[RESUMO] Em novo livro, Muniz Sodré contesta o conceito de racismo estrutural, que a seu ver carece de base científica. Embora não se oponha ao uso da expressão, o sociólogo e colunista da Folha afirma que a discriminação racial no Brasil é difícil de combater por ser institucional e intersubjetiva, tendo como marca a negação do preconceito, e que teria se reconfigurado depois da Abolição com as ideias fascistas europeias. Sodré defende ainda que o pensamento da aproximação, manifestado em algumas situações brasileiras, traz oportunidade de combater o racismo.
Muniz Sodré é um intelectual de luta. Faixa-preta de caratê, continua a praticar o esporte aos 81 anos. A idade só o obrigou a deixar para trás a capoeira, que ele treinou com mestre Bimba, um dos grandes capoeiristas do Brasil.
O sociólogo e colunista da Folha Muniz Sodré em seu apartamento no bairro Cosme Velho, no Rio – Eduardo Anizelli/ Folhapress
Além de livros publicados sobre a mídia, Sodré também publicou obras acerca da cultura brasileira, em especial a cultura negra. Em seu novo lançamento, “O Fascismo da Cor” (Vozes), ele traça uma radiografia da discriminação racial no Brasil, construindo o argumento de que, passadas a Abolição e a Proclamação da República, uma outra forma de racismo se estabeleceu no país.
Para o pesquisador, essa nova configuração tem laços com as ideias fascistas surgidas na Europa e com o eugenismo associado a elas. Um dos divulgadores desse discurso no país, lembra, era o escritor Monteiro Lobato.
Além desse diagnóstico, Sodré dedica parte significativa do livro a contestar o conceito de racismo estrutural, tal como desenvolvido por Silvio Almeida, agora ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania. “Se fosse estrutural, já teria sido derrotado. O movimento negro é o movimento mais antigo da sociedade brasileira”, diz o autor, que propõe no lugar o conceito de “forma social escravista”.
Em entrevista à Folha, Sodré analisa o perfil do racismo à brasileira e explica os motivos pelos quais discorda de Silvio Almeida. Ele também defende que as rodas de capoeira e os candomblés podem oferecer uma chave de saída para a discriminação racial.
Na primeira metade do seu livro, o sr. contesta o conceito de racismo estrutural, hoje muito popular. Por que considera essa definição insuficiente para explicar o racismo no Brasil?
O conceito de estrutura é um conceito complexo. Primeiro, tenho que advertir que não tenho nada contra falar em racismo estrutural, porque acho que, do ponto de vista político, é bom, é fácil. Dá um ancoramento para a ideia de racismo aqui no Brasil.
Mas eu digo que ele não é estrutural. Parto de coisas simples, como a frase do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, quando ele disse que, no Brasil, as estruturas são feitas para não funcionar. Ele está falando da estrutura jurídica, da estrutura econômica, e é verdade. As estruturas aqui são feitas para não funcionar. Por que a única a funcionar seria o racismo?
Acho que o racismo funciona exatamente porque ele não é estrutural. Minha visão é que o racismo que existia no Brasil estava consolidado e ligado à escravatura. Portanto, a estrutura escravista existia. Há um livro do historiador Jacob Gorender em que ele mostra a estrutura existente na escravidão. Outros ensaístas, como Alberto Torres, mostram que era uma estrutura que funcionava.
O Brasil se sustentou na escravidão, foi ela que fez a acumulação primitiva [de capital] aqui e foi a coisa mais bem-organizada neste país. Mas isso acabou com a Lei Áurea. Ao contrário do que acham alguns amigos meus escritores negros, a Abolição não foi uma farsa. Ela efetivamente acabou com a sociedade escravista e, portanto, acabou com a estrutura escravista, mas não acabou com o racismo. São duas coisas diferentes.
Antes da Abolição, não era necessário um racismo atuante. Quatro quintos da população que trabalhavam como escravos eram torturados no Império de dom Pedro 2º. Mesmo assim, houve naquele momento uma classe média negra, uma intelectualidade negra que emergiu. Grandes figuras da literatura e das artes eram negras.
O primeiro embaixador plenipotenciário do Brasil na Inglaterra, Francisco Jê Acaiaba Montezuma, era um negão baiano muito brilhante. Os artistas negros de Pernambuco formavam uma classe média com quase 2.000 pessoas. Só ouvimos falar deles hoje depois de livros focados nisso porque, como dizia Mário de Andrade, foi uma aurora que não deu dia. Quando veio a Abolição, se esqueceu de tudo isso. A cultura negra passou a ser a cultura popular, reconhecida muito tempo depois.
Desenho de Angelo Agostini publicados na “Revista Ilustrada”, que retrata a brutalidade do cotidiano escravocrata. Acervo Biblioteca Mário de AndradeDesenho de Angelo Agostini publicados na “Revista Ilustrada”, que retrata a brutalidade do cotidiano escravocrata. Acervo Biblioteca Mário de Andrade
Se o racismo brasileiro não é estrutural, qual seria a característica dele?
Ele é institucional. Defino no livro o que é estrutura. É um termo muito preciso na sociologia e na filosofia. O conceito pressupõe uma totalidade fechada de elementos interdependentes. Você pode falar, por exemplo, da estrutura jurídica: a doutrina do direito se reflete nos tribunais, no processo penal, nas leis. Isso é estrutural.
Se dissermos que o racismo é uma estrutura, temos que mostrar qual é a interdependência dos elementos. Aí você diria que, quando se vai selecionar alguém para um emprego, só brancos são selecionados. Mas a estrutura é formal, tem uma forma escrita ou uma forma de costumes que é reconhecida por todos. A discriminação racial no Brasil não é reconhecida por ninguém. Nenhum Estado ou governante se diz racista. Às vezes, os racistas mais atrozes diziam que não eram racistas.
A grande dificuldade do combate ao racismo no Brasil é que, aqui, a negação funciona. O grande mecanismo do racismo é a negação.
Li o livro do Silvio Almeida (“Racismo Estrutural”), e ele não diz o que é uma estrutura. O racismo foi estrutural nos Estados Unidos, na África do Sul…
Então, o sr. defende que, para ser estrutural, o racismo precisa estar explicitamente amparado pela burocracia do Estado.
Silvio Almeida fala de instituições que funcionam como uma correia de transmissão do racismo.
Sou obrigado a me perguntar: correia de transmissão a partir de onde? Quando Lênin diz que os jornais deveriam ser a correia de transmissão do partido para as massas trabalhadoras, você tem de um lado o partido, de outro, as massas, e no meio, o jornalismo.
Sem dúvida, as instituições são uma correia de transmissão, mas não de uma estrutura. Onde é que está essa estrutura? No Estado? Mas o Estado não tem leis racistas, elas acabaram com a Abolição. Estão na economia? Não conheço leis econômicas racistas, conheço discriminações econômicas, mas não leis.
Manifestantes pintam frase #vidaspretasimportam na avenida Paulista. Discriminação racial é o ato de discriminar alguém por conta de sua raça, origem étnica, cor e/ou condição que apresente diferença, com demonstração de suposta superioridade sobre a vítima e com o objetivo de anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou o exercício em igualdade de condições, de direitos e liberdades fundamentais no campo político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada. Folhapress/Bruno Santos – 21.nov.20Ato pelo Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, na avenida Paulista. RACISMO ou INJÚRIA RACIAL: A principal diferença entre o crime de injúria racial e racismo é a quem é dirigida a ofensa . Folhapress/Jardiel Carvalho – 13.mai.21
Não tem uma implicação estritamente racial, são os pobres que pagam mais impostos. Entre eles, você tem claros e escuros —ainda que, sem dúvida, os salários mais baixos sejam dos negros. Acho importante que se estudem esses aspectos embutidos na economia, nas instituições, na remuneração da força de trabalho. Com esses dados, é possível intervir no debate público, tomar um partido antirracista.
Não sou contra a expressão racismo estrutural, sou contra a cientificidade dela.
O sr. disse que, depois da Abolição e da Proclamação da República, surgiu uma nova forma de racismo. Qual é o seu perfil?
O segundo ponto do livro é mostrar a diferença entre sociedade e forma social. Você não vai encontrar na literatura sociológica brasileira essa distinção, mas ela é feita por mim. A sociedade implica uma estrutura: ela tem uma interconexão de seus elementos, ou seja, o modo de produção está articulado com o sistema jurídico, com a política… Toda a visão marxista sobre a sociedade, para mim, é coerente. Nesse ponto, sou bem marxista.
Mas a forma social é outra coisa. Ela é uma imagem que a sociedade projeta de si mesma, que ela tem ou quer ter de si. Isso nós temos individualmente: você tem uma imagem de si mesmo e quer que os outros reconheçam você como uma imagem válida.
Isso também existe em termos coletivos. A imagem que a sociedade tem de si é gerida pelo Estado e pelas classes dirigentes. Ela pode ser oficial, mas também subterrânea, uma imagem oculta que existe e lhe determina. Isso eu chamei de forma social escravista.
Aluna da Emef Ruben Bento Alves, em Caxias do Sul (RS), Sophya Domingues Marcos, 13, tem na família da mãe a afrodescendência . /Carlos Macedo/Folhapress
O que seria essa forma social escravista?
Ela é aparência, mas isso não quer dizer que seja uma ilusão. As aparências existem e continuam a existir por ter força, e é um erro querer lidar só com o que é material, concreto. Na forma social, falo de uma aparência que a sociedade quer ter sobre si mesma: as classes dirigentes querem se ver como brancas, europeias e cristãs, sem ter nada a ver com negros.
Esse querer ver-se é a forma social. Dentro dessa imagem, se desenvolvem os mecanismos linguísticos, psicossociais, de subjetividade e de comunicação. Portanto, a aparência cria formas.
Ou seja, acabou a escravidão, mas nasceu a forma social escravista. Ela mantém a escravidão como ideia e como discriminação institucional. Essa forma não é captada apenas objetivamente, não está em números. Portanto, não é pega pela sociologia quantitativa. São também as percepções, os afetos. A forma social é um conceito que vem da sociologia alemã e está na sociologia francesa contemporânea.
O sr. dá um papel de destaque ao patrimonialismo nisso que chama de forma social.
A forma escravista está ancorada nesse modo de controle social que é o patrimonialismo, ou seja, no poder exercido por grandes famílias, pelo compadrio, pelo afilhadismo. Esse parentesco dominante no Brasil é branco e reproduz a forma social racista. Quis mostrar como essa forma é tão ampla, tão invasiva, tão maior que a estrutura que ela pode atingir o próprio preto. O preto pode se adequar a ela e ser racista contra pretos também.
Vivemos essa forma no cotidiano. Podemos vê-la em explosões súbitas de fúria e agressões. No Maranhão, o cara estava passando com a mulher, veem um homem tentando abrir o próprio carro e acham que ele está tentando roubar o veículo. Aí os dois descem a porrada no homem. Quando foi jogado no chão, a mulher grita para o marido chutar a cabeça da vítima. O carro era dele. Isso é diário no Brasil.
Kaique do Nascimento Mendes (de camisa da seleção) e seu advogado, Ewerton Carvalho. Folhapress/Marlene Bergamo
O sr. diz que essa nova manifestação do racismo está ligada ao fascismo europeu. Qual é a relação entre os dois fenômenos?
Diferentemente do período da escravidão, o racismo pós-abolicionista é plenamente doutrinário, ou seja, ele incorpora ideias europeias sobre o racismo. Essas ideias vêm principalmente da doutrina do eugenismo.
Isso não coincide, em termos de data, só com o período pós-Abolição, mas, nesse momento no mundo, o eugenismo faz parte de uma atmosfera fascista. O que faz com que o fascismo se expanda para Portugal, Espanha e outros países é a questão da preservação do cristianismo e da pureza do homem europeu. É o nacionalismo extremado do homem branco.
O racismo ocidental vem da Igreja Católica e é primeiro antissemita. O modelo do racismo [contra os negros] é o antissemitismo: as primeiras vítimas são os judeus, e os primeiros carrascos são os padres. Depois, isso se transfere para o negro. Os escritos do fascismo incorporam a ideia de eugenia e isso chega aqui muito tempo depois da Abolição, através de igrejas, mas principalmente por meio de intelectuais —Monteiro Lobato é o grande modelo.
O fascismo é o espírito da época do racismo brasileiro. É dele que conflui, para as classes dirigentes brasileiras, a discriminação do negro, que já não era mais jurídica nem política.
No livro, o sr. aponta Nilo Peçanha, que virou presidente em 1909 e era negro, como um caso a ser estudado. O que a história dele diz sobre o racismo à brasileira?
Examinaram pouco essa história.Nilo Peçanha veio de uma família pobre em Campos dos Goytacazes (RJ), a mãe era meio clarinha e o pai era preto, eram agricultores. Ele se tornou um político brilhante e abolicionista, mas não queria ser reconhecido como negro. Ele se maquiava para clarear a pele antes de ser fotografado, e as fotos eram retocadas.
É o primeiro e único presidente negro do Brasil. É uma figura importante por mostrar esse mascaramento, ou seja, a tentativa de não parecer negro, que foi típico do mulato aqui no Brasil. A imprensa o ridicularizava. Faço uma análise linguístico-filosófica do discurso racial, mostrando como ele é atravessado pela ambiguidade. Quis mostrar como há jogos de linguagem no discurso racista, para mostrar como a forma social escravista opera.
O medo é um elemento importante nas relações hierárquicas. Torturavam-se escravospara infligir medo. Uma tortura podia começar porque a sinhá achava que o negro olhou atravessado para ela.
Mas o medo é uma faca de dois fios. O torturador tem medo também. Temer os negros foi algo que se intensificou com a Revolta dos Malês, em 1835, mas já vinha do Haiti e de Cuba e se disseminou entre as classes brasileiras.
Mas como esse medo de revoltas negras nas Américas se transforma no medo de manifestações culturais?
O racismo cultural é o racismo do sentido que o outro produz. Junto com ter medo físico do negro vem, principalmente depois da Abolição, ter medo da cultura afro, do feitiço, que era um ponto de repulsa e atração, porque a classe média branca sempre se consultou nos cultos afros.
Como você sabe, eu sou de candomblé, da hierarquia do Ilê Axé Opô Afonjá. Conheci ao longo da vida professores razoáveis, ateus, que têm medo do pertencimento ao candomblé. A pessoa não acredita em nada, mas tem medo. Isso é o preconceito.
Ao mesmo tempo que há esse preconceito, as artes brasileiras promoveram uma celebração da cultura afro-brasileira, como na obra de tropicalistas ou de Jorge Amado. Como o racismo brasileiro comporta essa contradição?
Porque ele não é estrutural [risos] e essa celebração não foi insurrecional.
Conheci bem o Jorge Amado. Ele dizia que não acreditava em nada, mas era do Axé Opô Afonjá como eu. Não viajava de avião sem que uma mãe de santo fizesse um jogo para ele, porque morria de medo. Quando me confirmei como obá de Xangô, Caymmi entrou comigo. Quando eu estava na Bahia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, esse pessoal não era de candomblé. Hoje, Gil também é obá de Xangô.
Quando digo que essas celebrações na cultura brasileira não representam uma insurreição, quero dizer que não são algo contra o Estado, é mais uma posição existencial. Mas celebrar o candomblé é celebrar aquilo que a cultura afro traz de mais precioso, o apego à vida.
Se o catolicismo é a religião do amor universal irradiado de Cristo, o candomblé é a alegria, uma alegria litúrgica. Quem é baiano é atravessado por essa liturgia. Jorge Amado foi o grande romancista disso. Ele inventa uma Bahia, a língua da Bahia para fora é o jorge-amadês. Todas aquelas histórias são e não são inventadas.
Filhas de santo com trajes rituais e colares de conta nas cores de seus orixás, no terreiro Ilê Axé Oyó Ibessi, de pai Gegeo, no bairro Faceira, em Cachoeira, Recôncavo Baiano . Raul Spinassé/Folhapress/Filha de santo na subida que dá acesso ao terreiro Ilê Axé Oyó Ibessi em Cachoeira, no Recôncavo Baiano; ao fundo, o Rio Paraguaçu e, na outra margem, a cidade de São Félix . Raul Spinassé/Folhapress
Jorge Amado é o ideólogo do povo nacional, e esse povo nacional era um povo mestiço, os baianos. Ele vai encontrar o modelo dessa mestiçagem no candomblé, em que essa mestiçagem não é só ideológica, é cultural também.
No Axé Opô Afonjá, eu já vi padre bater cabeça, já vi judeu bater cabeça. É isso que sempre atraiu Jorge Amado. Quando Jean-Paul Sartre esteve na Bahia, passou o dia inteiro no Axé Opô Afonjá, sentado com mãe Senhora.
Os negros americanos são diferentes. Acho que nossas condições de luta e opressão são bastante diferentes e o que é igual é a cultura negra. O samba nasceu na Praça 11 nas mesmas circunstâncias que o jazz nasceu na praça Congo, em Nova Orleans. Nasceu do candomblé, com os baianos que civilizaram o Rio de Janeiro.
Falo da cultura como a vitalidade do povo. O que é forte nos Estados Unidos vem dos negros, nada é mais forte que a música, que o jazz. Isso cria uma ponte, é como se o ritmo viajasse pelos Estados Unidos, pelo Caribe, por Cuba, e essa ponte não está sob a égide do Estado, é também uma forma social.
Em um mundo com trocas possibilitadas pelas tecnologias da informação, seria necessário pensar o racismo com um recorte global em vez de apenas nacional?
O pensamento nacional, se for forte, vai ser global. O pensamento global não atinge o núcleo do racismo, que está em conformações nacionais. O combate aqui no país tem que ser pensado em termos brasileiros para ser suficientemente forte e se irradiar transnacionalmente. É algo que o Brasil pode oferecer ao mundo, uma chave de saída do racismo.
Como?
O principal modo de combater o racismo não é pensar intelectualmente a diferença. Não dou muita atenção a toda essa coisa de proteger linguisticamente a diferença, por exemplo. A filosofia da diferença é a grande filosofia moderna, que fala da necessidade de aceitar o diferente. É um pensamento avançado e global.
Mas, para mim, o principal modo de combater o racismo é o pensamento da aproximação, que é mais completo. É o morar junto, a vizinhança na escola, no trabalho, nas relações amorosas. A aproximação está em qualquer unidade que se possa construir, e o racismo se exacerba quando os diferentes estão próximos.
O Brasil já é um país que tem as oportunidades de aproximação pela própria heterogeneidade da população. Temos que pensar as diferentes formas de existir no Brasil e aprender com elas. Onde você não encontra racismo aqui? No Axé Opô Afonjá, no candomblé de Menininha do Gantois, no terreiro da Casa Branca, nas rodas de capoeira. Será que não pode vir daí uma lição?
Não é que as pessoas sejam perfeitas, mas há modos de vida ali que são antirracistas. São casos pequenos, mas é do pequeno que você começa a pensar o grande. Foi assim que Davi matou Golias.
O FASCISMO DA COR: UMA RADIOGRAFIA DO RACISMO NACIONAL
As affirmative action prepares to meet its fate before a transformed Supreme Court, after having been deemed constitutional in higher education for more than four decades, the cases to be argued on Monday bring into sharp focus a stunning reality.
After all this time, after the civil rights movement and the many anti-discrimination laws it gave birth to, after the election of the first Black president and the profound racial reckoning of the past few years — perhaps because of all those things — the country is still debating the meaning of Brown v.Board of Education.
A dispute over what the court meant when it declared in 1954 that racial segregation in the public schools violates constitutional equality is not what I expected to find when I picked up the daunting pile of briefs filed in two cases challenging racially conscious admissions practices at Harvard and the University of North Carolina. There are more than 100 briefs, representing the views of hundreds of individual and organizational “friends of the court,” in addition to those filed by the parties themselves.
Both cases were developed by a made-to-order organization called Students for Fair Admissions Inc. The group asks the court in both cases to overturn Grutter v. Bollinger, its 2003 decision upholding affirmative action in student admissions to the University of Michigan’s law school.
Justice Sandra Day O’Connor, writing for the majority in Grutter, said then that society’s interest in maintaining a diverse educational environment was “compelling” and justified keeping affirmative action going, as needed, for the next 25 years. Since that was 19 years ago, I expected to read an argument for why the timetable should be foreshortened or, more broadly, why diversity should no longer be considered the compelling interest the court said it was in 1978 in Regents of the University of California v. Bakke. The court concluded in that case that race could be used as one criterion by universities in their admissions decisions.
Instead, I found this bold assertion on page 47 of the plaintiff’s main brief: “Because Brown is our law, Grutter cannot be.”
Relying on a kind of double bank shot, the argument by Students for Fair Admissions goes like this: The Brown decision interpreted the 14th Amendment’s equal protection guarantee to prohibit racial segregation in public schools. In doing so, it overturned the “separate but equal” doctrine established 58 years earlier in Plessy v. Ferguson. Therefore, the court in Brown necessarily bound itself to Justice John Marshall Harlan’s reference in his dissenting opinion in Plessy to a “colorblind” Constitution.
“Just as Brown overruled Plessy’s deviation from our ‘colorblind’ Constitution, this court should overrule Grutter’s,” the group asserts in its brief. “That decision has no more support in constitutional text or precedent than Plessy.”
Briefs on the universities’ side take vigorous issue with what the University of North Carolina’s brief calls “equal protection revisionism.” Noting that Justice Harlan’s objection to enforced separation of the races was that it imposed a “badge of servitude” on Black citizens, the brief observes that “policies that bring students together bear no such badge.”
Moreover, a brief by the NAACP Legal Defense and Educational Fund Inc., under the auspices of which Thurgood Marshall argued Brown before the Supreme Court, warns that the plaintiff’s position “would transform Brown from an indictment against racial apartheid into a tool that supports racial exclusion.” The “egregious error” in the court’s majority opinion in Plessy, the legal defense fund’s brief explains, was not its failure to embrace a “colorblind” ideal but its “failure to acknowledge the realities and consequences of persistent anti-Black racism in our society.” For that reason, the brief argues, the Grutter decision honored Brown, not Plessy.
“Some level of race-consciousness to ensure equal access to higher education remains critical to realizing the promise of Brown,” the defense fund argues.
Grutter was a 5-to-4 decision. While the court was plainly not at rest on the question of affirmative action, it evidently did not occur to the justices in 2003 to conduct their debate on the ground of which side was most loyal to Brown. Each of the four dissenters — Chief Justice William Rehnquist and Justices Anthony Kennedy, Antonin Scalia and Clarence Thomas — wrote an opinion. None cited Brown; Justice Thomas quoted Justice Harlan’s “our Constitution is colorblind” language from his Plessy dissent in the last paragraph of his 31-page opinion, which was mainly a passionate expression of his view that affirmative action has hurt rather than helped African Americans.
While the contest at the court over Brown’s meaning is new in the context of higher education, it was at the core of the 2007 decision known as Parents Involved, which concerned a limited use of race in K-12 school assignments to prevent integrated schools from becoming segregated again. In his opinion declaring the practice unconstitutional, Chief Justice John Roberts had this to say: “Before Brown, schoolchildren were told where they could and could not go to school based on the color of their skin. The school districts in these cases have not carried the heavy burden of demonstrating that we should allow this once again — even for very different reasons.” In his dissenting opinion, Justice Stephen Breyer called the chief justice’s appropriation of Brown “a cruel distortion of history.”
The invocation of a supposedly race-neutral 14th Amendment — as the former Reagan administration attorney general Edwin Meese III phrased it in his brief against the universities — goes to the very meaning of equal protection. That was clear earlier this month in the argument in the court’s important Voting Rights Act case in the new term.
Alabama is appealing a decision requiring it to draw a second congressional district with a Black majority. Alabama’s solicitor general, Edmund LaCour, denounced the decision as imposing a racial gerrymander that he said placed the Voting Rights Act “at war with itself and with the Constitution.” “The Fourteenth Amendment is a prohibition on discriminatory state action,” he told the justices. “It is not an obligation to engage in affirmative discrimination in favor of some groups vis-à-vis others.”
The newest member of the court, Justice Ketanji Brown Jackson, pushed back strongly with an opposite account of the 14th Amendment’s origins. “I don’t think that the historical record establishes that the founders believed that race neutrality or race blindness was required,” she said. “The entire point of the amendment was to secure the rights of the freed former slaves.”
It is no coincidence that challenges to the constitutionality of both affirmative action and the Voting Rights Act appear on the court’s calendar in a single term. The conjunction reflects the accurate perception that the current court is open to fundamental re-examination of both. Indeed, decisions going back to the 1980s have held that in setting government policy, race cannot be a “predominant” consideration. But whether because the votes haven’t been there or from some institutional humility no longer in evidence, the court always stopped short of proceeding to the next question: whether the Constitution permits the consideration of race at all.
That question, always lurking in the background, is now front and center. Not too long ago, it would have been scarcely thinkable that if and when the court took that step, it would do so in the name of Brown v. Board of Education. But if the last term taught us anything, it’s that the gap between the unthinkable and the real is very short, and shrinking fast.
Ms. Greenhouse, the recipient of a 1998 Pulitzer Prize, reported on the Supreme Court for The Times from 1978 to 2008 and was a contributing Opinion writer from 2009 to 2021.
A growing number of forensic researchers are questioning how the field interprets the geographic ancestry of human remains.
Credit: John M. Daugherty/Science Source
Oct. 19, 2021, 2:30 a.m. ET
Racial reckonings were happening everywhere in the summer of 2020, after George Floyd was killed in Minneapolis by the police. The time felt right, two forensic anthropologists reasoned, to reignite a conversation about the role of race in their own field, where specialists help solve crimes by analyzing skeletons to determine who those people were and how they died.
Dr. Elizabeth DiGangi of Binghamton University and Jonathan Bethard of the University of South Florida published a letter in The Journal of Forensic Science that questioned the longstanding practice of estimating ancestry, or a person’s geographic origin, as a proxy for estimating race. Ancestry, along with height, age at death and assigned sex, is one of the key details that many forensic anthropologists try to determine.
That fall, they published a longer paper with a more ambitious call to action: “We urge all forensic anthropologists to abolish the practice of ancestry estimation.”
In recent years, a growing number of forensic anthropologists have grown critical of ancestry estimation and want to replace it with something more nuanced.
Criminal cases in which the victim’s identity is entirely unknown are rare. But in these instances, some forensic anthropologists argue, a tool like ancestry estimation can be crucial.
The assessment of race has been a part of forensic anthropology since the field’s inception a century ago. The earliest scholars were white men who studied human skulls to support racist beliefs. Ales Hrdlicka, a physical anthropologist who joined the Smithsonian Institution in 1903, was a eugenicist who looted human remains for his collections and sought to classify humans into different races based on certain appearances and traits.
An expert on skeletons, Dr. Hrdlicka helped law enforcement identify human remains, laying the blueprint for the professional field. Forensic anthropologists thereafter were expected to produce a profile with the “Big Four” — age at death, sex, height and race.
In the 1990s, as more scientists debunked the myth of biological race — the notion that the humans species is divided into distinct races — anthropologists grew sharply divided over the issue. One survey found that 50 percent of physical anthropologists accepted the idea of a biological concept of race, while 42 rejected it. At the time, some researchers still used terms like “Caucasoid,” “Mongoloid” and “Negroid” to describe skeletons, and DNA as a forensic tool was still many years away. Today in the U.S., the field of forensic anthropology is 87 percent white.
Credit: Sueddeutsche Zeitung Photo/Alamy
In 1992, Norman Sauer, an anthropologist at Michigan State University, suggested dropping the term “race,” which he considered loaded, and replacing it with “ancestry.” The term became universal. But some researchers contend that little changed about the practice.
When Shanna Williams, a forensic anthropologist at the University of South Carolina School of Medicine Greenville, was in graduate school around a decade ago, it was still customary to sort skeletons into one of the “Big Three” possible populations — African, Asian or European.
But Dr. Williams grew suspicious of the idea and the way ancestry was often assigned. She saw skulls designated as “Hispanic,” a term that refers to a language group and has no biological meaning. She considered how the field might try, and fail, to sort her own skull. “My mom is white, and my dad is Black,” she said. “Do I fit that mold? Am I perfectly one thing or the other?”
The body of a skeleton can provide a person’s age or height. But the question of ancestry is reserved for the skull — specifically, features of face and skull bones, known as morphoscopic traits, that vary across different groups of humans and can occur more frequently in certain populations.
One trait, called the post-bregmatic depression, is a small indentation located on top of some people’s heads. For a long time, forensic anthropologists assumed that if the skull was indented, the person may be Black.
But forensic anthropologists know little else about the post-bregmatic depression. “There’s not been any understanding as to why this trait exists, what causes it, and what it means,” Dr. Bethard said.
Moreover, the science linking the trait and African ancestry was flawed. In 2003, Joe Hefner, a forensic anthropologist at Michigan State University, used trait lists from a key textbook, “Skeletal Attribution of Race,” to examine more than 700 skulls for his masters thesis. He found that the post-bregmatic depression was present in only 40 percent of people with African ancestry, and is actually more common in many other populations.
Of the 17 morphoscopic traits typically used to estimate ancestry, only five have been studied for whether they are heritable, making it unclear why the unstudied traits would correspond with specific populations. “There’s been this use and reuse of these traits without a fundamental understanding of what they even are,” Dr. Bethard said.
Nonetheless, Dr. Hefner said, if nothing is known about a victim beyond the shape of their skull, ancestry might hold the key to their identity.
He cited a recent example in Michican in which the police had a skull that they believed belonged to a missing woman, one of two who were reported missing in the county at the time. When Dr. Hefner examined it and searched the list of missing people in the area, he concluded that the skull might have come from a missing Southeast Asian male. “They sent us his dental records over and five minutes later we had identified this person,” Dr. Hefner said.
Dr. DiGangi worries that these estimations could suggest to the police that biological race is real and increase racial bias. “When I say to the police, ‘OK, I took these measurements, I looked at these things on the skull and this person is African-American,’ of course they’re going to think it’s biological,” Dr. DiGangi said. “Why would they not?”
To what extent this concern plays out in the real world is hard to measure, however.
Credit: Juan Diego Reyes for The New York Times
For the past two years, Ann Ross, a forensic anthropologist at North Carolina State University, has pushed the American Academy of Forensic Sciences Standards Board to replace ancestry estimation with something new: population affinity.
Whereas ancestry aims to trace back to a continent of origin, population affinity aims to align someone with a population, such as Panamanian. This more nuanced framework looks at how the larger history of a place or community can lead to significant differences between populations that are otherwise geographically close.
A recent paper by Dr. Ross and Dr. Williams, who are close friends, examines Panama and Colombia as a test case. An ancestry estimation might suggest people from both countries would have similarly shaped skulls. But population affinity acknowledges that the trans-Atlantic slave trade and colonization by Spain resulted in new communities living in Panama that changed the makeup of the country’s population. “Because of those historical events, individuals from Panama are very, very different from those from Colombia,” said Dr. Ross, who is Panamanian.
