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Ações do governo Bolsonaro chegam a apenas 2% dos garimpos na terra yanomami, e faltam aviões (Folha de S.Paulo)

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MPF aponta ainda que só 25% dos pontos de apoio logístico à mineração ilegal foram alvo de fiscalização

Vinicius Sassine e João Gabriel

23 de maio de 2022


Apenas 9 de 421 pontos de garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, a maior do Brasil, contaram com algum tipo de ação policial, dentro de um plano formulado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) para tentativa de retirada de garimpeiros que estão na região ilegalmente atrás de ouro. Isso significa que incursões policiais só ocorreram em 2,1% das áreas de garimpo.

A constatação foi feita pelo MPF (Ministério Público Federal) em Roraima, numa investigação sobre a execução do plano operacional formulado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública para a desintrusão de garimpeiros no território yanomami. A retirada foi uma determinação da Justiça Federal.

Investigadores que atuam diretamente em ações de repressão aos garimpos afirmam que não há aeronaves disponíveis em Boa Vista para o combate à atividade ilegal.

Uma aeronave usada pela Polícia Federal fica em Manaus, a mais de 600 km do território, segundo esses investigadores.

As Forças Armadas têm se recusado a fornecer aeronaves, e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) conta com apenas oito veículos do tipo para atender às necessidades no país inteiro, conforme as fontes ouvidas pela reportagem sob a condição de anonimato.

A Funai (Fundação Nacional do Índio) em Roraima não tem um avião disponível. O MPF não tem nenhuma aeronave.

Em contraponto ao apagão de apoio logístico aéreo para repressão ao garimpo na terra yanomami, mais de cem aeronaves garantem a exploração ilegal de minérios, principalmente ouro e cassiterita, segundo as investigações do MPF e PF. Em maioria, são helicópteros operados por empresários que continuam lucrando com os garimpos ilegais.

Um único grupo, com 12 pilotos de helicóptero, movimentou mais de R$ 200 milhões em dois anos. O grupo fez ainda uso de empresa fantasma e transferências de recursos ao exterior, conforme investigação da PF revelada pela Folha na última quinta-feira (19).

O empresário responsável, Rodrigo Martins de Mello, é pré-candidato a deputado federal pelo PL, partido de Bolsonaro. Ele passou a coordenar um movimento de garimpeiros que tenta legitimar a atividade criminosa na terra indígena e ameaça processar líderes indígenas que os denunciam. Mello não se pronunciou sobre as acusações da polícia.

PF, Ministério da Justiça, Funai, Ministério da Defesa, Exército e Aeronáutica não responderam aos questionamentos da reportagem sobre a falta de aeronaves para combater as atividades ilegais.

Em nota, o Ibama afirmou que não há “indisponibilidade” de aeronaves para suas operações. “[O órgão] possui contrato de locação de oito aeronaves para apoio às atividades de fiscalização ambiental, emergências ambientais e combate a incêndios florestais em todo o território nacional”, disse.

Desde a eleição de Bolsonaro em 2018, explodiu a quantidade de garimpeiros na terra indígena. São 20 mil, segundo associações de indígenas.

O vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos) contesta essa cifra e diz que há cerca de 3.000 garimpeiros na região. O número, no entanto, é considerado subestimado por pessoas ligadas ao combate do garimpo.

O presidente Bolsonaro defende a atividade ilegal, estimula o garimpo no território e tenta regularizar a mineração em terras indígenas.

O plano do Ministério da Justiça foi elaborado no contexto de decisões da Justiça Federal obrigando a retirada dos garimpeiros. Já houve decisões nesse sentido na primeira instância da Justiça, no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) e no STF (Supremo Tribunal Federal).

A falta de ação nos pontos de garimpo ilegal “evidencia, a mais não poder, a absoluta insuficiência das medidas protetivas a cargo do Executivo federal”, afirmou o MPF em Roraima em uma recomendação expedida no último dia 10.

Os procuradores da República Alisson Marugal e Matheus Bueno recomendaram que a ANM (Agência Nacional de Mineração) leiloe 200 toneladas de cassiterita apreendidas e destine os recursos à Funai, para atendimento aos indígenas. O valor é estimado em R$ 24,7 milhões.

A ausência de ações policiais nos pontos mapeados de garimpo é apenas um dos problemas no combate à atividade ilegal na maior terra indígena do país, que na próxima semana comemora 30 anos de sua demarcação.

Dos 277 pontos de apoio usados pelos garimpeiros, como pistas de pouso e portos clandestinos, somente 70 (25,3%) foram fiscalizados desde 2020, segundo levantamento feito pelo MPF.

O apoio aéreo para o combate ao garimpo ilegal é crucial para uma região de difícil acesso. Os percursos por rio são longos e demorados. Órgãos de fiscalização alugam horas de voos de parceiros terceirizados para suas operações.

A recomendação do MPF afirma que, “ao menos de modo constante, as forças estatais não dispõem de, ou não disponibilizam, aeronaves que possibilitem a realização com a frequência necessária de incursões na TI [Terra Indígena] Yanomami objetivando o combate ao garimpo ilegal”.

O garimpo em terras indígenas é proibido por lei. A Constituição Federal determina que a atividade precisa de regularização e de aval do Congresso, o que ainda não existe.

Em 2020, a Justiça determinou que o governo federal expulsasse os garimpeiros da região, o que não ocorreu.

Conforme o MPF, foram registrados 3.059 alertas de desmatamento para o garimpo na terra yanomami, entre agosto de 2020 e fevereiro de 2022. O desmatamento atingiu quase 11 km². Num único mês, em janeiro deste ano, foram 216 alertas.

João Moreira Salles: Nota sobre três presidentes, duas bombas e o fim do mundo (Piauí)

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João Moreira Salles | 25 mar 2022_10h37


English version

E aqui estamos nós, cidadãos do mundo, diante de Vladimir Putin como gregos diante da Esfinge: O que você quer, o que pensa, qual o seu enigma, quantos e o quão ferozes são os seus demônios? Qual a sua visão mística da História, o seu sonho imperial, a dimensão purificadora que a violência tem para você? Até onde está disposto a ir? Existem limites? Se existirem, será mais fácil respeitá-los no triunfo ou na derrota? Você é mais perigoso encurralado ou vitorioso?

Ninguém sabe. Numa entrevista ao jornalista Ezra Klein, o analista político e apresentador da CNN Fareed Zakaria diz que hoje no mundo não existe país mais instável do que a Rússia. Mesmo nos regimes totalitários mais fechados, alguma institucionalidade costuma sustentar os processos políticos; protocolos e trâmites burocráticos fazem saber como serão tomadas as decisões. Na antiga União Soviética, quando morria o secretário-geral do Partido Comunista, o Presidium do Soviete Supremo se reunia e era certo que de lá sairia o novo líder do país. Se amanhã o presidente chinês Xi Jinping falecer, a notícia será planetária, mas não traumática, pois virá desacompanhada do temor de abalos institucionais – um membro da alta tecnocracia política logo o substituirá. O mesmo vale para totalitarismos dinásticos, a exemplo da Arábia Saudita e da Coreia do Norte. Morre um Saud, entra um Saud; morre um Kim, entra um Kim.

Não é assim na Rússia de Putin, onde não existem sistemas claros de sucessão nem sucessores presumidos. E isso é um problema. A impressão é que a frase apócrifa de Luiz XIV, O Estado sou eu, dita supostamente por um monarca com herdeiros definidos, conselheiros numerosos e uma vasta entourage burocrática a seu serviço, caberia melhor na boca do atual Rei Sol do Kremlin: A Rússia sou eu.

De fato, é o que parece. As autocracias tradicionais tomam a forma de uma pirâmide, com o líder no vértice e, abaixo dele, por ordem de importância hierárquica, as diferentes camadas da burocracia do Estado. Na Rússia contemporânea, a pirâmide colapsou. Como um tripé que se fecha, os lados foram trazidos para o centro e se juntaram numa linha vertical. Um cajado é a nova forma do Estado, um báculo sobre cujo castão pesa exclusivamente a mão de Putin. A única, é claro, que pesa também sobre aquele botão.

Putin é o homem solitário que, isolado de tudo e de todos, usa quem sabe a suspeita de sua irracionalidade como arma política. Ou talvez, como especulam outros, já tenha se desprendido da realidade. A essa altura, não se desconta nenhuma hipótese. De fevereiro para cá, a possibilidade de um evento fatal entrou nos nossos cálculos. Se esse cenário ainda não é provável, hoje se tornou possível. Muito mais do que há um mês, incomparavelmente mais do que há um ano ou há uma década.

A Europa está assustada. Na Itália, uma empresa de abrigos nucleares que construiu cinquenta dessas estruturas nos últimos 22 anos, só nas duas primeiras semanas da guerra processou quinhentos pedidos. O governo da Bélgica está distribuindo pílulas de iodo a quem apresentar um passaporte belga. Tomado corretamente, o iodo ajuda a absorver a radiação que se aloja na tireoide. Na segunda semana de março, as farmácias do país distribuíram num único dia 30 mil caixas do comprimido.

Embora nem todos se deem conta, tamanha angústia aproxima povos que nunca imaginaram ter alguma afinidade. Gente que vive nas cidades europeias ou norte-americanas não sabe que, desde a invasão da Ucrânia, é nas florestas brasileiras que estão os interlocutores capazes de lhes ensinar como viver diariamente com o medo entranhado no corpo feito bicho. De acordo com uma observação precisa do antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro, se queremos compreender o que é o fim do mundo, basta perguntar aos habitantes originários das Américas. Eles são especialistas no tema. Dos guaranis no Brasil aos maias no México, muitos deles já experimentaram a destruição dos seus mundos.

Estima-se que no século XVI, quando os primeiros exploradores europeus chegaram à Amazônia, de 8 a 10 milhões de pessoas ocupavam a floresta. Passadas as primeiras décadas do contato, 90% dessa população desapareceria, um extermínio tão radical que seriam necessários quase cinco séculos para que o bioma voltasse ao patamar demográfico do mundo pré-cabralino, o que aconteceu na década de 1960. Os descendentes dessa hecatombe a guardam na memória. Corre pelo corpo deles o que foi vivido por seus ancestrais no passado remoto, por seus avós e pais no passado recente e, para vergonha de todos nós, brasileiros, corre pelo corpo deles o que significa vivê-la no presente. Hoje, mais ainda. No próximo mês, mais do que nunca, como se verá adiante.

O Brasil sempre foi mais lento (a ver, mais relaxado), menos eficiente do que as nações solidamente integradas à lógica industrial. Apesar disso, seria um erro supor que o mundo não tem razões para nos temer. Nossa arma verde-amarela de destruição em massa não produz efeitos tão instantâneos quanto as das nações nucleares, mas é igualmente letal. Trata-se, é claro, da destruição da Amazônia, a nossa bomba ecológica.

O bioma amazônico é um dos sistemas vitais para o funcionamento do planeta. Controla pelo menos três fluxos essenciais à manutenção da vida: o do carbono, o da biodiversidade e o dos ciclos hidrológicos. Esses fluxos vitais, “sistemas de suporte da vida”, na expressão de cientistas, não passam de nove,  o que nos torna responsáveis por pelo menos um terço deles.

Não temos exercido essa responsabilidade, mas já o fizemos, ainda que por apenas uma década. O cenário se agravou a partir de 2015 e entrou em fase crítica em 2019. A Amazônia está prestes a se inviabilizar como floresta tropical. As evidências científicas desse caminho sem volta se acumularam a grande velocidade, tanto que respeitados cientistas anteriormente céticos agora reconhecem: estamos a poucas casas da virada fatal. A continuar nesse ritmo a escalada do desmatamento, não muitos anos – poucos.

Nesse cenário de catástrofe iminente, o governo e sua base de apoio fazem correr em regime de urgência um projeto de lei que licencia a mineração, a exploração de óleo e a construção de hidrelétricas em terras indígenas. Em certas circunstâncias, o texto em discussão prevê autorização provisória de atividades mineradoras enquanto não houver autorização legislativa. Em terras ainda não homologadas, serão dispensados quaisquer estudos de impacto ambiental.

Isso é redação de quem tem pressa para destruir. Significa pilhagem de territórios ancestrais, da morada de povos que, desde o primeiro encontro com brancos, perderam muito, perderam sempre, perderam seu lugar no mundo, adoeceram, empobreceram, entristeceram, foram mendigar nos cruzamentos das cidades e se mataram de melancolia.

Apesar dessa violência histórica constante, são eles, os indígenas, os grandes responsáveis por proteger a maior selva tropical do planeta. Não existe melhor guarda florestal no mundo. Sem cobrar um tostão, eles preservam um sistema sem o qual o equilíbrio do planeta não se manteria. É em terras indígenas que se constata o menor índice de desmatamento. Elas são o último bastião da floresta.

Agora, o governo quer invadir o principal esteio da nossa quase inexistente responsabilidade ambiental. É instrutivo saber quem pretende avançar para dentro dessas terras. Grandes empresas que precisem prestar contas à sociedade hesitarão em entrar nesses territórios até então protegidos. Entre 2020 e 2021, por exemplo, a Vale desistiu de todos os processos minerários em terras indígenas do Brasil – eram 89 –, cancelando requerimentos de pesquisa e lavra. Entende-se: seria comprometer a reputação de uma companhia que, nos últimos anos, viu-se envolvida em dois dos maiores desastres ambientais da história brasileira.

Difícil crer que corporações do porte da Vale tomem caminho diferente. Equivaleria a suicídio corporativo. O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), entidade cujos associados respondem por 85% da produção mineral brasileira, publicou uma nota contrária ao projeto de lei, considerando-o inadequado “para os fins a que se destina”. É uma decisão tóxica, essa de avançar sobre terras indígenas incrustadas no maior bioma tropical do planeta, de tomar as últimas áreas em que uma floresta sob ataque ainda resiste, de ferir territórios em que os menores distúrbios ambientais são hoje registrados em tempo real pelos milhares de satélites que cruzam os seus céus. As mineradoras que eventualmente morderem a isca virão de países sem sociedade civil forte e, portanto, não sujeitas à obrigação de transparência. Virão da China, de países do Oriente Médio ou da Ásia Central. Não por coincidência, serão corporações que atuam de preferência em regiões pouco desenvolvidas para se valer de sistemas políticos maleáveis, legislação ambiental frágil e presença débil do Estado.

Se essas empresas periféricas vierem, é certo que bons negócios serão feitos, parte deles tão secreta quanto as emendas do relator ao Orçamento da União. O projeto, contudo, não se destina a atrair chineses ou cazaques. Nas palavras do presidente da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM), Luis Mauricio Ferraiuoli Azevedo, não propriamente um ambientalista: “Da forma como está, tem uma veia muito mais voltada ao garimpo do que à mineração.”

Conhecemos bem o garimpo. Como mostram vários estudos recentes, ele se tornou um braço das facções criminosas, a começar pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), que hoje domina a atividade em terras yanomamis. O garimpeiro de bateia na beira do rio, brasileiro pobre atrás do seu pão, é um personagem extemporâneo sem outra serventia a não ser mascarar com tinturas sociais uma atividade cada vez mais violenta e capitalizada. Os meios de produção do garimpo atual são balsas que custam 2 milhões de reais, mercúrio de comercialização ilegal no Brasil, condições de trabalho degradantes e fuzis AR-15, agora municiados com projéteis não rastreáveis graças à bonomia presidencial.

Uma novidade dos últimos quatro anos é a expansão vertiginosa do crime organizado para o interior do bioma amazônico. Hoje a floresta é o grande palco da disputa entre o PCC e o Comando Vermelho (CV). As facções estão fazendo a gestão da ilegalidade na Amazônia, seja no garimpo, seja na grilagem, seja no corte de madeira, seja no controle das rotas do tráfico de drogas para a Europa. Comunidades ribeirinhas e indígenas estão sendo cooptadas. O dia a dia de inúmeras cidades pequenas já depende do crime.

Não deixa de ser um projeto de desenvolvimento, o modelo político-administrativo da Baixada Fluminense transplantado para a Amazônia. Tudo considerado – do apoio a grileiros, desmatadores e garimpeiros ao desmonte das agências de vigilância como o Ibama –, não seria errado chamá-lo Programa de Aceleração do Crime. Aproveita-se assim a sigla consagrada.

Dizer que o que está sendo gestado na Amazônia é bem conhecido da primeira família da nação não passa de redundância. Trata-se, afinal, da expansão do esquema das milícias e das facções, precisamente o mundo do qual brotou a engrenagem política que hoje se espraia por todo o país. Há um sentido pedagógico em jamais esquecer que o filho mais velho do presidente, hoje senador da República, condecorou um dos maiores matadores do Rio de Janeiro, o miliciano Adriano da Nóbrega; preso, acusado de homicídio, Nóbrega recebeu na cadeia a mais alta condecoração do Poder Legislativo fluminense, a Medalha Tiradentes.

E aqui estamos nós, brasileiros, diante de Jair Bolsonaro, mas não como se diante da Esfinge, pois o homem não tem enigmas. Sabemos o que ele é e o que ele quer. Conhecemos o seu compêndio de iniquidades.

Conhecemos a sua obscenidade quando se diz solidário com a Rússia, solidário, portanto, com os responsáveis por cenas como a registrada na dolorosa foto de uma família estirada no chão, a mãe de 43 anos, o filho de 18, a filha de 9, mochilas ainda às costas, mortos os três ao tentar fugir da artilharia russa numa ponte nos arredores de Kiev (há um quarto morto na foto, um voluntário de 26 anos que ajudava a família na fuga). Não é uma solidariedade que surpreenda. O presidente, sabemos faz tempo, não é indiferente ao espetáculo da morte violenta. Ao contrário, ela o excita.

Família morta ao tentar fugir da artilharia russa nos arredores de Kiev: a mãe, o filho e a filha, além de um voluntário que os ajudava – Foto: Lynsey Addario/The New York Times/Fotoarena

Conhecemos a sua covardia, o patético dela, quando chama de comediante o presidente da Ucrânia.

Conhecemos a sua corrupção, que começou pequena e vagabunda, miúda como ele à época, e hoje é imensa, do tamanho dos seus meios atuais, que lhe permitem franquear a farra do dinheiro público distribuído sem fiscalização ou vigilância. Corridos três anos e meio de mandato, seria interessante perguntar aos arautos da moralidade se estão satisfeitos com o Orçamento da União entregue a Arthur Lira. Se apaziguados com o sistema que produz parlamentares como Josimar Maranhãozinho (PL-MA), deputado do partido do presidente, investigado pela PF por usar grupos armados para extorquir a sua parte do dinheiro que prefeitos haviam recebido por meio das emendas nebulosas do relator. Se animados com a entrega do Ministério da Educação a pastores evangélicos que cobram os seus bons serviços em barras de ouro. Se reconfortados com o círculo mais íntimo do poder, irmãos de fé e aconselhadores eventuais tais como Fabrício Queiroz e Frederick Wassef – o primeiro, ocupando seus dias pós-cadeia com exegeses no YouTube em que justifica com perspicácia geopolítica a ação russa contra a Ucrânia, país amaldiçoado por “esse governo frouxo, esse governo comédia, que desarmou o povo e entregou as armas”, essa fraqueza típica de “governo de esquerda”; o segundo, réu por injúria racial e racismo, protagonista do triste espetáculo de se recusar a ser atendido por uma garçonete de 18 anos numa pizzaria de Brasília: “Porque você é negra e tem cara de sonsa.” São esses os habitantes do mundo cultivado pelo homem escolhido para restaurar a honra do Brasil.

Sabíamos de tudo isso, e foi com esse catálogo de imoralidades que chegamos a essa versão toda nossa do fim do mundo que agora corre pelo Congresso com a pressa de um bandido.

A floresta será transformada em terra miliciana, numa dinâmica já iniciada. O projeto será votado em abril, sem qualquer debate qualificado. Se passar, o Brasil terá cometido o crime perfeito contra o futuro – o seu próprio e o do planeta. A tristeza disso é infinita. Teremos de viver confrontados cotidianamente pela injustiça cometida no decorrer de nossas vidas, sob os nossos olhos, contra aqueles que, antes de nós, não só fizeram da floresta a sua casa, mas a manipularam e a construíram, num trabalho de milênios em consórcio com outras criaturas. A Amazônia não é apenas um bem natural, é um bem cultural, o legado de uma civilização orgânica que erigiu sua obra não com pedras ou metais, mas com solo e plantas, com madeiras e fungos – essas florestas que, na linda formulação do arqueólogo Eduardo Neves, “são as nossas pirâmides”. São essas pirâmides que agora serão oficialmente entregues à pirataria.

Portanto, aqui estamos, nós brasileiros, a poucos meses de uma escolha que há muito deixou de ser questão apenas política para se tornar questão de civilização.

A Ucrânia “confiou a um comediante o destino de uma nação”, declarou o presidente do Brasil, como quem diz: E deu nisso. De fato, deu em um povo que se uniu numa batalha de vida ou morte pela autodeterminação, pela liberdade e pelo direito de dizer aos pósteros que, na hora terrível, eles se apresentaram e foram honrados. Não é um mau legado.

O Brasil elegeu Bolsonaro e deu nisso. O anjo da História diria: Olhem em volta e contemplem as ruínas. Elas nos cercam e envergonham bem mais do que as de Mariupol ou Kiev. Estas são obra do agressor; aquelas, de brasileiros. A ruína da educação, a ruína da fome, a ruína sanitária, a ruína do desemprego, a ruína política, a ruína ambiental, a ruína moral de bem-pensantes, de liberais com bons diplomas universitários e empregos bem pagos que referendaram um projeto que nunca disfarçou suas tintas.

Historiadores rejeitam o conceito de “homem providencial”, mas em certos momentos é difícil duvidar de sua existência. Gerados pelas circunstâncias históricas, ao chegar ao poder os homens providenciais as radicalizam a tal ponto que desencadeiam mudanças não de intensidade, mas de qualidade. Churchill é um homem providencial, Fidel, Mandela, Gandhi, talvez Volodymyr Zelensky (ainda é cedo). E com certeza Putin, ainda que sua providência seja sinistra.

Em outubro, estaremos diante do nosso grande enigma: Quem somos nós, os brasileiros? Aqueles que dizem não à terra barbarizada ou os que reafirmam a escolha de 2018? Seremos Zelensky ou Putin? Escolheremos vida ou morte?

Data fog: Why some countries’ coronavirus numbers do not add up (Al Jazeera)

Reported numbers of confirmed cases have become fodder for the political gristmill. Here is what non-politicians think.

By Laura Winter – 17 Jun 2020

Students at a university in Germany evaluate data from COVID-19 patients [Reuters]
Students at a university in Germany evaluate data from COVID-19 patients [Reuters]

Have you heard the axiom “In war, truth is the first casualty?”

As healthcare providers around the world wage war against the COVID-19 pandemic, national governments have taken to brawling with researchers, the media and each other over the veracity of the data used to monitor and track the disease’s march across the globe.

Allegations of deliberate data tampering carry profound public health implications. If a country knowingly misleads the World Health Organization (WHO) about the emergence of an epidemic or conceals the severity of an outbreak within its borders, precious time is lost. Time that could be spent mobilising resources around the globe to contain the spread of the disease. Time to prepare health systems for a coming tsunami of infections. Time to save more lives.

No one country has claimed that their science or data is perfect: French and US authorities confirmed they had their first coronavirus cases weeks earlier than previously thought.

Still, coronavirus – and the data used to benchmark it – has become grist for the political mill. But if we tune out the voices of politicians and pundits, and listen to those of good governance experts, data scientists and epidemiological specialists, what does the most basic but consequential data – the number of confirmed cases per country – tell us about how various governments around the globe are crunching coronavirus numbers and spinning corona-narratives?

What the good governance advocates say

Similar to how meteorologists track storms, data scientists use models to express how epidemics progress, and to predict where the next hurricane of new infections will batter health systems.

This data is fed by researchers into computer modelling programmes that national authorities and the WHO use to advise countries and aid organisations on where to send medical professionals and equipment, and when to take actions such as issuing lockdown orders.

The WHO also harnesses this data to produce a daily report that news organisations use to provide context around policy decisions related to the pandemic. But, unlike a hurricane, which cannot be hidden, epidemic data can be fudged and manipulated.

“The WHO infection numbers are based on reporting from its member states. The WHO cannot verify these numbers,” said Michael Meyer-Resende, Democracy Reporting International’s executive director.

To date, more than 8 million people have been diagnosed as confirmed cases of COVID-19. Of that number, more than 443,000 have died from the virus, according to Johns Hopkins University.

Those numbers are commonly quoted, but what is often not explained is that they both ultimately hinge on two factors: how many people are being tested, and the accuracy of the tests being administered. These numbers we “fetishise”, said Meyer-Resende, “depend on testing, on honesty of governments and on size of the population”.

“Many authoritarian governments are not transparent with their data generally, and one should not expect that they are transparent in this case,” he said. To test Meyer-Resende’s theory that less government transparency equals less transparent COVID-19 case data, Al Jazeera used Transparency International’s Corruption Perceptions Index and the Economist Intelligence Unit’s Democracy Index as lenses through which to view the number of reported cases of the coronavirus.

Transparency International’s Corruption Perceptions Index

The examination revealed striking differences in the number of confirmed COVID-19 cases that those nations deemed transparent and democratic reported compared to the numbers reported by nations perceived to be corrupt and authoritarian.

Denmark, with a population of roughly six million, is ranked in the top 10 of the most transparent and democratic countries. The country reported on May 1 that it had 9,158 confirmed cases of COVID-19, a ratio of 1,581 confirmed cases per million. That was more than triple the world average for that day – 412 cases per million people – according to available data.

Data Fog graphic 2/Laura Winter

Meanwhile, Turkmenistan, a regular in the basement of governance and corruption indexes, maintains that not one of its roughly six million citizens has been infected with COVID-19, even though it borders and has extensive trade with Iran, a regional epicentre of the pandemic.

Also on May 1, Myanmar, with a population of more than 56 million, reported just 151 confirmed cases of infection, a rate of 2.8 infections per million. That is despite the fact that every day, roughly 10,000 workers cross the border into China, where the pandemic first began.

