that called the area home for thousands of years, and Pascoe, who describes himself as “solidly Cornish” and “solidly Aboriginal,” said inclusion was the point. The farm he owns on a remote hillside a day’s drive from Sydney and Melbourne aims to correct for colonization — to ensure that a boom in native foods, caused in part by his book, “Dark Emu,” does not become yet another example of dispossession.

“I became concerned that while the ideas were being accepted, the inclusion of Aboriginal people in the industry was not,” he said. “Because that’s what Australia has found hard, including Aboriginal people in anything.”

The lessons Pascoe, 72, seeks to impart by bringing his own essays to life — and to dinner tables — go beyond appropriation. He has argued that the Indigenous past should be a guidebook for the future, and the popularity of his work in recent years points to a hunger for the alternative he describes: a civilization where the land and sea are kept healthy through cooperation, where resources are shared with neighbors, where kindness even extends to those who seek to conquer.

“What happened in Australia was a real high point in human development,” he said. “We need to go back there.” Writing, he added, can only do so much.

Terry Hayes, a Yuin man and one of Bruce Pascoe’s team members, works in the orchard and garden.
Terry Hayes, a Yuin man and one of Bruce Pascoe’s team members, works in the orchard and garden.Credit…AnnaMaria Antoinette D’Addario for The New York Times
Hayes holds out yam daisy seedlings.
Hayes holds out yam daisy seedlings.Credit…AnnaMaria Antoinette D’Addario for The New York Times

“Dark Emu” is where he laid out his case. Published in 2014 and reissued four years later, the book sparked a national reconsideration of Australian history by arguing that the continent’s first peoples were sophisticated farmers, not roaming nomads.

Australia’s education system tended to emphasize the struggle and pluck of settlers. “Dark Emu” shifted the gaze, pointing to peaceful towns and well-tended land devastated by European aggression and cattle grazing. In a nation of 25 million people, the book has sold more than 260,000 copies.

Pascoe admits he relied on the work of formal historians, especially Rupert Gerritsen, who wrote about the origins of agriculture, and Bill Gammage, whose well-regarded tome, “The Biggest Estate on Earth: How Aborigines Made Australia” (2012), tracked similar territory. Both books cited early settlers’ journals for evidence of Aboriginal achievement. Both argued that Aboriginal people managed nature in a more systematic and scientific fashion than most people realized, from fish traps to grains.

What made Pascoe’s version a best seller remains a contentious mystery.

Critics, including Andrew Bolt, a conservative commentator for News Corp Australia, have accused Pascoe of seeking attention and wealth by falsely claiming to be Aboriginal while peddling what they call an “anti-Western fantasy.”

Asked by email why he’s focused on Pascoe in around a dozen newspaper columns since November, Bolt replied: “Have fun talking to white man and congratulating yourself on being so broad-minded as to believe him black.”

Pascoe said “Bolty” is obsessed with him and struggles with nuance. He’s offered to buy him a beer, discuss it at the pub and thank him: “Dark Emu” sales have doubled since Bolt’s campaign against Pascoe intensified.

His fans argue that kind of banter exemplifies why he and his book have succeeded. His voice, honed over decades of teaching, writing fiction and poetry — and telling stories over beers — is neither that of an academic nor a radical. He’s a lyrical essayist, informative and sly.

The Wallagaraugh River from Bruce Pascoe’s farm.
The Wallagaraugh River from Bruce Pascoe’s farm.Credit…AnnaMaria Antoinette D’Addario for The New York Times

To some Aboriginal readers, he’s too Eurocentric, with his emphasis on sedentary agriculture. “It is insulting that Pascoe attempts to liken our culture to European culture, disregarding our own unique and complex way of life,” wrote Jacinta Nampijinpa Price, a politician in the Northern Territory who identifies as Warlpiri/Celtic, last year on Facebook.

To others, Pascoe opens a door to mutual respect.

“He writes with such beautiful descriptions that let you almost see it,” said Penny Smallacombe, the head of Indigenous content for Screen Australia, which is producing a documentary version of “Dark Emu.” “It follows Bruce going on this journey.”

A telling example: Pascoe’s take on early explorers like Thomas Mitchell. He introduced Mitchell in “Dark Emu” as “an educated and sensitive man, and great company.” Later, he darkened the portrait: “His prejudice hides from him the fact that he is a crucial agent in the complete destruction of Aboriginal society.”

At the farm, tugging at his long white beard, Mr. Pascoe said he wanted to guide more than scold, letting people learn along with him. It’s apparently an old habit. He grew up working-class around Melbourne — his father was a carpenter — and after university taught at a school in rural Mallacoota, just down the winding river from where he now lives. He spent years guiding farm kids through “The Grapes of Wrath” while writing at night and editing a fiction quarterly, “Australian Short Stories,” with his wife Lyn Harwood.

“While the ideas were being accepted, the inclusion of Aboriginal people in the industry was not,” Pascoe said of the response to his book, “Dark Emu.” “That’s what Australia has found hard, including Aboriginal people in anything.”
“While the ideas were being accepted, the inclusion of Aboriginal people in the industry was not,” Pascoe said of the response to his book, “Dark Emu.” “That’s what Australia has found hard, including Aboriginal people in anything.”Credit…AnnaMaria Antoinette D’Addario for The New York Times

In his 30s, he said he started to explore his heritage after recalling a childhood experience when an Aboriginal neighbor yelled that she knew who his real family was so it was no use trying to hide. Talking to relatives and scouring records, he found Indigenous connections on his mother and father’s side. His publisher, Magabala, now describes him as “a writer of Tasmanian, Bunurong and Yuin descent.”

“Dark Emu” followed more than two dozen other books — fiction, poetry, children’s tales and essay collections. Pascoe said he had a hunch it would be his breakthrough, less because of his own talent than because Australia was, as he was, grappling with the legacy of the past.

In 2008, a year after his book about Australia’s colonial massacres, “Convincing Ground,” Prime Minister Kevin Rudd apologized to Indigenous people on behalf of the government. In the months before “Dark Emu” was published, all of Australia seemed to be debating whether Adam Goodes, an Aboriginal star who played Australian football for the Sydney Swans, was right to condemn a 13-year-old girl who had called him an ape.

“There was just this feeling in the country that there’s this unfinished business,” Pascoe said. Pointing to the protests in the United States and elsewhere over racism and policing, he said that much of the world is still trying to dismantle a colonial ideology that insisted white Christian men have dominion over everything.

The deep past can help by highlighting that “the way Europeans think is not the only way to think,” he said.

