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Brasil devastou quase 90% da mata atlântica e 20% da Amazônia depois da Independência (Folha de S.Paulo)

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País dilapida patrimônio natural único e ignora urgências da crise do clima

Marcelo Leite

21 de maio de 2022


[RESUMO] A preocupação com o desmatamento é tão antiga quanto a Independência, mas José Bonifácio foi derrotado por oligarquias escravistas em suas tentativas de disciplinar a exploração e a derrubada de florestas. Dois séculos depois, o Brasil de Bolsonaro retrocede à versão mais primitiva do mito do berço esplêndido e trata o ambiente, na contramão da emergência climática, como se fosse fonte inesgotável de riquezas para pilhar.

Em 1822, o patrimônio ambiental do território que se tornava o Império do Brasil não diferia muito do que portugueses haviam encontrado três séculos antes. A devastação da mata atlântica, primeira vítima natural da colonização, prosseguia a ferro e fogo, mas concentrada no entorno de poucos centros urbanos, muitos canaviais, áreas de pecuária e a lavoura incipiente de café.

O mesmo não se pode dizer dos povos indígenas, vários já extintos naquela altura. No século 16, eles contavam algo entre 2 e 8 milhões de indivíduos, calcula-se. Sobreviveram à frente colonial os que se internaram nos sertões da caatinga, do cerrado e da floresta amazônica, deixando a costa para o domínio do branco e a labuta dos escravizados da África.

São hoje 305 povos indígenas remanescentes, segundo o IBGE. No Censo de 2010, somavam 897 mil pessoas, menos de 0,5% da população, das quais 572 mil em áreas rurais (sobretudo aldeias) e 325 mil em cidades.

No mesmo recenseamento, mais de 82 milhões de habitantes se declararam pardos (43,1% do total). Outros 15 milhões se identificaram como pretos (7,6%), perfazendo assim uma maioria de brasileiros descendentes dos 4,8 milhões de negros sequestrados na África.

Essa deriva populacional é indissociável da história do meio ambiente no Brasil. A dizimação de povos indígenas acompanhou a marcha predatória para oeste no século 20, com meios técnicos bem mais poderosos que a limitada força produtiva da legião de escravizados.

Na virada do século 19 para o 20, logo após a Abolição (1888), estima-se que a mata atlântica ainda tinha cerca de 90% da cobertura original de pé, mesmo após quatro séculos de predação. Hoje, 130 anos depois, restam apenas 12,4% da vegetação do bioma. No início do século passado, Amazônia, cerrado e caatinga estavam quase intocados.

A tríade genocídio, escravização e desmatamento compõe a matriz da exploração do território forjada no período colonial, com reflexos até os dias de hoje. A crítica à forma peculiar de atraso, embora atual, não emergiu com a consciência ambiental nos anos 1970, mas já com a própria nação brasileira.

Na proa do ambientalismo precoce esteve José Bonifácio de Andrada e Silva, alcunhado patriarca da Independência, como detalha o historiador José Augusto Pádua no livro “Um Sopro de Destruição: Pensamento Político e Crítica Ambiental no Brasil Escravista, 1786-1888“.

Andrada passou a maior parte da vida adulta em Portugal, para onde partiu aos 20 anos. Formou-se na Universidade de Coimbra sob influência do Iluminismo e do naturalista italiano Domenico Vandelli, professor da universidade e crítico da destruição ambiental no país e em suas colônias. Só em 1819, aos 56, retornou ao Brasil, onde se tornaria ministro do Império.

Pádua destaca no livro quatro elementos essenciais da obra de Andrada: visão de mundo fundada na economia da natureza, defesa do progresso econômico como instrumento civilizatório, apologia da racionalização das técnicas produtivas pela aplicação pragmática do conhecimento científico, crítica da exploração destrutiva dos recursos naturais.

Antes mesmo da Independência, ele foi chamado pelo príncipe regente, futuro Pedro 1º, para chefiar o gabinete de ministros. Passou a defender ideias avançadas para a época, como emancipação gradual de escravizados, assimilação de indígenas, educação popular e imigração estrangeira.

Propunha a superação do modelo agrícola colonial calcado no latifúndio, na monocultura e na destruição florestal. Tal prática deveria ser transformada com reforma agrária, difusão de métodos agronômicos modernos e ambientalmente equilibrados, relata Pádua.