On February 4, Myanmar suspended its air links with Chinese cities, including Wuhan, where COVID-19 is said to have originated last December (however, a recent study reported that the virus may have hit the city as early as August 2019).

“That just seems abnormal, out of the ordinary. Right?” said Roberto Kukutschka, Transparency International’s research coordinator, in reference to the numbers of reported cases.

“In these countries where you have high levels of corruption, there are high levels of discretion as well,” he told Al Jazeera. “It’s counter-intuitive that these countries are reporting so few cases, when all countries that are more open about these things are reporting way more. It’s very strange.”

While Myanmar has started taking steps to address the pandemic, critics say a month of preparation was lost to jingoistic denial. Ten days before the first two cases were confirmed, government spokesman Zaw Htay claimed the country was protected by its lifestyle and diet, and because cash is used instead of credit cards to make purchases.

Turkmenistan’s authorities have reportedly removed almost all mentions of the coronavirus from official publications, including a read-out of a March 27 phone call between Uzbek President Shavkat Mirziyoyev and Turkmen President Gurbanguly Berdimuhamedov.

It is unclear if Turkmenistan even has a testing regime.

Russia, on the other hand, touts the number of tests it claims to have performed, but not how many people have been tested – and that is a key distinction because the same person can be tested more than once. Transparency International places Russia in the bottom third of its corruption index.

On May 1, Russia, with a population just above 145 million, reported that it had confirmed 106,498 cases of COVID-19 after conducting an astounding 3.72 million “laboratory tests”. Just 2.9 percent of the tests produced a positive result.

Data fog feature graphic 3/Laura Winter

Remember, Denmark’s population is six million, or half that of Moscow’s. Denmark had reportedly tested 206,576 people by May 1 and had 9,158 confirmed coronavirus cases, a rate of 4.4 percent. Finland, another democracy at the top of the transparency index, has a population of 5.5 million and a positive test result rate of 4.7 percent.

This discrepancy spurred the editors of PCR News, a Moscow-based Russian-language molecular diagnostics journal, to take a closer look at the Russian test. They reported that in order to achieve a positive COVID-19 result, the sample tested must contain a much higher volume of the virus, or viral load, as compared to the amount required for a positive influenza test result.

In terms of sensitivity or ability to detect COVID-19, the authors wrote: “Is it high or low? By modern standards – low.”

They later added, “The test will not reveal the onset of the disease, or it will be decided too early that the recovering patient no longer releases viruses and cannot infect anyone. And he walks along the street, and he is contagious.”

Ostensibly, if that person then dies, COVID-19 will not be certified as the cause of death.

Good governance experts see a dynamic at play.

Countries who test less will be shown as less of a problem. Countries that test badly will seem as if they don’t have a problem. Numbers are very powerful.

Michael Meyer-Resende, Democracy Reporting International

“In many of these countries, the legitimacy of the state depends on not going into crisis,” said Kukutschka, adding that he counts countries with world-class health systems among them.

“Countries who test less will be shown as less of a problem. Countries that test badly will seem as if they don’t have a problem,” said Meyer-Resende. “Numbers are very powerful. They seem objective.”

Meyer-Resende highlighted the case of China. “The Chinese government said for a while that it had zero new cases. That’s a very powerful statement. It says it all with a single digit: ‘We have solved the problem’. Except, it hadn’t. It had changed the way of counting cases.”

China – where the pandemic originated – recently escaped a joint US-Australian-led effort at the World Health Assembly to investigate whether Beijing had for weeks concealed a deadly epidemic from the WHO.

China alerted the WHO about the epidemic on December 31, 2019. Researchers at the University of Hong Kong estimated that the actual number of COVID-19 cases in China, where the coronavirus first appeared, could have been four times greater in the beginning of this year than what Chinese authorities had been reporting to the WHO.

“We estimated that by Feb 20, 2020, there would have been 232,000 confirmed cases in China as opposed to the 55,508 confirmed cases reported,” said the researchers’ report published by the Lancet.

The University of Hong Kong researchers attribute the discrepancy to ever-changing case definitions, the official guidance that tells doctors which symptoms – and therefore patients – can be diagnosed and recorded as COVID-19. China’s National Health Commission issued no less than seven versions of these guidelines between January 15 and March 3.

All of which adds to the confusion.

“Essentially, we are moving in a thick fog, and the numbers we have are no more than a small flashlight,” said Meyer-Resende.

What the epidemiological expert thinks

Dr Ghassan Aziz monitors epidemics in the Middle East. He is the Health Surveillance Program manager at the Doctors Without Borders (MSF) Middle East Unit. He spoke to Al Jazeera in his own capacity and not on behalf of the NGO.

“I think Iran, they’re not reporting everything,” he told Al Jazeera. “It’s fair to assume that [some countries] are underreporting because they are under-diagnosing. They report what they detect.”

He later added that US sanctions against Iran, which human rights groups say have drastically constrained Tehran’s ability to finance imports of medicines and medical equipment, could also be a factor.

“Maybe [it’s] on purpose, and maybe because of the sanctions and the lack of testing capacities,” said Aziz.

Once China shared the novel coronavirus genome on January 24, many governments began in earnest to test their populations. Others have placed limits on who can be tested.

In Brazil, due to a sustained lack of available tests, patients using the public health network in April were tested only if they were hospitalised with severe symptoms. On April 1, Brazil reported that 201 people had died from the virus. That number was challenged by doctors and relatives of the dead. A month later, after one minister of health was fired and another resigned after a week on the job, the testing protocols had not changed.

On May 1, Brazil reported that COVID-19 was the cause of death for 5,901 people. On June 5, Brazil’s health ministry took down the website that reported cumulative coronavirus numbers – only to be ordered by the country’s Supreme Court to reinstate the information.

Right-wing President Jair Bolsonaro has repeatedly played down the severity of the coronavirus pandemic, calling it “a little flu”. Brazilian Supreme Court Justice Gilmar Mendes accused the government of attempting to manipulate statistics, calling it “a manoeuvre of totalitarian regimes”.

Brazil currently has the dubious distinction of having the second-highest number of COVID-19 deaths in the world, behind the US. By June 15, the COVID-19 death toll in the country had surpassed 43,300 people.

Dr Aziz contends that even with testing, many countries customarily employ a “denial policy”. He said in his native country, Iraq, health authorities routinely obfuscate health emergencies by changing the names of outbreaks such as cholera to “endemic diarrhoea”, or Crimean-Congo hemorrhagic fever to “epidemic fever”.

“In Iraq, they give this idea to the people that ‘We did our best. We controlled it,'” Dr Aziz said. “When someone dies, ‘Oh. It’s not COVID-19. He was sick. He was old. This is God’s will. It was Allah.’ This is what I find so annoying.”

What the data scientist says

Sarah Callaghan, a data scientist and the editor-in-chief of Patterns, a data-science medical journal, told Al Jazeera the numbers of confirmed cases countries report reflect “the unique testing and environmental challenges that each country is facing”.

But, she cautioned: “Some countries have the resources and infrastructure to carry out widespread testing, others simply don’t. Some countries might have the money and the ability to test, but other local issues come into play, like politics.”

According to Callaghan, even in the best of times under the best circumstances, collecting data on an infectious disease is both difficult and expensive. But despite the difficulties presented by some countries’ data, she remains confident that the data and modelling that is available will indeed contribute much to understanding how COVID-19 spreads, how the virus reacts to different environmental conditions, and discovering the questions that need answers.

Her advice is: “When looking at the numbers, think about them. Ask yourself if you trust the source. Ask yourself if the source is trying to push a political or economic agenda.”

“There’s a lot about this situation that we don’t know, and a lot more misinformation that’s being spread, accidentally or deliberately.”

Como duas pesquisadoras estão derrubando clichês sobre a política no Brasil (BBC)

6 junho 2016

ciencia politica

Nara Pavão e Natália Bueno: pesquisadoras questionam chavões da política no Brasil 

O brasileiro é racista e privilegia candidatos brancos ao votar. Políticos corruptos se mantêm no poder porque o eleitor é ignorante. Quem recebe Bolsa Família é conivente com o governo. ONGs são um ralo de dinheiro público no Brasil. Será?

A julgar pelos estudos de duas jovens pesquisadoras brasileiras em ciência política, não.

Natália Bueno e Nara Pavão, ambas de 32 anos, se destacam no meio acadêmico no exterior com pesquisas robustas que desmistificam chavões da política brasileira que alimentam debates em redes sociais e discussões de botequim.

Natural de Belo Horizonte (MG), Natália faz doutorado em Yale (EUA), uma das principais universidades do mundo. Em pouco mais de oito anos de carreira, acumula 13 distinções acadêmicas, entre prêmios e bolsas.

A pernambucana Nara é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Vanderbilt (EUA). Soma um doutorado (Notre Dame, EUA), dois mestrados em ciência política (Notre Dame e USP), 16 distinções.

Em comum, além da amizade e da paixão pela ciência política, está o interesse das duas em passar a limpo “verdades absolutas” sobre corrupção, comportamento do eleitor e políticas públicas no Brasil.

Eleitor é racista?

O Brasil é um país de desigualdades raciais – no mercado de trabalho, no acesso à educação e à saúde. Atraída pelo tema desde a graduação, Natália Bueno verificou se isso ocorre também na representação política.

O primeiro passo foi confirmar o que o senso comum já sugeria: há, proporcionalmente, mais brancos eleitos do que na população, e os negros são subrepresentados. Por exemplo, embora 45% da população brasileira (segundo o IBGE) se declare branca, na Câmara dos Deputados esse índice é de 80%.

E como a diferença foi mínima na comparação entre população e o grupo dos candidatos que não se elegeram, a conclusão mais rasteira seria: o brasileiro é racista e privilegia brancos ao votar.

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Abertura dos trabalhos no Congresso em 2016; pesquisa investigou desigualdade racial na política nacional. FABIO POZZEBOM/AGÊNCIA BRASIL

Para tentar verificar essa questão de forma científica, Natália montou um megaexperimento em parceria com Thad Dunning, da Universidade da Califórnia (Berkeley). Selecionou oito atores (quatro brancos e quatro negros), que gravaram um trecho semelhante ao horário eleitoral. Expôs 1.200 pessoas a essas mensagens, que só variavam no quesito raça.

Resultado: candidatos brancos não tiveram melhor avaliação nem respondentes privilegiaram concorrentes da própria raça nas escolhas.

Mas se a discrepância entre população e eleitos é real, onde está a resposta? No dinheiro, concluiu Natália – ela descobriu que candidatos brancos são mais ricos e recebem fatia maior da verba pública distribuída por partidos e também das doações privadas.

A diferença média de patrimônio entre políticos brancos (em nível federal, estadual e local) e não brancos foi de R$ 690 mil. E em outra prova do poder do bolso nas urnas, vencedores registraram R$ 650 mil a mais em patrimônio pessoal do que os perdedores.

Políticos brancos também receberam, em média, R$ 369 mil a mais em contribuições de campanha do que não brancos. A análise incluiu dados das eleições de 2008, 2010 e 2014.

“Se a discriminação tem um papel (na desigualdade racial na representação política), ela passa principalmente pelas inequidades de renda e riqueza entre brancos e negros que afetam a habilidade dos candidatos negros de financiar suas campanhas”, diz.

Corruptos estão no poder por que o eleitor é ignorante?

A corrupção é um tema central no debate político atual no Brasil. E se tantos brasileiros percebem a corrupção como problema (98% da população pensa assim, segundo pesquisa de 2014), porque tantos políticos corruptos continuam no poder?

A partir de dados de diferentes pesquisas de opinião – entre elas, dois levantamentos nacionais, com 2 mil e 1,5 mil entrevistados -, a recifense Nara Pavão foi buscar respostas para além do que a ciência política já discutiu sobre o tema.

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Ato contra corrupção no Congresso em 2011; estudo investiga por que corruptos se mantêm no poder. ANTONIO CRUZ/ABR

Muitos estudos já mostraram que a falta de informação política é comum entre a população, e que o eleitor costuma fazer uma troca: ignora a corrupção quando, por exemplo, a economia vai bem.

“Mas para mim a questão não é apenas se o eleitor possui ou não informação sobre políticos corruptos, mas, sim, o que ele vai decidir fazer com essa informação e como essa informação vai afetar a decisão do voto”, afirma a cientista política.

A pesquisa de Nara identificou um fator chave a perpetuar corruptos no poder: o chamado cinismo político – quando a corrupção é recorrente, ela passa ser vista pelo eleitor como um fator constante, e se torna inútil como critério de diferenciação entre candidatos.

Consequência: o principal fator que torna os eleitores brasileiros tolerantes à corrupção é a crença de que a corrupção é generalizada.

“Se você acha que todos os políticos são incapazes de lidar com a corrupção, a corrupção se torna um elemento vazio para você na escolha do voto”, afirma Nara, para quem o Brasil está preso numa espécie de armadilha da corrupção: quão maior é a percepção do problema, menos as eleições servem para resolvê-lo.

Quem recebe Bolsa Família não critica o governo?

O programa Bolsa Família beneficia quase 50 milhões de pessoas e é uma das principais bandeiras das gestões do PT no Planalto. Até por isso, sempre foi vitrine – e também vidraça – do petismo.

Uma das críticas recorrentes pressupõe que o programa, para usar a linguagem da economia política, altera os incentivos que eleitores têm para criticar o governo.

Famílias beneficiadas não se preocupariam, por exemplo, em punir um mau desempenho econômico ou a corrupção, importando-se apenas com o auxílio no começo do mês.

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Material de campanha em dia de votação em São Paulo em 2012; receber benefícios do governo não implica em conivência com Poder Público, conclui estudo. MARCELO CAMARGO/ABR

Deste modo, governos que mantivessem programas massivos de transferência de renda estariam blindados contra eventuais performances medíocres. Seria, nesse sentido, um arranjo clientelista – troca de bens (dinheiro ou outra coisa) por voto.

Um estudo de Nara analisou dados do Brasil e de 15 países da América Latina que possuem programas como o Bolsa Família e não encontrou provas de que isso seja verdade.

“Em geral, o peso eleitoral atribuído à performance econômica e à corrupção do governo é relativamente igual entre aqueles que recebem transferências de renda e aqueles que não recebem”, afirma.

A conclusão é que, embora esses programas proporcionem retornos eleitorais para os governantes de plantão, eles não representam – desde que sigam regras rígidas – incentivo para eleitores ignorarem aspectos ddo desempenho do governo.

ONGs são ralo de dinheiro público?

Organizações de sociedade civil funcionam como um importante instrumento para o Estado fornecer, por meio de parcerias e convênios, serviços à população.

Diferentes governos (federal, estaduais e municipais) transferem recursos a essas entidades para executar programas diversos, de construção de cisternas e atividades culturais.

Apenas em nível federal, essas transferências quase dobraram no período 1999-2010: de RS$ 2,2 bilhões para R$ 4,1 bilhões.

ONGs

Cisterna em Quixadá (CE), em serviço que costuma ser delegado a organizações civis; pesquisadora estudou distribuição de recursos públicos para essas entidades. FERNANDO FRAZÃO/ABR

Esse protagonismo enseja questionamentos sobre a integridade dessas parcerias – não seriam apenas um meio de canalizar dinheiro público para as mãos de ONGs simpáticas aos governos de plantão?

Com o papel dessas organizações entre seus principais de interesses de pesquisa, Natália Bueno mergulhou no tema. Unindo métodos quantitativos e qualitativos, analisou extensas bases de dados, visitou organizações e construiu modelos estatísticos.

Concluiu que o governo federal (ao menos no período analisado, de 2003 a 2011) faz, sim, uma distribuição estratégica desses recursos, de olho na disputa política.

“A pesquisa sugere que governos transferem recursos para entidades para evitar que prefeitos de oposição tenham acesso a repasses de recursos federais. Outros fatores, como implementação de políticas públicas para as quais as organizações tem expertise e capacidade únicas, também tem um papel importante.”

Ela não encontrou provas, porém, de eventual corrupção ou clientelismo por trás desses critérios de escolha – o uso das ONGs seria principalmente parte de uma estratégia político-eleitoral, e não um meio de enriquecimento ilícito.

“Esse tipo de distribuição estratégica de recursos é próprio da política e encontramos padrões de distribuição semelhantes em outros países, como EUA, Argentina e México”, diz Natália.

Corrupção é difícil de verificar, mas a pesquisadora usou a seguinte estratégia: comparou ONGs presentes em cidades com disputas eleitorais apertadas, checou a proporção delas no cadastro de entidades impedidas de fechar parcerias com a União e fez uma busca sistemática por notícias e denúncias públicas de corrupção.

De 281 ONGs analisadas, 10% estavam no cadastro de impedidas, e apenas uma por suspeita de corrupção.

Usina Nuclear de Angra 3 e a Operação Lava Jato (JC)

Para o físico Heitor Scalambrini Costa, denúncias de propinas na construção da usina e objeções técnicas quanto à obsolescência dos equipamentos tecnologicamente defasados, são fatos graves que devem ser apurados com urgência

Apesar de toda a movimentação no cenário internacional acerca dos problemas e riscos de instalações nucleares, que ficou exacerbada após o desastre de Fukushima (11/3/2011), surpreende a posição das autoridades do Ministério de Minas e Energia, dos “lobistas” da área nuclear,das empreiteiras e fornecedoras de equipamentos ― pois todos continuam insistindo na instalação de mais quatro usinas nucleares no país até 2030, sendo duas delas no Nordeste brasileiro. Além da construção de Angra 3 ― já aprovada.

No caso de Angra 3, a estimativa de custos da obra era de R$ 7,2 bilhões, em 2008; pulou para R$ 10,4 bilhões,no final de 2010;em julho de 2013, de acordo com a Eletronuclear, superava os R$ 13 bilhões; e, até 2018, ano de sua conclusão, devem alcançar R$ 14,9 bilhões. Obviamente a duplicação nos custos de construção desta usina nuclear impactam decisivamente o preço médio de venda de eletricidade no país.

A história da indústria nuclear no Brasil mostra que ela sempre foi ― e continua sendo ― uma indústria altamente dependente de subsídios públicos. Sem dúvida, são perversas as condições de financiamento de Angra 3, com subsídios governamentais ocultos, a serem posteriormente disfarçados nas contas de luz. E quem vai pagar essa conta seremos nós, os usuários, que já pagamos uma das mais altas tarifas de energia elétrica do mundo.

Com a Operação Lava Jato, deflagrada em março de 2014, para investigar um grande esquema de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e diversos políticos, começam a ter desnudados os reais interesses, nada republicanos, da decisão de construção das grandes obras energéticas, como a usina hidroelétrica de Belo Monte e a usina nuclear Angra 3.

Desde a decisão de construí-la no âmbito do conturbado acordo nuclear Brasil-Alemanha, a usina de Angra 3foi cercada de mistério, controvérsias, incertezas e falta de transparência, comuns no setor nuclear brasileiro.

As obras civis da usina foram licitadas à Construtora Andrade Gutierrez mediante contrato assinado em 16 de junho de 1983(governo Figueiredo, 1979-1985). Em abril de 1986, as obras foram paralisadas por falta de recursos, alto custo e dúvidas quanto à conveniência e riscos desta fonte de energia. Mesmo assim a construtora recebeu durante décadas um pagamento de aproximadamente US$ 20 milhões/ano.

Depois de 23 anos parada, as obras de Angra 3 foram retomadas em 2009 (governo Lula, 2003-2010). O governo Lula optou por não fazer licitações, e revalidou a concorrência ganha pela construtora Andrade Gutierrez, em 1983. Embora não tenha feito novas licitações, a Eletronuclear negociou atualizações de valores com todos os fornecedores e prestadores de serviços. A obra e seus equipamentos ficaram bem mais caros. Em dólares, seu valor pulou de US$ 1,8 bilhão para aproximadamente cerca de US$ 3,3 bilhões.

Diante da decisão de manter o contrato com a Andrade Gutierrez, construtoras concorrentes, especialmente a Camargo Corrêa, tentaram em vão convencer o governo a rever sua decisão, alegando que neste período houve uma revolução tecnológica que reduziu em até 40% o custo de obras civis de usinas nucleares. Também o plenário do Tribunal de Contas da União, em setembro de 2008, ao avaliar o assunto não impediu a revalidação dos contratos. Porém considerou que Angra 3 apresentava “indícios de irregularidade grave” sem recomendar, todavia, a paralisação do empreendimento.

O contrato das obras civis não foi o único a ser tirado do congelador pelo governo Lula. Para o fornecimento de bens e serviços importados foi definida a fabricante Areva, empresa resultante da fusão entre a alemã Siemens KWU e a francesa Framatome. A rigor, a Areva nem assinou o contrato. Ela foi escolhida porque herdou da KWU o acordo original.

Já os contratos da montagem foram assinados em 2 de setembro de 2014 com os seguintes consórcios: consórcio ANGRA 3, para a realização dos serviços de montagens eletromecânicas dos sistemas associados ao circuito primário da usina (sistemas associados ao circuito de geração de vapor por fonte nuclear),constituído pela empresas Construtora Queiroz Galvão S.A., EBE – Empresa Brasileira de Engenharia S.A. e Techint Engenharia S.A. E consórcio UNA 3, para a execução das montagens associadas aos sistemas convencionais da usina, constituído pelas empresas Construtora Andrade Gutierrez S.A., Construtora Norberto Odebrecht S.A., Construções e Comércio Camargo Corrêa S.A. e UTC Engenharia S.A.

O atual planejamento da Eletronuclear prevê a entrada em operação de Angra 3 em maio de 2018. Mas esta meta deverá ser revista depois de a obra ser praticamente paralisada no final de abril de 2014, devido à alegação de dívidas não pagas a empreiteira (governo Dilma, 2011-2014).

Depois de todos estes percalços, para uma obra tão polêmica, tomamos conhecimento das denúncias feitas por um dos executivos da empreiteira Camargo Correa, que passou a colaborar com as investigações da Operação Lava Jato e relatou aos procuradores, durante negociações para o acordo de delação premiada, uma suposta propina para o ex-ministro das Minas e Energia, Edson Lobão, na contratação da Camargo Correa para a execução de obras da usina de Angra 3.

Caso se confirmem tais acusações ficará claro para a sociedade brasileira que os reais interesses pela construção de Angra 3 e de mais 4 usinas nucleares tiveram como principal motivação as altas somas que autoridades públicas receberam como suborno. É bom lembrar que neste caso o ministro Lobão tinha poder de comando sobre a empresa pública responsável pela obra, a Eletronuclear ― subsidiária da Eletrobrás.

A partir deste episódio não podemos mais ignorar as objeções técnicas, como as denúncias com relação à obsolescência dos equipamentos tecnologicamente defasados (comprometendo o seu funcionamento e aumentando o risco de um desastre nuclear). Nem as denúncias de que o custo desta obra poderia encarecer durante a sua construção ― o que,de fato, já aconteceu.Tampouco o questionamento sobre o empréstimo realizado pela Caixa Econômica Federal, para a construção de Angra 3.

A expectativa é que todas as denúncias sejam investigadas e apuradas as responsabilidades. O fato em si é gravíssimo, e suficiente para a interrupção das atividades nucleares no país, em particular a construção de Angra 3, com o congelamento de novas instalações. Não se pode admitir que a decisão de construir centrais nucleares no país tenha sido feita em um mero balcão de negócios.

Heitor Scalambrini Costa é graduado em Física pela Universidade de Campinas/SP, mestrado em Ciências e Tecnologias Nucleares na Universidade Federal de Pernambuco, e doutorado em Energética – Université dAix-Marseille III (Droit, Econ. et Sciences (1992). Atualmente é professor associado da Universidade Federal de Pernambuco.