Dr. Ross even designed her own software, 3D-ID, in place of Fordisc, the most commonly used forensic software that categorizes skulls into inconsistent terms: White. Black. Hispanic. Guatemalan. Japanese.
Other anthropologists say that, for all practical purposes, their own ancestry estimations have become affinity estimations. Kate Spradley, a forensic anthropologist at Texas State University, works with the unidentified remains of migrants found near the U.S.-Mexico border. “When we reference data that uses local population groups, that’s really affinity, not ancestry,” Dr. Spradley said.
In her work, Dr. Spradley uses missing persons’ databases from multiple countries that do not always share DNA data. The bones are often weathered, fragmenting the DNA. Estimating affinity can “help to provide a preponderance of evidence,” Dr. Spradley said.
Still, Dr. DiGangi said that switching to affinity may not address racial biases in law enforcement. Until she sees evidence that bias does not preclude people from becoming identified, she says, she does not want a “checkbox” that gets at ancestry or affinity.
As of mid-October, Dr. Ross is waiting for the American Academy of Forensic Sciences Standards Board to set a vote to determine whether ancestry estimation should be replaced with population affinity. But the larger debate — over how to bridge the gap between a person’s bones and identity in real life — is far from settled.
“In 10 or 20 years, we might find a better way to do it,” Dr. Williams said. “I hope that’s the case.”
Is it really just code for white people wishing to hold onto their way of life or to get “back to normal?”
People of color are disproportionately harmed by climate change, but whites disproportionately fret publicly about it. Credit: Spencer Platt Getty Images
The climate movement is ascendant, and it has become common to see climate change as a social justice issue. Climate change and its effects—pandemics, pollution, natural disasters—are not universally or uniformly felt: the people and communities suffering most are disproportionately Black, Indigenous and people of color. It is no surprise then that U.S. surveys show that these are the communities most concerned about climate change.
One year ago, I published a book called A Field Guide to Climate Anxiety. Since its publication, I have been struck by the fact that those responding to the concept of climate anxiety are overwhelmingly white. Indeed, these climate anxiety circles are even whiter than the environmental circles I’ve been in for decades. Today, a year into the pandemic, after the murder of George Floyd and the protests that followed, and the attack on the U.S. Capitol, I am deeply concerned about the racial implications of climate anxiety. If people of color are more concerned about climate change than white people, why is the interest in climate anxiety so white? Is climate anxiety a form of white fragility or even racial anxiety? Put another way, is climate anxiety just code for white people wishing to hold onto their way of life or get “back to normal,” to the comforts of their privilege?
The white response to climate change is literally suffocating to people of color. Climate anxiety can operate like white fragility, sucking up all the oxygen in the room and devoting resources toward appeasing the dominant group. As climate refugees are framed as a climate security threat, will the climate-anxious recognize their role in displacing people from around the globe? Will they be able to see their own fates tied to the fates of the dispossessed? Or will they hoard resources, limit the rights of the most affected and seek to save only their own, deluded that this xenophobic strategy will save them? How can we make sure that climate anxiety is harnessed for climate justice?
My book has connected me to a growing community focused on the emotional dimensions of climate change. As writer Britt Wray puts it, emotions like mourning, anger, dread and anxiety are “merely a sign of our attachment to the world.” Paradoxically, though, anxiety about environmental crisis can create apathy, inaction and burnout. Anxiety may be a rational response to the world that climate models predict, but it is unsustainable.
And climate panic can be as dangerous as it is galvanizing. Dealing with feelings of climate anxiety will require the existential tools I provided in A Field Guide to Climate Anxiety, but it will also require careful attention to extremism and climate zealotry. We can’t fight climate change with more racism. Climate anxiety must be directed toward addressing the ways that racism manifests as environmental trauma and vice versa—how environmentalism manifests as racialized violence. We need to channel grief toward collective liberation.
The prospect of an unlivable future has always shaped the emotional terrain for Black and brown people, whether that terrain is racism or climate change. Climate change compounds existing structures of injustice, and those structures exacerbate climate change. Exhaustion, anger, hope—the effects of oppression and resistance are not unique to this climate moment. What is unique is that people who had been insulated from oppression are now waking up to the prospect of their own unlivable future.
It is a surprisingly short step from “chronic fear of environmental doom,” as the American Psychological Association defines ecoanxiety, to xenophobia and fascism. Racism is not an accidental byproduct of environmentalism; it has been a constant reference point. As I wrote about in my first book, The Ecological Other, early environmentalists in the U.S. were anti-immigrant eugenicists whose ideas were later adopted by Nazis to implement their “blood and soil” ideology. In a recent, dramatic example, the gunman of the 2019 El Paso shooting was motivated by despair about the ecological fate of the planet: “My whole life I have been preparing for a future that currently doesn’t exist.” Intense emotions mobilize people, but not always for the good of all life on this planet.
Today’s progressives espouse climate change as the “greatest existential threat of our time,” a claim that ignores people who have been experiencing existential threats for much longer. Slavery, colonialism, ongoing police brutality—we can’t neglect history to save the future.
RESILIENCE AND RELATION AS RESISTANCE
I recently gave a college lecture about climate anxiety. One of the students e-mailed me to say she was so distressed that she’d be willing to submit to a green dictator if they would address climate change. Young people know the stakes, but they are not learning how to cope with the intensity of their dread. It would be tragic and dangerous if this generation of climate advocates becomes willing to sacrifice democracy and human rights in the name of climate change.
Oppressed and marginalized people have developed traditions of resilience out of necessity. Black, feminist and Indigenous leaders have painstakingly cultivated resilience over the long arc of the fight for justice. They know that protecting joy and hope is the ultimate resistance to domination. Persistence is nonnegotiable when your mental, physical and reproductive health are on the line.
Instead of asking “What can I do to stop feeling so anxious?”, “What can I do to save the planet?” and “What hope is there?”, people with privilege can be asking “Who am I?” and “How am I connected to all of this?” The answers reveal that we are deeply interconnected with the well-being of others on this planet, and that there are traditions of environmental stewardship that can be guides for where we need to go from here.
Author’s Note: I want to thank Jade Sasser, Britt Wray, Janet Fiskio, and Jennifer Atkinson for rich discussions about this topic, which inform this piece.
This is an opinion and analysis article.
Sarah Jaquette Ray, Ph.D., is professor and chair in the Environmental Studies Department at Humboldt State University.
Lia Vainer Schucman: O que o ‘medo branco’ tem a dizer sobre lugar de fala, raça, Beyoncé e cancelamento
Lia Vainer Schucman, 13 de agosto de 2020
[RESUMO] Para autora, onda de insatisfação com o tratamento da antropóloga Lilia Schwarcz pelo significante “branca” ensina que a posição de vantagem estrutural dos brancos em sociedades racistas pode aprisionar o grupo que a criou.
No debate sobre lugar de fala, mercado epistemológico de raça e cancelamento que tomou a polêmica em torno do texto de Lilia Schwarcz sobre Beyoncé, um aspecto pouco elaborado é o do medo branco.
Pude observar reações e sentimentos opostos (que também me acometem) por parte dos brancos com quem eu converso. A primeira e mais comum é um sentimento de solidariedade com Lilia Schwarcz, medo de ser o próximo a ser questionado. A outra reação é uma tentativa de se distanciar para afirmar uma branquitude mais crítica, ou seja: o medo de ser “igual”.
As duas reações fazem parte de um sentimento novo para nós brancos brasileiros. Significa que nossa racialidade está sendo marcada, algo que acontece há alguns séculos com negros e indígenas no Brasil, ou seja: é quando o grupo antecede o indivíduo (o que nomeamos de processo de racialização).
Quando isso ocorre, todo sujeito de um grupo passa a representar o grupo como um todo. Estudar raça sem acreditar absolutamente em nada que possa essencializar os humanos —o que significa dizer que não há nada intrínseco que possa diferenciar negros de brancos e indígenas— é o paradoxo que o tema impõe.
Não há raça, não há nada biologicamente ou até mesmo culturalmente que determine o que chamamos de brancos, negros e indígenas. Contudo, há sociológica e historicamente um mundo de determinações estruturais próprias das desigualdades ou vantagens sociais ancoradas nos corpos negros e brancos.
Dessa forma, o que não existe na biologia torna-se materialmente real nos corpos que circulam. Há uma prisão da raça que atinge todos os negros em uma sociedade racista —os estereótipos construídos sobre o negro aprisionam os corpos e limitam possibilidades: o olhar da polícia, a construção subjetiva do que é belo, a forma com que os sujeitos são localizados na sociedade (sempre como representantes de um grupo particular, enquanto os brancos representariam a humanidade como um todo).
Contudo, se a raça limita os negros, ela também aprisiona os brancos naquilo que se denomina branquitude. A branquitude, identidade racial dos brancos, caracteriza-se como um lugar de vantagem estrutural nas sociedades, sob a égide do racismo, e é definida pela socióloga Ruth Frankenberg como um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê os outros e a si mesmo, uma posição de poder, um lugar confortável do qual se pode atribuir ao outro aquilo que não se atribui a si mesmo: a racialização.
O que querem os brancos? A recusa dessa prisão. Nenhum branco quer ser olhado de forma racializada, nenhum de nós quer ser limitado em nossas subjetividades, ou seja, nenhum de nós quer ser resumido, em toda sua complexidade, ao nome “branco”.
Assim, nestes dias, pude observar uma onda de reclamações sobre a redução de uma intelectual como Lilia Schwarcz ao significante “branca”. O que isso nos ensina? Que obviamente se a raça foi e é criada cotidianamente para aprisionar o “outro”, em qualquer momento ela pode aprisionar os indivíduos do grupo que a criou.
A branquitude, no entanto, formou-se em cima do engodo de que nomear o outro é uma possibilidade apenas dada aos brancos, como se isso fosse uma essência garantida e hereditária. Essa possibilidade, assim como todas as questões que envolvem a raça, não está aí por essência, mas sim pelas relações de poder. E poder não é algo dado, e sim um exercício de dominação cotidiana —e, sendo um exercício, ele pode circular.
Ser nomeado como “branco” não como um desejo, e sim como um deboche é o maior medo de nós, brancos. Há sempre um receio de sermos “zombados”, de sermos objetos de um olhar que não seja de admiração ou de desejo de branqueamento. Há o medo de que a brancura tenha significados não positivos, mas sim aqueles que situem os brancos como responsáveis pela miséria do mundo ou, ainda, como muitos povos indígenas nos nomeiam, “o povo da mercadoria”, “o povo da destruição”. Trata-se do medo da racialização branca pelo outro, e não mais por si mesmo.
Considerar que o branco pode ser alvo do desprezo é o medo branco, e aí está o motivo de muitos terem medo de se misturarem em lugares onde a branquitude não é o lugar de desejo, mas sim de deboche. A opção por não se misturar protege os brancos, pois só assim nossa branquitude não será colocada em questão.
São o negro e o indígena que facilmente podem apontar e revelar nossa branquitude. Nesse sentido, não há como os brancos sermos livres da redução da raça enquanto estivermos em uma sociedade racista, afirmando a raça do outro.
É óbvio que é preciso pensar: o medo do deboche é próprio do que Robin DiAngelo nomeou como fragilidade branca. Sim, o deboche não mata e não promove impedimentos para quem tem privilégio. É possível ignorar, deixar de acessar ou até mesmo sublimar. Quando se está no poder, até as polêmicas e ataques podem ser rentáveis e vantajosas.
Sobre medo branco, recomendo o texto “Branquitude e branqueamento no Brasil“, de Maria Aparecida Bento. Sobre branquitude acrítica e branquitude crítica, ver Lourenço Cardoso.
Maria Rita Kehl e seu avô o pai da eugenia no Brasil, Renato Kehl – Imagem – Colagem Google Images
Maria Rita Kehl está sentindo o desconforto de viver em um mundo onde vozes de pessoas diferentes, principalmente negras têm maior impacto na sociedade. O desconforto grita na escolha do título “lugar de cale-se” e desce a ladeira ao longo de parágrafos que tentam construir a ideia de que os movimentos chamados identitários estão promovendo linchamentos virtuais.
Várias personalidades como o Emicida já abordaram isso em entrevistas recentes: nas décadas passadas quando uma dessas colunistas ou jornalistas escrevia sua versão da história não existia um espaço de debate tão massivo quanto hoje para poder provocar uma reação diferente sobre o tema. Isso que estão chamando de “cancelamento” não passa desse questionamento natural sobre um posicionamento, que hoje temos voz para cobrar.
Maria Rita Kehl precisa ter muito cuidado ao utilizar termos como linchamento virtual porque parece grande vitimista em um país que as pessoas que chama de identitários são as verdadeiras canceladas dos espaços de discussão e poder. Estou falando da maior parte do Brasil que ainda é impactada pelos estereótipos e estruturas racistas dos séculos passados e pode atravessar a linha da pobreza ao perder o emprego; Daquele entregador de Ifood que leva sua comida e se receber avaliações ruins no aplicativo vai ver a família passar fome ou daquele caixa do supermercado que enfrenta a Covid-19 e pode ter a luz cortada se alguém resolve reclamar com o gerente – isso sim é cancelamento.
Não é cancelamento quando a dona da maior editora brasileira é criticada na internet ou quando alguém que finge que o sobrenome da família não abriu portas na sociedade e que está longe de cair no esquecimento das elites com a mesma velocidade que o país se esquece de Ágatha Félix, João Pedro e Rafael Braga.
Realmente nós somos iguais ou parecemos “em direitos, em dignidade”, mas se engana quem acredita que somos iguais em “Liberdade de expressão”. Como igualar essa liberdade o veículos mais importantes do país, que alcançam milhões de pessoas, tem apenas 2% homens negros e 2% mulheres negras em suas redações?
Esse é o fracasso da “capacidade de empatia” da autora, que tenta se igualar à um negro escravizado e enforcado, utilizando a música Strangefruit como alegoria. Argumento de quem tenta empurrar pra baixo do tapete a estrutura racista do país que permitiu que pessoas como ela recebessem algumas vantagens, aliás que seu avô ajudou a construir. Maria Rita kehl é neta do chamado Pai da Eugenia brasileira, Renato Kehl, o cara que conseguiu institucionalizar as teorias racistas organizando congressos, publicações e discussões políticas como a esterilização dos considerados “degenerados” – crença da ciẽncia da época que considerava a herança da mestiçagem e do sangue africano inferior na escala da humanidade.
Claro que ela não carrega nenhuma culpa por isso, como a própria descreveu no texto “Entendi, na adolescência, que ele a defendia supremacia da “boaraça”. Que conceito desprezível, para dizer o mínimo.”
Agora não dá para dizer que, mesmo sem culpa, sua posição na sociedade brasileira não recebeu o prestígio desse nome. Afinal, Renato Kehl fez carreira com o ódio à miscigenação, assessorou governos, se reuniu com políticos, foi diretor de multinacional (Bayer) durante 23 anos, fundou revistas farmacéuticas, escreveu no jornal “A Gazeta” de São Paulo, também, por duas décadas e até hoje é médico emérito da Academia Nacional de Medicina
Repito, ninguém carrega culpa dos seus ancestrais, o que carrega é mesmo dinheiro, reputação e acesso às estruturas de um país desigual. Falar de igualdade dessa posição que se ocupa é muito confortável. Questionar os movimentos negros e chamá-los de identitários por criticar essa posição e por reivindicar para si um espaço de discussão que não existia antes é uma tentativa de reforçar seu privilégio. Tenho a infeliz certeza de que ninguém tem o poder de silenciar sua obra, seu trabalho e atuação. Só que o mundo mudou bastante e agora estamos aqui e ali, discutindo na internet, mantendo a memória viva de quem são e como surgiram as pessoas que estão se sentindo ameaçadas com a ascensão da intelectualidade negra ao debate público nesse país.
O que seria da democracia se cada um de nós só fosse autorizado a se expressar em relação a temas concernentes a sua experiência pessoal? O que seria do debate público?
Decidi participar do debate entre setores do Movimento Negro e Lilian Schwarcz a respeito da Beyoncé, porque admiro muito tanto Lilian quanto o MNU. Acompanhei com interesse a divergência; admiro a Lilian por sua retratação pública, considerando que ela tenha sido convencida pelas críticas do Movimento Negro. Não gosto de imaginar que tenha feito isso apenas porque lhe sugeriram que calasse a boca. Acredito que a palavra, quando utilizada para argumentar e convidar o outro a pensar e debater conosco, seja o melhor recurso para resolver, ou ao menos dialetizar, ideias e valores situados em polos aparentemente opostos do vasto campo da opinião pública.
Decidi agora, a partir do que aconteceu também com Djamila Ribeiro, debater essa questão de Movimentos Identitários e Cultura do Cancelamento. Apesar da enorme diferença entre minha experiência de vida e as experiências de vida dos descendentes de escravizados – prática horrenda que, no Brasil, durou 300 anos! – eu nos considero iguais em direitos e na capacidade de compreender o mundo para além de nossos diferentes quintais. Sim, estou ciente de que o quintal onde nasci é privilegiado, em relação ao de Djamila. Mais ainda em relação ao de muitos descendentes de africanos pobres. Peço desculpas se mesmo assim insisto em me considerar, como no verso de Baudelaire, sua igual, sua irmã.
O que seria da democracia se cada um de nós só fosse autorizado a se expressar em relação a temas concernentes a sua experiência pessoal? O que seria do debate público? Cada um na sua casinha…? O que seria da solidariedade, essa atitude baseada na identificação com o nosso semelhante na diferença, se só conseguíssemos nos solidarizar com quem vive as mesmas experiências que nós? Bom, tem gente que é assim, não sai de seu cercadinho. Não pertenço a esse grupo, e creio que você, Djamila, também não. Se eu fosse torturada você se importaria, imagino, a despeito da cor da minha pele. O mesmo vale de mim para você.
Meu “lugar de fala” é aquele de quem se identifica com a dor dos outros. Mas também é o de quem se permite criticar atitudes preconceituosas ou injustas, venham de onde vierem. Embora seja importante reconhecer a dignidade da condição de quem é vítima de alguma opressão – econômica, racial, sexual – não há motivos para acreditar que os oprimidos sejam santos. Isso não tem nenhuma importância. Você, “pecadora” como todos nós, foi vítima de discriminação por parte de seus irmãos de cor, membros do Movimento Negro Unificado.
Considero as políticas identitárias como recursos essenciais para impor respeito, exigir reparação por todos os crimes do racismo assim como lutar (ainda!) por igualdade de direitos. Abomino todas as formas de discriminação baseadas na cor da pele, no país de origem, na fé religiosa ou nas diferenças de práticas culturais. Nenhuma “palavra de ordem” se manteve mais atual, ao longo dos séculos, do que o lema da Revolução Francesa: igualdade, liberdade e fraternidade. Me parece que o que está em causa, quanto ao que acontece com pessoas de descendência europeia e as descendentes de africanos, seja a “igualdade”. Como considerar iguais pessoas oriundas de classes sociais, grupos étnicos e experiências de vida tão desiguais?
Mas, sim, em alguns pontos somos iguais. Em direitos (embora, no Brasil, tantos deles sejam desrespeitados). Em dignidade. Na capacidade de produzir cultura, seja musical, pictórica, teatral. Nesse aspecto da produção de cultura, entra em causa a liberdade de expressão. Podemos participar, sem pedir licença a ninguém, de todos os debates que nos interessem. Podemos nos pronunciar a respeito de problemas e questões que não fazem parte de nosso dia a dia. São questões dos “outros”. Mas que nos importam. Queremos falar. Se a palavra não é livre, o que mais será? Mas, claro: abomino a palavra que induz a linchamentos virtuais.
Não quero imaginar um mundo em que cada um de nós só pudesse dialogar com seus supostos “iguais” em gênero, cor da pele ou classe social. Senão como pude eu, branquela de classe média urbana, ter sido aceita pelos “compas” do MST com quem trabalhei entre 2006 e 2011, até ingressar na Comissão da Verdade? Como pude ser respeitada entre grupos indígenas para relatar, no capítulo que me coube escrever, o genocídio sofrido por eles durante a ditadura se nunca, antes disso, tinha sequer pisado em uma aldeia?
Durante o nazismo, um dos períodos mais horrendos que a humanidade atravessou, algumas famílias alemãs não hitleristas abrigaram famílias judias em suas casas, salvando muitas delas. Alguns esses alemães antirracistas foram denunciados por seus vizinhos e assassinados pela Gestapo. Mesmo pertencendo à “raça ariana”, foram mártires em sua ação solidária contra o genocídio.
Meu sobrenome é alemão. Meu avô, muito carinhoso comigo na infância, era antissemita por razões “eugenistas”. Entendi, na adolescência, que ele a defendia supremacia da “boaraça”. Que conceito desprezível, para dizer o mínimo. Mais justo é dizer: que conceito criminoso. Nenhum dos seis netos dele compartilha aquelas ideias. E defendo que nenhum de nós deva ser calado num debate sobre “raça” por conta de nossa ascendência e de nosso avô.
Aliás, por conta dessa essa ascendência que não escolhi (para mim, ele era só um doce avô), talvez o Movimento Negro me considere a última pessoa autorizada a dialogar com seus ativistas. Mas quero correr o risco. Acima de todas as diferenças, aposto sempre na livre circulação da palavra e do debate. E afirmo que nosso habitat “natural” é esse caldo de culturas que constitui o vasto mundo da palavra – fora do qual, o que seria do ser humano? Como escreveu Pessoa, apenas um “cadáver adiado que procria”.
Já participei, com alegria, de muitas manifestações do dia da Consciência Negra. Tenho inúmeras afinidades com a cultura que seus antepassados, generosamente, nos legaram. Sou do samba, desde criancinha. Meus tios maternos, boêmios, tocavam e cantavam. “Caí no caldeirão”, como Obelix. Às vezes penso que sei, de cor, todos os sambas desde o final do século dezenove até o final do vinte. Sou filha de Santo: que pretensão, não é? Nem pedi para isso acontecer, foi o santo que “mandou”. Essa filiação me encoraja muito na hora das dificuldades.
Escrevi um ensaio sobre a história do samba que começa com o abandono dos escravizados depois da Abolição; é claro que o “sinhozinho” que explorava trezentos africanos, ao ter que pagar pelo menos um salário de fome a cada um, preferiu botar duzentos e cinquenta na rua e explorar até o osso os outros cinquenta. Ao contrário do que aconteceu em alguns Estados do sul dos Estados Unidos, aqui ninguém recebeu nenhuma reparação pelos abusos sofridos durante gerações. Foi preciso que um operário chegasse ao poder para instaurar algumas políticas reparatórias, como as cotas para afrodescendentes ingressarem nas universidades ou a legalização das terras quilombolas.
Nos Estados Unidos, país hoje governado por um dos ídolos do desgovernante brasileiro, existe uma grande população afrodescendente de classe média. Um descendente de africanos presidiu o país, por dois mandatos, de forma relativamente progressista – até onde o congresso permitiu. Outro deles é um cineasta genial. A produtora de Spyke Lee se chama “Forty Acres and a Mule” em referência à reparação que deveria ter sido recebida por seus antepassados após a Guerra Civil..
Vamos também contar os compositores, músicos e cantores de jazz. Tocavam em espaços que os brancos não racistas nunca foram proibidos de frequentar e ouvir.
Aqui no Brasil, diante do abandono dos escravizados recém libertos, os brasileiros descendentes de portugueses, italianos e outros europeus racistas estabeleceram uma associação vergonhosa entre as pessoas de pele escura e a “vadiagem”. Uma ruindade a mais, entre tantas outras.Mas os exescravizados, sem trabalho depois da Abolição [1], que se reuniam na Pedra do Sal, na zona portuária do Rio, a espera do trabalho pesado de ajudar a descarregar navios que chegavam, nas suas horas vagas criaram o samba: uma das marcas mais fortes da cultura brasileira. Que nunca nós, brancos, fomos proibidos de cantar e dançar. Na Bahia, surgiram os terreiros de Candomblé, que não atendem apenas os negros. Brancos podem se consultar e se for o caso, a mando do santo, se filiar.
Para que você não pense que o atrevimento de me identificar com a riquíssima cultura que você compartilha com “mais de cinquenta mil manos”seja um “abuso” exclusivo em relação aos afrodescendentes, te conto que sou incuravelmente heterossexual, mas participo todos os anos da Parada Gay. Nenhum de meus amigos gays, um dos quais já sofreu perseguições homofóbicas no trabalho, me desautorizou a me identificar com eles. Mas também nenhum se ofendeu nas ocasiões em que discordamos sobre algum assunto, mesmo referente à sua causa identitária.
Às vezes, no debate, me convenceram. Outras vezes eu os convenci. Liberdade de opinião combinada com igualdade de direitos podem dar resultados excelentes. No entanto, você sabe, existem negros racistas – não contra os brancos, o que até seria compreensível. Contra outros negros. Sérgio Camargo, que preside a Fundação Palmares no atual governo, enfrentou controvérsias por conta de declarações racistas.
Uma das razões dessa minha iniciativa de escrever, em público, para os companheiros do MNU, é que acredito que sejamos iguais também na capacidade de empatia. Não preciso ter sido amarrada no tronco para ter horror disso. O país inteiro, até mesmo os indiferentes, sofre de baixa estima por conta de nosso longo período escravista. E nós, brancos antirracistas, somos sim capazes de nos colocar emocionalmente no lugar daqueles que ainda sofrem o que nunca sofremos. No entanto, não tenho dúvidas de que até hoje os descendentes de africanos sofreram e sofrem, no Brasil, muito mais do que os descendentes de europeus.
Somos iguais. Não em experiência de vida, nem na cor da pele. Em direitos, em dignidade e, como tento fazer agora, em liberdade de expressão. Eu desrespeitaria os membros do Movimento Negro Unificado se fosse condescendente. Ou se eu fingisse concordar para não sofrer linchamentos virtuais. A consideração e o respeito é que me autorizam, em casos como esse, a discordar. De igual para igual. Por isso não aceito que, em função de nossas origens diferentes – e dos privilégios dos quais tenho consciência – os companheiros membros do MNU eventualmente exigissem que eu calasse a minha.
Para terminar, deixo para os leitores que ainda não conhecem a letra de uma das canções mais tocantes já escritas para denunciar um dos muitos atos de barbárie racista, nos Estados Unidos: um ex escravizado que foi enforcado em uma árvore.Tenho certeza de que muitos de vocês a conhecem. Aí vai, na versão do poeta (branco) Carlos Rennó:
Strangefruit
(Fruta estranha)
Árvores do sul dão uma fruta estranha: Folha o raiz em sangue se banha: Corpo negro balançando, lento: Folha pendendo de um galho ao vento.
Cena pastoril do Sul celebrado: A boca torta e o olho inchado Cheiro de magnólia chega e passa De repente o odor de carne em brasa
Eis uma fruta que o vento segue, Para que um corvo puxe, para que a chuva enrugue. Para que o sol resseque, para que o chão degluta. Eis uma estranha e amarga fruta [2]
Ao digitar esses versos, já tenho vontade de chorar. Vocês devem saber que ela não foi composta por um negro e sim por um judeu novaiorquino, Abel Meeropol (com pseudônimo de Lewis Allan). Como desautorizá-lo com o argumento de que ele não teria o “lugar de fala” apropriado? Para estender esse argumento até o absurdo: como conseguiríamos sequer dialogar com nossos não-iguais? A empatia e a solidariedade seriam sempre hipócritas? A proposta é “cada um na sua caixinha”? Não quero viver em um mundo desses.
*Maria Rita Kehl é psicanalista, jornalista e escritora. Autora, entre outros livros, de Deslocamentos do feminino: a mulher freudiana na passagem para a modernidade (Boitempo).
Notas
[1] Evidentemente o senhor de escravos que explorava 500 indivíduos, ao ter que lhes pagar ao menos um salário de fome, preferia mandar 400 para a rua, ao Deus dará, e abusar ao máximo da força de trabalho dos cem restantes.
[2] Southern treesbear a strangefruit/ Bloodontheleavesandbloodatthe root/ Black bodyswuiguing in the Southern breeze/ Strangefruithanguingfromthepoplartrees. //Pastoral sceneofthegallant South/ The bulguingeyes ande thetwistedmouth/Scentofmagnoliasweetandfresh/ Andthesuddensmellofburningflesh! // Here is a fruit for thecrowstopluck/ For heraintogather, for thewindtosuck/ For hesuntorot, for theteetodrop/ Hereis a strangeandbittercrop.
‘Black is King’: intelectuais negros falam sobre texto de Lilia Schwarcz
João Vieira. Colaboração para o TAB 05/08/2020
As incessantes tragédias têm tornado difícil para a comunidade preta a missão de reverenciar sua ancestralidade e imaginar um futuro próspero e afrocentrado, ou seja, onde África e a diáspora (imigração forçada) sejam a bússola de um novo projeto de vida.
Esta é uma entre tantas propostas de Beyoncé no filme “Black is King”, lançado pela Disney como conteúdo exclusivo do seu serviço de streaming, o Disney Plus. A peça ilustra a narrativa do álbum “The Gift”, feito em cima do remake de “O Rei Leão”, onde a cantora dubla a personagem Nala.
“Black is King”, inclusive, é uma releitura do clássico Disney protagonizado por Simba. Só que aqui, o filho de Mufasa se transforma em um garoto negro que enxerga em seus ancestrais e sua cultura de origem a força para encarar os tempos atuais e mudar o futuro. Diferentemente do desenho animado, o lançamento da artista inverte a lógica da tragédia shakespeariana de Hamlet, príncipe da Dinamarca, que busca vingar a morte do pai, o rei, cometida por seu irmão, Cláudio, como aponta a antropóloga Lilia Moritz Schwarcz em seu artigo publicado na Folha de S.Paulo no último domingo (2), sobre o filme de Beyoncé.
Em seu texto, Lilia, professora da USP (Universidade de São Paulo) e da Universidade de Princeton (EUA), autora, entre outros, do “Dicionário da Escravidão e Liberdade”, teoriza que, apesar de chegar em boa hora, fortalecendo o pulso das manifestações mundo afora contra o genocídio da população negra, o filme destoa dos anseios atuais da comunidade por recorrer a “imagens tão estereotipadas” que criam “uma África caricata e perdida nos tempos das savanas isoladas”.
“Neste contexto politizado e racializado do Black Lives Matter, e de movimentos como Decolonize This Place, que não aceitam mais o sentido único e Ocidental da história, duvido que jovens se reconheçam no lado didático dessa história de retorno a um mundo encantado e glamourizado, com muito figurino de oncinha e leopardo, brilho e cristal”, ela diz.
Brancos podem dar pitaco?
O texto de Schwarcz rendeu críticas entre intelectuais e influenciadores negros nos últimos dias. Diversos recorreram às redes sociais para manifestar repúdio ao fato de, na visão deles, a historiadora, uma mulher branca, estar dizendo a Beyoncé como ela deve retratar sua própria história enquanto mulher negra. A jornalista Aline Ramos afirma, em texto publicado na sua coluna no UOL, que a opinião de Schwarcz não causou indignação por apresentar uma visão negativa do filme, mas sim por “desdenhar do trabalho e da importância de Beyoncé dentro da indústria cultural”.