Para o visionário, florestas eram fundamentais para manter a fertilidade da terra e a abundância de água. A venda ou a distribuição de terras pela Coroa deveria ficar subordinada à condição de manter um sexto da área com matas originais ou plantadas.

A carreira política de Andrada foi curta. Já em 1823, deixou o ministério, em julho; em novembro, foi preso e exilado na França, onde ficaria até 1829. Retoma os projetos em 1831, como tutor dos filhos do imperador, mas é deposto em 1833. Refugiou-se em Paquetá até a morte, cinco anos depois.

Oligarquias regionais, latifundiárias e escravistas jamais aceitaram o programa de Andrada. Sua derrota, assim como a consagração como estadista, da qual a historiografia omitiu, entretanto, o ideário ambiental, dizem muito sobre a indisposição da elite nacional, desde sempre, para tirar o país do atraso.

Pádua traça um paralelo com os Estados Unidos, outra nação jovem com vastos recursos naturais, mas não tropical, que também dizimou indígenas e explorou negros escravizados. As terras a oeste foram ocupadas cedo com levas de imigrantes, enquanto o Brasil permanecia dependente da escravidão.

Em 1822, a população brasileira era de 4,6 milhões de habitantes, contra 9,6 milhões de norte-americanos. Em 1900, éramos ainda 17,4 milhões, ao passo que, nos EUA, já viviam 76,3 milhões.

“A permanência desse olhar para um horizonte dotado de gigantescas formações naturais e aberto para um avanço futuro praticamente ilimitado, parecendo tornar desnecessários os esforços e os custos envolvidos na conservação e no uso cuidadoso das áreas já abertas, é possivelmente a marca central da história ambiental do Brasil”, diagnostica Pádua.

É o que ele chama de mito do berço esplêndido, expressão tirada do primeiro verso da segunda parte do hino nacional, a menos cantada. Um mito ambíguo, que pôs a natureza exuberante no centro da autoimagem da nação que surgia, motivando as missões científicas de naturalistas patrocinadas pelo Império, mas também a pintava como recurso em aparência infinito a ser explorado.

“Somos definidos pela confluência de abundâncias, abusos e ganâncias”, afirma Natalie Unterstell, do centro de estudos climáticos Talanoa e do Monitor da Política Ambiental, uma parceria com a Folha.

“O mito do berço esplêndido inscreveu uma perspectiva linear e cumulativa de expansão territorial progressiva”, diz.

“O algoritmo original da nação brasileira, que foi infelizmente tão bem demonstrado na devastação da mata atlântica, nos impulsionou a acelerar a destruição ambiental, partindo do pressuposto de que nossa base de recursos é infindável e que o custo da conversão de biodiversidade é nulo.”

Se o algoritmo já estava pronto e, por assim dizer, testado em 1,1 milhão de quilômetros quadrados da mata atlântica (13% do território nacional), demorou a ser aplicado em outros dois biomas florestais muito mais vastos: floresta amazônica(4,2 milhões de km2,ou 49%) e cerrado (2 milhões de km2, 24%).

O sopro de destruição de que fala Pádua só varreria o restante do território no século 20. O ímpeto modernizador que levou à Revolução de 1930 criou a noção de que era preciso ocupar o interior e levar o desenvolvimento para os sertões.

“Governar é povoar”, dizia o presidente Afonso Pena (1906-1909). Washington Luís(1926-1930) aproveitou o mote e o ampliou quando ainda era governador de São Paulo: “Governar é abrir estradas”.

Um século depois dos Estados Unidos, o Brasil iniciava sua Marcha para Oeste, que culminaria com a inauguração de Brasília em 1960. Em lugar de cavalos e carroções, seguiam caminhões, ônibus, tratores e automóveis da nascente indústria automobilística. O petróleo era nosso.

Dos anos 1880, década da Abolição e da República, até 1940, quase 5 milhões de imigrantes chegaram ao país. A população se multiplicou por dez ao longo do século passado, mas em 1950 o Brasil ainda era um país atrasado: apenas 36% da população de 52 milhões vivendo em cidades, 51% de analfabetismo, expectativa de vida de meros 43 anos.