Um soco na arrogância da visão seletiva supostamente intelectual (ou, Carta Aberta ao antropólogo Roberto DaMatta) (Marcio Valley)

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Roberto DaMatta, li, ontem (08/10/2014), o seu texto “Um soco na onipotência”, onde você defende que o PT seja “defesnetrado do poder” e revela ter sentido a angústia diminuída ao ver Aécio chegar ao segundo turno dessas eleições. Na sua visão, Aécio, tendo “achado o seu papel e o seu tom”, e “com sua tranquilidade”, irá proporcionar ao Brasil a “descoberta da soma e da continuidade”.
Senti uma enorme tristeza ao término da leitura. Sempre respeitei você e seus pensamentos. O seu texto para mim significou, de fato, um soco de alto teor destrutivo, porém não na onipotência do PT, mas na imagem do antropólogo Roberto DaMatta, que nunca imaginei pudesse abdicar da inteligência para defender uma causa.
Participo pouco do Facebook, mais para divulgar meus textos. Isso porque percebo nas redes sociais uma enorme carência de discussão inteligente e racional dos problemas políticos brasileiros. Trata-se de mera gritaria irracional, com repetição de memes e de conteúdo absolutamente raso. É nessas discussões adialéticas, onde não é possível o contraponto, visto como ofensa, e cuja pretensão é somente a de fazer prevalecer a própria visão e de repelir agressivamente todo pensamento que contrarie essa ótica, que vejo comumente serem usadas essas expressões de mera injúria como “petralhas”, “tucanalhas”, “privataria”, “coxinhas” e, vejam só, “lulopetismo”, a mesma utilizada por você, um intelectual.
Nas redes sociais, busco relevar o mais possível o uso dessas palavras de ordem, fundamentalistas e estimuladoras da divisão e do acirramento, porque não sou insensível ao fato de que esse uso, em geral, surge da falta de oportunidade de acesso a uma cultura de discussões de alto nível. Entretanto, quando percebo que esse mesmo estilo, digamos, “literário” é manipulado por pessoas que deveriam ser o farol a seguir no que concerne à inteligência e à razão, dói no coração e a sensação de impotência no enfrentamento e solução dos problemas públicos cresce na alma. Discussões baratas conduzem a resultados igualmente baratos.
Como um intelectual pode se unir à grita da corrupção generalizada petista assim, de forma tão leviana? Sem o adensamento das causas? Sem uma perspectiva histórica? Sem analisar o sistema legal que proporciona tais desvios? Sem uma análise comparativa? Sem qualquer pronunciamento sobre a existência ou não das ações de combate? A corrupção inexistia no Brasil pré-PT ou nasce a partir da assunção desse partido? A malfadada governabilidade no Brasil – e seus filhos diletos, o fisiologismo e o patrimonialismo – é uma pré-condição do exercício do poder ou somente foi e será praticada pelo PT, mas não por outros partidos que eventualmente venham a conquistas o governo? Em outras palavras, é possível a qualquer partido governar sem se render aos clamores e anseios de sua inexoravelmente necessária base de apoio?
DaMatta, a tristeza que me doeu, ao ler seu texto, veio-me da constatação de que, mesmo um formador de opinião como você, com enorme capilaridade na divulgação através de organismos gigantes como “O Globo”, e que, na condição de intelectual, possui ou deveria possuir capacidade de análise crítica dos fatos presentes e de, a partir dessa capacitação, também de intuição sobre o futuro que poucos podem se arvorar de possuir, ainda assim arrisca-se em relação à própria reputação e biografia ao escrever textos supostamente analíticos, mas cujo conteúdo é exclusivamente panfletário e demonstração de exercício do mais puro e, diria mesmo, infantil “wishful thinking”. De fato, custo a crer, perdoe-me, que você acredite no que escreveu.
Sei que você sabe (ou deveria saber) que um dos primeiros atos de Fernando Henrique Cardoso (desse mesmo PSDB que você agora tão calorosamente articula em favor), assinado somente dezoito dias depois de tomar posse, através do Decreto nº 1.376/1995, foi extinguir a Comissão para Investigar a Corrupção, comissão que havia sido criada em 1993 por Itamar Franco.
Lula, no dia 1º de janeiro de 2003, primeiro dia de seu governo, a partir da antiga Corregedoria-Geral da União, assinou a MP n° 103/2003 (depois Lei n° 10.683/2003), criando a Controladoria-Geral da União e atribuindo ao seu titular a denominação de Ministro de Estado do Controle e da Transparência, o que implicou elevar o status administrativo da pasta e sinalizou aos subalternos o norte a ser orientado.
Nos oito anos de governo do PSDB, com FHC, a Polícia Federal realizou um total de 48 (quarenta e oito) operações, ou seja, uma média de seis operações por ano.
Nos doze anos de governo do PT, essa número saltou para cerca de duas mil e trezentas, o que dá uma média de mais de 190 (cento e noventa) por ano.
Ao assumir, o governo do PT encontrou cerca de cem varas federais. Agora já são mais de quinhentas.
Como você sabe, ou deveria saber, são as operações da Polícia Federal e as varas da Justiça Federal que, no âmbito federal, investigam, combatem e julgam os crimes de corrupção.
Durante o governo do PSDB, havia Geraldo Brindeiro, o “engavetador geral da república”.
Durante o governo do PT poderosos membros do governo em exercício foram investigados, denunciados pelo Procurador Geral da República (não mais um “engavetador”), julgados, condenados e presos por corrupção. Você pode não apreciar a famosa expressão do Lula, “nunca antes na história desse país”, mas, quanto a esse fato, é possível desmenti-la? Quando e em que circunstâncias isso, antes, ocorreu?
De que forma, DaMatta, esses fatos (que você facilmente encontrará em sites idôneos da internet) se coadunam com a sua afirmação de “corrupção deslavada do PT”?
DaMatta, o comum do povo, desprovido dos mesmos mecanismos de acesso à informação e ao conhecimento, pode não saber, como você sabe, que não existem administrações, privadas ou públicas, imunes à prática de ilícitos. O que diferencia uma boa administração de uma ruim é como se lida com os infratores. Há liberdade para as instituições funcionarem, investigando e eventualmente punindo, ou tudo é conduzido para debaixo do tapete por diligentes engavetadores?
Mexa no formigueiro, DaMatta, e isso aumentará o número de formigas visíveis. Você sabe disso, é o “efeito percepção”. Concluir que, porque não se viam as formigas antes, elas não existiam, é exercício da mais perfeita idiotice, desculpável somente aos ignorantes, não aos cultos.
DaMatta, todo o suposto prejuízo do mensalão (não vou entrar no mérito da existência do crime, que já foi julgado pelo STF, mas você sabe que se discute bastante se o dinheiro supostamente “desviado” não se encontra nos cofres da Globo, da Folha, do Estadão e de outros órgãos da imprensa, de forma lícita, através de contratos legítimos de publicidade), não chega a 75 (setenta e cinco) milhões de reais. Sem questionar a validade das privatizações realizadas pelo FHC, há estudiosos do assunto, idôneos, que alegam que o prejuízo com as vendas das estatais, a partir do uso das “moedas podres” e outros “incentivos”, pode ter chegado a cerca de 2 (dois) bilhões e 400 (quatrocentos) milhões de reais. Isso mesmo, entregamos o patrimônio todo e, longe de reduzirmos o déficit público, ainda acrescentamos essa montanha de dinheiro à nossa dívida pública. Porém, muita gente ficou multimilionária a partir das privatizações do PSDB.
Esse valor, DaMatta, corresponde a mais de trinta e duas vezes o valor do mensalão, em valores não atualizados (se atualizar passa fácil de cinquenta vezes). Claro, na sua percepção você não deve considerar isso corrupção, não é mesmo?
Ou, quem sabe, DaMatta, talvez você tenha algo a dizer sobre as privatizações tucanas, sobre a atuação de José Serra em conjunto com sua filha Verônica e seu genro Alexandre Burgeois, sobre Daniel Dantas e sua filha, também Verônica, sobre Ricardo Sérgio de Oliveira no Banco do Brasil (agindo “no limite da irresponsabilidade”), sobre André Lara Rezende e as operações de câmbio, a família Jeressaiti e a aquisição da Telemar, sobre o Banestado.
Só o Banestado, DaMatta, ocorrido em pleno governo FHC, causou um prejuízo de mais de 19 (dezenove) bilhões de dólares, que foram ilegalmente remetidos para os Estados Unidos.
Começo a concordar, DaMatta, que os petistas são incompetentes, pelo menos no quesito “desvio de dinheiro público”.
Enfim, retorno à indagação que fiz acima: a corrupção é uma característica do PT? Se não, onde estão os condenados por corrupção do período do PSDB no governo federal?
E Aécio, DaMatta? Está ele livre de indícios de corrupção em sua passagem pelo governo mineiro? Você bem sabe que Minas Gerais, com o PSDB, foi o berço do mensalão tucano, gerido pelo mesmo indivíduo, o publicitário Marcos Valério, cujos tentáculos se espraiaram em direção ao governdo federal do PT. Além disso, você sabe que Aécio é réu, acusado de improbidade administrativa, em ação civil pública movida pelo Ministério Público Estadual, em razão de desvio de 4 (quatro) bilhões e 300 (trezentos) milhões de reais da área da saúde em Minas, não sabe? E o aeroporto construído com dinheiro público em área desapropriada de parte da fazenda de seu tio, em Minas, ouviu falar sobre isso?
Bom, tudo isso eu relato, DaMatta, em função de sua visão estreita e seletiva sobre a corrupção do PT, olvidando-se (de forma proposital?) daquela oriunda dos quadros tucanos. Em princípio, não me parece o papel de um intelectual. Passável para uma pessoa comum, para redatores de Facebook, essa visão reducionista é, no meu entender, vergonhosa para um erudito.
Até compreendo que existam na mídia os “experts” (substitutos de segunda linha dos verdadeiros intelectuais) vendendo suas falsas expertises a soldo, uma para cada gosto, mas não acredito que seja o seu caso. Prefiro acreditar num ato menos pensado, numa torcida apaixonada, passional, talvez resultado de algum elemento pessoal por mim desconhecido, como, por exemplo, ter sido prejudicado individualmente pelo PT de alguma forma ou possuir relação estreita com alguém do PSDB. Ainda assim, não há justificativa para a edição de um panfleto tão raso, tão ao gosto da Rede Globo, da Folha e do Estadão e da revista Veja. Você, DaMatta, um intelectual cujo respeito não será por mim perdido por um deslize, infelizmente pôs-se ombro a ombro com o nível de um Reinaldo Azevedo ou de um Augusto Nunes. Tornou-se um Jabor. Se insistir nessa linha, será nivelado, torço para que isso não ocorra, a um Merval Pereira, o imortal da coletânea única.
DaMatta, retorne à sanidade intelectual. Não para infalivelmente apoiar o PT, mas para, se for o caso, rejeitá-lo pelos motivos lógicos e racionais corretos, ou seja, fundamentando sua contrariedade à linha econômica petista; ou à forma como ocorre, hoje, o enfrentamento da questão social; ou, ainda, pelas teses de relações internacionais atualmente defendidas pelo Itamaraty; ou por qualquer outra que você, livremente e como cidadão, considerar não ser adequada ao seu pensamento.
O que não dá é para alcunhar o PT de “dono espúrio de um Brasil que é de todos nós”, uma frase de efeito cujo único objetivo é o aplauso fácil. Ou de falar em “aparelhamento do Estado”, um mantra que pode ser considerado bonitinho para aqueles que ignoram as formas pelas quais se materializam os processos políticos, mas que se torna ridículo se proferido por um intelectual ciente de que o aparelhamento do Estado faz parte do processo democrático, uma vez que todo partido que chega ao poder preenche os espaços de indicação política existentes no governo justamente como meio de oferecer aos eleitores a direção política que eles escolheram através da eleição livre. Ou você, DaMatta, acha que o PSDB não “aparelhou” o governo federal, quando lá esteve, ou, atualmente, não nomeou todo e cada um dos cargos políticos de livre nomeação no Estado de São Paulo durante esses vinte anos de seu governo (algo a dizer sobre a “perpetuação no poder” em São Paulo?).
Vamos nos ater à discussão política, então. Vamos falar de economia, de saúde, de segurança pública, de educação e de quem consideramos mais apto a enfrentar esses enormes desafios. Porque, no tema corrupção, DaMatta, e estou afirmando algo que sei que você de antemão sabe, somente existem telhados de vidro.
Não desça ao nível dos tabloides. Você é maior do que eles. Ainda acredito e torço por você.
Do seu leitor, Marcio Valley.

Um jogo para poucos (Agência Pública)

0/6/2014 – 11h10

por Adriano Belisário, para a Agência Pública

Levantamento do Reportagem Pública mostra como as “quatro irmãs”, Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, se revezam nos contratos para as grandes obras da Copa e Olimpíadas no Rio de Janeiro

Nas maiores intervenções urbanas no Rio de Janeiro em função da Copa e Olimpíadas mudam os objetivos das obras, os valores, os impactos e as suspeitas de ilegalidade na condução dos projetos. Só não mudam as empresas beneficiadas. Por meio de consórcios firmados entre si e com outras empresas, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e OAS se revezam nos dez maiores investimentos relacionados aos jogos.

De acordo com um levantamento feito pela reportagem, chega a quase R$ 30 bilhões o valor oficial das dez maiores obras. São elas: a Linha 4 do Metrô; a construção do Porto Maravilha; a reforma do Maracanã e entorno; os corredores expressos Transcarioca, Transolímpica e Transoeste; a Vila dos Atletas e o Parque Olímpico; o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT); e a Reabilitação Ambiental da Bacia de Jacarepaguá.Veja o infográfico interativo no link original da matéria:

A Odebrecht é a grande campeã: está presente em oito dos dez projetos. Já a OAS e a Andrade Gutierrez dividem o segundo lugar, com participação em seis projetos cada uma. Em 7 dos 10 projetos a licitação foi ganha por consórcios com presença de duas ou mais das “quatro irmãs”, como são conhecidas. Em dois destes, a concorrência pública foi feita tendo apenas um consórcio na disputa.

Nem sempre a participação das “quatro irmãs” se dá diretamente através das construtoras. Participam também empresas controladas por elas como a CCR e a Invepar. Os acionistas da primeira são Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, aliadas ao o Grupo Soares Penido (Serveng-Civilsan), com 17% de ações cada um. No Rio de Janeiro, a CCR detém o monopólio das travessias na Baía de Guanabara, administrando ao mesmo tempo os serviços das barcas e da Ponte Rio-Niterói. (As duas concessões responderam por quase 5% da receita operacional bruta da empresa, em 2013). A Odebrecht, que também era sócia na CCR, vendeu sua participação para criar sua própria empresa no ramo de mobilidade urbana, a Odebrecht Transport, que hoje administra o serviço de trens na região metropolitana do Rio de Janeiro através da Supervia. Já a gestão do metrô carioca fica por conta da Invepar, cujos controladores são a OAS e os fundos de pensão da Caixa Econômica (FUNCEF), Petrobras (PETROS) e o Fundo de Investimento em Ações do Banco do Brasil.

Dentre as obras para Copa e Olimpíadas levantadas pela reportagem, apenas a Reabilitação Ambiental da Bacia de Jacarepaguá é alvo de investigações oficiais sobre cartelização. Porém, para o economista Paulo Furquim, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica(CADE), algumas características observadas nas licitações merecem a atenção das autoridades. “Estas situações com grandes projetos, formação de consórcios e vencedores que se alternam trazem evidências que mostram uma probabilidade não desprezível de existência de cartel. Evidências adicionais como superfaturamento são motivos suficientes para investigação. São certamente situações preocupantes, em que uma autoridade de concorrência deve colocar uma lupa e olhar com bastante cuidado”, afirma.

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Na história recente dessas empresas acumulam-se obras que mereceram a atenção das autoridades – dentro e fora do pacote da Copa. Executivos da Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez já foram investigadas pelo Ministério Público de São Paulo no chamado “cartel do metrô”, que envolveria o acerto de preços para licitações de obras, fornecimento de carros e manutenção de trens e do metrô em São Paulo. O órgão exige uma indenização aos cofres públicos de R$ 2,5 bilhões. Empresa da Camargo Corrêa, a Intercement também aparece em investigações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) sobre cartel no setor de cimentos.

No Rio de Janeiro, a Andrade Gutierrez e Odebrecht compartilharam documentação na concorrência de obras do PAC no Complexo do Alemão, segundo reportagem da Folha de São Paulo. Além de indicarem a mesma empresa (Pomagalski) para fornecer os materiais para a instalação dos teleféricos, Odebrecht e Andrade Gutierrez usaram a mesma tradução juramentada da apresentação desta companhia. De acordo com a reportagem, “documentos apreendidos em várias operações da Polícia Federal mostram que empreiteiras formam consórcios ‘paralelos’ antes da disputa de licitações com a finalidade de superfaturar obras públicas”.

Enquanto isso, nas obras para as Olímpiadas…

Na construção do Parque Olímpico, em Jacarepaguá, e do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), no centro da cidade, a licitação teve apenas um concorrente. As construtoras Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez se uniram para ganhar a primeira, cujo orçamento estimado ultrapassa R$ 2,1 bilhões. Já no VLT não ficou ninguém de fora: foram agraciadas a Odebrecht, OAS (por meio da Invepar), Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa (por meio da CCR). Para administrar a concessão de R$ 1,2 bilhão por 25 anos, formou-se o Consórcio VLT Carioca. Nele estão presentes, além de duas companhias estrangeiras, a Odebrecht, a CCR, a Invepar e a Riopar, que conta com a participação do empresário Jacob Barata Filho, que controla grande parte da frota rodoviária da cidade. Mesmo assim, quando questionado sobre sua relação com governantes em uma de suas raras entrevistas, Barata foi direto. “Ninguém está mais próximo do poder público do que empreiteira. […] A gente quer um dia chegar lá. Nós somos crianças perto dessa turma”, afirmou.

Odebrecht, CCR e Invepar também estão juntas no consórcio vencedor da licitação para execução das obras e manutenção da BRT Transolímpica, que prevê investimentos de R$ 1,6 bilhão. O corredor expresso ligará a Barra da Tijuca ao bairro de Deodoro, os dois principais polos dos Jogos de 2016. No caso da construção do corredor expresso Transcarioca, da empresa Andrade Gutierrez, o empreendimento foi considerados superfaturado pelo Tribunal de Contas do Município. Segundo auditoria do órgão, houve sobrepreço de R$ 66 milhões na construção dos mergulhões da via que ligará o Aeroporto Antonio Carlos Jobim à Barra da Tijuca. Antes mesmo da inauguração da obra, foram detectados problemas, como asfalto remendado e rachaduras.

O Maraca

Ao contrário do que aconteceu nas obras de outros estádios para a Copa, a reforma e a privatização da gestão do Maracanã foram feitas em duas etapas. Odebrecht e Andrade Gutierrez fizeram as obras do estádio, que recebeu seu primeiro evento-teste em abril de 2013; quase um ano depois, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro apontou superfaturamento de R$ 67,3 milhões nas obras. Além disso, graças à atuação do Tribunal de Contas da União – que também apontou superfaturamento – o orçamento das obras no estádio foi reduzido entre R$ 150 e 200 milhões, segundo o ministro Benjamin Zymler.

Sem considerar as obras no entorno, o custo da reforma do estádio até agora foi de R$ 1,2 bilhão, bancado com recursos do BNDES e Caixa Econômica Federal, além de empréstimo do CAF (Banco de Desarrollo da América Latina). Assim, inteiramente novo, o Maracanã foi entregue para a iniciativa privada. A própria Odebrecht se candidatou e ganhou a licitação da Parceria Público-Privada (PPP) como integrante do Consórcio Maracanã S/A, ao lado de Eike Batista e da AEG, em um processo que está na mira do Ministério Público do Rio.

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A ação civil pública, movida pelo MPRJ, questiona o fato da empresa IMX ter elaborado o projeto utilizado para embasar o edital que ela mesmo venceu e também a decisão de demolir parte do entorno do estádio, como a Aldeia Maracanã (antigo Museu do Índio), Parque Júlio Delamare, Estádio de Atletismo Célio de Barros e a Escola Friedenreich.

“O Estado partiu da premissa que a viabilidade econômica da concessão do Maracanã dependia da exploração do entorno. Nós entendemos que esta é uma premissa falsa, em função justamente deste estudo de viabilidade. As receitas da exploração do estádio já eram suficientes para viabilizar economicamente o negócio”, diz o promotor Eduardo Santos, responsável pelo caso.

Estudos da IMX apontam as atividades comerciais no entorno como responsável por apenas 12% das receitas, enquanto consumiriam mais de 2/3 das despesas. Segundo Eduardo Santos, quando questionados, o Estado e a IMX afirmaram que é uma questão de sinergia. “Diziam que você só vai ter um público mais rentável se tiver um lugar para estacionar, um restaurante bacana. Isto não é algo que possa ser demonstrado matematicamente, mas é o argumento de defesa de ambos”, afirma.

Após as manifestações do ano passado, o governo recuou com a proposta da demolição. Mesmo assim, o Consórcio se manteve na gestão do Estádio. Beneficiando as empresas, a privatização do Maracanã se tornou um mau negócio para o governo do Estado. Os R$ 7 milhões da outorga anual a ser paga pelas empresas aos cofres públicos não cobre nem a terça parte dos juros do empréstimo solicitado pelo então governador Sérgio Cabral ao BNDES para bancar as reformas do estádio antes de privatizá-lo.

PPP da Zona Portuária

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Igualmente benéfica para o clube das empreiteiras foi a PPP da Zona Portuária. Com investimentos na ordem de R$ 7,7 bilhões, a Operação Urbana Porto Maravilha é executada pela Odebrecht, OAS e Carioca Nielsen. Viabilizada por meio de uma “engenhosa operação financeira”, segundo o site oficial do projeto, a operação urbana foi criada para “promover a reestruturação local por meio da ampliação, articulação e requalificação dos espaços públicos da região, visando à melhoria da qualidade de vida de seus atuais e futuros moradores e à sustentabilidade ambiental e socioeconômica da área”.

Segundo Orlando dos Santos, professor do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR), a operação possui três mecanismos principais: venda de terras públicas, isenções fiscais e emissão de Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) para potencializar a exploração econômica do local. Dados do Dossiê do Comitê Popular da Copa apontam que mais de 600 famílias pobres foram removidas por causa do projeto.

A Prefeitura anunciou ainda um empreendimento imobiliário com o grupo Porto 2016/Solace, que além das três empreiteiras do Porto Maravilha (Odebrecht, OAS e Carioca Nielsen) reúne também uma empresa de Eike Batista. Também ofereceu uma linha de crédito especial para os servidores municipais comprarem esses imóveis.

“Hoje [a Zona Portuária] é o lugar da cidade onde mais tem especulação imobiliária, mais do que a Barra, e graças a Deus é assim”, comemorou recentemente o prefeito Eduardo Paes.

“Há um acionamento simbólico das Olimpíadas para validar certas intervenções públicas. É muito mais uma lógica de legitimação das intervenções do que efetivamente estar ou não associado aos Jogos”, critica Orlando dos Santos.

Longe dali, na zona Oeste da Cidade, a PPP do Parque Olímpico (R$ 2,1 bilhões) envolve a remodelagem para as Olimpíadas de aproximadamente 1,18 milhão de metros quadrados, uma área equivalente ao bairro do Leme. Deste total, 75% das terras serão entregues para a iniciativa privada ao fim da operação.

Com forte atuação naquela região, a construtora Carvalho Hosken se uniu com a Odebrecht e a Andrade Gutierrez para formar o Consórcio Rio Mais, o único que concorreu – e ganhou – a licitação. Odebrecht e Carvalho Hosken também estão à frente da construção da Vila dos Atletas, em terreno próximo ao Parque Olímpico. O local receberá sete condomínios que acomodarão 18 mil atletas em 2016 e serão entregues à iniciativa privada após os jogos.

Carvalho Um jogo para poucos

A arquiteta Giselle Tanaka, que participa do Comitê Popular da Copa e Olimpíadas e pesquisa as intervenções no Parque Olímpico, acredita que o contrato do projeto não possui risco nenhum para as empresas. “A Prefeitura repassa as terras subvalorizadas para o Consórcio e ainda fazem uma remuneração mensal para as construtoras. Elas recebem dinheiro público por tudo que estão construindo”, afirma. De acordo com estudos realizados pela arquiteta, o valor do metro quadrado no repasse da área bruta de terras públicas para o consórcio Parque Olímpico 2016 (posteriormente batizado como “Consórcio Rio Mais”) foi de cerca de R$ 1,69 mil. No mercado, o metro quadrado das habitações construídas na região é de R$ 7,5 mil, em média, segundo a imobiliária Lopes Rio.

Atualmente, o Ministério Público Federal investiga a denúncia de supressão da vegetação nativa do Parque Olímpico sem nenhum critério ou estudo prévio (Procedimento Administrativo nº 1.30.001.007236/2012-14) e o Ministério Público do Estado recomendou a suspensão das obras do Campo de Golfe no final de maio de 2014.

Cabo de guerra

Considerado um dos grandes legados dos jogos de 2016, o Projeto de Recuperação Ambiental do Sistema Lagunar da Barra e Jacarepaguá teve seu contrato de R$ 673 milhões assinado somente em março deste ano, quase oito meses após o anúncio do vencedor da licitação pelo governo do Estado. A demora ocorreu justamente por causa de uma denúncia de acerto prévio entre as empreiteiras, publicada em julho de 2013 na Revista Época.

A revista teve acesso ao resultado da licitação e o divulgou de forma cifrada cerca de uma semana antes da abertura dos envelopes com os lances que levaram à vitória do Consórcio Complexo Lagunar (formado por Andrade Gutierrez, OAS e Queiroz Galvão). Segundo a reportagem de Isabel Clemente, a Odebrecht teria apresentado uma proposta de cobertura em troca de ter faturado poucos dias antes outra licitação de valor aproximado, em que a Andrade Gutierrez e a Queiroz Galvão apresentaram lances perdedores.

Após a denúncia, a Secretaria de Estado do Ambiente suspendeu o edital e solicitou investigações ao Ministério Público e ao CADE. Em agosto, anunciou uma nova concorrência, que foi questionada na justiça pelas integrantes do Consórcio Complexo Lagunar. O primeiro mandado de segurança foi negado; um segundo, concedido.
Somente no dia 18 de dezembro, já com ambos mandados unidos em um único processo, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) verificou a “coexistência de decisões sobre os mesmos fatos em sentido diametralmente opostos” e permitiu a continuidade do edital.

No dia seguinte, 19, o promotor Rogério Pacheco solicitou o arquivamento do inquérito contra as empresas, concluindo que “diante dos fatos apurados na presente investigação, verifica-se que não restaram indícios mínimos de práticas de atos ilícitos capazes de configurar irregularidades na licitação apresentada”. De acordo com ele, a conduta da Secretaria de Estado no caso foi “calcada, principalmente, na moralidade administrativa” e o fato de nenhum pagamento ter sido feito às empresas “afasta a hipótese de dano ao erário”.

Logo depois as empreiteiras foram ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e interpuseram agravo regimental, recurso especial, recurso extraordinário e medida cautelar para anular o segundo edital.

Novamente, a segunda licitação foi suspensa. Já em meados de janeiro de 2014, o governo do Estado desistiu. Alegando que “passados mais de seis meses das comunicações ao CADE e ao MP, nenhuma medida foi determinada por parte daqueles órgãos”, o secretário Carlos Minc solicitou a revogação da segunda licitação. E convocou o “consórcio vencedor do primeiro certame para assinatura do contrato e imediato início às obras”. Minc enfatizou ainda a “exiguidade de prazos para cumprir compromisso olímpico internacional do país”.

Em março deste ano as empresas investigadas pelo crime de cartelização enfim assinaram o contrato, que prevê 30 meses para a conclusão das obras. Ou seja, no cronograma atual, a recuperação ambiental das lagoas da Barra e Jacarepaguá não será concluída até as Olimpíadas. A Secretaria afirma estudar “alternativas para acelerar as obras”. Responsável pela apuração do crime de cartel, o CADE informou à reportagem que o inquérito é de natureza sigilosa e que “não há prazo para a investigação ser concluída”.