Antropóloga social, Izabel Accioly também conversou com o TAB sobre o tema. Na visão dela, carece em análises de pessoas brancas colocar como referência o olhar da negritude e sua relação com determinados temas. “A branquitude acha que é universal, está sempre pensando a partir de suas próprias narrativas e faz, a todo custo, movimentos de apagamento de outras narrativas. É incapaz de compreender outras referências e analisar a partir de um referencial negro”, diz ela. “Por isso, parte de um olhar enviesado sobre o que produzimos, o que falamos e o que somos.”
Brancos podem, então, dar pitaco sobre vivências negras? “Mais do que tentar analisar algo que não conhecem, brancos deveriam analisar e repensar seu pertencimento étnico-racial, a branquitude. Em vez de adotar um ar soberbo, deveriam ouvir quando não têm nada de edificante a falar”, diz Accioly.
Para Monique Evelle, empreendedora e comandante do podcast “Fora da Curva”, do TAB, lugar de fala também tem a ver com o contexto social onde se está inserido. “A diferença é como a gente usa. Não é sobre poder ou não falar. É sobre entender que, a partir do lugar e do contexto em que você está inserido, você acha realmente que deveria opinar sobre relações raciais de outros grupos étnicos?”.
Beyoncé e a representatividade preta
A carreira de Beyoncé se transformou na década de 2010. Se, até então, a cantora colocava sua negritude de forma menos incisiva, abusando de elementos da música negra do século passado, valorizando a cultura hip-hop e dando espaço para releituras de clássicos de antigas divas da black music, de 2010 para cá a artista passou a colocar o dedo na ferida e falar diretamente sobre a população negra.
Em “Lemonade” (2016), Beyoncé faz críticas diretas contra violência policial que assombra negros (não só) nos Estados Unidos. E agora, com “The Gift” e “Black is King”, ela se aproveita da janela conquistada ao dublar Nala no remake de “O Rei Leão” para desenvolver uma narrativa de realeza negra.
Beyoncé no clipe de Formation, single de Lemonade Imagem: YouTube
“O conceito que Beyoncé nos apresenta é de criação de um lugar bom próspero e seguro para o povo negro. Ela pensa esse lugar sem esquecer nossas origens e nossas referências. Faz como o Sankofa, o adinkra, que significa ‘retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro'”, diz Izabel Accioly. “Acho que a gente está tão acostumado a viver essa vida em que estamos separados, e também a ver nossos irmãos pretos em lugares subalternos, que quando chegamos a esse ponto de ver uma produção como a que Beyoncé apresenta, que nos mostra outras possibilidades em um local possível, em que a família negra está unida, em que o povo negro está unido, isso é muito representativo. É uma reconexão consigo mesmo.”
A autoridade da mulher negra como dona de sua jornada também é vista como importante dentro da narrativa proposta por “Black is King” e por trabalhos recentes de Beyoncé.
Para Evelle, essa autoridade sempre existiu, com a diferença de que agora ela tem o “aval” da sociedade. “Com toda a repercussão pós-George Floyd nos Estados Unidos, as pessoas acenderam o sinal de alerta relacionado a raça, sobretudo a branquitude, que agora está se movimentando um pouco mais para entender essa luta antirracista e como ser antirracista, mas não significa que, antes, as mulheres negras não tivessem importância para movimentar as estruturas da sociedade.”
Monique Evelle Imagem: Divulgação
Romantização da monarquia?
Parte da comunidade criticou “Black is King” por relacionar o afrofuturismo a uma suposta romantização da monarquia, regime geracional que já promoveu desigualdades e escravidão.
Professor e pesquisador da história da cultura negra, com ênfase no Ceará, Hilário Ferreira julga a crítica como procedente, mas afirma que o conceito de realeza é utilizado por Beyoncé como forma de desconstruir uma visão histórica de inferioridade do negro, visto sempre como escravizado, e de desvalorização do continente africano. “Quando se trata dessa questão dos reinados, você também traz embutida aí a ruptura com aquela visão, também dentro de uma perspectiva ‘epistemicida’, de matar o conhecimento — que o europeu sempre fez sobre África — e dele escrever uma visão equivocada desse continente, do qual ele é um reflexo do filme Tarzan, em que a África é vista a partir dessa perspectiva construída pelo europeu, como um continente atrasado, de tribos”, diz ao TAB.
O professor também faz questão de valorizar o afrocentrismo e a organização da comunidade. “Creio que dentro dessa realidade de genocídio em qual vivemos, o pensamento afrocentrado e as produções afrofuturistas têm um papel fundamental no próprio empoderamento de uma identidade sólida, de um referencial de valorização de autoestima, que irá contrapor todo esse processo de invenção do negro, onde este negro é criado e identificado com o objetivo de inferiorizá-lo”, aponta.
Lilia admite soberba
Em publicação no seu Instagram nesta terça-feira (4), Lilia se desculpou pelo artigo publicado. “Não deveria ter aceito o convite da Folha, a despeito de apreciar muito o trabalho de Beyoncé; seria melhor uma analista ou um analista negro estudiosos dos temas e questões que a cantora e o filme abordam. Ao aceitar, não deveria ter concordado com o prazo curto que atropela a reflexão mais sedimentada. Deveria também ter passado o artigo para colegas opinarem. Não ter dúvidas é ato de soberba. Também não deveria ter escrito aquele final; era irônico e aprendi que é melhor dizer, com respeito, do que insinuar”, disse ela.
Fabiana Moraes – Black Is King: Preto é pra brilhar, na periferia ou em Hollywood
Fabiana Moraes, 5 de agosto de 2020
Os rostos cintilantes de Marylin Monroe, Madonna, Taylor Swift; os olhos azuis faiscantes de Alain Delon, Frank Sinatra, Bradley Cooper. A pedagogia hollywoodiana nos ensina há cem anos que humanos podem se tornar superpessoas, e os nomes citados aqui são exemplos desses seres mágicos tocados pela varinha do glamour.
Com essas atrizes e atores, cantoras e bailarinos, aprendemos — fosse em Jaipur, Cabrobó ou Miami — que era possível viajar para outros mundos, contracenar com desenhos animados, dançar sob a chuva em ruas desertas. Aprendemos, em síntese, a sonhar.
Os rostos sofridos de Hattie McDaniel, Viola Davis, Lupita Nyong’o; os olhos lacrimejantes de Sidney Poitier, Forest Whitaker, Mahershala Ali. A mesma escola baseada em Hollywood também foi importante para ensinar ao mundo alguns lugares “comuns” às pessoas negras.
Com elas e eles, entendemos que as possibilidades de felicidade, do desejado glamour e do sonho eram quase nulas. Estas limitações e interdições, sabemos, não eram apenas simbólicas: McDaniel, primeira negra a ganhar, em 1940, um Oscar por seu papel em E o Vento Levou (do qual não pôde comparecer à estreia), tinha um pedido pós-morte: ser enterrada no cemitério Hollywood Forever. Morta, foi novamente barrada: o cemitério só aceitava brancos.
O debate provocado pela coluna da antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz a respeito do lançamento do álbum visual Black is King, de Beyoncé, nos mostra como a cultura popular massiva, fundamental em nossas relações sociais, foi eficiente em estabilizar quem pode ou não acessar o idílico, o luxo, o lado bom dos holofotes.
Quando negros do hip hop aparecem com seus grandes colares de ouro, quando MC Loma surge sentada em um trono ou quando Beyoncé dança coberta de dourado, pompa, brilho e cristal, nossas imagens internalizadas e cristalizadas do sofrimento e dos olhos lacrimejantes entram em pane. Não crescemos vendo negros felizes, ricos e autônomos, afinal de contas.
MC Loma Imagem: Reprodução/ Instagram A periferia também quer brilhar
Esse estranhamento, percebam, também tem relação vital com outro fator: classe.
É preciso lembrar que, no Brasil, pobreza e cor estão fundamentalmente associados: negros formam 75% entre os mais pobres, enquanto brancos formam 70% entre os mais ricos (dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2019).
Enquanto o debate crescia nas redes sociais por conta da coluna, lembrei bastante de uma cena do filme Estou Me Guardando Para Quando o Carnaval Chegar, de Marcelo Gomes. Nela, um rapaz fala para um assombrado cineasta sobre os modelos de calças e shorts jeans mais procurados pelo público. “Tem que ter brilho”, afirma ele, enquanto vemos as peças sapecadas com pedrarias que logo serão vendidas para o popularíssimo mercado de Toritama, cidade do Agreste de Pernambuco.
Os jeans brilhantes vestidos em sua maioria por pessoas que tentam esticar o salário até o fim do mês também nos remetem à famosa frase “pobre gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual”, atribuída tanto ao carnavalesco Joãosinho Trinta quanto ao jornalista Elio Gaspari.
Em que se pese o certo folclore e o tom essencialista da máxima, esses testemunhos nos indicam outras possibilidades de existência e de desejo por parte de milhões de brasileiras e brasileiros. Mais: jogam luz em uma percepção redutora e estereotipada que muitas vezes jornalistas e pesquisadores, elite e classe média, internet e programas de TV, possuem da periferia.
A periferia, vejam só, não é necessariamente indigna, não é necessariamente triste, não necessariamente fala aos berros. É também um espaço no qual ocorre a felicidade. E, sim, deseja brilhar, como a maioria dos seres humanos nascidos sobre a terra.
(“Se eu estou brilhando, todo mundo vai brilhar”, canta a maravilhosa Lizzo).
Cena de …E o Vento Levou, filme lançado em 1940 no Brasil Imagem: MGM
O peso das celebridades na cultura
A visão pouco ampla se estende a outro tópico essencial do debate: as celebridades. Tanto a elite cultural (à direita, centro e esquerda) quanto a academia, torceram historicamente o nariz para o tema. Era coisa de jovem, de gay, de dona de casa, de amantes da fofoca. Coisa de quem não se interessa pelos problemas “reais” da nação e não entende de política.
Coisa, percebam, de gente que não ocupa os espaços mais privilegiados de poder. Mas a temperatura da discussão provocada pelo texto nos mostra bem que a política é um assunto que está no cotidiano, nas cozinhas, filas de ônibus, nos salões de beleza. Mostra que as pessoas cuja fama é o grande capital — e cujo capital é gerado pela fama — articulam como poucas, por conta de suas visibilidades, questões de gênero, de raça, território e classe, mesmo quando suas aparições não almejam este propósito.
Celebridades, já foi dito, são algumas das moedas culturais mais preciosas da sociedade contemporânea, estejam nuas, de manto ou vestidas com estampa de oncinha. Aprendemos também através delas a conceber o mundo, o que pensar, fotografar, falar e escrever sobre as pessoas dos Estados Unidos, da América Latina, da África, etc.
Essas aulas foram muitas vezes escritas não com giz, mas justamente com o cristal e o glamour reservados a uns e não a outros. Essa distinção faz enorme diferença. Assim, se foi com esses materiais que aprendemos a ter uma certa compreensão do espaço que nos cerca, a tal didática hollywoodiana pode nos ajudar também a remoldar percepções, a reinstalar novos códigos em nosso racista e classista arcabouço cultural.
Ou seja: a luta antirracista também pode ser feita com pompa, artifício hollywoodiano e brilho — aliás, Hollywood, que não é boba nem nada, tem se capitalizado com isso através de uma muitas vezes superficial concepção de representatividade.
Lugar do preto e lugar do branco
Para completar, é preciso falar de outro ponto inflamado não só pelo texto de Lilia, mas por todo necessário debate que o cerca (as declarações de figuras públicas como Iza, Preto Zezé, por exemplo): o conforto com o qual pessoas brancas dirigem seus imperativos e orientações a pessoas negras.
Dizer o que nós devemos fazer, seja sair da sala de jantar (palavras da antropóloga) ou nos esforçar mais para compreender até mesmo nossa própria negritude (palavras da edição) são apenas exemplos de práticas cotidianas comuns, mas nem por isso menos racistas. Algo fortemente derivado de uma sociedade na qual até hoje os espaços de servidão são majoritariamente negros, uma herança escravista.
Essa realidade também é formada pela distinção entre o fazer e o pensar, com o primeiro verbo sendo associado aos de pele escura, enquanto o segundo é relacionado à pele clara.
É algo tão “natural” que, mesmo uma pesquisadora com uma importante contribuição teórica sobre as questões raciais no Brasil — seu livro Retrato em Branco e Negro é, para mim, um excelente documento para entender o jornalismo brasileiro — comete o ato sem identificar nele uma assimetria.
Também deve nos fazer pensar a respeito de uma academia branca e pretensamente universal que, durante séculos, se trancou em sua famosa torre de marfim, seus gabinetes refrigerados e, claro, salas de jantar para falar do mundo lá fora. Este distanciamento — que não se traduz em pesquisas diversas, inclusive as da própria antropóloga — vem sendo felizmente modificado a partir do próprio contexto acadêmico, que passa por suas negras revoluções.
PS: Esta é a primeira de uma série de colunas que passo a assinar aqui no UOL. Neste espaço, discuto cultura e política, política e cultura. Mandem sugestões de temas, pitacos, conversa. Cancelo somente quem não gosta de farofa. Saravá.
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Antropóloga critica Beyoncé por “glamorizar negritude” em Black is King e famosos se posicionam a favor da cantora
O álbum visual Black is King, lançado por Beyoncé na última sexta-feira (31 de Julho), tem gerado diversos comentários nas redes sociais. Em seu novo trabalho, a cantora quis exaltar a cultura negra recriando a história de O Rei Leão.
Entre muitas opiniões positivas sobre o novo projeto, uma análise feita pela antropóloga e historiadora Lilia Moritz Schwarcz chamou a atenção de artistas e internautas.
Lilia, que também é professora da USP e da Universidade Princeton, disse no título de um texto publicado no jornal Folha de São Paulo (via Portal POPLine) que o “filme de Beyoncé erra ao glamorizar negritude com estampa de oncinha”. Em seu texto, ela descreve:
Nesse contexto politizado e racializado do Black Lives Matter, e de movimentos como o Decolonize This Place, que não aceitam mais o sentido único e Ocidental da história, duvido que jovens se reconheçam no lado didático dessa história de retorno a um mundo encantado e glamorizado, com muito figurino de oncinha e leopardo, brilho e cristal.
Esse e outros comentários da antropóloga, que é uma mulher branca, deixaram muitas pessoas revoltadas, principalmente por acreditarem que ela não tem um lugar de fala para fazer determinadas críticas. A partir disso, famosos negros utilizaram suas redes sociais para se manifestar contra a opinião de Lilia.
Repercussão
Iza, uma das cantoras brasileiras de destaque da atualidade, utilizou sua conta do Instagram para se posicionar sobre o texto da historiadora:
Lilia Schwarcz, meu anjo, quem precisa entender SOU EU. Eu preciso entender que privilégio é esse que te faz pensar que você tem uma autoridade para ensinar uma mulher negra como ela deve, ou não, falar sobre seu povo. Se eu fosse você (valeu Deus) estaria com vergonha agora. MELHORE!
O ator e cantor Ícaro Silva, também expôs sua revolta:
Você é uma grande, grande vergonha. Não somente para o Brasil e para o povo preto, mas para todos os povos aqui presentes. Não vejo por onde defender seu declarado racismo, sua arrogância branca elitista em se dar o direito não somente de reduzir uma obra prima ao nicho ‘antirracista’ mas em acreditar que tem conhecimento antropológico sobre África.
Maíra Azevedo, mais conhecida por Tia Ma, é jornalista, humorista e ativista, e também não se calou sobre o assunto:
O erro é uma mulher branca acreditar que pode dizer a uma mulher preta como ela pode contar a história e narrar a sua ancestralidade. A branquitude acostumou a ter a negritude como objeto de estudo e segue crendo que pode nos dizer o que falar sobre nossas narrativas e trajetórias.
Lilia é uma historiadora, pesquisa sobre escravidão? Mas está longe de sentir na pele o que é ser uma mulher preta. Beyoncé do alto da sua realeza no mundo pop nunca deixar de ser negra, mesmo sentada no trono em sua sala de estar. A branquitude segue acreditando que pode nos ensinar a contar nossa própria história. Enquanto todas as pessoas negras se emocionam, se reconhecem e se identificam, a branca aliada diz que Beyoncé deixa a desejar! É isso! No final nós por nós e falando por nós
Explicações e pedido de desculpas
Após a repercussão negativa, Lila Schwarcz decidiu fazer uma publicação em sua conta do Instagram tentando explicar elementos do seu texto e pedindo desculpas:
Agradeço a todos os comentários e sugestões. Sempre. Gostaria de esclarecer que gostei demais do trabalho de Beyoncé. Penso que faz parte da democracia discordar. Faz parte da democracia inclusive apresentar com respeito argumentos discordantes. Já escrevi artigo super elogioso à Beyoncé, nesse mesmo jornal o que só mostra meu respeito pela artista. E por respeitar, me permiti comentar um aspecto e não o vídeo todo.
Agradeço demais a leitura completa do ensaio. Penso que o título também levou a má compreensão. Dito isso, sei que todo texto pode ter várias interpretações e me desculpo diante das pessoas que ofendi. Não foi minha intenção. Continuamos no diálogo que nos une por aqui.
Opinião: Filme de Beyoncé erra ao glamorizar negritude com estampa de oncinha
Lilia Moritz Schwarcz, 2 de agosto de 2020
Como tudo que Beyoncé faz, seu novo álbum visual, “Black Is King”, chega causando polêmica e trazendo muito barulho. Nele, a cantora e compositora retoma a história clássica de Hamlet, personagem icônico de Shakespeare, mas a ambienta em algum lugar perdido do continente africano.
O Hamlet de Shakespeare se passa na Dinamarca e conta a história do príncipe que tem como missão vingar a morte de seu pai, o rei, executado pelo próprio irmão, Cláudio. Traição, incesto e loucura são temas fortes da trama e da própria humanidade, de uma forma geral.
Já a versão da Disney é ambientada na África e tem como personagem principal uma alcateia de leões –os “reis dos animais”. No enredo, o filho Simba, herdeiro do trono, instado pelo irmão invejoso, desobedece ao pai e, não propositadamente, acaba sendo o pivô da morte dele e de um golpe de Estado.
O tema retoma a culpa edipiana do filho que, não conseguindo vingar ou salvar o pai, perde seu prumo na vida e esquece sua história. “Toda história é remorso”, escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade, e é esse o mote da peça elisabetana, e do filme da Disney, que retoma em linguagem infantil o sentido clássico do parricídio, que representa, a seu modo, a própria negação da história e da memória.
Já Beyoncé evoca mais uma vez a tragédia de Hamlet, mas inverte a mão da narrativa. Simba vira um menino negro que procura por suas raízes para conseguir sobreviver no mundo racista americano de 2020. O que falta de força no filme explode no clipe da cantora.
“Todo mundo é alguém”, assim começa a produção, que continua com um forte “eu vou lhe mostrar quem você é”. A história esquecida e preterida renasce como sina daquele que obliterou o seu destino e como uma incessante procura do orgulho perdido.
É uma espécie de ode do retorno às origens africanas; uma sorte de ritual de iniciação do filho pródigo que volta, finalmente, à casa. Beyoncé subverte a lógica primeira da lenda do rei leão, que, nesse caso, se transforma numa viagem de ida e volta, rumo a um passado silenciado e ausente.
“Black Is King” é assim uma elegia da procura. Beyoncé introduz bailarinos, atores e cantores, no lugar de animais, e recupera, dessa forma, o sentido da experiência negra nos Estados Unidos da América, mas sobretudo na África, e confere a elas a forma de celebração. Não mata o pai, o continente africano; procura, quase que didaticamente, unir as pontas desses elos soltos –na e pela– história.
A loucura é a alienação de dar as costas ao passado. A traição remete àqueles que procuraram omitir o orgulho diante da ancestralidade africana. Em vez do esquecimento, melhor é começar a história outra vez, a partir daquilo que foi pretensamente apagado pelo trauma colonial, mas continua pulsando vivo à espera do seu resgate.
“Creio que quando nós negros contamos nossas próprias histórias podemos mudar o eixo do mundo e narrar a verdadeira história da prosperidade geracional e da riqueza da alma que não se conta em nossos livros de história”, disse Beyoncé em seu Instagram.
“Black Is King” tira a personagem de Nala – a namorada de Simba – dos bastidores e confere a ela centralidade. É Nala, ou Beyoncé, quem chama o príncipe para que assuma as suas responsabilidades e recupere o reino usurpado.
Não por acaso, Nala é encarnada pela cantora, que aparece como narradora privilegiada e onisciente da história. Ela nada tem de donzela desamparada que espera que seu príncipe encantado a encontre e salve. Ao contrário, é a leoa que faz com que o rapaz retome sua própria história e faça as pazes com o passado.
O vídeo chega em boa hora nesse momento em que, depois do assassinato covarde de George Floyd, o genocídio negro e a violência da polícia do Estado, finalmente, entraram na pauta, como um alerta forte de que não existe democracia com racismo.
Não há como negar as qualidades de “Black Is King”. Mas, como nada na obra de Beyoncé cabe apenas numa caixinha, causa estranheza, nesses tempos agitados do presente, que a cantora recorra a imagens tão estereotipadas e crie uma África caricata e perdida no tempo das savanas isoladas.
Nesse contexto politizado e racializado do Black Lives Matter, e de movimentos como o Decolonize This Place, que não aceitam mais o sentido único e Ocidental da história, duvido que jovens se reconheçam no lado didático dessa história de retorno a um mundo encantado e glamorizado, com muito figurino de oncinha e leopardo, brilho e cristal.
“Black Is King” retrata a negritude como a nova realeza desse século 21, que começa sob o signo do imprevisto, do indeterminado e da conquista de direitos por parte das populações negras, que já faz tempo tiraram a África do lugar da barbárie e revelaram um continente repleto de filosofias, cosmologias, técnicas, saberes, religiões, culturas materiais e imateriais e estéticas visuais.
A África das savanas, dos elefantes, leões, leopardos convive com um continente moderno que relê seu passado nos termos e a partir dos desafios do presente.
Essa África essencial e idílica por certo combina com o ritmo e a genialidade dessa estrela do pop que sacode até estruturas de concreto. Visto sob esse ângulo, o trabalho é uma exaltação, bem-vinda e sem pejas, de uma experiência secular que circulou por essa diáspora afro-atlântica e condicionou sua realidade. Mas o álbum decepciona também. Quem sabe seja hora de Beyoncé sair um pouco da sua sala de jantar e deixar a história começar outra vez, e em outro sentido.
O Ministério da Saúde passará a incluir a partir desta sexta (10) informações exclusivas sobre raça/cor dos infectados pela Covid-19 nas notificações que ingressarem em seu sistema, e que servem de base para as estatísticas de óbitos e demais dados sobre a epidemia.
A decisão partiu de um pedido do Grupo de Trabalho de Saúde da População Negra da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), que via com preocupação a possibilidade de subnotificação de casos entre essa população.
A SBMFC, que reúne 6.000 médicos que integram 47,7 mil equipes de atenção básica, pressiona também para que os dados sobre as mortes e casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) sejam desagregados por bairros nos municípios.
Além disso, pedem que o mesmo seja feito em relação aos registros nos sistemas públicos e privados, de forma a ter um panorama socioeconômico mais completo dos afetados.
Entre os argumentos apresentados pela SBMFC que levaram à decisão do ministério está o fato de serem negros 67% dos brasileiros que dependem exclusivamente do SUS (Sistema Único de Saúde), além da maioria dos pacientes com diabetes, tuberculose, hipertensão e doenças renais crônicas no país.
Segundo ela, os dados sobre os endereços dos afetados já fazem parte das fichas de notificação, e o que a entidade demanda é a divulgação completa dessas informações daqui em diante.
Nos EUA, o novo coronavírus está matando negros em taxas mais elevadas do que na população em geral, segundo números preliminares dos estados de Louisiana, Michigan e Illinois.
As autoridades dizem que isso aponta para disparidades no acesso a cuidados e atendimento de saúde nessa população —o que poderá ocorrer também no Brasil.
Segundo o governo da Louisiana, mais de 70% das 512 pessoas mortas pelo vírus no estado até segunda (6) eram negras, percentual muito acima da representatividade dos negros na população, de 33%. Em Michigan, os negros vêm respondendo por 40% das mortes, mas são apenas 14% da população.
In 1942, the anthropologist Ashley Montagu published “Man’s Most Dangerous Myth: The Fallacy of Race,” an influential book that argued that race is a social concept with no genetic basis. A classic example often cited is the inconsistent definition of “black.” In the United States, historically, a person is “black” if he has any sub-Saharan African ancestry; in Brazil, a person is not “black” if he is known to have any European ancestry. If “black” refers to different people in different contexts, how can there be any genetic basis to it?
Beginning in 1972, genetic findings began to be incorporated into this argument. That year, the geneticist Richard Lewontin published an important study of variation in protein types in blood. He grouped the human populations he analyzed into seven “races” — West Eurasians, Africans, East Asians, South Asians, Native Americans, Oceanians and Australians — and found that around 85 percent of variation in the protein types could be accounted for by variation within populations and “races,” and only 15 percent by variation across them. To the extent that there was variation among humans, he concluded, most of it was because of “differences between individuals.”
In this way, a consensus was established that among human populations there are no differences large enough to support the concept of “biological race.” Instead, it was argued, race is a “social construct,” a way of categorizing people that changes over time and across countries.
It is true that race is a social construct. It is also true, as Dr. Lewontin wrote, that human populations “are remarkably similar to each other” from a genetic point of view.
But over the years this consensus has morphed, seemingly without questioning, into an orthodoxy. The orthodoxy maintains that the average genetic differences among people grouped according to today’s racial terms are so trivial when it comes to any meaningful biological traits that those differences can be ignored.
The orthodoxy goes further, holding that we should be anxious about any research into genetic differences among populations. The concern is that such research, no matter how well-intentioned, is located on a slippery slope that leads to the kinds of pseudoscientific arguments about biological difference that were used in the past to try to justify the slave trade, the eugenics movement and the Nazis’ murder of six million Jews.
I have deep sympathy for the concern that genetic discoveries could be misused to justify racism. But as a geneticist I also know that it is simply no longer possible to ignore average genetic differences among “races.”
Groundbreaking advances in DNA sequencing technology have been made over the last two decades. These advances enable us to measure with exquisite accuracy what fraction of an individual’s genetic ancestry traces back to, say, West Africa 500 years ago — before the mixing in the Americas of the West African and European gene pools that were almost completely isolated for the last 70,000 years. With the help of these tools, we are learning that while race may be a social construct, differences in genetic ancestry that happen to correlate to many of today’s racial constructs are real.
Recent genetic studies have demonstrated differences across populations not just in the genetic determinants of simple traits such as skin color, but also in more complex traits like bodily dimensions and susceptibility to diseases. For example, we now know that genetic factors help explain why northern Europeans are taller on average than southern Europeans, why multiple sclerosis is more common in European-Americans than in African-Americans, and why the reverse is true for end-stage kidney disease.
I am worried that well-meaning people who deny the possibility of substantial biological differences among human populations are digging themselves into an indefensible position, one that will not survive the onslaught of science. I am also worried that whatever discoveries are made — and we truly have no idea yet what they will be — will be cited as “scientific proof” that racist prejudices and agendas have been correct all along, and that those well-meaning people will not understand the science well enough to push back against these claims.
This is why it is important, even urgent, that we develop a candid and scientifically up-to-date way of discussing any such differences, instead of sticking our heads in the sand and being caught unprepared when they are found.
To get a sense of what modern genetic research into average biological differences across populations looks like, consider an example from my own work. Beginning around 2003, I began exploring whether the population mixture that has occurred in the last few hundred years in the Americas could be leveraged to find risk factors for prostate cancer, a disease that occurs 1.7 times more often in self-identified African-Americans than in self-identified European-Americans. This disparity had not been possible to explain based on dietary and environmental differences, suggesting that genetic factors might play a role.
Self-identified African-Americans turn out to derive, on average, about 80 percent of their genetic ancestry from enslaved Africans brought to America between the 16th and 19th centuries. My colleagues and I searched, in 1,597 African-American men with prostate cancer, for locations in the genome where the fraction of genes contributed by West African ancestors was larger than it was elsewhere in the genome. In 2006, we found exactly what we were looking for: a location in the genome with about 2.8 percent more African ancestry than the average.
When we looked in more detail, we found that this region contained at least seven independent risk factors for prostate cancer, all more common in West Africans. Our findings could fully account for the higher rate of prostate cancer in African-Americans than in European-Americans. We could conclude this because African-Americans who happen to have entirely European ancestry in this small section of their genomes had about the same risk for prostate cancer as random Europeans.
Did this research rely on terms like “African-American” and “European-American” that are socially constructed, and did it label segments of the genome as being probably “West African” or “European” in origin? Yes. Did this research identify real risk factors for disease that differ in frequency across those populations, leading to discoveries with the potential to improve health and save lives? Yes.
While most people will agree that finding a genetic explanation for an elevated rate of disease is important, they often draw the line there. Finding genetic influences on a propensity for disease is one thing, they argue, but looking for such influences on behavior and cognition is another.
But whether we like it or not, that line has already been crossed. A recent study led by the economist Daniel Benjamin compiled information on the number of years of education from more than 400,000 people, almost all of whom were of European ancestry. After controlling for differences in socioeconomic background, he and his colleagues identified 74 genetic variations that are over-represented in genes known to be important in neurological development, each of which is incontrovertibly more common in Europeans with more years of education than in Europeans with fewer years of education.
It is not yet clear how these genetic variations operate. A follow-up study of Icelanders led by the geneticist Augustine Kong showed that these genetic variations also nudge people who carry them to delay having children. So these variations may be explaining longer times at school by affecting a behavior that has nothing to do with intelligence.
This study has been joined by others finding genetic predictors of behavior. One of these, led by the geneticist Danielle Posthuma, studied more than 70,000 people and found genetic variations in more than 20 genes that were predictive of performance on intelligence tests.
Is performance on an intelligence test or the number of years of school a person attends shaped by the way a person is brought up? Of course. But does it measure something having to do with some aspect of behavior or cognition? Almost certainly. And since all traits influenced by genetics are expected to differ across populations (because the frequencies of genetic variations are rarely exactly the same across populations), the genetic influences on behavior and cognition will differ across populations, too.
You will sometimes hear that any biological differences among populations are likely to be small, because humans have diverged too recently from common ancestors for substantial differences to have arisen under the pressure of natural selection. This is not true. The ancestors of East Asians, Europeans, West Africans and Australians were, until recently, almost completely isolated from one another for 40,000 years or longer, which is more than sufficient time for the forces of evolution to work. Indeed, the study led by Dr. Kong showed that in Iceland, there has been measurable genetic selection against the genetic variations that predict more years of education in that population just within the last century.