Do ponto de vista ambiental, entretanto, o atraso e o gigantismo legaram ao país uma situação única: 99% da maior floresta tropical do mundo estava de pé na Amazônia, alimentando algumas das maiores bacias hidrográficas do planeta, a garantir água para a nascente potência agropecuária.

Aí sobreveio a ditadura militar (1964-1985), com o ímpeto do chamado milagre econômico e um novo lema territorial: “Integrar para não entregar”. O mito do berço esplêndido passou a alicerçar a paranoia militar da cobiça internacional sobre a Amazônia.

O que era, até aí, uma vocação para destruir, apesar do ufanismo naturalista dos tempos do Império, ganhou escala e impacto com a grande aceleração do pós-guerra, como assinala o historiador José Augusto Pádua.

A população cresceu para mais de 214 milhões de pessoas. A produção de ferro pulou de 9 milhões de toneladas em 1950 para cerca de 400 milhões atualmente. A produção de grãos saltou de 39 milhões, em 1975, para cerca de 210 milhões de toneladas. A taxa de urbanização avançou a 85%.

Esse crescimento teve um lado muito positivo. Com a criação da Embrapa em 1973, na pior fase da ditadura, a agricultura mudou de patamar, ganhou produtividade e conquistou o planalto central para a soja, o milho e o gado bovino.

A produtividade agrícola brasileira subiu à taxa de 3,6% ao ano entre 1975 e 2010, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) –o dobro da velocidade observada nos Estados Unidos no mesmo período.

O Brasil chegou em ótima posição ao boom de commodities dos anos 2000. Surfando na abundância de recursos, o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criou o Bolsa Família e o ProUni e turbinou o Fies. Cotas raciais foram implementadas. A pobreza diminuiu, e a escolaridade aumentou.

Em contrapartida, o ambiente sofreu. Na euforia do pré-sal, cresceu a produção de petróleo e gás (para não falar da corrupção associada), combustíveis fósseis que agravam o aquecimento global.

A usina de Belo Monte desfigurou para sempre o emblemático Xingu. O rio dá vida e nome ao parque indígena (1961) dos irmãos Villas-Bôas, continuadores do indigenismo benigno do marechal Cândido Rondon. Ali vivem 16 etnias, algumas atraídas para a área para abrir espaço às companhias colonizadoras.

Aliada à incúria do poder público, a mineração de metais, outro setor impulsionado pelo apetite voraz da economia chinesa, desencadeou as hecatombes de Mariana (2015) e Brumadinho (2019). Ao todo, 289 mortos.

O crescimento da população urbana se deu de maneira desorganizada. As cidades incharam, sem saneamento básico, com muito trânsito, favelas e poluição atmosférica.

Quase metade (45%) dos brasileiros não tem acesso à rede de esgoto, e só metade do que se coleta passa por tratamento —o restante chega in natura aos rios, volume de dejetos equivalente a 5,3 milhões de piscinas olímpicas por ano, segundo o Instituto Trata Brasil. É mais que improvável cumprir a meta de universalizar água e esgoto até 2033.

A derrubada do cerrado avançou, e a devastação dessa savana brasileira com enorme biodiversidade ultrapassou metade da cobertura original. A floresta amazônica, que viu as taxas de desmatamento recuarem de 27.779 km2 a 4.571 km2 entre 2004 e 2012, voltou a crescer até alcançar 13.235 km2 em 2021, acumulando 20% de perda da vegetação ainda intacta na época da Independência.

“Na economia, usa-se o termo ‘voo de galinha’ para descrever os ciclos de desenvolvimento, e na área ambiental pode-se usar a mesma analogia”, diz Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa.

“Depois de recordes de descaso, reduzimos drasticamente o desmatamento na Amazônia entre 2004 e 2012, a maior ação de mitigação de emissão de gases de efeito estufa da história contemporânea, mostrando do que o Brasil é capaz quando trabalha sério para implementar uma política pública.”

Em paralelo, avançavam no mundo negociações para mitigar o aquecimento global e o pior da mudança climática. O governo brasileiro evoluiu de posições refratárias para algum protagonismo, a partir da Cúpula da Terra no Rio (1992) e do Protocolo de Kyoto (1997), o que se esboroaria de vez com Jair Bolsonaro (PL).