“Caso alguém tenha acesso a uma informação antecipada do resultado, isso não é apenas um ilícito concorrencial, uma coordenação de concorrência. É um ilícito de natureza penal também. Não é só uma questão econômica, é uma questão policial. Os elementos trazidos pela revista Época justificam uma investigação se há algum tipo de coordenação entre as empresas que participaram da licitação – mas não são ainda suficientes para determinar a existência desse ilícito”, afirma o economista Luiz Carlos Delorme, ex-conselheiro do CADE.

Prejuízo aos Trabalhadores

Apesar de serem possíveis indícios de cartelização, a formação dos consórcios e o rodízio entre vencedores não constituem por si só uma prática ilícita. “O crime de cartel é a cooperação ilegal entre empresas com objetivo de obter vantagens concorrenciais. Só é passível de ser provado através de documentos que indiquem este tipo de cooperação”, diz Luiz Carlos Delorme.

Edifício-sede da Petrobras: obra que marcou o início da atuação da Odebrecht no Sudeste – Foto: Rodrigo SoldonAs quatro irmãs Chegada da água bruta no Sistema Cantareira, em São Paulo (Foto: Anne Vigna)Dá para beber essa água? Cidades-sede restringem comércio ambulante na Copa do Mundo. Na foto, Recife. (Foto: Chico Peixoto/Leia Já Imagens)Território da FIFA

Celso Campilongo, conselheiro do CADE entre 2000 e 2002, pós-doutor em Direito e professor da PUC-SP, completa: “Dependendo da estrutura do mercado os rodízios podem significar acordo entre concorrentes. Pode ter uma cortina de fumaça para dar a isso uma aparência de legalidade e por trás dela pode haver uma ampla troca de informações entre concorrentes – o que o direito antitruste procura evitar. Mas também paradoxalmente pode ser o inverso. O fato de não haver sempre as mesmas parcerias, mas um rodízio, pode mostrar dinamismo competitivo”, afirma. Porém, Campilongo destaca a intensa comunicação entre empresas como um elemento potencialmente perigoso para a concorrência nas licitações. Ele cita uma passagem de Adam Smith no livro ‘A Riqueza das Nações’: “Pessoas com o mesmo tipo de negócio raramente se reúnem, ainda que seja meramente por entretenimento ou diversão, sem que a conversa termine em uma conspiração contra o povo ou em algum tipo de acordo para aumentar os preços”.

Para Nilson Duarte, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada, além do possível prejuízo à livre concorrência, os diversos consórcios também prejudicam os trabalhadores. “Eles trabalham em cima de um CNPJ com início, meio e fim. Quando terminam a obra, eliminam o CNPJ e acaba a estabilidade para os trabalhadores, que às vezes estão ainda em tratamento de saúde. Aí eles vão recorrer a quem?”, questiona. “Com aumento concomitante de lucros, nós observamos um aumento da diferença salarial entre executivos (CEOs) e trabalhadores em geral.

A Copa do Mundo certamente ajudou a nos fazer uma sociedade mais desigual”, diz o jornalista e sindicalista sul-africano Eddie Cottle, autor do livro ‘Copa do Mundo da África do Sul: um legado para quem?’. Se aqui as empreiteiras são chamadas de irmãs, lá as cinco maiores construtoras do país (Aveng, Murray & Roberts, Group Five, Wilson Bayly Holmes–Ovcon – WBHO – e Basil Read) são conhecidas como “Big Five”. Enquanto aqui pairam suspeitas sobre as empreiteiras, lá elas foram condenadas pela conduta anticompetitiva.

“Dois caminhos levaram à descoberta do cartel. Primeiro, a investigação da Comissão de Concorrência da África do Sul sobre outras condutas anticompetitivas no setor de construção revelou que estas eram amplamente difundidas em todo setor. Segundo, houve aumentos contínuos no orçamento alocado pelo governo para a construção de estádios e outros projetos de infraestrutura para a Copa, o que levou a Comissão a iniciar um projeto de pesquisa para determinar se a conduta anticoncorrencial poderia ter contribuído para estes aumentos de custos”, afirmou em nota o órgão – algo como o CADE da África do Sul.

Das 9 cidades-sede na África do Sul, 6 construíram ou reformaram seus estádios para a Copa: em todas eles houve conluio entre as empresas. Depois das investigações, em 2011, a Comissão fechou um acordo oficial [Fast-Track Settlement] com 15 empreiteiras que assumiram suas condutas anticompetitivas em diversas obras, inclusive da Copa, para o pagamento de 1,4 bilhões de rands no total. A empresa mais penalizada pagou 311 milhões de rands – algo em torno de R$ 65 milhões hoje. Eddie considera a penalidade “bastante modesta, dado os lucros na época”. Agora, a Comissão está finalizando a investigação e a ação penal contra as empresas que não vieram a público revelar suas condutas.

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“Aumentos consistentes nos preços de materiais e custos dos estádios e infraestrutura são os fatores mais evidentes na identificação do cartel. Claro, isso pode ser escondido pelo disfarce da inflação, mas então os cartéis por sua própria natureza produzem pressões inflacionárias”, pondera o jornalista sobre o cartel das empreiteiras em seu país. Cottle afirma que o “Big Five” obteve em média 100% de lucro entre 2004 e 2009. E provoca: “Será que no Brasil é diferente?”. Procurada pela reportagem, nenhuma das “quatro irmãs” forneceu explicações sobre a razão econômica para a formação dos consórcios. A Andrade Gutierrez se limitou a dizer que “são decisões estratégicas” e que não iria comentar o assunto.

Uma longa história

Segundo o historiador Pedro Campos, professor da Universidade Federal Rural de Rio de Janeiro, a prática de cartelização no Brasil vem de longa data e é típica de períodos com grandes investimentos públicos. “Quando se trata de períodos de regressão econômica as empreiteiras entram em uma briga fratricida. Mas na ditadura, por exemplo, elas agiram claramente de forma cartelizada. Isso era aberto”.

Em sua tese de doutorado, ele aponta como a divisão de obras era explícita mesmo às vésperas da redemocratização do país, tendo nos sindicatos e associações empresariais os principais intermediários. “Eles combinavam inclusive possíveis brigas e recursos. Dividiam obras para garantir sempre um maior taxa de rentabilidade. Entre as empreiteiras isso é notório”, afirma. A prática ocorria às claras, principalmente por meio dos sindicatos patronais e associações de empreiteiras.

Um exemplo: em 1984 o Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada (SINICON) estampou no primeiro número de seu informe impresso a seguinte manchete: “SINICON quer dividir obras rodoviárias”. A notícia relatava o lobby do sindicato no Ministério dos Transportes para conseguir uma “distribuição proporcional de obras do Programa de Recuperação de Estradas” entre seus membros.

“No Brasil os cartéis não eram entendidos como ilícitos. Nós temos desde 1938 um dispositivo legal proibindo os cartéis, porém ele não era aplicado. Em muitos períodos históricos o próprio governo incentivou a comunhão dos agentes econômicas e sua atuação coordenada. No governo militar isso era muito forte. A mudança de orientação do governo veio na primeira metade dos anos 2000. Antes disso, eram raríssimos os casos [de condenação por cartel]. As partes sequer tinham consciência da ilicitude do que estavam fazendo”, explica a advogada Paula Forgioni, professora da USP que atua com direito da concorrência.

Hoje, a atual diretoria do SINICON tem João Borba Filho (Odebrecht) na presidência. Roberto Zardi (OAS), Flávio Gomes Machado (Andrade Gutierrez) e Marcelo Bisordi (Camargo Corrêa) dividem a vice-presidência com outros executivos. Dentre as empresas, as três primeiras também possuem representantes na diretoria da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro (AEERJ).

Fundada em 1975 “com a missão de lutar, junto às autoridades estaduais e municipais por melhores condições de trabalho e por preços justos”, a Associação de Empreiteiros do Estado do Rio de Janeiro (AEERJ) percebeu em 1998 “que a sua credibilidade estava ameaçada pela palavra ‘empreiteiro’, estigmatizada pela opinião pública, que não via com bons olhos qualquer pleito ou informação desse setor”. “Após diversas consultas, pesquisas realizadas por empresas de comunicação e exaustivas discussões na Diretoria, foi aprovada, em Assembleia Geral, a mudança do nome da entidade […], mantendo a sigla AEERJ”, relata sua publicação “30 Anos: 30 anos de obras públicas no Rio de Janeiro (1975-2005)”.

Durante a preparação para a Copa as associações de empreiteiras também buscaram influenciar decisões, como aponta a arquiteta Any Ivo em sua tese de doutorado. Ainda em 2007 a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib) organizou um seminário sobre a Copa em Brasília com a presença do Presidente Lula, 12 ministros e representantes da Câmara dos Deputados, Senado e Poder Judiciário. O objetivo era chegar a uma “visão bastante sincronizada do que é preciso fazer e como fazer”,segundo Ralph Terra, vice-presidente executivo da Associação.

Fixed Soccer Matches Cast Shadow Over World Cup (New York Times)

JOHANNESBURG — A soccer referee named Ibrahim Chaibou walked into a bank in a small South African city carrying a bag filled with as much as $100,000 in $100 bills, according to another referee traveling with him. The deposit was so large that a bank employee gave Mr. Chaibou a gift of commemorative coins bearing the likeness of Nelson Mandela.

Later that night in May 2010, Mr. Chaibou refereed an exhibition match between South Africa and Guatemala in preparation for the World Cup, the world’s most popular sporting event. Even to the casual fan, his calls were suspicious — he called two penalties for hand balls even though the ball went nowhere near the players’ hands.

Mr. Chaibou, a native of Niger, had been chosen to work the match by a company based in Singapore that was a front for a notorious match-rigging syndicate, according to an internal, confidential report by FIFA, soccer’s world governing body.

FIFA’s investigative report and related documents, which were obtained by The New York Times and have not been publicly released, raise serious questions about the vulnerability of the World Cup to match fixing. The tournament opens June 12 in Brazil.

The report found that the match-rigging syndicate and its referees infiltrated the upper reaches of global soccer in order to fix exhibition matches and exploit them for betting purposes. It provides extensive details of the clever and brazen ways that fixers apparently manipulated “at least five matches and possibly more” in South Africa ahead of the last World Cup. As many as 15 matches were targets, including a game between the United States and Australia, according to interviews and emails printed in the FIFA report.

Although corruption has vexed soccer for years, the South Africa case gives an unusually detailed look at the ease with which professional gamblers can fix matches, as well as the governing body’s severe problems in policing itself and its member federations. The report, at 44 pages, includes an account of Mr. Chaibou’s trip to the bank, as well as many other scenes describing how matches were apparently rigged.

After one match, the syndicate even made a death threat against the official who tried to stop the fix, investigators found.

“Were the listed matches fixed?” the report said. “On the balance of probabilities, yes!”

The Times investigated the South African match-fixing scandal by interviewing dozens of soccer officials, referees, gamblers, investigators and experts in South Africa, Malaysia, England, Finland and Singapore. The Times also reviewed hundreds of pages of interview transcripts, emails, referee rosters and other confidential FIFA documents.

FIFA, which is expected to collect about $4 billion in revenue for this four-year World Cup cycle for broadcast fees, sponsorship deals and ticket sales, has relative autonomy at its headquarters in Zurich. But The Times found problems that could now shadow this month’s World Cup.

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A letter from Football 4U International to the South African soccer federation offered to provide referees for South Africa’s exhibition matches before the World Cup.

■ FIFA’s investigators concluded that the fixers had probably been aided by South African soccer officials, yet FIFA did not officially accuse anyone of match fixing or bar anyone from the sport as a result of those disputed matches.

■ A FIFA spokeswoman said Friday that the investigation into South Africa was continuing, but no one interviewed for this article spoke of being contacted recently by FIFA officials. Critics have questioned FIFA’s determination and capability to curb match fixing.

■ Many national soccer federations with teams competing in Brazil are just as vulnerable to match-fixing as South Africa’s was: They are financially shaky, in administrative disarray and politically divided.

Ralf Mutschke, who has since become FIFA’s head of security, said in a May 21 interview with FIFA.com that “match fixing is an evil to all sports,” and he acknowledged that the World Cup was vulnerable.

“The fixers are trying to look for football matches which are generating a huge betting volume, and obviously, international football tournaments such as the World Cup are generating these kinds of huge volumes,” Mr. Mutschke said. “Therefore, the World Cup in general has a certain risk.”

Mr. Chaibou, the referee at the center of the South African case, said in a phone interview that he had never fixed a match, and he denied knowing or having ever spoken to Wilson Raj Perumal, a notorious gambler who calls himself the world’s most prolific match fixer and whom FIFA called one of the suspected masterminds of the South Africa scheme.

“I did not know this man,” Mr. Chaibou said. “I had no contact with him ever.”

Mr. Chaibou said FIFA had not contacted him since his retirement in 2011. He declined to answer any questions about money he may have received in South Africa.

The tainted South African matches were not the only suspect ones. Europol, the European Union’s police intelligence agency, said last year that there were 680 suspicious matches played globally from 2008 to 2011, including World Cup qualifying matches and games in some of Europe’s most prestigious leagues and tournaments.

“There are no checks and balances and no oversight,” Terry Steans, a former FIFA investigator who wrote the report on South Africa, said of the syndicate’s efforts there in 2010. “It’s so efficient and so under the radar.”

An exhibition match between Guatemala and host South Africa in May 2010 at Peter Mokaba Stadium in Polokwane was “manipulated for betting fraud purposes,” a 44-page FIFA report found.CreditAssociated Press

 

Referees for Sale

As players from South Africa and Guatemala gathered for their national anthems, Mr. Chaibou stood between the teams at midfield. He was flanked by two assistant referees who had also been selected by Football 4U International, the Singapore-based company that was the front for the match-rigging syndicate.

They were present because of a shrewd maneuver the fixers had begun weeks earlier to penetrate the highest levels of the South African soccer federation.

A man identifying himself as Mohammad entered the federation offices in Johannesburg carrying a letter dated April 29, 2010. The letter offered to provide referees for South Africa’s exhibition matches before the World Cup and pay for their travel expenses, lodging, meals and match fees, taking the burden off the financially troubled federation. “We are extremely keen to work closely with your good office,” the letter read.

It was signed by Mr. Perumal, the match fixer, who was also an executive with Football 4U.

Penalty kicks in an exhibition match between Guatemala and host South Africa in May 2010 awarded by the referee Ibrahim Chaibou aided South Africa’s 5-0 victory. According to FIFA’s report, Mr. Chaibou received as much as $100,000 to fix the match. Mr. Chaibou said he had never fixed a match.CreditGianluigi Guercia/Agence France-Presse — Getty Images

 

The offer sounded strange to Steve Goddard, the acting head of refereeing for the South African Football Association at the time. An amiable, heavyset Englishman who sometimes used a table leg for a walking stick, Mr. Goddard had had an eclectic career in and out of soccer. He sang in Welsh choirs and worked as a sound engineer for an album made at Abbey Road Studios. He knew that FIFA rules allowed only national soccer federations to appoint referees. Outside companies, like Football 4U, had no such authority.

Several days later, Mr. Goddard said, Mohammad returned and offered him a bribe of about $3,500, saying he was holding up the deal. Mr. Goddard said he declined the offer.

Nevertheless, other South African executives moved forward with Football 4U. At least two contracts were drafted, giving Football 4U permission to appoint referees for five of the country’s exhibition matches. The FIFA report called the contracts “so very rudimentary as to be commercially laughable.”

One contract, unsigned, bore the name of Anthony Santia Raj, identified by FIFA as an associate of the Singapore syndicate. The other contract was signed by Leslie Sedibe, then the chief executive of the South African soccer federation.

In an interview, Mr. Sedibe said that someone from Football 4U had lied to him about the company’s intentions, and that the FIFA report belonged “in a toilet.”

“It is the biggest load of rubbish,” he said.

Mr. Santia Raj could not be reached for comment.

Investigators found that South African soccer officials performed no background checks on “Mohammad” or Football 4U. The company was already infamous: It had attempted to fix a match in China about eight months earlier. Mohammad turned out to be Jason Jo Lourdes, another associate of the Singaporean match-fixing syndicate, according to the FIFA report. Mr. Lourdes could not be reached for comment.

The report said the South African soccer officials were “either easily duped or extremely foolish.”

But their behavior “inevitably leads to the conclusion” that several employees of the federation “were complicit in a criminal conspiracy to manipulate these matches,” the report said.

Fixers are attracted to soccer because of the action it generates on the vast and largely unregulated Asian betting markets. And if executed well, a fixed soccer match can be hard to detect. Players can deliberately miss shots; referees can eject players or award penalty kicks; team officials can outright tell players to lose a match.

Most fixed bets are placed on which team will win against the spread and on the total number of expected goals. Gamblers often place large bets in underground markets in Asia. By some estimates, the illegal betting market in Asia amounts to hundreds of billions of dollars annually.

The South African federation, troubled by financial difficulties and administrative dysfunction, was a ripe target. Once Football 4U had insinuated itself, the syndicate was able to switch referees at the last moment, and it had access to dressing areas and the sidelines.

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According to an email from Wilson Raj Perumal to Ace Kika, a South African federation official, the Singapore syndicate asked to provide referees for matches.

“The situation was ideal for the criminal organization using Football 4U to exploit these vulnerabilities and to offer money to SAFA staff, who were themselves suffering financial hardship,” the FIFA report said.

Mr. Perumal did not respond to requests for an interview. But he wrote a memoir, published in April, that captured his brazenness and provided details consistent with FIFA’s report. He wrote that his group offered $60,000 to $75,000 to Mr. Chaibou and his crew for each exhibition match they would fix.

“I can do the job,” Mr. Chaibou replied, according to Mr. Perumal’s memoir, “Kelong Kings.” (“Kelong” is Malay slang for match fixing.)

The memoir says Mr. Chaibou was paid $60,000 for manipulating the South Africa-Guatemala match.

The day of the match, Mr. Chaibou walked with Robert Sithole, a South African member of the officiating crew, to a Bidvest Bank in Polokwane, about three hours northeast of Johannesburg, Mr. Sithole said in the report.

Mr. Sithole told investigators that he watched as Mr. Chaibou deposited a “quite thick” wad of $100 bills, perhaps as much as $100,000, though Mr. Sithole could not be certain of the amount. Mr. Chaibou said he wired the money to his wife in Niger, according to the report.

A woman at the bank gave Mr. Chaibou a gift of coins bearing the likeness of Mandela, an apparent reward for “having deposited a huge amount of money on this account,” Mr. Sithole told FIFA investigators.

Hours later, Mr. Chaibou arrived at Peter Mokaba Stadium for the match. Another referee from Niger was scheduled to officiate.

Instead, Mr. Chaibou took the field.

Questionable Calls

That night, only seats in the lower bowl were full, but the crowd of about 25,000 was noisily expectant.

As the match began, FIFA’s Early Warning System, which monitors gambling on sanctioned matches, began to detect odd movements in betting. Gamblers kept increasing their expectations of how many goals would be scored, a possible sign of insider betting.

Before the match, the betting line had been 2.68 goals, an ordinary number, said Matthew Benham, a former financial trader who runs a legal gambling syndicate in England. By kickoff, the expected goals rose drastically, to 3.48, and then to more than 4 during the match, Mr. Benham said.

The questionable calls began early. In the 12th minute, South Africa scored on a penalty kick after a Guatemalan defender was called for a hand ball even though he was clearly outside the penalty area. At halftime, the two assistant referees from Tanzania “looked shivering, nervous,” Mr. Sithole said in the report. He was part of the officiating crew.

South Africa vs Guatemala (5-0) Highlights Video by Ecuatoriano122395

In the 50th minute, Guatemala was awarded a suspicious penalty kick for a hand ball, even though a South African defender stopped a shot in front of the goal with his chest, not his arm.

Mr. Goddard watched from the grandstands, where he noticed others seemed just as incredulous about the refereeing. A South African broadcaster kept looking in his direction in disbelief. A fellow South African soccer official repeatedly turned to Mr. Goddard with open arms, as if to say, “What about that?”

In the 56th minute, another debatable penalty kick was awarded to South Africa, which resulted in the team’s fourth goal in a 5-0 rout.

The FIFA report stated plainly that “we can conclude that this match was indeed manipulated for betting fraud purposes.”

‘We’re Going to Eliminate You’

South Africa had one more warm-up match, against Denmark on June 5, before it opened the World Cup. While expectations for the team soared, some officials in the South African soccer federation had grown concerned about the refereeing.

The night before the match with Denmark, several South African officials delivered a stern lecture to the appointed referees, who were from Tanzania and had been selected by Football 4U. Nothing inappropriate would be tolerated, they were told.

Ace Kika, one of three South African federation officials present, was vehement. He later complained to investigators that men connected to Football 4U had consistently tried to enter the referees’ dressing room at halftime of the exhibition matches.

The morning of the Denmark match, the scheduled chief referee withdrew, citing a stomach bug, although the report described him as “clearly alarmed.” A substitute referee was needed — fast.

Given the officiating in the Guatemala match, Mr. Goddard already had another referee on standby. “I was prepared for anything to happen that afternoon,” he said in an interview.

He persuaded Matthew Dyer, a respected South African referee, to officiate, even though it was unusual for a referee to work a match involving his home country.

But when Mr. Goddard arrived at the stadium, he found a familiar figure already there — Mr. Chaibou.

As the teams prepared to take the field, Mr. Dyer was hidden away in an unused room to perform his warm-up exercises. Mr. Chaibou received a massage and completed his own warm-ups, but that was as far as he got.

As Mr. Chaibou waited in a tunnel to lead the teams onto the field, Mr. Goddard said, he put his hand on Mr. Chaibou’s shoulder and told him: “I am kicking you out of the match. You are joining me in the grandstand.”

Another South African soccer official said he locked Mr. Chaibou in the referees’ dressing room while Mr. Dyer took the field instead.

Steve Goddard, the acting head of refereeing for the South African Football Association in 2010, said he had refused a bribe from Football 4U International, a front for a match-fixing syndicate, over the appointment of referees. CreditJoao Silva/The New York Times

 

South Africa won, 1-0. In Mr. Perumal’s memoir, he wrote that the fixers had wanted three goals in the match, and that $1 million “went up in smoke.” He also wrote that Mr. Goddard was “a big troublemaker.”

After the match, as Mr. Goddard drove away from the stadium, his cellphone rang. It was Mr. Perumal, who had once been convicted of assault for breaking the leg of a soccer player in an aborted match-fixing attempt.

“This time, you really have gone too far and, you know, we’re going to eliminate you,” he said, according to Mr. Goddard. Mr. Perumal later bragged about the episode, the report said. But in his memoir he said that he had threatened only to sue Mr. Goddard for breach of contract, not kill him.

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Goddard testified that Mr. Perumal threatened his life.

The South African officials made no written report of the threat and did not alert FIFA or the police at the time.

But Mr. Goddard said he took the threat so seriously that “to save my life,” his colleague, Mr. Kika, suggested that they allow the Singapore syndicate to pick the referee for the next day’s exhibition match between Nigeria and North Korea. Under duress, Mr. Goddard said, he agreed.

“That was basically to save my neck,” he said in an interview.

That night, at 8:26, Mr. Kika sent an email granting permission for Football 4U executives to appoint the referee. Mr. Kika declined a request for comment.

The referee in the Nigeria-North Korea match made several questionable calls. FIFA investigators could not confirm whether it was Mr. Chaibou, but they said the referee was definitely not the Portuguese official who had been assigned.

The referee took “a very harsh stance” in giving a red card for a seemingly lesser infraction, and he later took “a very liberal stance” in awarding a suspicious penalty kick, the report said. Nigeria won, 3-1.

If the Singapore syndicate was not shocked by the result, many bettors were. “We were absolutely trashed in that game,” said Mr. Benham, the professional gambler. “It made no sense at all in the betting market.”

As South Africa faced Denmark on June 5, the United States defeated Australia, 3-1, in another exhibition. According to an email from Mr. Perumal to Mr. Kika on May 24, the Singapore syndicate asked to provide referees for the match. In an interview, Mr. Goddard said that Football 4U proposed using three referees from Bosnia and Herzegovina who, according to the FIFA report, would later receive lifetime bans from soccer for their involvement in match fixing.

Mr. Goddard said he had warned American and Australian officials of Football 4U’s intentions. Ultimately, South African referees officiated the match.

United States soccer officials said they did not recall receiving any warnings about fixers or a change in referees. The FIFA report gives no indication that the game was manipulated.

“We’ve never heard anything about this before and have no reason to doubt the integrity of the match,” said Sunil Gulati, the president of the United States Soccer Federation.

Even if it could not place referees in the United States match, Perumal wrote in his memoir that the Singapore syndicate walked away from the South African exhibitions “with a good four to five million dollars.”

Shrugging at the Evidence

Mr. Perumal remained in South Africa until June 30, 2010, deep into the World Cup, according to the FIFA report. Mr. Perumal wrote that he offered a referee $400,000 to manipulate a World Cup match, but that the referee declined because he thought Mr. Perumal had a “loose tongue.”

After the World Cup, a freelance journalist, Mark Gleason, reported suspicions among some African soccer officials that exhibition matches had been rigged. FIFA did nothing at the time.

In fact, FIFA did not investigate the suspicious games for nearly two years, until March 2012. By then, Mr. Chaibou had reached FIFA’s mandatory retirement age, 45. FIFA has said it investigates only active referees, so its investigation of Mr. Chaibou stopped. “It took a while to get around to it, longer than we would have liked,” Mr. Steans, the author of the report, said in an interview.

At the time, FIFA’s investigative staff amounted to five people responsible for examining dozens of international match-fixing cases, he said. The group has no subpoena power or law enforcement authority.

Investigators spent only three days in South Africa and never interviewed the referees or the teams involved, the report said. An unsuccessful attempt was made to interview Mr. Chaibou at the time, according to Mr. Steans.

FIFA officials in Zurich received the report in October 2012 and passed it to the soccer officials in South Africa; it had little meaningful effect there. A few South African officials were suspended but later reinstated. And no one was charged with a crime even though FIFA had found “compelling evidence” of fixed exhibitions and apparent collusion by some South African soccer officials.

“We never got to speak to the referees, which was sad,” said Mr. Steans, who operates his own sports security firm. “It would have tied up a lot of loose ends. I’m sure they would have given us some relevant information.”