Yam daisy sprouts grow in the back of Pascoe’s farmhouse.
Yam daisy sprouts grow in the back of Pascoe’s farmhouse.Credit…AnnaMaria Antoinette D’Addario for The New York Times

Pascoe now plans to make room for a dozen people working or visiting his 140-acre farm. Teaming up with academics, Aboriginal elders and his wife and his son, Jack, who has a Ph.D. in ecology, he’s set up Black Duck Foods to sell what they grow.

The bush fires of last summer slowed them all down — Pascoe spent two weeks sleeping in his volunteer firefighter gear and battling blazes — but the small team recently completed a harvest. Over lunch, Pascoe showed me a container of the milled grain from the dancing grass, shaking out the scent of a deep tangy rye.

Out back, just behind his house, yams were sprouting, their delicate stems making them look like a weed — easy for the untrained eye to overlook, in the 18th century or the 21st.

Terry Hayes, a Yuin employee, explained that they grow underground in bunches. “If there are five, you’ll take four and leave the biggest one,” he said. “So they keep growing.”

A tree on Pascoe’s farm that burned and fell down during last season’s fires.
A tree on Pascoe’s farm that burned and fell down during last season’s fires.Credit…AnnaMaria Antoinette D’Addario for The New York Times

That collective mind-set is what Pascoe longs to cultivate. He likes to imagine the first Australians who became neighbors, sitting around a fire, discussing where to set up their homes and how to work together.

That night, we sat on his porch and watched the sun set. On a white plastic table, in black marker, Pascoe had written Yuin words for what was all around us: jeerung, blue wren; marru, mountain; googoonyella, kookaburra. It was messy linguistics, with dirt and ashtrays on top of the translations — an improvised bridge between times and peoples.

Just like the Pascoe farm.

“I’d love people to come here and find peace,” he said, shaking off the evening chill after a long day of work that did not involve writing. “It would give me a lot of deep satisfaction for other people to enjoy the land.”

Damien Cave is the bureau chief in Sydney, Australia. He previously reported from Mexico City, Havana, Beirut and Baghdad. Since joining The Times in 2004, he has also been a deputy National editor, Miami bureau chief and a Metro reporter. @damiencave A version of this article appears in print on Aug. 21, 2020, Section C, Page 12 of the New York edition with the headline: Building a Future With the Indigenous Past.

Indigenous best Amazon stewards, but only when property rights assured: Study (Mongabay)

by Sue Branford on 17 August 2020

  • New research provides statistical evidence confirming the claim by Indigenous peoples that that they are the more effective Amazon forest guardians in Brazil — but only if and when full property rights over their territories are recognized, and fully protected, by civil authorities in a process called homologation.
  • Researchers looked at 245 Indigenous territories, homologated between 1982 and 2016. They concluded that Indigenous people were only able to curb deforestation effectively within their ancestral territories after homologation had been completed, endowing full property rights.
  • However, since the study was completed, the Temer and Bolsonaro governments have backpedaled on Indigenous land rights, failing to protect homologated reserves. Also, the homologation process has come to a standstill, failing its legal responsibility to recognize collective ownership pledged by Brazil’s Constitution.
  • In another study, researchers suggest that a key to saving the Amazon involves reframing our view of it, giving up the old view of it as an untrammeled Eden assaulted by modern exploitation, and instead seeing it as a forest long influenced by humanity; now we need only restore balance to achieve sustainability.
An Indigenous woman weaving anklets on her son. A clash of cultures in the Amazon threatens Indigenous lands and the rainforest. Image by Antônio Carlos Moura, s/d.

“The xapiri [shamanic spirits] have defended the forest since it first came into being. Our ancestors have never devastated it because they kept the spirits by their side,” declares Davi Kopenawa Yanomami, who belongs to the 27,000-strong Yanomami people living in the very north of Brazil.

He is expressing a commonly held Indigenous belief that they — the original peoples on the land, unlike the “white” Amazon invaders — are the ones most profoundly committed to forest protection. The Yanomami shaman reveals the reason: “We know well that without trees nothing will grow on the hardened and blazing ground.”

Now Brazil’s Indigenous people have gained scientific backing for their strongly held belief from two American academics.

In a study published this month in the PNAS journal, entitled Collective property rights reduce deforestation in the Brazilian Amazon, two political scientists, Kathryn Baragwanath, from the University of California San Diego, and Ella Bayi, at the Department of Political Science, Columbia University, provide statistical proof of the Indigenous claim that they are the more effective forest guardians.

In their study, the researchers use comprehensive statistical data to show that Indigenous populations can effectively curb deforestation — but only if and when their full property rights over their territories are recognized by civil authorities in a process called homologação in Portuguese, or homologation in English.

A Tapirapé man and child. Image courtesy of ISA.

Full property rights key to curbing deforestation

The scientists reached their conclusions by examining data on 245 Indigenous reserves homologated between 1982 and 2016. By examining the step-by-step legal establishment of Indigenous reserves, they were able to precisely date the moment of homologation for each territory, and to assess the effectiveness of Indigenous action against deforestation before and after full property rights were recognized.

Brazilian law requires the completion of a complex four-stage process before full recognition. After examining the data, Baragwanath and Bayi concluded that Indigenous people were only able to curb deforestation within their ancestral territories effectively after the last phase ­— homologation — had been completed.

Most deforestation of Indigenous territories occurs at the borders, as land-grabbers, loggers and farmers invade. But the new study shows that, once full property rights are recognized, Indigenous people were historically able to reduce deforestation at those borders from around 3% to 1% — a reduction of 66% which the authors find to be “a very strong finding.”

However, they emphasize that this plunge in deforestation rate only comes after homologation is complete. Baragwanath told Mongabay: The positive “effect on deforestation is very small before homologation and zero for non-homologated territories.” The authors concluded: “We believe the final stage [is] the one that makes the difference, since it is when actual property rights are granted, no more contestation can happen, and enforcement is undertaken by the government agencies.”

Homologation is crucially important, say the researchers, because with it the Indigenous group gains the backing of law and of the Brazilian state. They note: “Without homologation, Indigenous territories do not have the legal rights needed to protect their territories, their territorial resources are not considered their own, and the government is not constitutionally responsible for protecting them from encroachment, invasion, and external use of their resources.”

They continue: “Once homologated, a territory becomes the permanent possession of its Indigenous peoples, no third party can contest its existence, and extractive activities carried out by external actors can only occur after consulting the [Indigenous] communities and the National Congress.”