A destruição da Amazônia se tornou tema mundial em 1988, no governo de José Sarney (PMDB, 1985-1990), poucos anos após o fim da ditadura que cortou a região Norte com a rodovia Transamazônica. Queimadas se multiplicavam nos sensores de satélites, chamando a atenção da opinião pública mundial para a frente de ocupação predatória que resultaria na morte do líder seringueiro Chico Mendes.

Demorou uma década para a diplomacia e a Presidência da República se darem conta da oportunidade do país valorizar seu patrimônio florestal ímpar como capital político (soft power). E, também, para auferir créditos de carbono e pagamentos por serviço ambiental de matas que absorviam gases do efeito estufa da atmosfera.

O governo de Dilma Rousseff (PT) assumiu compromissos voluntários relativamente ambiciosos de diminuição de emissões de carbono para o Acordo de Paris (2015). O Brasil se prontificou a reduzir em 43%, até 2030, o lançamento de gases-estufa gerados, principalmente, pelo desmatamento.

Apesar de pequenos repiques nas cifras de devastação amazônica de 2013 a 2015, a média anual nesse triênio ainda estava em 5.700 km2. À luz da experiência na década anterior, não parecia assim tão difícil cumprir a meta assumida.

Tudo mudou após o impeachment da presidente, em 2016, que contou com amplo apoio da bancada ruralista no Congresso. Já naquele ano o desmate subiu para 7.893 km2 na Amazônia —e não parou mais.

A eleição de Jair Bolsonaro disseminou o retrocesso por todas as frentes. O presidente de extrema direita está cumprindo a promessa de não demarcar um centímetro das 265 terras indígenas ainda em estudos (do total de 725 identificadas).

Bolsonaro diz que não vai acatar eventual decisão do Supremo Tribunal Federal contra o chamado marco temporal, tese de que só têm direito ao reconhecimento de territórios povos que os ocupavam em 1988. Ou seja, os esbulhados antes da Constituição assim permaneceriam.

Políticas para prevenir desmatamento e mudanças climáticas também foram desmontadas, assim como se manietaram os órgãos de fiscalização Ibama e ICMBio. O Planalto inviabilizou o Fundo Amazônia e congelou R$ 3 bilhões para projetos de preservação e desenvolvimento sustentável, doados por Noruega e Alemanha.

“A falta de inteligência e criatividade, assim como a ganância de curto prazo e a preguiça política, podem gerar um cenário cada vez mais trágico no país, ao invés de aproveitar as oportunidades que a conjuntura histórica possa estar apresentando”, lamenta Pádua.

“É claro que o crescimento da grande exportação primária tem peso essencial, mas creio que não explica tudo. O sinal verde para os interesses de curto prazo de agentes econômicos locais, como garimpeiros e madeireiros, também é fundamental. O que espanta é o grau de atraso e a falta de inteligência estratégica na visão ambiental do atual governo. É como se décadas de debate sobre o imperativo da sustentabilidade fossem simplesmente ignoradas.”

A ideia de que repousamos como potência verde em um berço esplêndido de carbono, sem nada precisar fazer para gerar créditos, também é uma ilusão bolsonarista, aponta Natalie Unterstell. “Não somos uma Arábia Saudita do carbono: é preciso muito esforço para acabar com o desmatamento e, assim, conseguir gerar redução de emissões.”

Só depois da Constituição de 1988, mais de 743 mil km2 de floresta amazônica foram ao chão (quase 18% do bioma), ou o triplo da área do estado de São Paulo. Em meros 34 anos, os habitantes do berço esplêndido destruíram na Amazônia quase o mesmo tanto de mata atlântica que levaram cinco séculos para dizimar.

Só essa derrubada na Amazônia contribuiu com cerca de 32 bilhões de toneladas equivalentes de dióxido de carbono (GtCO2e), principal gás do efeito estufa, para agravar o aquecimento global. Para comparação: em um ano (2020), todas as atividades humanas no Brasil geram um total de 2,16 GtCO2e.

Incluindo tudo que se desmatou antes de 1988, um quinto da floresta amazônica já virou fumaça. O restante vai sendo degradado por garimpo, madeireiros ilegais e estradas clandestinas, além do aumento de temperatura e do ressecamento impostos pelo aquecimento global.

