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O que não indígenas deveriam aprender com os povos originários para impedir a queda do céu? (Brasil De Fato)

Retomando terras e roças tradicionais, Guaranis apontam caminhos para mudar a rota de devastação do planeta

Gabriela Moncau

Brasil de Fato | São Paulo (SP) |

22 de Maio de 2022 às 15:25

Segundo a plataforma Agro é Fogo, só no ano passado 37 mil famílias foram afetadas pelo uso do fogo como arma para os conflitos no campo
Segundo a plataforma Agro é Fogo, só no ano passado 37 mil famílias foram afetadas pelo uso do fogo como arma para os conflitos no campo – Carl de Souza / AFP

“Gente do céu… Esse pessoal branco tem que parar. Ficam passando veneno, destruindo tudo. O dia que acabar a natureza, os seres humanos vão se acabar também. Parece que os brancos são cegos. Parece que são surdos”. 

Leila Rocha toma chimarrão olhando o rio todas as manhãs. Com 59 anos de idade, a liderança Guarani Ñandeva do município de Japorã, no Mato Grosso do Sul (quase fronteira com o Paraguai), diz ter de suportar ver, a cada dia, o mato desaparecer e as águas do rio diminuírem.  

Foi ali, na Terra Indígena (TI) Yvy Katu, que Leila cresceu. Ela se lembra quando, aos 8 anos, sua comunidade foi expulsa, encaminhada “na marra” pela Funai para uma reserva “apertada” e viu sua terra ser tomada por fazendeiros. Na ocasião, ela prometeu ao pai que voltaria. Décadas depois, cumpriu.  

Leila faz parte do Conselho da Aty Guasu (Grande Assembleia Kaiowá e Guarani) e da Kuñangue Aty Guasu (Grande Assembleia das Mulehres Kaiowá e Guarani). Participou da retomada da TI Yvy Katu em 2003 e, depois de serem despejados, esteve também na outra retomada, feita em 2013. Ali vive desde então. Mas a terra – que está demarcada e com a homologação pendente – não é mais a mesma. Está no meio de um estado tomado pela pecuária, por plantações de cana, milho e soja transgênica. 

Segundo o MapBiomas, só as plantações de soja ocupam 36 milhões de hectares no Brasil, o equivalente a 4,3% do território nacional. É uma área maior do que países como a Itália ou o Vietnã.  

Pouco menos que a metade (42%) dessa monocultura está na região do Cerrado, onde Leila vive. Entre 1985 e 2020, a soja se expandiu 464% no bioma.  

Um ser que produz seu próprio fim 

O veneno no rio mencionado por Leila vem da pulverização de agrotóxicos do agronegócio que, de tão sistemáticas no Mato Grosso do Sul, foram definidas como “agressões químicas” pelo procurador Marco Antônio Delfino, do Ministério Público Federal, em denúncias que levou adiante contra a prática.  

O Cerrado é também uma das regiões do país que ganhou destaque no relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, divulgado em abril. Se houver o aumento previsto da temperatura média da Terra de 4ºC a 5ºC, a previsão é que as chuvas nessa área do Brasil reduzam em 20%. 

:: Novo relatório do IPCC destaca que mundo teria aumento de 3,2ºC com políticas climáticas atuais ::

Ainda segundo o relatório da ONU, feito a partir de cerca de 18 mil publicações científicas, se o planeta não reduzir quase pela metade as emissões de gases do efeito estufa até 2030, uma catástrofe global será inevitável. 

E o Brasil vem dando sua contribuição para que o planeta avance rapidamente nesse rumo. Dados da ONG Global Forest Watch divulgados no fim de abril apontam que o país foi responsável por 40% do desmatamento mundial em 2021.  

No livro A queda do céu, o xamã e líder Yanomami Davi Kopenawa descreve que “os brancos não pensam muito adiante no futuro. Estão sempre preocupados demais com as coisas do momento”.  

“A floresta está viva. Só vai morrer se os brancos insistirem em destruí-la”, profetiza Kopenawa: “Então morreremos, um atrás do outro, tanto os brancos quanto nós. Todos os xamãs vão acabar morrendo. Quando não houver mais nenhum deles vivo para sustentar o céu, ele vai desabar”.  

Kopenawa explica que escreveu aquelas palavras em coautoria com o antropólogo Bruce Albert para que os brancos as compreendam e possam dizer “os Yanomami são diferentes de nós, (…) o pensamento deles segue caminhos outros que o da mercadoria”. 

“Ruralista bebe água também”  

E a mercadoria, diz Leila Rocha – com um tom de voz calmo, quase destoante com aquele que se esperaria de alguém que há tanto tempo tem de explicar o óbvio -, é inútil se a vida não puder existir. 

“As pessoas não entendem a luta dos indígenas. Pensam que é por causa da terra. Não é isso. A gente luta pela natureza, pelo rio, pelos remédios tradicionais, para que as árvores possam ficar no lugar em que elas estão”, elenca. “A natureza também sente dor, igual o ser humano”, diz. 

“É difícil colocar isso na cabeça das pessoas brancas. Quando você diz, parece que a pessoa entende tudo. Mas na verdade não entende né? Só pensa em destruir, passar o trator, queimar a beira do rio. Mas nós seres humanos precisamos dessa água. Nunca vamos viver sem água”, afirma Leila Rocha. 

“Os ruralistas, fazendeiros, são devoradores da natureza. E não conseguem pensar que estão matando a própria vida deles. Se um dia a água acabar, nós seres humanos não sobrevivemos. Mesmo ruralista com toda a riqueza que tem. Ruralista bebe água também”, ressalta.   

Retomadas de terra e de roças tradicionais 

Mas enquanto uns insistem em destruir a natureza, outros se esforçam para salvá-la. Depois de décadas vivendo em duas aldeias de 26 hectares cada, os Guarani Mbya da TI Tenondé Porã, localizada na região de Parelheiros, zona sul de São Paulo, começaram, desde 2013, um processo de retomada de suas terras. 

:: Retomadas em todo o país: indígenas ocupam suas terras ancestrais, ainda que sob ataque ::

Atualmente são 14 aldeias. Seis delas – Nhamandu Mirῖ, Yporã,  Ikatu Mirῖ, Takua Ju Mirĩ, Ka’aguy Hovy e Kuaray Oua – foram retomadas de 2020 para cá.  

A dispersão por um território mais amplo permitiu que, nos últimos anos, os indígenas retomassem também aspectos do nhandereko, o modo de viver Guarani. Uma parte desse conjunto de práticas e conhecimentos é a agricultura tradicional, antes impossibilitada pela falta de espaço.  


Em 2020, 35% da população da Terra Indígena Tenondé Porã estava envolvida nos trabalhos das roças tradicionais / Clarisse Jaxuka

Segundo levantamento do Centro de Trabalho Indigenista (CTI) em seis das aldeias, em 2020 já havia 80 roças indígenas, cultivando 190 variedades agrícolas. Entre elas, diferentes espécies de milho, mandioca, batata, feijão, abóbora e banana.  

As roças foram desenvolvidas a partir do uso de sementes trocadas e também guardadas como tesouro pelos anciãos e anciãs Guarani, os xeramoĩ e as xejariy

Juxuka Mirῖ, chamada de Clarisse em português, trabalha na roça da aldeia Kalipety (retomada em 2013) e é também coordenadora da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY).  

“Temos vários tipos de batata: roxa, branca, amarela. E milhos também. Tem preto, vermelho, branquinho, amarelo, colorido. A gente conseguiu resgatar os milhos de antigamente. Eu estou muito feliz. Quando eu era criança era bem difícil ver esse milho”, conta Jaxuka, que atualmente tem 37 anos. “Às vezes eu penso… Tem alguns mais velhos que já não estão mais junto conosco, que lutaram tanto para ver isso… Sabe?” 

“O mundo não acaba, mas a gente acaba” 

Jaxuka tem uma lembrança de, aos 12 anos, ouvir pela primeira vez os xeramoĩ’ kuery, os mais velhos, falando sobre a importância da manutenção das práticas e saberes indígenas para impedir que a ganância capitalista destrua a vida humana.  

“Isso se fala desde antigamente. Não só juruá [não indígenas] né, mas mesmo nós Guarani: se não soubermos cuidar da natureza, das nossas rezas, se a gente começar a esquecer dos nossos, das nossas línguas…”, diz Jaxuka: “O mundo não acaba. Mas a gente acaba”.  

“Hoje em dia esse mundo está louco mesmo. A natureza vive, a natureza chora, a natureza grita – e ninguém ouve mais”, resume Leila Rocha. “Eu espero que um dia os brancos entendam que os indígenas são guardiões. A gente não luta só pela terra. A gente luta por todos nós”. 

Edição: Raquel Setz

Brasil devastou quase 90% da mata atlântica e 20% da Amazônia depois da Independência (Folha de S.Paulo)

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País dilapida patrimônio natural único e ignora urgências da crise do clima

Marcelo Leite

21 de maio de 2022


[RESUMO] A preocupação com o desmatamento é tão antiga quanto a Independência, mas José Bonifácio foi derrotado por oligarquias escravistas em suas tentativas de disciplinar a exploração e a derrubada de florestas. Dois séculos depois, o Brasil de Bolsonaro retrocede à versão mais primitiva do mito do berço esplêndido e trata o ambiente, na contramão da emergência climática, como se fosse fonte inesgotável de riquezas para pilhar.

Em 1822, o patrimônio ambiental do território que se tornava o Império do Brasil não diferia muito do que portugueses haviam encontrado três séculos antes. A devastação da mata atlântica, primeira vítima natural da colonização, prosseguia a ferro e fogo, mas concentrada no entorno de poucos centros urbanos, muitos canaviais, áreas de pecuária e a lavoura incipiente de café.

O mesmo não se pode dizer dos povos indígenas, vários já extintos naquela altura. No século 16, eles contavam algo entre 2 e 8 milhões de indivíduos, calcula-se. Sobreviveram à frente colonial os que se internaram nos sertões da caatinga, do cerrado e da floresta amazônica, deixando a costa para o domínio do branco e a labuta dos escravizados da África.

São hoje 305 povos indígenas remanescentes, segundo o IBGE. No Censo de 2010, somavam 897 mil pessoas, menos de 0,5% da população, das quais 572 mil em áreas rurais (sobretudo aldeias) e 325 mil em cidades.

No mesmo recenseamento, mais de 82 milhões de habitantes se declararam pardos (43,1% do total). Outros 15 milhões se identificaram como pretos (7,6%), perfazendo assim uma maioria de brasileiros descendentes dos 4,8 milhões de negros sequestrados na África.

Essa deriva populacional é indissociável da história do meio ambiente no Brasil. A dizimação de povos indígenas acompanhou a marcha predatória para oeste no século 20, com meios técnicos bem mais poderosos que a limitada força produtiva da legião de escravizados.

Na virada do século 19 para o 20, logo após a Abolição (1888), estima-se que a mata atlântica ainda tinha cerca de 90% da cobertura original de pé, mesmo após quatro séculos de predação. Hoje, 130 anos depois, restam apenas 12,4% da vegetação do bioma. No início do século passado, Amazônia, cerrado e caatinga estavam quase intocados.

A tríade genocídio, escravização e desmatamento compõe a matriz da exploração do território forjada no período colonial, com reflexos até os dias de hoje. A crítica à forma peculiar de atraso, embora atual, não emergiu com a consciência ambiental nos anos 1970, mas já com a própria nação brasileira.

Na proa do ambientalismo precoce esteve José Bonifácio de Andrada e Silva, alcunhado patriarca da Independência, como detalha o historiador José Augusto Pádua no livro “Um Sopro de Destruição: Pensamento Político e Crítica Ambiental no Brasil Escravista, 1786-1888“.

Andrada passou a maior parte da vida adulta em Portugal, para onde partiu aos 20 anos. Formou-se na Universidade de Coimbra sob influência do Iluminismo e do naturalista italiano Domenico Vandelli, professor da universidade e crítico da destruição ambiental no país e em suas colônias. Só em 1819, aos 56, retornou ao Brasil, onde se tornaria ministro do Império.

Pádua destaca no livro quatro elementos essenciais da obra de Andrada: visão de mundo fundada na economia da natureza, defesa do progresso econômico como instrumento civilizatório, apologia da racionalização das técnicas produtivas pela aplicação pragmática do conhecimento científico, crítica da exploração destrutiva dos recursos naturais.

Antes mesmo da Independência, ele foi chamado pelo príncipe regente, futuro Pedro 1º, para chefiar o gabinete de ministros. Passou a defender ideias avançadas para a época, como emancipação gradual de escravizados, assimilação de indígenas, educação popular e imigração estrangeira.

Propunha a superação do modelo agrícola colonial calcado no latifúndio, na monocultura e na destruição florestal. Tal prática deveria ser transformada com reforma agrária, difusão de métodos agronômicos modernos e ambientalmente equilibrados, relata Pádua.

Para o visionário, florestas eram fundamentais para manter a fertilidade da terra e a abundância de água. A venda ou a distribuição de terras pela Coroa deveria ficar subordinada à condição de manter um sexto da área com matas originais ou plantadas.

A carreira política de Andrada foi curta. Já em 1823, deixou o ministério, em julho; em novembro, foi preso e exilado na França, onde ficaria até 1829. Retoma os projetos em 1831, como tutor dos filhos do imperador, mas é deposto em 1833. Refugiou-se em Paquetá até a morte, cinco anos depois.

Oligarquias regionais, latifundiárias e escravistas jamais aceitaram o programa de Andrada. Sua derrota, assim como a consagração como estadista, da qual a historiografia omitiu, entretanto, o ideário ambiental, dizem muito sobre a indisposição da elite nacional, desde sempre, para tirar o país do atraso.

Pádua traça um paralelo com os Estados Unidos, outra nação jovem com vastos recursos naturais, mas não tropical, que também dizimou indígenas e explorou negros escravizados. As terras a oeste foram ocupadas cedo com levas de imigrantes, enquanto o Brasil permanecia dependente da escravidão.

Em 1822, a população brasileira era de 4,6 milhões de habitantes, contra 9,6 milhões de norte-americanos. Em 1900, éramos ainda 17,4 milhões, ao passo que, nos EUA, já viviam 76,3 milhões.

“A permanência desse olhar para um horizonte dotado de gigantescas formações naturais e aberto para um avanço futuro praticamente ilimitado, parecendo tornar desnecessários os esforços e os custos envolvidos na conservação e no uso cuidadoso das áreas já abertas, é possivelmente a marca central da história ambiental do Brasil”, diagnostica Pádua.

É o que ele chama de mito do berço esplêndido, expressão tirada do primeiro verso da segunda parte do hino nacional, a menos cantada. Um mito ambíguo, que pôs a natureza exuberante no centro da autoimagem da nação que surgia, motivando as missões científicas de naturalistas patrocinadas pelo Império, mas também a pintava como recurso em aparência infinito a ser explorado.

“Somos definidos pela confluência de abundâncias, abusos e ganâncias”, afirma Natalie Unterstell, do centro de estudos climáticos Talanoa e do Monitor da Política Ambiental, uma parceria com a Folha.

“O mito do berço esplêndido inscreveu uma perspectiva linear e cumulativa de expansão territorial progressiva”, diz.

“O algoritmo original da nação brasileira, que foi infelizmente tão bem demonstrado na devastação da mata atlântica, nos impulsionou a acelerar a destruição ambiental, partindo do pressuposto de que nossa base de recursos é infindável e que o custo da conversão de biodiversidade é nulo.”

Se o algoritmo já estava pronto e, por assim dizer, testado em 1,1 milhão de quilômetros quadrados da mata atlântica (13% do território nacional), demorou a ser aplicado em outros dois biomas florestais muito mais vastos: floresta amazônica(4,2 milhões de km2,ou 49%) e cerrado (2 milhões de km2, 24%).

O sopro de destruição de que fala Pádua só varreria o restante do território no século 20. O ímpeto modernizador que levou à Revolução de 1930 criou a noção de que era preciso ocupar o interior e levar o desenvolvimento para os sertões.

“Governar é povoar”, dizia o presidente Afonso Pena (1906-1909). Washington Luís(1926-1930) aproveitou o mote e o ampliou quando ainda era governador de São Paulo: “Governar é abrir estradas”.

Um século depois dos Estados Unidos, o Brasil iniciava sua Marcha para Oeste, que culminaria com a inauguração de Brasília em 1960. Em lugar de cavalos e carroções, seguiam caminhões, ônibus, tratores e automóveis da nascente indústria automobilística. O petróleo era nosso.

Dos anos 1880, década da Abolição e da República, até 1940, quase 5 milhões de imigrantes chegaram ao país. A população se multiplicou por dez ao longo do século passado, mas em 1950 o Brasil ainda era um país atrasado: apenas 36% da população de 52 milhões vivendo em cidades, 51% de analfabetismo, expectativa de vida de meros 43 anos.

Do ponto de vista ambiental, entretanto, o atraso e o gigantismo legaram ao país uma situação única: 99% da maior floresta tropical do mundo estava de pé na Amazônia, alimentando algumas das maiores bacias hidrográficas do planeta, a garantir água para a nascente potência agropecuária.

Aí sobreveio a ditadura militar (1964-1985), com o ímpeto do chamado milagre econômico e um novo lema territorial: “Integrar para não entregar”. O mito do berço esplêndido passou a alicerçar a paranoia militar da cobiça internacional sobre a Amazônia.

O que era, até aí, uma vocação para destruir, apesar do ufanismo naturalista dos tempos do Império, ganhou escala e impacto com a grande aceleração do pós-guerra, como assinala o historiador José Augusto Pádua.

A população cresceu para mais de 214 milhões de pessoas. A produção de ferro pulou de 9 milhões de toneladas em 1950 para cerca de 400 milhões atualmente. A produção de grãos saltou de 39 milhões, em 1975, para cerca de 210 milhões de toneladas. A taxa de urbanização avançou a 85%.

Esse crescimento teve um lado muito positivo. Com a criação da Embrapa em 1973, na pior fase da ditadura, a agricultura mudou de patamar, ganhou produtividade e conquistou o planalto central para a soja, o milho e o gado bovino.

A produtividade agrícola brasileira subiu à taxa de 3,6% ao ano entre 1975 e 2010, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) –o dobro da velocidade observada nos Estados Unidos no mesmo período.

O Brasil chegou em ótima posição ao boom de commodities dos anos 2000. Surfando na abundância de recursos, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criou o Bolsa Família e o ProUni e turbinou o Fies. Cotas raciais foram implementadas. A pobreza diminuiu, e a escolaridade aumentou.

Em contrapartida, o ambiente sofreu. Na euforia do pré-sal, cresceu a produção de petróleo e gás (para não falar da corrupção associada), combustíveis fósseis que agravam o aquecimento global.

A usina de Belo Monte desfigurou para sempre o emblemático Xingu. O rio dá vida e nome ao parque indígena (1961) dos irmãos Villas-Bôas, continuadores do indigenismo benigno do marechal Cândido Rondon. Ali vivem 16 etnias, algumas atraídas para a área para abrir espaço às companhias colonizadoras.

Aliada à incúria do poder público, a mineração de metais, outro setor impulsionado pelo apetite voraz da economia chinesa, desencadeou as hecatombes de Mariana (2015) e Brumadinho (2019). Ao todo, 289 mortos.

O crescimento da população urbana se deu de maneira desorganizada. As cidades incharam, sem saneamento básico, com muito trânsito, favelas e poluição atmosférica.

Quase metade (45%) dos brasileiros não tem acesso à rede de esgoto, e só metade do que se coleta passa por tratamento —o restante chega in natura aos rios, volume de dejetos equivalente a 5,3 milhões de piscinas olímpicas por ano, segundo o Instituto Trata Brasil. É mais que improvável cumprir a meta de universalizar água e esgoto até 2033.

A derrubada do cerrado avançou, e a devastação dessa savana brasileira com enorme biodiversidade ultrapassou metade da cobertura original. A floresta amazônica, que viu as taxas de desmatamento recuarem de 27.779 km2 a 4.571 km2 entre 2004 e 2012, voltou a crescer até alcançar 13.235 km2 em 2021, acumulando 20% de perda da vegetação ainda intacta na época da Independência.

“Na economia, usa-se o termo ‘voo de galinha’ para descrever os ciclos de desenvolvimento, e na área ambiental pode-se usar a mesma analogia”, diz Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa.

“Depois de recordes de descaso, reduzimos drasticamente o desmatamento na Amazônia entre 2004 e 2012, a maior ação de mitigação de emissão de gases de efeito estufa da história contemporânea, mostrando do que o Brasil é capaz quando trabalha sério para implementar uma política pública.”

Em paralelo, avançavam no mundo negociações para mitigar o aquecimento global e o pior da mudança climática. O governo brasileiro evoluiu de posições refratárias para algum protagonismo, a partir da Cúpula da Terra no Rio (1992) e do Protocolo de Kyoto (1997), o que se esboroaria de vez com Jair Bolsonaro (PL).

A destruição da Amazônia se tornou tema mundial em 1988, no governo de José Sarney (PMDB, 1985-1990), poucos anos após o fim da ditadura que cortou a região Norte com a rodovia Transamazônica. Queimadas se multiplicavam nos sensores de satélites, chamando a atenção da opinião pública mundial para a frente de ocupação predatória que resultaria na morte do líder seringueiro Chico Mendes.

Demorou uma década para a diplomacia e a Presidência da República se darem conta da oportunidade do país valorizar seu patrimônio florestal ímpar como capital político (soft power). E, também, para auferir créditos de carbono e pagamentos por serviço ambiental de matas que absorviam gases do efeito estufa da atmosfera.

O governo de Dilma Rousseff (PT) assumiu compromissos voluntários relativamente ambiciosos de diminuição de emissões de carbono para o Acordo de Paris (2015). O Brasil se prontificou a reduzir em 43%, até 2030, o lançamento de gases-estufa gerados, principalmente, pelo desmatamento.

Apesar de pequenos repiques nas cifras de devastação amazônica de 2013 a 2015, a média anual nesse triênio ainda estava em 5.700 km2. À luz da experiência na década anterior, não parecia assim tão difícil cumprir a meta assumida.

Tudo mudou após o impeachment da presidente, em 2016, que contou com amplo apoio da bancada ruralista no Congresso. Já naquele ano o desmate subiu para 7.893 km2 na Amazônia —e não parou mais.

A eleição de Jair Bolsonaro disseminou o retrocesso por todas as frentes. O presidente de extrema direita está cumprindo a promessa de não demarcar um centímetro das 265 terras indígenas ainda em estudos (do total de 725 identificadas).

Bolsonaro diz que não vai acatar eventual decisão do Supremo Tribunal Federal contra o chamado marco temporal, tese de que só têm direito ao reconhecimento de territórios povos que os ocupavam em 1988. Ou seja, os esbulhados antes da Constituição assim permaneceriam.

Políticas para prevenir desmatamento e mudanças climáticas também foram desmontadas, assim como se manietaram os órgãos de fiscalização Ibama e ICMBio. O Planalto inviabilizou o Fundo Amazônia e congelou R$ 3 bilhões para projetos de preservação e desenvolvimento sustentável, doados por Noruega e Alemanha.

“A falta de inteligência e criatividade, assim como a ganância de curto prazo e a preguiça política, podem gerar um cenário cada vez mais trágico no país, ao invés de aproveitar as oportunidades que a conjuntura histórica possa estar apresentando”, lamenta Pádua.

“É claro que o crescimento da grande exportação primária tem peso essencial, mas creio que não explica tudo. O sinal verde para os interesses de curto prazo de agentes econômicos locais, como garimpeiros e madeireiros, também é fundamental. O que espanta é o grau de atraso e a falta de inteligência estratégica na visão ambiental do atual governo. É como se décadas de debate sobre o imperativo da sustentabilidade fossem simplesmente ignoradas.”

A ideia de que repousamos como potência verde em um berço esplêndido de carbono, sem nada precisar fazer para gerar créditos, também é uma ilusão bolsonarista, aponta Natalie Unterstell. “Não somos uma Arábia Saudita do carbono: é preciso muito esforço para acabar com o desmatamento e, assim, conseguir gerar redução de emissões.”

Só depois da Constituição de 1988, mais de 743 mil km2 de floresta amazônica foram ao chão (quase 18% do bioma), ou o triplo da área do estado de São Paulo. Em meros 34 anos, os habitantes do berço esplêndido destruíram na Amazônia quase o mesmo tanto de mata atlântica que levaram cinco séculos para dizimar.

Só essa derrubada na Amazônia contribuiu com cerca de 32 bilhões de toneladas equivalentes de dióxido de carbono (GtCO2e), principal gás do efeito estufa, para agravar o aquecimento global. Para comparação: em um ano (2020), todas as atividades humanas no Brasil geram um total de 2,16 GtCO2e.

Incluindo tudo que se desmatou antes de 1988, um quinto da floresta amazônica já virou fumaça. O restante vai sendo degradado por garimpo, madeireiros ilegais e estradas clandestinas, além do aumento de temperatura e do ressecamento impostos pelo aquecimento global.

Chegando a um quarto de perda, o bioma deve entrar em colapso, prevê a ciência. A tragédia viria com a interrupção da maior célula terrestre de produção de chuvas no planeta, gerando impacto negativo na agricultura do país todo.

Se depender de Bolsonaro e da bancada ruralista incrustada no centrão, é o futuro que nos espera —para o qual fomos alertados há 200 anos pelo patriarca da Independência.

João Moreira Salles: Nota sobre três presidentes, duas bombas e o fim do mundo (Piauí)

piaui.folha.uol.com.br

João Moreira Salles | 25 mar 2022_10h37


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E aqui estamos nós, cidadãos do mundo, diante de Vladimir Putin como gregos diante da Esfinge: O que você quer, o que pensa, qual o seu enigma, quantos e o quão ferozes são os seus demônios? Qual a sua visão mística da História, o seu sonho imperial, a dimensão purificadora que a violência tem para você? Até onde está disposto a ir? Existem limites? Se existirem, será mais fácil respeitá-los no triunfo ou na derrota? Você é mais perigoso encurralado ou vitorioso?

Ninguém sabe. Numa entrevista ao jornalista Ezra Klein, o analista político e apresentador da CNN Fareed Zakaria diz que hoje no mundo não existe país mais instável do que a Rússia. Mesmo nos regimes totalitários mais fechados, alguma institucionalidade costuma sustentar os processos políticos; protocolos e trâmites burocráticos fazem saber como serão tomadas as decisões. Na antiga União Soviética, quando morria o secretário-geral do Partido Comunista, o Presidium do Soviete Supremo se reunia e era certo que de lá sairia o novo líder do país. Se amanhã o presidente chinês Xi Jinping falecer, a notícia será planetária, mas não traumática, pois virá desacompanhada do temor de abalos institucionais – um membro da alta tecnocracia política logo o substituirá. O mesmo vale para totalitarismos dinásticos, a exemplo da Arábia Saudita e da Coreia do Norte. Morre um Saud, entra um Saud; morre um Kim, entra um Kim.