Mr. Sedibe, then the chief executive of the South African soccer federation, shrugged off the report as a politically motivated witch hunt. “Why is it taking so long to get to the bottom of this?” he said. “Why not refer this matter to the police to investigate and bring closure to it?”

Three months after the suspicious South African matches, Mr. Perumal was linked to another daring scheme. In September 2010, he organized a match in Bahrain in which the opponent was a fake squad claiming to be the national team of Togo, in West Africa. The referee for that match? Mr. Chaibou.

The presence of Football 4U and Mr. Chaibou made soccer organizers uneasy. In 2011, a South African official, Adeel Carelse, said that after being misled by some in his national federation, he learned that Mr. Chaibou was about to referee an under-23 age-group match in Johannesburg. Mr. Carelse said he raced across the city with a car full of South African referees to replace Mr. Chaibou’s crew at the last minute.

Ibrahim Chaibou, second from left in Nigeria in 2011, the referee at the center of the South African case, was seen depositing a “quite thick” wad of $100 bills before a suspect exhibition match, according to FIFA.CreditSunday Alamba/Associated Press

 

Mr. Chaibou retired to Niger in 2011.

Mr. Perumal was arrested in Finland in 2011 and found guilty of corruption. He was given a two-year sentence, although he was released early. He was arrested again in Finland in late April for his continued role in match fixing.

Since the South African episode, Mr. Steans has left FIFA. He said the investigative staff in Zurich had a docket of about 90 match-fixing cases worldwide. along with other security duties. To seriously combat match fixing, Mr. Steans said, FIFA needs at least 10 investigators working full time on monitoring the manipulation of games, and two offices in each of its six international soccer confederations.

“You need the local intelligence and local knowledge on the ground,” Mr. Steans said. “You need to be talking to sources face to face to get live information that helps you counter match fixing before the fix happens.”

A FIFA spokeswoman said Friday that the Zurich staff now included six investigators and that FIFA worked with a broad network of law enforcement officials including Interpol. Delia Fischer, the spokeswoman, said that for the World Cup, 12 security officers would be assigned to each stadium, with the monitoring of potential match fixing among their duties.

In addition, Ms. Fischer said, a security staff of 18 will be on hand from FIFA headquarters in Zurich. Mr. Mutschke, FIFA’s security chief, said on the organization’s website that a primary concern about fixing is the third and final game of the group phase of the World Cup, when a particular team has been eliminated or has already qualified for the second round.

“Prevention is not something where you can see easy success stories the next day,” Mr. Mutschke said in the FIFA.com interview. “So we are investing in long-term solutions, and we certainly need the help of our member associations as well to be successful in the end.”

In late 2012, an elite anticorruption police unit, called the Hawks, said it was investigating potential corruption linked to the match-fixing scandal inside South Africa’s soccer federation, including a possible bribe of about $800,000. But in March, President Jacob Zuma of South Africa said he would not form a commission to examine charges of match fixing, leaving the matter to FIFA.

“I’m disappointed for South African football,” Mr. Steans said. “I’m disappointed for football in general because when these things happen to the game, they need to be investigated and the truth found. And two years, well, four years since this happened was way too long.”

Brazil’s World Cup Is An Expensive, Exploitative Nightmare (The Daily Beast)

Andre Penner/AP

 05.30.14

Brazilians angry at their government and FIFA could turn this giant soccer tournament into a tipping point. Are these corrupt, elitist spectacles worth it?

The world’s “beautiful game” is about to stage its biggest tournament in the country that is its spiritual home. The realities on the ground in Brazil, however, are far different from how its ringmasters had envisioned. Stadiums haven’t been completed; roads and airports not built. Ten thousand visiting journalists may find themselves unable to make deadlines due to poor Internet and mobile service.

More ominously, there is a rising tide of discontent that threatens to turn the streets into war zones. History may well record the World Cup in Brazil as the tipping point where the costs meant the party just wasn’t worth it anymore.Nao Vai Ter Copa has become a national rallying cry. There Will Be No World Cup. People want bread, not circuses. It’s OK to love the game, but hate the event. The governing body of the game, FIFA, is not amused.

* *

Events like World Cup and the Olympics have become obscenely expensive, with few trickle-down rewards to the citizens who bear the brunt of the costs for the benefit of the few. The people of South America’s largest country were promised the dawn of a new age of prosperity that these mega-events heralded. In a country where corruption is insidious, all-encompassing, and a virus that suffocates all semblance of progress, it is bricks, steel, and mortar that the people see, not new hospitals, schools, or public transport. Even then, Itaquerao stadium, as an example, won’t be ready in time for the opening kickoff in São Paulo on June 12. “Is this what we get for $11 billion?” the people are asking. It is a fair question.

A new type of democracy has sprung up as a result; a unity of thought and expression that is uniquely Brazilian. Citizen collectives with names like Direitos Urbanos (Urban Rights) and the Landless Workers Movement (MTST) were formed to create avenues of options for people who have had to make way forordem e progressothe national motto of Brazil inscribed on the flag. Order and Progress.

U.S. journalist Dave Zirin, in his recent book Brazils Dance With the Devil: The World Cup, the Olympics and Brazils Fight for Democracy, says the three Ds—displacement, debt, and defense—are at the heart of the other Ds—such as discontent and disgust.

“The calls for protest aim to highlight the pain as well as show the world who is behind the curtain, pulling the strings,” he said. “There is a highly sophisticated plan that just as the government’s World Cup plans for Brazil are designed for international consumption, there is also an unprecedented global spotlight. The great journalist Eduardo Galeano once wrote, ‘There are visible and invisible dictators. The power structure of world football is monarchical. It’s the most secret kingdom in the world. Protesters aim to drag FIFA from the shadows and into the light. If they are successful, it will leave a legacy that will last longer than the spectacle itself.’”

During a congressional hearing by Brazil’s tourism and sports commission this year, former FIFA World Player of the Year and 1994 World Cup winner Romario, now a popular politician and member of the Brazilian Chamber of Deputies, was quoted as saying, “We can’t expect anything from FIFA, where we have a blackmailer called [General Secretary Jerome] Valcke and a corrupt thief and son-of-a-bitch called [President Sepp] Blatter.”

* *

Yan Boechat writes for the top news magazine in Brazil, Revista Istoe. Among his previous assignments were stints in war zones like Afghanistan and the Congo. He will be covering the action on the streets during the World Cup.

“A lot of money was spent on construction of things we don’t really need,” Boechat said. “There’s a big stadium in Manaus, a place without a football culture and not even a team in the first or second division. The government removed hundreds of thousands of poor people from their houses to make space for stadiums, roads to lead to them, and other construction projects. Most of these people were sent to places far away from the city centers.”

Photojournalist Ana Lira is from the northeastern city of Recife and a founding member of Urban Rights. She has meticulously documented the bulldozing and burning of poor neighborhoods and the infamous favelas, the shantytowns that dot the hills of Rio and streets of São Paulo.

“So far 27 people have died in the protests, with more than 300 wounded since last year,” she said. “In this number, there are two professional photographers and a journalist who was blinded after being hit in the eye deliberately by the police. They used rubber bullets. Some other professionals were hit or arrested in areas near the protests just because the police wanted someone to pay for the protests.”

“If Brazil does well on the field, then perhaps people will be happy and not protest as much. But if Brazil fails, they will be much larger. There will be violence.”

“We are now seeing a new wave of protesters coming to the streets,” Boechat added. “Teachers, street cleaners, police officers, unions, a movement for affordable housing—all those people are going to be on the streets during the World Cup. They see this as the right moment to fight for their interests. Those groups do not traditionally mix with the anarchists and anti-capitalists.”

This week that number included about 3,000 indigenous peoples in tribal dress, gathering in front of the new stadium in the nation’s capital, Brasilia.

“For whom does our government work?” one of the indigenous leaders, Lindomar Terena, asked the crowd. “Instead of the government standing for the federal constitution and finally ending the demarcation of indigenous lands, it is investing billions in an event that lasts for a month, prioritizing big businesses over ancestral peoples’ rights.”

* *

A new anti-terror law has been rushed through the Brazilian congress to deal with the protesters. It has been nicknamed Bill A1-5, a takeoff on the 1968 AI-5 Act, which gave extraordinary powers to the military junta and suspended key civil and constitutional guarantees for more than 20 years. The implementation of such a law opened old wounds. Brazilian President Dilma Rousseff was a member of a Marxist revolutionary group after the 1964 military coup d’état in Brazil. She was captured, imprisoned for two years, and reportedly tortured. It is a very important narrative for Brazilians. Her complicity in allowing the World Cup to proceed at the expense of the Brazilian poor is seen as a sellout of the poor to the rich.

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At the vanguard of the protests has been the galvanizing effect of social media. Websites like Portal Popular da Copa e das Olympiadas, and by citizen-journalist movements like Midia Ninja,  a Portuguese acronym for “independent narratives, journalism and action,” created to spark disparate movements across the country.

“We’ll be on the streets, covering all political and cultural movements, the passion for football and this new moment of political unrest,” says Rafael Vilela, a founder of the Midia Ninja collective. Their hub is an aggregate of photographs and eyewitness reports taken by hundreds of collectives. The portal will have a system of simultaneous translation in three languages including English.

Midia Ninja and Fora do Eixo (Outside the Axis), a music and cultural collective, have created a community called Cinelandia in downtown Rio, where people can come in, play music, debate, write their blogs, and edit cellphone videos and post them online. There are edit suites mounted on shopping carts, and portable generators to power them. The protests can be seen live on the Internet via Twittercast.

“We’ve managed to do a lot with very few resources except our creativity and collaboration,” says Felipe Altenfelder, a founder of the FDE collective. “Never before has our generation been more prepared in terms of social technology and social knowledge. What we are doing is totally new in Latin America. The various collectives across Brazil have a structure of sharing food, money, even clothes, so even the poorest people can work within our groups and not just survive—but participate in actions against social injustices 24 hours a day, seven days a week.”

Director Spike Lee has been in Brazil working on a documentary, Go Brazil Go, in which Felipe, Rafael and other members of Midia Ninja figure prominently.

* *

There are 170,000 or more security troops assigned to the World Cup—not to protect the thousands of tourists who will be coming to Brazil to watch the matches, but to quell dissent. Among them are a group of 40 FBI agents, part of an “anti-terror” unit. In January, French riot police were brought in to train their Brazilian counterparts. There are several Israeli drones, the ones used to chase down suspects in the West Bank, as well as 50 robotic bomb-disposal units most recently used by U.S. forces in Afghanistan. There are also facial-recognition goggles that police can use to spot 400 faces a second and match them against a database of 13 million. But there won’t be that many tourists, so exactly whom, people want to know, are the police checking? At a cost of nearly $1 billion, the international composition of the security measures is not only a contentious issue among Brazilians, but a cruel irony given FIFA’s mandate of bringing the world together through football.

* *

“If Brazil does well on the field, then perhaps people will be happy and not protest as much,” said Boechat. “But if Brazil loses, there will be big problems and civil unrest. I think the way we play the World Cup will define a lot of things that will happen outside the stadia. We’re going to have protests; that’s for sure. But if Brazil fails, they will be much larger. There will be violence.”

As the Roman emperors knew during the staging of the gladiator games at the Coliseum, so FIFA knows now: The mob must be appeased. Remember when South Korea beat Italy in the 2002 World Cup and the Ecuadorian referee later admitted taking money from South Korean officials? Or the most dubious of all: Argentina’s win over Peru by six goals in the 1978 World Cup, the exact margin required to proceed in the tournament. The chiefs of the military junta had gathered in Buenos Aires to watch and a Peruvian goalkeeper of Argentinian extraction duly had a nightmare evening. Corrupt to the core.

FIFA wants a show, not protests. They know Brazil has to win to keep people quiet. President Rousseff knows that with an election coming up later in the year, her chances of winning would be a lot better with a sixth Brazilian World Cup win.

In the end, there is always the financial aspect of the biggest show on earth. Goldman Sachs strategist Peter Oppenheimer said the company’s analysts have found that, according to past history, the winning country’s equity markets outperform global stocks by 3.5 percent on average in the first month after winning, “although the outperformance fades significantly after three months.”

Brazil will beat Argentina 3-1 in the final after they see off Germany and Spain in their respective semifinals, Goldman analysts including Jan Hatzius and Sven Jari Stehn said in a report. The host nation has a 48.5 percent probability of winning the FIFA tournament, followed by Argentina at 14.1 percent and Germany at 11.4 percent.

These are bankers, not bookies.

A report like this can lead the mind to extreme cynicism about how and why games are determined.

* *

Unlike in the U.S., where soccer is a game of the middle classes, the roots offootball are firmly entrenched in the working-class neighborhoods and slums of places like Buenos Aires, Lagos, Rio, and, at its birth, in the towns and cities of Industrial Revolution-era Britain. The qualities of energy, zest, improvisation and enterprise needed to survive in such environments created a cauldron of bubbling passion for the game. It’s only soccer, but it is also about liberation. Former Manchester United star Eric Cantona was in Rio filming his seventh documentary, which will be screened at the first-ever Amnesty Football Film Festival in the U.K. In an interview with Amnesty in Paris, the always-outspoken Frenchman lamented the possibility of Brazilian football losing its greatest legacy of all.

“I have been in Maracanã [in Rio, site of the final] before, and I loved Maracanã. But now it is just a stadium like the Emirates Stadium [in London] or Stade de France. And they say, ‘It’s a revolution for us, we have to educate the people to sit.’ But they don’t want to sit, they just want to stand up and sing and dance.” Those who want to sing and dance can’t afford to go anymore, he says. But it is a shame because it’s these kinds of fans who created football and it’s these kind of fans who have a child who will play football,” said Cantona. “Because most of the people, most of the players come from poor areas. To be a footballer, you need to train every day when you are a kid, you need to go in the street and play in the street every day.”

So as the clock winds down to the opening kickoff on June 12 when Brazil will play Croatia, there is a profound melancholy that permeates the emotions of soccer fans. We love the game. We love the World Cup. We love the way it was.

I love its drama,” wrote the great Manchester United manager Sir Matt Busby, “its smooth playing skills, its carelessly laid rhythms, and the added flavor of contrasting styles. Its great occasions are, for me at any rate, unequalled in the world of sport. I feel a sense of romance, wonder, and mystery, a sense of beauty and a sense of poetry. On such occasions, the game has the timeless, magical qualities of legend.”

Some of my greatest life memories come from the World Cup, but there also comes a time when the massive show, fueled by corporate might, is overshadowed by the engine of social and political change. Brazil was under a military dictatorship between 1964 and 1985. Democracy is relatively new. What is beginning to emerge is Brazil at an adolescent stage as part of a national rite of passage. The World Cup may yet precipitate the maturing of a nation. In spite of FIFA’s best efforts to act as a shadow government.

A Copa já era, por Jorge Luiz Souto Maior (romario.org)

22.04.2014

1. A perda do sentido humano

O debate entre os que defendem a causa “não vai ter copa” e os que afirmam “vai ter copa” está superado. Afinal, haja o que houver, o evento não vai acontecer, ao menos no sentido originariamente imaginado, como instrumento apto a gerar lucros e dividendos políticos “limpinhos”, como se costuma dizer, pois não é mais possível apagar os efeitos deletérios que a Copa já produziu para a classe trabalhadora brasileira. É certo, por exemplo, que para José Afonso de Oliveira Rodrigues, Raimundo Nonato Lima Costa, Fábio Luiz Pereira, Ronaldo Oliveira dos Santos, Marcleudo de Melo Ferreira, José Antônio do Nascimento, Antônio José Pitta Martins e Fabio Hamilton da Cruz, mortos nas obras dos estádios, já não vai ter Copa!

Aliás, a Copa já não tem o menor valor para mais de 8.350 famílias que foram removidas de suas casas no Rio de Janeiro, em procedimento que, como adverte o jornalista Juca Kfouri, no documentário, A Caminho da Copa, de Carolina Caffé e Florence Rodrigues, “lembram práticas nazistas de casas que são marcadas num dia para serem demolidas no dia seguinte, gente passando com tratores por cima das casas”. Essas práticas, segundo relatos dos moradores, expressos no mesmo documentário, incluíram invasões nas residências, para medir, pichar e tirar fotos, estabelecendo uma lógica de pressão a fim de que moradores assinassem laudos que atestavam que a casa estava em área de risco, sob o argumento de que na ausência de assinatura nada receberiam de indenização, o que foi completado com o uso da Polícia para reprimir, com extrema violência, os atos de resistência legítima organizados pelos moradores, colimando com demolições que se realizaram, inclusive, com pessoas ainda dentro das casas. As imagens do documentário mencionado são de fazer chorar e de causar indignação, revolta e repúdio, como o são também as imagens da violência utilizada para a desocupação de imóvel da VIVO na zona norte do Rio de Janeiro, ocorrida no dia 11 de abril de 2014, onde se encontravam 5.000 pessoas. Lembre-se que as remoções para a Copa ocorreram também em Cuiabá, Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Manaus, São Paulo e Fortaleza, atingindo, segundo os Comitês Populares da Copa, cerca de 170 mil famílias em todo o Brasil.

A Copa já não tem sentido para o Brasil, como nação, visto que embora sejam gastos cerca de R$ 30 bilhões para o montante total das obras, sendo 85% vindos dos cofres públicos, a forma como se organizou – ou não se organizou – a Copa acabou abalando a própria imagem do Brasil. Ou seja, mesmo se pensarmos o evento do ponto de vista econômico e ainda que, imediatamente, se possa chegar a algum resultado financeiro positivo, considerando o que se gastou e o dinheiro que venha a ser atraído para o mercado nacional, é fácil projetar um balanço negativo em razão da quebra de confiabilidade.

Se o Brasil queria se mostrar, como de fato não é, para mais de 2 bilhões de telespectadores, pode estar certo de que a estratégia já não deu certo.

A propósito, a própria FIFA, a quem se concederam benefícios inéditos na história das Copas, tem difundido pelo mundo uma imagem extremamente negativa do Brasil, que até sequer corresponde à nossa realidade, pois faz parecer que o Brasil é uma terra de gente preguiçosa e descomprometida, quando se sabe que o Brasil, de fato, é um país composto por uma classe trabalhadora extremamente sofrida e dedicada e onde se produz uma inteligência extremamente relevante em todos os campos do conhecimento, mas que, enfim, serve para demonstrar que maquiar os nossos problemas sociais e econômicos não terá sido uma boa estratégia.

2. Ausência de beneficio econômico

Mesmo que entre perdas e ganhos o saldo econômico seja positivo, há de se indagar qual o preço pago pela população brasileira, vez que restará a esta conviver por muitos anos com o verdadeiro legado da Copa: alguns estádios fantasmas e obras inacabadas, nos próprios estádios e em aeroportos e avenidas, além da indignação de saber que os grandes estádios e as obras em aeroportos custaram milhões aos cofres públicos, mas que, de fato, pouca serventia terão para a maior parte da classe operária, que raramente viaja de avião e que tem sido afastada das partidas de futebol, em razão do processo notório de elitização incrementado neste esporte.

Oportuno frisar que o dinheiro público utilizado origina-se da riqueza produzida pela classe trabalhadora, vez que toda riqueza provém do trabalho e ainda que se diga que não houve uma transferência do dinheiro público para o implemento de uma atividade privada, vez que tudo está na base de empréstimos, não se pode deixar de reconhecer que foram empréstimos com prazos e juros bastante generosos, baseados na previsibilidade de ganhos paralelos com o evento, ganhos que, no entanto, já se demonstram bastante questionáveis.

No caso do estádio Mané Garrincha, em Brasília, por exemplo, com custo final estimado em R$1,9 bilhões, levando-se em consideração o resultado operacional com jogos e eventos obtidos em um ano após a conclusão da obra, qual seja, R$1.137 milhões, serão precisos 1.167 anos para recuperar o que se gastou, o que é um absurdo do tamanho do estádio, ainda que o Ministro do Esporte, Aldo Rebelo, e o secretário executivo da pasta, Luis Fernandes, tenham considerado o resultado, respectivamente, “um êxito” e “um exemplo contra o derrotismo”.

O problema aumenta, gerando indignação, quando se lembra que não se tem visto historicamente no Brasil – desde sempre – a mesma disposição de investir dinheiro público em valores ligados aos direitos sociais, tais como educação pública, saúde pública, moradias, creches e transporte.

O que se sabe com certeza é que a FIFA, que não precisa se preocupar com nenhum efeito social e econômico correlato da Copa, obterá um enorme lucro com o evento. “Uma projeção feita pela BDO, empresa de auditoria e consultoria especializada em análises econômicas, financeiras e mercadológicas, aponta que a Copa do Mundo de 2014 no Brasil vai render para a Fifa a maior arrecadação de sua história: nada menos do que US$ 5 bilhões entrarão nos cofres da entidade (cerca de R$ 10 bilhões).”

3. O prejuízo para o governo

O governo brasileiro, que tenta administrar todos os prejuízos do evento, vê-se obrigado, pelo compromisso assumido por ocasião da candidatura, a conferir para a FIFA garantias, que ferem a Constituição Federal e que, por consequência, estabelecem um autêntico Estado de exceção, para que o lucro almejado pela FIFA não corra risco de diminuição, entregando-lhe, além dos estádios, que a FIFA utilizará gratuitamente:

a) a criação de um “local oficial de competição”, que abrange o perímetro de 2 km em volta do estádio, no qual será reservada à FIFA e seus parceiros, a comercialização exclusiva, com proibição do livre comércio, inclusive de estabelecimentos já existentes no tal, caso seu comércio se relacione de alguma forma ao evento;

b) a institucionalização do trabalho voluntário, para serviços ligados a atividade econômica (estima-se que cerca de 33 mil pessoas terão seu trabalho explorado gratuitamente, sem as condições determinadas por lei, durante o período da Copa no Brasil);

c) o permissivo, conferido pela Recomendação n. 3/2013, do CNJ, da exploração do trabalho infantil, em atividades ligadas aos jogos, incluindo a de gandula, o que foi proibido, ainda que com bastante atraso, em torneios organizados pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol), desde 2004, seguindo a previsão constitucional e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA);

d) a liberdade de atuar no mercado, sem qualquer intervenção do Estado, podendo a FIFA fixar o preço dos ingressos como bem lhe aprouver (art. 25, Lei Geral da Copa);

e) a eliminação do direito à meia-entrada, pois a Lei Geral da Copa permitiu à FIFA escalonar preços em 4 categorias, que serão diferenciadas, por certo, em razão do local no estádio, sendo fixada a obrigatoriedade de que se tenha na categoria 4, a mais barata (não necessariamente com preço 50% menor que a mais cara), apenas 300 mil ingressos, sem quórum mínimo para cada jogo, e apenas dentre estes é que se garantiu a meia entrada para estudantes, pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos; e participantes de programa federal de transferência de renda, que, assim, foram colocados em concorrência pelos referidos ingressos;

f) o afastamento da aplicação do Código de Defesa do Consumidor, deixando-se os critérios para cancelamento, devolução e reembolso de ingressos, assim como para alocação, realocação, marcação, remarcação e cancelamento de assentos nos locais dos Eventos à definição exclusiva da FIFA, a qual poderá inclusive dispor sobre a possibilidade: de modificar datas, horários ou locais dos eventos, desde que seja concedido o direito ao reembolso do valor do ingresso ou o direito de comparecer ao evento remarcado; da venda de ingresso de forma avulsa, da venda em conjunto com pacotes turísticos ou de hospitalidade; e de estabelecimento de cláusula penal no caso de desistência da aquisição do ingresso após a confirmação de que o pedido de ingresso foi aceito ou após o pagamento do valor do ingresso, independentemente da forma ou do local da submissão do pedido ou da aquisição do Ingresso (art. 27).

4. O prejuízo para a cidadania

Para garantir mesmo que o lucro da FIFA não seja abalado, o Estado já anunciou que o evento terá o maior efetivo de policiais da história das Copas, com gasto estimado de 2 bilhões de reais, mobilizando, inclusive, as Forças Armadas, tudo isso não precisamente para proteger o cidadão contra atos de violência urbana, mas para impedir que o cidadão, vítima da violência da Copa, possa se insurgir, democraticamente, contra a sua realização.

A respeito das manifestações, vale frisar, é completamente impróprio o argumento de que como nada se falou antes, agora é tarde para os cidadãos se insurgirem. Primeiro, porque quando o compromisso foi firmado ninguém foi consultado quanto ao seu conteúdo. E, segundo, porque nenhum silêncio do povo pode ser utilizado como fundamento para justificar o abalo das instituições do Estado de Direito, vez que assim toda tirania, baseada na força e no medo, estaria legitimada. O argumento, portanto, é insustentável e muito grave, sobretudo no ano em que a sociedade brasileira se vê diante do desafio de saber toda a verdade sobre o golpe de 1964 e os 21 anos da ditatura civil-militar.

Deve-se acrescentar, com bastante relevo, que o evento festivo, composto por alguns jogos de futebol, está sendo organizado de modo a abranger toda a sociedade brasileira, impondo-lhe os mais variados sacrifícios, pois impõe uma intensa alteração da própria rotina social, atingindo a pessoas que nenhuma relação possuem com o evento ou mesmo que tenham aversão a ele.

O próprio calendário escolar foi alterado, para que não houvesse mais aulas durante a Copa, buscando, de fato, melhorar artificialmente o trânsito e facilitar o acesso aos locais dos jogos. A educação, que é preceito fundamental, que se arranje, pois, afinal, é ano da Copa! Algumas cidades, para melhor atingir esse objetivo da facilitar a circulação, mascarando os problemas do transporte, pensam, seriamente, em decretar feriados nos dias de jogo da seleção brasileira, interferindo, também, na lógica produtiva nacional.

Nos serviços públicos já se anunciaram alterações nos horários de funcionamento, de modo a não permitir coincidência com os dias de jogos do Brasil, sendo que em alguns Tribunais do Trabalho (Mato Grosso – em Cuiabá e nas cidades do interior; Rio Grande do Sul e São Paulo, com diferenças de intensidade e de datas); o funcionamento foi suspenso, gerando adiamento das audiências… Ou seja, o trabalhador, que esperou meses para ser atendido pela Justiça, verá sua audiência adiada para daqui a alguns novos meses, pois, afinal, era dia de jogo da Copa!