Chegando a um quarto de perda, o bioma deve entrar em colapso, prevê a ciência. A tragédia viria com a interrupção da maior célula terrestre de produção de chuvas no planeta, gerando impacto negativo na agricultura do país todo.

Se depender de Bolsonaro e da bancada ruralista incrustada no centrão, é o futuro que nos espera —para o qual fomos alertados há 200 anos pelo patriarca da Independência.

This photographer-scientists collaboration shows the speed of climate change (MIT Technology Review)

technologyreview.com

Ian van Coller had scientists annotate his photos to show how climate change is warping geological time around the world.

Ian van Coller – June 30, 2021


Climate change is warping geological time, compressing the time scales of natural processes. In photographs taken around the world, Ian van Coller has documented these shifts, reflected in rocks, sediment, and the shrinking of glaciers. Van Coller collaborates with scientists who annotate his images, pointing out key geological features. He also uses historical photos to show changes, juxtaposing the black-and-white images taken by earlier expeditions with today’s landscapes; peaks once covered in snow are now bare rock.

Fairy Lake Mudcore
A mud core from Fairy Lake in Montana, superimposed against the surrounding mountains, reveals thousands of years of vegetative history. Geographer James Benes annotated the photo.
Quelccaya
Quelccaya Glacier in Peru, seen here in 2017, is receding. The foreground rocks show signs of glacial erosion and were likely still covered 10 years ago. Each layer in the ice represents a year’s worth of snow. Annotated by geographer Carsten Braun.
Rwenzori
A photograph taken in 2020 shows just how little is left of the glacier at Mount Stanley in Uganda. The photo from a 1906 expedition shows the glacier below Elena Peak; today what’s left is dirty ice, a sign the glacier will soon be gone. (Carsten Braun)
Mt Baker
At nearby Mount Baker, also in Uganda, the story is similar. Dotted lines are an attempt to estimate the ice seen in earlier expeditions on Semper Peak, which is now bare rock. There is no sign of what the 1906 photo labels Moore Glacier. (Carsten Braun)

Cerejeiras florescem mais cedo no Japão em 1,2 mil anos (Folha de S.Paulo)

f5.folha.uol.com.br

Kazuhiro Nogi – 24.mar.2021/AFP 4-5 minutos


São Paulo

O florescer das famosas cerejeiras brancas e rosas leva milhares às ruas e parques do Japão para observar o fenômeno, que dura poucos dias e é reverenciado há mais de mil anos. Mas este ano a antecipação da florada tem preocupado cientistas, pois indica impacto nas mudanças climáticas.

Segundo registros da Universidade da Prefeitura de Osaka, em 2021, as famosas cerejeiras brancas e rosas floresceram totalmente em 26 de março em Quioto, a data mais antecipada em 12 séculos. As floradas mais cedo foram registradas em 27 de março dos anos 1612, 1409 e 1236.

A instituição conseguiu identificar a antecipação do fenômeno porque tem um banco de dados completo dos registros das floradas ao longo dos séculos. Os registros começaram no ano 812 e incluem documentos judiciais da Quioto Imperial, a antiga capital do Japão e diários medievais.

O professor de ciência ambiental da universidade da Prefeitura de Osaka, Yasuyuki Aono, responsável por compilar um banco de dados, disse à Agência Reuters que o fenômeno costuma ocorrer em abril, mas à medida que as temperaturas sobem, o início da floração é mais cedo.

Kazuhiro Nogui, 24.mar.2021/AFP

“As flores de cerejeira são muito sensíveis à temperatura. A floração e a plena floração podem ocorrer mais cedo ou mais tarde, dependendo apenas da temperatura. A temperatura era baixa na década de 1820, mas subiu cerca de 3,5 graus Celsius até hoje”, disse.

Segundo ele, as estações deste ano, em particular, influenciaram as datas de floração. O inverno foi muito frio, mas a primavera veio rápida e excepcionalmente quente, então “os botões estão completamente despertos depois de um descanso suficiente”.