To understand why it is so dangerous for geneticists and anthropologists to simply repeat the old consensus about human population differences, consider what kinds of voices are filling the void that our silence is creating. Nicholas Wade, a longtime science journalist for The New York Times, rightly notes in his 2014 book, “A Troublesome Inheritance: Genes, Race and Human History,” that modern research is challenging our thinking about the nature of human population differences. But he goes on to make the unfounded and irresponsible claim that this research is suggesting that genetic factors explain traditional stereotypes.
One of Mr. Wade’s key sources, for example, is the anthropologist Henry Harpending, who has asserted that people of sub-Saharan African ancestry have no propensity to work when they don’t have to because, he claims, they did not go through the type of natural selection for hard work in the last thousands of years that some Eurasians did. There is simply no scientific evidence to support this statement. Indeed, as 139 geneticists (including myself) pointed out in a letter to The New York Times about Mr. Wade’s book, there is no genetic evidence to back up any of the racist stereotypes he promotes.
Another high-profile example is James Watson, the scientist who in 1953 co-discovered the structure of DNA, and who was forced to retire as head of the Cold Spring Harbor Laboratories in 2007 after he stated in an interview — without any scientific evidence — that research has suggested that genetic factors contribute to lower intelligence in Africans than in Europeans.
At a meeting a few years later, Dr. Watson said to me and my fellow geneticist Beth Shapiro something to the effect of “When are you guys going to figure out why it is that you Jews are so much smarter than everyone else?” He asserted that Jews were high achievers because of genetic advantages conferred by thousands of years of natural selection to be scholars, and that East Asian students tended to be conformist because of selection for conformity in ancient Chinese society. (Contacted recently, Dr. Watson denied having made these statements, maintaining that they do not represent his views; Dr. Shapiro said that her recollection matched mine.)
What makes Dr. Watson’s and Mr. Wade’s statements so insidious is that they start with the accurate observation that many academics are implausibly denying the possibility of average genetic differences among human populations, and then end with a claim — backed by no evidence — that they know what those differences are and that they correspond to racist stereotypes. They use the reluctance of the academic community to openly discuss these fraught issues to provide rhetorical cover for hateful ideas and old racist canards.
This is why knowledgeable scientists must speak out. If we abstain from laying out a rational framework for discussing differences among populations, we risk losing the trust of the public and we actively contribute to the distrust of expertise that is now so prevalent. We leave a vacuum that gets filled by pseudoscience, an outcome that is far worse than anything we could achieve by talking openly.
If scientists can be confident of anything, it is that whatever we currently believe about the genetic nature of differences among populations is most likely wrong. For example, my laboratory discovered in 2016, based on our sequencing of ancient human genomes, that “whites” are not derived from a population that existed from time immemorial, as some people believe. Instead, “whites” represent a mixture of four ancient populations that lived 10,000 years ago and were each as different from one another as Europeans and East Asians are today.
So how should we prepare for the likelihood that in the coming years, genetic studies will show that many traits are influenced by genetic variations, and that these traits will differ on average across human populations? It will be impossible — indeed, anti-scientific, foolish and absurd — to deny those differences.
For me, a natural response to the challenge is to learn from the example of the biological differences that exist between males and females. The differences between the sexes are far more profound than those that exist among human populations, reflecting more than 100 million years of evolution and adaptation. Males and females differ by huge tracts of genetic material — a Y chromosome that males have and that females don’t, and a second X chromosome that females have and males don’t.
Most everyone accepts that the biological differences between males and females are profound. In addition to anatomical differences, men and women exhibit average differences in size and physical strength. (There are also average differences in temperament and behavior, though there are important unresolved questions about the extent to which these differences are influenced by social expectations and upbringing.)
How do we accommodate the biological differences between men and women? I think the answer is obvious: We should both recognize that genetic differences between males and females exist and we should accord each sex the same freedoms and opportunities regardless of those differences.
It is clear from the inequities that persist between women and men in our society that fulfilling these aspirations in practice is a challenge. Yet conceptually it is straightforward. And if this is the case with men and women, then it is surely the case with whatever differences we may find among human populations, the great majority of which will be far less profound.
An abiding challenge for our civilization is to treat each human being as an individual and to empower all people, regardless of what hand they are dealt from the deck of life. Compared with the enormous differences that exist among individuals, differences among populations are on average many times smaller, so it should be only a modest challenge to accommodate a reality in which the average genetic contributions to human traits differ.
It is important to face whatever science will reveal without prejudging the outcome and with the confidence that we can be mature enough to handle any findings. Arguing that no substantial differences among human populations are possible will only invite the racist misuse of genetics that we wish to avoid.
David Reich is a professor of genetics at Harvard and the author of the forthcoming book “Who We Are and How We Got Here: Ancient DNA and the New Science of the Human Past,” from which this article is adapted.
We asked a preeminent historian to investigate our coverage of people of color in the U.S. and abroad. Here’s what he found.
In a full-issue article on Australia that ran in 1916, Aboriginal Australians were called “savages” who “rank lowest in intelligence of all human beings.” PHOTOGRAPHS BY C.P. SCOTT (MAN); H.E. GREGORY (WOMAN); NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE (BOTH)
By Susan Goldberg,Editor in Chief
This story is part of The Race Issue, a special issue of National Geographic that explores how race defines, separates, and unites us. Tell us your story with #IDefineMe.
It is November 2, 1930, and National Geographic has sent a reporter and a photographer to cover a magnificent occasion: the crowning of Haile Selassie, King of Kings of Ethiopia, Conquering Lion of the Tribe of Judah. There are trumpets, incense, priests, spear-wielding warriors. The storyruns 14,000 words, with 83 images.
If a ceremony in 1930 honoring a black man had taken place in America, instead of Ethiopia, you can pretty much guarantee there wouldn’t have been a story at all. Even worse, if Haile Selassie had lived in the United States, he would almost certainly have been denied entry to our lectures in segregated Washington, D.C., and he might not have been allowed to be a National Geographic member. According to Robert M. Poole, who wrote Explorers House: National Geographic and the World It Made, “African Americans were excluded from membership—at least in Washington—through the 1940s.”
This story helps launch a series about racial, ethnic, and religious groups and their changing roles in 21st-century life. The series runs through 2018 and will include coverage of Muslims, Latinos, Asian Americans, and Native Americans.
In 1941National Geographic used a slavery-era slur to describe California cotton workers waiting to load a ship in California: “Pickaninny, banjos, and bales are like those you might see at New Orleans.” PHOTOGRAPH BY RAY CHAPIN, NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE.
“Cards and clay pipes amuse guests in Fairfax House’s 18th-century parlor,” reads the caption in a 1956 article on Virginia history. Although slave labor built homes featured in the article, the writer contended that they “stand for a chapter of this country’s history every American is proud to remember.” PHOTOGRAPH BY ROBERT F. SISSON AND DONALD MCBAIN, NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE (RIGHT)
I’m the tenth editor of National Geographic since its founding in 1888. I’m the first woman and the first Jewish person—a member of two groups that also once faced discrimination here. It hurts to share the appalling stories from the magazine’s past. But when we decided to devote our April magazine to the topic of race, we thought we should examine our own history before turning our reportorial gaze to others.
Race is not a biological construct, as writer Elizabeth Kolbert explains in this issue, but a social one that can have devastating effects. “So many of the horrors of the past few centuries can be traced to the idea that one race is inferior to another,” she writes. “Racial distinctions continue to shape our politics, our neighborhoods, and our sense of self.”
How we present race matters. I hear from readers that National Geographic provided their first look at the world. Our explorers, scientists, photographers, and writers have taken people to places they’d never even imagined; it’s a tradition that still drives our coverage and of which we’re rightly proud. And it means we have a duty, in every story, to present accurate and authentic depictions—a duty heightened when we cover fraught issues such as race.
Photographer Frank Schreider shows men from Timor island his camera in a 1962 issue. The magazine often ran photos of “uncivilized” native people seemingly fascinated by “civilized” Westerners’ technology. PHOTOGRAPH BY FRANK AND HELEN SCHREIDER, NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE
We asked John Edwin Mason to help with this examination. Mason is well positioned for the task: He’s a University of Virginia professor specializing in the history of photography and the history of Africa, a frequent crossroads of our storytelling. He dived into our archives.
What Mason found in short was that until the 1970s National Geographicall but ignored people of color who lived in the United States, rarely acknowledging them beyond laborers or domestic workers. Meanwhile it pictured “natives” elsewhere as exotics, famously and frequently unclothed, happy hunters, noble savages—every type of cliché.
Unlike magazines such as Life, Mason said, National Geographic did little to push its readers beyond the stereotypes ingrained in white American culture.
South African gold miners were “entranced by thundering drums” during “vigorous tribal dances,” a 1962 issue reported. PHOTOGRAPH BY KIP ROSS, NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE
National Geographic of the mid-20th century was known for its glamorous depictions of Pacific islanders. Tarita Teriipaia, from Bora-Bora, was pictured in July 1962—the same year she appeared opposite Marlon Brando in the movie Mutiny on the Bounty. PHOTOGRAPH BY LUIS MARDEN, NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE (RIGHT)
“Americans got ideas about the world from Tarzan movies and crude racist caricatures,” he said. “Segregation was the way it was. National Geographic wasn’t teaching as much as reinforcing messages they already received and doing so in a magazine that had tremendous authority. National Geographic comes into existence at the height of colonialism, and the world was divided into the colonizers and the colonized. That was a color line, and National Geographic was reflecting that view of the world.”
Some of what you find in our archives leaves you speechless, like a 1916 story about Australia. Underneath photos of two Aboriginal people, the caption reads: “South Australian Blackfellows: These savages rank lowest in intelligence of all human beings.”
Questions arise not just from what’s in the magazine, but what isn’t. Mason compared two stories we did about South Africa, one in 1962, the other in 1977. The 1962 story was printed two and a half years after the massacre of 69 black South Africans by police in Sharpeville, many shot in the back as they fled. The brutality of the killings shocked the world.
An article reporting on apartheid South Africa in 1977 shows Winnie Mandela, a founder of the Black Parents’ Association and wife of Nelson. She was one of some 150 people the government prohibited from leaving their towns, speaking to the press, and talking to more than two people at a time. PHOTOGRAPH BY JAMES P. BLAIR, NATIONAL GEOGRAPHIC CREATIVE
“National Geographic’s story barely mentions any problems,” Mason said. “There are no voices of black South Africans. That absence is as important as what is in there. The only black people are doing exotic dances … servants or workers. It’s bizarre, actually, to consider what the editors, writers, and photographers had to consciously not see.”
Contrast that with the piece in 1977, in the wake of the U.S. civil rights era: “It’s not a perfect article, but it acknowledges the oppression,” Mason said. “Black people are pictured. Opposition leaders are pictured. It’s a very different article.”
Fast-forward to a 2015 story about Haiti, when we gave cameras to young Haitians and asked them to document the reality of their world. “The images by Haitians are really, really important,” Mason said, and would have been “unthinkable” in our past. So would our coverage now of ethnic and religious conflicts, evolving gender norms, the realities of today’s Africa, and much more.
“I buy bread from her every day,” Haitian photographer Smith Neuvieme said of fellow islander Manuela Clermont. He made her the center of this image, published in 2015. PHOTOGRAPH BY SMITH NEUVIEME, FOTOKONBIT
Mason also uncovered a string of oddities—photos of “the native person fascinated by Western technology. It really creates this us-and-them dichotomy between the civilized and the uncivilized.” And then there’s the excess of pictures of beautiful Pacific-island women.
“If I were talking to my students about the period until after the 1960s, I would say, ‘Be cautious about what you think you are learning here,’ ” he said. “At the same time, you acknowledge the strengths National Geographic had even in this period, to take people out into the world to see things we’ve never seen before. It’s possible to say that a magazine can open people’s eyes at the same time it closes them.”
April 4 marks the 50th anniversary of the assassination of Martin Luther King, Jr. It’s a worthy moment to step back, to take stock of where we are on race. It’s also a conversation that is changing in real time: In two years, for the first time in U.S. history, less than half the children in the nation will be white. So let’s talk about what’s working when it comes to race, and what isn’t. Let’s examine why we continue to segregate along racial lines and how we can build inclusive communities. Let’s confront today’s shameful use of racism as a political strategy and prove we are better than this.
For us this issue also provided an important opportunity to look at our own efforts to illuminate the human journey, a core part of our mission for 130 years. I want a future editor of National Geographic to look back at our coverage with pride—not only about the stories we decided to tell and how we told them but about the diverse group of writers, editors, and photographers behind the work.
We hope you will join us in this exploration of race, beginning this month and continuing throughout the year. Sometimes these stories, like parts of our own history, are not easy to read. But as Michele Norris writes in this issue, “It’s hard for an individual—or a country—to evolve past discomfort if the source of the anxiety is only discussed in hushed tones.”
Maior estudo genético de europeus da pré-história revela um passado complexo e violento no qual populações inteiras foram forçadas a emigrar ou desaparecer para sempre
Três crânios encontrados na República Checa associados com o período gravetiano. M. Frouz / J. Svoboda
O estudo genético de restos mortais de europeus que morreram há milhares de anos, abriu uma janela única para a pré-história do continente. O trabalho abrange grande parte do Paleolítico Superior, de 45.000 até 7.000 anos atrás, e revela vários episódios até agora desconhecidos.
“O que vemos é uma história das populações tão complexa quanto a dos últimos 7.000 anos, com muitos momentos em que populações substituem outras, imigração em uma escala dramática e em um momento no qual o clima estava mudando radicalmente”, resumiu David Reich, geneticista da Universidade de Harvard e principal autor do estudo, publicado na revista Nature.
A primeira conclusão do estudo é que, embora os neandertais e os humanos modernos (os Homo sapiens) se cruzaram e tiveram filhos férteis, a percentagem de DNA dessa outra espécie que carregamos diminuiu rapidamente, passando de 6 % para os 2% de hoje. Isto implica certa incompatibilidade evolutiva que já tinha sido destacada por outros estudos recentes.
Há 19.000 anos, alguém enterrou na Cantábria uma das mulheres mais misteriosas da pré-história europeia. Trata-se da Dama Vermelha, que em seus 35 ou 40 anos recebeu uma sepultura muito estranha, o que poderia indicar um significado sagrado. Seu cadáver tinha decomposto ao ar livre e, em seguida, seus ossos foram cobertos com tinta vermelha. Tanto deviam respeitar aquela mulher que um de seus ossos foi cuidadosamente devolvido ao túmulo depois que um animal selvagem o profanou para se alimentar. Além de uns desenhos esquemáticos e a presença de pólen, pouco se sabe sobre a mulher e o significado que a cultura à qual pertencia queria dar à sua sepultura. A senhora é um dos 51 indivíduos que foram analisados neste estudo. A equipe de Manuel González Morales está preparando uma reconstrução do aspecto que teve essa mulher, cujo genes mostram que era negra, explica.
Embora os primeiros sapiens tenham chegado à Europa há cerca de 45.000 anos, sua marca genética desapareceu completamente nas populações atuais. As primeiras populações que possuem algum parentesco com os europeus de hoje remontam a uns 37.000 anos atrás. Os autores do trabalho identificam essa população com o período aurignaciano.
Embora os primeiros sapiens tenham chegado à Europa há cerca de 45.000 anos, sua marca genética desapareceu completamente nas populações atuais
“Estão associados a esta cultura os primeiros exemplos de arte e música, assim como as pinturas da caverna de Chauvet na França ou as flautas de ossos”, diz Manuel González Morales, pesquisador da Universidade da Cantábria e coautor do trabalho.
Naquela época, a Europa vivia a última idade do gelo, com geleiras avançando do norte da Europa e empurrando povos inteiros à migração ou ao extermínio. Segundo dados do trabalho, há 33.000 anos outro grupo substitui quase totalmente o anterior e é associado com o período gravetiano, caracterizado por pinturas com as mãos em negativo e as redondas estatuetas das Vênus paleolíticas esculpidas em osso, explica González.
Inesperadamente, há cerca de 19.000 anos, reaparecem os descendentes do período aurignaciano. Os restos humanos encontrados na Cantábria mostram agora que os habitantes desta região estavam diretamente relacionados com eles.
Uma das possíveis explicações é que aquele povo migrou para refúgios quentes do sul da Europa, em particular a Península Ibérica. Depois do momento mais frio da última idade do gelo esta população volta a se expandir para o norte da Europa, recuperando o território perdido e substituindo seus habitantes.
Última onda
Mais uma vez, cerca de 14.000 anos atrás, outra população vinda das terras do Oriente Médio desembarca no continente e passa a ser dominante, substituindo boa parte das anteriores. Esta última onda, que não era conhecida até agora, foi identificada pelos restos de um caçador e coletor encontrado em Villabruna, Itália e que deu nome a esta população.
A marca genética deste grupo se perpetuou durante milênios, já que, por exemplo, o caçador coletor de La Braña (Leão), que viveu há 7.000 anos estava relacionado com este grupo.
Os genes do homem de La Braña mostram que tinha pele escura e olhos azuis. De acordo com González, até a chegada de seus ancestrais à Europa cerca de 14.000 anos atrás, todos os europeus tinham a pele escura e os olhos castanhos. “O trabalho mostra que os primeiros indivíduos com genes de pele clara viveram há uns 13.000 anos”, explica o pesquisador da Universidade da Cantábria. Depois, com a chegada dos primeiros agricultores do Oriente Médio começa o Neolítico e a pele branca se torna muito mais comum. Em outras palavras, os europeus foram negros durante a maior parte de sua história.
By the time you read this, it’s possible that every single person on the planet will know who Neymar da Silva Santos Júnior is.
This is Neymar from last week:
EXPAND
This is Neymar from one year ago:
This is Neymar from five years ago:
This is little Neymar with his family:
You could come to any number of conclusions from Neymar’s remarkable transformation. For instance, you could conclude that race doesn’t exist in Brazil, which is the favorite line of a specific tribe of Brazilians—impeccable liberals all, who just happen to be upper-class, white, and at the top of the heap.
Or you could conclude that everyone in Brazil is indeed mixed—which is, incidentally, the second-favorite line of the selfsame tribe.
Or you could wonder what happened to this boy.
It’s too easy to condemn Neymar for pretending to be white: Judging by the images, he is partly white. It’s silly to accuse him of denying his mixed-race ancestry, because the simplest search throws up hundreds of images of him as a child, none of which he seems to be ashamed of. There is this: When asked if he had ever been a victim of racism, he said, “Never. Neither inside nor outside the field. Because I’m not black, right?”
Actually, the word he used was preto, which is significant, since, in Brazil, when used as a color ascribed to people—rather than things, like rice or beans—it is the rough equivalent of the n-word, negro and negra being the acceptable ways of describing someone who is truly black (and moreno or morena being standard descriptors for someone dark-skinned, as well as, occasionally, euphemisms for blackness). Technically speaking, however, his logic was faultless—and even kind of interestingly honest: The Neymar who made that statement was an unworldly 18-year-old who had never lived outside Brazil. And in Brazil, Neymar is not black.
In 1976, the Brazilian Institute of Geography and Statistics ran a household survey that marked a crucial departure from other census exercises. The Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) did not ask Brazilians to choose a race category among pre-determined choices; instead, researchers went out and asked people to describe the color they thought they were.
Schwarcz’s work is filled with thoughtful, original analysis, and is characterized by an unusual fearlessness. (Unusual, that is, for a subject so complicated). Reading her is a revelation; it turns out there is a real place hiding under that avalanche of clichés. If you’ve ever wondered how crushing racism can flourish in a country where, apparently, race itself has been crushed, consider that everything Brazil is defined by—from its “we are all mixed” anthem, to feijoada, capoeira, and candomblé, right down to samba and soccer—is the result of an insidious, revisionist, far-sighted political maneuver of the 1930s, courtesy the combined skills of popular intellectual Gilberto Freyre and populist dictator Getúlio Vargas. The battered body of slave culture was abducted by national culture in order to renew white culture.
Among the many eye-popping results reported in the PNAD survey, the one I am most drawn to is burro quando foge. You’ll find it up there in the table at No. 34. Google inexplicably translates the phrase as “saddle,” which is awesome, since it means that Lusofonia still keeps some secrets beyond the reach of the behemoth. Burro quando foge is translated by Schwarcz, within the constraints of a column slot, as “the disappearing donkey” and explained as a humorous phrase that denotes a nondescript color.
Which it is—and then some. The metaphor is unique to Brazil, and signifies a color. That color could be nondescript, ill-defined, elusive, or ugly—and, just to make things really clear, also fawn, beige, or a tricky shade of brown. The sentiment conveyed in the phrase is just as interesting. Used between friends, it could pass for a joke. Otherwise, it almost always denotes something unpleasant. It’s usually used an insult, although—oddly enough, given the colors and sentiments—it’s not specifically a racial insult.
Of all the 136 colors of race in Brazil, this is my favorite. It’s flippant and factual and fictional all at once, and as such, suits me perfectly. Race is not a term that has much currency in India, where I live. It is, however, a central feature of Johannesburg and São Paulo, the two cities I occasionally work in, and as much as I’m aware of how privileged I am not to be wholly subject to it, I feel curiously bereft of race in both places. Certainly, I grew up with color: Being a dark-skinned child in a uniformly light-skinned family meant that I had to regularly contend with well-meaning relatives who’d pinch my cheeks and chide me for “losing my color”—as though my skin tone was something I had brought upon myself in a fit of absent-mindedness. To choose a race then: Indian might work for some people, but it is both my passport and my residence, and that’s quite enough. Brown is too generic, and black, a bit too unbelievable, all things considered. Given that I spent my childhood reading Gerald Durrell and dreaming of donkeys, adopting their color seems right in so many ways.
And where does that leave our boy wonder? We might start with the Estado Novo, Vargas’s authoritarian reign between 1937 and 1945. Only a few years earlier, Freyre had published the crowning achievement of his career, Casa-Grande e Senzala (The Big House and the Slave Quarters, released in English as The Masters and the Slaves), and the book was catching fire. Freyre’s central theory was something he called Lusotropicalism. It told a soothing story of the past (by casting the Portuguese as a kinder, gentler breed of imperial slaver), offered a handy solution for the present (by turning the mixing of races into a virtue),and held out an appealing conclusion, namely, the idea that Brazil was a racial democracy.
Upon publication, Freyre’s work immediately attracted the ire of the Portuguese nation for suggesting her citizens were prone to miscegenation. At home, however, it became Vargas’s blueprint for the country he had seized—and his strategy for political survival. Three quarters of a century later, Freyre’s big think remains the enduring idea of Brazil, an idea whose appeal grows in leaps and bounds across the globe and, to be sure, often escapes the clutches of its creators to dazzling effect. Still, consider the irony: The country’s sense of itself as a racialdemocracy was smuggled in to its soul by an autocracy.
The term Estado Novo refers to a few different periods of dictatorship, and it literally translates as “new state,” which is prophetic, since the words also describe a peculiar duty that is incumbent upon at least half the Brazilian population. That duty, of course, is the business ofbranqueamento—of whitening—of transforming, quite literally, into a new physical state. (For all his pro-miscegenation advocacy, Schwarcz notes in The Spectacle of the Races, Freyre was as keen as his critics on keeping the structure of Brazil intact: as a hierarchy with whiteness on top). In that sense, Neymar is only the latest in a long line of celebrities and Brazilians of lesser value who get it. Who get the fine print on the contract; who understand that national identity rests on racial harmony, which, in turn, rests on a kind of potential access to opportunity. Not the opportunity to be equal, mind you, but the opportunity to be white. We may gawk at him all we like, but in straightening his hair, extending it out, and dyeing it blond, Neymar was fulfilling his patriotic destiny just as surely as he was confounding the Croats and leading his team to victory last month.
I’ll venture that the disappearing donkey colour fits Neymar to a T. After all, he is both undoubtedly and elusively brown. Yes, there is the matter of his blond ambition. O burro fugiu, we might well ask—has the donkey left the building? I’d really like to think not. For one thing, the boy’s only 22. He’s got a whole lifetime to change his mind—and his hair. For another, I’ve got a whole World Cup to watch. Have a heart. I spend hours every week learning Brazilian Portuguese; I’m devoted to the country; and I come from Bangalore, a city in which Pelé is god. I do not mean this metaphorically. In a neighborhood called Gowthampura, around the corner from where I live, residents have erected a lovely shrine to four local icons—the Buddha, Dr. Ambedkar, Mother Teresa, and the striker from Santos.
So you see, my hands are tied. I’ve got my own patriotic destiny to fulfill, and it involves rooting for Brazil, which means I’m going to need to love Neymar a lot.
I can do it.
Anyway, donkeys are famously stubborn animals. They’re good at waiting.
Achal Prabhala is a writer and researcher in Bangalore, India. Bottom photovia Flickr.Neymar game photos via Getty.
Screamer is Deadspin’s soccer site. We’re @ScreamerDS on Twitter. We’ll be partnering with our friends at Howler Magazinethroughout the World Cup. Follow them on Twitter,@whatahowler.
From Sheriff Joe Arpaio and his controversial raids on and detentions of immigrants to Rush Limbaugh and his rhetoric about “feminazis,” some white men, those sociologist Michael Kimmelterms “angry white men,” are resisting perceived challenges against their masculinity and historical experiences of privilege.
In his new book Angry White Men, Kimmel has interviewed white men across the country to gauge their feelings about their socioeconomic status in a sluggish and globalizing economy as well as the legal and social advances made by women, people of color, GLBT individuals, and others. Kimmel has coined the term “aggrieved entitlement” to describe these men’s defensiveness and aggravation that both “their” country and sense of self are being taken away from them. Kimmel writes in the Huffington Post,
Raised to believe that this was ‘their’ country, simply by being born white and male, they were entitled to a good job by which they could support a family as sole breadwinners, and to deference at home from adoring wives and obedient children…Theirs is a fight to restore, to reclaim more than just what they feel entitled to socially or economically – it’s also to restore their sense of manhood, to reclaim that sense of dominance and power to which they also feel entitled.
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Cool dudes: The denial of climate change among conservative white males in the United States
We examine whether conservative white males are more likely than are other adults in the U.S. general public to endorse climate change denial. We draw theoretical and analytical guidance from the identity-protective cognition thesis explaining the white male effect and from recent political psychology scholarship documenting the heightened system-justification tendencies of political conservatives. We utilize public opinion data from ten Gallup surveys from 2001 to 2010, focusing specifically on five indicators of climate change denial. We find that conservative white males are significantly more likely than are other Americans to endorse denialist views on all five items, and that these differences are even greater for those conservative white males who self-report understanding global warming very well. Furthermore, the results of our multivariate logistic regression models reveal that the conservative white male effect remains significant when controlling for the direct effects of political ideology, race, and gender as well as the effects of nine control variables. We thus conclude that the unique views of conservative white males contribute significantly to the high level of climate change denial in the United States.
Atualizado em 2 de dezembro, 2011 – 09:46 (Brasília) 11:46 GMT
Uma exposição em Paris mostra como seres humanos considerados “exóticos, selvagens ou monstros” foram exibidos em feiras, circos e zoológicos no Ocidente. Na foto, cartão postal com “um pequeno grupo de peles vermelhas”, exibidos em 1911. Foto: Grupo de Pesquisas Achac, Coleção Particular
Uma exposição no museu do Quai Branly, em Paris, mostra como seres humanos considerados “exóticos, selvagens ou monstros” foram exibidos durante séculos em feiras, circos e zoológicos no Ocidente.A exposição Exibições – A Invenção do Selvagem indica, segundo os organizadores, que esses “espetáculos” com índios, africanos e asiáticos, além de pessoas portadoras de deficiência, que tinham o objetivo de entreter os espectadores, influenciaram o desenvolvimento de ideias racistas que perduram até hoje.”A descoberta dos zoológicos humanos me permitiu entender melhor por que certos pensamentos racistas ainda existem na nossa sociedade”, diz o ex-jogador da seleção francesa de futebol Lilian Thuram, um dos curadores da mostra.Thuram, campeão da Copa do Mundo de 1998 pela França, criou uma fundação que luta contra o racismo. Ele narra os textos ouvidos no guia de áudio da exposição.”É difícil acreditar, mas o bisavô de Christian Karembeu (também ex-jogador da seleção francesa) foi exibido em uma jaula como canibal em 1931, em Paris”, diz Thuram.A exposição é fruto das pesquisas realizadas para o livro Zoológicos Humanos, do historiador francês Pascal Blanchard e também curador da mostra.
Medição de crânios
A exposição reúne cerca de 600 obras, entre fotos e filmes de arquivo, além de pôsteres de “espetáculos” e objetos usados por cientistas no século 19, como instrumentos para medir os crânios.Nesse período, se desenvolveram noções sobre a raça e o conceito de hierarquia racial, com teses de que os africanos seriam o elo que faltava entre o macaco e os homens brancos ocidentais, ou o “homem normal”, como consideravam os cientistas.A exposição começa com as primeiras chegadas de povos “exóticos” à Europa, trazidos pelos exploradores, como os índios tupinambá, do Brasil, que desfilaram, em 1550, para o rei Henrique 2º em Rouen, na França.Pessoas com deformações físicas e mentais também serviam de atração para as cortes europeias na época.No início do século 19, a exibição de “selvagens” deixou de ser reservada às elites, com o surgimento de “shows étnicos”, que ganharam força com o desenvolvimento da antropologia e a conquista colonial.Londres, que apresentou uma exposição de índios brasileiros Botocudos em 1817, tornou-se a “capital dos espetáculos étnicos”, seguida pela França, Alemanha e Estados Unidos.A exibição em Londres, em 1810, e em Paris, em 1815, da sul-africana Saartje Baartman, conhecida como “Vênus Hotentote” (nome pelo qual sua tribo era conhecida à época), que tinha nádegas proeminentes, marcou uma reviravolta nesse tipo de apresentação.
Indústria de espetáculos
Esses “shows” se profissionalizaram com interesse cada vez maior do público, tornando-se uma indústria de espetáculos de massa, com turnês internacionais.Em Paris, um “vilarejo” africano foi montado próximo à Torre Eiffel em 1895, com apresentações sensacionalistas de mulheres quase nuas e homens tidos como canibais.”É em um contexto expansionista das grandes potências ocidentais e de pesquisa desenfreada dos cientistas que essas exibições vão ganhar legitimidade necessária para existir”, afirmam os organizadores da mostra.Eles dizem que os espetáculos de “diversão” serviam também como instrumento de propaganda para legitimar a colonização.O apogeu dessas exibições ocorreu entre 1890 e os anos 1930.Depois disso, os “shows étnicos” deixaram de existir por razões diversas: falta de interesse do público, surgimento do cinema e desejo das potências de excluir o “selvagem” da propaganda de colonização.A última apresentação desse tipo foi realizada em Bruxelas, em 1958. O “vilarejo congolês” teve de ser fechado devido às críticas na época.Segundo os organizadores da mostra, mais de 1 bilhão de pessoas assistiram aos espetáculos exóticos realizados entre 1800 e 1958.A exposição fica em cartaz no museu do Quai Branly até 3 de junho de 2012.