Não é assim na Rússia de Putin, onde não existem sistemas claros de sucessão nem sucessores presumidos. E isso é um problema. A impressão é que a frase apócrifa de Luiz XIV, O Estado sou eu, dita supostamente por um monarca com herdeiros definidos, conselheiros numerosos e uma vasta entourage burocrática a seu serviço, caberia melhor na boca do atual Rei Sol do Kremlin: A Rússia sou eu.

De fato, é o que parece. As autocracias tradicionais tomam a forma de uma pirâmide, com o líder no vértice e, abaixo dele, por ordem de importância hierárquica, as diferentes camadas da burocracia do Estado. Na Rússia contemporânea, a pirâmide colapsou. Como um tripé que se fecha, os lados foram trazidos para o centro e se juntaram numa linha vertical. Um cajado é a nova forma do Estado, um báculo sobre cujo castão pesa exclusivamente a mão de Putin. A única, é claro, que pesa também sobre aquele botão.

Putin é o homem solitário que, isolado de tudo e de todos, usa quem sabe a suspeita de sua irracionalidade como arma política. Ou talvez, como especulam outros, já tenha se desprendido da realidade. A essa altura, não se desconta nenhuma hipótese. De fevereiro para cá, a possibilidade de um evento fatal entrou nos nossos cálculos. Se esse cenário ainda não é provável, hoje se tornou possível. Muito mais do que há um mês, incomparavelmente mais do que há um ano ou há uma década.

A Europa está assustada. Na Itália, uma empresa de abrigos nucleares que construiu cinquenta dessas estruturas nos últimos 22 anos, só nas duas primeiras semanas da guerra processou quinhentos pedidos. O governo da Bélgica está distribuindo pílulas de iodo a quem apresentar um passaporte belga. Tomado corretamente, o iodo ajuda a absorver a radiação que se aloja na tireoide. Na segunda semana de março, as farmácias do país distribuíram num único dia 30 mil caixas do comprimido.

Embora nem todos se deem conta, tamanha angústia aproxima povos que nunca imaginaram ter alguma afinidade. Gente que vive nas cidades europeias ou norte-americanas não sabe que, desde a invasão da Ucrânia, é nas florestas brasileiras que estão os interlocutores capazes de lhes ensinar como viver diariamente com o medo entranhado no corpo feito bicho. De acordo com uma observação precisa do antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro, se queremos compreender o que é o fim do mundo, basta perguntar aos habitantes originários das Américas. Eles são especialistas no tema. Dos guaranis no Brasil aos maias no México, muitos deles já experimentaram a destruição dos seus mundos.

Estima-se que no século XVI, quando os primeiros exploradores europeus chegaram à Amazônia, de 8 a 10 milhões de pessoas ocupavam a floresta. Passadas as primeiras décadas do contato, 90% dessa população desapareceria, um extermínio tão radical que seriam necessários quase cinco séculos para que o bioma voltasse ao patamar demográfico do mundo pré-cabralino, o que aconteceu na década de 1960. Os descendentes dessa hecatombe a guardam na memória. Corre pelo corpo deles o que foi vivido por seus ancestrais no passado remoto, por seus avós e pais no passado recente e, para vergonha de todos nós, brasileiros, corre pelo corpo deles o que significa vivê-la no presente. Hoje, mais ainda. No próximo mês, mais do que nunca, como se verá adiante.

O Brasil sempre foi mais lento (a ver, mais relaxado), menos eficiente do que as nações solidamente integradas à lógica industrial. Apesar disso, seria um erro supor que o mundo não tem razões para nos temer. Nossa arma verde-amarela de destruição em massa não produz efeitos tão instantâneos quanto as das nações nucleares, mas é igualmente letal. Trata-se, é claro, da destruição da Amazônia, a nossa bomba ecológica.

O bioma amazônico é um dos sistemas vitais para o funcionamento do planeta. Controla pelo menos três fluxos essenciais à manutenção da vida: o do carbono, o da biodiversidade e o dos ciclos hidrológicos. Esses fluxos vitais, “sistemas de suporte da vida”, na expressão de cientistas, não passam de nove,  o que nos torna responsáveis por pelo menos um terço deles.

Não temos exercido essa responsabilidade, mas já o fizemos, ainda que por apenas uma década. O cenário se agravou a partir de 2015 e entrou em fase crítica em 2019. A Amazônia está prestes a se inviabilizar como floresta tropical. As evidências científicas desse caminho sem volta se acumularam a grande velocidade, tanto que respeitados cientistas anteriormente céticos agora reconhecem: estamos a poucas casas da virada fatal. A continuar nesse ritmo a escalada do desmatamento, não muitos anos – poucos.

Nesse cenário de catástrofe iminente, o governo e sua base de apoio fazem correr em regime de urgência um projeto de lei que licencia a mineração, a exploração de óleo e a construção de hidrelétricas em terras indígenas. Em certas circunstâncias, o texto em discussão prevê autorização provisória de atividades mineradoras enquanto não houver autorização legislativa. Em terras ainda não homologadas, serão dispensados quaisquer estudos de impacto ambiental.

Isso é redação de quem tem pressa para destruir. Significa pilhagem de territórios ancestrais, da morada de povos que, desde o primeiro encontro com brancos, perderam muito, perderam sempre, perderam seu lugar no mundo, adoeceram, empobreceram, entristeceram, foram mendigar nos cruzamentos das cidades e se mataram de melancolia.

Apesar dessa violência histórica constante, são eles, os indígenas, os grandes responsáveis por proteger a maior selva tropical do planeta. Não existe melhor guarda florestal no mundo. Sem cobrar um tostão, eles preservam um sistema sem o qual o equilíbrio do planeta não se manteria. É em terras indígenas que se constata o menor índice de desmatamento. Elas são o último bastião da floresta.

Agora, o governo quer invadir o principal esteio da nossa quase inexistente responsabilidade ambiental. É instrutivo saber quem pretende avançar para dentro dessas terras. Grandes empresas que precisem prestar contas à sociedade hesitarão em entrar nesses territórios até então protegidos. Entre 2020 e 2021, por exemplo, a Vale desistiu de todos os processos minerários em terras indígenas do Brasil – eram 89 –, cancelando requerimentos de pesquisa e lavra. Entende-se: seria comprometer a reputação de uma companhia que, nos últimos anos, viu-se envolvida em dois dos maiores desastres ambientais da história brasileira.

Difícil crer que corporações do porte da Vale tomem caminho diferente. Equivaleria a suicídio corporativo. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), entidade cujos associados respondem por 85% da produção mineral brasileira, publicou uma nota contrária ao projeto de lei, considerando-o inadequado “para os fins a que se destina”. É uma decisão tóxica, essa de avançar sobre terras indígenas incrustadas no maior bioma tropical do planeta, de tomar as últimas áreas em que uma floresta sob ataque ainda resiste, de ferir territórios em que os menores distúrbios ambientais são hoje registrados em tempo real pelos milhares de satélites que cruzam os seus céus. As mineradoras que eventualmente morderem a isca virão de países sem sociedade civil forte e, portanto, não sujeitas à obrigação de transparência. Virão da China, de países do Oriente Médio ou da Ásia Central. Não por coincidência, serão corporações que atuam de preferência em regiões pouco desenvolvidas para se valer de sistemas políticos maleáveis, legislação ambiental frágil e presença débil do Estado.

Se essas empresas periféricas vierem, é certo que bons negócios serão feitos, parte deles tão secreta quanto as emendas do relator ao Orçamento da União. O projeto, contudo, não se destina a atrair chineses ou cazaques. Nas palavras do presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), Luis Mauricio Ferraiuoli Azevedo, não propriamente um ambientalista: “Da forma como está, tem uma veia muito mais voltada ao garimpo do que à mineração.”

Conhecemos bem o garimpo. Como mostram vários estudos recentes, ele se tornou um braço das facções criminosas, a começar pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), que hoje domina a atividade em terras yanomamis. O garimpeiro de bateia na beira do rio, brasileiro pobre atrás do seu pão, é um personagem extemporâneo sem outra serventia a não ser mascarar com tinturas sociais uma atividade cada vez mais violenta e capitalizada. Os meios de produção do garimpo atual são balsas que custam 2 milhões de reais, mercúrio de comercialização ilegal no Brasil, condições de trabalho degradantes e fuzis AR-15, agora municiados com projéteis não rastreáveis graças à bonomia presidencial.

Uma novidade dos últimos quatro anos é a expansão vertiginosa do crime organizado para o interior do bioma amazônico. Hoje a floresta é o grande palco da disputa entre o PCC e o Comando Vermelho (CV). As facções estão fazendo a gestão da ilegalidade na Amazônia, seja no garimpo, seja na grilagem, seja no corte de madeira, seja no controle das rotas do tráfico de drogas para a Europa. Comunidades ribeirinhas e indígenas estão sendo cooptadas. O dia a dia de inúmeras cidades pequenas já depende do crime.

Não deixa de ser um projeto de desenvolvimento, o modelo político-administrativo da Baixada Fluminense transplantado para a Amazônia. Tudo considerado – do apoio a grileiros, desmatadores e garimpeiros ao desmonte das agências de vigilância como o Ibama –, não seria errado chamá-lo Programa de Aceleração do Crime. Aproveita-se assim a sigla consagrada.

Dizer que o que está sendo gestado na Amazônia é bem conhecido da primeira família da nação não passa de redundância. Trata-se, afinal, da expansão do esquema das milícias e das facções, precisamente o mundo do qual brotou a engrenagem política que hoje se espraia por todo o país. Há um sentido pedagógico em jamais esquecer que o filho mais velho do presidente, hoje senador da República, condecorou um dos maiores matadores do Rio de Janeiro, o miliciano Adriano da Nóbrega; preso, acusado de homicídio, Nóbrega recebeu na cadeia a mais alta condecoração do Poder Legislativo fluminense, a Medalha Tiradentes.

E aqui estamos nós, brasileiros, diante de Jair Bolsonaro, mas não como se diante da Esfinge, pois o homem não tem enigmas. Sabemos o que ele é e o que ele quer. Conhecemos o seu compêndio de iniquidades.

Conhecemos a sua obscenidade quando se diz solidário com a Rússia, solidário, portanto, com os responsáveis por cenas como a registrada na dolorosa foto de uma família estirada no chão, a mãe de 43 anos, o filho de 18, a filha de 9, mochilas ainda às costas, mortos os três ao tentar fugir da artilharia russa numa ponte nos arredores de Kiev (há um quarto morto na foto, um voluntário de 26 anos que ajudava a família na fuga). Não é uma solidariedade que surpreenda. O presidente, sabemos faz tempo, não é indiferente ao espetáculo da morte violenta. Ao contrário, ela o excita.

Família morta ao tentar fugir da artilharia russa nos arredores de Kiev: a mãe, o filho e a filha, além de um voluntário que os ajudava – Foto: Lynsey Addario/The New York Times/Fotoarena

Conhecemos a sua covardia, o patético dela, quando chama de comediante o presidente da Ucrânia.

Conhecemos a sua corrupção, que começou pequena e vagabunda, miúda como ele à época, e hoje é imensa, do tamanho dos seus meios atuais, que lhe permitem franquear a farra do dinheiro público distribuído sem fiscalização ou vigilância. Corridos três anos e meio de mandato, seria interessante perguntar aos arautos da moralidade se estão satisfeitos com o Orçamento da União entregue a Arthur Lira. Se apaziguados com o sistema que produz parlamentares como Josimar Maranhãozinho (PL-MA), deputado do partido do presidente, investigado pela PF por usar grupos armados para extorquir a sua parte do dinheiro que prefeitos haviam recebido por meio das emendas nebulosas do relator. Se animados com a entrega do Ministério da Educação a pastores evangélicos que cobram os seus bons serviços em barras de ouro. Se reconfortados com o círculo mais íntimo do poder, irmãos de fé e aconselhadores eventuais tais como Fabrício Queiroz e Frederick Wassef – o primeiro, ocupando seus dias pós-cadeia com exegeses no YouTube em que justifica com perspicácia geopolítica a ação russa contra a Ucrânia, país amaldiçoado por “esse governo frouxo, esse governo comédia, que desarmou o povo e entregou as armas”, essa fraqueza típica de “governo de esquerda”; o segundo, réu por injúria racial e racismo, protagonista do triste espetáculo de se recusar a ser atendido por uma garçonete de 18 anos numa pizzaria de Brasília: “Porque você é negra e tem cara de sonsa.” São esses os habitantes do mundo cultivado pelo homem escolhido para restaurar a honra do Brasil.

Sabíamos de tudo isso, e foi com esse catálogo de imoralidades que chegamos a essa versão toda nossa do fim do mundo que agora corre pelo Congresso com a pressa de um bandido.

A floresta será transformada em terra miliciana, numa dinâmica já iniciada. O projeto será votado em abril, sem qualquer debate qualificado. Se passar, o Brasil terá cometido o crime perfeito contra o futuro – o seu próprio e o do planeta. A tristeza disso é infinita. Teremos de viver confrontados cotidianamente pela injustiça cometida no decorrer de nossas vidas, sob os nossos olhos, contra aqueles que, antes de nós, não só fizeram da floresta a sua casa, mas a manipularam e a construíram, num trabalho de milênios em consórcio com outras criaturas. A Amazônia não é apenas um bem natural, é um bem cultural, o legado de uma civilização orgânica que erigiu sua obra não com pedras ou metais, mas com solo e plantas, com madeiras e fungos – essas florestas que, na linda formulação do arqueólogo Eduardo Neves, “são as nossas pirâmides”. São essas pirâmides que agora serão oficialmente entregues à pirataria.

Portanto, aqui estamos, nós brasileiros, a poucos meses de uma escolha que há muito deixou de ser questão apenas política para se tornar questão de civilização.

A Ucrânia “confiou a um comediante o destino de uma nação”, declarou o presidente do Brasil, como quem diz: E deu nisso. De fato, deu em um povo que se uniu numa batalha de vida ou morte pela autodeterminação, pela liberdade e pelo direito de dizer aos pósteros que, na hora terrível, eles se apresentaram e foram honrados. Não é um mau legado.

O Brasil elegeu Bolsonaro e deu nisso. O anjo da História diria: Olhem em volta e contemplem as ruínas. Elas nos cercam e envergonham bem mais do que as de Mariupol ou Kiev. Estas são obra do agressor; aquelas, de brasileiros. A ruína da educação, a ruína da fome, a ruína sanitária, a ruína do desemprego, a ruína política, a ruína ambiental, a ruína moral de bem-pensantes, de liberais com bons diplomas universitários e empregos bem pagos que referendaram um projeto que nunca disfarçou suas tintas.

Historiadores rejeitam o conceito de “homem providencial”, mas em certos momentos é difícil duvidar de sua existência. Gerados pelas circunstâncias históricas, ao chegar ao poder os homens providenciais as radicalizam a tal ponto que desencadeiam mudanças não de intensidade, mas de qualidade. Churchill é um homem providencial, Fidel, Mandela, Gandhi, talvez Volodymyr Zelensky (ainda é cedo). E com certeza Putin, ainda que sua providência seja sinistra.

Em outubro, estaremos diante do nosso grande enigma: Quem somos nós, os brasileiros? Aqueles que dizem não à terra barbarizada ou os que reafirmam a escolha de 2018? Seremos Zelensky ou Putin? Escolheremos vida ou morte?

Forests follow unexpected—and surprisingly fast—paths to recovery (Anthropocene Magazine)

anthropocenemagazine.org

A new study found that carbon, nitrogen and soil density in cleared forests reached 90% of levels in untouched forests after 1 to 9 years. They key was leaving them alone.

By Warren Cornwall

February 16, 2022


Forests follow unexpected—and surprisingly fast—paths to recovery

A new study found that carbon, nitrogen and soil density in cleared forests reached 90% of levels in untouched forests after 1 to 9 years. They key was leaving them alone.

Jungles grow with such abandon they can obscure entire civilizations beneath roots and vines. That fertility could prove vital in the race to heal the scars of deforestation.

Tropical forests burned and cleared for farming and ranching in Central and South America and West Africa can bounce back in little more than a century, with some key features recovering in decades, according to new research.

While not a panacea for the destruction of ancient jungles across the globe, scientists say the findings suggest that if left to themselves, many of these places could regain the lush forests that are rich havens of biodiversity that also suck carbon from the atmosphere.

“These regrowing forests cover vast areas, and can contribute to local and global targets for ecosystem restoration,” said Lourens Poorter, an ecologist at Wageningen University in the Netherlands, who was part of the research.

Tropical jungles like the Amazon have been called the lungs of the planet for good reason. Fueled by abundant water, long growing seasons and fertile soils, forests ringing the planet’s equatorial middle can suck vast amounts of carbon from the atmosphere and provide a home for two-thirds of the world’s species.

But this richness has also made them a target for loggers, ranchers and farmers, ranging from small-time settlers to huge agricultural companies. Today, less than 50% of tropical rainforests are still standing.

As conservationists work to protect tropical landscapes, questions surround the fate of former forests turned into pasture and farmland. In the tropics in the Americas alone, an estimated 28% of forests are regrowing after being cleared. So a team of 90 scientists from research centers across the globe set out to see how these lands recovered.

Because such recovery can stretch for decades, the researchers sought to fast-forward through the process by simultaneously examining 77 sites at different stages of growth, including some old-growth forests. Places had been cleared and then abandoned for more than a century in some cases, and as little as a year in others. The locations covered both dry and wet forests, sprinkled across Central and South America and coastal west Africa.

At each location, the researchers measured a dozen key indicators of different kinds of ecological dynamics, including the makeup of the soil, leaf and stem size, how many plants fixed nitrogen in the soil, the total mass of all plants, the largest tree, and the diversity of plant species.

The forests followed unexpected paths to recovery. Scientists were surprised to see how quickly the soils recovered. Carbon, nitrogen and soil density reached 90% of levels in untouched forests after 1 to 9 years. Likewise, the functional composition of plants in the forests – the size of tree leaves, the density of wood in trees and presence of nitrogen-fixing trees – happened sooner than predicted, taking between 3 and 27 years to approach old-growth conditions, the researchers reported in Science.

The rapid soil recovery indicates that soil nutrients were buffered from slash-and-burn agriculture or enhanced by people as they burned foliage or planted nitrogen-fixing grasses, the scientists surmised. Most of the study plots were also not subject to high-intensity farming that can suck nutrients from the soil.

Some features of the forest flora also came back quickly. Fast-growing plants that first reclaim open ground gave way to more shade-tolerant plants relatively quickly, and plants returned by resprouting from seeds left by cleared plants.

“Nature will take care of it if we let it,” said Clemson University ecologist Saara DeWalt, who contributed data from forests in Panama that she has tracked since the 1990s. “Restoration of tropical forests should rely on natural regeneration. It’s the most efficient way to do it. It’s the most ecologically efficient. It’s the most economically efficient.”

Some kinds of recovery took much longer. The cleared areas took between 27 and 119 years for the total mass of greenery and the largest tree size to approach pristine conditions. It took 12 decades for the full panorama of species found in old-growth tropical forests to appear in re-growing forests.

Even that, however, is “notably fast” given the complexity of tropical forests, the scientists noted. The overall picture is one of resilience after farming or ranching, as long as it’s not too intensive and there is forest nearby to provide seeds. “If there’s no source for seeds, heavily degraded soils, and no way for animals to get there, that’s going to be a problem,” DeWalt said. “There will be times when planting will be necessary.”

Poorter, et. al. “Multidimensional tropical forest recovery.” Science. Dec. 9. 2021

Indigenous peoples by far the best guardians of forests – UN report (The Guardian)

Preserving Latin America’s forests is vital to fight the climate crisis and deforestation is lower in indigenous territories

Damian Carrington Environment editor @dpcarrington

Thu 25 Mar 2021 14.00 GMT Last modified on Thu 25 Mar 2021 16.44 GMT

A Waiapi boy climbs up a Geninapo tree to pick fruits to make body paint at the Waiapi indigenous reserve in Amapa state, Brazil.
A Waiapi boy climbs up a Geninapo tree to pick fruits to make body paint at the Waiapi indigenous reserve in Amapa state, Brazil. Photograph: AFP Contributor/AFP/Getty Images

The embattled indigenous peoples of Latin America are by far the best guardians of the regions’ forests, according to a UN report, with deforestation rates up to 50% lower in their territories than elsewhere.

Protecting the vast forests is vital to tackling the climate crisis and plummeting populations of wildlife, and the report found that recognising the rights of indigenous and tribal peoples to their land is one of the most cost-effective actions. The report also calls for the peoples to be paid for the environmental benefits their stewardship provides, and for funding for the revitalisation of their ancestral knowledge of living in harmony with nature.

However, the demand for beef, soy, timber, oil and minerals means the threats to indigenous peoples and their forest homes are rising. Hundreds of community leaders have been killed because of disputes over land in recent years and the Covid-19 pandemic has added to the dangers forest peoples face.

Sateré-Mawé men collect medicinal herbs to treat people showing Covid symptoms, in a rural area west of Manaus, Brazil.
Sateré-Mawé men collect medicinal herbs to treat people showing Covid symptoms, in a rural area west of Manaus, Brazil. Photograph: Ricardo Oliveira/AFP/Getty Images

Demands by indigenous peoples for their rights have become increasingly visible in recent years, the report said, but this has come with increasing persecution, racism, and assassinations. Supporting these peoples to protect the forests is particularly crucial now with scientists warning that the Amazon is nearing a tipping point where it switches from rainforest to savannah, risking the release of billions of tonnes of carbon into the atmosphere.

The report was produced by the UN Food and Agriculture Organization and the Fund for the Development of Indigenous Peoples of Latin America and the Caribbean (Filac), based on a review of more than 300 studies.

“Almost half of the intact forests in the Amazon basin are in indigenous territories and the evidence of their vital role in forest protection is crystal clear,” said the president of Filac, Myrna Cunningham, an indigenous woman from Nicaragua. “While the area of intact forest declined by only 5% between 2000 and 2016 in the region’s indigenous areas, in the non-indigenous areas it fell by 11%. This is why [indigenous peoples’] voice and vision should be taken into account in all global initiatives relating to climate change, biodiversity and forestry.”

“Indigenous peoples have a different concept of forests,” she said. “They are not seen as a place where you take out resources to increase your money – they are seen as a space where we live and that is given to us to protect for the next generations.”

Indigenous and tribal territories contain about a third of all the carbon stored in the forests of Latin America, said Julio Berdegué, the FAO’s Regional Representative: “These peoples are rich when it comes to culture, knowledge, and natural resources, but some of the poorest when it comes to incomes and access to services.” Supporting them would also help avoid new pandemics, he said, as these are most often the result of the destruction of nature.

Cattle graze on land recently burned and deforested by farmers near Novo Progresso, Pará state, Brazil.
Cattle graze on land recently burned and deforested by farmers near Novo Progresso, Pará state, Brazil. Photograph: André Penner/AP

“Even under siege from Covid-19 and a frightening rise in invasions from outsiders, we remain the ones who can stop the destruction of our forests and their biodiverse treasures,” said José Gregorio Diaz Mirabal, indigenous leader of an umbrella group, the Coordinator of the Indigenous Organizations of the Amazon Basin. He said the report’s evidence supports his call for climate funds to go directly to indigenous peoples and not governments vulnerable to corruption. Advertisement

The report found the best forest protection was provided by peoples with collective legal titles to their lands. A 12-year study in the Bolivian, Brazilian, and Colombian Amazon found deforestation rates in such territories were only one half to one-third of those in other similar forests. Even though indigenous territories cover 28% of the Amazon Basin, they only generated 2.6% of the region’s carbon emissions, the report said.

Indigenous peoples occupy 400m hectares of land in the region, but there is no legal recognition of their property rights in a third of this area. “While the impact of guaranteeing tenure security is great, the cost is very low,” the report said, needing less than $45 per hectare for the mapping, negotiation and legal work required.

The report said it would cost many times more to prevent carbon emissions from fossil fuel burning using carbon capture and storage technology on power plants. The granting of land rights to indigenous people has increased over the last 20 years, Cunningham said, but has slowed down in recent years.

Paying indigenous and tribal communities for the environmental services of their territories has reduced deforestation in countries including Ecuador, Mexico, and Peru. Berdegué said such programmes could attract hundreds of millions of dollars per year from international sources.

The need for protection is urgent, the report said, with annual deforestation rates in Brazil’s indigenous territories rising from 10,000 hectares in 2017 to 43,000 hectares in 2019. In January, indigenous leaders urged the international criminal court to investigate Brazil’s president, Jair Bolsonaro, over his dismantling of environmental policies and violations of indigenous rights.

Elsewhere, the area of large intact forests in indigenous territories has fallen between 2000 and 2016, with 59% lost in Paraguay, 42% in Nicaragua, 30% in Honduras and 20% in Bolivia. Mining and oil concessions now overlay almost a quarter of the land in Amazon basin indigenous and tribal territories, the report said.

Next pandemic? Amazon deforestation may spark new diseases (Reuters)

Original article

October 19, 20208:56 AM

By Fabio Zuker

SAO PAULO (Thomson Reuters Foundation) – As farms expand into the Amazon rainforest, felled trees and expanding pastures may open the way for new Brazilian exports beyond beef and soybeans, researchers say: pandemic diseases.

Changes in the Amazon are driving displaced species of animals, from bats to monkeys to mosquitoes, into new areas, while opening the region to arrivals of more savanna-adapted species, including rodents.

Those shifts, combined with greater human interaction with animals as people move deeper into the forest, is increasing the chances of a virulent virus, bacteria or fungus jumping species, said Adalberto Luís Val a researcher at INPA, the National Institute for Research in the Amazon, based in Manaus.

Climate change, which is driving temperature and rainfall changes, adds to the risks, the biologist said.

“There is a great concern because … there is a displacement of organisms. They try to adapt, face these new challenging scenarios by changing places,” Val told the Thomson Reuters Foundation in a telephone interview.

The Evandro Chagas Institute, a public health research organization in the city of Belém, has identified about 220 different types of viruses in the Amazon, 37 of which can cause diseases in humans and 15 of which have the potential to cause epidemics, the researcher said.

They include a range of different encephalitis varieties as well as West Nile fever and rocio, a Brazilian virus from the same family that produces yellow fever and West Nile, he noted in an article published in May by the Brazilian Academy of Sciences.