Na capital Tóquio, as cerejeiras atingiram o máximo da florada em 22 de março, o segundo ano mais cedo já registrado. “À medida que as temperaturas globais aumentam, as geadas da última Primavera estão ocorrendo mais cedo e a floração está ocorrendo mais cedo”, afirmou Lewis Ziska, da Universidade de Columbia, à CNN.

A Agência Meteorológica do Japão acompanha ainda 58 cerejeiras “referência” no país. Neste ano, 40 já atingiram o pico de floração e 14 o fizeram em tempo recorde. As árvores normalmente florescem por cerca de duas semanas todos os anos. “Podemos dizer que é mais provável por causa do impacto do aquecimento global”, disse Shunji Anbe, funcionário da divisão de observações da agência.

Dados Organização Meteorológica Mundial divulgados em janeiro mostram que as temperaturas globais em 2020 estiveram entre as mais altas já registradas e rivalizaram com 2016 com o ano mais quente de todos os tempos.

As flores de cerejeira têm longas raízes históricas e culturais no Japão, anunciando a Primavera e inspirando artistas e poetas ao longo dos séculos. Sua fragilidade é vista como um símbolo de vida, morte e renascimento.

Atualmente, as pessoas se reúnem sob as flores de cerejeiras a cada primavera para festas hanami (observação das flores), passeiam em parques e fazem piqueniques embaixo dos galhos e abusar das selfies. Mas, neste ano, a florada de cerejeiras veio e se foi em um piscar de olhos.

Com o fim do estado de emergência para conter a pandemia de Covid-19 em todas as regiões do Japão, muitas pessoas se aglomeraram em locais populares de exibição no fim de semana, embora o número de pessoas tenha sido menor do que em anos normais.

American environmentalism’s racist roots have shaped global thinking about conservation (The Conversation)

John James Audubon relied on African Americans and Native Americans to collect some specimens for his ‘Birds of America’ prints (shown: Florida cormorant), but never credited them. National Audubon Society

September 2, 2020 3.22pm EDT

Prakash Kashwan Co-Director, Research Program on Economic and Social Rights, Human Rights Institute, and Associate Professor, Department of Political Science., University of Connecticut

The United States is having a long-overdue national reckoning with racism. From criminal justice to pro sports to pop culture, Americans increasingly are recognizing how racist ideas have influenced virtually every sphere of life in this country.

This includes the environmental movement. Recently the Sierra Club – one of the oldest and largest U.S. conservation organizations – acknowledged racist views held by its founder, author and conservationist John Muir. In some of his writing, Muir described Native Americans and Black people as dirty, lazy and uncivilized. In an essay collection published in 1901 to promote national parks, he assured prospective tourists that “As to Indians, most of them are dead or civilized into useless innocence.”

Acknowledging this record, Sierra Club Executive Director Michael Brune wrote in July 2020: “As defenders of Black life pull down Confederate monuments across the country, we must…reexamine our past and our substantial role in perpetuating white supremacy.”

This is a salutary gesture. However, I know from my research on conservation policy in places like India, Tanzania and Mexico that the problem isn’t just the Sierra Club.

American environmentalism’s racist roots have influenced global conservation practices. Most notably, they are embedded in longstanding prejudices against local communities and a focus on protecting pristine wildernesses. This dominant narrative pays little thought to indigenous and other poor people who rely on these lands – even when they are its most effective stewards.

Native Americans protest President Donald Trump’s visit to Mount Rushmore National Memorial in South Dakota, July 3, 2020. Micah Garen/Getty Images

Racist legacies of nature conservation

Muir was not the first or last American conservationist to hold racist views. Decades before Muir set foot in California’s Sierra Nevada. John James Audubon published his “Birds of America” engravings between 1827 and 1838. Audubon was a skilled naturalist and illustrator – and a slaveholder.

Audubon’s research benefited from information and specimens collected by enslaved Black men and Indigenous people. Instead of recognizing their contributions, Audubon referred to them as “hands” traveling along with white men. The National Audubon Society has removed Audubon’s biography from its site, referring to Audubon’s involvement in the slave trade as “the challenging parts of his identity and actions.” The group also condemned “the role John James Audubon played in enslaving Black people and perpetuating white supremacist culture.”