The scientists offer proof of effective state action and protections after homologation: “For example, FUNAI partnered with IBAMA and the military police of Mato Grosso in May 2019 to combat illegal deforestation on the homologated territory of Urubu Branco. In this operation, 12 people were charged with federal theft of wood and fined R $90,000 [US $23,000], and multiple trucks and tractors were seized; the wood seized was then donated to the municipality.”

A Tapirapé woman at work. Image courtesy of ISA.

Temer and Bolsonaro tip the tables

However, under the Jair Bolsonaro government, which came to power in Brazil after the authors collected their data, the situation is changing.

Before Bolsonaro, the number of homologations varied greatly from year to year, apparently in random fashion. A highpoint was reached in 1991, when over 70 territories were homologated, well over twice the number in any other year. This may have been because Brazil was about to host the 1992 Earth Summit and the Collor de Mello government was keen to boost Brazil’s environmental credentials. The surge may have also occurred as a result of momentum gained from Brazil’s adoption of its progressive 1988 constitution, with its enshrined Indigenous rights.

Despite wild oscillations in the annual number of homologations, until recently progress happened under each administration. “Every President signed over [Indigenous] property rights during their tenure, regardless of party or ideology,” the study states.

But since Michel Temer became president at the end of August 2016, the process has come to a standstill, with no new homologations. Baragwanath and Bayi suggest that, by refusing to recognize the full property rights of more Indigenous peoples, the Temer and Bolsonaro administrations “could be responsible for an extra 1.5 million hectares [5,790 square miles] of deforestation per year.” That would help explain soaring deforestation rates detected by INPE, Brazil’s National Institute of Space Research in recent years.

Clearly, for homologation to be effective, the state must assume its legal responsibilities, says Survival International’s Fiona Watson, who notes that this is certainly not happening under Bolsonaro: “Recognizing Indigenous peoples’ collective landownership rights is a fundamental legal requirement and ethical imperative, but it is not enough on its own. Land rights need to be vigorously enforced, which requires political will and action, proper funding, and stamping out corruption. Far from applying the law, President Bolsonaro and his government have taken a sledgehammer to Indigenous peoples’ hard-won constitutional rights, watered down environmental safeguards, and are brutally dismantling the agencies charged with protecting tribal peoples and the environment.”

Watson continues: “Brazil’s tribes — some only numbering a few hundred living in remote areas — are pitted against armed criminal gangs, whipped up by Bolsonaro’s hate speech. As if this wasn’t enough, COVID-19 is killing the best guardians of the forest, especially the older generations with expertise in forest management. Lethal diseases like malaria are on the rise in Indigenous communities and Amazon fires are spreading.”

In fact, Bolsonaro uses the low number of Indigenous people inhabiting reserves today — low populations often the outcome of past horrific violence and even genocide — as an excuse for depriving them of their lands. In 2015 he declared: “The Indians do not speak our language, they do not have money, they do not have culture. They are native peoples. How did they manage to get 13% of the national territory?” And in 2017 he said: “Not a centimeter will be demarcated… as an Indigenous reserve.”

The Indigenous territory of Urubu Branco, cited by Baragwanath and Bayi as a stellar example of effective state action, is a case in point. Under the Bolsonaro government it has been invaded time and again. Although the authorities have belatedly taken action, the Apyãwa (Tapirapé) Indigenous group living there says that invaders are now using the chaos caused by the pandemic to carry out more incursions. https://www.youtube.com/embed/VEqoNo3O8Jg

Land rights: a path to conserving Amazonia

Even so, say the experts, it still seems likely that, if homologation was implemented properly now or in the future, with effective state support, it would lead to reduced deforestation. Indeed, Baragwanath and Bayi suggest that this may be one of the few ways of saving the Amazon forest.

“Providing full property rights and the institutional environment for enforcing these rights is an important and cost-effective way for countries to protect their forests and attain their climate goals,” says the study. “Public policy, international mobilization, and nongovernmental organizations should now focus their efforts on pressuring the Brazilian government to register Indigenous territories still awaiting their full property rights.”

But, in the current state of accelerating deforestation, unhampered by state regulation or enforcement, other approaches may be required. One way forward is suggested in a document optimistically entitled: “Reframing the Wilderness Concept can Bolster Collaborative Conservation.”

In the paper, Álvaro Fernández-Llamazares from the Helsinki Institute of Sustainable Science, and others suggest that it is time for a new concept of “wilderness.”

For decades, many conservationists argued that the Amazon’s wealth of biodiversity stems from it being a “pristine” biome, “devoid of the destructive impacts of human activity.” But increasingly studies have shown that Indigenous people greatly contributed to the exuberance of the forest by domesticating plants as much as 10,000 years ago. Thus, the forest and humanity likely evolved together.

In keeping with this productive partnership, conservationists and Indigenous peoples need to work in harmony with forest ecology, say the authors. This organic partnership is more urgently needed than ever, they say, because the entire Amazon basin is facing an onslaught, “a new wave of frontier expansion” by logging, industrial mining, and agribusiness.

Fernández-Llamazares told Mongabay: “Extractivist interests and infrastructure development across much of the Amazon are not only driving substantial degradation of wilderness areas and their unique biodiversity, but also forcing the region’s Indigenous peoples on the frontlines of ever more pervasive social-ecological conflict.…  From 2014 to 2019, at least 475 environmental and land defenders have been killed in Amazonian countries, including numerous members of Indigenous communities.”

Fernández-Llamazares believes that new patterns of collaboration are emerging.

“A good example of the alliance between Indigenous Peoples and wilderness defenders can be found in the Isiboro-Sécure National Park and Indigenous Territory (TIPNIS, being its Spanish acronym), in the Bolivian Amazon,” he says. “TIPNIS is the ancestral homeland of four lowland Indigenous groups and one of Bolivia’s most iconic protected areas, largely considered as one of the last wildlands in the country. In 2011, conservationists and Indigenous communities joined forces to oppose the construction of a road that would cut across the heart of the area.” A victory they won at the time, though TIPNIS today remains under contention today.

Eduardo S. Brondizio, another study contributor, points out alternatives to the industrial agribusiness and mining model: numerous management systems established by small-scale farmers, for example, that are helping conserve entire ecosystems.

“The açaí fruit economy, for instance, is arguably the region’s largest [Amazon] economy today, even compared to soy and cattle, and yet it occupies a fraction of the [land] area occupied by soy and cattle, with far higher economic return and employment than deforestation-based crops, while maintaining forest cover and multiple ecological benefits.” he said.

And, he adds, it is a completely self-driven initiative. “The entire açaí fruit economy emerged from the hands and knowledge of local riverine producers who [have] responded to market demand since the 1980s by intensifying their production using local agroforestry knowledge.” It is important, he stresses, that conservationists recognize the value of these sustainable economic activities in protecting the forest.