Val said he was especially concerned about arboviruses, which can be transmitted by insects such as the mosquitoes that carry dengue fever and Zika.

‘SPILLOVER’

Cecília Andreazzi, a researcher at the Oswaldo Cruz Foundation (FIOCRUZ), a major public health institute in Brazil, said the current surge in deforestation and fires in the Amazon can lead to new meetings between species on the move – each a chance for an existing pathogen to transform or jump species.

The ecologist maps existing infectious agents among Brazil’s animals and constructs mathematical models about how the country’s changing landscape “is influencing the structure of these interactions”.

What she is looking for is likely “spillover” opportunities, when a pathogen in one species could start circulating in another, potentially creating a new disease – as appears to have happened in China with the virus that causes COVID-19, she said.

“Megadiverse countries with high social vulnerability and growing environmental degradation are prone to pathogen spillover from wildlife to humans, and they require policies aimed at avoiding the emergence of zoonoses,” she and other researchers wrote in a letter in The Lancet, a science journal, in September.

Brazil, they said, had already seen “clear warnings” of a growing problem, with the emergence of a Brazilian hemorrhagic fever, rodent-carried hantaviruses, and a mosquito-transmitted arbovirus called oropouche.

Brazil’s Amazon has registered some of the worst fires in a decade this year, as deforestation and invasions of indigenous land grow under right-wing President Jair Bolsonaro, who has urged that the Amazon be developed as a means of fighting poverty.

In a speech before the U.N. General Assembly last month, he angrily denied the existence of fires in the Amazon rainforest, calling them a “lie,” despite data produced by his own government showing thousands of blazes surging across the region.

‘BLAME THE BAT’

João Paulo Lima Barreto, a member of the Tukano indigenous people, said one way of combatting the emergence of new pandemic threats is reviving old knowledge about relationships among living things.

Barreto, who is doing doctoral research on shamanistic knowledge and healing at the Federal University of Amazonas, created Bahserikowi’i, an indigenous medicine center that brings the knowledge of the Upper Rio Negro shamans to Manaus, the Amazon’s largest city.

He has called for indigenous knowledge systems to be taken seriously.

“The model of our relationship with our surroundings is wrong,” he told the Thomson Reuters Foundation in a telephone interview.

“It is very easy for us to blame the bat, to blame the monkey, to blame the pig” when a new disease emerges, Barreto said. “But in fact, the human is causing this, in the relationship that we build with the owners of the space”.

Without adequate preservation of forests, rivers and animals, imbalance and disease are generated, he said, as humans fail to respect nature entities known to shamans as “wai-mahsã”.

Andreazzi said particularly strong disease risks come from converting Amazonian forest into more open, savanna-like pastures and fields, which attract marsupials and also rodents, carriers of hantaviruses.

“If you transform the Amazon into a field, you are creating this niche” and species may expand their ranges to fill it, she said, with “the abundance of these species greatly increasing”.

In the face of deforestation, animals are “relocating, moving. And the pathogen, the virus… is looking for hosts” – a situation that creates “very high adaptive capacity”, she said.

But Andreazzi worries about old diseases, as well as new ones.

As the Amazon changes, new outbreaks of threats such as malaria, leishmaniasis and Chagas disease – transmitted by a “kissing bug” and capable of causing heart damage – have been registered, she said.

“We don’t even need to talk about the new diseases. The old ones already carry great risks,” she added.

Reporting by Fabio Zuker ; editing by Laurie Goering : Please credit the Thomson Reuters Foundation, the charitable arm of Thomson Reuters. Visit news.trust.org/climate

Eduardo Góes Neves: ‘O Brasil não tem ideia do que é a Amazônia’ (Gama)

Fabrizio Lenci

A mentalidade colonial, o racismo ambiental e a política são os maiores desafios da floresta. A análise é do arqueólogo Eduardo Góes Neves

Isabelle Moreira Lima – 30 de Agosto de 2020

A Amazônia é uma incompreendida. É regida por uma mentalidade colonial, com decisões tomadas de fora para dentro. E é justamente por isso que sua preservação é um imenso desafio. A análise é do arqueólogo Eduardo Góes Neves, que pesquisa a Amazônia há 30 anos. Professor Titular de Arqueologia Brasileira do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, onde é vice-diretor, ele mantém a pesquisa de campo em estados como Rondônia e Acre pelo menos três meses por ano.

Para continuar a leitura acesse o conteúdo completo, disponível no link: https://gamarevista.com.br/semana/o-que-sera-da-amazonia/entrevista-eduardo-goes-neves-floresta-amazonica

Djamila Ribeiro: Salta na biografia de Claudia Andujar o seu compromisso com povos ameaçados (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

Djamila Ribeiro, 27 de agosto de 2020

Recebi de presente de um querido amigo o livro “A Luta Yanomami”, de Claudia Andujar (editado pelo Instituto Moreira Salles, org. Thyago Nogueira).

Andujar dedicou parte considerável de sua vida a fotografar o povo indígena na fronteira entre Brasil e Venezuela, no extremo norte da Amazônia. Além do talento, que refletiu a tradição, a comunidade, a espiritualidade, as dores e perdas pela integração forçada por projetos de colonização da região implementados pelo regime militar, passando por suas próprias incursões experimentais na fotografia, salta na biografia da fotógrafa o seu compromisso com os direitos dos povos constantemente ameaçados e atacados pelos interesses predatórios do garimpo nas jazidas minerais da área, pelas doenças ocidentais e pelos governos.

Fabio Cypriano, estudioso da obra de Andujar, analisa no artigo “Quando o museu se torna um canal de informação” que a exposição “‘Luta Yanomami’ foi vista no início de um governo que se caracteriza por perseguir a causa indígena, ocupando um espaço nobre na avenida Paulista em defesa dessa causa urgente, o que foi, afinal, sempre o objetivo de Andujar”.

O livro, com fotos colhidas durante uma vida, que neste ano completou 89 anos, tem valor cultural inestimável e me aproximou dos ianomâmis, a quem peço licença para fazer uma ligeira visita pelas imagens.

Ao visitar, peço a bênção de Davi Kopenawa Yanomami, xamã, porta-voz e escritor, junto ao antropólogo Bruce Albert, da obra monumental “A Queda do Céu”, livro que narra a vida de Kopenawa até se tornar líder ianomâmi, fazendo dessa trajetória uma incursão na espiritualidade, na visão de mundo e de conceitos a partir da matriz de seu povo, bem como a denúncia de todos os graves ataques do garimpo na região.

É uma obra rara em um país que costuma apagar tais saberes do debate público. Ao explicar a origem de seu nome, Kopenawa, este de origem guerreira presenteado a ele pelos espíritos xapiri “em razão da fúria que havia em mim para enfrentar os brancos”, explica um pouco de seu povo.

“Primeiro foi Davi, o nome que os brancos me atribuíram na infância, depois foi Kopenawa, o que me deram mais tarde os espíritos vespa. E por fim acrescentei Yanomami, que é palavra sólida que não pode desaparecer, pois é o nome do meu povo. Eu não nasci numa terra sem árvores. Minha carne não vem do esperma de um branco. Sou filho dos habitantes das terras altas da floresta e caí no solo da vagina de uma mulher yanomami. Sou filho da gente à qual Omama deu a existência no primeiro tempo. Nasci nesta floresta e sempre vivi nela. Hoje, meus filhos e netos, por sua vez, nela crescem. Por isso meus dizeres são os de um verdadeiro yanomami.”

As palavras de Kopenawa ecoam pelo mundo. Em março, ele esteve na ONU para denunciar avanços contra os índios. O xamã denunciou o garimpo predatório sob a chancela do governo, eleito sob um discurso de ódio contra as populações originais desse país: “Essas são as palavras daquele que se faz de grande homem no Brasil e se diz presidente da República. É o que ele verdadeiramente diz: ‘Eu sou o dono dessa floresta, desses rios, desse subsolo, dos minérios, do ouro e das pedras preciosas! Tudo isso me pertence, então, vão lá buscar tudo e trazer para a cidade. Faremos tudo virar mercadoria!’. É o que os brancos acham e é com essas palavras que destroem a floresta, desde sempre. Mas, hoje, estão acabando com o pouco que resta. Eles já destruíram as nossas trilhas, sujaram os rios, envenenaram os peixes, queimaram as árvores e os animais que caçamos. Eles nos matam também com as suas epidemias”.

As palavras de Kopenawa, ditas antes da eclosão da pandemia no Brasil, ganharam contornos ainda mais sombrios. Desde 2019, o país vinha apresentando retrocessos desastrosos na preservação de terras indígenas. Segundo relatório do Instituto Socioambiental, a derrubada da floresta nas terras ianomâmi cresceu 113% no último ano, sendo que o aumento foi de 80% nas terras indígenas.

No cenário de pandemia, a situação é trágica. Somado ao desmonte em órgãos de proteção indígena, a subnotificação dos números de indígenas mortos pelo Ministério da Saúde, bem como o demorado e insuficiente plano para prevenção de contágio em comunidades indígenas e quilombolas com vetos que vão da obrigação do governo em fornecer água potável até a facilitação ao acesso ao auxílio emergencial, o governo segue com seu projeto de genocídio da população e deve ser responsabilizado, na pessoa do presidente, no Tribunal Penal Internacional, no qual está denunciado. Havendo justiça, assim será.

Indigenous best Amazon stewards, but only when property rights assured: Study (Mongabay)

by Sue Branford on 17 August 2020

  • New research provides statistical evidence confirming the claim by Indigenous peoples that that they are the more effective Amazon forest guardians in Brazil — but only if and when full property rights over their territories are recognized, and fully protected, by civil authorities in a process called homologation.
  • Researchers looked at 245 Indigenous territories, homologated between 1982 and 2016. They concluded that Indigenous people were only able to curb deforestation effectively within their ancestral territories after homologation had been completed, endowing full property rights.
  • However, since the study was completed, the Temer and Bolsonaro governments have backpedaled on Indigenous land rights, failing to protect homologated reserves. Also, the homologation process has come to a standstill, failing its legal responsibility to recognize collective ownership pledged by Brazil’s Constitution.
  • In another study, researchers suggest that a key to saving the Amazon involves reframing our view of it, giving up the old view of it as an untrammeled Eden assaulted by modern exploitation, and instead seeing it as a forest long influenced by humanity; now we need only restore balance to achieve sustainability.
An Indigenous woman weaving anklets on her son. A clash of cultures in the Amazon threatens Indigenous lands and the rainforest. Image by Antônio Carlos Moura, s/d.

“The xapiri [shamanic spirits] have defended the forest since it first came into being. Our ancestors have never devastated it because they kept the spirits by their side,” declares Davi Kopenawa Yanomami, who belongs to the 27,000-strong Yanomami people living in the very north of Brazil.

He is expressing a commonly held Indigenous belief that they — the original peoples on the land, unlike the “white” Amazon invaders — are the ones most profoundly committed to forest protection. The Yanomami shaman reveals the reason: “We know well that without trees nothing will grow on the hardened and blazing ground.”

Now Brazil’s Indigenous people have gained scientific backing for their strongly held belief from two American academics.

In a study published this month in the PNAS journal, entitled Collective property rights reduce deforestation in the Brazilian Amazon, two political scientists, Kathryn Baragwanath, from the University of California San Diego, and Ella Bayi, at the Department of Political Science, Columbia University, provide statistical proof of the Indigenous claim that they are the more effective forest guardians.

In their study, the researchers use comprehensive statistical data to show that Indigenous populations can effectively curb deforestation — but only if and when their full property rights over their territories are recognized by civil authorities in a process called homologação in Portuguese, or homologation in English.

A Tapirapé man and child. Image courtesy of ISA.

Full property rights key to curbing deforestation

The scientists reached their conclusions by examining data on 245 Indigenous reserves homologated between 1982 and 2016. By examining the step-by-step legal establishment of Indigenous reserves, they were able to precisely date the moment of homologation for each territory, and to assess the effectiveness of Indigenous action against deforestation before and after full property rights were recognized.

Brazilian law requires the completion of a complex four-stage process before full recognition. After examining the data, Baragwanath and Bayi concluded that Indigenous people were only able to curb deforestation within their ancestral territories effectively after the last phase ­— homologation — had been completed.

Most deforestation of Indigenous territories occurs at the borders, as land-grabbers, loggers and farmers invade. But the new study shows that, once full property rights are recognized, Indigenous people were historically able to reduce deforestation at those borders from around 3% to 1% — a reduction of 66% which the authors find to be “a very strong finding.”

However, they emphasize that this plunge in deforestation rate only comes after homologation is complete. Baragwanath told Mongabay: The positive “effect on deforestation is very small before homologation and zero for non-homologated territories.” The authors concluded: “We believe the final stage [is] the one that makes the difference, since it is when actual property rights are granted, no more contestation can happen, and enforcement is undertaken by the government agencies.”

Homologation is crucially important, say the researchers, because with it the Indigenous group gains the backing of law and of the Brazilian state. They note: “Without homologation, Indigenous territories do not have the legal rights needed to protect their territories, their territorial resources are not considered their own, and the government is not constitutionally responsible for protecting them from encroachment, invasion, and external use of their resources.”

They continue: “Once homologated, a territory becomes the permanent possession of its Indigenous peoples, no third party can contest its existence, and extractive activities carried out by external actors can only occur after consulting the [Indigenous] communities and the National Congress.”

The scientists offer proof of effective state action and protections after homologation: “For example, FUNAI partnered with IBAMA and the military police of Mato Grosso in May 2019 to combat illegal deforestation on the homologated territory of Urubu Branco. In this operation, 12 people were charged with federal theft of wood and fined R $90,000 [US $23,000], and multiple trucks and tractors were seized; the wood seized was then donated to the municipality.”

A Tapirapé woman at work. Image courtesy of ISA.

Temer and Bolsonaro tip the tables

However, under the Jair Bolsonaro government, which came to power in Brazil after the authors collected their data, the situation is changing.

Before Bolsonaro, the number of homologations varied greatly from year to year, apparently in random fashion. A highpoint was reached in 1991, when over 70 territories were homologated, well over twice the number in any other year. This may have been because Brazil was about to host the 1992 Earth Summit and the Collor de Mello government was keen to boost Brazil’s environmental credentials. The surge may have also occurred as a result of momentum gained from Brazil’s adoption of its progressive 1988 constitution, with its enshrined Indigenous rights.

Despite wild oscillations in the annual number of homologations, until recently progress happened under each administration. “Every President signed over [Indigenous] property rights during their tenure, regardless of party or ideology,” the study states.

But since Michel Temer became president at the end of August 2016, the process has come to a standstill, with no new homologations. Baragwanath and Bayi suggest that, by refusing to recognize the full property rights of more Indigenous peoples, the Temer and Bolsonaro administrations “could be responsible for an extra 1.5 million hectares [5,790 square miles] of deforestation per year.” That would help explain soaring deforestation rates detected by INPE, Brazil’s National Institute of Space Research in recent years.

Clearly, for homologation to be effective, the state must assume its legal responsibilities, says Survival International’s Fiona Watson, who notes that this is certainly not happening under Bolsonaro: “Recognizing Indigenous peoples’ collective landownership rights is a fundamental legal requirement and ethical imperative, but it is not enough on its own. Land rights need to be vigorously enforced, which requires political will and action, proper funding, and stamping out corruption. Far from applying the law, President Bolsonaro and his government have taken a sledgehammer to Indigenous peoples’ hard-won constitutional rights, watered down environmental safeguards, and are brutally dismantling the agencies charged with protecting tribal peoples and the environment.”

Watson continues: “Brazil’s tribes — some only numbering a few hundred living in remote areas — are pitted against armed criminal gangs, whipped up by Bolsonaro’s hate speech. As if this wasn’t enough, COVID-19 is killing the best guardians of the forest, especially the older generations with expertise in forest management. Lethal diseases like malaria are on the rise in Indigenous communities and Amazon fires are spreading.”

In fact, Bolsonaro uses the low number of Indigenous people inhabiting reserves today — low populations often the outcome of past horrific violence and even genocide — as an excuse for depriving them of their lands. In 2015 he declared: “The Indians do not speak our language, they do not have money, they do not have culture. They are native peoples. How did they manage to get 13% of the national territory?” And in 2017 he said: “Not a centimeter will be demarcated… as an Indigenous reserve.”

The Indigenous territory of Urubu Branco, cited by Baragwanath and Bayi as a stellar example of effective state action, is a case in point. Under the Bolsonaro government it has been invaded time and again. Although the authorities have belatedly taken action, the Apyãwa (Tapirapé) Indigenous group living there says that invaders are now using the chaos caused by the pandemic to carry out more incursions. https://www.youtube.com/embed/VEqoNo3O8Jg

Land rights: a path to conserving Amazonia

Even so, say the experts, it still seems likely that, if homologation was implemented properly now or in the future, with effective state support, it would lead to reduced deforestation. Indeed, Baragwanath and Bayi suggest that this may be one of the few ways of saving the Amazon forest.

“Providing full property rights and the institutional environment for enforcing these rights is an important and cost-effective way for countries to protect their forests and attain their climate goals,” says the study. “Public policy, international mobilization, and nongovernmental organizations should now focus their efforts on pressuring the Brazilian government to register Indigenous territories still awaiting their full property rights.”

But, in the current state of accelerating deforestation, unhampered by state regulation or enforcement, other approaches may be required. One way forward is suggested in a document optimistically entitled: “Reframing the Wilderness Concept can Bolster Collaborative Conservation.”

In the paper, Álvaro Fernández-Llamazares from the Helsinki Institute of Sustainable Science, and others suggest that it is time for a new concept of “wilderness.”

For decades, many conservationists argued that the Amazon’s wealth of biodiversity stems from it being a “pristine” biome, “devoid of the destructive impacts of human activity.” But increasingly studies have shown that Indigenous people greatly contributed to the exuberance of the forest by domesticating plants as much as 10,000 years ago. Thus, the forest and humanity likely evolved together.

In keeping with this productive partnership, conservationists and Indigenous peoples need to work in harmony with forest ecology, say the authors. This organic partnership is more urgently needed than ever, they say, because the entire Amazon basin is facing an onslaught, “a new wave of frontier expansion” by logging, industrial mining, and agribusiness.

Fernández-Llamazares told Mongabay: “Extractivist interests and infrastructure development across much of the Amazon are not only driving substantial degradation of wilderness areas and their unique biodiversity, but also forcing the region’s Indigenous peoples on the frontlines of ever more pervasive social-ecological conflict.…  From 2014 to 2019, at least 475 environmental and land defenders have been killed in Amazonian countries, including numerous members of Indigenous communities.”

Fernández-Llamazares believes that new patterns of collaboration are emerging.

“A good example of the alliance between Indigenous Peoples and wilderness defenders can be found in the Isiboro-Sécure National Park and Indigenous Territory (TIPNIS, being its Spanish acronym), in the Bolivian Amazon,” he says. “TIPNIS is the ancestral homeland of four lowland Indigenous groups and one of Bolivia’s most iconic protected areas, largely considered as one of the last wildlands in the country. In 2011, conservationists and Indigenous communities joined forces to oppose the construction of a road that would cut across the heart of the area.” A victory they won at the time, though TIPNIS today remains under contention today.

Eduardo S. Brondizio, another study contributor, points out alternatives to the industrial agribusiness and mining model: numerous management systems established by small-scale farmers, for example, that are helping conserve entire ecosystems.

“The açaí fruit economy, for instance, is arguably the region’s largest [Amazon] economy today, even compared to soy and cattle, and yet it occupies a fraction of the [land] area occupied by soy and cattle, with far higher economic return and employment than deforestation-based crops, while maintaining forest cover and multiple ecological benefits.” he said.

And, he adds, it is a completely self-driven initiative. “The entire açaí fruit economy emerged from the hands and knowledge of local riverine producers who [have] responded to market demand since the 1980s by intensifying their production using local agroforestry knowledge.” It is important, he stresses, that conservationists recognize the value of these sustainable economic activities in protecting the forest.

The new alliance taking shape between conservationists and Indigenous peoples is comparable with the new forms of collaboration that have arisen among traditional people in the Brazilian Amazon. Although Indigenous populations and riverine communities of subsistence farmers and Brazil nut collectors have long regarded each other as enemies — fighting to control the same territory — they are increasingly working together to confront land-grabbers, loggers and agribusiness.

Still, there is no doubt time is running out. Brazil’s huge swaths of agricultural land are already contributing to, and suffering from, deepening drought, because the “flying rivers” that bring down rainfall from the Amazon are beginning to collapse. Scientists are warning that the forest is moving toward a precipitation tipping point, when drought, deforestation and fire will change large areas of rainforest into arid degraded savanna.

This may already be happening. The Amazon Environmental Research Institute (IPAM), a non-profit, research organisation, warned recently that the burning season, now just beginning in the Amazon, could devastate an even larger area than last year, when video footage of uncontrolled fires ablaze in the Amazon was viewed around the world. IPAM estimates that a huge area, covering 4,509 square kilometers (1,741 square miles), has been felled and is waiting to go up in flames this year — data some experts dispute. But as of last week, more than 260 major fires were already alight in the Amazon.

Years ago Davi Kopenawa Yanomami warned: “They [the white people] continue to maltreat the earth everywhere they go.… It never occurs to them that if they mistreat it too much it will finally turn to chaos.… The xapiri [the shamanic spirits] try hard to defend the white people the same way as they defend us.… But if Omoari, the dry season being, settles on their land for good, they will only have trickles of dirty water to drink and they will die of thirst. This could truly happen to them.”

Citations:

Kathryn Baragwanath and Ella Bayi, (10 August 2020), Collective property rights reduce deforestation in the Brazilian Amazon, Proceedings of the National Academy of Sciences.

Álvaro Fernández-Llamazares, Julien Terraube, Michael C. Gavin, Aili Pyhälä, Sacha M.O. Siani, Mar Cabeza, and Eduardo S. Brondizio, (29 July 2020) Reframing the Wilderness Concept can Bolster Collaborative Conservation, Trends in Ecology and Evolution.

Banner image: Young Tapirajé women. Image by Agência Brasil.

Scientists launch ambitious conservation project to save the Amazon (Mongabay)

Series: Amazon Conservation

by Shanna Hanbury on 27 July 2020

  • The Science Panel for the Amazon (SPA), an ambitious cooperative project to bring together the existing scientific research on the Amazon biome, has been launched with the support of the United Nation’s Sustainable Development Solutions Network.
  • Modeled on the authoritative UN Intergovernmental Panel on Climate Change reports, the first Amazon report is planned for release in April 2021; that report will include an extensive section on Amazon conservation solutions and policy suggestions backed up by research findings.
  • The Science Panel for the Amazon consists of 150 experts — including climate, ecological, and social scientists; economists; indigenous leaders and political strategists — primarily from the Amazon countries
  • According to Carlos Nobre, one of the leading scientists on the project, the SPA’s reports will aim not only to curb deforestation, but to propose an ongoing economically feasible program to conserve the forest while advancing human development goals for the region, working in tandem with, and in support of, ecological systems.
Butterflies burst into the sky above an Amazonian river. Image © Fernando Lessa / The Nature Conservancy.

With the Amazon rainforest predicted to be at, or very close to, its disastrous rainforest-to-savanna tipping point, deforestation escalating at a frightening pace, and governments often worsening the problem, the need for action to secure the future of the rainforest has never been more urgent.

Now, a group of 150 leading scientific and economic experts on the Amazon basin have taken it upon themselves to launch an ambitious conservation project. The newly founded Science Panel for the Amazon (SPA) aims to consolidate scientific research on the Amazon and propose solutions that will secure the region’s future — including the social and economic well-being of its thirty-five-million inhabitants.

“Never before has there been such a rigorous scientific evaluation on the Amazon,” said Carlos Nobre, the leading Amazon climatologist and one of the chairs of the Scientific Panel. The newly organized SPA, he adds, will model its work on the style of the authoritative reports produced by the UN Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC) in terms of academic diligence and the depth and breadth of analysis and recommendations.

The Amazon Panel, is funded by the United Nation’s Sustainable Development Solutions Network and supported by prominent political leaders, such as former Colombian President, Juan Manuel Santos and the elected leader of the Coordinator of Indigenous Organizations of the Amazon River Basin, José Gregorio Díaz Mirabal. The SPA plans to publish its first report by April 2021.

Timber illegally logged within an indigenous reserve seized by IBAMA, Brazil’s environmental agency, before the election of Jair Bolsonaro. Under the Bolsonaro administration, IBAMA has been largely defunded. Image courtesy of IBAMA.

Reversing the Amazon Tipping Point

Over the last five decades, the Amazon rainforest lost almost a fifth of its forest cover, putting the biome on the edge of a dangerous cliff. Studies show that if 3 to 8% more forest cover is lost, then deforestation combined with escalating climate change is likely to cause the Amazon ecosystem to collapse.

After this point is reached, the lush, biodiverse rainforest will receive too little precipitation to maintain itself and quickly shift from forest into a degraded savanna, causing enormous economic damage across the South American continent, and releasing vast amounts of forest-stored carbon to the atmosphere, further destabilizing the global climate.

Amazon researchers are now taking a proactive stance to prevent the Amazon Tipping Point: “Our message to political leaders is that there is no time to waste,” Nobre wrote in the SPA’s press release.

Amid escalating forest loss in the Amazon, propelled by the anti-environmentalist agenda of Brazilian President Jair Bolsonaro, experts fear that this year’s burning season, already underway, may exceed the August 2019 wildfires that shocked the world. Most Amazon basin fires are not natural in cause, but intentionally set, often by land grabbers invading indigenous territories and other conserved lands, and causing massive deforestation.

“We are burning our own money, resources and biodiversity — it makes no sense,” Sandra Hacon told Mongabay; she is a prominent biologist at the Brazilian biomedical Oswaldo Cruz Foundation and has studied the effects of Amazon forest fires on health. It is expected that air pollution caused by this year’s wildfire’s, when combined with COVID-19 symptoms, will cause severe respiratory impacts across the region.

Bolivian ecologist Marielos Penã-Claros, notes the far-reaching economic importance of the rainforest: “The deforestation of the Amazon also has a negative effect on the agricultural production of Uruguay or Paraguay, thousands of kilometers away.”

The climate tipping point, should it be passed, would negatively effect every major stakeholder in the Amazon, likely wrecking the agribusiness and energy production sectors — ironically, the sectors responsible for much of the devastation today.

“I hope to show evidence to the world of what is happening with land use in the Amazon and alert other governments, as well as state and municipal-level leadership. We have a big challenge ahead, but it’s completely necessary,” said Hacon.