Theodore Roosevelt, who is widely revered as the first environmental president, was an enthusiastic hunter who led the Smithsonian–Roosevelt African Expedition to Kenya in 1909-1910. During this “shooting trip,” Roosevelt and his party killed more than 11,000 animals, including elephants, hippopotamuses and white rhinos.

Theodore Roosevelt and John Muir at Yosemite National Park, California, 1903. Library of Congress

The predominant view is that Roosevelt’s love of hunting was good for nature because it fueled his passion for conservation. But this paradigm underpins what I see as a modern racist myth: the view that trophy hunting – wealthy hunters buying government licenses to shoot big game and keep whatever animal parts they choose – pays for wildlife conservation in Africa. In my assessment, there is little evidence to support such claims about trophy hunting, which reinforce exploitative models of conservation by removing local communities from lands set aside as hunting reserves.

Ecologist Aldo Leopold, who is viewed as the father of wildlife management and the U.S. wilderness system, was an early proponent of the argument that overpopulation is the root cause of environmental problems. This view implies that economically less-developed nations with large populations are the biggest threats to conservation.

Contemporary advocates of wildlife conservation, such as Britain’s Prince William, continue to rely on the trope that “Africa’s rapidly growing human population” threatens the continent’s wildlife. Famed primatologist Jane Goodall also blamed our current environmental challenges in part on overpopulation.

However, the argument that population growth alone is responsible for environmental damage is problematic. Many studies have concluded that conspicuous consumption and the energy-intensive lifestyles of wealthy people in advanced economies have a much larger impact on the environment than actions by poor people. For example, the richest 10% of the world’s population produces almost as much greenhouse gas emissions as the bottom 90% combined.

Local communities are often written out of popular narratives on nature conservation. Many documentaries, such as the 2020 film “Wild Karnataka,” narrated by David Attenborough, entirely ignore local Indigenous people, who have nurtured the natural heritages of the places where they live. Some of the most celebrated footage in wildlife documentaries made by filmmakers like Attenborough is not even shot in the wild. By relying on fictional visuals, they reproduce racialized structures that render local people invisible.

Fortress conservation

The wilderness movement founded by Anglo-American conservationists is institutionalized in the form of national parks. Writer and historian Wallace Stegner famously called national parks “the best idea we ever had. Absolutely American, absolutely democratic, they reflect us at our best rather than our worst.”

But many national parks and other lands set aside for wilderness conservation are also the ancestral homelands of Native peoples. These communities were forced off their lands during European colonization of North America.

Similar injustices continued to unfold even after independence in other parts of the world. When I analyzed a data set of 137 countries, I found that the largest areas of national parks were set aside in countries with high levels of economic inequality and poor or nonexistent democratic institutions. The poorest countries – including the Republic of the Congo, Namibia, Tanzania and Zambia – had each set aside more than 30% of national territories exclusively for wildlife and biodiversity conservation.

This happens because corrupt government officials and commercial tourism and safari operators can benefit from it. So do hunters, researchers and documentary filmmakers from the Global North, even as local communities are forbidden from hunting bush meat for family consumption.

Critics call this strategy “fortress conservation.” According to some estimates, Indigenous and rural communities protect up to 80% of global biodiversity, but receive little benefit in return.

Better models

Correcting this legacy can happen only by radically transforming its exclusionary approach. Better and scientifically robust strategies recognize that low-intensity human interventions in nature practiced by Indigenous peoples can conserve landscapes more effectively than walling them off from use.

For example, I have studied forested regions of central India that are home to Indigenous Baiga communities. Baigas practice subsistence farming that involves few or no chemical fertilizers and controlled use of fire. This form of agriculture creates open grasslands that support endangered native herbivores like deer and antelopes. These grasslands are the main habitat for India’s world-renowned Kanha National Park and Tiger Reserve.

Ecologists have shown that natural landscapes interspersed with low-intensity subsistence agriculture can be most effective for biodiversity conservation. These multiple-use landscapes provide social, economic and cultural support for Indigenous and rural communities.

My research shows that when governments enact socially just nature conservation policies, such as community forestry in Mexico, they are better able to handle conflicts over use of these resources. Socially just nature conservation is possible under two main conditions: Indigenous and rural communities have concrete stakes in protecting those resources and can participate in policy decisions.