Somados todos esses fatores, é fácil entender que a Copa já perdeu todo o sentido para a nação brasileira. Não por outra razão, aliás, é que a aprovação para a realização da Copa no Brasil, em novembro de 2008, que era de 79% caiu, em abril de 2014, para 48%, e os que eram contrários subiram, no mesmo período, de 10% para 41%, sendo que mais da metade dos brasileiros considera que os prejuízos serão maiores que os ganhos.

5. O prejuízo para a razão

Numa leitura otimista, o diretor-geral do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo Fifa 2014, que se chama, por coincidência reveladora, Ricardo Trade (comércio, em inglês), prefere dar destaque ao fato de que 48% são a favor e apenas 41% são contra, avaliando, então, que o copo está meio cheio. Só não consegue ver que o copo está esvaziando e que, de fato, nos trens e ônibus, que transportam os trabalhadores, só se fala da Copa para expressar indignação com relação às condições do transporte, da saúde, das escolas, e da falta de creches.

Sintomático, aliás, o fato de que as periferias das grandes cidades não estão pintadas para a “festa” do futebol, como estavam nas Copas anteriores e isso porque, com a Copa sendo realizada aqui, é possível ver as disparidades e perceber com maior facilidade como a retórica do legado não atinge, concretamente, a vida da classe trabalhadora.

Os tais empregos gerados são precários e inseridos, sobretudo nas obras de estádios, aeroportos e vias públicas, na lógica perversa da terceirização, sendo que muitos trabalhadores ainda serão explorados sem qualquer remuneração no mal denominado trabalho “voluntário”, referido com orgulho pelo “Senhor Comércio”.
Fato é que não será mais possível assistir a um jogo da Copa, no estádio, pela TV ou nos circos armados do “Fan Fest” e se emocionar com uma jogada ou um gol, sem lembrar do preço pago: assalto à soberania; Estado de exceção; gastos públicos; abalo da confiabilidade em razão da desorganização; violências dos despejos, dos acidentes de trabalho e da repressão policial.

Sobre o Fan Fest, ademais, é oportuno esclarecer que se trata de um “evento oficial” da Copa da FIFA, que deve ser organizado e custeado pelas cidades sedes de jogos, para que os excluídos dos estádios possam assistir aos jogos por um telão, com o acompanhamento de shows. Esse evento, organizado e pago pelo Estado (que se fará em São Paulo mediante pareceria com o setor privado, conforme Comunicado de Chamamento Público n. 01/2014/SMSP, que estabeleceu o prazo de uma semana para o oferecimento de ofertas), realizado em espaço público, atende aos interesses privados da FIFA e suas parceiras. No caso da cidade de São Paulo, por exemplo, o Decreto n. 55.010, de 9 de abril de 2014, assinado pela vice-prefeita em exercício, Nádia Campeão (em nova coincidência reveladora), que regulou o evento, transforma a área pública do Fan Fest em uma área privada, reservada, como dito no Decreto, aos fãs da Copa. Nos termos expressos no Decreto: “FAN FEST: área do Vale do Anhangabaú indicada pela cidade-sede e reconhecida pela FIFA como área de lazer exclusiva aos fãs da Copa do Mundo FIFA 2014” (inciso VIII, do art. 2º.) – grifou-se

O mesmo Decreto fixa esse local, o do Fan Fest, como área de “restrição comercial”, que são “áreas definidas pelo Poder Público Municipal com perímetros restritos no entorno de locais oficiais específicos de competição, nas quais, respeitadas as normas legais existentes, fica assegurada a exclusividade prevista no artigo 11 da Lei Federal nº 12.663, de 2012, à FIFA ou a quem ela autorizar” (inciso XIII, do art. 2º.), valendo reparar que o Decreto, artificialmente, amplia, em muito, a extensão geográfica do Vale do Anhangabaú: “FAN FEST: a partir do Largo da Memória, Rua Formosa, Viaduto do Chá, Praça Ramos de Azevedo, Rua Conselheiro Crispiniano, Rua Capitão Salomão, Praça Pedro Lessa, Largo São Bento, Rua Florêncio de Abreu, Rua Boa Vista, Rua Líbero Badaró, Praça do Patriarca, alça de retorno da Av. 23 de Maio do sentido Bairro/Centro para o sentido Centro/Bairro, Av. 23 de Maio, entre o Largo da Memória e o Viaduto do Chá, conforme Anexo II deste decreto” (inciso II, do art. 3º.), atingindo até mesmo o espaço aéreo: “Os espaços aéreos correspondentes aos perímetros descritos nos incisos I e II do “caput” deste artigo também se constituem em áreas de restrição comercial” (parágrafo único do art. 3º.).

É importante saber que ao se impedir a comercialização na área reservada a Prefeitura de São Paulo acabou interrompendo um processo de negociação, iniciado em maio de 2012, com os ambulantes que atuavam na cidade e, em especial, na região central, onde se situa o Vale do Anhangabaú, e cuja licença havia sido cassada no contexto de uma política de endurecimento muito forte quanto à fiscalização de sua atuação, que fora intensificada, exatamente, a partir de 2011, quando houve a assinatura do termo de compromisso, anunciando São Paulo como uma das cidades sedes da Copa. Em 2012, acabaram sendo canceladas todas as 5.137 licenças dos ambulantes e até hoje, mesmo após instaurado, desde 2012, um grupo de trabalho tripartite – trabalhadores, sociedade civil e prefeitura (Fórum dos Ambulantes), para a discussão do problema, nada se resolveu e, em concreto, ao editar o Chamamento Público acima citado, a Prefeitura acabou dificultando sobremaneira a pretensão dos ambulantes de terem alguma atuação comercial durante a Copa. É a Copa, na verdade, fechando postos de trabalho!

6. De novo o dinheiro

Há de se considerar que todos esses efeitos já foram produzidos e continuarão repercutindo na vida real para além da Copa, ainda que o saldo econômico desta venha a ser positivo.

E se o tema é dinheiro, há de se indagar: dinheiro para quem, cara pálida? É evidente que o benefício econômico não ficará para a classe trabalhadora e sim para quem explora o trabalho ou se vale da lógica de reprodução do capital. Para o trabalhador, o dinheiro que se direciona é o fruto do trabalho realizado, que, de fato, na lógica do modelo de sociedade capitalista, não representa, jamais, o equivalente necessário para restituir à classe trabalhadora como um todo o valor do trabalho empregado no serviço ou na obra. A lógica econômica da Copa não é outra coisa senão a intensificação do processo de acumulação de riqueza por meio da exploração do trabalho alheio, sendo que se considerarmos a utilização do denominado “trabalho voluntário”, que se realizará sem qualquer custo remuneratório, a acumulação que se autoriza é ainda maior.

O tal efeito benefício econômico, a que tanto se alude, portanto, não será, obviamente, revertido à classe trabalhadora. Esta, inclusive, será enormemente prejudicada, na medida em que o dinheiro público utilizado para financiar a atividade lucrativa de índole privada foi extraído da tributação realizada sobre a riqueza produzida pelo trabalho e que, assim, deveria ser, prioritariamente, revertida ao conjunto da classe trabalhadora para a satisfação das necessidades essenciais garantidas por preceitos constitucionais: escolas, hospitais, previdência e assistência social, creches e transporte, por exemplo. É completamente ilógico dizer, como disse o diretor-geral do Comitê Organizador Local da Copa do Mundo Fifa 2014, no texto mencionado, que se está usando o dinheiro público para incentivar uma produção privada com o objetivo de, ao final, tributar essa produção e devolver o dinheiro aos cofres públicos.

O argumento seria apenas ilógico não fosse, também, digamos assim, carregado de alguns equívocos, o que o torna, portanto, muito mais grave. Ora, como adverte Maurício Alvarez da Silva, pelos termos da Lei Geral da Copa, Lei n. 12.350/10, “foi concedida à Fifa e sua subsidiária no Brasil, em relação aos fatos geradores decorrentes das atividades próprias e diretamente vinculadas à organização ou realização dos Eventos, isenção de praticamente todos os tributos federais”.

Além disso, em 17 de maio de 2013, o governo federal publicou no “Diário Oficial da União decreto que concede isenção de tributos federais nas importações destinadas à Copa das Confederações neste ano e à Copa do Mundo de 2014. Entre os produtos incluídos na isenção estão alimentos, suprimentos médicos, combustível, materiais de escritório, troféus. O benefício abrange Imposto sobre Produtos Industrializados incidente na importação, Imposto de Importação, PIS/Pasep-Importação, Cofins-Importação, Taxa de utilização do Siscomex, Taxa de utilização do Mercante, Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante e Cide-combustíveis”.
Em concreto, continuarão sendo tributados apenas as empresas nacionais, que não estejam integradas ao rol das apaziguadas da FIFA, sofrendo, ainda, com a isenção concedida às importadoras, os trabalhadores e os consumidores, sendo que o valor circulado nesta seara é ínfimo se considerarmos aquele, sem tributação, destinado à FIFA e suas parceiras e às importadoras.

7. De novo os ataques aos trabalhadores

Quando os trabalhadores, saindo da invisibilidade, se apresentam no cenário político e econômico e se expressam no sentido de que planejam uma organização coletiva para tentarem diminuir o prejuízo, buscando, por meio de reivindicações grevistas, atrair para si uma parte maior do capital posto em circulação em função da Copa, logo algum economista de plantão vem a público com a ameaça de que tais ganhos podem resultar em demissões futuras.

Mas, essa possibilidade aventada pelos trabalhadores de se fazerem ouvir na Copa, que pode, em concreto, minimizar o prejuízo dos trabalhadores, no processo de acumulação, e do país, na evasão de riquezas, acabou provocando uma reação institucional imediata, afinal o compromisso assumido pelo Estado brasileiro foi o de permitir que a FIFA obtivesse o seu maior lucro da história. Então, a Justiça do Trabalho se adiantou e divulgou que vai estabelecer um sistema de plantão para julgar, com a máxima celeridade (de um dia para o outro), as greves que ocorram durante a Copa, com o pressuposto já anunciado de que “as greves têm custo para os trabalhadores, empregadores e população”, sendo certo que a Copa não pode ser usada para “expor o país a uma humilhação internacional, como no Carnaval, quando houve greve de garis”.

Pouco importa o quanto a Justiça do Trabalho, historicamente, demora para dar respostas aos direitos dos trabalhadores, no que se refere às diversas formas de violências de que são vítimas em razão das práticas de algumas empresas no que tange à falta de registro, ao não pagamento de verbas rescisórias, ao não pagamento de horas extras, ao não pagamento de indenizações por acidentes do trabalho etc. Mesmo que já tendo melhorado sobremaneira na defesa dos interesses dos trabalhadores, transmite ainda a ideia central de que o que importa é ser célere quando isso interessa ao modelo econômico, que se vale da exploração do trabalho para reproduzir o capital.

A iniciativa repressiva da Justiça, ademais, foi aplaudia, rapidamente, por editorial do jornal Folha de S. Paulo, o qual, inclusive, em declaração, no mínimo, infeliz, chamou os trabalhadores de oportunistas:
É uma iniciativa elogiável para evitar o excesso de oportunismo sindical, que não hesita em prejudicar o público e ameaçar o principal evento do ano no país.

Ou seja, todo mundo pode ganhar, menos os trabalhadores. Parodiando a máxima penal, é como se lhes fosse dito: “tudo que vocês ganharem pode ser utilizado contra vocês mesmos…”

Como foram as condições de trabalho nas obras? Quantos trabalhadores não receberam ainda os seus direitos por serviços que prestaram para a realização da Copa? Segundo preconizado pelo viés dessa preocupação, nada disso vem ao caso… Na visão dos que só veem imperativo obrigacional de realizar a Copa, como questão de honra, custe o que custar, o que importa é que o “público” receba o proveito dos serviços dos trabalhadores e se estes não ganham salário digno ou se trabalham em condições indignas não há como trazer à tona, para não impedir a realização do evento e para não abalar a imagem no Brasil lá fora.

Mas, concretamente, que situação pode constranger mais a figura do Brasil no exterior? O Brasil que faz greves? Ou o Brasil em que os trabalhadores são submetidos a condições subumanas de trabalho e que não permite que esses mesmos trabalhadores, em geral invisíveis aos olhos das instituições brasileiras, se insurjam contra essa situação, tendo que aproveitar o momento de um grande evento para, enfim, ganhar visibilidade, inclusive, internacional?
Na verdade, a humilhação internacional, a qual não se quer submeter o Brasil, é a de que o mundo saiba como o capitalismo aqui se desenvolve, ainda marcado pelos resquícios culturais de quase 400 anos de escravidão e sem sequer os limites concretos da eficácia dos Direitos Humanos e dos direitos sociais, promovendo, em concreto, uma das sociedades mais injustas da terra.

8. O perverso legado das condições de trabalho na Copa

Do ponto de vista da realidade, é preciso consignar que a pressa na execução das obras ainda tem aumentado a espoliação da classe trabalhadora com elevação das jornadas de trabalho, cuja retribuição, ainda que paga, nunca é suficiente para atingir o nível da equivalência, ainda mais quando são implementadas fórmulas jurídicas fugidias do efetivo pagamento (banco de horas, compensações etc.). O trabalho em jornadas extraordinárias, ademais, gera um desgaste físico e mental do trabalhador que não é computado e não se compensa por pagamento.
Além dos acidentes do trabalho citados inicialmente, portanto, é importante adicionar ao legado da Copa para a classe trabalhadora as más condições de trabalho, caracterizadas pela elevação das jornadas de trabalho, pelo aumento do ritmo do trabalho e da pressão pela celeridade.

O relato de alguns fatos, extraídos do noticiário jornalístico, auxilia na visualização desse contexto de supressão de direitos dos trabalhadores no período de preparação para a Copa.

Em setembro de 2013, 111 migrantes, vindos do Maranhão, Sergipe, Bahia e Pernambuco foram encontrados em condições análogas à de escravos na obra de ampliação do aeroporto de Guarulhos/SP, o mais movimentado da América Latina, sob a responsabilidade da empresa OAS, que além de ser uma das maiores construtoras do Brasil, é também a terceira empresa que mais faz doações a candidatos de cargos políticos, segundo levantamento do jornal Folha de S. Paulo, sendo uma das quatro empresas que formam o consórcio Invepar que, junto com a Airports Company South Africa, detêm 51% da sociedade com a Infraero para a administração do Aeroporto Internacional de Guarulhos através da GRU Airport e que para as obras de ampliação do aeroporto, onde foi flagrado trabalho escravo, obteve do BNDES um empréstimo-ponte de R$1,2 bilhões.

E a OAS, evidentemente, declarou que “vem apurando e tomando todas as providências necessárias para atender às solicitações” do Ministério do Trabalho e Emprego, negando que as vítimas fossem suas empregadas ou que tivesse tido qualquer “participação no incidente relatado”.

Até abril de 2012, conforme reportagem de Vinícius Segalla, oito dos doze estádios da Copa já haviam enfrentado greves, atingindo 92 dias de paralisação, sendo o recorde do Maracanã, no Rio de Janeiro, com 24 dias. As reivindicações foram variadas, indo desde questões ligadas à remuneração até o desrespeito de direitos como pagamento de horas extras e fornecimento de planos de saúde. Segundo a reportagem, “Em uma das quatro paralisações já ocorridas em Pernambuco, no início de novembro do ano passado, o motivo foi a forma como a Odebrecht lidou com as reivindicações dos trabalhadores. É que a empreiteira demitiu dois funcionários da arena que eram membros da Cipa (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes) porque eles teriam incitado os trabalhadores a fazer greve. A demissão dos operários, junto com denúncias de assédio moral supostamente praticados pelo responsável pela segurança do canteiro, levou os funcionários a decretar greve.”

Também nos termos da reportagem, “a empresa explicou ao UOL Esporte que ‘Os dois empregados membros da Cipa foram demitidos por justa causa, por cometimento de flagrante ato de indisciplina, quando, no último dia 31 de outubro, instigaram os colegas a paralisarem a obra da Arena da Copa, sem nenhuma razão plausível’.” Embora, depois, por meio de nota tenha dito que as dispensas se deram sem justa causa.

A situação, revela a mesma reportagem, foi também bastante séria na greve do Maracanã, em setembro de 2011, cuja motivação, segundo Nilson Duarte, presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada (Sitraicp), teria sido o fato de que “foram servidos aos cerca de 2.000 trabalhadores da obra macarrão e feijão estragados, salada com bichos e leite fora da validade”, o que fora negado pelo Consórcio Maracanã (Odebrecht, Delta e Andrade Gutierrez), por meio de nota. O local já havia sido alvo de uma greve, um mês antes, agosto de 2011, por causa de uma explosão no canteiro que feriu um trabalhador.

Relata-se, ainda, que em Manaus (AM), na Arena Amazônia, houve paralisação de um dia, em 22 de março de 2012, porque conta do valor da cesta básica que estava sendo paga aos operários, R$ 37, enquanto que “de acordo com pesquisa do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos ), o valor da cesta básica, composta por 12 produtos, fechou o mês de março a um custo R$ 251,38 na capital amazonense”, tendo a greve se encerrado com o aumento da cesta para R$ 60, acompanhado da promessa da empresa de que iria “voltar a pagar hora extra aos sábados, o que parara de fazer três meses antes”.

Na arena de Pernambuco, no início de 2012, foi promovida a dispensa coletiva de 560 empregados, conforme destacado em reportagem de Paulo Henrique Tavares, que vale a pena reproduzir:

A sexta-feira marcou a volta aos trabalhos dos operários responsáveis pela construção da Arena Pernambuco, na cidade de São Lourenço da Mata. E como “boas-vindas”, 560 trabalhadores acabaram recebendo o comunicado de demissão. A expectativa da comissão organizadora da recente greve, que paralisou as obras do estádio por oito dias, é de que outros mil funcionários peçam a carta de dispensa até o fim da tarde.

Por considerar “abusiva e ilegal”, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT-PE) exigiu, na quinta-feira, a volta aos trabalhos dos grevistas, com penalidade de R$ 5 mil, por dia, ao sindicato da categoria, o Sintepav, em caso de descumprimento. Apesar da obrigatoriedade, a ideia dos remanescentes nas obras da Arena Pernambuco é praticar – como os próprios denominam – uma “operação tartaruga”.

“Eu vim preparado para ser demitido. Como não fui, a maneira que encontrei para ajudar meus companheiros é trabalhar de maneira lenta. Cada prego desta Arena irá demorar pelo menos um dia, para ser colocado”, disse um trabalhador, que preferiu não ser identificado. “Eu não tenho prazo para terminar a obra. Quem tem prazo é o governo.”

Antes das demissões, as obras para a Arena da Copa contavam com 2.437 trabalhadores. Já contando com as saídas desta sexta-feira, cerca de 250 novos operários se apresentaram para o trabalho, em São Lourenço da Mata. “Pelo número de polícias que estão aqui na obra hoje, acredito que eles e o governador Eduardo Campo devem colocar a mão na massa para levantar o estádio até a Copa do Mundo”, falou, em tom irônico, um dos novos desempregados.
Entre as reivindicações, os trabalhadores exigiam aumento de benefícios, como cesta básica de R$ 80 para R$ 120, maior participação nos lucros e resultados (PLR), Plano de Saúde para os profissionais e ajudantes, além de abono dos dias parados e estabilidade de um ano para a comissão dos trabalhadores.

A questão pertinente às condições de trabalho chegou a tal extrema que, na Arena do Grêmio (que não está integrada aos jogos da Copa, mas se alimenta da mesma lógica), em outubro de 2011, os próprios trabalhadores pediram sua demissão, como “forma de protesto pelas condições de trabalho impostas pela empreiteira. A maioria dos trabalhadores é do Maranhão e retornará ainda hoje para seu estado natal.”

No estádio do Itaquerão, os operários disseram, em janeiro de 2014, à reportagem do UOL que estavam recebem salário “por fora” (que impede a tributação e não se integra aos demais direitos dos trabalhadores), “para trabalhar mais do que o previsto pelo acordo e evitar que a inauguração do palco de abertura da Copa do Mundo atrase ainda mais”. Segundo consta da reportagem, “Um soldador que trabalha na obra contou à reportagem que espera receber um salário quatro vezes maior do que o normal neste mês devido às horas extras irregulares que está fazendo”.

Segundo a reportagem, o acordo em questão, firmado com o aval do Ministério do Trabalho e Emprego, em 19 de dezembro de 2013, foi o de que estaria autorizado o trabalho em até duas horas extras diariamente, sendo que, anteriormente, dizem os trabalhadores, havia jornadas de até 16 horas. E, presentemente, as horas além das duas extras permitidas, que já é, por si, grave afronta à Constituição, eram trabalhadas sem marcação em cartão de ponto. “Eles [os chefes] falam para a gente: ‘Não pode atrasar’. Ainda tem muita coisa pra fazer e às vezes é melhor mesmo você trabalhar umas horinhas a mais num dia para terminar uma tarefa e já começa num ponto mais a frente no dia seguinte”, disse à reportagem um ajudante de pedreiro, de 23 anos, que, assim como os outros trabalhadores que conversaram com o UOL Esporte, pediu para não ser identificado.

Nos termos da reportagem, “Além do medo de perder o salário adicional, os funcionários da construtora disseram que foram orientados a não dar entrevistas. ‘Teve uma palestra no fim do ano para falar pra gente tomar cuidado com a imprensa, pra não ficar falando qualquer coisa porque isso só atrapalha a gente’, declara o ajudante de pedreiro.”

Como revela notícia publicada no jornal Folha de S. Paulo, edição de 23/03/14 (p. D-4), foram flagrados pelos jornalistas trabalhadores executando suas tarefas sem as mínimas condições de segurança e de uma subsistência digna em obra do centro de treinamento da seleção da Alemanha no sul da Bahia (Santa Cruz Cabrália).

9. O atentado histórico à classe trabalhadora

A maior parte dos problemas vivenciados pelos trabalhadores nas obras da Copa está ligada à sua submissão ao processo de terceirização e de precarização das condições de trabalho, que acabaram sendo acatados, sem resistência institucional contundente, durante o período de preparação para a Copa, interrompendo o curso histórico que era, até então, de intensa luta pela melhoria das condições de trabalho no setor da construção civil, que é o recordista, vale destacar, em acidentes do trabalho. Essa luta, implementada pelo Ministério Público do Trabalho, tendo como ponto essencial o combate à terceirização, entendida como fator principal da precariedade que gera acidentes, já havia sido, inclusive, encampada pelo Governo Federal, em 2012, ao se integrar, em 27 de abril, ao Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho.

O fato é que o evento Copa, diante da necessidade de se acelerarem as obras, acabou por jogar por terra quase toda, senão toda, a racionalidade que já havia sido produzida a respeito do assunto pertinente ao combate à terceirização no setor da construção civil, chegando-se mesmo ao cúmulo do próprio Superintendente Regional do Trabalho e emprego de São Paulo, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, Luiz Antônio Medeiros, um ex-sindicalista, declarar, sobre as condições de trabalho no Itaquerão, que: “Se esse estádio não fosse da Copa, os auditores teriam feito um auto de infração por trabalho precário e paralisado a obra. Estamos fazendo de conta que não vemos algumas irregularidades” (entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, em 03/04/14).

O período da preparação para a Copa, portanto, pode ser apontado como um atentado histórico à classe trabalhadora, que jamais será compensado pelo aludido “aumento de empregos”, até porque, como dito, tais empregos, no geral, se deram por formas precárias. Nas obras o que se viu e se vê – embora não seja visto pelo Ministério do Trabalho e Emprego – são processos de terceirização e quarteirização, sem uma oposição institucional, que, por conseqüência, produz o legado de grave retrocesso sobre o tema, que tende a se estender, perigosamente, para o período posterior à Copa.

Não se pode esquecer que quase todos os acidentes fatais acima mencionados, não por coincidência, atingiram trabalhadores terceirizados, e o Estado de exceção, acoplado ao silêncio institucional sobre as formas de exploração do trabalho (exceção feita a algumas iniciativas individualizadas de membros do Ministério Público do Trabalho) e acatado para garantir a Copa, acabaram servindo como uma luva a certas frações do setor econômico, que serão as únicas, repita-se, que verdadeiramente, se beneficiarão do evento, para desferir novo ataque aos trabalhadores, representado pela tentativa de fuga de responsabilidade da empresa responsável pela obra, transferindo-a à empresa contratada (terceirizada), que possui, como se sabe, quase sempre, irrisório suporte financeiro para arcar com os riscos econômicos envolvidos.

Sobre a morte de José Afonso de Oliveira Rodrigues, a construtora Andrade Gutierrez, responsável pela construção da arena em Manaus, defendeu-se, publicamente, dizendo que Martins trabalhava para a Martifer, empresa contratada para fazer as estruturas metálicas da fachada e da cobertura.

Quando da morte de Marcleudo de Melo Ferreira, também na obra da arena de Manaus, a Andrade Gutierrez repetiu a estratégia, expressando-se em nota:

É com pesar que a Construtora Andrade Gutierrez informa que por volta das 4h da manhã de hoje, 14/12/2013, o operário Marcleudo de Melo Ferreira, 22 anos, natural de Limoeiro do Norte – CE, funcionário de empresa subcontratada que presta serviços na montagem da cobertura da Arena da Amazônia, sofreu uma queda de uma altura de cerca de 35 metros, sendo socorrido e levado ao Pronto Socorro 28 de Agosto ainda com vida, onde não resistiu aos ferimentos e veio a falecer nesta manhã.

Reiteramos o compromisso assumido com a segurança de todos os funcionários e que uma investigação interna está sendo feita para apurar as causas do acidente. As medidas legais estão sendo tomadas em conjunto com os órgãos competentes.