Cattle ranching is the leading cause of deforestation in the Brazilian Amazon, but researchers say there is enough already degraded land there to support significant cattle expansion without causing further deforestation. The SPA may in its report suggest viable policies for curbing cattle-caused deforestation. Image ©Henrique Manreza / The Nature Conservancy.

Scientists offer evidence, and also solutions

Creating a workable blueprint for the sustainable future of the Amazon rainforest is no simple task. The solutions mapped out, according to the Amazon Panel’s scientists, will seek to not only prevent deforestation and curb global climate change, but to generate a new vision and action plan for the Amazon region and its residents — especially, fulfilling development goals via a sustainable standing-forest economy.

The SPA, Nobre says, will make a critical break with the purely technical approach of the United Nation’s IPCC, which banned policy prescriptions entirely from its reports. In practice, this has meant that while contributing scientists can show the impacts of fossil fuels on the atmosphere, they cannot recommend ending oil subsidies, for example. “We inverted this logic, and the third part of the [SPA] report will be entirely dedicated to searching for policy suggestions,” Nobre says. “We need the forest on its feet, the empowerment of the traditional peoples and solutions on how to reach development goals.”

Researchers across many academic fields (ranging from climate science and economics to history and meteorology) are collaborating on the SPA Panel, raising hopes that scientific consensus on the Amazon rainforest can be reached, and that conditions for research cooperation will greatly improve.

Indigenous Munduruku dancers in the Brazilian Amazon. The SPA intends to gather Amazon science and formulate socio-economic solutions in order to make sound recommendations to policymakers. Image by Mauricio Torres / Mongabay.

SPA participants hope that a thorough scientific analysis of the rainforest’s past, present and future will aid in the formulation of viable public policies designed to preserve the Amazon biome — hopefully leading to scientifically and economically informed political decisions by the governments of Amazonian nations.

“We are analyzing not only climate but biodiversity, human aspects and preservation beyond the climate issues,” Paulo Artaxo, an atmospheric physicist at the University of São Paulo, told Mongabay.

Due to the urgency of the COVID-19 pandemic, the initiative’s initial dates for a final report were pushed forward by several months, and a conference in China cancelled entirely. But the 150-strong team is vigorously pushing forward, and the first phase of the project — not publicly available — is expected to be completed by the end of the year.

The hope on the horizon is that a unified voice from the scientific community will trigger long-lasting positive changes in the Amazon rainforest. “More than ever, we need to hear the voices of the scientists to enable us to understand how to save the Amazon from wanton and unthinking destruction,” said Jeffrey Sachs, the director of the UN Sustainable Development Solutions Network, on the official launch website called The Amazon We Want.

Banner image: Aerial photo of an Amazon tributary surrounded by rainforest. Image by Rhett A. Butler / Mongabay.

‘We did it to ourselves’: scientist says intrusion into nature led to pandemic (The Guardian)

Leading US biologist Thomas Lovejoy says to stop future outbreaks we need more respect for natural world

Caged civet cats in a wildlife market in Guangzhou, China.
Caged civet cats in a wildlife market in Guangzhou, China. Photograph: Liu Dawei/AP

Phoebe Weston – Published on Sat 25 Apr 2020 06.00 BST

The vast illegal wildlife trade and humanity’s excessive intrusion into nature is to blame for the coronavirus pandemic, according to a leading US scientist who says “this is not nature’s revenge, we did it to ourselves”.

Scientists are discovering two to four new viruses are created every year as a result of human infringement on the natural world, and any one of those could turn into a pandemic, according to Thomas Lovejoy, who coined the term “biological diversity” in 1980 and is often referred to as the godfather of biodiversity.

“This pandemic is the consequence of our persistent and excessive intrusion in nature and the vast illegal wildlife trade, and in particular, the wildlife markets, the wet markets, of south Asia and bush meat markets of Africa… It’s pretty obvious, it was just a matter of time before something like this was going to happen,” said Lovejoy, a senior fellow at the United Nations Foundation and professor of environment science at George Mason University.

His comments were made to mark the release of a report by the Center for American Progress arguing that the US should step up efforts to combat the wildlife trade to help confront pandemics.

Wet markets are traditional markets selling live animals (farmed and wild) as well as fresh fruit, vegetables and fish, often in unhygienic conditions. They are found all over Africa and Asia, providing sustenance for hundreds of millions of people. The wet market in Wuhan believed to be the source of Covid-19 contained a number of wild animals, including foxes, rats, squirrels, wolf pups and salamanders.

Lovejoy said separating wild animals from farmed animals in markets would significantly lower the risk of disease transmission. This is because there would be fewer new species for viruses to latch on to. “[Domesticated animals] can acquire these viruses, but if that’s all there was in the market, it would really lower the probability of a leak from a wild animal to a domesticated animal.”

He told the Guardian: “The name of the game is reducing certain amounts of activity so the probability of that kind of leap becomes small enough that it’s inconsequential. The big difficulty is that if you just shut them down – which in many ways would be the ideal thing – they will be topped up with black markets, and that’s even harder to deal with because it’s clandestine.”

The pandemic will cost the global economy $1tn this year, according to the World Economic Forum, with vulnerable communities impacted the most, and nearly half of all jobs in Africa could be lost. “This is not nature’s revenge, we did it to ourselves. The solution is to have a much more respectful approach to nature, which includes dealing with climate change and all the rest,” Lovejoy said.

His comments echo those of a study published in the journal Proceedings of the Royal Society B earlier this month that suggested the underlying cause of the present pandemic was likely to be increased human contact with wildlife.

Experts are divided about how to regulate the vast trade in animals, with many concerned the poorest are most at risk from a crackdown. Urgent action on the wildlife trade is clearly needed, said Dr Amy Dickman, a conservation biologist from the University of Oxford, but she was “alarmed” by calls for indiscriminate bans on the wildlife trade.

She is one of more than 250 signatories of an open letter to the World Health Organization and United Nations Environment Programme saying any transition must contribute to – and not detract from – the livelihoods of the world’s most vulnerable people, many of whom depend on wild resources for survival. Other signatories include representatives from the African Wildlife Foundation, the Frankfurt Zoological Society and IUCN (International Union for Conservation of Nature).

The letter reads: “Covid-19 is inflicting unprecedented social and economic costs on countries and communities, with the poor and vulnerable hardest hit. The virus’s suspected links with a Chinese ‘wet market’ has led to calls to ban wet markets and restrict or end the trade, medicinal use and consumption of wildlife. However, indiscriminate bans and restrictions risk being inequitable and ineffective.”

Scientists and NGOs are concerned that over-simplistic and indiscriminate restrictions will exacerbate poverty and inequality, resulting in an increase in criminality. This could accelerate the exploitation and extinction of species in the wild, authors of the letter warn.

“People often seem more willing to point the finger at markets far away, as bans there will not affect their everyday lives – although they will often affect the rights of extremely vulnerable people,” said Dickman.

There are also concerns about the impacts of an outright ban on a number of indigenous populations, such as tribes in Orinoquia and Amazonia, with representatives describing it as an “attack” on their livelihoods.

Mama Mouamfon, who is based in Cameroon and directs an NGO called Fondation Camerounaise de la Terre Vivante (FCTV), said banning the trade would damage livelihoods: “Bush meat is very important for people in the forest because it’s one of the best ways to get animal protein. With this issue of poverty and people living in remote areas, it’s not easy for them to look for good meat,” he said.

“Sometimes people take decisions because they are sitting in an office and are very far from reality. If they knew our reality they would not take that [same] decision.”

Amazon rainforest reaches point of no return (Climate News Network)

March 16th, 2020, by Jessica Rawnsley

Satellite mapping of the devastating fires that swept through the rainforest in August last year.
Image: NASA Earth Observatory/Joshua Stevens

Brazilian rainforest expert warns that increased deforestation under President Bolsonaro’s regime is having a catastrophic effect on climate.

LONDON, 16 March, 2020 – Antonio Donato Nobre is passionate about the Amazon region and despairs about the level of deforestation taking place in what is the world’s biggest rainforest.

“Just when I thought the destruction couldn’t get any worse, it has,” says Nobre, one of Brazil’s leading scientists who has studied the Amazon – its unique flora and fauna, and its influence on both the local and global climate – for more than 40 years.

“In terms of the Earth’s climate, we have gone beyond the point of no return. There’s no doubt about this.”

For decades, he has fought against deforestation. There have been considerable ups and downs in that time, but he points out that Brazil was once a world-leader in controlling deforestation.

“We developed the system that’s now being used by other countries,” he told Climate News Network in an interview during his lecture tour of the UK.

“Using satellite data, we monitored and we controlled. From 2005 to 2012, Brazil managed to reduce up to 83% of deforestation.”

Dramatic increase

Then the law on land use was relaxed, and deforestation increased dramatically – by as much as 200% between 2017 and 2018.

It’s all become much worse since Jair Bolsonaro became Brazilian president at the beginning of last year, Nobre says.

“There are some dangerous people in office,” he says. “The Minister of Environment is a convicted criminal. The Minister of Foreign Affairs is a climate sceptic.”

Nobre argues that Bolsonaro doesn’t care about the Amazon and has contempt for environmentalists.

His administration is encouraging the land grabbers who illegally take over protected or indigenous tribal land, which they then sell on to cattle ranchers and soybean conglomerates.

For indigenous tribes, life has become more dangerous. “They are being murdered, their land is being invaded,” Nobre says.

In August last year, the world watched as large areas of the Amazon region – a vital carbon sink sucking up and recycling global greenhouse gases – went up in flames.

Nobre says the land grabbers had organised what they called a “day of fires” in August last year to honour Bolsonaro.

“Half of the Amazon rainforest to the east is gone . It’s losing the battle, going in the direction of a savanna.”

“Thousands of people organized, through WhatsApp, to make something visible from space,” he says. “They hired people on motorbikes with gasoline jugs to set fire to any land they could.”

The impact on the Amazon is catastrophic, Nobre says. “Half of the Amazon rainforest to the east is gone – it’s losing the battle, going in the direction of a savanna.

“When you clear land in a healthy system, it bounces back. But once you cross a certain threshold, a tipping point, it turns into a different kind of equilibrium. It becomes drier, there’s less rain. It’s no longer a forest.”

As well as storing and recycling vast amounts of greenhouse gas, the trees in the Amazon play a vital role in harvesting heat from the Earth’s surface and transforming water vapour into condensation above the forest. This acts like a giant sprinkler system in the sky, Nobre explains..

When the trees go and this system breaks down, the climate alters not only in the Amazon region but over a much wider area.

Time running out

“We used to say the Amazon had two seasons: the wet season and the wetter season,” Nobre says. “Now, you have many months without a drop of water.”

Nobre spent many years living and carrying out research in the rainforest and is now attached to Brazil’s National Institute for Space Research (INPE).

The vast majority of Brazilians, he says, are against deforestation and are concerned about climate change – but while he believes that there is still hope for the rainforest, he says that time is fast running out.

Many leading figures in Brazil, including a group of powerful generals, have been shocked by the international reaction to the recent spate of fires in the Amazon and fear that the country is becoming a pariah on the global stage.

Nobre is angry with his own government, but also with what he describes as the massive conspiracy on climate change perpetrated over the years by the oil, gas and coal lobbies.

Ever since the late 1970s, the fossil fuel companies’ scientists have known about the consequences of the build-up of greenhouse gases in the atmosphere.

“They brought us to this situation knowingly,” Nobre says. “It’s not something they did out of irresponsible ignorance. They paid to bash the science.” – Climate News Network

Jessica Rawnsley is a UK-based environmental journalist. She has written stories on the Extinction Rebellion movement and police tactics connected with demonstrations. She has a particular interest in campaigning groups and their influence on government climate policies.

Petróleo, gás e mineração ameaçam quase um terço dos Patrimônios Naturais Mundiais (WWF)

01 Outubro 2015

Londres – 1º de outubro de 2015 – Quase um terço de todos os locais pertencentes à lista de Patrimônio Mundial Natural está ameaçado pela exploração de petróleo, gás e mineração. A informação foi divulgada no novo relatório “Protegendo um Excepcional Valor Natural”, produzido pelo WWF, Aviva Investors and Investec Asset Management, e que ressalta ainda o risco para os investidores que trabalham ou possuem a intenção de trabalhar com empresas que atuam com extração nesses lugares ou próximos a eles.

Patrimônios Mundiais Naturais (ou World Heritage Site, em inglês) são lugares de enorme valor natural, como o Grand Canyon, a Grande Barreira de Corais e a Reserva Selous Game, na Tanzânia. Cobrindo menos de 1% do planeta, eles contêm um enorme valor natural, como paisagens singulares e alguns dos animais mais raros da Terra, como gorilas da montanha, elefantes africanos, leopardos da neve, baleias e tartarugas marinhas.

De acordo com o relatório, os pontos de Patrimônio Mundial Natural estão em risco mais elevado do que jamais se pensou até então.

As ameaças estão relacionadas às operações em atividade ou à entrada de empresas para concessão de exploração de minérios, petróleo ou gás, e podem causar danos irreparáveis aos locais à biodiversidade, além de prejudicar as comunidades que tiram dali sua subsistência. No mundo todo, a maior ameaça está na África, onde o risco atinge 61% desses locais.

No relatório, os investidores estão sendo alertados dos riscos que correm ao apoiarem essas empresas – tanto riscos financeiros quanto de reputação. Em resumo, neste caso, há muito risco envolvido para um retorno que não é o suficiente.

O documento convida potenciais financiadores e apoiadores a:

•    Buscar informações se as empresas em que estão investindo, ou considerando investir, possuem concessões ou operações dentro de lugares considerados Patrimônios Mundiais Naturais;

•    Abordar diretamente companhias que trabalham nesses locais ou próximos a eles e as encorajar a mudar seus planos;

•    Considerar retirar o investimento nessas companhias se não forem tomadas medidas para sair desses lugares, e ainda divulgar o fim do apoio e as razões para isso.

O desenvolvimento alternativo e sustentável dos Patrimônios Naturais Mundiais é uma proposta muito melhor para resguardar tanto o futuro dos recursos naturais quanto o das comunidades locais, nacionais e globais. A preservação desses locais e de seus ecossistemas pode fornecer, a longo prazo, benefícios significativos, visto que:

•    93% dos Patrimônios Mundiais Naturais promovem o turismo e a recreação;
•    91% deles geram empregos;
•    84% deles contribuem para a educação.

O WWF convoca investidores a usar as evidências desse relatório para abordar as companhias de extração e encorajá-las a adotar compromissos significativos de “não atuação” e “não impacto” nos Patrimônios Mundiais Naturais, além de divulgar de forma proativa as operações em atividade (existentes, ou em vias de existir), dentro ou nas proximidades de Patrimônios Mundiais Naturais.

De acordo com o diretor-executivo do WWF do Reino Unido, David Nussbaum: “nós estamos indo aos confins da Terra em busca de mais recursos – incluindo minérios, petróleo e gás, que estão cada vez mais caros e difíceis de serem extraídos. Com isso, alguns dos lugares mais preciosos do mundo estão ameaçados por atividades industriais destrutivas que põem em perigo os valores pelos quais eles foram agraciados com o maior nível de reconhecimento do planeta”, comenta.

“Proteger esses locais únicos não é somente importante do ponto de vista ambiental, é crucial para o sustento e o futuro da população que depende deles. Os investidores têm uma oportunidade única assim como uma responsabilidade de administrar seu capital e desenhar nosso futuro”, completa Nussbaum.

Sacred Land of Amazonian Munduruku To Be Flooded By Dam (CIP Americas Program)

By   |  24 / August / 2015

Munduruku-2The Munduruku are one of the largest ethnic groups in Brazil with a population of over thirteen thousand. For the last three centuries they have lived in the heart of the Amazon along 850 kilometers the Tapajós river in the eastern region of the state of Pará. This area is also home to the largest gold deposits in the world. The Tapajós is the last of the great Amazonian rivers without a dam but now the Brazilian government has approved plans for the construction of seven large hydroelectric plants on its river basin. These will have serious implications for at least one hundred indigenous settlements.

The main proposed hydroelectric plant, known as the Tapajós Complex, is in Sāo Luis de Tapajós. Constructio is scheduled to begin in 2017, to come online by 2020. It will flood out an area of 722,25 square kilometers, and will be the third largest dam in the country.

Most of the settlements along the river will be adversely affected by the dam, but it is undoubtedly the Sawré Muybu Indigenous Territory that will suffer the most. They will have to abandon their homes as the projected flooding will cover most of the area they consider their territory.

“That is exactly what they want. They want us as far away as possible from here. We are at war to defend our land. They will have to carry our dead bodies out of here,” said Rozeninho Saw in an interview with the Americas Progam.

“The Munduruku have always been known as great warriors,” he noted, recalling the tribe’s history. “In fact, the word ‘Munduruku’ refers to “red ants” because, like them, our ancestors left for battle well organized and attacked en masse.”

The federal government’s plan to expel the Munduruku from their ancestral lands goes against the constitution because the displacement of indigenous people is prohibited under Article 231. Article 231 recognizes the right of indigenous people to live permanently on their traditional territories. In an attempt to make the project legal, the Brazilian government has argued that the territory of the Sawre Muybu has never been officially, and therefore legally, recognized.

The government’s case, and along with it the plans for the hydroelectric project, has come under increased pressure due the disclosure of a seven-year study undertaken by the National Foundation of the Indian (FUNAI) that clearly outlines the historical inhabitancy by the Munduruku people of the territory in question as per the established guidelines of defining ancestral lands and sacred sites. The report, completed in 2013, proves the Munduruku’s claim to the land and establishes boundaries of the Sawre Muybu Indigenous Territory. It remained unpublished by the presidency of FUNAI until it was recently leaked to some media outlets.

The report concludes, “Based on an exhaustive investigation that addressed anthropological, ethnohistoric, cartographic, environmental, and topographic concerns, the working group fully recognizes the traditional character of the Munduruku people in the specified territory.”

Tapajós: Predominantly Indigenous 

While non-indigenous communities are now increasingly populating the Tapajós area, the FUNAI report states that many parts of it still remain exclusively inhabited by indigenous people. Non-indigenous colonization can be traced back to the 19th century when the area absorbed many migrant workers catering to the rubber boom. This influx declined and ultimately stopped with the fall in the price of latex on the world market.

“Those migrants who remained and settled in the area, adapted to the indigenous customs and were assimilated into the community, not the other way round,” the study states. This lack of non-indigenous inhabitants is juxtaposed with the overwhelming presence of the Munduruku, and some other ethnicities predating the European conquest of the Amazon but little is known of their origins or history.”

Today, the region is still bereft of a significant non-indigenous presence. Most of the non-indigenous population is involved in illegal mining and overfishing.

FUNAI, the government body entrusted with establishing and implementing the nation’s indigenous policies, stipulates that there are a total of eleven Munduruku indigenous territories in the state of Pará. Ten of these are located along the margins of the Tapajós, however only two are officially recognized and geographically demarcated. The remaining territories are still undergoing this process of demarcation.

Tierra Madre 

Munduruku-1The Sawré Muybu Indigenous Territory, as defined in report, encompasses an area of 178,173 hectares along 232 kilometers of the river through the municipalities of Itaituba and Trairão in the state of Pará. Where the Tapajós meets the Amazon River, four different tribes have settled (the Praia do Mangue, Praia do Índio, Sawre Apompu and Sawre Juybu). But it is the three main settlements (the Sawre Muybu, Ms Dace Watpu and Karo Muybu), which play a central and vital role for the whole Munduruku ethnic population. “We are a sort of mother ship for all the other settlements,” explains Rozeninho, “because our territory is the largest. The other tribes come here to get food and materials and to find someone to marry.”

The FUNAI report goes on to state that the central area of the Munduruku territory is host to many springs which feed into the Tapajós and which are “the source of habitats ecologically unique to the area in terms of flora and fauna (especially for hunting) and consequently offer the population of the Sawre Muyru an appropriate and vital source for nourishment and provide them with the raw materials needed for their tools and shelter.”

The Sawre Muybu IT also contains many of the Munduruku sacred sites, like the Igarapé Sāo Gonçalo and the Igarapé do Fecho, both of which will completely disappear underwater when, and if, the area is flooded by the dam. The small canal known as the Sāo Gonçalo, narrow but navigable, flows into the Tapajós at the exact location of the Ancient Village of the Munduruku. “This small canal is fundamental to one of the main rituals, known as the Tinguijada, of the Munduruku.   It is also the source of many palm, copal, and patauá trees which attract many species the Munduruku hunt,” the FUNAI report specifies. Likewise, the Igarapé do Fecho, another small canal that flows into the Tapajós, is fundamental to the mythology of the Munduruku as they “believe it is the birthplace of the Tapajós,” adds Rozeninho.

According to a petition filed by the Federal Prosecutor asking the Supreme Court to suspend the license for the project on the grounds of it being a violation of the rights of the Munduruku, it lists the violation of sacred sites relevant to the beliefs, customs, traditions, symbology and spirituality of these indigenous populations, all of which are protected by the constitution, as its main reason.

The territory of Sawre Muybu coincides geographically with the Flora Itaituba II special conservation area. This alone should be grounds to impede it from being flooded. But in January 2012, President Dilma Rousseff ordered the scaling down in size of seven areas of special conservation, one of them being Flora Itaituba II .   As a result, the unprotected area now falls squarely within the boundaries of the Munduruku territories and is now destined to become part of the reservoir formed by the dam. These perimeters were officially reduced and redefined by the government under the Medida Provisional (MP) n. 558/2012 which was formally passed into law n.12.678/2012.

From Tapajós To The World 

The immense Tapajós River is comprised of a series of islands, lakes and lagoons that are rich in fish stock. It is also a major conduit for the transportation of Amazonian produce such as nuts, bacaba, burtiti and copal. Just at the point where the Igarapé do Fecho disgorges into the Tapajós, the main river narrows considerably due to protuberances on both sides of the bank. The bedrock is sheer granite, and large boulders and strong currents make the navigation of large boats almost impossible.

The seven planned hydroelectric projects will raise the water level, converting the river into a succession of reservoirs. This alteration will most certainly facilitate the navigation of the river for larger vessels. Given its strategic position connecting one of Brazil’s largest agricultural production (of soya and maize) with the newly established centers of mineral exploration (of gold and aluminum), traffic along the river will undoubtedly ramp up on a grand scale from the north of Pará, onto the Amazon River, and out towards the Atlantic Ocean.

These hydroelectric plants are thus seen to be a key component to the exploitation of the minerals in the region. “They are fundamental to the functioning of the industry because they will provide them with the electricity necessary to run the mines. “In reality this completely negates the rights of the people who inhabit the region,” Nayana Fernandez, director of the documentary “Indigenas Munduruku: Weaving Resistance” and activist for the indigenous of the region, told CIP Americas.

China: Eletrobrás Furnas, closely tied to the Federal Ministry of Mines and Energy, recently signed a memorandum of cooperation with China Three Gorges International Corporation (CTG) to build the Sāo Luis do Tapajós Hydroelectric Dam. This agreement consolidates the company’s strategy of positioning itself among the largest energy producers in the world.

Minerals For the World 

Munduruku-4The proliferation of gold prospecting and mining is another factor adding to the growing environmental crisis in the Tapajós region. Known to have the largest untapped deposits in the world, gold nevertheless has been mined in the region since the 1950s, the FUNAI report states. “In the 1980s the municipality of Itaituba was the largest gold producer in the world, extracting an estimated ten tons per month,” according to the Office of Mining and the Environment of Itaituba and the Tapajós Association of Gold Producers.

Data provided by the Department of Mineral Production (DNPM) and analyzed in the FUNAI report shows that an official permit for gold mining issued was issued in 2013 to the Miners Association of the Amazon, which guarantees the legitimacy of the licenses on file at the DMPM. No less than 94 of these licenses infringe on the territorial rights of the Sawre Muybu IT.

In 2012 the Institute of Socioeconomic Studies published a report stating that in the decade between 2000 and 2010 exports from the region officially designated the “Legal” Amazon increased much more the exports from other Brazilian regions, namely by 518% versus 366%, or from 5,000 million dollars in 2000 to 26,000 million in 2010.

The state of Pará was itself responsible for 48% (or 12,800 million dollars) of the total value of exports in 2010. The schedule of exports details the predominance of minerals, followed by farming produce, and meat in particular. Three companies – Vale, Alunorte, and Albrás (aluminum and iron ore) – accounted for 78% of the export market value, or 10,000 million dollars, in the state of Pará.

Aluminum mining consumes almost 6% of the energy generated in the Brazil. According to Celio Bermann, “aluminum is sold at a relatively insignificant price on the international market and generates negligible employment figures. The work force employed by the aluminum production industry is 70 times smaller than the work forced generated for the food and drinks industry, and 40 times smaller than that employed by the textile industry.”

In Brazil, transnational companies that control 70% of its distribution and 30% of its production primarily provide for energy. 665 companies consume 30% of the total energy produced by the hydroelectric plants.

Records show that over 2000 hydroelectric dams have been constructed up until the year 2012. Over a million people have been expelled from their homes and land as a result; 70% of them without being indemnified in any way. China, Spain and the United States were the biggest investors in Brazil in 2014. According to the CEPAL, the Economic Commission for Latin America and the Caribbean, Chinese foreign direct investment topped 1,161 million dollars in 2015, mainly due to increased investment in oil, electrical distribution and manufacturing.

Impact

Although work has not yet begun in Tapajós, the Munduruku are already subject to the impact of the project on their lives on a daily basis. “The simple act of not publishing the report specifying the demarcation lines of the Sawre Muybu territory is an important impact of the project on the community. As is the process of self-demarcation of their sacred lands, undertaken by the indigenous communities themselves. They have been forced to go down this route in order to defend the concept of what it means to be Munduruku in light of the fight for the right to remain in the land of their ancestors,” says Nayana Fernandez. She goes on to say that the Munduruku’s prime focus and main weapons in the fight are the experiences of other traditional communities who have already been subject to the myriad effects of the hydroelectric plants in their midst as well as the dire warnings of environmental disaster issued by many studies and reports.

Munduruku-8Hydroelectric dams in other rivers – the River Teles Pires, or the Belo Monte Dam in the Xingu River, for example – are prime examples of the most extreme of consequences.

“In order to build the Teles Pires Dam, construction companies dynamited the waterfalls known as “Sete Quedas (Seven Falls)” which were a sacred site for the Kayabi, the Apiaka, and the Munduruku. They were allowed to commit this ethno historic crime without having had any prior consultation with the local communities, as is required by the Convention No. 169 of the International Labor Organization to which Brazil is signatory,” she asserts.