Nonetheless, conservation institutions and policies continue to exclude and discriminate against Indigenous and rural communities. In the long run, it is clear to me that conservation will succeed only if it can support the goal of a dignified life for all humans and nonhuman species.

Eunice Nodari, doutora em história ambiental:‘Não podemos controlar a chuva. Os desastres, sim’ (O Globo)

Professora gaúcha foi uma das palestrantes do encontro que reuniu, no mês passado, pesquisadores dos cinco países que compõem o Brics

POR FÁTIMA FREITAS


Eunice Nodari atesta que erros ambientais do passado continuam a acontecer, aponta caminhos para mudança e fala sobre a história ambiental de diferentes países
Foto: Fabio Seixo / Agência O Globo
Eunice Nodari atesta que erros ambientais do passado continuam a acontecer, aponta caminhos para mudança e fala sobre a história ambiental de diferentes países – Fabio Seixo / Agência O Globo

“Nasci em Sarandi, Rio Grande do Sul. Meu pai era pequeno comerciante e queria que eu fosse ‘alguém na vida’. Bom, consegui ser a primeira a ter curso superior na família… Nos anos 1980, me mudei para Santa Catarina. Tenho 60 anos, 3 filhos e 2 netos e sou casada com um professor de genética vegetal”

Conte algo que não sei.

A história ambiental no Brasil é um campo novo. Começou a ganhar força na década de 1990, com forte influência dos Estados Unidos. Com isso, em 2001, enveredei minha carreira para pesquisas nessa área. Iniciamos com projetos sobre a história do desmatamento das florestas do Sul do Brasil, e avançamos para outros temas prementes relacionados ao meio ambiente. Logo conseguimos criar uma linha de pesquisa em Migrações e História Ambiental, no Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foi um trabalho pioneiro que vem dando ótimos resultados e, ainda, é um estímulo para outras universidades.

Além da UFSC, quais são as grandes referências em história ambiental no Brasil?

O destaque deve ser dado ao Programa de Pós-Graduação em História Social da UFRJ, da UNB e a UFMG. Juntas, essas universidades têm 64 teses de doutorado. É importante ressaltar que os meus ex-orientandos, hoje doutores, já são professores de universidades em diferentes estados. Nelas, eles também estão criando os seus grupos desta disciplina, aumentando, assim, a rede.

A senhora foi palestrante do Simpósio Diálogo em História Ambiental: Brics. O que os países que integram o grupo têm em comum nas questões ambientais?

O Brics reuniu pesquisadores ambientais dos países que o compõem com o objetivo de discutir formas de serem realizadas pesquisas em conjunto. Foi um evento muito importante, inédito na área de história. Foram debatidas similaridades e diferenças. Sem dúvida, as enchentes são eventos recorrentes na maioria dos cinco países. No caso do Brasil, o Rio de Janeiro e Blumenau, por exemplo, sofrem com as cheias. Uma das deficiências observadas nas pesquisas realizadas por mim e por Lise Sedrez deixa claro que as políticas públicas investem muito pouco na prevenção dos problemas que surgem com os temporais anualmente. Uma coisa é certa: não podemos controlar a chuva, mas os desastres, sim.

E, neste caso, qual o papel do historiador ambiental?

É analisar como os desastres ambientais, que são os que têm a intervenção do homem, estão diretamente relacionados com as problemáticas sociais, econômicas, culturais e, mesmo, políticas, apontando os caminhos para evitar que esses processos se repitam.

Erros ambientais do passado ainda são frequentes?

Infelizmente, as lições herdadas do passado não estão sendo devidamente observadas, pois os mesmos erros continuam sendo praticados. Cometer infrações básicas, como não respeitar as áreas de matas ciliares, importantes para a contenção das cheias e a qualidade da água, significa falta de respeito não somente ao meio ambiente, mas também à vida humana e dos demais habitantes do planeta.

A violência ambiental é resultado da falta de legislação?

No meu entender, as violências socioambientais mais preocupantes são as silenciosas, aquelas que acontecem cotidianamente e que não são resolvidas. Por exemplo, a falta de saneamento básico para parte da população. Não podemos atribuir à falta de legislação o descontrole na degradação, pois a própria Constituição de 1988 inclui os direitos relacionados ao meio ambiente.