The new alliance taking shape between conservationists and Indigenous peoples is comparable with the new forms of collaboration that have arisen among traditional people in the Brazilian Amazon. Although Indigenous populations and riverine communities of subsistence farmers and Brazil nut collectors have long regarded each other as enemies — fighting to control the same territory — they are increasingly working together to confront land-grabbers, loggers and agribusiness.

Still, there is no doubt time is running out. Brazil’s huge swaths of agricultural land are already contributing to, and suffering from, deepening drought, because the “flying rivers” that bring down rainfall from the Amazon are beginning to collapse. Scientists are warning that the forest is moving toward a precipitation tipping point, when drought, deforestation and fire will change large areas of rainforest into arid degraded savanna.

This may already be happening. The Amazon Environmental Research Institute (IPAM), a non-profit, research organisation, warned recently that the burning season, now just beginning in the Amazon, could devastate an even larger area than last year, when video footage of uncontrolled fires ablaze in the Amazon was viewed around the world. IPAM estimates that a huge area, covering 4,509 square kilometers (1,741 square miles), has been felled and is waiting to go up in flames this year — data some experts dispute. But as of last week, more than 260 major fires were already alight in the Amazon.

Years ago Davi Kopenawa Yanomami warned: “They [the white people] continue to maltreat the earth everywhere they go.… It never occurs to them that if they mistreat it too much it will finally turn to chaos.… The xapiri [the shamanic spirits] try hard to defend the white people the same way as they defend us.… But if Omoari, the dry season being, settles on their land for good, they will only have trickles of dirty water to drink and they will die of thirst. This could truly happen to them.”

Citations:

Kathryn Baragwanath and Ella Bayi, (10 August 2020), Collective property rights reduce deforestation in the Brazilian Amazon, Proceedings of the National Academy of Sciences.

Álvaro Fernández-Llamazares, Julien Terraube, Michael C. Gavin, Aili Pyhälä, Sacha M.O. Siani, Mar Cabeza, and Eduardo S. Brondizio, (29 July 2020) Reframing the Wilderness Concept can Bolster Collaborative Conservation, Trends in Ecology and Evolution.

Banner image: Young Tapirajé women. Image by Agência Brasil.

Climate scientists increasingly ignore ecological role of indigenous peoples (EurekAlert!)

News Release 20-Jul-2020

Penn State

UNIVERSITY PARK, Pa. — In their zeal to promote the importance of climate change as an ecological driver, climate scientists increasingly are ignoring the profound role that indigenous peoples played in fire and vegetation dynamics, not only in the eastern United States but worldwide, according to a Penn State researcher.

“In many locations, evidence shows that indigenous peoples actively managed vast areas and were skilled stewards of the land,” said Marc Abrams, professor of forest ecology and physiology. “The historical record is clear, showing that for thousands of years indigenous peoples set frequent fires to manage forests to produce more food for themselves and the wildlife that they hunted, and practiced extensive agriculture.”

Responding to an article published earlier this year in a top scientific journal that claimed fires set by Native Americans were rare in southern New England and Long Island, New York, and played minor ecological roles, Abrams said there is significant evidence to the contrary.

In an article published today (July 20) in Nature Sustainability, Abrams, who has been studying the historical use of fire in eastern U.S. forests for nearly four decades, refutes those contentions.

“The palaeoecological view — based on a science of analyzing pollen and charcoal in lake sediments — that has arisen over the last few decades, contending that anthropogenic fires were rare and mostly climate-driven, contradicts the proud legacy and heritage of land use by indigenous peoples, worldwide,” he said.

In his article, Abrams, the Nancy and John Steimer Professor of Agricultural Sciences in the College of Agricultural Sciences, argues that the authors of the previous paper assumed that the scarcity of charcoal indicated that there had not been burning. But frequent, low-intensity fires do not create the amount of charcoal that intense, crown-level, forest-consuming wildfires do, he pointed out.

“Surface fires set by indigenous people in oak and pine forests, which dominate southern New England, often produced insufficient charcoal to be noticed in the sediment,” said Abrams. “The authors of the earlier article did not consider charcoal types, which distinguish between crown and surface fires, and charcoal size — macro versus micro — to differentiate local versus regional fires.”

Also, lightning in New England could not account for the ignition of so many fires, Abrams argues. In southern New England, lightning-strike density is low and normally is associated with rain events.

“The region lacks dry lightning needed to sustain large fires,” he said. “Moreover, lightning storms largely are restricted to the summer when humidity is high and vegetation flammability is low, making them an unlikely ignition source.”

Early explorers and colonists of southern New England routinely described open, park-like forests and witnessed, firsthand, Native American vegetation management, Abrams writes in his article, adding that oral history and numerous anthropological studies indicate long-term burning and land-use for thousands of years by indigenous people.

Burning near Native American villages and along their extensive trail systems constitutes large land areas, and fires would have kept burning as long as fuel, weather and terrain allowed, he explained. Following European settlement, these open oak and pine woodlands increasingly became closed by trees that previously were held in check by frequent fire.

The authors of the previous paper also argued that fire should not be used as a present-day management tool, a view that Abrams does not support.

The role of anthropogenic fires is front and center in the long-running climate-disturbance debate, according to Abrams, who notes that fires increased with the rise of human populations. The world would be a very different place without those fires, he contends.

“Surprisingly, the importance of indigenous peoples burning in vegetation-fire dynamics is increasingly downplayed among paleoecologists,” he writes. “This applies to locations where lightning-caused fires are rare.”

Abrams points out that he is not denying the importance of climate in vegetation and fire dynamics or its role in enhancing the extent of human fires. “However,” he writes, “in oak-pine forests of southern New England, Native American populations were high enough, lighting-caused fires rare enough, vegetation flammable enough and the benefits of burning and agriculture great enough for us to have confidence in the importance of historic human land management.”

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Gregory Nowacki, a scientist in the U.S. Department of Agriculture’s Eastern Regional Forest Service Office in Milwaukee, Wisconsin, contributed to the article.