The landscape will be altered dramatically, as will the behavior and flow of the river and its tributaries. This will, in turn, create social and economic problems, not least through the appropriation and segregation of large spaces to specifically and exclusively designate them for the transport of materials, for the warehousing of produce and for waste management.

FUNAI’s impact report details alterations in the level and direction of the river; the denuding of vegetation and habitats for fauna, specifically in forested areas and in freshwater marshes and wetlands; the severe interference in the migration routes of fish, and the increased endangerment of animal species, among them: manatees, freshwater dolphins, pink porpoises, caimans, Amazonian turtles, amarillos, otters, and lizards unique to the environment. The flooding will furthermore result in the disappearance of the islands, lagoons, and freshwater swamp forests that surround the Tapajós River, and consequently in the disappearance of their unique habitats too.

No Funding For The Recognition of Ancestral Lands? 

In May 2014 the public prosecutor lodged a case in the Federal Court of Itaituba against FUNAI for delaying the demarcation process of the Sawre Muybu Indigenous Territory. The Munduruku met with Maria Augusta Assirati, ex- president of FUNAI, in Brasilia in September of 2014. It was at that meeting that she admitted that the delay in the publication of the report was due to interference from various branches of the government with interests in the hydroelectric project.

The public prosecutor proceeded with his case in the courts insisting on legal territorial demarcation for the Sawre Muybu well into 2015. Eventually the court ruled that FUNAI was legally obliged to continue with the process of certifying and demarking the territory. It was further stipulated that until FUNAI complied, the organization would have to pay a daily fine of 900 US dollars to the Munduruku. FUNAI has appealed the decision but as yet there has been no final ruling.

According to the arguments presented in court by the public prosecutor, FUNAI maintained that priority in the national demarcation process of indigenous lands had been allocated to the indigenous territories of the south and southeast and that there were no available public funds for the same process in the Amazonian region. The prosecutor rejected that argument saying that public funds were utilized for the preparation of the report, therefore they were available.

“It would be a waste of public money if the report were archived after the great investment incurred in its preparation and, above else, the unquestionable violation of the constitutional rights of indigenous people that would result if that were to occur,” said the prosecutor Camoēs Buenaventura.

Guarding Ancestral Territory 

Munduruku-5Munduruku art has as its central motif the figure of the Jabuti, an Amazonian turtle. Legends say the animal’s shrewdness and community spirit helped it defeat its most feared enemies.

“We have to use our own wisdom to quench the attempted extermination of our people. The enemies of the indigenous communities behave like the Great Anaconda who clasps her victims so hard their bones crush before suffocating them. But Jabuti gave us a lesson in how to defeat them,” say the Munduruku in a letter signed collectively.

The Munduruku’s last resort has been to self-demarcate their ancestral lands. The first step taken to recuperate and reclaim the territory as their own was in October of 2014, using as their geographical point of reference the same territorial limits as those outlined in the FUNAI report. Precisely because the federal government did not officially recognize this report, the Munduruku felt compelled to uphold the position articulated in it.

“The self-demarcation of the Sawre Muybu Indigenous Territory is a resistance movement against those developments proposed by the government and foreign multinational companies in the Amazon. These include hydroelectric dams, the exploitation of the forest, and the expansion of the agroindustry.   It also represents the organization of the indigenous people to collectively guard against and protect the rights of the indigenous communities in light of the illegal occupation of their lands and the continued abuse of their natural resources,” their letter continues.

The Munduruku have recently issued a second salvo in the quest to recuperate and reclaim their territory. In July 2015 they wrote, “We have unquestionable evidence of the manmade destruction of our fruit producing trees. We take care of these trees because not only do we eat the fruit, they are the future we will leave to our grandchildren. We can see that there are not many left, almost none on our lands. The fruit provides nourishing juice for our children and all we can see is its decimation. We have always said that the pariwat (the white man) is not aware of any of this. This is why we are engaged in this process of self-demarcation. We do not think as the pariwat who is destroying our trees thinks.”

According to Rozeninho, the Munduruku are convening a general meeting for September 2015 to evaluate the progress of the campaign so far and to discuss what future steps they will take.

Photos by Santiago Navarro F. 

Translation by Isabella Weibrecht  

Ofensiva ruralista contra direitos indígenas continua em Brasília (Greenpeace Brasil)

10/12/2014 – 09h53

por Redação do Greenpeace Brasil

O Projeto de Lei Complementar que coloca sob ameaça Terras Indígenas já demarcadas e abre caminho para sua exploração deve ser apreciado nesta quarta-feira

bannerPLSjuca 1024x648 Ofensiva ruralista contra direitos indígenas continua em Brasília

O projeto do senador Romero Jucá (PMDB-RR), que restringe drasticamente os direitos de povos indígenas sobre suas terras, deve estrar em pauta nesta quarta-feira (10), às 14h, em uma comissão mista no Senado.

O Projeto de Lei Complementar sem número/2013, estabelece exceções à posse e uso exclusivo das comunidades indígenas sobre suas terras. Caso aprovada, ela segue direto para os plenários do Senado e da Câmara.

O texto, que regulamenta o Art. 231 da Constituição Federal, é assinado pelo senador Romero Jucá, ex-líder do governo no Senado – que também é relator do controverso parecer sobre a regulamentação da PEC do Trabalho Escravo.

Sob a justificativa de normatizar o conceito de relevância de interesse público no processo de demarcação, o projeto quer, na realidade, legalizar fazendas, estradas, hidrelétricas, minas, linhas de transmissão e outros empreendimentos em Terras Indígenas (TIs).

A proposta classifica propriedades rurais como “área de relevante interesse público da União”. Como consequência, o projeto estabelece que essas áreas poderão ser excluídas da delimitação das terras indígenas se seus títulos de ocupação forem “considerados válidos” ou poderão ser objeto de desapropriação ou de compensação com outra área ofertada pela União. Dessa forma, o projeto transforma interesses privados em “de relevante interesse público da União”.

Enquanto o mundo todo está reunido em Lima, no Peru, em busca de acordos para mitigar as mudanças climáticas, o Congresso e o Senado brasileiro, capitaneados pela Bancada Ruralista, tentam destruir os direitos indígenas, evitando que novas terras indígenas sejam criadas e colocando em risco as áreas atualmente protegidas.

“As TI, são o melhor instrumento de conservação das florestas e devem fazer parte da estratégia brasileira de mitigação de emissão dos gases de efeito estufa, evitando assim o agravamento das mudanças climáticas, maior crise ambiental que os seres humanos podem enfrentar”, afirma Rômulo Batista, da campanha Amazônia do Greenpeace.

A Mobilização Nacional Indígena, rede de organizações coordenada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, promove um tuítaço nesta quarta, a partir das 10h30, contra a proposta. Participe utilizando a hashtag #DireitosIndigenas.

* Publicado originalmente no site Greenpeace Brasil.

(Greenpeace Brasil)

Código florestal de SP é atacado por especialistas (Estado de S.Paulo)

Para eles, falta base científica em projeto da Assembleia; compensação de desmate é polêmica

Em meio à pior crise hídrica da história, deputados da base do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), na Assembleia Legislativa tentam aprovar um projeto que, para integrantes do próprio governo, “trará prejuízos irreversíveis à proteção e conservação da água, da fauna e da flora” do Estado.

Veja o texto na íntegra em: http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,codigo-florestal-de-sao-paulo-e-atacado-por-especialistas,1604639

(Fábio Leite/Estado de S.Paulo)

“O Cerrado está extinto e isso leva ao fim dos rios e dos reservatórios de água” (Jornal Opção)

Edição 2048 (5 a 11 de outubro de 2014)

Uma das maiores autoridades sobre o tema, professor da PUC Goiás diz que destruição do bioma é irreversível e que isso compromete o abastecimento potável em todo o País

Fernando Leite/Jornal Opção

Elder Dias

Uma ilha ambiental em meio à metrópole está no Campus 2 da Pon­tifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). É lá o local onde Altair Sales Barbosa idealizou e realizou uma obra que se tornou ponto turístico da capital: o Memorial do Cerrado, eleito em 2008 o local mais bonito de Goiânia e um dos projetos do Instituto do Trópico Subúmido (ITS), dirigido pelo professor.

Foi lá que Altair, um dos mais profundos conhecedores do bioma Cerrado, recebeu a equipe do Jornal Opção. Como professor e pesquisador, tem graduação em Antropologia pela Universidade Católica do Chile e doutorado em Arqueologia Pré-Histórica pelo Museu Nacional de História Natural, em Washington (EUA). Mais do que isso, tem vivência do conhecimento que conduz.

É justamente pela força da ciência que ele dá a notícia que não queria: na prática o Cerrado já está extinto como bioma. E, como reza o dito popular, notícia ruim não vem sozinha, antes de recuperar o fôlego para absorver o impacto de habitar um ecossistema que já não existe, outra afirmação produz perplexidade: a devastação do Cer­rado vai produzir também o desaparecimento dos reservatórios de água, localizados no Cerrado, o que já vem ocorrendo — a crise de a­bastecimento em São Paulo foi só o início do problema. Os sinais dos tempos indicam já o começo do período sombrio: “Enquanto se es­tá na fartura, você é capaz de re­partir um copo d’água com o ir­mão; mas, no dia da penúria, ninguém repartirá”, sentencia o professor.

“Memorial do Cerrado” – o nome deste espaço de preservação criado pelo sr. aqui no Campus 2 da PUC Goiás, é uma expressão pomposa. Mas, tendo em vista o que vivemos hoje, é algo quase que tristemente profético. O Cerrado está mesmo em vias de extinção?
Para entender isso é preciso primeiramente entender o que é o Cerrado. Dos ambientes recentes do planeta Terra, o Cerrado é o mais antigo. A história recente da Terra começou há 70 milhões de anos, quando a vida foi extinta em mais de 99%. A partir de então, o planeta começou a se refazer novamente. Os primeiros sinais de vida, principalmente de vegetação, que ressurgem na Terra se deram no que hoje constitui o Cerrado. Por­tanto, vivemos aqui no local onde houve as formas de ambiente mais antigas da história recente do planeta, principalmente se levarmos em consideração as formações vegetais. No mínimo, o Cerrado começou há 65 milhões de anos e se concretizou há 40 milhões de anos.

O Cerrado é um tipo de am­biente em que vários elementos vi­vem intimamente interligados uns aos outros. A vegetação depende do solo, que é oligotrófico [com nível muito baixo de nutrientes]; o solo depende de um tipo de clima especial, que é o tropical subúmido com duas estações, uma seca e outra chuvosa. Vários outros fatores, incluindo o fogo, influenciaram na formação do bioma – o fogo é um elemento extremamente importante porque é ele que quebra a dormência da maioria das plantas com sementes que existem no Cerrado.

Assim, é um ambiente que de­pen­de de vários elementos. Isso significa que já chegou em seu clímax evolutivo. Ou seja, uma vez degradado não vai mais se recuperar na plenitude de sua biodiversidade. Por isso é que falamos que o Cerrado é uma matriz ambiental que já se encontra em vias de extinção.

Por que o sr. é tão taxativo?
Uma comunidade vegetal é medida não por um determinado tipo de planta ou outro, mas, sim, por comunidades e populações de plantas. E já não se encontram mais populações de plantas nativas do Cerrado. Podemos encontrar uma ou outra espécie isolada, mas encontrar essas populações é algo praticamente impossível.

Outra questão: o solo do Cerrado foi degradado por meio da ocupação intensiva. Retiraram a gramínea nativa para a implantação de espécies exóticas, vindas da África e da Austrália. A introdução dessas gramíneas, para o pastoreio, modificou radicalmente a estrutura do solo. Isso significa que naquele solo, já modificado, a maioria das plantas não conseguirá brotar mais.

Como se não bastasse tudo isso, o Cerrado foi incluído na política de ex­pansão econômica brasileira co­mo fronteira de expansão. É uma á­rea fácil de trabalhar, em um planalto, sem grandes modificações geomorfológicas e com estações bem definidas. Junte-se a isso toda a tecnologia que hoje há para correção do solo. É possível tirar a acidez do solo utilizando o calcário; aumentar a fertilidade, usando adubos. Com isso, altera-se a qualidade do solo, mas se afetam os lençóis subterrâneos e, sem a vegetação nativa, a água não pode mais infiltrar na terra.

Onde há pastagens e cultivo, então, o Cerrado está inviabilizado para sempre, é isso?
Onde houve modificação do solo a vegetação do Cerrado não brota mais. O solo do Cerrado é oligotrófico, carente de nutrientes básicos. Quando o agricultor e o pecuarista enriquecem esse solo, melhorando sua qualidade, isso é bom para outros tipos de planta, mas não para as do Cerrado. Por causa disso, não há mais como recuperar o ambiente original, em termos de vegetação e de solo.

Mas o mais importante de tudo isso é que as águas que brotam do Cerrado são as mesmas águas que alimentam as grandes bacias do continente sul-americano. É daqui que saem as nascentes da maioria dessas bacias. Esses rios todos nascem de aquíferos. Um aquífero tem sua área de recarga e sua área de descarga. Ao local onde ele brota, formando uma nascente, chamamos de área de descarga. Como ele se recarrega? Nas partes planas, com a água das chuvas, que é absorvida pela vegetação nativa do Cerrado. Essa vegetação tem plantas que ficam com um terço de sua estrutura exposta, acima do solo, e dois terços no subsolo. Isso evidencia um sistema radicular [de raízes] extremamente complexo. Assim, quando a chuva cai, esse sistema radicular absorve a água e alimenta o lençol freático, que vai alimentar o lençol artesiano, que são os aquíferos.

Quando se retira a vegetação na­tiva dos chapadões, trocando-a por outro tipo, alterou-se o ambiente. Ocorre que essa vegetação introduzida – por exemplo, a soja ou o al­go­dão ou qualquer outro tipo de cul­tura para a produção de grãos – tem uma raiz extremamente superficial. Então, quando as chuvas caem, a água não infiltra como deveria. Com o passar dos tempos, o nível dos lençóis vai diminuindo, afetando o nível dos aquíferos, que fica menor a cada ano.

As plantas  do cerrado são de crescimento muito lento. Quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, os Buritis que vemos hoje estavam nascendo. eles demoram 500 anos para ter de 25 a 30 metros. também por isso, o dano ao bioma é irreversível

Qual é a consequência imediata desse quadro?
Em média, dez pequenos rios do Cerrado desaparecem a cada ano. Esses riozinhos são alimentadores de rios maiores, que, por causa disso, também têm sua vazão diminuída e não alimentam reservatórios e outros rios, de que são afluentes. Assim, o rio que forma a bacia também vê seu volume diminuindo, já que não é abastecido de forma suficiente. Com o passar do tempo, as águas vão desaparecendo da área do Cerrado. A água, então, é outro elemento importante do bioma que vai se extinguindo.

Hoje, usa-se ainda a agricultura irrigada porque há uma pequena reserva nos aquíferos. Mas, daqui a cinco anos, não haverá mais essa pequena reserva. Estamos colhendo os frutos da ocupação desenfreada que o agronegócio impôs ao Cerrado a partir dos anos 1970: entraram nas áreas de recarga dos aquíferos e, quando vêm as chuvas, as águas não conseguem infiltrar como antes e, como consequência, o nível desses aquíferos vai caindo a cada ano. Vai chegar um tempo, não muito distante, em que não haverá mais água para alimentar os rios. Então, esses rios vão desaparecer.

Por isso, falamos que o Cerrado é um ambiente em extinção: não existem mais comunidades vegetais de formas intactas; não existem mais comunidades de animais – grande parte da fauna já foi extinta ou está em processo de extinção; os insetos e animais polinizadores já foram, na maioria, extintos também; por consequência, as plantas não dão mais frutos por não serem polinizadas, o que as leva à extinção também. Por fim, a água, fator primordial para o equilíbrio de todo esse ecossistema, está em menor quantidade a cada ano.

Como é a situação desses aquíferos atualmente?
Há três grandes aquíferos na região do Cerrado: o Bambuí, que se formou de 1 bilhão de anos a 800 milhões de anos antes do momento presente; os outros dois são divisões do Aquífero Guarani, que está associado ao Arenito Botucatu e ao Arenito Bauru que começou a se formar há 70 milhões de anos. O Guarani alimenta toda a Bacia do Rio Paraná: a maior parte dos rios de São Paulo, de Mato Grosso, de Mato Grosso do Sul – incluindo o Pantanal Mato-Grossense – e grande parte dos rios de Goiás que correm para o Paranaíba, como o Meia Ponte. Toda essa bacia depende do Aquífero Guarani, que já chegou em seu nível de base e está alimentando insuficientemente os rios que dependem dele. Por isso, os rios da Bacia do Paraná diminuem sua vazão a cada ano que passa.

Então, podemos ter nisso a explicação para a crise da água em São Paulo?
Exato. Como medida de urgência, já estão perfurando o Arenito Bauru – que é mais profundo que o Botucatu, já insuficiente –, tentando retirar pequenas reservas de água para alimentar o sistema Cantareira [o mais afetado pela escassez e que abastece a capital paulista]. Mesmo se chover em grande quantidade, isso não será suficiente para que os rios juntem água suficiente para esse reservatório.

Assim como ocorre no Can­tareira, outros reservatórios espalhados pela região do Cerrado – Sobradinho, Serra da Mesa e outros – vão passar pelo mesmo problema. Isso porque o processo de sedimentação no fundo do lago de um reservatório é um processo lento. Os sedimentos vão formando argila, que é uma rocha impermeável. Então, a água daquele lago não vai alimentar os aquíferos. Mesmo tendo muita quantidade de água superficial, ela não consegue penetrar no solo para alimentar os aquíferos. Se não for usada no consumo, ela vai simplesmente evaporar e vai cair em outro lugar, levada pelas correntes aéreas. Isso é outro motivo pelo qual os aquíferos não conseguem recuperar seu nível, porque não recebem água.

Geologicamente sendo o mais antigo, seria natural que o Cerrado fosse o primeiro bioma a desaparecer. Mas isso em escala geológica, de milhões de anos. Mas, pelo que o sr. diz, a antropização [ação humana no ambiente] multiplicou em muitíssimas vezes esse processo de extinção.

Sim. Até meados dos anos 1950, tínhamos o Cerrado praticamente intacto no Centro-Oeste brasileiro. Desde então, com a implantação de infraestrutura viária básica, com a construção de grandes cidades, como Brasília, criou-se um conjunto que modificou radicalmente o ambiente. A partir de 1970, quando as grandes multinacionais da agroindústria se apossaram dos ambientes do Cerrado para grandes monoculturas, aí começa o processo de finalização desse bioma. Ou seja, o homem sendo responsável pelo fim desse ambiente que é precioso para a história do planeta Terra.

Em que o Cerrado é tão precioso?
De todas as formas de vegetação que existem, o Cerrado é a que mais limpa a atmosfera. Isso ocorre porque ele se alimenta basicamente do gás carbônico que está no ar, porque seu solo é oligotrófico.

Diz-se que o Cerrado é o contrário da Amazônia: uma floresta invertida, em confirmação à definição que o sr. deu sobre o fato de dois terços de cada planta do Cerrado estarem debaixo da terra. Ou seja, a destruição do Cerrado é muito mais séria do que alcança a nossa visão com o avanço da fronteira agrícola. É uma devastação muito maior, porque também ocorre longe dos olhos, subterrânea.

Isso faz sentido, porque, na parte subterrânea, além do sequestro de carbono está armazenada a água, sem a qual não prospera nenhuma atividade econômica. A Amazônia terminou de ser formada há apenas 3 mil anos, um processo que começou há 11 mil anos, com o fim da glaciação no Hemisfério Norte. A configuração que tem hoje existe na plenitude só há 3 mil anos. A Mata Atlântica tem 7 mil anos. São ambientes que, se degradados, é possível recuperá-los, porque são novos, estão em formação ainda.

Já com o Cerrado isso é impossível, porque suas árvores já atingiram alto grau de especialização. Tanto que o processo de quebra da dormência de determinadas sementes são extremamente sofisticados. Uma semente de araticum, por exemplo, só pode ter sua dormência quebrada no intestino delgado de um canídeo nativo do Cerrado – um lobo guará, uma raposa. Como esses animais estão em extinção, fica cada vez mais difícil quebrar a dormência de um araticum, que é uma anonácea [família de plantas que inclui também a graviola e a ata (fruta-do-conde), entre outras].

As abelhas europeias e africanas são recentes, foram introduzidas no século passado. O professor Warwick Kerr, que introduziu a abelha africana no Brasil, na década de 1950, ainda é vivo e atua na Universidade Federal de Uber­lândia (UFU). São boas produtoras de mel, mas não estão adaptadas para fazer a polinização das plantas do Cerrado. As abelhas nativas do Cerrado, que não tem ferrão e são chamadas de meliponinas – jataí, mandaçaia, uruçu – eram os maiores agentes polinizadores naturais, juntamente com os insetos, em função de sua anatomia. Hoje estão praticamente extintas, como esses insetos, pelo uso de herbicidas e outros tipos de veneno, que combatiam pragas de vegetações exóticas em lavouras e pastagens. Quando se utiliza o pesticida para extinguir essas pragas também se mata o inseto nativo, que é polinizador das plantas do Cerrado. Por isso, se encontram muitas plantas nativas sem fruto, por não terem sido polinizadas.

A flora do Cerrado é geralmente desprezada. O que ela representa, de fato?
Nós vivemos em meio à mais diversificada flora do planeta. O Cerrado contém a maior biodiversidade florística. Isso não está na Amazônia, nem na Mata Atlântica, nem em uma savana africana ou em uma savana australiana. Nem qualquer outro ambiente da Terra. São 12.365 plantas catalogadas no Cerrado. Só as que conhecemos. A cada expedição que fazemos, cada vez que vamos a campo, pelo menos 50 novas espécies são descobertas. Dessas 12.365 plantas conhecidas, somos capazes de multiplicar em viveiro apenas 180. Isso é cerca de 1,5% do total, quase nada em relação a esse universo. E só conseguimos fazer mudas de plantas arbóreas.

Para as demais, que são extremamente importantes para o equilíbrio ecológico, para o sequestro de carbono e para a captação de água, não temos tecnologia para fazer mudas. Por exemplo, o capim-barba-de-bode, a canela-de-ema, a arnica, o tucum-rasteiro, esses dois últimos com raízes extremamente complexas. Se tirarmos um tucum-rasteiro, que está no máximo 40 centímetros acima do nível do solo, e olharmos seu tronco, vamos encontrar milhares ou até milhões de raízes grudados naquele tronco. Se tirarmos um pedaço pequeno dessas raízes e levarmos ao microscópio, veremos centenas de radículas que saem delas. Uma pequena plantinha com um sistema radicular extremamente complexo, que retém a água e alimenta os diversos ambientes do Cerrado. É algo que não se consegue reproduzir em viveiro, porque não há tecnologia. O que conseguimos é em relação a algumas plantas arbóreas.

Outro aspecto que indica que o Cerrado já entrou em vias de extinção é que as plantas do Cerrado são de crescimento muito lento. Uma canela-de-ema atinge a idade adulta com mil anos de idade. O capim-barba-de-bode fica adulto com 600 anos. Um buriti atinge 30 metros de altura com 500 anos. Nossas veredas – que existiam em abundância até pouco tempo – eram compostas de plantas “nenês” quando Pedro Álvares Cabral chegou ao Brasil, estavam nascendo naquela época e sua planta mais comum, o buriti, está hoje com 25 metros, 30 metros.

“Tragédia urbana começa com drama no campo”

Mas a tecnologia e a biotecnologia não fornecem nenhuma alternativa para mudar esse quadro?
Para se ter ideia da complexidade, vamos tomar o caso do buriti, que só pode ser plantado em uma lama turfosa, cheia de turfa, com muita umidade. Se o solo estiver seco, o buriti não vai vingar ali. Mas, mesmo se conseguíssemos plantar – o que é difícil, porque não existe mais o solo apropriado –, aquele buriti só atingiria a idade adulta e dar frutos depois de muitos séculos. Então, não tem como tentar dizer que se pode usar técnicas para revitalizar o Cerrado. Isso é praticamente impossível.

A interface do Cerrado, para falar em uma linguagem moderna, não é amigável para o uso da tecnologia conhecida. Não tem como acelerar o crescimento de um buriti como se faz com a soja.
Não dá para fazer isso, até porque as plantas do Cerrado convivem com uma porção de outros elementos que, para outras plantas, seriam nocivos. Por exemplo, certos fungos convivem em simbiose com espécies do Cerrado. Um simples fungo pode impedir a biotecnologia. Seria possível desenvolver, por meio de tecidos, tal planta em laboratório. Mas sem aquele fungo a planta não sobrevive. E com o fungo, mas em laboratório, ela também não se desenvolve. Ou seja, é algo extremamente complicado, mais do que podemos imaginar.

Mesmo que os mais pragmáticos menosprezem a importância de um determinado animal ou uma “plantinha” em relação a uma obra portentosa, como uma hidrelétrica, há algo que está sob ameaça com o fim do Cerrado, como a água. Isso é algo básico para todos. A contradição é que o Cerrado – assim como a caatinga e os pampas – não são ainda patrimônio nacional, ao contrário da Mata Atlântica, o Pantanal e a Amazônia. Há uma lei, a PEC 115/95 [proposta de emenda constitucional], de autoria do então deputado Pedro Wilson (PT-GO), que pede essa isonomia há quase 20 anos. Essa lei ajudaria alguma coisa?
Na prática, não poderia ajudar mais em nada, porque o que tinha de ser ocupado do Cerrado já foi. O bioma já chegou em seu limiar máximo de ocupação. Mas o governo brasileiro é tão maquiavélico e inteligente que, para evitar maiores discussões, no ano passado redesenhou todo o mapa ambiental brasileiro. Dessa forma, separou o Pantanal do Cerrado – embora o primeiro seja um subsistema do segundo –, transformou-o em patrimônio nacional e a área do Cerrado já ocupada foi ignorada e incluída no plano de desenvolvimento como área de expansão da fronteira agrícola. Ou seja, o Cerrado, em sua totalidade, já foi contemplado para não ser protegido.

O que os parques nacionais poderiam agregar em uma política de subsistência do Cerrado?
Existe um manejo inadequado dos parques existentes na região do Cerrado. Esse manejo começa com o fogo, quando se cria uma brigada para evitar incêndios no Parque Nacional das Emas, por exemplo. O fogo natural é importante para a preservação do Cerrado. Ora, se se trabalha com o intuito de preservar o Cerrado é preciso conviver com o fogo; agora, se se trabalha com a visão do agrônomo, o fogo é prejudicial, porque acentua o oligotrofismo do solo. O Cerrado precisa desse solo oligotrófico, mas, se o fogo é eliminado, as condições do solo serão alteradas e a planta nativa vai deixar de existir, porque o solo vai adquirir uma melhoria e aquela planta precisa de um solo pobre. Assim, quando se barra o uso do fogo em um parque de Cerrado, o trabalho se dá não com a noção de preservação do ambiente, mas dentro da visão da agricultura. Raciocina-se como agrônomo, não como biólogo.