Índios Galibi, que vivem no Oiapoque (entre o Brasil e a Guiana Francesa), são exibidos em um espetáculo etnológico no jardim zoológico da Acclimatation, em Paris, em 1893. Foto: grupo de pesquisas Achac, coleção particular
Sul-africanas da tribo khoisa (ou hotentote, como era conhecida) como Strinée (foto), com nádegas extremamente proeminentes, eram exibidas como atrações na Europa no fim do século 19. A mais famosa foi Saartje Baartman, a “Vênus Hotentote”, exibida em Londres em 1810 e em Paris em 1815. Foto: Louis Rousseau / Museu do Quai Branly
Os organizadores da mostra afirmam que os espetáculos também serviam como propaganda para legitimar a colonização. Na imagem, tribo Boschiman (de Botswana, Namíbia e África do Sul) é exibida na França. Foto: coleção de antropologia do príncipe Roland Bonaparte/Museu do Quai Branly.
A exposição reúne cerca de 600 obras, entre fotos, filmes de arquivo, pôsteres de “espetáculos” e demais objetos. Na imagem, o apresentador de shows “excêntricos” Guillermo Antonio Farini posa com pigmeus no Royal Aquarium de Londres. Foto: Pitt Rivers Museum, Universidade de Oxford.
Pessoas com deformações mentais e físicas também serviam de atração para o público europeu, como o ‘homem-cachorro’, que sofria de hiperpilosidade. Foto: Museu do Quai Branly
Tribo Nyambi é exibida no jardim zoológio da Acclimation de Paris, em 1937. Foto: grupo de Pesquisas Achac, coleção particular
Cartão postal apresenta javanesas Kapong na Exposição Universal de Paris de 1889, que marcou a inauguração da Torre Eiffel. Foto: grupo de Pesquisas Achac, coleção particular
Mulher da etnia Achanti, de Gana, é exibida no jardim zoológico da Acclimation de Paris, em 1903. Foto: grupo de pesquisas Achac, coleção particular.
Em 1895, o fotógrafo Joannès Barbier organizou uma exibição no Champs de Mars, em Paris, de 350 pessoas senegalesas e sudanesas. Barbier realizou três exposições “reconstituindo” vilarejos africanos. Foto: Joannès Barbier, Museu do Quai Branly
Pôster do Circo Robinson anuncia um espetáculo com ‘povos selvagens’, afirmando ser a maior exibição do século. Foto: grupo de pesquisas Achac, coleção particular
Livro intitulado ‘As Raças Humanas’, de 1921. Foto: grupo de pesquisas Achac, coleção particular
“O governo federal tem olhado para os povos indígenas com as lentes do agronegócio, recebidas do movimento ruralista. Isso faz parte da lógica do desenvolvimento econômico a qualquer custo e atende a projetos políticos para a disputa de eleições futuras”, diz o historiador.
“A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. Ao citar o que determina o Art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, o historiador Jorge Eremites de Oliveira lembra que “este prazo expirou em 1993 e de lá para cá muito pouco tem sido feito para a regularização das terras indígenas. Disso resulta a perpetuação de inúmeros conflitos pela posse da terra envolvendo comunidades indígenas e setores contrários a seus interesses”.
Ao comentar os conflitos entre indígenas e ruralistas e as frequentes manifestações em todo o país, ele assegura que “na ausência da presença eficaz e moralizadora do Estado, os Terena, Guarani, Kaiowá e outros povos indígenas estão a fazer cumprir os direitos que lhes são assegurados pela Constituição Federal de 1988 e pela Convenção n. 169 da OIT”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, aponta ainda que a “política indigenista oficial foi orientada pelo paradigma da integração, via aculturação e assimilação, dos índios à sociedade nacional. Exemplo disso é o próprio Estatuto do Índio, a Lei n. 6.001/1973, cuja interpretação atual precisa estar em consonância com leis superiores e mais recentes”. E dispara: “A bem da verdade, o Estado nacional e o direito estatal agem de maneira reducionista para submeter os povos indígenas à ordem vigente. A ideia sempre foi – implícita ou explicitamente – a de tornar a sociedade nacional homogênea em termos socioculturais”.
Jorge Eremites de Oliveira é professor de Antropologia Social e Arqueologia da Universidade Federal de Pelotas – UFPel. É licenciado em História pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS, mestre e doutor em História/Arqueologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, com estágio de pós-doutoramento em Antropologia Social pelo Museu Nacional/UFRJ. Foi pesquisador colaborador junto ao Instituto Anchietano de Pesquisas/Unisinos e trabalhou como professor universitário em Mato Grosso do Sul.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Nos últimos anos, indígenas de várias regiões do país manifestam sua indignação com a política indigenista e com o modelo desenvolvimentista do governo federal. Trata-se de uma crise específica, conjuntural, ou não? Como descreve tais manifestações?
Jorge Eremites de Oliveira – O atual modelo desenvolvimentista adotado pelo governo brasileiro é baseado no paradigma do crescimento econômico a qualquer custo e isso, obviamente, tem reflexos negativos na política indigenista oficial. Trata-se de um modelo que sistematicamente viola os direitos elementares dos povos indígenas e comunidades tradicionais, além de classes sociais em situação de vulnerabilidade. O resultado disso é a existência de crises estruturais, com particularidades em cada região do país, dependendo da conjuntura local. Daí compreender a grande insatisfação e indignação dos povos indígenas para com o governo central e seus aliados, seja por conta da construção de hidrelétricas, seja por conta da não regularização de terras de ocupação tradicional ou outro motivo.
Conflitos no MS
O que estamos observando em Mato Grosso do Sul, onde há a segunda maior população indígena no país, assim como em outros estados, é uma espécie de Outono Indígena, em alusão à Primavera Árabe iniciada em fins de 2010. Refiro-me a um levante dos povos originários em defesa de seus direitos, sobretudo do direito às terras de ocupação tradicional. Assim o fazem como último recurso para garantir sua existência física e cultural, haja vista que não abandonaram seus territórios por livre e espontânea vontade, pelo contrário. Foram e têm sido vítimas de violentos processos de esbulho, não raramente com o uso da força e o assassinato de muitas de suas lideranças.
Na ausência da presença eficaz e moralizadora do Estado, os Terena, Guarani, Kaiowá e outros povos indígenas estão a fazer cumprir os direitos que lhes são assegurados pela Constituição Federal de 1988 e pela Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, adotada em Genebra em 1989, da qual o Brasil é signatário e a ratificou internamente.
Demarcação de terras
Eis o que determina o Art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Lei Maior: “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. Este prazo expirou em 1993 e de lá para cá muito pouco tem sido feito para a regularização das terras indígenas. Disso resulta a perpetuação de inúmeros conflitos pela posse da terra envolvendo comunidades indígenas e setores contrários a seus interesses. As consequências disso têm sido nefastas para muitos povos originários e afronta os artigos 231 e 232 da Carta Constitucional. Não é por menos que a bancada ruralista e seus aliados no Congresso Nacional querem mudar o texto constitucional com a PEC 215/2000, motivo de recentes protestos feitos naquela casa pelo movimento indígena. Se isso vier a acontecer, será um grande retrocesso.
No caso dos Terena de Buriti, e de tantas outras comunidades indígenas, quero explicar que eles tinham a posse da terra, mas não tinham o título de propriedade. A titulação da terra a favor de terceiros ocorreu em períodos mais recentes de nossa história, nos quais apenas as elites políticas e econômicas tinham seus direitos assegurados pelo Estado. Mas eram exatamente elas, claro, que controlavam a máquina estatal, inclusive, por exemplo, o departamento de terras do governo de Mato Grosso, com sede em Cuiabá. De lá saíram muitos títulos de propriedade sobre terras indígenas não regularizadas, tidas como terras devolutas, localizadas no antigo sul do estado, atual Mato Grosso do Sul.
A expulsão das comunidades indígenas não se deu unicamente pela ação de fazendeiros e seus comandados. Esbulhos também foram perpetrados com a conivência e o apoio de agentes do próprio Estado, inclusive da agência indigenista oficial, conforme comprovado em muitos documentos disponíveis em seus arquivos. Na maioria das vezes, autoridades governamentais tomaram ciência do ocorrido e nada fizeram para intervir nos conflitos. Este é o caso do que ocorreu com os Kaiowá de Panambizinho, no município sul-mato-grossense de Dourados, durante o governo de Getúlio Vargas (1930-1945), quando houve a Marcha para Oeste e a criação da Colônia Agrícola Nacional de Dourados.
Situação semelhante também aconteceu com os Kaiowá de Ñande Ru Marangatu, no município de Antônio João, no mesmo estado, na fronteira do Brasil com o Paraguai. Eles também foram expulsos de grande parte de seu território entre fins da década de 1940 e começo da de 1950, sendo que o órgão indigenista oficial recebeu denúncia formal sobre o ocorrido e nada vez para apurar os fatos e reverter a situação.
Por razões dessa natureza é que o Estado brasileiro culmina por ser coautor de muitos crimes cometidos no passado e no presente contra os povos originários. E não me refiro, bem entendido, aos tempos de Cabral ou dos portugueses que o sucederam no período colonial. Definitivamente não é isso. Refiro-me, principalmente, a processos de esbulho ocorridos a partir da primeira metade século XX, mas que ainda hoje são praticados no país. Esta questão precisa ficar cristalina porque o direito não foi feito para atender a demandas de povos abstratos e relegados a temporalidades coloniais ou pré-coloniais. Existe para atender a necessidades das sociedades contemporâneas, de seres humanos reais, de carne e osso, dentre os quais estão aqueles cujos antepassados chegaram a essas terras há pelo menos 12 mil anos.
Terra indígena de Buriti
Esta situação é muitíssimo bem conhecida para Mato Grosso do Sul e outros estados. Foi ali, precisamente no município de Sidrolândia, no dia 30-05- 2013, que o indígena Oziel Gabriel, 35 anos, foi assassinado. Ele portava um pequeno arco e algumas flechas, e isso era mais um sinal diacrítico de sua indianidade e disposição de lutar pela terra do que uma arma. Por outro lado, policiais federais portavam armas de fogo com munição letal e as usaram contra os Terena. Os agentes estavam ali para fazer cumprir um mandado de reintegração de posse, referente a uma propriedade existente dentro da Terra Indígena Buriti, já identificada, delimitada e periciada como tal.
A tragédia ocorreu porque os Terena resolveram fazer o que o próprio Estado não fez desde a década de 1920: regularizar aquela terra e garantir que seja de usufruto exclusivo e permanente da comunidade, segundo seus usos, costumes e tradições. Ocorre que no começo da década de 1930 uma comissão terena foi ao Rio de Janeiro, então a capital federal, denunciar o processo de esbulho que sofriam e solicitar providências para a garantia de seus direitos territoriais. De lá para cá já se passaram quase um século e nada foi feito de efetivo. Não é de se estranhar, portanto, que tenham decidido, como último recurso, retomar parte de suas terras devido à situação de vulnerabilidade dos cerca de 2.500 indígenas que ali vivem confinados em 2.090 hectares.
Até agora foram mais de duas centenas de lideranças indígenas mortas apenas em Mato Grosso do Sul. Muitos crimes não foram devidamente investigados, tampouco houve o julgamento e a condenação dos assassinos e seus mandantes. O que aconteceu em Sidrolândia com Oziel Gabriel foi, portanto, o mesmo que aconteceu no estado com Marçal de Souza, Guarani morto em 1983 na Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, e com Marcos Verón, Kaiowá assassinado em 2003 na Terra Indígena Takuara. Naquela parte do Brasil, e em tantas outras, os índios são vistos e tratados pela maioria da população regional como estrangeiros não humanos e, por extensão, como um estorvo e um obstáculo ao progresso. A lei que ali impera ainda é, como aprendemos a dizer desde criança, a do 44, chamada “Justiça de Mato Grosso” (do Sul e do Norte). Não se trata de lei alguma, senão do calibre da arma de fogo com que se fazia justiça desde muito tempo na região, segundo é conhecido na historiografia regional. A violência é, com efeito, uma marca fortíssima na história de Mato Grosso do Sul.
Desenvolvimentismo
No que se refere ainda ao modelo desenvolvimentista atual, cumpre explicar que ele (re) surgiu após o fim da ditadura militar (1964-1985) e a promulgação da Constituição Federal de 1988. Saíamos de um regime de exceção, também marcado pelo fracasso do “milagre econômico brasileiro”, e testemunhávamos o reordenamento do papel do Estado nacional e as tentativas de retomada do crescimento do país. Isso ocorreu e tem ocorrido dentro de um contexto maior, ligado à mundialização do capital. Nesse cenário ocorrem concomitantemente o deslocamento de investimentos e atividades produtivas e a polarização da riqueza, conforme apontado pelo economista francês François Chesnais.
Por isso a maior parte da riqueza fica para países localizados no hemisfério Norte, onde o consumismo é enorme e precisa ser atendido, ao passo que para países do hemisfério Sul há a transferência dos impactos negativos desses investimentos e atividades produtivas. Nesta parte meridional do planeta, onde vivemos, estão países com jovens democracias, economias em crescimento e uma história marcada por ditaduras e políticas colonialistas, como é o caso do Brasil. É exatamente aqui onde existem classes sociais e minorias étnicas em situação de maior vulnerabilidade as que mais sofrem com tudo isso.
Esta situação é percebida no caso da construção de usinas hidrelétricas como a de Belo Monte, cuja existência é justificada pelo sofisma do desenvolvimento sustentável. Nesse caso específico, o que se viu até agora foi um conjunto de procedimentos irregulares ligados ao licenciamento ambiental de uma grande usina hidrelétrica. Exemplo disso é o fato de as comunidades indígenas afetadas direta e indiretamente pelo empreendimento não terem sido prévia e devidamente consultadas sobre o projeto. Essa é uma exigência legal, conforme determina a Convenção n. 169 da OIT. O paradoxal disso tudo é saber que este projeto foi concebido durante a ditadura militar e tem sido executado de maneira arbitrária e violadora de direitos humanos nos dias atuais.
Existem até projetos para construção de hidrelétricas no Pantanal, onde empreendimentos desse tipo causarão enormes e irreversíveis prejuízos socioambientais, tanto à bio quanto à sociodiversidade da região.
Para finalizar esta não muito curta explicação inicial, diria que para barrar o Outono Indígena será preciso cometer mais violência contra os indígenas. Mas representantes do movimento ruralista têm demonstrado disposição e ousadia para isso, inclusive com a possibilidade de contrabando de armas de fogo do Paraguai, conforme um fazendeiro de Paranhos, Mato Grosso do Sul, disse à imprensa em 2012. E foi no mesmo município que mais recentemente, no dia 12-05-2013, pistoleiros teriam feito emboscada e assassinado Celso Rodrigues, 42 anos, Kaiowá morador da Terra Indígena Paraguaçu, segundo noticiado pela imprensa.
Resolver esta situação conflituosa, assegurando aos povos indígenas seus direitos territoriais e outros garantidos em lei, é um dever do Estado e da sociedade nacional. Isso é necessário para corrigir erros do passado e consolidar um outro projeto de nação, onde também haja o devido respeito às diferenças étnico-raciais, religiosas, de gênero, orientação sexual etc. Ademais, o custo financeiro disso tudo será muitíssimo menor se comparado com a estimativa de 50,8 a 84,5 bilhões de reais correspondentes ao preço anual da corrupção no país. Isso sem falar no alto custo do legislativo brasileiro, um dos mais caros e menos eficientes do mundo.
IHU On-Line – Como a política indigenista foi construída e alterada ao longo da história brasileira?
Jorge Eremites de Oliveira – Em linhas gerais, desde o período imperial até a promulgação da Constituição Federal de 1988, a política indigenista oficial foi orientada pelo paradigma da integração, via aculturação e assimilação, dos índios à sociedade nacional. Exemplo disso é o próprio Estatuto do Índio, a Lei n. 6.001/1973, cuja interpretação atual precisa estar em consonância com leis superiores e mais recentes.
A bem da verdade, o Estado nacional e o direito estatal agem de maneira reducionista para submeter os povos indígenas à ordem vigente. A ideia sempre foi – implícita ou explicitamente – a de tornar a sociedade nacional homogênea em termos socioculturais. Parece não existir qualquer possibilidade de convivência com os Outros, os originários, senão acabando com eles ou deportando-os para algum lugar longínquo, lá no meio da Amazônia, distante da civilização e dos nossos olhares. É o que podemos concluir a partir das palavras de Carlos Frederico Marés de Souza Filho, professor de direito e procurador do estado do Paraná: “O Estado e seu Direito não conseguem aceitar as diferenças sociais e as injustiças que elas engendram e, na maior parte das vezes, as omitem ou mascaram, ajudando sua perpetuação”. [1]
Entretanto, o fato é que a Constituição Federal de 1988 é um divisor de águas no reordenamento do papel do Estado em relação aos povos indígenas e a outros assuntos. Com o Capítulo VII (Dos Índios), Artigos 231 e 232, por exemplo, pôs-se fim ao paradigma integracionista que vigorava até então, embora ainda se faça presente em sentenças proferidas na Justiça Federal. Por esse motivo, julgo ser necessário citar o que diz o texto constitucional:
CAPÍTULO VII – “DOS ÍNDIOS”
Artigo 231 – São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
1. São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
2. As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios, dos lagos nelas existentes.
3. O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivadas com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados das lavras, na forma de lei.
4. As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas são imprescritíveis.
5. É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso, garantindo em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
6. São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção do direito à indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé.
7. Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, 3 e 4.
8. Artigo 232 – Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo. [Destaques meus]
Embora a chamada Constituição Cidadã seja clara no que diz respeito a reconhecer as diferenças socioculturais e as terras das comunidades indígenas, torna-se contraditório qualquer ação unilateral do governo federal em querer integrá-las às economias regionais.
Por razões dessa natureza é que a Fundação Nacional do Índio – Funai é um dos piores e menos eficientes órgãos governamentais, pois sucessivos governos não deram a ela a devida atenção, exceto para ali colocar seus “afilhados” em cargos de confiança, desprestigiando funcionários de carreira. Isso explica o porquê da “questão indígena” nunca ter sido tratada como prioridades dentre as ações do Estado. Basta saber qual é o orçamento anual da Funai e entenderemos melhor o assunto.
IHU On-Line – Os dados acerca do território brasileiro destinado à ocupação indígena são controversos. É possível estimar que percentual das terras brasileiras é ocupado pelos indígenas e que percentual, por sua vez, deveria ser ocupado por eles?
Jorge Eremites de Oliveira – Seria leviano de minha parte querer apresentar um percentual sobre o tamanho das terras indígenas no país, mas o fato é que a maior parte delas está na região amazônica. Conforme recentemente explicou o antropólogo João Pacheco de Oliveira, em entrevista concedida ao Estadão, naquela região há terras da União que não são destinadas apenas aos indígenas, mas também servem como áreas de preservação ambiental, algo que por si só é importante.
No caso de Mato Grosso do Sul, e de muitos outros estados, o que se vê é uma situação exatamente diferente. Ali há milhares de indígenas confinados em pequeníssimas reservas, como se fossem “ilhas” cercadas por fazendas e cidades, conforme avaliou o historiador Antonio Jacó Brand, falecido recentemente. Na Terra Indígena Dourados, por exemplo, onde há duas aldeias, Jaguapiru e Bororó, vivem por volta de 13.500 pessoas em pouco mais de 3.400 hectares.
Situações assim possibilitam entender melhor os conflitos pela posse da terra em certas regiões do país. Além disso, faz-se necessário deixar claro que não se podem ceifar direitos das comunidades indígenas que vivem em Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, por exemplo, sob o pretexto de que “há muita terra para pouco índio” na Amazônia.
IHU On-Line – Há uma crítica recorrente de parte da sociedade de que os indígenas não precisam de tantas terras para viver. Qual a importância da terra para eles?
Jorge Eremites de Oliveira – Mas aonde, afinal de contas, estariam tantas terras assim? Com certeza, faço questão de registrar amiúde que não seria em Mato Grosso do Sul. Diria mais: se não precisam de “tantas terras”, então o que muitos de nós desejariam é vê-los mortos? Aí, sim, talvez tivessem alguma terra, ao menos para serem enterrados. Talvez seja esta dedução a que podemos chegar diante de tanta contrainformação, preconceito e violência cometida contra os povos indígenas.
Portanto, não é de se estranhar que setores da imprensa sejam financiados com dinheiro dos cofres públicos e do agronegócio em certos estados brasileiros, especialmente onde os conflitos pela posse da terra são grandes e envolvem indígenas e ruralistas.
Para os povos indígenas a terra não é uma mera mercadoria e, por isso, não pode ser percebida pela lógica do agronegócio. Mesmo assim, não é verdade que nelas não se produz alimento algum. Na Terra Indígena Buriti, por exemplo, os Terena produzem alimentos em suas roças e quintais, criam diversos animais e fazem manejo agroflorestal, entre outras atividades produtivas.
Uma terra indígena pertence à União, e para os índios ela é de fundamental importância para sua reprodução física e cultural. Para sociedades como a dos Guarani e Kaiowá, a terra possui, ao mesmo tempo, um grande valor econômico e religioso, chegando a ser quase como um parente, conforme tem sido explicado pelo antropólogo kaiowá Tonico Benites. Sem ela não há como viver bem, segundo uma cosmologia particular, e para eles a luta pela terra também é a luta em defesa da família extensa, da qual a terra faz parte.
IHU On-Line – Como avalia a postura do Estado brasileiro em relação aos indígenas? Percebe uma tentativa de diálogo ou o governo cede a interesses econômicos?
Jorge Eremites de Oliveira – Em complementação ao que disse anteriormente, avalio que o governo federal tem olhado para os povos indígenas com as lentes do agronegócio, recebidas do movimento ruralista. Isso faz parte da lógica do “desenvolvimento econômico a qualquer custo” e atende a projetos políticos para a disputa de eleições futuras.
Nesta linha de raciocínio, diria que há poucas e tímidas tentativas de diálogo com o movimento indígena, haja vista que o governo tende a ceder a interesses econômicos pragmáticos e não a um planejamento estratégico de longo prazo, no qual os povos indígenas tenham seus direitos assegurados.
IHU On-Line – Quais foram os resultados da política de demarcações de terras indígenas e quais os desafios ainda presentes?
Jorge Eremites de Oliveira – Em linhas gerais, temos avanços registrados após a promulgação da Constituição Federal de 1988, mas muito ainda precisa ser feito, especialmente em regiões onde o agronegócio é muito forte e o valor das terras, elevado. Este é o caso de Mato Grosso do Sul.
Ali um dos desafios colocados na pauta do dia diz respeito à indenização não apenas da benfeitoria, mas também da terra nua de propriedades que o Estado titulou a favor de terceiros. Isso garantirá a regularização mais rápida das terras indígenas, conforme tem sido apontado por lideranças do movimento ruralista e por indígenas. Como fazer sem mudar o Art. 231 da Lei Maior é que constituiu um desafio a ser enfrentando.
Após a regularização das terras indígenas, será necessário, aí sim, um conjunto de políticas públicas, concebidas para atender às particularidades de cada comunidade indígena visando, com isso, a construção de sua autonomia.
IHU On-Line – Entre as mudanças sugeridas recentemente pelo governo está a proposta, da ministra Gleisi Hoffmann, de que as demarcações das terras indígenas recebam pareceres da Embrapa. Como valia essa medida?
Jorge Eremites de Oliveira – Com o devido respeito, a referida ministra pouco ou nada conhece sobre a situação dos povos indígenas no Brasil. Ela aderiu ao discurso e às propostas do movimento ruralista e isso sugere que tem a ver com suas pretensões de ganhar o governo do Paraná nas próximas eleições. Chega a ser um desserviço ao país e uma violência só conhecida nos tempos da ditadura militar. A Embrapa não tem competência formal para tratar do assunto, tampouco possui recursos humanos especializados para assim o fazer.
Salvo engano, a estratégia do governo federal, via Casa Civil, tem sido a de sistematicamente promover a desqualificação da Funai e dos estudos antropológicos feitos para a identificação e delimitação de terras indígenas, como se não houvesse clareza nesse processo. Neste último aspecto, vale registrar que, de um ponto de vista legal, a identificação e delimitação de terras indígenas tem que ser feito em observação ao Decreto n. 1.775 e à Portaria MJ n. 14, ambos de 1996. O primeiro “dispõe sobre o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas e dá outras providências”, e a segunda estabelece “regras sobre a elaboração do Relatório circunstanciado de identificação e delimitação de terras indígenas”.
Regularização de terras indígenas
Resumidamente, diria que no Brasil a regularização de terras indígenas passa por três processos, segundo alguns colegas já apontaram e escrevi em recente artigo: o político, o administrativo e o judicial.
O processo administrativo diz respeito à ação da Funai em constituir um Grupo Técnico (GT), sob a coordenação de um antropólogo, cujo estudo deve ser realizado em conformidade com o que determinam as leis citadas anteriormente. O resultado do estudo de identificação, quando aprovado técnica e politicamente pelo órgão, tem seu resumo circunstanciado publicado no Diário Oficial da União, o que garante a publicização dos atos.
O processo jurídico, por seu turno, está diretamente relacionado com o princípio do amplo direito de defesa, o qual assegura que as partes envolvidas no litígio (comunidades indígenas, fazendeiros, prefeituras etc.) apresentem, em caso de se sentirem prejudicadas, um contraditório ao estudo produzido pela agência indigenista oficial. Isso primeiramente deveria ser feito em um prazo de 90 dias e diretamente àquele órgão. No entanto, amiúde é feito em juízo e a partir daí é iniciado um processo judicial, no qual comumente os fazendeiros são autores e a União e Funai, rés. O mesmo princípio do contraditório, elementar para a garantia do Estado Democrático de Direito, garante a solicitação de outro estudo, independente do feito para a Funai. Trata-se de uma perícia judicial, solicitada pela Justiça Federal em atendimento às exigências do juízo ou ao pedido das partes. Durante a realização das perícias, as partes podem ter seus próprios experts, chamados de “assistentes técnicos”, os quais comumente atuam na elaboração de estudos (contralaudos) em defesa de quem os contratou.
O início e a conclusão do processo administrativo e, sobretudo, do processo judicial podem levar anos, às vezes décadas, sem que as comunidades consigam manter o usufruto exclusivo e a posse permanente das áreas reivindicadas, de onde normalmente foram expulsas em algum momento da história.
Por último, o processo político, em minha opinião o mais importante de todos, refere-se também às ações e estratégias políticas dos movimentos indígenas e seus eventuais aliados (ONGs indigenistas, Ministério Público Federal, pesquisadores, parlamentares etc.) para a completa regularização das terras de ocupação tradicional, inclusive nas instâncias do Judiciário.
Mas, enfim, o discurso oficial da Casa Civil é idêntico ao feito no regime militar para extinguir o antigo Serviço de Proteção ao Índio – SPI, em 1967, como se todo esse processo fosse algo desconhecido. E como disse o filósofo alemão Karl Marx: “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. E é exatamente de uma farsa que estou falando.
IHU On-Line – Como avalia a declaração do secretário executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, de, no futuro, a partir de uma mudança na legislação brasileira, ser possível a instalação de usinas hidrelétricas em terras indígenas, tendo como sócios do empreendimento os próprios índios, a exemplo do que já ocorre no Canadá?
Jorge Eremites de Oliveira – Esta é mais uma declaração que gera preocupação e insegurança jurídica aos povos indígenas, pois uma mudança na legislação brasileira, seguramente na Constituição Federal, será mais um retrocesso e uma forma de ceifar direitos conquistados recentemente.
IHU On-Line – Qual a melhor maneira de resolver os conflitos entre indígenas e não indígenas?
Jorge Eremites de Oliveira – Inexiste uma fórmula mágica para isso. Penso que tratar a “questão indígena” como uma das prioridades de Estado seria o primeiro passo. Se não for assim, os conflitos continuarão e, seguramente, mais vidas humanas serão ceifadas, em sua esmagadora maioria de indígenas. Quanto a isso não tenho dúvida alguma.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Jorge Eremites de Oliveira – Com a devida licença, registro aqui uma moção de apoio aos Terena e a outros povos indígenas no Brasil, aprovada pelo colegiado do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFPel, onde trabalho.
MOÇÃO DE APOIO AOS TERENA DE BURITI E A TODOS OS POVOS INDÍGENAS QUE LUTAM POR SEUS DIREITOS TERRITORIAIS NO BRASIL
O colegiado do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pelotas, reunido no dia 7 de maio de 2012, considerando:
– que o Estado Brasileiro não cumpriu com o que determina o Art. 67 da Constituição Federal de 1988 [ADCT]: “A União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”. Esta situação é conhecida para todo o território nacional e também explica o prolongamento e o acirramento de muitos conflitos pela posse da terra envolvendo comunidades indígenas e setores contrários a seus interesses;
– que a política indigenista oficial tem sistematicamente violado os direitos dos povos indígenas, inclusive por meio do descumprimento de leis internacionais das quais o país é signatário. Este é o caso da Convenção nº 169 da OIT, de 1989, sobre os direitos fundamentais dos povos indígenas e tribais, aprovada pelo Congresso Nacional em 2002 e promulgada pela Presidência da República em 2004. Exemplo disso é o que ocorreu durante o licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, quando os povos indígenas afetados pelo empreendimento não foram prévia e devidamente consultados sobre o projeto;
– que o Governo Federal, por meio da Casa Civil, tem sistematicamente promovido a desqualificação da Funai e dos estudos antropológicos feitos para a identificação e delimitação de terras indígenas. Esta postura é típica de regimes de exceção, gera insegurança jurídica aos povos indígenas e denota uma postura colonialista norteada pelos paradigmas da assimilação e do desenvolvimento econômico a qualquer custo, subordinando poderes constituídos na República a interesses do movimento ruralista e seus aliados;
– Que os estudos para a ampliação dos limites da Terra Indígena Buriti, localizada nos municípios de Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, em Mato Grosso do Sul, foram devidamente concluídos e publicados em 2001, constituindo-se em um ato administrativo perfeito. Além disso, respeitando o direito ao contraditório, a área foi objeto de perícia judicial que concluiu se tratar de terra de ocupação tradicional indígena, conforme estabelece o Art. 231 da Carta Constitucional;
– e que no dia 30 de maio de 2013 o indígena Oziel Gabriel, 35 anos, foi morto por policiais enviados para a área de conflito para fazer cumprir um mandado de reintegração de posse dentro da própria Terra Indígena Buriti. Naquele mesmo dia outros indígenas também foram feridos por policiais a servido do Estado Brasileiro. Posteriormente, no dia 04 de junho de 2013, o indígena Josiel Gabriel Alves, 34 anos, primo de Oziel Gabriel, foi baleado nas costas por pessoas identificadas pelos Terena como “pistoleiros” a serviço de fazendeiros da região, correndo o risco de ficar com sequelas neurológicas, vem a público manifestar seu apoio e solidariedade aos Terena da Terra Indígena Buriti e a todos os povos indígenas que lutam por seus direitos territoriais no Brasil.