Related Journal Article

http://dx.doi.org/10.1038/s41893-019-0466-0

Scientists launch ambitious conservation project to save the Amazon (Mongabay)

Series: Amazon Conservation

by Shanna Hanbury on 27 July 2020

  • The Science Panel for the Amazon (SPA), an ambitious cooperative project to bring together the existing scientific research on the Amazon biome, has been launched with the support of the United Nation’s Sustainable Development Solutions Network.
  • Modeled on the authoritative UN Intergovernmental Panel on Climate Change reports, the first Amazon report is planned for release in April 2021; that report will include an extensive section on Amazon conservation solutions and policy suggestions backed up by research findings.
  • The Science Panel for the Amazon consists of 150 experts — including climate, ecological, and social scientists; economists; indigenous leaders and political strategists — primarily from the Amazon countries
  • According to Carlos Nobre, one of the leading scientists on the project, the SPA’s reports will aim not only to curb deforestation, but to propose an ongoing economically feasible program to conserve the forest while advancing human development goals for the region, working in tandem with, and in support of, ecological systems.
Butterflies burst into the sky above an Amazonian river. Image © Fernando Lessa / The Nature Conservancy.

With the Amazon rainforest predicted to be at, or very close to, its disastrous rainforest-to-savanna tipping point, deforestation escalating at a frightening pace, and governments often worsening the problem, the need for action to secure the future of the rainforest has never been more urgent.

Now, a group of 150 leading scientific and economic experts on the Amazon basin have taken it upon themselves to launch an ambitious conservation project. The newly founded Science Panel for the Amazon (SPA) aims to consolidate scientific research on the Amazon and propose solutions that will secure the region’s future — including the social and economic well-being of its thirty-five-million inhabitants.

“Never before has there been such a rigorous scientific evaluation on the Amazon,” said Carlos Nobre, the leading Amazon climatologist and one of the chairs of the Scientific Panel. The newly organized SPA, he adds, will model its work on the style of the authoritative reports produced by the UN Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) in terms of academic diligence and the depth and breadth of analysis and recommendations.

The Amazon Panel, is funded by the United Nation’s Sustainable Development Solutions Network and supported by prominent political leaders, such as former Colombian President, Juan Manuel Santos and the elected leader of the Coordinator of Indigenous Organizations of the Amazon River Basin, José Gregorio Díaz Mirabal. The SPA plans to publish its first report by April 2021.

Timber illegally logged within an indigenous reserve seized by IBAMA, Brazil’s environmental agency, before the election of Jair Bolsonaro. Under the Bolsonaro administration, IBAMA has been largely defunded. Image courtesy of IBAMA.

Reversing the Amazon Tipping Point

Over the last five decades, the Amazon rainforest lost almost a fifth of its forest cover, putting the biome on the edge of a dangerous cliff. Studies show that if 3 to 8% more forest cover is lost, then deforestation combined with escalating climate change is likely to cause the Amazon ecosystem to collapse.

After this point is reached, the lush, biodiverse rainforest will receive too little precipitation to maintain itself and quickly shift from forest into a degraded savanna, causing enormous economic damage across the South American continent, and releasing vast amounts of forest-stored carbon to the atmosphere, further destabilizing the global climate.

Amazon researchers are now taking a proactive stance to prevent the Amazon Tipping Point: “Our message to political leaders is that there is no time to waste,” Nobre wrote in the SPA’s press release.

Amid escalating forest loss in the Amazon, propelled by the anti-environmentalist agenda of Brazilian President Jair Bolsonaro, experts fear that this year’s burning season, already underway, may exceed the August 2019 wildfires that shocked the world. Most Amazon basin fires are not natural in cause, but intentionally set, often by land grabbers invading indigenous territories and other conserved lands, and causing massive deforestation.

“We are burning our own money, resources and biodiversity — it makes no sense,” Sandra Hacon told Mongabay; she is a prominent biologist at the Brazilian biomedical Oswaldo Cruz Foundation and has studied the effects of Amazon forest fires on health. It is expected that air pollution caused by this year’s wildfire’s, when combined with COVID-19 symptoms, will cause severe respiratory impacts across the region.

Bolivian ecologist Marielos Penã-Claros, notes the far-reaching economic importance of the rainforest: “The deforestation of the Amazon also has a negative effect on the agricultural production of Uruguay or Paraguay, thousands of kilometers away.”

The climate tipping point, should it be passed, would negatively effect every major stakeholder in the Amazon, likely wrecking the agribusiness and energy production sectors — ironically, the sectors responsible for much of the devastation today.

“I hope to show evidence to the world of what is happening with land use in the Amazon and alert other governments, as well as state and municipal-level leadership. We have a big challenge ahead, but it’s completely necessary,” said Hacon.

Cattle ranching is the leading cause of deforestation in the Brazilian Amazon, but researchers say there is enough already degraded land there to support significant cattle expansion without causing further deforestation. The SPA may in its report suggest viable policies for curbing cattle-caused deforestation. Image ©Henrique Manreza / The Nature Conservancy.

Scientists offer evidence, and also solutions

Creating a workable blueprint for the sustainable future of the Amazon rainforest is no simple task. The solutions mapped out, according to the Amazon Panel’s scientists, will seek to not only prevent deforestation and curb global climate change, but to generate a new vision and action plan for the Amazon region and its residents — especially, fulfilling development goals via a sustainable standing-forest economy.

The SPA, Nobre says, will make a critical break with the purely technical approach of the United Nation’s IPCC, which banned policy prescriptions entirely from its reports. In practice, this has meant that while contributing scientists can show the impacts of fossil fuels on the atmosphere, they cannot recommend ending oil subsidies, for example. “We inverted this logic, and the third part of the [SPA] report will be entirely dedicated to searching for policy suggestions,” Nobre says. “We need the forest on its feet, the empowerment of the traditional peoples and solutions on how to reach development goals.”

Researchers across many academic fields (ranging from climate science and economics to history and meteorology) are collaborating on the SPA Panel, raising hopes that scientific consensus on the Amazon rainforest can be reached, and that conditions for research cooperation will greatly improve.

Indigenous Munduruku dancers in the Brazilian Amazon. The SPA intends to gather Amazon science and formulate socio-economic solutions in order to make sound recommendations to policymakers. Image by Mauricio Torres / Mongabay.

SPA participants hope that a thorough scientific analysis of the rainforest’s past, present and future will aid in the formulation of viable public policies designed to preserve the Amazon biome — hopefully leading to scientifically and economically informed political decisions by the governments of Amazonian nations.

“We are analyzing not only climate but biodiversity, human aspects and preservation beyond the climate issues,” Paulo Artaxo, an atmospheric physicist at the University of São Paulo, told Mongabay.

Due to the urgency of the COVID-19 pandemic, the initiative’s initial dates for a final report were pushed forward by several months, and a conference in China cancelled entirely. But the 150-strong team is vigorously pushing forward, and the first phase of the project — not publicly available — is expected to be completed by the end of the year.