Outra questão nos parques é que o entorno dos parques já foi tomado por vegetações exóticas. Entre essas vegetações existe o brachiaria, que é uma gramínea extremamente invasora que, à medida que espalha suas sementes, alcança até as áreas dos parques, tomando o lugar das gramíneas nativas. No Parque Nacional das Emas já temos gramínea que não é nativa, o que faz com que haja também vegetação arbórea, de porte maior, também não nativa. Os animais, em função do isolamento do parque, não têm mais contato com áreas naturais, como os barreiros, que forneceriam a eles cálcio e sais naturais. Quando encontramos um osso de animal morto em um parque vemos que está sem calcificação completa, porque falta esse elemento, que é obtido lambendo cinzas queimadas ou visitando os barreiros, que são salinas naturais em que existe esse o elemento. Geralmente há poucos barreiros nos parques, o que torna mais difícil a sobrevivência do animal, que acaba entrando em vias de extinção, o que está acontecendo.

Não há, em nenhum parque nacional criado, aumento da vegetação nativa ou da fauna nativa. O que há é a diminuição dos caracteres nativos daquela vegetação, bem como da fauna. Isso prova que esse isolamento não trouxe benefícios. O que poderia funcionar seria se essas áreas de preservação estivessem interligadas por meio de corredores de migração faunística. Isso evitaria uma série de erros cometidos quando se delimita uma área.

Mas, pelo que o sr. diz, hoje isso seria impossível.
Praticamente impossível, por­que as matas ciliares, que de­ve­riam servir como corredores ecológicos, de migração, foram totalmente degradadas. A maioria dos rios foi ocupada, em suas margens, por ambientes urbanos, com a presença do homem, que é um elemento extremamente predatório. Mais que isso: os sistemas agrícolas implantados chegam, em alguns locais, até a margem de córregos e rios, impedindo, também, a existência desses corredores de migração.

Fica, assim, um cenário praticamente inviável. É triste falar isso , mas, na realidade, falamos baseados em dados científicos, no que observamos. Sou o amante número um do Cerrado. Gostaria que ele existisse durante milhões e milhões de anos ainda, mas infelizmente não é isso que vemos acontecer. Se, por exemplo, você observar as nascentes dos grandes rios, verá que elas ou estão secando ou estão migrando cada vez mais para áreas mais baixas. Quando isso ocorre, é sinal de que o lençol que abastece essa nascente está rebaixando.

Observe, por exemplo, o caso das nascentes do Rio São Francis­co, na Serra da Canastra; o caso das nascentes do Rio Araguaia ou do Rio Tocantins, que tem o Rio Uru em sua cabeceira mais alta. A cada dia que passa as nascentes vão descendo mais. Vai ocorrer o dia em que chegarão ao nível de base do lençol que as abastece e desaparecerão.

Ao mesmo tempo em que o­cor­re esse fenômeno, temos um au­mento rápido do consumo de água.
Há o aumento da população. Mas, além do mais, o Cerrado entrou, nos últimos anos, por um processo extremamente complicado, que chamamos de desterritorialização. O grande capital chegou às áreas do Cerrado e expulsou os posseiros que lá moravam, por meio da falsificação de documentos, da negociata com cartórios e com políticos. Com a grilagem, adquiriu milhares de hectares e tirou os moradores antigos da região. Isso desestruturou comunidades inteiras.

Isso ainda ocorre em Goiás e em diversos lugares?
Ocorreu e está ocorrendo. E o que isso provoca? O aumento das cidades. Quase não há mais cidadezinhas na região do Cerrado, elas são de médio ou grande porte, porque a população do campo, desamparada e sem terra, veio para a zona urbana. Essas pessoas vêm buscar abrigo na cidade, que oferece a eles algum tipo de serviço. Na cidade, se transformam em outro tipo de categoria social: os sem-teto. Estes vivem aqui e ali, ocupando as áreas mais periféricas da cidade. Vão ocupar planícies de inundação, beiras de córregos, entre outros ambientes desorganizados.

Um homem que vive em um ambiente assim, que nasce, é criado e compartilha dessa desorganização, terá uma mente que tende a ser desorganizada. Ou seja, ao fazer a desterritorialização trabalhamos contra a formação de pessoas sadias. Formamos pessoas transtornadas, mutiladas mentalmente, ocupando as periferias. Não existe plano diretor que dê conta de acompanhar o desenvolvimento das áreas urbanas no Brasil, porque a cada dia chegam novas famílias nessas áreas.

Crescendo em um ambiente desorganizado, sem perspectivas para o futuro, essas pessoas acabam caindo em neuroses para a fuga. A neurose mais comum desse tipo é o uso de drogas. Acabam cometendo o que chamamos de atos ilícitos, mas provocados por uma situação socioeconômica de limitação, vivendo em ambientes precários. Essas pessoas constroem sua vida nesses locais, formam famílias e passam anos ou décadas nesses locais. Só que um dia vem um fenômeno natural qualquer – como El Niño ou La Niña – que, por exemplo, acomete aquele local com uma quantidade muito maior de chuva. Então, o córrego enche e encontra, em sua área de inundação, os barracos daquela população. Aí começa a tragédia urbana, com desabrigados e mortos. Aumenta, ainda mais, o processo de sofrimento no qual estão inseridas essas populações.

Hoje vejo muitos profissionais, principalmente arquitetos, falando em mobilidade urbana. Falam em construir monotrilhos, linhas específicas para ônibus, corredores para bicicletas, mas ninguém toca na ferida: o problema não está ali, mas na desestruturação do homem do campo. Quanto mais se desestrutura o campo, mais pessoas vêm para a cidade, que não consegue absorvê-las, por mais que se implantem linhas novas, estações e bicicletários. O problema está no drama do campo, não na cidade.

Antigamente, se usava a expressão “fixação do homem no campo”. Isso parece que ficou para trás na visão dos governos.
Desistiram porque o que manda é o grande capital. Os bancos estatais se alegram com as safras recordes, fazem propaganda disso. Eles patrocinam os grandes proprietários, só que estes não têm grande quantidade de funcionários, têm uma agricultura intensiva, mecanizada. Isso não ajuda de forma alguma a manter as pessoas na zona rural.

Uma notícia grave é a extinção do Cerrado. Outra, tão ou mais grave, que – pelo que o sr. diz – já pode ser dada, é que em pouco tempo não teremos mais água. A crise da água no Brasil é uma bomba-relógio?
A extinção do Cerrado envolve também a extinção dos grandes mananciais de água do Brasil, porque as grandes bacias hidrográficas “brotam” do Cerrado. O Rio São Francisco é uma consequência do Cerrado: ele nasce em área de Cerrado e é alimentado, em sua margem esquerda, por afluentes do Cerrado: Rio Preto, que nasce em Formosa (GO); Rio Paracatu (MG); Rio Carinhanha, no Oeste da Bahia; Rio Formoso, que nasce no Jalapão (TO) e corre para o São Francisco. Se há a degradação do Cerrado, não há rios para alimentar o São Francisco. Você po­de contar no mínimo dez afluentes por ano desses grandes rios que estão desaparecendo.

Professor Altair Sales fala ao jornalista Elder Dias: "A proteção das águas tinha de ser questão de segurança nacional”

Como o sr. analisa a transposição do Rio São Francisco?
É um ato muito mais político do que científico. Ela atende muito mais a interesses políticos de grandes proprietários do Nordeste na área da Caatinga, no sertão nordestino. A transposição está sendo feita em dois canais, um norte, com 750 quilômetros e outro, leste, com pouco mais de 600 quilômetros. A água é sugada da barragem de Sobradinho (BA), através de uma bomba, para abastecer esses canais, com 10 metros de profundidade e largura de 25 metros. Ao fazer essa obra, se altera toda a mecânica do São Francisco: o rio, que corria lento, passa a correr mais rapidamente, porque está tendo sua água sugada. Seus afluentes, então, também passam a seguir mais velozes. Isso acelera o processo de assoreamento e de erosão.

Consequente­mente, aceleram a morte dos afluentes. Fazer a transposição do São Francisco simplesmente é estabelecer uma data para a morte do rio, para seu desaparecimento total. Podem até atender interesses econômicos e sociais de maneira efêmera, em curto prazo, mas em dez anos acabou tudo.

E será um processo rápido, assim?
Sim, é um processo de décadas. Basta ver o Rio Meia Ponte, na altura do Setor Jaó. Onde havia uma bonita cachoeira, na antiga barragem, há só um filete d’água. O nível da água do Meia Ponte é o mesmo do Córrego Botafogo há décadas atrás. Este praticamente não existe mais, a não ser por uma nascente muito rica no Jardim Botânico, que ainda o alimenta. Mas ele só parece mesmo exis­tir quando as chuvas o en­chem rapidamente. Mas, no outro dia, ele vira novamente um filete.

Goiânia foi planejada em função também dos cursos d’água. Tendo em vista o que ocorre hoje, podemos dizer que ela é, então, o cenário de uma tragédia hidrográfica?
Eu não diria que apenas Goiânia está realmente dessa forma. Mas foi toda uma política de ocupação do centro e do interior do Brasil que motivou essa ocupação desordenada, desde a época da Fundação Brasil Central, da Expedição Roncador–Xingu, depois a construção de Goiânia e de Brasília, a divisão de Mato Grosso e a criação do Tocan­tins. Isso é fruto do capital dinâmico que transforma a realidade. Vem uma urbanização rápida de áreas de campo, aumentando as ilhas de calor e, consequentemente, pela pavimentação, impedindo que as águas das chuvas se infiltrem para alimentar os mananciais que deram origem a essas mesmas cidades. Se continuar dessa forma, com esse tipo de desordenamento, podemos prever grandes colapsos sociais e econômicos no Centro-Oeste do Brasil. E não só aqui, mas nas áreas que aqui brotam.

O que significa quase toda a área do Brasil, não?
Sim, até mesmo a Amazônia. O Rio Amazonas é alimentado por três vetores: as águas da Cordilheira dos Andes, que é um sistema de abastecimento extremamente irregular; as águas de sua margem esquerda, principalmente do Solimões, que também é irregular, em que duas estiagens longas podem expor o assoreamento, ilhas de areias – ali foi um deserto até bem pouco tempo, chamado Deserto de Óbidos. Ou seja, o Amazonas é alimentado mesmo pelos rios que nascem no Cerrado, como Teles Pires (São Manuel), Xingu, Tapajós, Madeira, Araguaia, Tocantins. Estes caem quase na foz do Amazonas, mas contribuem com grande parte de seu volume. Ou seja, temos o São Francisco, já drasticamente afetado; o Amazonas, também afetado; e a Bacia do Paraná, afetada quase da mesma forma que o São Francisco, provavelmente com período de vida muito curto.

Será um processo tão rápido assim?
Uma vez que se inicia tal processo de degradação e de diminuição drástica do nível dos lençóis, isso é irreversível. Em alguns casos duram algumas décadas; em outros, até menos do que isso. Temos exemplos clássicos no mundo de transposições de rios que não deram certo e até secaram mares inteiros. No Mar de Aral, no Leste Europeu, há navios ancorados em sal. Sua drenagem é endorreica, fechada, sem saída para o oceano. A União Soviética, na ânsia de se tornar autossuficiente na produção de algodão, fez a transposição dos dois rios que abasteciam o mar. Resultado: no prazo de uma década, as plantações não vingaram, o mar secou e uma grande quantidade de tempestades de poeira e sal afetam 30 milhões de pessoas, causando doenças respiratórias graves, incluindo o câncer.

Com nossos rios, acontecerá o mesmo processo. A diferença é que o processo de ocupação aqui foi relativamente recente, a partir dos anos 1970. São 40 e poucos anos. Ou seja: em menos de meio século, se devastou um bioma inteiro. Não acabou totalmente porque ainda há um pouco de água. Mas, quando isso acabar, imagine as convulsões sociais que ocorrerão. Enquanto se está na fartura, você é capaz de repartir um copo d’água com o irmão; mas, no dia da penúria, ninguém repartirá. Isso faz parte da natureza do ser humano, que é essencialmente egoísta. Isso está no princípio da evolução da humanidade. A Igreja Católica chama isso de “pecado original”, mas nada mais é do que o egoísmo, apossar-se de determinados bens e impedir que outros usufruam deles. Isso já levou outros povos e raças à extinção. E pode nos levar também à extinção.

Até bem pouco tempo tínhamos duas humanidades: o homem-de-neanderthal, o Homo sapiens neanderthalensis; e o Homo sapiens sapiens. Hoje podemos falar também em duas humanidades: uma humanidade subdesenvolvida, tentando soerguer em meio a um lodo movediço; e outra humanidade, que nada na opulência. A questão é que, se essa situação persistir, brevemente teremos a pós e a sub-humanidade.

É um cenário doloroso.
É doloroso, mas são os dados que a ciência mostra. Tem jeito, tem perspectiva para um futuro melhor? Possivelmente, a saída esteja na pesquisa. Mas uma pesquisa precisa de um longo tempo para que apareçam resultados positivos. E nossas universidades não incentivam a pesquisa, o que é muito triste, porque essa é a essência de uma universidade.

O sr. vê, em algum lugar do mundo, trabalhos e pesquisas pensando em um mundo mais sustentável?
Não. O que existe é muito localizado e incipiente. Não tem grande repercussão. Mas, mesmo se fossem proveitosas, jamais poderiam ser aplicadas ao Cer­rado, que é um ambiente muito peculiar. Teria de haver pesquisa dirigida especialmente para nosso bioma. Como recuperar uma nascente de Cerrado? Eu não sei dizer. Um engenheiro ambiental também não lhe dará resposta. Nenhum cientista brasileiro sabe a resposta, porque não temos pesquisas sobre isso. Talvez poderíamos ter um futuro melhor se houvesse investimentos em pesquisa.

E a educação ocupa que papel nesse contexto sombrio?
Nós, como educadores, deveríamos pensar mais nisso – e eu penso: talvez ainda seja tempo de salvar o que ainda resta, mas se não dermos uma guinada muito violenta não terá como fazer mais nada. É preciso haver real mudança de hábitos e mudar a forma de observar os bens patrimoniais do planeta e da nossa região. A água tinha de ser uma questão de segurança nacional. A vegetação nativa, da mesma forma. Os bens naturais teriam de ser tratados assim também, porque deles depende o bem-estar das futuras gerações. Mas isso só se consegue com investimento muito alto em educação, mudando mentalidade de educadores. As escolas têm de trabalhar a consciência e não apenas o conhecimento. Uma coisa é conhecer o problema; outra, é ter consciência do problema. A consciência exige um passo a mais. Exige atitude revolucionária e radical. Ou mudamos radicalmente ou plantaremos um futuro cada vez pior para as gerações que virão.

Desmatamento na Amazônia na mídia – 10 de novembro de 2014

“Estamos indo direto para o matadouro”, diz o cientista Antonio Nobre (Portal do Meio Ambiente)

PUBLICADO 04 NOVEMBRO 2014.

Antonio Donato Nobre é um dos melhores cientistas brasileiros, pertence ao grupo do IPCC que mede o aquecimento da Terra e é um especialista em questões amazônicas. É mundialmente conhecido como pesquisador do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).  Excerto do evento de lançamento do relatório “O Futuro Climático da Amazônia” em 30/10/2014.

Por Daniela Chiaretti, Do Valor

Eis a entrevista.

Quanto já desmatamos da Amazônia brasileira?

Só de corte raso, nos últimos 40 anos, foram três Estados de São Paulo, duas Alemanhas ou dois Japões. São 184 milhões de campos de futebol, quase um campo por brasileiro. A velocidade do desmatamento na Amazônia, em 40 anos, é de um trator com uma lâmina de três metros se deslocando a 726 km/hora – uma espécie de trator do fim do mundo. A área que foi destruída corresponde a uma estrada de 2 km de largura, da Terra até a Lua. E não estou falando de degradação florestal.

Essa é a “guilhotina de árvores” que o senhor menciona?

Foram destruídas 42 bilhões de árvores em 40 anos, cerca de 3 milhões de árvores por dia, 2.000 árvores por minuto. É o clima que sente cada árvore que é retirada da Amazônia. O desmatamento sem limite encontrou no clima um juiz que conta árvores, não esquece e não perdoa.

O sr. pode explicar?

Os cientistas que estudam a Amazônia estão preocupados com a percepção de que a floresta é potente e realmente condiciona o clima. É uma usina de serviços ambientais. Ela está sendo desmatada e o clima vai mudar.

A mudança climática…

A mudança climática já chegou. Não é mais previsão de modelo, é observação de noticiário. Os céticos do clima conseguiram uma vitória acachapante, fizeram com que governos não acreditassem mais no aquecimento global. As emissões aumentaram muito e o sistema climático planetário está entrando em falência como previsto, só que mais rápido.

No estudo o sr. relaciona destruição da floresta e clima?

A literatura é abundante, há milhares de artigos escritos, mais de duas dúzias de projetos grandes sendo feitos na Amazônia, com dezenas de cientistas. Li mais de 200 artigos em quatro meses. Nesse estudo quis esclarecer conexões, porque esta discussão é fragmentada. “Temos que desenvolver o agronegócio. Mas e a floresta? Ah, floresta não é assunto meu”. Cada um está envolvido naquilo que faz e a fragmentação tem sido mortal para os interesses da humanidade. Quando fiz a síntese destes estudos, eu me assombrei com a gravidade da situação.

Qual é a situação?

A situação é de realidade, não mais de previsões. No arco do desmatamento, por exemplo, o clima já mudou. Lá está aumentando a duração da estação seca e diminuindo a duração e volume de chuva. Agricultores do Mato Grosso tiveram que adiar o plantio da soja porque a chuva não chegou. Ano após ano, na região leste e sul da Amazônia, isso está ocorrendo. A seca de 2005 foi a mais forte em cem anos. Cinco anos depois teve a de 2010, mais forte que a de 2005. O efeito externo sobre a Amazônia já é realidade. O sistema está ficando em desarranjo.

A seca em São Paulo se relaciona com mudança do clima?

Pegue o noticiário: o que está acontecendo na Califórnia, na América Central, em partes da Colômbia? É mundial. Alguém pode dizer – é mundial, então não tem nada a ver com a Amazônia. É aí que está a incompreensão em relação à mudança climática: tem tudo a ver com o que temos feito no planeta, principalmente a destruição de florestas. A consequência não é só em relação ao CO2 que sai, mas a destruição de floresta destrói o sistema de condicionamento climático local. E isso, com as flutuações planetárias da mudança do clima, faz com que não tenhamos nenhuma almofada.

Almofada?

A floresta é um seguro, um sistema de proteção, uma poupança. Se aparece uma coisa imprevista e você tem algum dinheiro guardado, você se vira. É o que está acontecendo agora, não sentimos antes os efeitos da destruição de 500 anos da Mata Atlântica, porque tínhamos a “costa quente” da Amazônia. A sombra úmida da floresta amazônica não permitia que sentíssemos os efeitos da destruição das florestas locais.

O sr. fala em tapete tecnológico da Amazônia. O que é?

Eu queria mostrar o que significa aquela floresta. Até eucalipto tem mais valor que floresta nativa. Se olharmos no microscópio, a floresta é a hiper abundância de seres vivos e qualquer ser vivo supera toda a tecnologia humana somada. O tapete tecnológico da Amazônia é essa assembleia fantástica de seres vivos que operam no nível de átomos e moléculas, regulando o fluxo de substâncias e de energia e controlando o clima.

O sr. fala em cinco segredos da Amazônia. Quais são?

O primeiro é o transporte de umidade continente adentro. O oceano é a fonte primordial de toda a água. Evapora, o sal fica no oceano, o vento empurra o vapor que sobe e entra nos continentes. Na América do Sul, entra 3.000 km na direção dos Andes com umidade total. O segredo? Os gêiseres da floresta.

Gêiseres da floresta?

É uma metáfora. Uma árvore grande da Amazônia, com dez metros de raio de copa, coloca mais de mil litros de água em um dia, pela transpiração. Fizemos a conta para a bacia Amazônica toda, que tem 5,5 milhões de km2: saem desses gêiseres de madeira 20 bilhões de toneladas de água diárias. O rio Amazonas, o maior rio da Terra, que joga 20% de toda a água doce nos oceanos, despeja 17 bilhões de toneladas de água por dia. Esse fluxo de vapor que sai das árvores da floresta é maior que o Amazonas. Esse ar que vai progredindo para dentro do continente vai recebendo o fluxo de vapor da transpiração das árvores e se mantém úmido, e, portanto, com capacidade de fazer chover. Essa é uma característica das florestas

É o que faz falta em São Paulo?

Sim, porque aqui acabamos com a Mata Atlântica, não temos mais floresta. Qual o segundo segredo?

Chove muito na Amazônia e o ar é muito limpo, como nos oceanos, onde chove pouco. Como, se as atmosferas são muito semelhantes? A resposta veio do estudo de aromas e odores das árvores. Esses odores vão para atmosfera e quando têm radiação solar e vapor de água, reagem com o oxigênio e precipitam uma poeira finíssima, que atrai o vapor de água. É um nucleador de nuvens. Quando chove, lava a poeira, mas tem mais gás e o sistema se mantém.

E o terceiro segredo?

A floresta é um ar-condicionado e produz um rio amazônico de vapor. Essa formação maciça de nuvens abaixa a pressão da região e puxa o ar que está sobre os oceanos para dentro da floresta. É um cabo de guerra, uma bomba biótica de umidade, uma correia transportadora. E na Amazônia, as árvores são antigas e têm raízes que buscam água a mais de 20 metros de profundidade, no lençol freático. A floresta está ligada a um oceano de água doce embaixo dela. Quando cai a chuva, a água se infiltra e alimenta esses aquíferos.

Como tudo isso se relaciona à seca de São Paulo?

No quarto segredo. Estamos em um quadrilátero da sorte – uma região que vai de Cuiabá a Buenos Aires no Sul, São Paulo aos Andes e produz 70% do PIB da América do Sul. Se olharmos o mapa múndi, na mesma latitude estão o deserto do Atacama, o Kalahari, o deserto da Namíbia e o da Austrália. Mas aqui, não, essa região era para ser um deserto. E no entanto não é, é irrigada, tem umidade. De onde vem a chuva? A Amazônia exporta umidade. Durante vários meses do ano chega por aqui, através de “rios aéreos”, o vapor que é a fonte da chuva desse quadrilátero.

E o quinto segredo?

Onde tem floresta não tem furacão nem tornado. Ela tem um papel de regularização do clima, atenua os excessos, não deixa que se organizem esses eventos destrutivos. É um seguro.

Qual o impacto do desmatamento então?

O desmatamento leva ao clima inóspito, arrebenta com o sistema de condicionamento climático da floresta. É o mesmo que ter uma bomba que manda água para um prédio, mas eu a destruo, aí não tem mais água na minha torneira. É o que estamos fazendo. Ao desmatar, destruímos os mecanismos que produzem esses benefícios e ficamos expostos à violência geofísica. O clima inóspito é uma realidade, não é mais previsão. Tinha que ter parado com o desmatamento há dez anos. E parar agora não resolve mais.

Como não resolve mais?

Parar de desmatar é fundamental, mas não resolve mais. Temos que conter os danos ao máximo. Parar de desmatar é para ontem. A única reação adequada neste momento é fazer um esforço de guerra. A evidência científica diz que a única chance de recuperarmos o estrago que fizemos é zerar o desmatamento. Mas isso será insuficiente, temos que replantar florestas, refazer ecossistemas. É a nossa grande oportunidade.

E se não fizermos isso?

Veja pela janela o céu que tem em São Paulo – é de deserto. A destruição da Mata Atlântica nos deu a ilusão de que estava tudo bem, e o mesmo com a destruição da Amazônia. Mas isso é até o dia em que se rompe a capacidade de compensação, e é esse nível que estamos atingindo hoje em relação aos serviços ambientais. É muito sério, muito grave. Estamos indo direto para o matadouro.

O que o sr. está dizendo?

Agora temos que nos confrontar com o desmatamento acumulado. Não adianta mais dizer “vamos reduzir a taxa de desmatamento anual.” Temos que fazer frente ao passivo, é ele que determina o clima.

Tem quem diga que parte desses campos de futebol viraram campos de soja.

O clima não dá a mínima para a soja, para o clima importa a árvore. Soja tem raiz de pouca profundidade, não tem dossel, tem raiz curta, não é capaz de bombear água. Os sistemas agrícolas são extremamente dependentes da floresta. Se não chegar chuva ali, a plantação morre.

O que significa tudo isso? Que vai chover cada vez menos?

Significa que todos aqueles serviços ambientais estão sendo dilapidados. É a mesma coisa que arrebentar turbinas na usina de Itaipu – aí não tem mais eletricidade. É de clima que estamos falando, da umidade que vem da Amazônia. É essa a dimensão dos serviços que estamos perdendo. Estamos perdendo um serviço que era gratuito que trazia conforto, que fornecia água doce e estabilidade climática. Um estudo feito na Geórgia por uma associação do agronegócio com ONGs ambientalistas mediu os serviços de florestas privadas para áreas urbanas. Encontraram um valor de US$ 37 bilhões. É disso que estamos falando, de uma usina de serviços.

As pessoas em São Paulo estão preocupadas com a seca.

Sim, mas quantos paulistas compraram móveis e construíram casas com madeira da Amazônia e nem perguntaram sobre a procedência? Não estou responsabilizando os paulistas porque existe muita inconsciência sobre a questão. Mas o papel da ciência é trazer o conhecimento. Estamos chegando a um ponto crítico e temos que avisar.

Esse ponto crítico é ficar sem água?

Entre outras coisas. Estamos fazendo a transposição do São Francisco para resolver o problema de uma área onde não chove há três anos. Mas e se não tiver água em outros lugares? E se ocorrer de a gente destruir e desmatar de tal forma que a região que produz 70% do PIB cumpra o seu destino geográfico e vire deserto? Vamos buscar água no aquífero?

Não é uma opção?

No norte de Pequim, os poços estão já a dois quilômetros de profundidade. Não tem uso indefinido de uma água fóssil, ela tem que ter algum tipo de recarga. É um estoque, como petróleo. Usa e acaba. Só tem um lugar que não acaba, o oceano, mas é salgado.
O esforço de guerra é para acabar com o desmatamento?