Nosso posicionamento se dá em defesa da vida humana, pela regularização das terras indígenas existentes no território nacional e em repúdio a qualquer tipo de violência cometida contra os povos e comunidades tradicionais no Brasil. Por este motivo, esperamos que a justiça haja com rigor na apuração dos crimes cometidos contra os Terena e defendemos o cumprimento dos Art. 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, bem como da Convenção 169 da OIT, sem os quais não é possível existir no país o Estado Democrático de Direito.
Trabalho demonstra ainda que ações afirmativas podem encorajar a evasão e levar à redução da qualidade dos cursos mais competitivos
As cotas sociais ou raciais nas universidades não são o melhor instrumento para facilitar o acesso ao ensino superior, não garantem que os alunos cotistas tenham o desempenho esperado, além de encorajar a evasão e levar à redução da qualidade dos cursos mais competitivos. As conclusões são do estudo “Ações Afirmativas nas Universidades Brasileiras”, feito sob encomenda pela Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp) e preparado por quatro especialistas na área de educação, os professores José Goldemberg, Eunice Durham, Maria Helena de Castro Guimarães e Simon Schwartzman.
O estudo foi apresentado hoje por José Eduardo Krieger e Regina Pekelmann Markus, presidente e diretora da Aciesp, respectivamente, e José Goldemberg, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP) e ex-ministro da Educação, em coletiva de imprensa no Centro Universitário Maria Antônia. Segundo Krieger, o estudo foi pedido porque há diversos aspectos que permeiam a questão do acesso dos alunos nas universidades públicas.
Uma das preocupações que o trabalho levantou é a formação educacional do cidadão até a entrada na universidade, que depende de diversas influências, como o ambiente familiar e a sociedade, além do Ensino Básico e Fundamental. Segundo o estudo, a educação no país requer uma reestruturação competente, que exigirá tempo e investimentos vultosos para que ela seja qualidade. “Este trabalho é importante porque nos traz dados que serão importantes para ampliar as discussões e tomadas de decisão”, afirmou Regina.
Para os autores do estudo, as cotas nas universidades introduzem um novo tipo de discriminação, como exemplo dos quais são a discriminação contra o branco pobre (em relação ao negro pobre) e contra o pobre (branco ou negro), cuja família economizou para mandar o filho à escola privada, para prepará-lo melhor para os vestibulares. “O critério ideal para a implantação de ações afirmativas deveria basear-se na renda per capita”, sugerem.
Eles reconhecem que a discriminação social ou racial no Brasil é real, mas não apenas no acesso às universidades públicas, e deve ser eliminada. “O problema é decidir como fazê-lo, sem prejudicar o desempenho das universidades públicas, cuja excelência é indispensável para o desenvolvimento do país”, escrevem nas suas conclusões. “A melhor solução a nosso ver é por meio de cursos preparatórios gratuitos para ingresso nas universidades, que utilizariam preferencialmente os alunos de pós-graduação como professores, e criando um sistema de bolsas de estudo para apoiar estudantes carentes.”
Para Krieger, enquanto isso não ocorre é preciso encontrar outras soluções para o problema, mesmo que paliativas para sanar as lacunas, sem prejudicar o que já está bom. “Em 30, 40 anos, sucateamos um sistema (de educação) que funcionava”, disse. “A educação de São Paulo já foi boa. Toda a minha formação foi feita em escola pública. E em tão pouco tempo tudo mudou. Hoje, eu não colocaria seu filho para estudar numa delas. A única coisa que não mudou foi a qualidade da USP.”
A professora Regina, salientou que é preciso que o governo faça investimentos, porque a universidade deve ser para todos. “Mas em que condições?”, indagou. “Por isso, é preciso dar condições para que todos tenham o mesmo acesso”. O ponto fundamental é a qualidade das universidades. “As decisões a serem implementadas não devem prejudicar o desempenho das universidades públicas, cuja excelência é indispensável para o desenvolvimento do país”, finalizou Goldemberg.
Nada como um bom penteado para combater o racismo arraigado na sociedade brasileira, usando como armas principais tesouras e hidratantes para o cabelo.
Na periferia do Rio de Janeiro, uma rede de salões de beleza que se dedica a atender a negras e mulatas majoritariamente da classe C faz um grande sucesso.
Qual é a fórmula do êxito desta empresa que transforma o “afro” em cachos suaves, e que nega categoricamente a crença popular de que o cabelo crespo é ruim? O crescimento econômico do Brasil, que na última década permitiu que 40 milhões de brasileiros integrassem a classe média por meio de programas sociais do governo.
Dos 194 milhões de brasileiros, 50,7% são negros ou mulatos, e os donos do Beleza Natural, esta peculiar rede de salões de beleza, estimam que 70% das mulheres brasileiras têm cabelo crespo.
“Você é linda porque é negra”
“Este salão é para a consumidora esquecida, invisível, para levantar a autoestima da cliente de baixa renda. Uma mulher acostumada a servir, que merece ser servida, e bem servida”, explica à AFP a presidente da empresa, Leila Velez, uma mulata de 38 anos que aos 16 era gerente de um McDonald’s no Rio.
Velez criou com dificuldades o Beleza Natural há 20 anos junto com familiares. Hoje dirige as 13 filiais da empresa e uma fábrica de produtos para os cabelos, que conta com 1.700 funcionários.
A fábrica produz 250 toneladas de produtos de uso capilar por mês, incluindo o “super relaxante” de cachos criado por sua cunhada Zica Assis, uma ex-empregada doméstica que fez experimentos durante dez anos com frutas, como o açaí, até chegar à fórmula do produto na varanda de sua casa, em uma favela.
Os lucros da rede, que tem salões localizados da periferia a áreas nobres da cidade, cresceram 30% anualmente nos últimos oito anos, segundo Velez, que não revela os resultados da empresa.
Seu sucesso é tamanho que caravanas com centenas de mulheres vindas de outros estados chegam a cada fim de semana para que as viajantes sejam atendidas nos salões.
“Acredito que 100% de seu sucesso esteja ligado à questão da raça. Existem no Brasil, devido a uma carga cultural, muitas mulheres negras que não aceitam seu cabelo porque não é liso, que é o ideal de beleza mais conhecido”, explicou à AFP Victor Cunha da Almeida, professor da escola de negócios da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coautor de uma tese sobre o “Beleza” e sua aposta na “base da pirâmide” social, a classe C, que chega a 54% da população.
“Aí está a diferença do Beleza Natural, que não quer alisar o seu cabelo, quer domá-lo, suavizar os cachos. Diz a mulher: ‘você é linda porque é negra, é linda porque tem os cabelos assim'”.
Bruna Mara, uma cliente, confirma. “Sempre usava o cabelo liso; aqui me convenceram de que meus cachos poderiam ficar bonitos, e é mais natural”, confessa esta secretaria de 24 anos.
Princesas
“Não havia locais onde uma mulher negra com cabelo crespo fosse tratada como princesa”, ressalta o professor Cunha.
Quando alguém entra no mundo do Beleza Natural, decorado em vermelho e rosa, cheio de espelhos e focos luminosos, com flores frescas e café, sente-se em qualquer bairro rico do mundo, ou em um cenário de novela.
“Temos espelhos de corpo inteiro, porque muitas clientes não têm isso em suas casas”, explica Velez.
José Jorge de Carvalho, antropólogo especialista em questões raciais da Universidade de Brasília, ressalta que, apesar de ser visto no exterior como um exemplo de diversidade, o Brasil “é um país muito racista”.
“Estes salões de beleza fazem parte de um esforço de combate ao racismo, para melhorar a auto-estima das mulheres negras de classes popular”, afirma Carvalho, que lamenta o elevado uso no Brasil de pranchas para alisar o cabelo, algumas delas esquentadas diretamente no fogo e que “fritam o cabelo”.
Uma nova classe média
Atualmente, a rede de salões atende 90.000 mulheres por mês.
“Esta é a nova classe média, produzindo para a nova classe média”, comemora Marcelo Neri, ministro interino de Assuntos Estratégicos, em declarações à AFP.
As rendas das populações negra e parda brasileira foram as que mais cresceram
entre 2001 e 2009, 43% e 48% respectivamente, contra 21% para os brancos, segundo Neri, especialista na classe média brasileira.
No entanto, as desigualdades ainda são enormes: 125 anos depois da abolição da escravatura, os brancos no Brasil recebem em média quase o dobro do que os negros.
Ser atendido no “Beleza” é acessível, mas não barato. Custa em média 80 reais (10% do salário mínimo), e para mantê-lo em casa são necessários produtos que custam 50 reais mensais.
Apesar disso, a maioria paga em dinheiro, outro sinal do aumento real de poder aquisitivo da nova classe média brasileira.
What were our early ancestors really like as they accomplished the transition from hunter-gathering bands to more complex settled societies? The anthropologist Napoleon A. Chagnon may have come closest to the answer in his 35-year study of a remarkable population, the Yanomamö of Venezuela and Brazil.
His new book, “Noble Savages,” has three themes. First, it is a beautifully written adventure story of how Dr. Chagnon learned to survive in an entirely alien culture and environment, among villages locked in perpetual warfare and jaguars that would stalk his tracks through the jungle. Second, it describes the author’s gradual piecing together of how Yanomamö society actually works, a matter of great relevance to recent human evolution. Third, it recounts his travails at the hands of the American Anthropological Association.
Most tribes studied by anthropologists have lost much of their culture and structure under Western influences. In the 1960s, when Dr. Chagnon first visited them, the Yanomamö were probably as close as could be to people living in a state of nature. Their warfare had not been suppressed by colonial powers. They had been isolated for so long, even from other tribes in the Amazon, that their language bears little or no relationship to any other. Consisting of some 25,000 people, living in 250 villages, the Yanomamö cultivated plantains, hunted wild animals and raided one another incessantly.
Trained as an engineer before taking up anthropology, Dr. Chagnon was interested in the mechanics of how the Yanomamö worked. He perceived that kinship was the glue that held societies together, so he started to construct an elaborate genealogy of the Yanomamö (often spelled Yanomani.)
The genealogy took many years, in part because of the Yanomamö taboo on mentioning the names of the dead. When completed, it held the key to unlocking many important features of Yanomamö society. One of Dr. Chagnon’s discoveries was that warriors who had killed a man in battle sired three times more children than men who had not killed.
His report, published in Science in 1988, set off a storm among anthropologists who believed that peace, not war, was the natural state of human existence. Dr. Chagnon’s descriptions of Yanomamö warfare had been bad enough; now he seemed to be saying that aggression was rewarded and could be inherited.
A repeated theme in his book is the clash between his empirical findings and the ideology of his fellow anthropologists. The general bias in anthropological theory draws heavily from Marxism, Dr. Chagnon writes. His colleagues insisted that the Yanomamö were fighting over material possessions, whereas Dr. Chagnon believed the fights were about something much more basic — access to nubile young women.
In his view, evolution and sociobiology, not Marxist theory, held the best promise of understanding human societies. In this light, he writes, it made perfect sense that the struggle among the Yanomamö, and probably among all human societies at such a stage in their history, was for reproductive advantage.
Men form coalitions to gain access to women. Because some men will be able to have many wives, others must share a wife or go without, creating a great scarcity of women. This is why Yanomamö villages constantly raid one another.
The raiding over women creates a more complex problem, that of maintaining the social cohesion required to support warfare. A major cause of a village’s splitting up is fights over women. But a smaller village is less able to defend itself against larger neighbors. The most efficient strategy to keep a village both large and cohesive through kinship bonds is for two male lineage groups to exchange cousins in marriage. Dr. Chagnon found that this is indeed the general system practiced by the Yanomamö.
After overtaxing one of his informants, the shaman Dedeheiwä, about the reason for a succession of village fissions into smaller hostile groups, Dr. Chagnon found himself rebuked with the outburst, “Don’t ask such stupid questions! Women! Women! Women! Women! Women!”
During his years of working among the Yanomamö, Dr. Chagnon fell into cross purposes with the Salesians, the Catholic missionary group that was the major Western influence in the Yanomamö region. Instead of traveling by canoe and foot to the remote Yanomamö villages, the Salesians preferred to induce the Yanomami to settle near their mission sites, even though it exposed them to Western diseases to which they had little or no immunity, Dr. Chagnon writes. He also objected to the Salesians’ offering the Yanomamö guns, which tribe members used to kill one another as well as for hunting.
The Salesians and Dr. Chagnon’s academic enemies saw the chance to join forces against him when the writer Patrick Tierney published a book, “Darkness in El Dorado” (2000), accusing Dr. Chagnon and the well-known medical geneticist James V. Neel of having deliberately caused a measles epidemic among the Yanomamö in 1968.
On the basis of these accusations, two of Dr. Chagnon’s academic critics denounced him to the American Anthropological Association, comparing him with the Nazi physician Josef Mengele. The association appointed a committee that, though it cleared Dr. Chagnon of the measles charge, was nevertheless hostile, accusing him of going against the Yanomamös’ interests.
In 2005, the association’s members voted by a 2-to-1 margin to rescind acceptance of the committee’s report. But the damage was done. Dr. Chagnon’s opponents in Brazil were able to block further research trips. His final years of research on the Yanomamö were disrupted.
In 2010 the A.A.A. voted to strip the word “science” from its long-range mission plan and focus instead on “public understanding.” Its distaste for science and its attack on Dr. Chagnon are now an indelible part of its record.
Dr. Chagnon’s legacy, on the other hand, is that he was able to gain a deep insight into the last remaining tribe living in a state of nature. “Noble Savages” is a remarkable testament to an engineer’s 35-year effort to unravel the complex working of an untouched human society.
A version of this review appeared in print on February 19, 2013, on page D3 of the New York edition with the headline: An Anthropologist’s War Stories.
Among the hazards Napoleon Chagnon encountered in the Venezuelan jungle were a jaguar that would have mauled him had it not become confused by his mosquito net and a 15-foot anaconda that lunged from a stream over which he bent to drink. There were also hairy black spiders, rats that clambered up and down his hammock ropes and a trio of Yanomami tribesmen who tried to smash his skull with an ax while he slept. (The men abandoned their plan when they realized that Chagnon, a light sleeper, kept a loaded shotgun within arm’s reach.) These are impressive adversaries — “Indiana Jones had nothing on me,” is how Chagnon puts it — but by far his most tenacious foes have been members of his own profession.
At 74, Chagnon may be this country’s best-known living anthropologist; he is certainly its most maligned. His monograph, “Yanomamö: The Fierce People,” which has sold nearly a million copies since it was first published in 1968, established him as a serious scientist in the swashbuckling mode — “I looked up and gasped when I saw a dozen burly, naked, filthy, hideous men staring at us down the shafts of their drawn arrows!” — but it also embroiled him in controversy.
In turning the Yanomami into the world’s most famous “unacculturated” tribe, Chagnon also turned the romantic image of the “noble savage” on its head. Far from living in harmony with one another, the tribe engaged in frequent chest-pounding duels and deadly inter-village raids; violence or threat of violence dominated social life. The Yanomami, he declared, “live in a state of chronic warfare.”
The phrase may be the most contested in the history of anthropology. Colleagues accused him of exaggerating the violence, even of imagining it — a projection of his aggressive personality. As Chagnon’s fame grew — his book became a standard text in college courses — so did the complaints. No detail was too small to be debated, including the transliteration of the tribe’s name. As one commentator wrote: “Those who refer to the group as Yanomamö generally tend to be supporters of Chagnon’s work. Those who prefer Yanomami or Yanomama tend to take a more neutral or anti-Chagnon stance.”
In 2000, the simmering criticisms erupted in public with the release of “Darkness in El Dorado,” by the journalist Patrick Tierney. A true-life jungle horror story redolent with allusions to Conrad, the book charged Chagnon with grave misdeeds: not just fomenting violence but also fabricating data, staging documentary films and, most sensational, participating in a biomedical expedition that may have caused or worsened a measles epidemic that resulted in hundreds of Yanomami deaths. Advance word of the book was enough to plunge anthropology into a global public-relations crisis — a typical headline: “Scientist ‘Killed Amazon Indians to Test Race Theory.’ ” But even today, after thousands of pages of discussion, including a lengthy investigation by the American Anthropological Association (A.A.A.), there is no consensus about what, if anything, Chagnon did wrong.
Shut out of the jungle because he was so polarizing, he took early retirement from the University of California at Santa Barbara in 1999. “The whole point of my existence as a human being and as an anthropologist was to do more and more research before this primitive world disappeared,” he told me bitterly. He spent much of the past decade working on a memoir instead, “Noble Savages: My Life Among Two Dangerous Tribes — the Yanomamö and the Anthropologists,” which comes out this month. It is less likely to settle the score than to reignite debate. “The subtitle is typical Chagnon,” says Leslie Sponsel, an anthropologist at the University of Hawaii and a longtime critic of Chagnon. “Some will interpret it as an insult to the Yanomami and to anthropology in general.” Sponsel despaired that what is known as “the fierce controversy” would ever be satisfactorily resolved. “It’s quicksand, a Pandora’s box,” he said. “It’s also to some degree a microcosm of anthropology.”
When Chagnon first went into the jungle, in 1964, the public image of anthropology was at its peak. Claude Lévi-Strauss’s “Tristes Tropiques,” his magisterial memoir of his years studying tribes in Brazil, had recently been translated into English, prompting Susan Sontag to declare anthropology “one of the rare intellectual vocations that do not demand a sacrifice of one’s manhood. Courage, love of adventure and physical hardiness — as well as brains — are used by it.” “Dead Birds” (1963), Robert Gardner’s depiction of ritual warfare among the Dani people of New Guinea, was greeted as a landmark of ethnographic filmmaking. In the “Stone Age” culture of the Dani, anthropologists believed they had a snapshot of human development at a crucial early stage, and rumors of other “uncontacted” tribes fueled fantasies of genuine discovery. Membership in the A.A.A. doubled between 1960, when Margaret Mead, the field’s pre-eminent authority, served a term as president, and 1968.
Chagnon was well cast for life in the field. A 26-year-old graduate student at the University of Michigan, he grew up poor in rural Port Austin, Mich., the second of 12 children. He was self-sufficient and handy with a shotgun — minimum requirements for surviving on jungle terrain where the nearest airstrip was several hours downstream by motorized canoe. “It’s the harshest environment in the world, physically speaking,” Kenneth Good, an anthropologist at New Jersey City University, who accompanied Chagnon to Venezuela in 1975 and eventually married a teenage Yanomami woman, told me. “I nearly died of malaria several times.”
Today, Chagnon’s own health is fragile. He had open-heart surgery in 2006 — “a likely consequence of the attacks on me,” he says — and suffers from a lung condition that keeps him tethered to a portable oxygen tank much of the time. Still, when I met him in January, at his home in a wooded subdivision near the University of Missouri in Columbia, where he and his wife, Carlene, had just moved so that he could take up a new position in the anthropology department, he had half a dozen pheasants in his freezer, quarry from a recent hunting expedition with his German shorthaired pointer, Darwin. “Pheasant breast on toast with butter is one of the more delicious breakfasts I’ve ever eaten,” he said solemnly.
In his baseball cap and faded jeans, with a thermos of Heineken at his side, he seemed a pointed rebuke to Ivory Tower decorum. The house, a cavernous brick two-story, was only partly furnished — the Chagnons had lived there all of 10 days. But elegantly arrayed along a ledge above the mantel were a couple dozen woven baskets, like so many households around the rim of a shabono — the vine-and-leaf structure that encloses an entire Yanomami village.
Chagnon’s account of his first encounter with the tribe is legendary: he crept through the low entrance of a shabono, startling a group of Yanomami warriors — the dozen “filthy, hideous men” — who had just concluded a bloody club fight with a neighboring village over the abduction of seven women. “Immense wads of green tobacco were stuck between their lower teeth and lips making them look even more hideous,” Chagnon wrote, “and strands of dark-green slime dripped or hung from their noses.” (The green snot was a side effect of ebene, a hallucinogen that the Yanomami blow into one another’s nostrils.)
By the end of that first day, Chagnon knew he needed to rethink what he had been taught. Apart from a handful of reports by missionaries and European ethnographers, little was known about the Yanomami, who were scattered among several hundred shabonosacross roughly 70,000 square miles on the Venezuelan-Brazilian border. According to the reigning “cultural materialist” doctrine — which owed as much to Marx as to the noble-savage ideal — conflict among groups arose only when there was competition for strategic resources: food, tools, land. The Yanomami in Bisaasi-teri, the shabono that Chagnon had entered, appeared not to be lacking these things. They shouldn’t have been fighting with their neighbors, and certainly not over women — that kind of reproductive competition, cultural materialists claimed, had nothing to do with warfare. During Chagnon’s initial 17 months in the field, one nearby village was raided 25 times. “I began realizing that my training in Michigan was not all that it was supposed to be,” he said.
He spent his first few months trying to learn the villagers’ names and kinship ties, a standard practice at the time and a particular challenge in this case, given the Yanomami’s name taboos: to call someone by his name is often an insult, and the names of the dead aren’t supposed to be uttered at all. Chagnon rewarded informants with fish hooks, matches and, for men who really dished, knives and machetes. (The Yanomami made no metal tools themselves.) Then, on a visit to another village, Chagnon cautiously mentioned the names of the Bisaasi-teri headman and his wife. The residents burst out laughing. He realized that he’d been had: the names he’d been given were slang for genitalia.
Genealogies became Chagnon’s driving obsession. They were crucial for tracing patterns of reproduction — determining which men had the most offspring or how many had wives from other villages. By the end of his last trip to the jungle, in 1995, Chagnon had data on about 4,000 Yanomami, in some cases going back to the 19th century. “That’s what he lives for,” Raymond Hames, an anthropologist at the University of Nebraska who worked with Chagnon as a graduate student, told me. “To collect the data, update the data, crosscheck it. He’s incredibly meticulous.”
Genealogies could also be useful for understanding genetic variations within social groups — then a new avenue of research. Before leaving Ann Arbor, Chagnon met with James V. Neel, a prominent geneticist at the university’s medical school, to propose a collaboration. Neel was best known for his genetic studies of survivors of the Hiroshima and Nagasaki bombings. But he was interested in indigenous populations, in part because, having never been exposed to atomic radiation, they could provide a base line for comparison. After taking samples of the Yanomani’s blood, Neel discovered that the tribe’s levels of heavy metals and other environmental toxins were similar to Westerners’. They also lacked immunity to measles. In 1968, Chagnon helped Neel’s team vaccinate 1,000 Yanomami against the disease, just as it broke out near Bisaasi-teri.
Chagnon believed that biology was essential to understanding the tribe’s warfare over women. After all, more women meant more opportunities to pass on genes through reproduction — a basic tenet of evolutionary thought. But biology had no place in the cultural-materialist paradigm. And explanations of human behavior that relied on evolutionary theory were typically met with suspicion in anthropological circles, a legacy of the American eugenics movement, which invoked Darwinian ideas to justify racist efforts to “improve” the gene pool. “The last bastions of resistance to evolutionary theory,” Chagnon told me, “are organized religion and cultural anthropology.”
Marvin Harris, the leading cultural materialist and a professor at Columbia, was adamant that the Yanomami could not be fighting over women, and in 1975, he threw down a gauntlet. One of Harris’s former students, Daniel Gross, had just published a paper arguing that a scarcity of animal protein led to conditions that favored violence among Amazonian tribes, a theory Harris enthusiastically adopted. Chagnon, who had taken a job at Penn State, and three graduate students met with Harris in New York, on their way to Venezuela. “Harris said, ‘If you can show me that the Yanomami get the protein equivalent of one Big Mac per day, I’ll eat my hat,’ ” recalled Chagnon, who accepted the challenge.
By then Chagnon was waging battles on several fronts. That year, the Harvard biologist Edward O. Wilson published “Sociobiology,” to the dismay of many anthropologists, who were appalled by what they perceived as Wilson’s attempt to reduce human social behavior to an effect of genes. But Chagnon was excited by Wilson’s ideas, and in 1976 he and a colleague arranged for two sessions on sociobiology to take place at the annual A.A.A. convention. The evening before the sessions, several scholars moved to prohibit them. “Impassioned accusations of racism, fascism and Nazism punctuated the frenzied business meeting that night,” Chagnon writes in “Noble Savages.” Only after Margaret Mead denounced the motion as a “book burning” was it defeated.
At the same time, Chagnon’s portrayal of Yanomami aggression was meeting with increasing resistance. One theory had it that his habit of rewarding cooperative subjects with steel tools — common practice at the time — worsened conflicts. Jacques Lizot, a French anthropologist who spent more than 15 years in a village near Bisaasi-teri, wrote that he hoped to “revise the exaggerated representation that has been given of Yanomami violence. The Yanomami are warriors; they can be brutal and cruel, but they can also be delicate, sensitive and loving.” These latter traits also appeared, though less prominently, in Chagnon’s work. In “The Fierce People,” he recounts the night he became “emotionally close to the Yanomamö for the first time.” A village headman had been killed in a raid, and his brothers were audibly mourning his death. Moved, Chagnon lay quietly in his hammock, not wanting to intrude with his tape recorder or notebook. When asked why he was not “making a nuisance of himself as usual,” Chagnon explained that he was sad. This news was quickly passed around, and for the rest of the night he was treated with great deference: “I was hushuo, in a state of emotional disequilibrium, and had finally begun to act like a human being as far as they were concerned.”
What could have been fruitful academic debates became personal and nasty. It didn’t help that Chagnon could be arrogant and impolitic. “Oh, God, did we have some fights in the field,” says Raymond Hames, who accompanied him on the 1975 protein-challenge trip. “He’s pretty damn sure of himself.” Hames, who remains a close friend, says he and Chagnon “made it work out.” But this was not the case with others.
Kenneth Good was also on the trip and was delegated to study protein consumption at a village far upstream from Bisaasi-teri. Chagnon, he says, refused to give him a steel boat or replenish his anti-malaria pills and didn’t care that he capsized and was stranded without food for three days. “If he had behaved in a civil way, we could have been lifelong allies,” Good told me. (Chagnon says that Good’s demands were unreasonable: “He wasn’t civil to me from the very beginning. I took him into the most exciting field opportunity that existed in anthropology at the time, and he never even sent me a progress report.”)
After Good returned to the United States, he left Chagnon’s department and finished his dissertation with Harris. When the protein studies were finally published, the findings, perhaps unsurprisingly, were split: Good showed that the Yanomami in his village ate slightly less protein than what’s in a Big Mac; Chagnon and Hames showed that their group ate much more. Daniel Gross, who recently retired from the World Bank, says the debate remains unresolved. He pointed out that the Yanomami are about five feet tall, on average. “You have to wonder what accounts for their low stature,” he said. “It’s most likely not a genetic trait.”
Chagnon also fell out with Lizot, the French anthropologist, and with Timothy Asch, an ethnographic filmmaker with whom he collaborated on more than a dozen documentaries. The partnership yielded ingenious work, including “A Man Called ‘Bee’ ” (1974), in which the camera turns, for once, on the ethnographer. Chagnon strides into the middle of a shabono in a loincloth and faded high tops and strikes a warrior pose — a bearded Tarzan aping his subjects, to their audible delight. (The film’s title comes from Chagnon’s Yanomami nickname, “Shaki,” their word for a particularly pesky species of bee.) But by 1975, with the release of “The Ax Fight,” a prizewinning record of a Yanomami brawl, Chagnon and Asch’s own fighting, mostly over who should get top billing in the credits, had destroyed their relationship.
Nor did Chagnon manage to stay on good terms with the local Salesian priests, who, thanks to their influence in Caracas, had considerable say over which scientists got to work with the tribe. In 1993, Chagnon attacked the Salesians in an Op-Ed in The New York Times, charging that the Yanomami were using mission-issued guns to kill one another. The Salesians fought back, depositing anti-Chagnon leaflets at the annual A.A.A. convention and mailing packets of letters — including one from Lizot — to anthropology departments across the country, denouncing his claims.
Chagnon sensed that his access to the Yanomami was ending. Anthropology was changing, too. For more than a decade, the discipline had been engaged in a sweeping self-critique. In 1983, the New Zealand anthropologist Derek Freeman delivered a major blow when he published “Margaret Mead and Samoa,” charging that Mead had been duped by informants in her pioneering ethnography, “Coming of Age in Samoa.” Postmodern theory precipitated a crisis. Under the influence of Derrida and Foucault, cultural anthropologists turned their gaze on their own “texts” and were alarmed by what they saw. Ethnographies were not dispassionate records of cultural facts but rather unstable “fictions,” shot through with ideology and observer bias.
This postmodern turn coincided with the disappearance of anthropology’s traditional subjects — indigenous peoples. Even the Yanomami were becoming assimilated, going to mission schools, appearing on television in Caracas and flying to the United States to speak at academic conferences. Traditional fieldwork opportunities may have been drying up, but there was still plenty of work to do exposing anthropologists’ complicity in oppressing “the other.” As one scholar in the journal Current Anthropology put it, “Isn’t it odd that the true enemy of society turns out to be that guy in the office down the hall?”
One way to confront the field’s ethical dilemmas was to redefine the ethnographer’s role. A new generation of anthropologists came to see activism on their subjects’ behalf as a principal part of the job. Chagnon did not; to him, the Yanomami were invaluable data sets, not a human rights cause — at least not primarily. In 1988, he published a provocative article in Science. Drawing on his genealogies, he showed that Yanomami men who were killers had more wives and children than men who were not. Was the men’s aggression the main reason for their greater reproductive success? Chagnon suggested that the question deserved serious consideration. “Violence,” he speculated, “may be the principal driving force behind the evolution of culture.”
The article was seized on by the press, including two newspapers in Brazil, where illegal gold miners had begun invading Yanomami lands. The Brazilian Anthropological Association warned that Chagnon’s “dubious scientific conclusions” could have terrible political consequences: “Wide publicity about Yanomami ‘violence’ in racist terms . . . is being used by the powerful lobby of mining interests as an excuse for the invasion of these Indians’ lands.”
As Alcida Ramos, a Yanomami expert at the University of Brasilia, later explained to Science: “To do anthropology in Brazil is in itself a political act. We don’t separate our interests as anthropologists from our responsibility as citizens.” Her colleague Bruce Albert told Science that a plan by the Brazilian government to divide the tribe’s land into a series of disconnected “islands” was being justified by claims that, as the reporter put it, the Yanomami “are violent and need to be kept separate so they will stop killing each other.” Nevertheless, the reporter noted, Albert “cannot demonstrate a direct connection between Chagnon’s writings and the government’s Indian policy.”
Scientists have since endorsed Chagnon’s Science article. “It shouldn’t be a shocking finding,” Steven Pinker, the Harvard evolutionary psychologist who cites the paper in his book, “The Better Angels of Our Nature: Why Violence Has Declined,” told me. “As a pattern in history, it’s well documented.” Pinker said that he was troubled by the notion that social scientists should suppress unflattering information about their subjects because it could be exploited by others. “This whole tactic is a terrible mistake: always putting your moral action in jeopardy of empirical findings,” he told me. “Once you have the equation that the Yanomami are nonviolent and deserve to be protected, the converse is that if they are violent they don’t deserve to be protected.”