The hope on the horizon is that a unified voice from the scientific community will trigger long-lasting positive changes in the Amazon rainforest. “More than ever, we need to hear the voices of the scientists to enable us to understand how to save the Amazon from wanton and unthinking destruction,” said Jeffrey Sachs, the director of the UN Sustainable Development Solutions Network, on the official launch website called The Amazon We Want.

Banner image: Aerial photo of an Amazon tributary surrounded by rainforest. Image by Rhett A. Butler / Mongabay.

“Como pesquisadores, precisamos ter a humildade de assumir que nos deparamos com os limites da técnica e da ciência” (Revista Pesquisa Fapesp)

Depoimento concedido a Christina Queiroz. 5 de julho de 2020

“A chegada da Covid-19 causou um impacto muito forte em todos os meus colegas na Universidade Federal do Amazonas [Ufam]. Com minha esposa, estou fazendo um isolamento rigoroso em Manaus, porque tenho quase 60 anos, tomo remédios para controlar pressão e diabetes. Vivemos semanas muito tristes, marcadas por muita dor e sofrimento. Como indígena, sigo perdendo amigos, familiares e lideranças de longa data. Fomos pegos de surpresa. Não acreditávamos na possibilidade de uma tragédia humanitária como essa. Faço parte de uma geração de indígenas que tem fé no poder da ciência, da tecnologia e acredita nos avanços proporcionados pela modernidade. No nosso pensamento, o vírus representa um elemento a mais da natureza. E, por causa da nossa fé no poder da ciência e da medicina científica, não esperávamos uma submissão tão grande da humanidade a um elemento tão pequeno e invisível. Assim, a primeira consequência da chegada da pandemia foi pedagógica e causou reflexões sobre nossa compreensão do mundo e de nós mesmos. 

Como pesquisadores acadêmicos, também precisamos ter a humildade de assumir que nos deparamos com os limites da técnica e da ciência. Ter humildade não significa se apequenar, mas, sim, buscar complementar os conhecimentos acadêmicos com outros saberes, para além da ciência eurocêntrica, e isso inclui as ciências indígenas. Ficou evidente o quanto é perigosa a trajetória que a humanidade está tomando, um caminho à deriva, sem lideranças, sem horizonte claro à possibilidade da própria existência humana. Somos uma sociedade que caminha para sua autodestruição. A natureza mostrou sua força, evidenciou que a palavra final é dela, e não dos humanos. 

Com o passar das semanas, essa ideia foi sendo incorporada em nossa maneira de compreender, explicar, aceitar e conviver com a nova realidade. Os povos indígenas apresentam cosmovisões milenares, mas que são atualizadas de tempos em tempos, como tem acontecido na situação atual. Passamos a olhar para a nova situação como uma oportunidade para empreender uma revisão cosmológica, filosófica, ontológica e epistemológica da nossa existência e buscar formas pedagógicas para sofrer menos. Nós, indígenas, somos profundamente emotivos. Amamos a vida e nossa existência não é pautada pela materialidade. O momento atual representa uma situação única de formação, pois afeta nossas emoções e valores. Ficamos surpresos com o pouco amor à vida das elites econômicas e de parte dos governantes, mas também de uma parcela significativa da população. A pandemia revelou essas deficiências. 

Por outro lado, um dos elementos que emergiu desse processo é uma profunda solidariedade, que tem permitido aos povos indígenas sobreviver no contexto atual. Identificamos fragilidades e limites. Também potencializamos nossas fortalezas. Uma delas, a valorização do conhecimento tradicional, considerado elemento do passado. Redescobrimos o valor do Sistema Único de Saúde [SUS], com toda a fragilidade que foi imposta a ele por diferentes governos. O SUS tem sido um gigante em um momento muito difícil para toda a sociedade.

Coordeno o curso de formação de professores indígenas da Faculdade de Educação da Ufam e me envolvo diariamente em discussões como essas com os alunos. São mais de 300 estudantes que fazem parte desse programa, divididos em cinco turmas. Recentemente, um deles morreu por conta de complicações causadas pelo novo coronavírus. No Amazonas, há mais de 2 mil professores indígenas atuando nas escolas das aldeias. Tenho muito trabalho com atividades burocráticas, para atualizar o registro acadêmico dos alunos e analisar suas pendências. Estamos planejando como fazer a retomada das atividades presenciais de ensino, mas essa retomada só deve acontecer em 2021. Enquanto isso, seminários on-line permitem dar continuidade ao processo de ensino-aprendizagem e ajudam a fomentar a volta de um espírito de solidariedade entre os estudantes indígenas, a valorização da natureza e a recuperação de saberes tradicionais sobre plantas e ervas medicinais. Em condições normais, a possibilidade de participar de tantos seminários e discussões não seria possível. Essas reflexões realizadas durante os encontros virtuais vão se transformar em material didático e textos publicados. Escrever esses textos me ajuda na compreensão da realidade e permite que esse saber seja compartilhado. 

Estamos realizando uma pesquisa para identificar quantos alunos do programa dispõem de equipamentos e acesso à internet. Muitos estão isolados em suas aldeias, alguns deles se refugiaram em lugares ainda mais remotos e só acessam a internet em situações raras e pontuais, quando precisam ir até as cidades. Em Manaus, constatamos que apenas 30% dos estudantes da Faculdade de Educação da Ufam dispõem de equipamento pessoal para utilizar a internet. No interior, entre os alunos dos territórios, esse percentual deve ser de menos de 10%. Devemos ter os resultados desse levantamento nas próximas semanas. Sou professor há 30 anos e trabalho com organizações e lideranças indígenas e vejo como esse fator dificulta o planejamento de qualquer atividade remota. Quando tivermos os resultados dessa pesquisa, a ideia é ter uma base de dados para que o movimento indígena se organize para solucionar o problema. Essa situação de ensino remoto pode se prolongar e precisamos estar preparados para não prejudicar os direitos dos alunos e vencer a batalha da inclusão digital.

Há 50 dias, vivíamos o pico da pandemia em Manaus. Estávamos apavorados, com 140 mortes diárias e as pessoas sendo enterradas em valas coletivas. Essa semana foi a primeira que sentimos um alívio. Hoje, 25 de junho, foi o primeiro dia em que nenhuma morte por coronavírus foi registrada na cidade. O medo agora é que pessoas desinformadas, ou menos sensíveis à vida, com o relaxamento das regras de isolamento, provoquem uma segunda onda de contaminação. Percebemos que as pessoas abandonaram as práticas de isolamento e muitas nem sequer utilizam máscaras. Mas começamos a sair do fundo do poço, inclusive o existencial. As estruturas montadas para o caos, como os hospitais de campanha, estão sendo desmontadas. 