Tinha que ter acabado ontem, tem que acabar hoje e temos que começar a replantar florestas. Esse é o esforço de guerra. Temos nas florestas nosso maior aliado. São uma tecnologia natural que está ao nosso alcance. Não proponho tirar as plantações de soja ou a criação de gado para plantar floresta, mas fazer o uso inteligente da paisagem, recompor as Áreas de Proteção Permanente (APPs) e replantar florestas em grande escala. Não só na Amazônia. Aqui em São Paulo, se tivesse floresta, o que eu chamo de paquiderme atmosférico…

Como é?

É a massa de ar quente que “sentou” no Sudeste e não deixa entrar nem a frente fria pelo Sul nem os rios voadores da Amazônia.

O que o governo do Estado deveria fazer?

Programas massivos de replantio de reflorestas. Já. São Paulo tem que erradicar totalmente a tolerância com relação a desmatamento. Segunda coisa: ter um esforço de guerra no replantio de florestas. Não é replantar eucalipto. Monocultura de eucalipto não tem este papel em relação a ciclo hidrológico, tem que replantar floresta e acabar com o fogo. Poderia começar reconstruindo ecossistemas em áreas degradadas para não competir com a agricultura.

Onde?

Nos morros pelados onde tem capim, nos vales, em áreas íngremes. Em vales onde só tem capim, tem que plantar árvores da Mata Atlântica. O esforço de guerra para replantar tem que juntar toda a sociedade. Precisamos reconstruir as florestas, da melhor e mais rápida forma possível.

E o desmatamento legal?

Nem pode entrar em cogitação. Uma lei que não levou em consideração a ciência e prejudica a sociedade, que tira água das torneiras, precisa ser mudada.

O que achou de Dilma não ter assinado o compromisso de desmatamento zero em 2030, na reunião da ONU, em Nova York?
Um absurdo sem paralelo. A realidade é que estamos indo para o caos. Já temos carros-pipa na zona metropolitana de São Paulo. Estamos perdendo bilhões de dólares em valores que foram destruídos. Quem é o responsável por isso? Um dia, quando a sociedade se der conta, a Justiça vai receber acusações. Imagine se as grandes áreas urbanas, que ficarem em penúria hídrica, responsabilizarem os grandes lordes do agronegócio pelo desmatamento da Amazônia. Espero que não se chegue a essa situação. Mas a realidade é que a torneira da sua casa está secando.

Quanto a floresta consegue suportar?

Temos uma floresta de mais de 50 milhões de anos. Nesse período é improvável que não tenham acontecido cataclismas, glaciação e aquecimento, e no entanto a Amazônia e a Mata Atlântica ficaram aí. Quando a floresta está intacta, tem capacidade de suportar. É a mesma capacidade do fígado do alcoólatra que, mesmo tomando vários porres, não acontece nada se está intacto. Mas o desmatamento faz com que a capacidade de resiliência que tínhamos, com a floresta, fique perdida.

Aí vem uma flutuação forte ligado à mudança climática global e nós ficamos muito expostos, como é o caso do “paquiderme atmosférico” que sentou no Sudeste. Se tivesse floresta aqui, não aconteceria, porque a floresta resfria a superfície e evapora quantidade de água que ajuda a formar chuva.

O esforço terá resultado?

Isso não é garantido, porque existem as mudanças climáticas globais, mas reconstruir ecossistemas é a melhor opção que temos. Quem sabe a gente desenvolva outra agricultura, mais harmônica, de serviços agroecossistêmicos. Não tem nenhuma razão para o antagonismo entre agricultura e conservação ambiental. Ao contrário. A agricultura consciente, que soubesse o que a comunidade científica sabe, estaria na rua, com cartazes, exigindo do governo proteção das florestas. E, por iniciativa própria, replantaria a floresta nas suas propriedades.

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10/11/2014 – 01h16

Alerta: desmatamento na Amazônia tende a crescer (WWF Brasil)

por Redação do WWF Brasil

amazonia desmatamento peter 1 Alerta: desmatamento na Amazônia tende a crescer

O mais recente relatório divulgado, na última semana, pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês) alertou: o planeta precisa de mudanças, caso contrário os danos ambientais e climáticos poderão ser irreversíveis. No Brasil, a situação não é diferente. Muito há que ser mudado, principalmente, no que se refere à conservação da maior floresta tropical do mundo, a Amazônia. Pelo fato de desempenhar um papel essencial no combate aos efeitos das mudanças climáticas, pesquisas recentes associam a destruição das florestas no norte do País às graves consequências para o clima, devido à sua função na estocagem do carbono e na regulação do regime das chuvas, que abastecem, por exemplo, as regiões Sudeste e Sul.

Apesar do alerta e da necessidade de mudança, o Brasil tem caminhado no sentido contrário, principalmente, no que diz respeito ao desmatamento da Amazônia. Antes mesmo da divulgação das estimativas oficiais de desmatamento em 2014, prevista para as próximas semanas, os números do sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real (Deter) apontam uma tendência de crescimento no norte do País.

Segundo o sistema, baseado em estimativas a partir de imagens de satélites e destinado a orientar a fiscalização em campo, nos últimos três anos (2012, 2013 e 2014), houve um aumento de cerca de 49% nas taxas correspondentes entre agosto de um ano a julho do ano seguinte. Na comparação de 2013 a 2014, considerando apenas os meses do início da estação seca na Amazônia (maio-julho), os quais concentram boa parte do desmatamento anual, o valor dobrou, passando de 893 km2 para 1535 km2 (veja gráfico abaixo).

grafico desmatamento 1 Alerta: desmatamento na Amazônia tende a crescer

O sistema Deter é um dos sistemas de monitoramento criado pelo governo para apontar alertas de desmatamento e demonstrar suas tendências. Por esta razão, serve também para estimar o que deve acontecer com os dados oficiais de referência para o monitoramento do desmatamento, por meio de um segundo sistema mais acurado. Este segundo sistema é o que gera os dados a serem divulgados nas próximas semanas, que terão por base os valores levantados pelo Programa de Cálculo do Desflorestamento da Amazônia (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que registra, via satélite, áreas equivalentes a pouco mais de seis campos de futebol (6,25 hectares). Esta estimativa é divulgada sempre no final do ano, geralmente no mês de novembro. Em meados de julho do ano seguinte, as taxas são consolidadas oficialmente, após o detalhamento dos estudos. Entretanto, as estimativas de novembro contém uma imprecisão muito pequena em relação aos dados definitivos que serão divulgados no ano que vem.

“As taxas de desmatamento da Amazônia, consideradas como oficiais pelo governo brasileiro, são as do Prodes, que trabalha com imagens de melhor resolução espacial, capazes de mostrar também os pequenos desmatamentos. No entanto, os números apontados pelo Deter são importantes indicadores para os órgãos de controle e fiscalização e para nos mostrar a tendência que vem por aí”, explica Mauro Armelin, superintendente de conservação do WWF-Brasil. O Prodes, em seu último levantamento, já havia registrado um aumento em relação ao ano anterior de 29% nas taxas de desmatamento para o período de agosto de 2012 a julho de 2013, em que 5.891 km² de floresta amazônica foram perdidos. “Existe a tendência do Prodes acompanhar a tendência do Deter, ou seja, haver aumento do desmatamento registrado oficialmente em 2014. É claro que esperamos boas notícias, ou seja, que estejamos errados em nossa análise, e que as novas taxas do Prodes mostrem o recuo do desmatamento. Mas a tendência é justamente a contrária”, conclui.

Segundo Armelin, o Brasil corre o risco de fechar o ano com a pior performance ambiental dos últimos anos. “Estamos numa situação complicada. Ao mesmo tempo que o desmatamento tende a crescer, também não avançamos em alternativas energéticas de baixo carbono. Para piorar, os incentivos do governo têm aumentado para a expansão automobilística, com um forte incentivo a combustíveis fósseis, com cada vez mais subsídios para a gasolina, por exemplo”, avalia Armelin. Tais investimentos não contribuem em nada com as metas divulgadas pelo relatório do IPCC. O documento sugere que o uso, sem restrições de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás), seja suspenso até o ano de 2100 e que o uso de alternativas renováveis suba até 70% até 2050. “Acreditamos que para contribuir com essas recomendações, o Brasil precisa ter um melhor planejamento energético que considere fontes de energia de menor impacto, como solar, eólica, baseada em biomassa e em pequenas centrais hidrelétricas, as PCHs”, explica Mauro.

Sem estes investimentos, continuaremos a ir na direção contrária ao desenvolvimento sustentável. “Precisamos finalmente entender, como sociedade, que as escolhas que fizermos agora irão refletir na qualidade de vida das futuras gerações. Eventos climáticos extremos, como a escassez de chuvas no sudeste que está ocorrendo agora, serão fenômenos que se tornarão mais comuns enquanto a temperatura do planeta continuar a crescer. A Amazônia é um ativo chave para a proteção da segurança climática, hídrica e energética, não só da população brasileira, mas também mundial”, alerta Armelin.

Alternativas

O atual cenário da Amazônia clama por uma intervenção urgente. O governo precisa agir rapidamente para evitar que o desmatamento fuja do controle e aumente os riscos para a região em termos da perda de sua biodiversidade e da depreciação de seu capital natural, com fortes impactos sobre sua população. “É preciso avançar em ações estruturantes, como a implementação em larga escala do Cadastro Ambiental Rural, de iniciativas de restauração florestal dentro das propriedades privadas, de forma a assegurar cumprimento da lei ambiental, e de ações de ordenamento e de planejamento do uso do solo”, ressalta Marco Lentini, coordenador do Programa Amazônia do WWF-Brasil.

Além disso, segundo o especialista, é preciso implementar de forma mais eficiente ações que levem ao bom uso e à valorização de florestas, principalmente em iniciativas de manejo florestal, e que apresentem alternativas econômicas contra o desmatamento. Um exemplo seria o desenvolvimento de um amplo sistema para o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) como carbono, água e biodiversidade. “A floresta amazônica, além de proporcionar serviços imensuráveis em termos de regulação do clima e do regime de chuvas, oferece uma ampla gama de produtos que podem ser aproveitados de forma racional pela sociedade. Ou seja, podemos aliar conservação e desenvolvimento. Nossa sociedade tem investido em modelos que priorizam ou um objetivo, ou o outro. É chegado o momento de sairmos desta paralisia de paradigma”, avalia Lentini.

* Publicado originalmente no site WWF Brasil.

(WWF Brasil)

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10/11/2014 – 01h08

Destamento: Má notícia pode virar pesadelo (Greenpeace)

por Redação do Greenpeace

desmatamento1 Destamento: Má notícia pode virar pesadelo

Últimos dados do sistema de alerta Deter apontam tendência de crescimento do desmatamento da Amazônia.

O que foi má notícia no ano passado se anuncia antecipadamente como pesadelo para 2015: depois de vários anos de queda, o aumento no desmatamento da Amazônia pode se confirmar como tendência em 2014 (assim que a taxa oficial anual da derrubada de árvores na região para este ano for divulgada) e como grande desafio em 2015. Segundo a Folha de S.Paulo, em nota divulgada em seu site, sexta-feira, dia 7, os alertas de desmatamento na região aumentaram 122% em agosto e setembro passados, comparados com o mesmo período do ano anterior. Dados do Deter, diz a Folha, mostram alertas de desmatamentos num total de 1.626 km² de florestas nesses dois meses.

Agosto e setembro são os dois primeiros meses que comporão a taxa oficial de desmatamento em 2015. Por razões técnicas, o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) monitora desmatamento entre agosto de um ano e julho do próximo, – o chamado “ano fiscal do desmatamento”. Os alertas são baseados em imagens de satélite que permitem análise rápida por serem mais leves, dada a baixa resolução das imagens, e compõem o Deter – o sistema de monitoramento em tempo real passado ao Ibama para auxiliar no combate a ilegalidades na floresta. Sendo assim, os meses de agosto e setembro de 2014 comporão os dois primeiros do “ano fiscal” de 2015.

Apesar de o sistema Deter ter um grau de imprecisão na medição, o crescimento nesses dois primeiros meses de apuração da taxa de desmatamento a ser considerada em 2015 é motivo para séria preocupação, explica Paulo Adario, estrategista sênior do Greenpeace para florestas. “O aumento dos números do Deter apontado pela Folha confirma uma tendência já apontada pelos dados da ONG Imazon e acende a luz vermelha. O dragão do desmatamento acordou.”

“Essa é uma má notícia para o governo, que vinha se beneficiando da imagem positiva criada pela queda no desmatamento, e para todos nós. O desmatamento da Amazônia é a principal contribuição do Brasil para a mudança climática. A floresta perde cada vez mais cobertura e nós sentimos a consequência dessa destruição para muito além das fronteiras da Amazônia, como na forte estiagem que seca as torneiras no Sudeste.”

* Publicado originalmente no site Greenpeace.

(Greenpeace)

Crise hídrica em São Paulo – 10 de novembro de 2014

Mais da metade das 54 nascentes de SP estão secas, revela pesquisa (Portal do Meio Ambiente)

PUBLICADO 04 NOVEMBRO 2014.

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Desrespeito do homem pela natureza é a principal causa. Pesquisa da Unesp foi feita no interior de São Paulo.

Uma pesquisa feita por biólogos da UNESP revela uma situação alarmante, no interior de São Paulo. Mais da metade das 54 nascentes de água que estão sendo monitoradas secaram na última década. A falta de chuva agravou o problema, mas a causa principal é o desrespeito do homem pela natureza.

Em 2003, os pesquisadores recolheram amostras de dezenas de córregos e nascentes do interior de São Paulo. Agora, eles voltaram a esses locais e constataram que a situação piorou muito. “Nesse período a gente conseguiu quantificar que 81% desses riachos anteriormente mostrados, perderam qualidade aquática de maneira geral e perderam volume de água”, fala a pesquisadora da UNESP Lilian Casatti.

Das 54 nascentes documentadas na pesquisa, 34 tem menos da metade de água que tinham há dez anos e 29 estão secas. É o caso da nascente do rio São José dos Dourados, um dos mais importantes da região noroeste de São Paulo. Até pouco tempo atrás, a área era coberta de água e agora a nascente simplesmente desapareceu e deu lugar a um caminho tomado de lixo.
Em outra nascente, a do Rio Preto, um dos mais importantes do interior paulista, quase não dá para ver água. Foto feita pelos pesquisadores há onze anos mostra uma área bem diferente. Dava para ver o curso da água bem definido. Agora ele quase não aparece. No lugar cresceu uma vegetação típica de terrenos assoreados.

“O que é o assoreamento, nada mais é que a entrada de terra dentro desses riachos. Essa vegetação só cresce em locais úmidos e locais que tem um substrato – uma terre para ela crescer porque ela é enraizada”, explica a pesquisadora da UNESP Jaquelini Zeni.
O que faltou na maior parte das nascentes que secaram são as chamadas matas ciliares. Elas impedem que terra, areia e outros sedimentos acabem bloqueando a saída da água nas nascentes.

Há dez anos, uma das nascentes quase não tinha água. Nesse período, a área foi toda reflorestada e hoje, apesar da seca recorde em São Paulo, a água está em quantidade bem razoável. “A gente tem que começar a plantar realmente árvores nesses riachos, do lado desses riachos pra gente poder daqui um tempo colher água, porque senão, a gente vai enfrentar situações extremas, como a gente está vendo”, completa Jaquelini.

Veja a matéria no site do Jornal Hoje

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10/11/2014 – 12h50

Falta d’água: não é uma crise ocasional (IHU On-Line)

por Patricia Fachin e Andriolli Costa, do IHU On-Line

Entre as razões que explicam a crise hídrica e de abastecimento no estado de São Paulo, “uma mudança climática intensa” é, “sem dúvida”, o elemento central para compreender a “maior crise de abastecimento e a maior crise hídrica nos últimos 100 anos”, diz o pesquisador José Galizia Tundisi à IHU On-Line, em entrevista concedida por telefone.

“As causas dessa crise estão relacionadas a uma seca muito intensa e à falta de precipitação. Para dar um exemplo, em outubro deste ano teríamos de ter tido 130 milímetros de chuva, como é o esperado, mas tivemos só 30”, exemplifica.

Na avaliação do especialista, a “magnitude da crise” foi uma surpresa, mas a resolução do problema não passa por “fazer mais do que já estava sendo feito”. Segundo ele, “o estado de São Paulo tem um sistema de controle de qualidade e quantidade de água bem estabelecido” e, portanto, “nem o Sistema Federal, nem o Sistema Estadual poderiam fazer muito mais, dada a magnitude da crise e a rapidez com que ela ocorreu”. Tundisi critica e alerta a politização que tem sido feita em relação ao tema. “Não poderia haver uma politização da crise, uma vez que isso não é benéfico para ninguém”, pontua.

De acordo com ele, o “Sistema da Cantareira está sofrendo uma enorme depressão de volume de água”, e se não chover nos próximos 30 dias “vamos ter de usar as últimas reservas de água do Cantareira e a partir daí tenho impressão de que deverão ser mobilizados outros tipos de transposição de águas, de outras represas, para que com isso se possa aportar mais água ao sistema e para que ele não entre em colapso”, esclarece.

Tundisi explica ainda que a crise hídrica pode ser estendida a outros estados brasileiros, pois há um “desequilíbrio hidrológico”. “Estamos passando por uma série de mudanças climáticas muito sérias, está havendo extremos hidrológicos. (…)Há um processo de desequilíbrio hidrológico em algumas áreas, por exemplo, em áreas muita secas, há excesso de chuva. Por outro lado, a seca no Nordeste esse ano foi a maior dos últimos cinquenta anos, e o excesso de chuva e de precipitações no Sul resultou que, nas Cataratas do Iguaçu, em julho deste ano, houve um excesso de 46 milhões de litros de água por segundo despejados, sendo que a média é um milhão e meio, ou seja, há desequilíbrios. Portanto, é com esses problemas regionais e continentais que o país terá de lidar”.

José Galizia Tundisi é graduado em História Natural, mestre em Oceanografia na University of Southampton e doutor em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente é professor titular aposentado da USP e professor titular do curso de Qualidade Ambiental da Feevale. É presidente da Associação Instituto Internacional de Ecologia e Gerenciamento Ambiental – IIEGA e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia – IIE. Suas pesquisas são financiadas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.

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Confira a entrevista.

IHU On-Line – Quais são as razões da crise de abastecimento de água em São Paulo?

José Tundisi – A principal razão, sem dúvida nenhuma, é uma mudança climática muito intensa que está ocorrendo, e disso temos praticamente a maior crise de abastecimento e a maior crise hídrica nos últimos 100 anos. E, portanto, as causas dessa crise estão relacionadas a uma seca muito intensa e à falta de precipitação. Para dar um exemplo, em outubro deste ano deveríamos ter tido 130 milímetros de chuva, como é o esperado, mas tivemos só 30, portanto, essa é a causa principal.

IHU On-Line – Durante a disputa eleitoral deste ano, a crise de abastecimento de água foi usada como método de acusação de um partido contra o outro. Era possível em âmbito federal e estadual ter tomado medidas que evitassem essa crise?

José Tundisi – Acredito que não. O estado de São Paulo tem um sistema de controle de qualidade e quantidade de água bem estabelecido há muito tempo e não se trata de fazer mais do que já estava sendo feito. Na verdade houve, sob certo ponto de vista, uma surpresa até na magnitude da crise, porque se esperava uma crise, mas não dessa magnitude.

A crise vem se estabelecendo já há alguns anos, mas havia uma diminuição. De todo modo, acho que nem o Sistema Federal nem o Sistema Estadual poderiam ter feito muito mais, dada a magnitude da crise e a rapidez com que ela ocorreu, porque a crise foi muito rápida, de modo que em outra entrevista, dada ao jornal Folha de S. Paulo, eu já tinha alertado que não poderia haver uma politização da crise, uma vez que isso não é benéfico para ninguém.

Continuo achando isso e continuo dizendo que deve haver uma união de esforços no sentido de procurar soluções de longo prazo e que sejam mais adequadas. Na verdade, o que está se desenhando é que a crise será muito mais longa do que parece; ela não é uma crise ocasional, é uma crise quase que permanente pelo menos por alguns anos. E evidentemente é preciso encontrar soluções que enfrentem esse problema de uma forma por um lado emergencial e, de outra, com medidas estruturais e não estruturais de longo prazo.

IHU On-Line – É possível pensar que uma crise de abastecimento, tal qual ocorre em São Paulo, se alastre por outros estados brasileiros?

José Tundisi – É possível, sim. Nós estamos passando por uma série de mudanças climáticas muito sérias, estão ocorrendo extremos hidrológicos, porque quando se fala em crise de água, quer dizer que em alguns casos no Brasil há excessos hidrológicos, que é o próprio caso do Rio Grande do Sul. Portanto, há um processo de desequilíbrio hidrológico, em algumas áreas com muitas secas, e, em outras, com excesso de chuva. Por exemplo, a seca no Nordeste este ano foi a maior dos últimos cinquenta anos, enquanto o excesso de chuva e de precipitações no Sul resultou que, nas Cataratas do Iguaçu, em julho deste ano, houve um excesso de 46 milhões de litros de água por segundo despejados, sendo que a média é um milhão e meio. Portanto, é com esses problemas regionais e continentais que o país terá de lidar.

IHU On-Line – Quais são os reservatórios de água considerados críticos hoje no país?

José Tundisi – Se você olhar as hidrelétricas de Minas Gerais, por exemplo, elas têm problemas, Furnas também, todos os reservatórios do Rio Grande do sul, do Paranapanema, do próprio Tietê, têm problemas de seca. A hidrovia Tietê-Paraná parou de funcionar por causa da seca e, portanto, a crise atinge uma área grande do Brasil, atinge também uma parte do Rio de Janeiro e uma parte do Paraíba. Portanto, todo esse conjunto deve ser considerado como uma séria ameaça à economia e à saúde pública do país e a uma grande parte da população do país, que se concentra principalmente na região Sudeste.

O que é muito significativo é que se fala muito em “quantidade de água”, mas não existe uma preocupação com “qualidade de água” e esse é outro problema. Inclusive levantei essa questão na semana passada com o presidente da Academia Brasileira de Ciências, e sugeri que a Academia faça um alerta aos governos federal, estaduais e municipais para chamar a atenção para o problema da qualidade da água e da saúde pública associada à seca ou às enchentes, porque isso também tem problemas com as enchentes.

O pessoal quer água, muito bem, mas que tipo de água? O que essa água vai causar? Hoje, em certas regiões de São Paulo, se distribui água em caminhões-pipa. De onde vem essa água e qual a sua qualidade? Então isso precisa ser considerado.

IHU On-Line – Quem é o presidente atual da Academia Brasileira de Ciências e qual a posição que a academia demonstrou?

José Tundisi – O presidente atual é o professor Jacob Palis. A Academia Brasileira de Ciências vai fazer uma reunião dias 21 e 22 de novembro em São Paulo, juntamente com a Academia de Ciências do Estado de São Paulo, para discutir a crise de abastecimento e a seca no Sudeste do estado. Aí vai ser discutido e provavelmente vamos apresentar um comunicado ao país em função da discussão dos especialistas; seguramente deveremos produzir um documento que vai incluir também a questão da qualidade e um alerta às secretarias da saúde, por exemplo, com a finalidade de que se possa chamar a atenção para o problema e pedir que as autoridades tomem medidas preventivas de extremo cuidado com relação à qualidade da água.

IHU On-Line – Qual o papel de cientistas e especialistas para chamar a atenção dos poderes públicos para as medidas mais efetivas no combate e prevenção nesse tipo de crise?

José Tundisi – Nós temos de atuar de uma forma propositiva e ao mesmo tempo de alerta, propondo medidas seguras para que se possa enfrentar a crise. Vou dar um exemplo: uma represa que é frequentada por cerca de 10 mil pessoas nos finais de semana, que não tinha nenhum problema de qualidade de água, começou a apresentar problemas severos de qualidade de água na região de São Carlos, de Pirapina e de Brotas, e isso me obrigou a escrever um laudo aos prefeitos dessas cidades, aos secretários da saúde e à promotoria pública no sentido de impedir o contato direto da população com essa água, ou seja, impedir o banho, porque as condições de balneabilidade da represa, em 43 anos, superaram e muito as condições mínimas da Organização Mundial da Saúde para a balneabilidade. Então, o que nós temos de fazer é alertar os poderes públicos e os sistemas de controle de vigilância sanitária para impedir que a população possa, por exemplo, utilizar a água de má qualidade e sofrer efeitos de saúde. Nós não temos o poder de impedir isso, mas os setores públicos têm, e a nossa função é alertá-los para que eles possam tomar as medidas necessárias.

IHU On-Line – Qual é a atual situação do Sistema da Cantareira?

José Tundisi – O Sistema da Cantareira está sofrendo uma enorme depressão de volume de água, e com isso nós estamos esperando que se não chover dentro de mais ou menos 30 dias, vamos ter de usar as últimas reservas de água da Cantareira. A partir daí tenho a impressão de que deverão ser mobilizados outros tipos de transposição de águas, de outras represas, para que com isso se possa aportar mais água ao sistema e para que ele não entre em colapso.

No caso de São Paulo especificamente, o problema não é só para abastecimento público; a hidrovia fechou, mas a hidroeletricidade é fundamental, porque, por exemplo, São Paulo é o maior produtor de suco de laranja do mundo, São Carlos é um dos maiores produtores de etanol do mundo, e tudo isso depende de água e de abastecimento. Bom, esse é um problema que deve ser considerado dentro de um contexto mais amplo, não só de abastecimento público, de modo que a questão da Cantareira entra na questão do abastecimento público, mas há outros problemas subjacentes de saúde pública, de economia, geração de emprego e renda, por exemplo, de queda na produção, os quais devem ser considerados.

IHU On-Line – Especialistas dizem que o desmatamento em bacias hidrográficas contribui para diminuir a quantidade e a qualidade das águas. Quais são as bacias hidrográficas de São Paulo mais degradadas e por quais razões elas se encontram em tal estado?

José Tundisi – São várias razões. Apesar dos esforços que têm sido feitos para a recuperação de bacias hidrográficas, com reflorestamento, etc. — e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP tem tido um papel fundamental nesse projeto de recuperação da biodiversidade terrestre através do reflorestamento, porque ela teve um grande programa que mobilizou justamente no sentido de restaurar bacias hidrográficas —, nós temos algumas bacias, especialmente nas regiões metropolitanas, que sofreram esses processos de desmatamento. No interior do estado também, por causa da urbanização, há um impacto de desmatamento dos mananciais em muitas cidades; por outro lado, algumas cidades utilizam recursos hídricos subterrâneos, que também estão sob pressão. Então, entre essas causas todas, sem dúvida nenhuma, o desmatamento é um dos problemas mais sérios da escassez de água.