Lamentamos profundamente o acidente ocorrido e estamos prestando total assistência à família do operário. Em respeito à memória do mesmo, os trabalhos deste sábado foram interrompidos. – grifou-se
Igual postura foi adotada pela Odebrecht Infraestrutura, responsável pela obra do Itaquerão, no que tange às mortes de Fábio Luiz Pereira e Ronaldo Oliveira dos Santos. Eis a nota publicada:

A Odebrecht Infraestrutura e o Sport Club Corinthians Paulista lamentam informar que no início da tarde de hoje um acidente na obra da Arena Corinthians provocou o falecimento de dois trabalhadores – Fábio Luiz Pereira, 42, motorista/operador de Munck da empresa BHM, e Ronaldo Oliveira dos Santos, 44 anos, montador da empresa Conecta. Pouco antes das 13 horas, o guindaste, que içava o último módulo da estrutura da cobertura metálica do estádio, tombou provocando a queda da peça sobre parte da área de circulação do prédio leste – atingindo parcialmente a fachada em LED. A estrutura da arquibancada não foi comprometida. Era a 38ª vez que esse tipo de procedimento realizava-se na obra e uma peça de igual proporção foi instalada há pouco mais de uma semana no setor Sul do estádio. Equipes do corpo de bombeiros estão no local. No momento, todos os esforços estão concentrados para oferecer assistência total às famílias das vítimas.

E para demonstrar que a terceirização, com a utilização da estratégia de se eximir de responsabilidade, não é privilegio da iniciativa privada, quando houve a morte de José Antônio do Nascimento na obra do Centro de Convenções do Amazonas, desenvolvida pelo Centro de Gestão Metropolitana do Município de Manaus ao lado da Arena da Amazônia, a entidade em questão expediu a seguinte nota:

O funcionário da Conserge, empresa que presta serviço para a Unidade de Gestão Metropolitana, José Antônio da Silva Nascimento, de 49 anos, morreu de infarto por volta das 9h da manhã deste sábado (14 de dezembro), quando trabalhava nos serviços de limpeza e terraplanagem para o asfaltamento do Centro de Convenções da Amazônia, localizado na Avenida Pedro Teixeira.

José Antônio se sentiu mal quando subiu em uma caçamba. Uma ambulância do Samu foi acionada imediatamente para realizar o atendimento, mas o trabalhador não resistiu. A Conserge está dando toda a assistência necessária à família da vítima.

Segundo a família de José Antônio, este trabalhava sob pressão devido ao atraso na obra. “Ele trabalhava de domingo a domingo”, afirmou sua cunhada, Priscila Soares.

Por ocasião da morte de Antônio José Pitta Martins, técnico especializado em operações de guindastes de grande porte, que veio de Portugal para trabalhar na obra da Arena da Amazônia, tendo sido atingido na cabeça por uma peça de ferro que se soltou de um guindaste, novamente a fala se repete. Em nota oficial, a empresa responsável técnica pela obra, Andrade Gutierrez, destaca que o trabalhador não era seu empregado, ao mesmo tempo em que deixa claro que “o acidente não interferiu no seguimento das obras”

Eis o teor da nota:

NOTA DE ESCLARECIMENTO

A Construtora Andrade Gutierrez informa que, por volta das 8h da manhã de hoje, 07/02/2014, um técnico de guindaste de grande porte, funcionário da empresa Martifer, sofreu um acidente nas dependências do sambódromo enquanto desmontava a máquina utilizada nas obras da Arena da Amazônia. O guindaste, que auxiliava os trabalhos da Arena, já estava com as operações encerradas desde 11/01/2014 e desmobilizado em uma área externa. O operador foi socorrido pela equipe de Segurança do Trabalho e levado pelo SAMU até o hospital 28 de Agosto, onde teve seu quadro de saúde estabilizado e foi transferido para o hospital João Lúcio. O acidente não interferiu no seguimento das obras da Arena da Amazônia. – grifou-se
A empresa Martifer Construções Metalomecânica S/A, por sua vez, emitiu nota de pesar, noticiando que iria “apurar as causas do acidente”.

A última morte foi a de Fabio Hamilton da Cruz, que se deu em acidente ocorrido no Itaquerão, após uma queda de oito metros de altura. Fabio, conforme foi várias vezes frisado pelos envolvidos, com difusão na imprensa, era empregado da WDS, uma subcontratada da Fast Engenharia, que fora contratada pela AmBev, que aceitou bancar os 38 milhões de reais para colocação de arquibancadas provisórias, exigidas pela FIFA para que o estádio tivesse a capacidade de público necessária para receber a abertura da Copa do Mundo.

10. A culpabilização das vítimas

A respeito do acidente de Fábio Hamilton da Cruz, o Delegado designado para verificação do ocorrido, após ouvir alguns relatos, um dia depois do ocorrido, sem a realização de qualquer laudo técnico, já concluiu que teria havido um “excesso de confiança” da vítima.

Essa foi, ademais, outra forma de agressão aos direitos dos trabalhadores que a pressa para a realização da Copa acabou reforçando, a da culpabilização da vítima nos acidentes do trabalho.

Ora, como o próprio nome diz, o acidente do trabalho é um sinistro que se dá em função da realização de trabalho em benefício alheio, ao qual, independente da postura da vítima, fica obrigado a reparar o dano, já que o risco da atividade econômica lhe pertence (art. 2º. da CLT) e, consequentemente, é de sua responsabilidade o cuidado com o meio ambiente de trabalho.

É extremamente agressivo à inteligência humana, servindo, inclusive para fazer prolongar no tempo o sofrimento da vítima ou de seus familiares, o argumento, daquele que explora com proveito econômico o trabalho alheio, de que “vai apurar” o ocorrido, deixando transparecer no ar uma acusação, que nem sempre é velada, de que a culpa pelo acidente foi do trabalhador.

Veja-se, por exemplo, o que se passou no caso do Raimundo Nonato Lima Costa, que morreu após uma queda de 35 metros na Arena da Amazônia. Em nota de pesar pela sua morte, a responsável técnica pela obra não teve o menor receio, inclusive, de fazer uma acusação generalizada aos trabalhadores, apontando-os como responsáveis por sua própria segurança. Diz a nota.

NOTA DE PESAR

A Andrade Gutierrez lamenta a morte do operário Raimundo Nonato Lima Costa, ocorrida na noite desta quinta-feira, durante o turno noturno da obra da Arena da Amazônia. A empresa providenciou apoio imediato à família do funcionário e aguarda o resultado dos trabalhos da perícia técnica que foi iniciada pela Polícia Civil com o objetivo de apurar as causas do ocorrido.

A Andrade Gutierrez reitera o compromisso assumido com a segurança de todos os seus funcionários e informa que intensificará o trabalho de conscientização dos operários com foco na prevenção de acidentes.

Por ocasião da morte de Marcleudo de Melo Ferreira, na mesma Arena, já mencionada acima, o secretário da Copa em Manaus, Miguel Capobiango, foi além na agressão aos trabalhadores e desferiu o ataque de que as duas quedas fatais até então havidas na Arena tinham sido fruto do “relaxo” dos operários na utilização dos equipamentos de segurança. “Usar o equipamento de segurança às vezes é chato e nem todos gostam de estar usando. O operário às vezes abre mão por preguiça, então ele relaxa, e é isso que agora nós não podemos deixar”. “Infelizmente, os dois acidentes aconteceram por uma questão básica de não cuidado do trabalhador no uso correto do equipamento.”
E, sobre a morte de Fabio Hamilton da Cruz no estádio no Itaquerão, disse Andrés Sanches: “Na vida, cometemos erros e excessos. Já dirigi carro a 150 km/h. Eu não bebo. Vocês já devem ter dirigido “mamados”. Infelizmente, cometemos erros que acabam em fatalidade. Realmente, é padrão na construção civil.”

11. O retrocesso social e humano da Copa

Bem se vê que o legado maléfico para os trabalhadores brasileiros com a Copa não está apenas nas más condições de trabalho e nos conseqüentes oito acidentes fatais (não se contando aqui os vários outros acidentes do trabalho que não resultaram em óbito), o que, por si, já constitui um grande prejuízo, ainda mais se lembrarmos que as obras para a Copa da África em 2010 deixaram 02 mortes por acidente do trabalho, está também na tentativa explícita de culpar as vítimas, buscando atingir a uma impunidade que reforça a lógica de uma exploração do trabalho alheio pautada pela desconsideração da dignidade humana.

A Copa já trouxe grandes prejuízos à classe trabalhadora e é preciso impedir que se consagrem e se prolonguem, mansa e silenciosamente, para o período pós-Copa. Não tendo sido possível obstar que o Estado de exceção se instaurasse na Copa é essencial, ao menos, não permitir que ele continue produzindo efeitos.

O passo fundamental é o de recuperar a consciência, pois a porta aberta às concessões morais e éticas para atender aos interesses econômicos na realização da Copa tem deixado passar a própria dignidade, o que resta demonstrado nas manifestações que tentam justificar o injustificável apenas para não permitir qualquer abalo na “organização” do evento. Foi assim, por exemplo, que o maior atleta do século XX e melhor jogador de futebol de todos os tempos, o eterno Pelé, chegou a sugerir, mesmo que não tenha tido uma intenção malévola, que mortes em obras são fatos que acontecem, “são coisas da vida” e que se preocupava mesmo era com o atraso nas obras dos aeroportos; que o competente e carismático técnico da seleção brasileira, Luiz Felipe Scolari, ainda que sem querer ofender, afirmou que a solução para o problema do racismo no futebol é ignorar os “babacas” que cometem tais ofensas, pois puni-los não resolve nada; e que o Ministro de Minas e Energia, Edson Lobão, cogitou pedir para que os cidadãos brasileiros economizassem energia a fim de que não faltasse luz na Copa.

A postura subserviente, para satisfazer os interesses da FIFA, chegou ao ponto extremo de algumas cidades, como Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Cuiabá, Natal e Fortaleza, terem atendido pedido feito, com a maior cara de pau do mundo, pelo secretário-geral da Fifa, Jérôme Valcke, para que as cidades sedes de jogos da Copa concedessem transporte gratuito – algo que o Movimento Passe Livre está lutando, e sofrendo, para conseguir há anos –, sendo que a concessão, diversamente do que tem buscado o MPL, não se destina às pessoas necessitadas, mas aos torcedores dos jogos da Copa, que possuem condições financeiras para pagar os altos preços dos ingressos, que chegaram a ser vendidos, no paralelo, por até R$91 mil…

É de suma importância deixar claro, para a nossa compreensão e para a nossa imagem no mundo, que temos a percepção de todos esses problemas, que não o aprovamos e que estamos dispostos a enfrentá-los e superá-los.
O autêntico efeito positivo da Copa – realizada, ou não – será a constatação de que a classe trabalhadora se encontra em um estágio de consciência que lhe permite compreender que a Copa reforça e intensifica a lógica da exploração do trabalho como fonte reprodutora do capital, favorecendo ao processo de acumulação da riqueza, ao mesmo tempo em que permite a institucionalização de uma evasão oficial de divisas. A partir dessa compreensão, a classe trabalhadora não se deixará levar pela retórica de que o dinheiro dos turistas vai estimular o crescimento e gerar empregos, até porque ao se inserir na mesma lógica capitalista o dinheiro não é revertido à classe trabalhadora, à qual apenas é remunerada, sem o necessário equivalente, pelo trabalho prestado, direcionando-se, pois, a maior parcela do dinheiro em circulação em função da Copa às multinacionais aqui instaladas, especialmente no setor hoteleiro e nas companhias aéreas.

Cada trabalhador, pensando em sua atividade e em seu cotidiano de ganho e de trabalho durante a Copa, ou antes, que responda: teve ou terá algum ganho na Copa que não provenha do trabalho? Este trabalho é prestado em que condições? O eventual acréscimo de ganho está ligado ao aumento da quantidade de trabalho prestado? Que o digam, sobretudo, os jornalistas!!!

Claro que uma ou outra experiência comercial exitosa, desvinculada da dos protegidos da FIFA, pode ocorrer, mas isso por exceção. E, cumpre repetir: mesmo que no geral a Copa produza resultados econômicos satisfatórios, não se terão, com isso, justificadas as supressões da ordem jurídica constitucional, já havidas no período de preparação para o evento, e as violências sofridas por diversas pessoas, e, em especial, a classe trabalhadora, no que tange aos seus direitos sociais e humanos.

Este é o ponto fundamental: o de não permitir que a Copa e a violência institucional posta a seu serviço furtem a nossa consciência, que está sendo duramente construída, vale lembrar, após 21 anos de ditadura, seguida de 15 anos de propaganda neoliberal. A produção dessa consciência é extremamente relevante para que o drama das diversas pessoas, vitimadas pela Copa, não se arraste por muito mais tempo, sofrimento que, ademais, só aumenta quando, buscando não abalar eventual euforia da Copa, se tenta desconsiderar a sua dor, ou quando, partindo de uma perversão da realidade, argumenta-se que as pessoas que são contra a Copa (mesmo se apoiadas nos motivos acima mencionados) fazem parte de uma conspiração para “contaminar” a Copa, apontadas como adeptas da “violência”, sendo que para a ação dessas pessoas (que, de fato, carregam um dado de consciência), o que se reserva é o contra-argumento da “segurança pesada”.

O desafio está lançado. O que vai acontecer nos jogos da Copa, se a “seleção canarinho” vai se sagrar hexa campeã, ou não, não é decisivo para a história brasileira. Já o tipo de racionalidade e de reação que produzirmos diante dos fatos sociais e jurídicos extremamente graves relacionados ao evento vai, certamente, determinar qual o tipo de sociedade teremos na sequência. Boa ou ruim, a Copa acaba e a vida concreta continua e será boa ou ruim na medida da nossa capacidade de compreendê-la e de interagir com ela, pois como já disse Drummond:

Foi-se a Copa? Não faz mal.
Adeus chutes e sistemas.
A gente pode, afinal,
cuidar de nossos problemas.

Faltou inflação de pontos?
Perdura a inflação de fato.
Deixaremos de ser tontos
se chutarmos no alvo exato.

O povo, noutro torneio,
havendo tenacidade,
ganhará, rijo, e de cheio,
A Copa da Liberdade.

São Paulo, 21 de abril de 2014.

*Jorge Luiz Souto Maior é professor livre docente de direito do trabalho brasileiro na USP, Brasil desde 2001. É juiz titular na 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí desde 1998, palestrante e conferencista.

RIO+20: THE FUTURE WE WANT IS CORRUPTION-FREE (transparency.org)

Posted 11 June 2012

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If you had a say in the world your grandchildren grew up in, what would it be like?

Negotiators at the Rio+20 summit from 20-22 June are deliberating just that. ‘The Future We Want’ are a soon-to-be set of global resolutions, aimed at shaping a world without poverty, where we can all live, eat and work without harming our planet.

But one vital consideration is still missing from the document: corruption.

Be it through embezzlement, bribery, fraud or vested interests, corruption could derail sustainable development – the goal of Rio+20.

Climate finance – one of the biggest envelopes for sustainable development investment – is set to total US $100 billion in public money per year by 2020. Many say this is already insufficient to halt global warming and adapt to its effects. If these funds are lost to corruption we also lose our last line of defence against the extreme floods, droughts and storms that climate change brings.

So why is corruption absent from the Rio+20 debate? Ignoring it will not make it go away. Transparency International will be at the summit in Rio de Janeiro next week to try to persuade delegates to tackle corruption as part of the solution to climate change, and to help work towards a future that’s sustainable and corruption-free.

Climate finance isn’t just about the climate. It could be your grandchild’s ticket out of poverty, and food and energy insecurity – if measures are put in place now to ensure that it’s spent right.

WATCH OUR VIDEO

What does Transparency International want from Rio+20? Watch these short statements from leaders of several of our chapters involved in our Climate Governance Integrity Programme.

Case study

Khadija Begum lost her home in cyclone Aila, which barrelled through southern Bangladesh in 2009. Two years later she was selected for one of 2000 new houses, paid for by the national climate fund at a cost of US $1400 each. The result: a floor, four pillars and a roof. Khadija’s ‘home’ has no walls, no running water and no toilet.

Khadija told Transparency International Bangladesh how the builders sold some of the iron and cement they were given. They weren’t officially accountable to anyone, so their work went unmonitored. And the money they were entrusted with slipped off the radar.

WHAT ABOUT SOLUTIONS?

Limited access to information means that tracking climate finance can be difficult, if not impossible. This means that money might end up in personal bank accounts rather than where it’s really needed. We want financial flows, budgets and transactions to be made visible and easy to understand.

Accountability also poses a big problem. It is often unclear who is responsible for choosing how and where climate money is spent. Protected by anonymity, people are less likely to act responsibly. We need to know who makes decisions and why, and people should be held to account when those decisions are the wrong ones.

A frequent lack of oversight means that abuses such as bribery, market manipulation or land grabbing may pass unnoticed. Independent bodies need to be watching over climate projects to double-check that they’re in everyone’s best interests, and not just the interests of a select few.

RESOURCES

Desperdícios do crescimento desordenado do Brasil (IPS)

Economia
29/5/2012 – 10h01

por Mario Osava, da IPS

21 Desperdícios do crescimento desordenado do Brasil

Canal em construção no Eixo Norte da transposição do Rio São Francisco. Foto: Mario Osava/IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 29/5/2011 – Sabe-se que na China há cidades vazias, recém-construídas para milhões de habitantes que não aparecem. No Brasil, existem inúmeros grandes projetos com atrasos de anos, incompletos ou ameaçados de ficarem inconclusos. Além das numerosas obras de infraestrutura energética e logística exigidas pela expansão econômica do país, a Copa do Mundo de Futebol, que o Brasil sediará em 2014, impõe a construção ou reforma de estádios e melhorias na mobilidade urbana de 12 cidades.

A gigantesca hidrelétrica de Santo Antônio, no amazônico Rio Madeira, começou a funcionar no final de março, mas sem a linha que levará sua eletricidade ao local de maior demanda, o Estado de São Paulo, que estará concluída no final deste ano. A hidrovia do Rio Tocantins, uma saída natural para o Oceano Atlântico para a produção de grãos e minerais do eixo centro-norte do Brasil, obteve no ano passado eclusas para que grandes navios possam transpor a barreira de Tucuruí, a terceira maior hidrelétrica do mundo. O custo subiu para cerca de US$ 830 milhões.

No entanto, o Tocantins “continua inviável” para transporte de grandes cargas, porque não foi feita uma intervenção muito mais barata: retirar as rochas do Pedral de Lourenço, que se estendem por 43 quilômetros do rio, curso acima de Tucuruí, afirmou Renato Pavan, sócio da Macrologística, empresa especializada em estratégias de transporte. Estima-se que as eclusas, neste caso, teriam custado metade do preço final se tivessem sido feitas durante a construção da hidrelétrica, concluída em 1984. Contudo, teriam ficado ociosas durante 28 anos por falta de demanda de navios de grande porte, e continuarão assim por um longo tempo, por outras razões.

Completar a hidrovia exige “um mínimo de cinco anos”, porque, além de erradicar o Pedral, será preciso construir portos e dragar trechos do rio. Estas obras exigem investimentos que não estão nas prioridades governamentais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lamentou o engenheiro Pavan, que há três décadas trabalha em infraestrutura de transportes.

Nos últimos anos, governo e empresas multiplicaram hidrelétricas, portos, estradas e ferrovias, em construção por todo o país. Algumas destas obras registram atrasos superiores a quatro anos, enquanto os empresários se queixam de que o país vive à beira de um colapso chamado de “apagão logístico”. A Ferrovia de Integração Oeste-Leste, que unirá o centro do país à costa atlântica da Bahia, ao longo de 1.500 quilômetros e cruzando terras de grãos e minérios, já tem três anos de atraso, que tendem a se prolongar porque o porto de destino continua indefinido e ameaçado por um veto devido a questões ambientais.

De 155 centrais hidrelétricas e termoelétricas licitadas a partir de 2004 e cujas datas previstas de operação chegavam até o ano passado, 72 registraram atraso médio de um ano, segundo o Instituto Acende Brasil, um observatório do setor. Há usinas que não funcionam porque não contam com fornecimento de gás natural. As geradoras elétricas se tornaram prioritárias após o apagão de 2001, que provocou racionamento, campanhas de economia de consumo e a ressurreição de megaprojetos suspensos desde a década de 1980. É o caso da central de Belo Monte, que será a maior hidrelétrica do mundo e que está sendo construída no Rio Xingu, na Amazônia oriental.

Nas duas “décadas perdidas” de 1980 e 1990, as crises financeiras travaram o crescimento da economia brasileira e, por extensão, paralisaram a demanda energética, deixando de lado os planos de infraestrutura que exigem uma maturação de longo prazo. Agora, tenta-se recuperar essas décadas perdidas enfrentando novas exigências ambientais e conflitos com ambientalistas, indígenas e movimentos sociais, além de outras disputas.

Também há falta de mão de obra qualificada, e inclusive a menos capacitada também escasseia e fica mais cara, diante da oferta de empregos abundantes mesmo em áreas que antes exportavam força de trabalho barata, como o empobrecido Nordeste do país. As greves se repetem e as reclamações incluem mais dias livres para visitas a familiares de operários que chegam de longe, além de melhores salários.

Assim, a capacitação de trabalhadores locais se impôs aos grandes projetos, embora não evite uma intensa rotatividade. Pela construção da hidrelétrica de Santo Antônio “passaram mais de 50 mil operários”, o triplo dos que havia no momento de apogeu da obra, destacou Altair Donizete Oliveira, vice-presidente do Sindicato de Trabalhadores da Construção Civil do Estado de Rondônia.

No Nordeste, que vive uma onda de industrialização, um engenheiro, que pediu para não ser identificado, afirmou que sua empresa conta com 500 empregados, “mas precisa de 2.500” para construir no ritmo desejado o trecho que lhe corresponde na transposição do Rio São Francisco, imenso projeto para levar mais água a essa região semiárida. Planejada para ser inaugurada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011), dificilmente estará pronta ao final do mandato de Dilma Rousseff, em 1º de janeiro de 2015. Vários dos 15 trechos em que a obra foi dividida estão paralisados.

O projeto para desviar as águas do Rio São Francisco, que consiste em dois canais a céu aberto, com largura média de 25 metros, túneis, represas e aquedutos ao longo de 713 quilômetros de um relevo ondulado, realça os problemas da multiplicação de obras gigantescas. Seu custo total quase duplicou, e hoje é estimado em cerca de US$ 4 bilhões. Os atrasos e as interrupções tendem a torná-lo ainda mais caro.

Par agravar o cenário, o escândalo de corrupção envolvendo vários dirigentes políticos com negócios do bicheiro Carlos Augusto Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira, ameaça paralisar dezenas de projetos prioritários, inclusive um dos trechos da transposição. Isto porque a construtora Delta, estreitamente ligada a Cachoeira, participa em cerca de 200 obras, na maioria licitadas pelo governo, que incluem estradas, estádios de futebol, portos e serviços de coleta de lixo urbana. Substituir a empresa nos projetos pode desatar batalhas judiciais e agravar os atrasos. Envolverde/IPS

Corporações x ciência: um jogo sujo (Ciência Hoje/Terra em Transe)

Em sua coluna de maio, Jean Remy Guimarães comenta as estratégias usadas por certos setores da indústria para enfraquecer evidências científicas que contrariam seus interesses e cita o exemplo de um documento divulgado recentemente que questiona o aquecimento global.

Por: Jean Remy Davée Guimarães

Publicado em 18/05/2012 | Atualizado em 18/05/2012

Corporações x ciência: um jogo sujoCena do filme ‘Obrigado por fumar’ (2005), cujo protagonista, principal porta-voz da indústria do tabaco, passa a manipular informações de forma a transmitir uma imagem benéfica do cigarro em programas de TV. (imagem: reprodução)

Estamos testemunhando uma verdadeira guerra midiática em torno da questão das mudanças climáticas e sua relação com atividades humanas como a emissão de gases de efeito estufa. A chamada ciência do clima está sob fogo cerrado das corporações cuja operação implica a emissão desses gases.

A grande mídia comenta relatórios como os do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que reúnem observações, conclusões, previsões e recomendações de alguns milhares de climatologistas de todo o mundo. Mas, diante da ignorância generalizada sobre a ciência e seus métodos, basta a opinião ou eventual evidência científica de dois ou três céticos com cargos pomposos para criar a dúvida, mesmo que estes não entendam bulhufas de clima.

Então não há consenso sobre o tema? Mudemos de canal. Poucos se dispõem a ler relatórios de 3 mil páginas. E não dá para levar o coletivo do IPCC para o show do Larry King na CNN (canal de notícias norte-americano).

Bombardear tribunais e agências reguladoras com informação científica duvidosa é uma estratégia corporativa que sempre funciona

Se hoje CO2, metano e óxido nitroso são as bolas da vez, já vimos o mesmo filme no caso do tabaco, do amianto, do chumbo, da talidomida, do benzeno, do cloreto de vinil, do cromo, do formol, do arsênico, da atrazina, do mercúrio, do Vioxx e muitos et ceteras. E veremos de novo, sempre que algum governo cogitar regular alguma substância suspeita de provocar danos à saúde pública, seja ela ocupacional ou ambiental.Sabotar a ciência tornou-se um elemento rotineiro da política, em particular da norte-americana, com reflexos em praticamente todos os demais países. Bombardear tribunais e agências reguladoras comtsunamis de informação científica duvidosa é uma estratégia corporativa que sempre funciona, pelo menos por algum tempo. Contratar mercenários da ciência sob demanda é outra. A missão deles é inflar artificialmente as incertezas associadas às evidências científicas, evitando ou atrasando assim qualquer medida para a proteção da população.Os primeiros arquitetos dessa estratégia foram executivos da indústria do tabaco. Já em 1969, afirmavam em memorandos internos: “Nosso produto é a dúvida, pois é a melhor forma de competir, na mente do público, com as evidências. É também uma forma de criar controvérsia”.