Tivemos perdas de lideranças e pajés indígenas irreparáveis e insubstituíveis. Com a morte desses sábios, universos de sabedoria milenar desapareceram. Os pajés são responsáveis por produzir e manter o conhecimento tradicional, que só é repassado para alguns poucos herdeiros escolhidos, que precisam ser formados em um processo ritualístico longo e repleto de sacrifícios. As gerações mais jovens apresentam dificuldades para seguir esses protocolos e, por causa disso, o conhecimento tradicional tem enfrentado dificuldades em ser repassado. Eu e meus colegas da Ufam e dos movimentos indígenas estamos incentivando a nova geração a criar estratégias para absorver essa sabedoria, porque muitos sábios seguirão vivos. Escolas e universidades também podem colaborar com o processo, reconhecendo a importância desses saberes. Com os jovens, estamos insistindo que chegou a hora de garantir a continuidade dos saberes tradicionais. 

Com a melhoria da situação em Manaus, minha preocupação agora se voltou para o interior, onde foram notificadas 24 mortes nas últimas 24 horas. A população do interior representa menos de 50% da do Amazonas, estado onde as principais vítimas têm sido indígenas, do mesmo modo que acontece em Roraima. Toda minha família vive em São Gabriel da Cachoeira, incluindo minha mãe de 87 anos. A cidade já registrou mais de 3 mil casos e 45 mortes e ainda não atingiu o pico da pandemia. Há cerca de 800 comunidades no entorno do município e sabemos que o vírus já se espalhou por quase todas elas.

Porém há algo que nos alivia. Inicialmente ficamos apavorados, pensando que o vírus causaria um genocídio na população da cidade e seus entornos. O único hospital de São Gabriel não possui leitos de UTI [Unidade de Terapia Intensiva]. Passados 45 dias da notificação do primeiro caso na cidade, apesar das perdas significativas, vemos que as pessoas têm conseguido sobreviver à doença se cuidando em suas próprias casas, com medicina tradicional e fortalecendo laços de solidariedade. Minha mãe ficou doente, apresentou os sintomas da Covid-19. Também meus irmãos e uma sobrinha de minha mãe de 67 anos. Eles não foram testados. Decidiram permanecer em suas casas e cuidar uns dos outros, se valendo de ervas e cascas de árvores da medicina tradicional. Sobreviveram. Sabiam que ir para o hospital lotado naquele momento significaria morrer, pois a estrutura é precária e eles ficariam sozinhos. Ao optar por permanecer em casa, possivelmente transmitiram a doença um ao outro, mas a solidariedade fez a diferença. Um cuidou do outro. Culturalmente, a ideia de isolar o doente é algo impossível para os indígenas, pois seria interpretado como abandono, falta de solidariedade e desumanidade, o que é reprovável. Os laços de solidariedade vão além do medo de se contaminar.”

Coronavírus chega à reserva indígena do Xingu, e Kuarup é cancelado pela 1ª vez (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

Lígia Mesquita, 12 de junho de 2020

Todos os anos, os povos do chamado Alto do Xingu, no Parque Nacional do Xingu, passam seis meses se preparando para a festa mais importante do ano, o Kuarup. A celebração que normalmente se estende de julho a setembro é o ritual sagrado no qual todos os mortos do último ano são homenageados. É a maneira que os índios das 11 etnias do Alto Xingu têm de celebrá-los. Com o Kuarup, as famílias que passaram os últimos 12 meses em luto, podem voltar à rotina normal.

Numa decisão histórica ocorrida no início desta semana, em conversas via rádio amador, os caciques das etnias participantes do Kuarup decidiram cancelar o ritual pela primeira vez. Aquilo que já era temido se confirmou: o coronavírus chegou ao Parque do Xingu, reserva indígena no norte do Mato Grosso, com mais de 7.000 habitantes de 16 etnias.

No último fim de semana, o cacique Vanité Kalapalo e seu Yarurú, da aldeia Sapezal, foram internados no Hospital Regional de Água Boa (MT), a 736 Km de Cuiabá, com sintomas agudos da Covid-19.

Outras pessoas da aldeia Sapezal, uma das mais próximas da cidade de Querência (MT), também fizeram testes com suspeita da doença.

O povo Kalapalo foi isolado, mas segundo especialistas e lideranças de outros povos, a previsão é que o coronavírus se espalhe pela primeira grande terra indígena demarcada pelo governo federal, em 1961, e considerada patrimônio nacional.

Em abril, reportagem do caderno especial Sebastião Salgado na Amazônia – Xingu, da Folha, já alertava para a chegada da Covid-19 àquela terra indígena.

“O cenário é de possível genocídio”, afirma o médico sanitarista Douglas Rodrigues, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que há 40 anos trabalha no Xingu. “Se a taxa de transmissão do vírus seguir em alta como aconteceu nas aldeias da Amazônia, num pior cenário teremos 2.000 infectados e poderemos chegar a cem óbitos.”

Segundo o sanitarista, o potencial de propagação do coronavírus no Xingu dependerá da organização dos próprios índios, da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena), e da Funai (Fundação Nacional do Índio).

“Mesmo com orientação e avisos sobre a pandemia, pedindo para que a circulação fosse evitada, não foi possível fazer com que alguns índios, principalmente os mais jovens, não deixassem suas aldeias. Parte das pessoas não acreditou no potencial da pandemia, há também desinformação e fake news circulando”, diz Rodrigues. “Também nesta época do ano são comuns surtos de gripe e de infecções respiratórias no parque. Há quase dois meses, quando muitos começaram a ficar doentes em uma das aldeias Kalapalo, pedimos à Sesai testes para Covid-19, mas isso não foi feito. Então não sabemos se a doença chegou ali há mais tempo.”

O professor de antropologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Antonio Guerreiro, que pesquisa os Kalapalo desde 2006, também vê com muita preocupação a chegada do coronavírus ao Xingu e o risco de um possível genocídio.

“Os riscos do coronavírus se espalhar são enormes se compararmos a situação atual com a última grande epidemia que atingiu o Xingu, a de sarampo, em 1954, que dizimou ao menos 20% da população. Com a criação do Parque do Xingu em 1961, as aldeias ficaram mais próximas e hoje há uma intensa circulação entre seus habitantes e com a cidade, onde comprar alimentos, combustível, material para pesca. E o coronavírus tem uma propagação rápida”, diz Guerreiro, atualmente pesquisador na Universidade de Oxford, na Inglaterra.