IHU On-Line – Qual o nome das bacias em estado crítico?

José Tundisi – Bacia do Baixo Cotia, na região metropolitana de São Paulo; no Rio Sorocaba tem um programa de reflorestamento muito bem sucedido, no Rio Jundiaí também, no Rio Jacaré Pepira também. Já outros rios afluentes do Tietê, por exemplo, na Bacia do Tietê Jacaré, sofreram desmatamento forte por causa da plantação de cana-de-açúcar. Então, não é algo contínuo, é espalhado no estado em função dos impactos da urbanização, da industrialização e da agricultura.

IHU On-Line – Como e em que sentido a degradação dos biomas brasileiros impacta nos recursos hídricos? Nesse sentido, qual é o papel do Cerrado para garantir o abastecimento de água no país?

José Tundisi – O Cerrado tem um papel importante porque tem um milhão e meio de metros quadrados, mas o bioma foi muito impactado com o movimento da agroindústria, especialmente de soja, e evidentemente a recomposição das áreas de mananciais no Cerrado é uma das grandes prioridades. Nessa próxima etapa de governo — e eu dizia isso antes da eleição, qualquer que fosse o governo —, o grande fator de mobilização pode ser um megaprojeto de reflorestamento no Brasil todo; isso gera empregos, protege o meio ambiente, os mananciais, a qualidade da água, porque, em regiões onde há proteção a partir do manancial, se gasta muito pouco para tratar a água. Em contrapartida, num manancial degradado, sem cobertura vegetal e sem proteção, o custo do tratamento pode ser até cem vezes maior. Portanto, há uma relação muito forte entre a questão da proteção da biota terrestre, especialmente a vegetação e a biodiversidade terrestre, e a qualidade e quantidade de água. Isso é fundamental para restaurar as reservas hídricas do país; isso em nível de Brasil, não é apenas em São Paulo.

IHU On-Line – Já é possível vislumbrar os impactos do Código Florestal nos recursos hídricos? Quais são os principais equívocos do Código Florestal aprovado há pouco mais de dois anos sobre os recursos hídricos?

José Tundisi – Por enquanto, ainda não, até porque esse Código Florestal já vem sendo “estuprado” há muito tempo, não é de agora que ele tem sido alterado. Eu fui muito contra o estabelecimento de metas físicas para proteger a vegetação ao longo dos rios, porque se falou muito em cinco metros, dez metros, trinta metros. Isso não existe; o que existe é o rio e a sua calha e a área de inundação do rio. A proteção deve ir até onde o rio pode inundar as suas margens, porque aí é que está a vegetação que tolera a inundação: podem ser cinco, dez ou cem metros. Essa questão é que precisaria ser discutida, mas não foi. É o rio e a sua calha, e não a metragem fixada pelo homem. Não é o homem quem tem que fixar a metragem até onde vai a vegetação; quem tem que fixar essa metragem é a capacidade de manter o ecossistema funcionando.

IHU On-Line – Em sua opinião, quais são os outros equívocos que o Código Florestal traz?

José Tundisi – Faltou uma visão mais clara de incentivos em relação à proteção. Precisaria ser mais incisivo com relação aos incentivos que se pode dar para aqueles que protegem as áreas de vegetação e o próprio reflorestamento. A recomposição de serviços dos ecossistemas, por exemplo, e o pagamento de serviços ambientais, poderiam ter sido mais enfatizados nesse projeto.

IHU On-Line – Que medidas estão sendo desenvolvidas para resolver o problema de abastecimento em São Paulo?

José Tundisi – As medidas emergenciais são aquelas que o governo está tomando em função da transposição de água de alguns reservatórios para outros. São Paulo está fazendo também uma adutora grande que vai buscar água no Rio São Lourenço, na região sul do estado de São Paulo, e que traria mais água para o abastecimento, mas isso vai demorar mais um pouco. De todo modo, emergencialmente estão sendo efetuadas medidas de transposição de água de bacia, também estão sendo efetuados incentivos para que as pessoas utilizem menos água, ou prêmios com bônus para que as pessoas economizem água, o que também é importante nessa questão; e, também, em áreas críticas, a disponibilização de caminhões-pipa para abastecer as cidades onde há situações muito críticas. Ainda precisa mais, deve-se pensar em transposição de água de outras regiões, em dessalinização de água na Baixada Santista, o que pode ser um fator importante de produção de água doce em larga escala para a população da região metropolitana, de modo que essas medidas ainda não foram tomadas, mas seguramente nós vamos influenciar para que elas possam ser tomadas.

IHU On-Line – O que a crise hídrica de São Paulo revela sobre o sistema hídrico brasileiro?

José Tundisi – Falhas da governança, falhas na capacidade de mensuração, principalmente da qualidade da água e monitoramento integrado. Além disso, o tripé qualidade da água, quantidade de água e governança está desconectado. O principal problema é este, de todos os lados nós temos falhas. Temos uma excelente lei de recursos hídricos, mas cuja implementação é muito lenta e de difícil desenvolvimento, e, além disso, há um problema de governança: os nossos comitês e agências de bacias deveriam estar funcionando em todo território nacional, com recursos próprios gerados na bacia para recuperação dessas bacias. Então, lentidão nas execuções da lei de recursos hídricos, que eu repito, é uma das melhores do mundo, e integração muito pouco efetiva entre quantidade de água, qualidade de água e governança, e mais participação popular na economia de água.

IHU On-Line – Ainda que não possamos politicalizar a crise, não é importante cobrar dos nossos políticos que eles desenvolvam um pensamento mais sistêmico, que seja capaz de fazer ligações entre, por exemplo, o desmatamento e os incentivos a uma exploração desenfreada e a falta de água, é pensar não só as causas, mas o sistema que leva a isso?

José Tundisi – Claro, completamente de acordo. Isso precisa ser feito com urgência. O Congresso precisaria se mobilizar para poder colocar leis de incentivos mais efetivas e leis de estímulo à mobilização, e também pensar de uma forma mais ampla em todo o sistema de gestão de águas no Brasil com mais competências das agências, a capacidade de integração das agências federais com as agências estaduais e inclusive com o sistema municipal.

Na região do Sul, especialmente no Vale do Rio dos Sinos, que conheço bem — sou professor titular da Universidade Feevale —, temos trabalhado muito essa questão do Vale do Rio dos Sinos e a integração do comitê de bacias, do qual a Unisinos e a Feevale fazem parte, e outras universidades da região mais as prefeituras. Isso tem de ser integrado de uma forma mais efetiva, com o apoio do governo estadual e do governo federal, de tal forma que isso possa ser realmente um conjunto de ações efetivas.

O problema todo é que no Brasil tem bons projetos, bons planos e fraca execução. Esse é o eterno problema deste país: a execução é fraca, é falha e lenta. Esse é o problema do Brasil em todas as áreas, especialmente nos setores públicos federal, municipal e estadual. Tem bons planos, bons projetos, tem recursos, e na hora de executar existem grandes falhas, ou porque os executores não foram treinados, ou porque os executores não têm essa visão sistêmica ou então têm essa visão mais setorizada do processo, mas o principal é capacitação. Por isso nós estamos fazendo um grande esforço para capacitar gestores, para capacitar gerentes, para capacitar pesquisadores que se integrem ao sistema de gestão e com isso melhorar o processo de execução.

* Publicado originalmente no site IHU On-Line.

(IHU On-Line)

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10/11/2014 – 10h59

Nível de água volta a cair no Cantareira e em cinco mananciais de SP (Agência Brasil)

por Marli Moreira, da Agência Brasil

Sistema Cantareira atinge volume zero em 2014 mes de junho20140515 0003 406x270 Nível de água volta a cair no Cantareira e em cinco mananciais de SP

O nível do Sistema Cantareira teve nova queda ao passar de 11,4%, ontem (9), para 11,3% hoje (10), incluindo a segunda cota da reserva técnica, segundo informa a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp). Esse manancial e os cinco restantes no estado devem continuar caindo até quarta-feira (12), quando o tempo permanecerá seco.

De acordo com o meteorologista Marcelo Schneider, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), de hoje até quarta-feira, predominará o clima com sol entre nuvens e temperatura agradável.

“Com a passagem de uma frente fria vinda do oceano poderemos ter o ar mais úmido e alguma chance de áreas de instabilidade já na noite de quarta-feira e pancadas de chuva na quinta-feira, mas serão de curta duração”, informou.

Schneider disse que as áreas de instabilidade deverão se deslocar rumo à região central do país passando pela zona da mata, em Minas Gerais, e no Espírito Santo.

Ontem (9), com apenas garoa em pontos isolados, também ocorreram baixas nos reservatórios dos demais sistemas de abastecimento: o Sistema Alto Tietê (de 8,3% para 8,2%); o Guarapiranga (de 36,6% para 36,4%); o Alto Cotia (de 30,4% para 30,3%); o Rio Grande (de 67,1% para 66,8%) e o Rio claro (de 39,2% para 38,5%).

Na semana passada, o presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, defendeu a necessidade de se aumentar a produção de água em São Paulo para algo em torno de 60 metros cúbicos por segundo, até 2035. Na avaliação dele, além da construção de novos reservatórios, o ideal é minimizar as perdas na distribuição e buscar alternativas de reuso.

* Edição: Marcos Chagas.

** Publicado originalmente no site Agência Brasil.

(Agência Brasil)

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10/11/2014 – 10h08

Edital prevê plantio de 1 milhão de mudas no Cantareira (SOS Mata Atlântica)

por Redação da SOS Mata Atlântica

restauracao centro mudas clickarvore 614x430 Edital prevê plantio de 1 milhão de mudas no Cantareira

A Fundação SOS Mata Atlântica lançou edital para seleção de áreas prioritárias para a restauração florestal da Mata Atlântica, com propostas que colaborem para conservar e proteger os recursos hídricos do Sistema Cantareira.

Por meio do programa Clickarvore, que apoia iniciativas e projetos de restauração florestal, serão investidos até R$ 2 milhões em propostas enviadas até o dia 15 de janeiro por pessoas físicas ou jurídicas, associações, OSCIPs ou ONGs ambientalistas e por proprietários de terras.

A chamada pública, com recursos do Bradesco Cartões e Bradesco Seguros, prevê a doação de até 1 milhão de mudas de espécies florestais nativas da Mata Atlântica.

O objetivo é recuperar até 400 hectares de mata, promovendo assim a conservação de 4 milhões de litros de água por ano na área de abrangência do Sistema Cantareira. Em meio a uma crise hídrica, o conjunto de bacias há 30 anos convive com quase 80% de desmatamento de sua cobertura florestal nativa e hoje possui apenas 48,8 mil hectares de remanescentes, ou 21,5% de sua área de Mata Atlântica original.

As propostas, para áreas entre 15 e 30 hectares, deverão ter como foco principal as Áreas de Preservação Permanente da Bacia Hidrográfica e mananciais que compõem o Sistema Cantareira.

Acesse o edital aqui.

Os projetos do edital irão beneficiar até 12 municípios de São Paulo e Minas Gerais, com a respectiva porcentagem de vegetação nativa existente:

cantareira Edital prevê plantio de 1 milhão de mudas no Cantareira

Todas as propostas devem ter prazo de conclusão até 11 de dezembro de 2015.

Para mais informações, acesse o documento completo em http://bit.ly/Click-2014.

* Publicado originalmente no site SOS Mata Atlântica.

(SOS Mata Atlântica)

Dados que governo segurou mostram desmatamento alto (Folha de S.Paulo)

JC 5062, 10 de novembro de 2014

Perda de cobertura vegetal na Amazônia cresceu 122% em agosto e setembro, ante o mesmo período de 2013, informa a Folha de sábado

Agora é oficial: o desmatamento na Amazônia disparou em agosto e setembro. Foram devastados 1.626 km² de florestas, um crescimento de 122% sobre os mesmos dois meses de 2013.

O governo federal já conhecia esses dados antes do segundo turno da eleição presidencial, realizado no último dia 26 –a divulgação do aumento no desmatamento poderia prejudicar a votação da presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição.

Veja a matéria completa em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cienciasaude/194542-dados-que-governo-segurou-mostram-desmatamento-alto.shtml

(Marcelo Leite/Folha de S.Paulo)

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Amazônia morre e jornais não veem (Folha de S.Paulo)

A continuar nesse ritmo, só os mortos de sede vão testemunhar o fim da floresta amazônica, publica Leão Serva em artigo na Folha

A imprensa parece ter acordado para a maior tragédia ambiental em curso nesta região do planeta, a destruição acelerada da Amazônia. Mas talvez agora já seja tarde demais: há fortes sinais de falência do [http://goo.gl/G154Uk] sistema amazônico, que inclui a floresta e sua influência sobre o clima continental.

Veja a matéria completa em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/194887-amazonia-morre-e-jornais-nao-veem.shtml

(Folha de S.Paulo)

Passada eleição, Alckmin quer ajuda de Dilma frente a crise da água; Desmatamento da Amazônia causa seca em SP, diz cientista (Valor Econômico)

Passada eleição, Alckmin quer ajuda de Dilma frente a crise da água

Reportagem do Valor Econômico mostra que governador de São Paulo pedirá recursos financeiros e a desoneração de impostos

Passada a eleição presidencial, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou nesta quarta-feira que pedirá ao governo federal recursos financeiros e a desoneração de impostos para enfrentar a atual crise de desabastecimento de água.

Veja a matéria completa em: http://www.valor.com.br/politica/3756024/passada-eleicao-alckmin-quer-ajuda-de-dilma-frente-crise-da-agua#ixzz3HdTf6J51

(Valor Econômico)

Desmatamento da Amazônia causa seca em SP, diz cientista

“Estamos indo para o matadouro”, afirma o especialista em mudanças climáticas e agrônomo do Inpe

Em tom dramático, o cientista Antonio Donato Nobre, um dos maiores especialistas do mundo em floresta amazônica, disse ao Valor que é possível, sim, relacionar a seca no Sudeste, que castiga especialmente o Estado de São Paulo, com o desmatamento.

Veja a matéria na íntegra: http://www.valor.com.br/brasil/3759904/desmatamento-da-amazonia-causa-seca-em-sp-diz-cientista

(Daniela Chiaretti / Valor Econômico)

Índios ajudam a frear aquecimento global, aponta relatório (FSP)

RAFAEL GARCIA

DE SÃO PAULO

24/07/2014 01h43

Florestas em terras indígenas abrigam 37,7 bilhões de toneladas de carbono em todo o mundo. Se fossem destruídas, o CO2 lançado ao ar superaria as emissões globais de veículos durante 29 anos. Por sorte, os índios têm sido mais eficazes do que qualquer outro grupo humano no combate ao desmatamento.

A estimativa está em um relatório divulgado nesta quarta-feira (23) pelas ONGs WRI (World Resources Institute) e RRI (Rights and Resources Initiative). Pesquisadores das duas entidades cruzaram os números de preservação florestal em terras indígenas e de povos tradicionais com dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) sobre biomassa de florestas. O levantamento foi feito em 2013.

Segundo o relatório, cerca de um oitavo da área de florestas tropicais hoje está dentro dessas áreas. Comparadas com florestas que estão fora da jurisdição de índios, as terras fora delas têm exibido uma taxa de proteção fraca.

Alex Argozino/Editoria de Arte/Folhapress

Em alguns casos, como nas florestas do Yucatán, no México, áreas onde índios têm direito a explorar recursos naturais têm tido menos desmatamento do que reservas ecológicas designadas exclusivamente para proteção.

Na Amazônia brasileira, florestas fora de terras indígenas têm uma taxa de desmatamento 11 vezes maior. Nas matas guatemaltecas que abrigam descendentes dos maias, o grau de proteção é 20 vezes maior, e no resto do Yucatán é 350 vezes maior –índios são praticamente o único tipo de proteção ali.

Parte da razão para isso é que países em desenvolvimento, que abrigam a maior parte das florestas preservadas, muitas vezes não têm recursos para implementar a vigilância contra o desmate ilegal, seja dentro ou fora de unidades de conservação.

Muitas vezes, é melhor reconhecer o direito de comunidades indígenas à terra e lhes dar autonomia para administrar uma área do que transformá-la em reserva ecológica e contratar guardas.

“Quando esses povos têm autorização para criar suas próprias regras e tomar decisões sobre gestão de recursos naturais, são capazes de atingir uma boa governança com bons resultados ambientais”, diz Jenny Springer, diretora de programas globais da RRI. Ela defende a criação de mecanismos internacionais para que tribos indígenas possam ser compensadas por sua contribuição à prevenção de emissão de gases-estufa.

A RRI se concentra em 14 países nos quais avaliou o status legal das terras habitadas por índios. Há algumas condições para que eles sejam capazes de protegê-las.

Na Indonésia, que não dá proteção jurídica à permanência de povos tradicionais em suas áreas, o desmatamento nessas terras ainda é intenso. O país tem licenciado partes de florestas habitadas por comunidades nativas a produtores de dendê.

O Brasil é citado no relatório como bom exemplo, com 31% das terras indígenas em florestas ricas em carbono. O documento não comenta, porém, a proposta de emenda constitucional 215, em debate no Congresso, que reserva ao Legislativo o direito de demarcar terras indígenas, dificultando o processo.

Corte seletivo e fogo fazem Floresta Amazônica perder 54 milhões de toneladas de carbono por ano (Agência Fapesp)

JC e-mail 4973, de 16 de junho de 2014

A perda de carbono corresponde a 40% daquela causada pelo desmatamento total

Uma pesquisa conduzida por cientistas no Brasil e no Reino Unido quantificou o impacto causado na Floresta Amazônica por corte seletivo de árvores, destruição parcial pelo fogo e fragmentação decorrente de pastagens e plantações. Em conjunto, esses fatores podem estar subtraindo da floresta cerca de 54 milhões de toneladas de carbono por ano, lançados à atmosfera na forma de gases de efeito estufa. Esta perda de carbono corresponde a 40% daquela causada pelo desmatamento total.

O estudo, desenvolvido por 10 pesquisadores de 11 instituições do Brasil e do Reino Unido, foi publicado em maio na revista Global ChangeBiology.

“Os impactos da extração madeireira, do fogo e da fragmentação têm sido pouco percebidos, pois todos os esforços estão concentrados em evitar mais desmatamento. Essa postura deu grandes resultados na conservação da Amazônia brasileira, cuja taxa de desmatamento caiu em mais de 70% nos últimos 10 anos. No entanto, nosso estudo mostrou que esse outro tipo de degradação impacta severamente a floresta, com enormes quantidades de carbono antes armazenadas sendo perdidas para a atmosfera”, disse a brasileira Erika Berenguer, pesquisadora do Lancaster Environment Centre, da Lancaster University, no Reino Unido, primeira autora do estudo.

Segundo Joice Ferreira, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Amazônia Oriental), em Belém (PA), e segunda autora do estudo, um dos motivos dessa degradação ser menos percebida é a dificuldade de monitoramento. “As imagens de satélite permitem detectar com muito mais facilidade as áreas totalmente desmatadas”, afirmou.

“Nossa pesquisa combinou imagens de satélite com estudo de campo. Fizemos uma avaliação, pixel a pixel [cada pixel na imagem corresponde a uma área de 900 metros quadrados], sobre o que aconteceu nos últimos 20 anos. Na pesquisa de campo, estudamos 225 parcelas (de 3 mil metros quadrados cada) em duas grandes regiões, com 3 milhões de hectares [30 mil quilômetros quadrados], utilizadas como modelo para estimar o que ocorre no conjunto da Amazônia”, explicou Ferreira.

As imagens de satélite, comparadas de dois em dois anos, possibilitaram que os pesquisadores construíssem um grande painel da degradação da floresta ao longo da linha do tempo, em uma escala de 20 anos. Na pesquisa de campo foram avaliadas as cicatrizes de fogo, de exploração madeireira e outras agressões. A combinação das duas investigações resultou na estimativa de estoque de carbono que se tem hoje.

Duas regiões foram estudadas in loco: Santarém e Paragominas, na porção leste da Amazônia, ambas submetidas a fortes pressões de degradação. Nessas duas regiões foram investigadas as 225 áreas.

“Coletamos dados de mais de 70 mil árvores e de mais de 5 mil amostras de solo, madeira morta e outros componentes dos chamados estoques de carbono. Foi o maior estudo já realizado até o momento sobre a perda de carbono de florestas tropicais devido à extração de madeira e fogos acidentais”, disse Ferreira.

Segundo ela, a pesquisa contemplou quatro dos cinco compartimentos de carbono cujo estudo é recomendado pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), da Organização das Nações Unidas (ONU): biomassa acima do solo (plantas vivas), matéria orgânica morta, serapilheira (camada que mistura fragmentos de folhas, galhos e outros materiais orgânicos em decomposição) e solos (até 30 centímetros de profundidade). “Só não medimos o estoque de carbono nas raízes”, disse.

Para efeito de comparação, foram consideradas cinco categorias de florestas: primária (totalmente intacta); com exploração de madeira; queimada; com exploração de madeira e queimada; e secundária (aquela que foi completamente cortada e cresceu novamente).

As florestas que sofreram perturbação, por corte ou queimada, apresentaram de 18% a 57% menos carbono do que as florestas primárias. Uma área de floresta primária chegou a ter mais de 300 toneladas de carbono por hectare, enquanto as áreas de floresta queimada e explorada para madeira tiveram, no máximo, 200 toneladas por hectare, e, em média, menos de 100 toneladas de carbono por hectare.

Corte seletivo tradicional
O roteiro da degradação foi bem estabelecido pelos pesquisadores. O ponto de partida é, frequentemente, a extração de madeiras de alto valor comercial, como o mogno e o ipê; essas árvores são cortadas de forma seletiva, mas sua retirada impacta dezenas de árvores vizinhas.

Deflagrada a exploração, formam-se várias aberturas na cobertura vegetal, o que torna a floresta muito mais exposta ao sol e ao vento, e, portanto, muito mais seca e suscetível à propagação de fogos acidentais. O efeito é fortemente acentuado pela fragmentação da floresta em decorrência de pastagens e plantações.

A combinação dos efeitos pode, então, transformar a floresta em um mato denso, cheio de árvores e cipós de pequeno porte, mas com um estoque de carbono 40% menor do que o da floresta não perturbada.

“Existem, hoje, vários sistemas de corte seletivo, alguns um pouco menos impactantes do que outros. O sistema predominante, que foi aquele detectado em nosso estudo, associado ao diâmetro das árvores retiradas e à sua idade, pode subtrair da floresta uma enorme quantidade de carbono”, disse Plínio Barbosa de Camargo, diretor da Divisão de Funcionamento de Ecossistemas Tropicais do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Universidade de São Paulo (USP) e membro da coordenação da área de Biologia da FAPESP, que também assinou o artigo publicado na Global ChangeBiology.

“Por mais que recomendemos no sentido contrário, na hora do manejo efetivo acabam sendo retiradas as árvores com diâmetros muito grandes, em menor quantidade. Em outra pesquisa, medimos a idade das árvores com carbono 14. Uma árvore cujo tronco apresente o diâmetro de um metro com certeza tem mais de 300 ou 400 anos. Não adianta retirar essa árvore e imaginar que ela possa ser substituída em 30, 40 ou 50 anos”, comentou Camargo.

A degradação em curso torna-se ainda mais preocupante no contexto da mudança climática global. “O próximo passo é entender melhor como essas florestas degradadas responderão a outras formas de distúrbios causados pelo homem, como períodos de seca mais severos e estações de chuva com maiores níveis de precipitação devido às mudanças climáticas”, afirmou o pesquisador britânico Jos Barlow, da Lancaster University, um dos coordenadores desse estudo e um dos responsáveis pelo Projeto Temático ECOFOR: Biodiversidade e funcionamento de ecossistemas em áreas alteradas pelo homem nas Florestas Amazônica e Atlântica.

Além dos pesquisadores já citados, assinaram também o artigo da Global ChangeBiologyToby Alan Gardner (Universityof Cambridge e Stockholm EnvironmentInstitute), Carlos Eduardo Cerri e Mariana Durigan (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/USP), Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais e UniversityofExeter), Raimundo Cosme de Oliveira Junior (Embrapa Amazônia Oriental) e Ima Célia Guimarães Vieira (Museu Paraense Emílio Goeldi).

O artigo A large-scalefieldassessmentofcarbon stocks in human-modified tropical forests (doi: 10.1111/gcb.12627), de Erika Berenguer e outros, pode ser lido em http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/gcb.12627/full.

(Agência Fapesp)

Losing Ground in the Amazon (New York Times)

A global forest mapping system developed by a team of scientists from the University of Maryland, Google and the United States government is now able to pinpoint exactly where and at what rate deforestation is occurring around the world. The results are alarming. The world is losing the equivalent of 50 soccer fields of forest every minute. In Brazil — home to 60 percent of the Amazon rain forest and a major component of the planet’s climate system — the rate of deforestation jumped 28 percent during 2012-13. Environmentalists say a 2012 change in Brazil’s regulations governing forest conservation is partly responsible.

Brazil had been making good progress. From a high of 10,588 square miles in 2004, deforestation dropped to 1,797 square miles in 2011; the number of metric tons of carbon dioxide released into the atmosphere dropped as well, from 1.1 billion metric tons in 2004 to 298 million metric tons in 2011. These successes resulted from aggressive enforcement of the country’s 1965 Forest Code, and a 2006 soy moratorium, a voluntary pledge brokered by the Brazilian government, agribusiness and environmental groups to prevent trade in soybeans cultivated on deforested land.

Soybeans aren’t the only cause of deforestation in Brazil, but they are a major factor. Brazil is now the world’s second-largest producer of soybeans after the United States. Soybeans have been a boon to Brazil’s economy, and global demand is growing. Under intense pressure from agricultural interests, Brazil’s Chamber of Deputies approved legislation in July 2012 that rolled back many provisions of the 1965 Forest Code, reduced the amount of reserve areas in the Amazon and gave amnesty to past violators. To her credit, Brazil’s president, Dilma Rousseff, thwarted some of the most damaging provisions of the new legislation, but the rate of deforestation still rose.

The soy moratorium has been extended until the end of 2014, by which time Brazil plans to have in place new mechanisms to monitor soybean cultivation on deforested land. These mechanisms must be backed by credible enforcement. And developed countries need to do more to help Brazil, Indonesia and other nations whose forests are at risk protect a resource in which everyone has a stake.