Como fabricar a dúvida

Todas as ciências são vulneráveis a esse tipo de ataque, uma vez que lidar com a incerteza é sua característica intrínseca. Qualquer estudo é sujeito a crítica, legítima ou não. A receita para enfraquecer até as conclusões científicas mais robustas é simples: destaque seletivamente as incertezas, ataque os principais estudos um por um e, o mais importante, ignore sistematicamente o peso de suas evidências.No caso da ‘controvérsia’ atual sobre o clima, as claras evidências sobre o aquecimento global em curso, tais como o derretimento das calotas polares e das geleiras à vista de todos, são escamoteadas por enxurradas de questionamentos sobre os métodos computacionais de previsão do aquecimento futuro.

Recuo das geleiras

A geleira de Aletsch, nos Alpes suíços, em 1979 (esq.), 1991 (centro) e 2002 (dir.). Apesar das claras evidências de derretimento de geleiras, o aquecimento global é bastante questionado por setores com interesses particulares. (fotos: L. Albrecht/ Pro Natura Zentrum Aletsch/ Wikimedia Commons)

As estratégias corporativas de fabricação da dúvida são dissecadas com precisão de médico-legista por David Michaels ao longo das 359 páginas de seu livro Doubt is their product: how industry’s assault on science threatens your health (A  fabricação da dúvida ou como o ataque da indústria à ciência ameaça sua saúde, em tradução livre), publicado em 2008 pela Oxford University Press. O autor foi membro do departamento de energia norte-americano durante a administração de Bill Clinton e é atualmente professor associado no Departamento de Saúde Ocupacional e Ambiental da Universidade George Washington, nos Estados Unidos. O quadro documentado é tão obscurantista que, em resenha da obra, Chris Mooney, também autor de um livro sobre o tema, chega a se perguntar para que serviu termos passado pelo Iluminismo.

As agências reguladoras são os alvos preferenciais do assédio dos fabricantes da dúvida, que as transformaram no equivalente burocrático de artérias entupidas, segundo Chris Mooney. Mas o sistema judicial também é vítima das mesmas táticas.

É preciso recuperar o saudável hábito de levar em conta as melhores evidências disponíveis para proteger a saúde e o bem-estar públicos.

Decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos em 1993, por exemplo, atribuíram aos juízes locais o poder de decidir o que é boa ciência ou não em casos civis. Mas a ciência em si dificilmente chega ao conhecimento do júri, já que sobram recursos para que ela seja eliminada logo nas etapas iniciais do processo.A diferença em relação à época de Galileu é que hoje se tortura a ciência e não os cientistas. David Michaels propõe várias medidas para mudar esse quadro, entre elas: facilitar o acesso à justiça pelos cidadãos, já que eles pouco podem esperar das agências reguladoras; exigir a divulgação de qualquer conflito de interesse e desconsiderar os estudos assim produzidos; e recuperar o saudável hábito de levar em conta as melhores evidências disponíveis para proteger a saúde e o bem-estar públicos, em vez de esperar pela incerteza zero que jamais virá.

Wall Street e os 16 que eram três

Se você quer um exemplo concreto e recente de manipulação explícita, não perca a aula magna que é o artigo de opinião publicado pelo Wall Street Journal em 26/01/2012. O texto é sugestivamente intitulado ‘No need to panic about global warming’ (em tradução livre, ‘Não há necessidade de pânico em relação ao aquecimento global’), com o subtítulo também sugestivo ‘Não há argumentos científicos convincentes para a descarbonização drástica da economia mundial’.O artigo é um portfólio resumido de como as corporações atacam para se defender em debates sobre temas que consideram prejudiciais a seu negócio. Começa alinhando alguns ‘fatos científicos’. Por exemplo: ‘não teria havido aquecimento nos últimos 10 anos’ (veja prova do contrário). Isso é reconhecer implicitamente que não há dúvidas sobre o aquecimento de 10 anos para trás. Além disso, não se diz de onde viria essa conclusão, e nem por que as geleiras teimam em seguir derretendo.

Logo depois, a pérola: ‘o CO2 não é um poluente’. Ninguém disse que era. É um gás asfixiante. Mas você só vai desmaiar inalando uma atmosfera com 7% a 10 % de CO2 e, por enquanto, a concentração desse gás no ar é de cerca de 400 ppm (0,04%). A questão não é essa.

Outro absurdo: ‘o aumento do CO2 estimularia a produtividade agrícola’. Um bom entendedor concluirá que a redução das emissões vai provocar fome. E mais adiante se acusa a descarbonização da economia de não ser rentável, causar aumento de impostos e burocracia (regulação?) e – pecado supremo – privar os pobres países pobres dos 50 anos de prosperidade que os esperam caso se deixe tudo como está.

Emissões de carbono

Em artigo divulgado recentemente, alguns cientistas negam o aquecimento global e defendem que não é preciso controlar as emissões de carbono mundiais. (foto: Cheryl Empey/ Sxc.hu)

Esse futuro promissor estaria sendo ameaçado pelo totalitarismo alarmista do ‘establishment internacional do aquecimento’, que só quer descolar mais verbas para pesquisas acadêmicas e burocracia (regulação?) e mais doações para organizações não governamentais salvacionistas.

Não faltaram menções a Trofim Lysenko, o geneticista russo aloprado que caiu nas graças do líder da União Soviética Josef Stalin. Subtexto? Os cientistas do clima também são aloprados e seus governos também são ditatoriais. O texto termina (ufa!) com um recado explícito aos candidatos à presidência dos Estados Unidos para que ouçam o apelo dos 16 ‘cientistas de renome’ que assinam o libelo e ignorem qualquer sugestão de controle das emissões de carbono. Os nomes dos 16 e suas afiliações são então listados.

Dos 16 cientistas que assinam o artigo, apenas três têm credenciais mínimas para opinar sobre o assunto

De fato, a lista impressiona qualquer leigo, mas não resiste a um crivo mais superficial. O balaio de gatos junta vários físicos estudiosos de fugidias partículas subatômicas, um professor de marketing, um químico especialista em macromoléculas, astronautas (sic), um cardiologista, um ex-executivo da multinacional de petróleo e gás ExxonMobil, um físico especialista em ótica adaptativa (adorei o termo, muito adequado) que achou natural testemunhar no congresso norte-americano sobre temas agronômicos, um geólogo e vários aposentados e ex-isso ou ex-aquilo. Alguns membros do grupo são ativistas assumidos do ceticismo climático.

Mas o fato realmente importante é que dos 16, apenas três têm credenciais mínimas para opinar sobre o assunto, como possuir PhD, experiência e/ou publicações em revistas com comitê de leitura na área em questão.

Apesar de todos esses argumentos, as corporações manterão seu curso e seus métodos. O link do artigo acima referido já está aqui e ali na Wikipédia, o Wall Street Journal tem mais de 17 leitores e eles não visitam esta coluna.

Tudo bem, cada um sabe as companhias que escolhe. Com duplo sentido, por favor.

Jean Remy Davée Guimarães
Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro

A corrupção acadêmica e a crise financeira (Guardian)

CHARLES FERGUSON

DO “GUARDIAN”

Muitas pessoas que viram meu documentário “Trabalho Interno” (2010) acharam que a parte mais perturbadora é a revelação sobre amplos conflitos de interesses em universidades e institutos de estudos e entre pesquisadores acadêmicos. Espectadores que assistiram às minhas entrevistas com eminentes professores universitários ficaram estarrecidos com o que saiu da boca deles.

Mas não deveríamos ter ficado surpresos. Nas duas últimas décadas, médicos já comprovaram de modo substancial a influência que o dinheiro pode exercer num campo supostamente objetivo e científico. De modo geral, as escolas de medicina e os periódicos médicos vêm reagindo bem, aderindo às exigências de transparência.

Os cursos de pós-graduação em economia, as faculdades de administração, as de direito e as de ciência política vêm reagindo de modo muito diferente. Nos últimos 30 anos, parcelas importantes do mundo acadêmico americano foram deterioradas, convertendo-se em atividades do tipo “pay to play” (pague para participar).Hoje em dia, se você vir um célebre professor de economia depondo no Congresso ou escrevendo um artigo, são boas as chances de ele ou ela ter sido pago por alguém com grande interesse no que está em debate. Na maior parte das vezes esses professores não revelam esses conflitos de interesse. Além disso, na maior parte do tempo suas universidades se fazem de desentendidas.

Meia dúzia de firmas de consultoria, vários birôs de palestrantes e diversos grupos de lobby de setores diferentes mantêm grandes redes de acadêmicos de aluguel, com o objetivo de defender os interesses desses grupos em discussões sobre políticas e regulamentação.

Os principais setores envolvidos são energia, telecomunicações, saúde, agronegócio e, sem dúvida, o setor de serviços financeiros.

Alguns exemplos: o economista Glenn Hubbard virou reitor da Columbia Business School em 2004, pouco depois de deixar o governo George W. Bush (2001-09), no qual trabalhou no Departamento do Tesouro e foi o primeiro presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente, entre 2001 e 2003.

Boa parte de seu trabalho acadêmico é dedicado à política fiscal. Num resumo justo de suas posições intelectuais, pode-se dizer que ele jamais viu um imposto que tenha gostado de ver aprovado e em vigor. Em novembro de 2004, ele escreveu um artigo espantoso em coautoria com William C. Dudley, então economista-chefe do banco de investimentos Goldman Sachs.

O artigo em questão, “Como os Mercados de Capitais Elevam a Performance Econômica e Facilitam a Geração de Empregos”, merece ser citado. Vale lembrar que estamos em novembro de 2004, com a bolha já bem encaminhada:

“Os mercados de capital têm ajudado a tornar o mercado imobiliário menos volátil. ‘Arrochos de crédito’ do tipo que, periodicamente, fecharam a oferta de recursos aos compradores da casa própria […] são coisas do passado.”

Hubbard se negou a dizer se foi pago ou não para escrever o artigo. E se negou a me fornecer sua declaração mais recente de conflitos de interesse financeiros com o governo, documento que não pudemos obter de outra forma porque a Casa Branca o destruiu.

Hubbard recebeu US$ 100 mil para depor na defesa criminal dos dois gerentes do fundo hedge (de alto risco) Bear Stearns, processados por envolvimento com a bolha; eles foram absolvidos. No ano passado, Hubbard se tornou assessor econômico sênior da campanha presidencial de Mitt Romney, o pré-candidato republicano à Presidência dos EUA.

RABO PRESO

Outro economista, Larry Summers, já ocupou quase todos os cargos governamentais importantes na área econômica. Secretário do Tesouro sob o presidente Bill Clinton (1993-2001), em 2009 ele se tornou diretor do Conselho Econômico Nacional na administração Barack Obama.

Embora seja sensato em relação a muitas questões, Summers cometeu uma sucessão bem documentada de erros e concessões. E seus pontos de vista sobre o setor financeiro dificilmente seriam distinguidos dos de, digamos, Lloyd Blankfein (chefe do Goldman Sachs) ou Jamie Dimon (presidente do banco JPMorgan).A maior parte de nossas informações sobre Summers vem de sua declaração obrigatória de conflitos de interesse, exigida pelo governo. De acordo com a declaração dada em 2009 por Summers, sua fortuna líquida estava calculada entre US$ 17 milhões e US$ 39 milhões. Seus recebimentos totais no ano antes de ingressar no governo chegaram a quase US$ 8 milhões. O Goldman Sachs pagou a Summers US$ 135 mil por um discurso.

Larry Summers é um homem com o rabo preso, que deve a maior parte de sua fortuna e boa parte de seu sucesso político à indústria de serviços financeiros e que esteve envolvido em algumas das decisões de política econômica mais desastrosas da última metade de século. Na administração Obama, Summers se opôs à adoção de medidas fortes para punir banqueiros ou limitar a receita deles.

A universidade de Harvard ainda não exige que Larry Summers divulgue seus envolvimentos com o setor financeiro. Tanto Harvard quanto Summers negaram meus pedidos de informação.

O problema da corrupção acadêmica hoje está tão profundamente entrincheirado que essas disciplinas e essas universidades importantes estão gravemente comprometidas, e qualquer pessoa que pensasse em se opor à tendência ficaria racionalmente muito assustada.

COMEDIMENTO

Considere a seguinte situação: você é estudante de doutorado ou um membro júnior do corpo docente que estuda a possibilidade de fazer pesquisas sobre, digamos, as estruturas de pagamento aos profissionais que assumem riscos nos serviços financeiros, ou sobre o impacto potencial das exigências de divulgação pública de informações sobre o mercado de “credit default swaps” –instrumentos financeiros que funciona como um seguro contra calotes. O reitor de sua universidade é… Larry Summers. O chefe de seu departamento é… Glenn Hubbard.

Ou você está no MIT (Massachusetts Institute of Technology) e quer estudar o declínio dos pagamentos de impostos de pessoas jurídicas. A reitora do MIT é Susan Hockfield, que faz parte do conselho de direção da General Electric, uma empresa que vem conseguindo evitar o pagamento de quase todos os impostos corporativos há vários anos.

Até que ponto essas forças de fato afetam as pesquisas acadêmicas e as políticas das universidades? As evidências das quais dispomos sugerem que o efeito é grande.
Os comentários sobre a crise financeira proferidos por economistas na academia têm sido bastante comedidos. É verdade que existem algumas exceções notáveis. Na maior parte do tempo, porém, o silêncio tem sido ensurdecedor.

Como é possível que um setor inteiro seja estruturado de modo que funcionários sejam encorajados a saquear e destruir suas próprias firmas? Por que a desregulamentação e a teoria econômica fracassaram tão espetacularmente?

O lançamento do documentário “Trabalho Interno” claramente mexeu com sensibilidades que foram tocadas por essas questões. Fui contatado por estudantes e docentes em grande número, e houve debates em grande número.

Algumas escolas, incluindo a Columbia Business School, adotaram exigências de divulgação de informações pela primeira vez.

Mas a maioria das universidades ainda não faz essas exigências, e poucas ou nenhuma impõem qualquer limitação à existência de conflitos de interesse. O mesmo se aplica à maioria das publicações acadêmicas.

Repórteres de jornais são proibidos terminantemente de aceitar dinheiro de qualquer setor econômico ou organização sobre o qual escrevam matérias. O mesmo não acontece no mundo acadêmico.

Houve um avanço positivo importante. No início deste ano, a Associação Americana de Economia passou a exigir uma declaração de conflitos de interesse para os sete periódicos que edita.

Mas a maioria das instituições ainda se opõe à divulgação de mais informações, e, quando eu estava fazendo meu filme, se negou até mesmo a tratar do assunto.

Tradução de Clara Alain

A Sharp Rise in Retractions Prompts Calls for Reform (N.Y. Times)

PLEA Dr. Ferric Fang argues that science has changed in worrying ways. Matthew Ryan Williams for The New York Times
By CARL ZIMMER – Published: April 16, 2012

In the fall of 2010, Dr. Ferric C. Fang made an unsettling discovery. Dr. Fang, who is editor in chief of the journal Infection and Immunity, found that one of his authors had doctored several papers.

It was a new experience for him. “Prior to that time,” he said in an interview, “Infection and Immunity had only retracted nine articles over a 40-year period.”

The journal wound up retracting six of the papers from the author, Naoki Mori of the University of the Ryukyus in Japan. And it soon became clear that Infection and Immunity was hardly the only victim of Dr. Mori’s misconduct. Since then, other scientific journals have retracted two dozen of his papers, according to the watchdog blog Retraction Watch.

“Nobody had noticed the whole thing was rotten,” said Dr. Fang, who is a professor at the University of Washington School of Medicine.

Dr. Fang became curious how far the rot extended. To find out, he teamed up with a fellow editor at the journal, Dr. Arturo Casadevall of the Albert Einstein College of Medicine in New York. And before long they reached a troubling conclusion: not only that retractions were rising at an alarming rate, but that retractions were just a manifestation of a much more profound problem — “a symptom of a dysfunctional scientific climate,” as Dr. Fang put it.

Dr. Casadevall, now editor in chief of the journal mBio, said he feared that science had turned into a winner-take-all game with perverse incentives that lead scientists to cut corners and, in some cases, commit acts of misconduct.

“This is a tremendous threat,” he said.

WATCHDOG  Dr. Arturo Casadevall of the Albert Einstein College of Medicine in New York teamed up with Dr. Ferric C. Fang to study a raft of retractions. Ángel Franco/The New York Times

Last month, in a pair of editorials in Infection and Immunity, the two editors issued a pleafor fundamental reforms. They also presented their concerns at the March 27 meeting of the National Academies of Sciences committee on science, technology and the law.

Members of the committee agreed with their assessment. “I think this is really coming to a head,” said Dr. Roberta B. Ness, dean of the University of Texas School of Public Health. And Dr. David Korn of Harvard Medical School agreed that “there are problems all through the system.”

No one claims that science was ever free of misconduct or bad research. Indeed, the scientific method itself is intended to overcome mistakes and misdeeds. When scientists make a new discovery, others review the research skeptically before it is published. And once it is, the scientific community can try to replicate the results to see if they hold up.

Source: Journal of Medical Ethics

But critics like Dr. Fang and Dr. Casadevall argue that science has changed in some worrying ways in recent decades — especially biomedical research, which consumes a larger and larger share of government science spending.

In October 2011, for example, the journal Nature reported that published retractions had increased tenfold over the past decade, while the number of published papers had increased by just 44 percent. In 2010 The Journal of Medical Ethics published a studyfinding the new raft of recent retractions was a mix of misconduct and honest scientific mistakes.

Several factors are at play here, scientists say. One may be that because journals are now online, bad papers are simply reaching a wider audience, making it more likely that errors will be spotted. “You can sit at your laptop and pull a lot of different papers together,” Dr. Fang said.

But other forces are more pernicious. To survive professionally, scientists feel the need to publish as many papers as possible, and to get them into high-profile journals. And sometimes they cut corners or even commit misconduct to get there.

To measure this claim, Dr. Fang and Dr. Casadevall looked at the rate of retractions in 17 journals from 2001 to 2010 and compared it with the journals’ “impact factor,” a score based on how often their papers are cited by scientists. The higher a journal’s impact factor, the two editors found, the higher its retraction rate.

The highest “retraction index” in the study went to one of the world’s leading medical journals, The New England Journal of Medicine. In a statement for this article, it questioned the study’s methodology, noting that it considered only papers with abstracts, which are included in a small fraction of studies published in each issue. “Because our denominator was low, the index was high,” the statement said.

Monica M. Bradford, executive editor of the journal Science, suggested that the extra attention high-impact journals get might be part of the reason for their higher rate of retraction. “Papers making the most dramatic advances will be subject to the most scrutiny,” she said.

Dr. Fang says that may well be true, but adds that it cuts both ways — that the scramble to publish in high-impact journals may be leading to more and more errors. Each year, every laboratory produces a new crop of Ph.D.’s, who must compete for a small number of jobs, and the competition is getting fiercer. In 1973, more than half of biologists had a tenure-track job within six years of getting a Ph.D. By 2006 the figure was down to 15 percent.

Yet labs continue to have an incentive to take on lots of graduate students to produce more research. “I refer to it as a pyramid scheme,” said Paula Stephan, a Georgia State University economist and author of “How Economics Shapes Science,” published in January by Harvard University Press.

In such an environment, a high-profile paper can mean the difference between a career in science or leaving the field. “It’s becoming the price of admission,” Dr. Fang said.

The scramble isn’t over once young scientists get a job. “Everyone feels nervous even when they’re successful,” he continued. “They ask, ‘Will this be the beginning of the decline?’ ”

University laboratories count on a steady stream of grants from the government and other sources. The National Institutes of Health accepts a much lower percentage of grant applications today than in earlier decades. At the same time, many universities expect scientists to draw an increasing part of their salaries from grants, and these pressures have influenced how scientists are promoted.

“What people do is they count papers, and they look at the prestige of the journal in which the research is published, and they see how many grant dollars scientists have, and if they don’t have funding, they don’t get promoted,” Dr. Fang said. “It’s not about the quality of the research.”

Dr. Ness likens scientists today to small-business owners, rather than people trying to satisfy their curiosity about how the world works. “You’re marketing and selling to other scientists,” she said. “To the degree you can market and sell your products better, you’re creating the revenue stream to fund your enterprise.”

Universities want to attract successful scientists, and so they have erected a glut of science buildings, Dr. Stephan said. Some universities have gone into debt, betting that the flow of grant money will eventually pay off the loans. “It’s really going to bite them,” she said.

With all this pressure on scientists, they may lack the extra time to check their own research — to figure out why some of their data doesn’t fit their hypothesis, for example. Instead, they have to be concerned about publishing papers before someone else publishes the same results.

“You can’t afford to fail, to have your hypothesis disproven,” Dr. Fang said. “It’s a small minority of scientists who engage in frank misconduct. It’s a much more insidious thing that you feel compelled to put the best face on everything.”

Adding to the pressure, thousands of new Ph.D. scientists are coming out of countries like China and India. Writing in the April 5 issue of Nature, Dr. Stephan points out that a number of countries — including China, South Korea and Turkey — now offer cash rewards to scientists who get papers into high-profile journals. She has found these incentives set off a flood of extra papers submitted to those journals, with few actually being published in them. “It clearly burdens the system,” she said.

To change the system, Dr. Fang and Dr. Casadevall say, start by giving graduate students a better understanding of science’s ground rules — what Dr. Casadevall calls “the science of how you know what you know.”

They would also move away from the winner-take-all system, in which grants are concentrated among a small fraction of scientists. One way to do that may be to put a cap on the grants any one lab can receive.

Such a shift would require scientists to surrender some of their most cherished practices — the priority rule, for example, which gives all the credit for a scientific discovery to whoever publishes results first. (Three centuries ago, Isaac Newton and Gottfried Leibniz were bickering about who invented calculus.) Dr. Casadevall thinks it leads to rival research teams’ obsessing over secrecy, and rushing out their papers to beat their competitors. “And that can’t be good,” he said.

To ease such cutthroat competition, the two editors would also change the rules for scientific prizes and would have universities take collaboration into account when they decide on promotions.

Ms. Bradford, of Science magazine, agreed. “I would agree that a scientist’s career advancement should not depend solely on the publications listed on his or her C.V.,” she said, “and that there is much room for improvement in how scientific talent in all its diversity can be nurtured.”

Even scientists who are sympathetic to the idea of fundamental change are skeptical that it will happen any time soon. “I don’t think they have much chance of changing what they’re talking about,” said Dr. Korn, of Harvard.

But Dr. Fang worries that the situation could be become much more dire if nothing happens soon. “When our generation goes away, where is the new generation going to be?” he asked. “All the scientists I know are so anxious about their funding that they don’t make inspiring role models. I heard it from my own kids, who went into art and music respectively. They said, ‘You know, we see you, and you don’t look very happy.’ ”

Filósofo define elementos da “corrupção pós-moderna” (JC)

JC e-mail 4298, de 12 de Julho de 2011.

Renato Janine Ribeiro avalia as práticas políticas brasileiras e questiona: é possível governar com ética?

Uma das conferências da 63ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) realizada na manhã desta segunda-feira (11), foi proferida por Renato Janine Ribeiro, filósofo e professor da Universidade de São Paulo (USP). Na ocasião, ele falou sobre “a corrupção como ameaça à vida republicana”, avaliando as dificuldades da política contemporânea em lidar com a ética.

O professor foi apresentado por Aldo Malavasi, secretário geral da SBPC e seu companheiro de docência na USP. Malavasi iniciou os trabalhos elogiando a capacidade argumentativa de Janine Ribeiro: “você não hesita em suas falas”. O palestrante esmiuçou a etimologia de “corrupção”. O ponto de partida da palavra seria a filosofia natural do mundo antigo que, grosso modo, definia o termo como morte do corpo, degeneração das células. Por extensão, os antigos consideravam o espaço da política também como um corpo que poderia apodrecer e perder a vitalidade social; ou seja, perder as virtudes exigidas aos homens no espaço público.

Para os romanos, cuja forma de governança era a república, ou “governo para o bem comum”, a maior corrupção seria o retorno ao mundo privado ou o desvirtuamento da atenção dos homens para longe das decisões públicas. A segunda forma de definir a ação foi feita como referência à política moderna, cujos Estados são sustentados a custas de impostos e encargos da própria população e as decisões, ainda que políticas, são tomadas com base em um orçamento comum. De modo que a corrupção moderna, então, teria relação direta com o furto ao patrimônio público. “O corrupto moderno não estaria apenas prejudicando os cofres públicos, mas provocando problemas diretos aos indivíduos, danificando as ações de políticas públicas, o laço social. Assim a sociedade não se sustenta mais”, explicou o professor.

A terceira classificação atribuída pelo professor foi a “corrupção pós- moderna”, digna dos tempos “fluidos” da contemporaneidade. Segundo Janine Ribeiro, esta não envolve diretamente o furto e nem somente beneficia os atores com dinheiro ou valores. Ocorre, sim, troca de favores, de cargos, favorecimento em prestação de serviço, negociações internas, com a iniciativa privada ou até mesmo entre movimentos sociais, além da formação de caixas extras para os partidos políticos, teoricamente representantes diretos do mundo da governança. Assim, a essência de que “um favor paga outro” torna-se fundamental para a “corrupção pós-moderna”. “Às vezes os sujeitos são pessoalmente honestos, mas colaboram para a corrupção maior e a realizam em seu dia-a-dia”, completou.

Partido dos Trabalhadores – O exemplo dado e discutido pelo professor Janine Ribeiro e pelos participantes da conferência foi o da trajetória do Partido dos Trabalhadores (PT) em seus quase nove anos de governo. “O PT, que sempre foi o partido ético brasileiro por excelência, no governo age diferente. Embora pouco tenha sido provado, existem fortes acusações sustentadas até mesmo pelo Supremo Tribunal Federal. O PT sempre fez comissões éticas internas, por que agora não faz mais?”, questionou.

O caso do “mensalão”, para o professor, é emblemático de como, para se manter no poder, determinado grupo político é capaz de ferir os próprios valores éticos. Ele alertou que, mesmo que se tenha simpatia por qualquer partido político ou até mesmo por gestões institucionais, não se deve ignorar as ações de corrupção. “A honestidade deveria ser um valor maior, não uma exceção”, avaliou. Por último, Janine Ribeiro lançou um questionamento ao público: “é possível governar sem corrupção?”
(Ascom da UFG)