Os dois Kalapalo com Covid-19 receberam alta no fim da tarde desta terça (9) e foram encaminhados para a Casai (Casa de Saúde e Apoio ao Índio) em Canarana (MT). A recomendação era que ficassem por lá para cumprir a quarentena, já que os primeiros sintomas surgiram no dia 3 de junho. O isolamento recomendado pelas principais organizações de saúde, no entanto, esbarra em resistência cultural.

Os índios não aceitaram fazer a quarentena por lá e voltaram para a aldeia com a promessa de ficarem numa casa isolada e usando máscaras. “Índio é muito complicado. Eles disseram que estavam bem e precisavam voltar para casa”, diz o também indígena e técnico de enfermagem Tafuraki Nahukuá, que trabalha na Casai.

Para Guerreiro, não dá para fazer uma simplificação dessa escolha em voltar para a aldeia apenas como sendo uma vontade ou capricho. Há questões culturais complexas que podem explicar o fato dos dois índios terem optado por voltar para casa.

“Estou especulando, porque não consegui contato com eles ainda. Mas, pelo que já pesquisei e ouvi dos Kalapalo, eles não gostam de ficar na Casai, porque além de ter uma infraestrutura péssima, eles ficam afastados da família e dos cuidados e supervisão que os parentes têm de perto com os doentes. E também porque temem feitiçaria por parte de algum índio de outra etnia que pode estar eventualmente internado ali”, diz.

Rodrigues explica como é complicado o cenário de isolamento social dentro do Xingu. Os indígenas da região moram em ocas coletivas, com 30, 40 pessoas dentro e compartilham objetos e comida. Muitos não têm acesso à água e sabão para lavar as mãos.

“Faltam EPI [equipamento de proteção individual], treinamento, comunicação, faltam testes e cilindros maiores de oxigênio para os atendimentos que precisarem de mais cuidados e para possíveis remoções até a cidade mais próxima, entre outras coisas.”

A Unifesp, o ISA (Instituto SocioAmbiental), a SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), o DSEI Xingu, a Coordenação Nacional do Xingu, da Funai, e Atix (Associação da Terra Indígena Xingu) montaram um comitê de crise e com realocação de recursos próprios estão enviando testes para Covid-19, concentradores de oxigênio, oxímetros, EPIs, equipamentos de pesca, máscaras e alimentos.

A universidade, por meio de seu Projeto Xingu, da Escola Paulista de Medicina, está dando treinamento a distância para agentes de saúde e também enviará 500 testes para Covid-19. O ISA mandará outros 380 testes.

“Faltariam no mínimo mais mil”, diz Paulo Junqueira, coordenador do projeto Xingu no ISA, que há 20 anos trabalha na região.

Para Junqueira, a questão agora é ganhar tempo até que as aldeias consigam se organizar melhor e receber equipamentos necessários para conter a doença. Existem dez casas de apoio para isolamento sendo construídas no parque.

O povo Kuikuro está construindo numa aldeia uma oca específica para colocar possíveis infectados em isolamento. Também preparou uma cartilha com informações sobre o coronavírus, em português e na língua Kuikuro.

A AIKAX (Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu) recebeu 28 mil libras (cerca de R$ 176 mil) de ajuda por meio de uma iniciativa comandada pela People’s Palace Project (PPP), organização vinculada à Universidade Queen Mary, de Londres, que trabalha há seis anos com os Kuikuro. “Estamos organizando o envio de suprimentos para evitar ao máximo a exposição das pessoas dali ao vírus”, diz Thiago Jesus, da PPP.

O cacique Yanama Kuikuro, da aldeia Ipatse, diz que a preocupação é grande e que estão correndo contra o tempo para conseguir equipamentos e construir a casa de quarentena rapidamente. Ele conta que com a ajuda do doutor Rodrigues, da Unifesp, está fazendo a compra dos suprimentos necessários e orientando o seu povo. “É uma tristeza enorme termos que cancelar o Kuarup, isso nunca aconteceu. Mas todas lideranças conversaram e vimos que é muito perigoso fazer aglomeração”, fala Yanama.

O povo Yawalapiti também está devastado com o cancelamento do Kuarup. “É o ritual mais sagrado do povo do Alto Xingu. Mas não teve outro jeito”, diz Tapi Yawalapiti, filho do cacique Aritana e uma das lideranças locais.

Ele conta que há dois meses vinham pedindo para as pessoas da aldeia evitarem ir à cidade por causa do vírus, mas que os mais jovens não acreditavam que a doença era grave e poderia atingir os índios. “Eles pegavam as motos e iam escondido. Agora está proibido, precisa de autorização.”

Tapi também conta que na segunda eles fecharam de vez a estrada próxima à aldeia que vai até a cidade. “Ontem já não deixamos nem o carro da Funai passar.”

Segundo ele, nas aldeias Yawalapiti não há máscaras, álcool em gel, remédios ou equipamentos básicos.

O técnico indígena de enfermagem Leonardo Kamaiurá também relata falta de suprimentos e equipamentos de prevenção nas Unidades Básicas de Saúde. “Temos poucas máscaras, o álcool em gel temos que dividir metade do pote para mandar para outros postos. Falta o básico.”

O profissional conta que ouve de muitos índios que o coronavírus seria uma doença apenas de não-indígenas, que seriam mais fracos. “Há uma resistência grande por aqui também para acreditar na pandemia, como acontece no resto do Brasil.”

Todas lideranças indígenas e profissionais de saúde ouvidos pelas Folha dizem que o governo não tem ajudado e que falta informação correta.

A disseminação de notícias falsas ou incorretas, segundo alguns indígenas, está levando medo à população. Em um áudio ao qual a Folha teve acesso, o presidente da Atix, Ianukulá Kaiabi Suiá, diz que há pessoas falando em não reportar sintomas aos agentes de saúde, porque, se isso acontecer, “eles serão levados aos hospitais, serão entubados e vão morrer”.

A médica Daphne Andrade, do DSEI Xingu, diz que não ouviu isso nas aldeias do Alto Xingu nas quais ela trabalha. “Rodei muitas aldeias levando informação sobre corona, fazendo alguns testes e não ouvi isso. Eles falam sim que têm medo de intubar, porque isso todos nós temos, né? Mas não ouvi isso de não reportar sintomas.”

A reportagem tentou contato com alguma liderança dos Kalapalo, mas por problemas de comunicação no local, não conseguiu.

Em nota, o Ministério da Saúde, por meio da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), diz trabalhar em articulação com o estado, tanto que está prevista a instalação de ala indígena em hospital do Mato Grosso. E que o Distrito Sanitário Especial Indígena do Xingu já recebeu 720 testes para Covid-19 e que estão sendo enviados mais mil. E que enviará mais 36 cilindros de 50 litros de oxigênio.