Chagnon had alienated most of the anthropologists in Venezuela and Brazil who might have helped broker his visits to the tribe. In 1990, desperate to return to the jungle, he accepted an invitation from an old contact, Charles Brewer-Carías, to serve as an adviser to Fundafaci, a Venezuelan foundation established by Cecilia Matos, the consort of President Carlos Andrés Pérez, to help the country’s poor. The association proved disastrous for Chagnon. Brewer-Carías, a well-connected dentist and former Venezuelan youth minister, had been accused of illegally mining for gold on Yanomami land. (Brewer-Carías has denied the allegations.) “He’s a dapper opportunist,” Chagnon told me. “Charlie can talk his way into and out of just about everything.”
For months, Fundafaci helicopters flew in and out of some of the most pristine Yanomami settlements, ferrying researchers, television crews and the occasional wealthy tourist — as well as, inevitably, their germs. According to Patrick Tierney, during one helicopter landing, several Yanomami were injured when the roof of a shabono collapsed. Chagnon and Brewer-Carías also urged President Pérez to turn part of the region into a biosphere, which, Tierney writes, would have given them “a scientific monopoly over an area the size of Connecticut.” The A.A.A., which appointed an El Dorado task force to look into Tierney’s allegations, concluded that this charge could not be proved, since Pérez abandoned the Fundafaci proposal. But the task force was harshly critical of Chagnon, stating that his affiliation with Fundafaci “violated Venezuelan laws, associated his research with the activities of corrupt politicians and involved him in activities that endangered the health and well-being of the Yanomami.”
The adventure came to an end in 1993, when Pérez was impeached. Chagnon, characteristically, is unrepentant. “I got a year’s worth of data,” he said. “It was worth it for that reason.”
Was Fundafaci an isolated case of bad judgment, or part of a pattern of ethically egregious behavior? Tierney’s “Darkness in El Dorado,” which he spent more than a decade reporting, took the latter view and was eagerly anticipated by Chagnon’s critics: the moment when a rogue anthropologist would get a rare public comeuppance. In August 2000, while the book was still in galleys, Leslie Sponsel, of the University of Hawaii, and Terence Turner, an anthropologist at Cornell, sent an e-mail to the A.A.A.’s leadership, warning of an “impending scandal,” unparalleled in its “scale, ramifications and sheer criminality and corruption.” In lurid detail, they laid out the book’s major allegations, concluding: “This nightmarish story — a real anthropological heart of darkness beyond the imagining of even a Josef [sic] Conrad (though not, perhaps, a Josef Mengele) — will be seen (rightly in our view) by the public, as well as most anthropologists, as putting the whole discipline on trial.”
By November, when the A.A.A. met for its annual meeting, the scandal had hit the press, and “Darkness in El Dorado” had been excerpted in The New Yorker and named a finalist for the National Book Award. Much of the coverage focused on Tierney’s most sensational charges regarding the 1968 measles epidemic.
In his galleys, Tierney speculated that Neel, who died in 2000, hoped to simulate a measles epidemic among the Yanomami as part of a genetics experiment. In the published book, this theory was no longer explicit — Tierney had made last-minute changes — but it was insinuated. “Measles,” Tierney wrote, “was tailor-made for experiments.” Moreover, Neel’s choice of vaccine, Edmonston B, “was a bold decision from a research perspective” because it “provided a model much closer to real measles than other, safer vaccines, in the attempt to resolve the great genetic question of selective adaptation.” Although he quoted a leading measles researcher emphatically denying that measles vaccine can transmit the virus, he nevertheless maintained that it was “unclear whether the Edmonston B became transmissible or not.” (This line was excised from the paperback edition.) Tierney repeatedly faulted the expedition’s members for putting their scientific objectives ahead of the tribe’s health. By vaccinating the Yanomami against measles, he maintained, Neel and Chagnon may have been responsible for needless illness and death.
At an open-mike A.A.A. session, attendees, few of whom had read the book, weighed in on the controversy. Thomas Gregor and Daniel Gross later described the event in a damning article in American Anthropologist: “Virtually every aspect of [Chagnon’s] behavior, relevant or otherwise, was open for public dissection. One participant took the microphone and claimed that Chagnon had treated her rudely in the field during the 1960s. A colleague from Uganda praised Tierney’s book and suggested that Westerners manufactured the Ebola virus and disseminated it in his country, just as Chagnon and Neel had started the measles epidemic. Members of the audience applauded both speakers.” For Gregor, who recently retired as an anthropologist at Vanderbilt, the session was “a watershed moment.” “These are people who are supposed to be scientists,” he told me. “This had the look of an emotionally charged witch hunt.”
Within a few months, half a dozen academic institutions had refuted aspects of Tierney’s claims, including the International Genetic Epidemiology Society, whose statement reflected a growing consensus: “Far from causing an epidemic of measles, Neel did his utmost to protect the Yanomamö from the ravages of the impending epidemic by a vaccination program using a vaccine that was widely used at the time and administered in an appropriate manner.” (In an e-mail to me, Tierney defended his book, acknowledging only “several small errors,” concerning Neel’s work in Japan.)
The A.A.A.’s El Dorado task force was the most ambitious investigation to date but was undermined by a lack of due process. The group went so far as to interview Yanomami in Venezuela but, according to Chagnon, failed to give him an opportunity to respond to its verdicts. As Gregor and Gross put it, what the inquiry most clearly demonstrated was not Chagnon’s guilt or innocence but rather anthropology’s “culture of accusation,” a “tendency within the discipline to attack its own methods and practitioners.”
At least one task-force member had doubts about the exercise. In April 2002, shortly before the group released its report, Jane Hill, the task force’s chairwoman and a former president of the A.A.A. wrote an e-mail to a colleague in which she called Tierney’s book “just a piece of sleaze, that’s all there is to it (some cosmetic language will be used in the report, but we all agree on that).” Nevertheless, she said, the A.A.A. had to act: anthropologists’ work with indigenous groups in Latin America “was put seriously at risk by its accusations,” and “silence on the part of the A.A.A would have been interpreted as either assent or cowardice. Whether we’re doing the right thing will have to be judged by posterity.”
The e-mail is quoted in a paper by Alice Dreger that appeared in the journal Human Nature in 2011. Dreger, a professor of bioethics at Northwestern, was writing a book about scientific controversies in the Internet age, when she learned about the scandal in anthropology. She researched the case for a year, conducting 40 interviews, and by the time she published her paper, she considered Chagnon a friend, a fact reflected in her sometimes zealous tone. Among other things, she discovered that Tierney helped prepare a dossier critical of Chagnon, which he attributed to Leda Martins, a Brazilian anthropologist: “Leda’s dossier was an important resource for my research.” (Martins says that she translated the dossier into Portuguese.) But Dreger reserves her most withering remarks for the A.A.A. She told me, “All these people knew that Tierney’s book was a house of cards but proceeded anyway because they needed a ritualistic cleansing.”
In fairness, Tierney seems to have gotten some things right. The task force called his account of Chagnon’s Fundafaci episode one of the “better supported allegations.” And many have vouched for Tierney’s description of Jacques Lizot, Chagnon’s French rival, ensconced in the jungle with an entourage of Yanomami boys, whom he plied with trade goods in exchange for sex. (Lizot has said that the sex was between consenting adults.)
Yet it’s possible to imagine how a discipline seeking to expiate its sins could have overreached in Chagnon’s case. He was prominent and controversial, a sociobiologist who declined to put activism on a par with research. On the rare occasions that he adopted the mantle of advocate, the gesture typically backfired, as when he told a Brazilian magazine: “The real Indians get dirty, smell bad, use drugs, belch after they eat, covet and sometimes steal each other’s women, fornicate and make war. They are normal human beings. This is reason enough for them to deserve care and attention.” His critics, appalled by the first sentence, typically ignored the rest.
In this charged atmosphere, Tierney was to play a vital role: that of the impartial journalist who would give the discipline’s verdict on Chagnon the stamp of objectivity. Yet as Tierney himself admitted, he was not impartial. “I gradually changed from being an observer to being an advocate,” he wrote. “It was a completely inverted world, where traditional, objective journalism was no longer an option for me.” Was objectivity possible for anyone?
In 2005, the A.A.A.’s members agreed to rescind the task-force report, by a vote of 846 to 338. Daniel Gross called Chagnon to give him the news. “I saved that phone message for years,” Chagnon told me. “That was the point at which my emotional stability began to ascend.” Last spring, he was elected to the National Academy of Sciences — a prestigious honor that he took as vindication. “A lot of anthropologists have red faces from the extent to which they advocated in support of the accusations against me,” he said.
Not every critic has conceded. “The charges have not all been disproven by any means,” Leslie Sponsel pointed out. Leda Martins, who teaches at Pitzer College in Los Angeles, was more circumspect. “The controversy is so big, and the devil is all in the details,” she said. “Unless you know where Chagnon was, in what village, and what he was doing — unless you know everything — it’s really hard to talk about it.” I told her I thought that Tierney was sure he’d found another Kurtz, another “Heart of Darkness.” “Patrick and Chagnon have some similar characteristics,” Martins replied. “How ironic is it that Patrick got carried away in the same way that Chagnon got carried away?”
By now, at least a few Yanomami have read both “The Fierce People” and “Darkness in El Dorado,” and many more have been told about their contents by people with varied agendas. During an interview with a member of the A.A.A.’s task force, Davi Kopenawa, a Brazilian Yanomami leader, was invited to pose some questions of his own. “I want to ask you about these American anthropologists,” he said. “Why are they fighting among themselves? Is it because of this book?”
The interviewer answered in the affirmative, and Kopenawa went on: “So, Chagnon made money using the name of the Yanomami. He sold his book. Lizot, too. I want to know how much they are making each month. How much does any anthropologist earn? And how much is Patrick making? Patrick must be happy. This is a lot of money. They may be fighting, but they are happy. They fight, and this makes them happy.”
Emily Eakin has written for The New Yorker and The New York Review of Books blog. Her last article for the magazine was on Jonathan Franzen.
Crianças negras e mestiças em Araçuaí, Minas Gerais. Foto: Rodrigo Dai – Cortesia Ser Criança
por Fabiana Frayssinet, da IPS
Rio de Janeiro, Brasil, 16/11/2012 – Entre a emergência de uma parturiente negra e uma branca, o médico brasileiro escolhe a branca porque “as negras são mais resistentes à dor e estão acostumadas a parir”. As convenções culturais e sociais brasileiras “imputam ao negro condições de estereótipo, que fazem com que não tenha as mesmas garantias de tratamento da saúde que um branco”, disse à IPS a psicóloga Crisfanny Souza Soares, da Rede Nacional de Controle Social e Saúde da População Negra. Estes estereótipos refletem um racismo que faz mal à saúde e que uma campanha tenta extirpar do sistema hospitalar brasileiro.
Dos 192 milhões de brasileiros, metade se reconhece como negra. A Mobilização Nacional Pró-Saúde da População Negra, foi lançada este ano por organizações de afro-brasileiros, com apoio do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA). Sob o lema “Vida longa, com saúde e sem racismo”, o objetivo da campanha é a saúde integral em todas as fases da vida, incentivando a sociedade, e em particular o sistema sanitário, a combater a discriminação para reduzir os altos índices de mortalidade da população de origem africana.
“Praticamente, todos os índices de saúde da mulher negra são piores do que os da branca. Em uma consulta sobre câncer de mama, as negras são menos apalpadas do que as brancas; e recebem menos anestesia no parto”, afirma Crisfanny. O Ministério da Saúde, que desde 2006 impulsiona uma política nacional integral para este grupo de população no contexto do Sistema Único de Saúde (SUS), realiza estudos para detectar este tipo de situação.
“A ideia de que a população negra é mais resistente à dor e tem melhores condições de conviver com a doença está presente em todo o sistema de saúde, desde os técnicos de enfermagem até os médicos”, afirmou Deise Queiroz, coordenadora da Articulação de Jovens Negras, da Bahia. Ela conhece bem isso, especialmente porque sua mãe, que sofre de diabete e pressão alta, deve recorrer com frequência ao sistema público de saúde. Segundo a ativista, o SUS, que foi um modelo de democratização do serviço de saúde, hoje não consegue atender tanta demanda, e “as atitudes racistas ficam mais evidentes”.
A Constituição determina que a saúde é um direito universal e o Estado tem o dever de proporcioná-la. O SUS estabelece que “todas as pessoas têm direito ao tratamento de qualidade humanizado e sem nenhuma discriminação”. Entretanto, o racismo se infiltra aberta ou sutilmente. “Ele se incorpora nas condições de vida da população, na organização dos serviços de saúde e na formulação de políticas”, explicou à IPS a representante auxiliar do UNFPA no Brasil, Fernanda Lopes. “Por isto é necessário construir políticas específicas de equidade”, afirmou.
Um estudo epidemiológico do Ministério da Saúde apresenta informação específica para ajudar a preencher esses vazios, ao comparar indicadores como assistência pré-natal por raça, cor e etnia. Também analisa outros aspectos, como o direito e o acesso a planejamento familiar, que é mais precário entre as afrodescendentes. Precisamente este aspecto é o centro do informe mundial do UNFPA, apresentado no dia 14, com o título Sim à Opção, não ao Acaso – Planejamento da Família, Direitos Humanos e Desenvolvimento.
Por exemplo, 19% das crianças nascidas vivas são de mães adolescentes brancas entre 15 e 19 anos. Contudo, a incidência de gravidez em adolescentes é de 29% entre as jovens afro-brasileiras da mesma faixa etária. Além disso, enquanto 62% das mães de crianças brancas informavam ter realizado sete ou mais consultas pré-natais, apenas 37% das mães de recém-nascidos mulatos e negros realizaram essa quantidade de exames antes do parto.
A mortalidade infantil também apresenta disparidades. O risco de uma criança negra ou mulata morrer antes dos cinco anos de idade por doenças infecciosas e parasitárias é 60% maior em relação a uma criança branca. E o de morte por desnutrição é 90% superior. O estudo também constatou que morrem mais grávidas afrodescendentes do que brancas por causas vinculadas à gestação, como hipertensão.
“Dizem que os piores índices sanitários da população negra se deve ao fato de a maioria ser pobre e, por isso, mais vulnerável”, apontou Crisfanny. Porém, não se pode negar outras variáveis estritamente racistas, advertiu. “Se em um hospital vemos dois jovens baleados, é mais fácil o imaginário cultural colocar o branco no papel de vítima, enquanto o negro estaria ali porque se envolveu em um crime”, ressaltou a psicóloga, afirmando que às vezes essa referência “faz com que um profissional estabeleça prioridades no atendimento”.
Outra preocupação se refere às doenças prevalentes na população afrodescendente, como anemia falciforme, diabete mellitus Tipo II e hipertensão, que o sistema sanitário não está preparado para abordar de maneira específica. As mulheres negras têm 50% mais possibilidades de desenvolver esse tipo de diabete, com o agravante de a hipertensão arterial entre elas ser duas vezes maior do que na população em geral.
O mesmo ocorre com a anemia falciforme, que poderia ser detectada nos recém-nascidos. Segundo a Mobilização Nacional Pró-Saúde, cerca de 3.500 crianças brasileiras nascem a cada ano com essa enfermidade, fazendo dela a doença genética de maior incidência no país. “A população negra morre, em geral, mais cedo, e suas mortes por causas evitáveis são mais frequentes”, pontuou Fernanda. Por isso, uma política para combater a discriminação na saúde “chega para minimizar o impacto das desigualdades históricas mediante estratégias de ação afirmativa”, acrescentou.
O UNFPA contribui com o governo e o movimento negro para fortalecer essa política e a formação profissional que deve acompanhá-la. “O desafio é responder por que, em um país onde a população negra representa 50,3% do total, temos um quadro sanitário tão diferenciado” entre negros e brancos, admite o Ministério da Saúde. Envolverde/IPS
Pessoas negras enfrentam discriminação e preconceito em ambientes antes frequentados apenas por brancos
Por Raimundo Oliveira, da Rede Brasil Atual
Publicado em 19/11/2012, 13:54
São Paulo – Nos últimos dez anos, com melhorias consistentes nos indicadores sociais no Brasil, os cidadãos mais pobres passaram a ter acesso a outros níveis de consumo, como em lojas de shopping, aeroportos, cinemas e universidades. No caso de cidadãos negros e pardos, para muitos isso significou também maior exposição à discriminação racial nos ambientes antes frequentados majoritariamente por pessoas brancas.
Na Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), já são 15 as denúncias de racismo em universidades, 12 registradas neste ano, quatro vezes mais que as três contabilizadas em 2011 – quando a Ouvidoria da Seppir passou a receber os relatos de discriminação –, afirma Carlos Alberto Silva Júnior, ouvidor da Seppir.
Segundo ele, este aumento não está relacionado a manifestações contra a lei que garante metade das vagas nas universidades federais a negros, pardos e índios, desde que tenham cursado o ensino público, sancionada no final de agosto.
“A lei é recente, e muitas situações ocorreram antes que ela foi sancionada. O que percebemos é que há, além da maior exposição de negros em situações de consumo antes pouco comuns por causa de condições financeiras, também maior percepção por parte destes cidadãos do que é preconceito racial”, diz.
Daniel Teixeira, advogado e coordenador de projetos do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade (CEERT), afirma que, neste ano, aumentou em cerca de 30% as denúncias de crimes raciais em situações de consumo registrados na entidade – que lida com casos de natureza racial e de intolerância religiosa, por exemplo.
As denúncias relacionadas aos centros de compras lideram nos 25 casos acompanhados pelo CEERT desde janeiro e evidenciam que o preconceito ocorreu em função da cor da pele e não da classe social. “Em muitos casos, quando a pessoa é pobre, ela não consegue identificar direito se está sofrendo preconceito por ser negra ou por ser pobre e, muitas vezes, acaba relacionando tudo à pobreza”, afirma Teixeira.
“Mas, quando estas pessoas conseguem melhorar sua situação financeira, percebem que não é mais por causa da pobreza que são discriminadas”, afirma. “Tem um caso emblemático de um músico que foi o único da banda a ser barrado em shopping de elite em São Paulo onde eles se apresentariam. Ele chegou de táxi e foi impedido de entrar pelos seguranças, alegando que o motivo era por estar com um instrumento. Mas os outros músicos, todos brancos, também estavam com seus instrumentos e nenhum foi barrado”, relata.
Tanto para o advogado do CEERT como para o ouvidor da Seppir, a queda na desigualdade social registrada nos últimos dez anos no Brasil (que fez o índice Gini, usado pela ONU para medir a desigualdade, cair de 0,594 para 0,527 entre 2001 e 2011) beneficia a população de negros e pardos no país, historicamente relegadas às posições mais baixas da sociedade, e revela mais nitidamente as situações de preconceito.
Para Silva Júnior, há uma discriminação histórica – como na lei de Imigração de 1890, que proibia a entrada de africanos, e na lei que criminaliza e legaliza a prisão por vadiagem logo após o fim da escravidão, quando a maior parte dos negros não tinha emprego formal algum -, mas há também o preconceito difuso.
A secretária Nacional de Combate ao Racismo da CUT, Maria Júlia Reis Nogueira, acostumada a uma rotina de aeroportos por conta do trabalho, e dona de cartões de fidelidade que dão os maiores benefícios na compra de passagens, conta que já caiu na armadilha do preconceito difuso em situações de consumo.
“Sempre viajo a trabalho, não me visto como uma madame, e percebi que em muitos locais quando entro na fila destinada aos portadores do meu cartão de fidelidade têm pessoas que me perguntam se estou na fila correta. No começo, ao perceber que esta atitude era em função da cor pele, respondia sempre que, se não tivesse o cartão, não estaria naquele lugar. Mas agora, quando me perguntam isto eu questiono a pessoa se está fazendo esta pergunta para todo mundo que está na fila, independente da cor da pele”, afirma.
The last weeks of October 2012 saw racism rear its ugly head again, in the European Leagues, particularly in England, affecting both the Premier League clubs and players, as well as the national one too. Many have wondered whether the major football bodies UEFA and FIFA will act as some have been trying to do like the Football Association (FA) in England.
To give us a perspective into the racism issue, ArsenalNews chronicles various incidences of racism that have taken place in different countries:
Racism is a major issue in our world nowadays, even the beautiful game is filled with it. Players, officials and fans are all targeted, some may be targeted because of them being on the opposing team and some individuals are even targeted by their own fans. Below are some football related racist incidents and acts that happened all around Europe.
In February 2011, Roberto Carlos signed a contract with Russian Premier League club Anzhi Makhachkala. The following month during a game away against Zenit, a banana was held near Carlos by one of the fans as the footballer was taking part in a flag-raising ceremony.
In November 2008, Middlesbrough’s Egyptian forward Mido was subjected to Islamophobic chanting from a small number of Newcastle United fans.
In March 2012, a 29 year old Arsenal fan was arrested after being caught racially abusing Newcastle United player Cheik Tiote by SkySports cameras.
The most talked about incident in the 2011/2012 season was when England captain John Terry was caught on tape allegedly racially abusing Anton Ferdinand. Few days ago Queens Park Rangers faced Chelsea, Ferdinand refused to shake hands with Terry before the start of the match.
While it may have affected the various national leagues, it seems that international games are not immune to these incidents with the most recent one in Serbia when the Under-21 England team played the Serbian Under-21 on October 16.
Here is a video uploaded by youtube user SaintOrthodox of the incident that ensued in Serbia in the match between the Under-21 England and Serbian national teams on 16 October 2012:
The disturbing scenes in Serbia this week have once again drawn attention to the issue of racism in football, particularly in this part of the world, where an unhealthy political culture of hard-line nationalism and ethnic prejudice in the region over the past decades has bred violence and bigotry on the terraces.
There is little doubt that the problem of racism, accentuated by periods of aggressive ethnic nationalism in the Balkans, remains a significant problem for football. This is a problem that UEFA and the football authorities appear unwilling to address, in the hope that it will fade out of public consciousness. Their actions to this point in dealing with Tuesday’s despicable incidents have only added weight to this claim.
Lester Hollaway in his blog-post What Rio can learn from non-League football reflects on the English footballer’s refusal to wear a Kick It Out t-shirt, a campaign driven by an awareness programme under the same name:
Football has always been a game built on the grassroots and, on a day when a handful of highly-paid Premiership players headed by Manchester United’s Rio Ferdinand postured over racism, it was refreshing to witness non-league Sutton United remind us what is good about the game.
First, they were picking on the wrong target. Any criticism about light punishments for racism – for example in the cases of John Terry or Luis Suarez – must go first and foremost to the football authorities and then to Premiership clubs themselves. Kick It Out are merely a pressure group without power, and one that has consistently been calling for tougher penalties for many a year.
The PFA (Professional Footballers Association) in the UK on 24 October gave a 6-point proposal to curb the issue including the so-called Rooney Rule as highlighted by FootyMatters:
The PFA’s plan calls for:
speeding up the process of dealing with reported racist abuse with close monitoring of any incidents,
consideration of stiffer penalties for racist abuse and to include an equality awareness programme for culprits and clubs involved,
an English form of the ‘Rooney Rule’ – introduced by American football’s National Football League in 2003 – to make sure qualified ethnic minority coaches are on interview lists for job vacancies,
the proportion of black coaches and managers to be monitored and any inequality or progress highlighted,
racial abuse to be considered gross misconduct in player and coach contracts (and therefore potentially a sackable offence),
not losing sight of other equality issues such as gender, sexual orientation, disability, anti-Semitism, Islamophobia, and Asians in football.
The idea of introducing a “Rooney rule” might seem a panacea to cure football of its current ills. Yet in reality it would simply paper over the fundamental flaws which beset the entire process of appointing managers. England does not just lack a reasonable number of black managers within the football league, it lacks a sensible method of unearthing managers of talent, regardless of their ethnicity.
Rather than a requirement to interview members of ethnic minorities, a far more inclusive amendment would be to interview prospective managers of any race who had not previously held a professional position. That would not only open up the field to members of all ethnicities, it would end the “old boys’ network” that sees failing managers bounce around from club to club based on a long past playing career. Sadly in their attempt to take control of the media agenda, the PFA have instead latched on to another half-baked idea that will benefit nobody.
It’s truly about time that the major governing bodies in the game of football took decisive action against this act that smears the beautiful game of football. It has no place in sport in this time and era as the game is truly global as represented by the players playing in most leagues in Europe and other successful leagues.
JC e-mail 4608, de 22 de Outubro de 2012
Folha de São Paulo – 20/10/2012
Suprema Corte deve se pronunciar sobre caso de aluna que se considerou preterida no Texas. Enquanto isso, no Brasil, reitor da UFF afirma que lei de cotas é um retrocesso.
As sardas de Abigail Fisher, 22, podem fazer história. Desde o último dia 10, a Suprema Corte dos EUA examina sua queixa contra a Universidade do Texas por tê-la preterido supostamente por causa de sua cor de pele, e o veredicto pode acabar com as ações afirmativas nas universidades públicas americanas após cinco décadas em vigor.
A decisão sairá só em 2013, mas o caso acirra o debate entre defensores e detratores de critérios como raça, classe social e renda para a admissão em universidades públicas. A última vez em que o Supremo julgou o tema foi em 2003, quando, em uma queixa envolvendo a Universidade do Michigan, invalidou o uso de cotas, mas considerou constitucional o uso de raça entre os critérios de seleção.
Nos últimos 15 anos, cinco Estados americanos proibiram a ação afirmativa na admissão de universitários. No próximo dia 6, quando os EUA podem reeleger seu primeiro presidente negro (e escolhem entre dois ex-alunos da prestigiosa Escola de Direito de Harvard), Oklahoma decide se entrará para a lista.
Dois Estados trocaram a ação afirmativa por um programa de cunho socioeconômico: um percentual dos melhores estudantes de cada escola de ensino médio é automaticamente admitido. Na Flórida, 20%; no Texas, onde Fisher queria estudar, 10%. A Universidade do Texas, que Fisher almejava em 2008, adota esse critério para 81% de seus alunos.
Os demais 19% passam por um sistema de admissão que leva em conta, além do desempenho nas provas, aptidões como música, esportes e capacidade de liderança, trabalho voluntário, renda, situação familiar e raça.
A estudante, que estava entre os 15% melhores de sua escola e acabaria depois se formando pela Universidade Estadual da Louisiana, foi reprovada e sentiu-se alvo de preconceito por ser branca (a universidade alega que ela não tinha as qualificações). Em 2009, abriu o processo que, após veredictos negativos em duas instâncias, chega à Suprema Corte. Juristas preveem decisão apertada.
Especialistas – Para a professora de direito de Harvard Lani Guinier, uma das maiores especialistas em ação afirmativa e acesso ao ensino superior dos EUA, o debate corrente foca uma questão secundária. “Estamos preocupados com algo periférico no processo de admissão universitário. Deveríamos pensar é na missão dessas instituições e em como cumpri-la, não no mérito relativo dos inscritos.”
O que Guinier defende é que, se uma universidade tem como objetivo formar líderes -como diz a Universidade do Texas, pivô do caso na Suprema Corte dos EUA que pode reverter a ação afirmativa-, ela deveria procurar não só notas altas, mas vivências complementares, que ampliem a capacidade de resolver problemas em equipe.
Na visão da jurista, os exames de admissão nos EUA (que incluem testes de inglês e matemática, além de critérios mais subjetivos) servem diretamente uma elite bem educada, perpetuando o abismo educacional.
Mas a discussão, diz ela, não deveria se limitar a raça. “Se é hora de avançarmos [como alguns defendem], é hora também de repensarmos como admitimos todo mundo nas faculdades”, rebate. “A experiência dos negros aqui é como a dos canários que os mineiros levavam para o subsolo: se o ar se tornasse tóxico, eles morriam antes, mas quem continuasse ali morreria do mesmo jeito.”
Guinier sugere fixar um patamar necessário de conhecimento para entrar na universidade e depois disso o sorteio das vagas entre os aptos. “A questão é qual o papel das universidades no século 21 nas democracias. Elas querem escolher quem já é brilhante ou ser como o corpo de fuzileiros navais, que pega quem passa nos critérios básicos porque aceita a responsabilidade de formar?”
David Neumark, um professor de economia da Universidade da Califórnia que estuda o aspecto econômico da ação afirmativa, diz que em meio à cacofonia há pouca evidência ainda de que a política tenha consequências econômicas positivas ou, como alguns dizem, negativas.
Mas ressalta que, além de ver um imperativo de justiça, muitas escolas alegam que a diversidade agrega valor. Neumark acha mais factível a adoção de critérios socioeconômicos, que acabariam beneficiando largamente negros e hispânicos.
Mas rejeita a tese de alguns críticos de que a ação afirmativa prejudica, no longo prazo, aqueles que deveria beneficiar. “Tampouco há provas”, afirma. Na Califórnia, após o veto à ação afirmativa, em 1997, o número de calouros negros caiu. Na Universidade de Berkeley, por exemplo, foi de 7% em 1996 para 4% em 2010.
No Brasil – O reitor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Roberto Salles, afirmou ontem que a lei de cotas sancionada pela presidente Dilma Rousseff representará um retrocesso para a universidade. Ele disse temer que a medida traga problemas à instituição e cobrou o aumento de recursos para as universidades.
Segundo Salles, a UFF irá reservar 12,5% das vagas na próxima seleção “por imposição legal”. Em setembro, o reitor tinha dito que não iria acatar as cotas. Ontem, ele afirmou que mudou de ideia porque o procurador da universidade considerou que não há como recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal), que julgou as cotas constitucionais.
O percentual de 12,5% é o mínimo exigido pela lei em 2013 -com o passar dos anos, será elevado para 50%. Para o reitor, porém, o novo sistema é pior do que o que vinha sendo adotado pela UFF, que desde 2007 tinha políticas afirmativas próprias.
Para 2013, a universidade tinha decidido reservar 25% das vagas para candidatos oriundos do ensino médio de escolas públicas da rede estadual e municipal e com renda familiar per capita inferior a 1,5 salário mínimo.
Ele disse que os critérios da universidade são mais adequados do que os impostos pela nova lei, que beneficiará egressos de todas as escolas públicas, inclusive técnicas e federais, de melhor desempenho. “Esses alunos já competem em igualdade com os das escolas privadas. Os prejudicados serão os alunos das redes municipais e estaduais.” A lei prevê que metade das vagas reservadas seja para pretos, pardos e indígenas.
Salles disse que, para não prejudicar os alunos de baixa renda das redes municipais e estaduais, a universidade reservará mais 10% das vagas de cada curso para esse público. Com isso, as cotas somarão 22,5% das cercas de dez mil vagas em 2013. “Os congressistas criam essa lei, mas não preveem mais recursos para as universidades”, criticou ele, que tachou ainda de “ridícula” a discussão para duplicar o percentual destinado à educação em dez anos, para 10% do PIB. “A gente precisa dos recursos já.”
Cadastro de torcedores: solução para a violência nos estádios? (Universidade do Futebol)
Gustavo Lopes
06/07/2012
Autoridade e entidades organizadoras de eventos não devem aumentar exigência, mas tratar fãs com respeito
A segurança corresponde a um direito individual e social do cidadão brasileiro previsto nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal. Sendo assim, de fato, é um dever de todos assegurá-la, impedindo a violência.
A violência no esporte é uma das faces da ausência de segurança cotidiana na sociedade e justamente na atividade esportiva onde deveria haver sua sublimação. Famílias por diversas vezes evitam os estádios, pois os vêem mais como espaço violento, que palco de acontecimentos esportivos.
Neste esteio, a união de todos os envolvidos com a atividade esportiva é essencial para que o desporto brasileiro não faça mais vítimas como o jovem Alex Fornan de Santana, de 29 anos, torcedor do Palmeiras, morto em 21 de fevereiro de 2010 após partida entre Palmeiras e São Paulo válida pelo campeonato paulista, em confronto de torcidas. Este caso recente é apenas um dentre centenas de outros ocorridos pelo mundo.
Muitas medidas são aventadas, propostas e estudadas. O Estatuto do Torcedor, após as alterações introduzidas pela Lei 12.299/2010, passou a exigir o cadastro de torcedores por parte das torcidas organizadas e, ainda, criminalizou uma série de atos dos torcedores. Há quem defenda que o cadastro de torcedores não deve se restringir às “Organizadas”, mas que deve se estender à totalidade de torcedores.
É imprescindível destacar que a violência nos estádios não é característica exclusiva dos desportos brasileiros, cujo nascedouro é atribuído às torcidas organizadas.
Na América Latina, especialmente na Argentina, os torcedores violentos são conhecidos como Barra Brava que correspondem a um tipo de movimento de torcedores que incentivam suas equipes com cantos intermináveis e fogos de artifício que, ao contrário das torcidas organizadas não possuem uniformes próprios, estrutura hierárquica e muitas vezes nem mesmo associados.
Na Europa, os torcedores violentos são conhecidos como hooligans, em especial a partir da década de 1960 no Reino Unido com o hooliganismo no futebol.
A maior demonstração de violência dos hooligans foi a tragédia do Estádio do Heysel, na Bélgica, durante a final da Taça dos Campeões Europeus de 1985, entre o Liverpool da Inglaterra e a Juventus da Itália. Esse episódio resultou em 39 mortos e um elevado número de feridos.
Os hooligans ingleses foram responsabilizados pelo incidente, o que resultou na proibição das equipes britânicas participarem em competições européias por um período de cinco anos.
A escalada de violência nos estádios do Reino Unido foi tamanha que começou a afetar não apenas os residentes locais, mas também a ter consequências para a Europa continental.
Por este motivo, o hooliganismo arranhou a imagem internacional do Reino Unido, que passou a ser visto por todos como um país de violentos arruaceiros, cujo ápice se deu com a tragédia de Heysel.
Insuflada por esse acontecimento, a então primeira-ministra britânica Margareth Thatcher entendeu que o hooliganismo havia se tornado problema crônico e que alguma providência deveria ser tomada.
Entendendo que o aumento do controle estatal minimizaria a violência, a “Dama de Ferro” sugeriu a criação da carteira de identidade dos torcedores de futebol (National Membership Scheme) no Football Spectators Act (FSA), em 1989.
Alguns meses após a divulgação do FSA, ocorreu a maior tragédia do futebol britânico. Na partida válida pelas semifinais da FA Cup entre Liverpool e Nottingham Forest, no estádio de Hillsborough, do Sheffield Wednesday, 96 torcedores do Liverpool morreram, massacrados contra as grades que separavam a arquibancada do campo.
A fim de apurar os motivos da tragédia, o governo britânico iniciou investigação cuja conclusão foi de que o problema não seria os torcedores, mas as estruturas que os atendiam. Muito pior que os hooligans, era a situação dos estádios britânicos naquela época. Não seria possível exigir que as pessoas se comportassem de maneira civilizada em um ambiente que não oferecia as menores condições de higiene e segurança.
Para evitar que novas tragédias se repetissem a investigação realizada, em sua conclusão, estabeleceu uma série de recomendações como, por exemplo a obrigação da colocação de assentos para todos os lugares do estádio, a derrubada das barreiras entre a torcida e o gramado e a diminuição da capacidade dos estádios. Dentre as recomendações estava o cancelamento do projeto da carteira de identificação dos torcedores, eis que havia o receio de que o cadastramento aumentasse o problema da violência, e não o contrário.
Além dos questionamentos sobre a real capacidade dos clubes conseguirem colocar em prática um sistema confiável de cadastro, controle e seleção de torcedores e, ainda, sobre a confiança na tecnologia que seria utilizada, o argumento se baseava na ideia de que a carteira de identidade para torcedores não seria uma ação focada na segurança, mas na violência e as tragédias nos estádios não seriam questão de violência, mas de segurança. Inclusive, a polícia inglesa, que poderia ser beneficiada com a carteira, rejeitou o projeto, que, acabou sendo abandonado.
Em razão das novas exigências, os clubes ingleses se organizaram e na temporada 1992/1993 criaram a “Premier League” que atualmente é o campeonato de futebol mais valioso do mundo.
Além do índice técnico, um dos requisitos para que um clube inglês dispute a “Premier League” é a existência de estádio com boa infra-estrutura aos torcedores.
É fato que no Brasil o problema da violência é grande, mas muito pior é o problema da insegurança. Muitas tragédias como o buraco nas arquibancadas da Fonte Nova, só aconteceu porque o estádio estava em condições ruins, caso em que a carteirinha de identificação não teria salvado as vítimas, mas melhor fiscalização nas reais condições do espaço e o fornecimento de uma estrutura apropriada para o público, certamente teria evitado a tragédia.
Destarte, apesar dos avanços conquistados, especialmente com o advento do Estatuto do Torcedor, o consumidor dos eventos esportivos no Brasil ainda não é respeitado.
Estádios com infraestrutura precária, venda de ingressos e acesso a estádios tumultuados são alguns dos problemas enfrentados rotineiramente pelos torcedores brasileiros.
O fato é que as autoridade e as entidades organizadoras de eventos esportivos ao invés de aumentar a exigência dos torcedores, devem passar a tratá-los com respeito atentando-se ao estabelecido no Estatuto do Torcedor e nos direitos básicos como segurança e organização dos eventos esportivos. Referências bibliográficas
A violência nos estádios de futebol (Universidade do Futebol)
Gustavo Lopes
15/06/2012
Colunista trabalha em dissertação de mestrado para analisar o tema e divide a questão em três partes
Nas últimas semanas, estive envolvido na conclusão da minha dissertação de mestrado que trata das causas e soluções para a violência nos estádios de futebol da América do Sul.
O trabalho desenvolveu a memória de algumas correntes existentes sobre a violência no futebol, a intenção de obter uma interpretação a partir das mais diversas teorias, como as de Eric Dunning, Norbert Elías, Heloisa Helena Bady dos Reis e outros para tentar esclarecer esse fenômeno esse fenômeno tão complexo que é a violência nos espetáculos esportivos, focando-se nos países da América do Sul filiados à Conmebol.
Os países sulamericanos filiados à entidade foram divididos em três grupos. O primeiro denominado América Andina é composto por Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. O segundo, a América Platina, é composta por Argentina, Paraguai e Uruguai.
Finalmente, por suas peculiaridades e importância futebolística, política e econômica, o Brasil é apresentado separadamente. Cada país é descrito geopolítica e futebolisticamente analisando-se a legislação antiviolência.
No capítulo seguinte, faz-se um histórico dos principais casos de violência na América do Sul para, no tópico seguinte, apontar as suas causas.
Dentre as causas da violência, busca-se a doutrina internacional para enumerar as que melhor se aplicam à América do Sul, com destaque para a falta de respeito para com os direitos dos torcedores, a precariedade da infraestrutura dos estádios de futebol, a situação sócio-econômica da população do país, a impunidade e a falta de atuação governamental.
Após, apontam-se medidas adotadas na legislação alienígena, especialmente na Inglaterra, Portugal, Espanha, Estados Unidos, dentre outros.
Por fim, na conclusão, apontam-se as causas investigadas com as respectivas soluções legislativas e/ou governamentais. Ante todo o estudado, pesquisado e avaliado, constata-se que é possível combater a violência nos estádios de futebol com medidas eficientes. Desenvolveremos algumas conclusões em colunas futuras.
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Violência das torcidas organizadas: um desafio para a Copa do Mundo de 2014
Setores radicais desses grupos precisam abandonar a violência como prática. Com isso, ganharão legitimidade e terão um longo caminho a percorrer na história do nosso esporte
Rodrigo Monteiro*
03/04/2012
A Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro têm mobilizado autoridades e a sociedade brasileira em discussões acerca do legado que esses megaeventos deixarão para o país e, sobretudo, para as cidades-sede desses eventos.
Uma dessas heranças é o novo Estatuto do Torcedor, sancionado em julho de 2011. Seu principal objetivo é coibir a violência nos estádios.
Em pesquisa realizada pelo Ibope e pelo jornal Lance!, publicada em agosto de 2010, 60% dos entrevistados disseram-se a favor da extinção das torcidas organizadas. Por um motivo simples: depois de já terem ocorrido tantos conflitos violentos envolvendo torcedores, a sociedade enxerga esses grupos como uma ameaça.
Masculinidade exacerbada e disputa territorial constituem práticas comuns de alguns grupos de torcedores organizados e revelam o que o sociólogo alemão Norbert Elias chamou de ethos guerreiro (entendido como vontade e disposição para agredir e destruir fisicamente o rival) que constrói uma das muitas identidades masculinas.
A esperança é que a reforma do estatuto ajude a combater o problema. Uma das novas punições previstas para torcedores violentos exige que eles se apresentem em delegacias durante os jogos. A norma é inspirada na legislação inglesa que cuida dos famosos hooligans. O texto também proíbe e pune cambistas, exige maior transparência dos organizadores dos campeonatos e prevê penas severas para os árbitros desonestos. Não há, no entanto, qualquer menção a policiais que abusem de seus poderes ou desviem-se de suas funções contra torcedores.
Alguns pontos do estatuto, porém, são polêmicos. Ele determina, por exemplo, que as torcidas organizadas se tornem juridicamente responsáveis pelos atos de seus membros. Mas será justo condenar, social e legalmente, o todo pela parte? Isso pode criminalizar as organizadas e ameaçar o direito à livre associação, uma das garantias constitucionais básicas de qualquer democracia.
O estatuto também mantém a proibição da venda de bebidas alcoólicas. No entanto, é sabido que os únicos produtos que podem ser vendidos nos estádios e em seus arredores são os licenciados pela Fifa. Entre esses produtos, estão bebidas alcoólicas de empresas patrocinadoras da entidade. Ao que parece, essa questão já foi superada e a favor dos interesses da Fifa e de suas associadas.
Cabe, então, a pergunta: de quem será a soberania nos dias de Copa? Do Estado brasileiro ou da Fifa?
É evidente que os setores radicais das organizadas precisam abandonar a violência como prática. Com isso, ganharão legitimidade e terão um longo caminho a percorrer na história do nosso esporte. Para que isso ocorra, algumas medidas simples podem ser eficazes.
Bandeiras (em duplo sentido) legítimas para as organizadas não faltam: questionar o comando da CBF; bem como os mandos e desmandos das federações estaduais; a relação promíscua entre técnicos, empresários e dirigentes; o elevado preço dos ingressos; os bizarros e contraproducentes horários de transmissões esportivas; transparência nos gastos públicos para a construção de equipamentos esportivos para a Copa e as Olimpíadas, etc.
Caso nenhum desses argumentos sensibilize as organizadas, ao menos que critiquem e incentivem seus clubes amados de forma civilizada. Já terá sido válido.
*Rodrigo Monteiro é sociólogo, pós-doutorando (FAPERJ), pesquisador do NUPEVI/IMS/UERJ e autor do livro “Torcer, lutar, ao inimigo massacrar: Raça Rubro Negra!”, pela Editora FGV.
Sociólogo explica problema tem níveis nacionais e exige soluções.
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Isto É – N° Edição: 2212 | 30.Mar.12 – 21:00 | Atualizado em 04.Set.12 – 05:06
COMPORTAMENTO
Como acabar com as gangues do futebol
As torcidas organizadas agem como quadrilhas, matam e aterrorizam cidades por todo o país. A repressão a esses baderneiros se tornou um desafio nacional
Rodrigo Cardoso
APÓS A BRIGA
Torcida do Palmeiras na quarta-feira 28: calmaria depois da batalha campal do domingo
A polícia de São Paulo tomou um drible desconcertante de gangues uniformizadas que usam as cores de times de futebol para espalhar medo e matar. No domingo 25, 300 palmeirenses e corintianos, membros de torcidas organizadas, se encontraram na avenida Inajar de Souza, zona norte de São Paulo, para brigar. Dois jovens morreram após uma batalha campal às 10 horas em uma via pública movimentada, a dez quilômetros do estádio do Pacaembu, onde Corinthians e Palmeiras disputariam uma partida seis horas depois. O confronto havia sido agendado pela internet na semana anterior. Diante de tanta gente enfurecida, armada e com sede de sangue, os quatro policiais presentes em duas viaturas não tiveram como evitar a tragédia anunciada. “Eles estavam usando fogos de artifício e bombas. E a polícia não teve outra saída a não ser recuar e praticamente assistiu ao conflito”, admitiu o cabo Adriano Lopomo.
A ação das torcidas organizadas há muito ultrapassou o limite da civilidade. A situação de São Paulo é mais grave, até pelo tamanho das torcidas. Por isso, mesmo regiões distantes dos estádios ficam reféns dessas gangues. Trechos de várias cidades brasileiras estão sujeitos à violência desses baderneiros em dia de futebol e a população fica sitiada. No mesmo domingo 25, na capital cearense, o clássico Ceará e Fortaleza foi marcado por ocorrências antes, durante e depois do jogo. Guardas municipais foram baleados por torcedores em um terminal de ônibus, pessoas consumindo drogas, praticando furtos e brigando na arquibancada acabaram na delegacia. Objetos foram lançados contra os carros na BR-116. Uma semana antes, em Campinas, um jovem de 28 anos foi espancado e morreu em uma briga entre torcedores dos times rivais Guarani e Ponte Preta.
BADERNA
Torcida do Corinthias a caminho do jogo no
domingo 25: armas, bombas e fogos de artifício
Esses encrenqueiros começaram a frequentar as páginas policiais em meados dos anos 1980. Depois, desceram das arquibancadas e passaram a se enfrentar nas proximidades dos estádios. Ultimamente, porém, candidatam-se para brigas pré-agendadas pela internet em locais distante dos jogos. Rastrear esses choques de torcidas – com a utilização de softwares modernos e pessoal treinado para esse tipo de trabalho – é obrigação da polícia. É a maneira mais inteligente de prevenir brigas que podem causar mortes. “Um monitoramento mais eficiente das redes sociais é algo a ser pensado”, admite o major Marcel Soffner, porta-voz da PM paulista.
O procurador de Justiça Fernando Capez, que combateu a violência das torcidas organizadas antes de se tornar deputado estadual pelo PSDB paulista, defende medidas mais radicais. “Policiais devem se infiltrar nas organizadas para identificar os baderneiros. É preciso fazer interceptações telefônicas para rastrear as comunicações de quem marca esses encontros pela internet, providencia as armas, as drogas e comete outros delitos”, diz ele. O promotor Paulo Castilho, diretor do Departamento de Defesa dos Direitos do Torcedor do Ministério do Esporte, reforça que é necessário promover uma prisão em massa por formação de quadrilha, tráfico de entorpecentes e espancamento. Tem de ser assim porque as torcidas organizadas estão se transformando em criminosos organizados.
Isso foi constatado no estudo “A violência e as mortes do torcedor de futebol no Brasil”, realizado entre 1999 e 2008 pelo professor Maurício Murad, titular de sociologia do esporte no mestrado da Universidade Salgado de Oliveira (Universo). Investigador do comportamento de torcidas organizadas há 20 anos, ele acompanhou integrantes dessas facções nos estádios, onde ouviu de alguns que não gostavam de futebol e ficavam de costas para o campo provocando outras pessoas simplesmente para brigar. “Falta ação, vontade política para tratar o problema”, diz o professor. Os clubes de futebol também devem ser cobrados, pois as organizadas têm regalias. Existem agremiações que distribuem ingressos de graça para as facções ou disponibilizam a venda para elas em guichês exclusivos. Além disso, há membros de torcidas organizadas que participam de conselhos deliberativos de times.
Diante da incapacidade do poder público de prevenir o problema e garantir a segurança de todos, alguns clubes estão partindo para medidas extremas. A repercussão negativa da morte do torcedor em Campinas na semana passada fez com que os presidentes do Guarani e da Ponte Preta optassem, até segunda ordem, pela disputa do clássico com apenas uma torcida. O mesmo aconteceu no mês passado no Paraná. Apenas os torcedores do Atlético Paranaense puderam assistir ao clássico contra o Coritiba no estádio da Vila Capanema. A medida, porém, fere o Estatuto do Torcedor. Com esse argumento, a procuradoria paranaense denunciou os clubes e, na quarta-feira 4, o Tribunal de Justiça Desportiva julgará o caso. Os times podem ser penalizados com multa de até R$ 100 mil. A torcida única não é novidade. Em Minas Gerais, a medida é adotada nos jogos entre Atlético e Cruzeiro desde 2010. Por causa da Copa, o Mineirão está em obras e a Arena do Jacaré, que tem capacidade para 18.850 pessoas e passou a abrigar os clássicos, não oferece segurança para comportar as duas torcidas juntas.
PLACAR
Acima, André Lezo, que morreu na briga das duas
torcidas. Sete pessoas foram presas pela polícia
Em São Paulo, providências mais concretas foram tomadas no dia seguinte às mortes na Inajar de Souza. Sete pessoas foram presas, policiais inspecionaram as quadras da Gaviões da Fiel e Mancha Alviverde e apreenderam computadores nas duas sedes. Na casa de um dos presos, que é irmão de um dos torcedores mortos, a polícia encontrou munição, canivete e cassetete. Para a delegada que conduz o caso, Margarette Barreto, da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, não há mocinhos nesse caso. “Todos os indícios mostram que eles também são brigadores. Não estamos falando de vítimas, não estamos falando de nenhum chapeuzinho vermelho passeando na floresta”, diz ela. E, por ora, a Federação Paulista de Futebol proibiu a entrada das duas facções nos jogos.
A experiência internacional pode ser útil ao Brasil. Segundo o sociólogo Murad, que por dois anos viajou por 16 países europeus como integrante do grupo de estudos e prevenção à violência da Uefa, a entidade que rege o futebol na Europa, ninguém conseguiu acabar com a violência das torcidas. Mas contê-la e colocá-la em níveis aceitáveis foi possível em vários lugares. Na Inglaterra, a Scotland Yard criou um gabinete só para vigiar e punir os hooligans, os torcedores violentos daquele país, que foram proibidos de viajar para outras localidades da Europa. “Lá, eles foram cadastrados; clubes perderam pontos quando a torcida deles provocou conflitos; e chefes de torcidas, que também fazem tráfico de drogas, foram responsabilizados criminalmente”, enumera o professor. Os hooligans não foram extintos, mas estão sob controle da polícia e da Justiça. Na Itália, a polícia fiscaliza e prende quem combina brigas pela internet. Há muito a ser feito no Brasil e os caminhos são conhecidos. Prevenir, reprimir, prender e condenar exemplarmente é o que se espera do poder público.
IN LOCO
A polícia apreendeu computadores nas sedes
da Gaviões da Fiel e Mancha Alviverde
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Hooliganismo e a sedução da violência (Universidade do Futebol)
Caráter lúdico desse tipo de ação e ineficiência da prevenção simplesmente policial remete à necessidade de estudos sobre o comportamento social e dos governos das cidades
Carlos Alberto de Camargo
25/02/2011
Uma das ameaças a ser consideradas no planejamento da segurança da Copa do Mundo é o hooliganismo, que não se confunde com a violência das torcidas organizadas brasileiras – esta última, em termos de Copa do Mundo, representa uma ameaça mais remota; mas o estudo do hooliganismo contribui para o entendimento da violência de nossas torcidas.
A capacidade de sedução da violência é a principal mensagem que o diretor Phillip Davis pretendeu passar no vídeo “Fúria nas Arquibancadas”, em que o personagem John Brandon, policial britânico infiltrado com três outros companheiros na torcida do Shadwell (um time fictício) a fim de conseguir informações necessárias ao controle da violência, acaba sendo cooptado por essa violência, absolutamente fascinado por ela, adotando o mesmo modo de vida dos hooligans, com suas inúmeras brigas e intermináveis bebedeiras.
É a mesma sedução que consta no testemunho pessoal do jornalista Bill Buford, em seu livro “Entre os Vândalos”, também infiltrado durante quatro anos na torcida do Manchester United a fim de descobrir por que os jovens ingleses do sexo masculino se envolviam em tumultos todos os sábados.
Na estação londrina de Marble Arch, retornando de um fim de semana violento em Turim, onde fora com a torcida acompanhar o Manchester, o jornalista surpreendeu-se com sua própria atitude. Irritado com um casal de idosos que caminhava lentamente à sua frente, amparados por suas bengalas, ele os ultrapassou, empurrando-os bruscamente e, já na dianteira, voltou-se para xingar.
Bill Buford descreve assim a violência: “Fiquei espantado com aquilo que descobri. Não esperava que violência fosse tão prazerosa. Poderia supor, caso me tivesse disposto a pensar a respeito, que a violência fosse provocante – no sentido em que um acidente de trânsito é provocante -, mas aquele prazer puro e elementar era de uma intensidade diferente de tudo que eu previra ou experimentara anteriormente. Não se tratava, contudo, de uma violência qualquer. Não se tratava de violência fortuita, ou violência de sábado à noite ou brigas de pub – era violência de massa, era essa que importava; os mecanismos muito particulares da violência das multidões”.
E o autor arrisca-se mesmo a apontar o principal combustível que movimenta esse comportamento: “a adrenalina, que pode ser tanto mais poderosa, porque é gerada pelo próprio corpo, contendo, fiquei convencido, muitas das mesmas propriedades viciantes que caracterizam as drogas sinteticamente produzidas”.
O personagem John Brandon entregou-se a essa mesma sedução, mergulhando de cabeça na espiral descendente que leva à total degradação, à negação da dignidade humana, à negação das mínimas regras necessárias a uma sadia convivência em sociedade. Entregou-se, iludido pela miragem assim descrita por Bill Buford:
“A violência apresenta uma das experiências vividas com mais intensidade e, para aqueles capazes de se entregar a ela, um dos mais intensos prazeres”. Mesmo advertido pelos seus companheiros de que essa ilusão o estava levando à autodestruição.
Tanto o livro como o filme apresentam uma impressionante sequência de escaramuças entre torcidas rivais; destacam a imagem desagradável e mesmo repulsiva do torcedor violento, acostumado a ingerir enorme quantidade de álcool, que sente tédio nos dias em que não vê futebol e que pratica delitos; e ainda procuram mostrar uma polícia inglesa às vezes omissa e à vezes excessivamente violenta.
As imagens que reproduzem a atuação da polícia nos estádios não resistem a uma análise técnica: revista pessoal falha e por amostragem, o que permite a introdução de armas, dardos e outros objetos perigosos; o policial que não mantém detidos os torcedores apreendidos por comportamento inconveniente; cenas de violência policial e a omissão da polícia em certos casos ou sua impotência quando algumas pessoas decidem desobedecer às leis.
O filme termina com nosso personagem participando de uma passeata neonazista. O livro também aborda o assunto, descrevendo como os rapazes de terno do National Front assediam as torcidas, que são o campo ideal para o recrutamento, já que se constituem em massas violentas ainda não politicamente dirigidas.
O repórter Bill Buford, ao contrário, termina sua narrativa confessando que em dado momento – quando preparava-se para viajar para Turim, nas eliminatórias para a Copa de 90 – entrou em depressão profunda: a simples ideia de um novo contato com a violência e as bebedeiras dos Hooligans o deixou doente.
Para melhor ilustrar o que pretendemos alertar, novamente nos socorremos de um exemplo inglês, desta vez narrado pelo jornalista Otávio Dias. Reportando a rebelião ocorrida na cidade de Luton, ao norte de Londres, em julho de 1995, quando durante vários dias grupos de jovens entraram em choque com a polícia, incendiando carros, apedrejando e saqueando lojas e casas, ele transcreveu depoimento de um deles: “enfrentar a polícia é a única maneira de conseguirmos um pouco de emoção”.
Todas essas observações nos fazem ficar preocupados com um dos aspectos da violência coletiva: o seu caráter eventualmente lúdico, que torna ineficaz a prevenção simplesmente policial, e que, por isso, recomenda seja objeto da preocupação de estudiosos do comportamento social e dos governos das cidades. A cuidadosa observação da forma como este problema tem sido enfrentado em todo mundo nos demonstra como eficazes: a rápida e rigorosa punição dos infratores, capaz de eliminar o sentimento de impunidade; a ocupação territorial inteligente e preventiva pela polícia, tomando o espaço dos violentos; e atuação sobre as causas da violência, como fenômeno social.
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Violência entre torcidas: respeito é a solução
(Universidade do Futebol)
Estatuto do Torcedor preocupa-se demasiadamente com a violência, sem ater-se à qualidade no trato com o torcedor, o verdadeiro destinatário do espetáculo esportivo
Gustavo Lopes Pires de Souza*
28/01/2011
No dia 27 de novembro de 2010, os amantes de futebol foram surpreendidos com um fato bárbaro: o assassinato de um torcedor do Cruzeiro Esporte Clube, em Belo Horizonte. Responsáveis foram identificados e indiciados, mas a pergunta que sobe à garganta é: “até quando?”.
Segundo pesquisa realizada pela professora Heloísa Reis, da Unicamp, o ponto de partida da violência em Minas Gerais teria sido a morte de um torcedor atleticano, que entrou em confronto direto com um cruzeirense, em Belo Horizonte, em 1967, após o Atlético perder para o Uberaba e ser eliminado da disputa pelo seu primeiro título mineiro na “era Mineirão”.
Desde então, foram vários incidentes entre atleticanos e cruzeirenses que nos últimos quinze anos contabilizam dez mortes e centenas de feridos.
Em julho de 2010, por meio da Lei 12.299, o Estatuto do Torcedor foi alterado passando a prever punição às torcidas organizadas e criminalização de atos violentos dos torcedores.
Sem embargo, o Estatuto do Torcedor fora criado em 2003 para assegurar os direitos do torcedor, e não para puni-lo. Causa estranheza haver alterações que não cuidem de algumas das principais necessidades dos torcedores, como o preço dos ingressos e o horário dos jogos.
O Estatuto do Torcedor preocupa-se demasiadamente com a violência, sem ater-se à qualidade no trato com o torcedor, o verdadeiro destinatário do espetáculo esportivo.
De fato, os responsáveis devem ser punidos exemplarmente, mas a punição após a tragédia não é capaz de trazer de volta a vida de inocentes. Aliás, o italiano Beccaria, no século XVIII, já defendia a intervenção mínima, em sua obra “Dos Delitos e das Penas”.
Para a tão almejada paz nos estádios é necessário planejamento, respeito e organização. É preciso que a sociedade civil reivindique os direitos insculpidos no Estatuto do Torcedor, que o Poder Público atenda aos anseios e que os clubes e entidades organizadoras de eventos esportivos passem a tratar os torcedores com respeito, atentando-se ao fato de que fazem parte do patrimônio do clube.
Medidas como venda organizada de ingressos, conforto nos estádios, trariam efeitos positivos na luta contra a violência, tal como comprova a eficiente experiência inglesa que em uma década retirou o futebol local do ostracismo e transformou a Premier League em exemplo de organização e lucratividade.
Portanto, a cada ato de violência torna-se mais necessária a aplicação do Estatuto do Torcedor em sua plenitude, pois somente a lhanheza no trato com os torcedores oportunizará a queda do índice de violência nos estádios. E não se trata de inovar, mas tão somente de espelhar experiências de sucesso.
Referências
Jornal “Hoje em Dia”, Belo Horizonte, Minas Gerais, dos dias 20, 21, 23 e 24 de agosto de 2010.
SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. O respeito ao torcedor como investimento com retorno esportivo e financeiro. Derecho Deportivo em Linea, Madrid. Disponível em Acesso em 27 jul. 2010
SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. Os Direitos do Torcedor Brasileiro. Cidade do Futebol, São Paulo. Disponível em . Acesso em 27 jul. 2010
SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. Estatuto do Torcedor: a evolução dos direitos do consumidor do esporte (Lei 10.671/2003), Alfstudio: Belo Horizonte, 2009.
*Coordenador do Curso de Capacitação em Direito Desportivo da SATeducacional. Professor de Organização Jurídica do Esporte no MBA de Gestão em Eventos Esportivos das Faculdades Del Rey. Autor do livro: “Estatuto do Torcedor: A Evolução dos Direitos do Consumidor do Esporte” (Lei 10.671/2003) Formado em Direito pela PUC/MG, Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Unipac, Membro e colunista do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Membro do Instituto Mineiro de Direito Desportivo e da Associação Portuguesa de Adepstos Colunista do Instituto de Direito Desportivo da Bahia e do portal “Papo de Bola”.
Agraciado com a medalha ” Dom Serafim Fernandes de Araújo” pela eficiência na atuação jurídica. Jurista, Articulista, Advogado licenciado em razão de função pública no TJMG. Professor de matérias Jurídicas no MEGA CONCURSOS, FAMINAS e Arnaldo Jansen.
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I Fórum Permanente para Discussão sobre a Violência das Torcidas de Futebol (Universidade do Futebol)
15 de setembro de 2010
Visando discutir sobre as questões sociais relevantes na atualidade que envolvem os eventos nos espetáculos futebolísticos, será realizado, em setembro, o I Fórum Permanente para Discussão sobre a Violência das Torcidas de Futebol.
O evento terá como presidente da mesa e mediador os advogados Fábio Sá Filho e Expedito Bandeira. Além deles, também contribuem para a realização do fórum o palestrante José Luiz Ratton e o debatedor Ailton Alfredo.
Veja a programação e outras informações:
Organização: Instituto Pernambucano de Direito Desportivo (IPDD), Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJ/PE), Ordem dos Advogados do Brasil da Seccional de Pernambuco (OAB/PE) e Escola Superior de Advocacia de Pernambuco (ESA/PE).
19:00 – Abertura
19:10 Painel Violência das Torcidas de Futebol
Presidente de mesa: Fábio Sá Filho/PE (Advogado. Mestre em Direito. Professor da FBV, UNICAP e ESA/PE. Membro da AIDTSS, do IBDD, da Comissão de Direito Desportivo da OAB/PE e do INAMA/PE. Diretor Presidente e Associado fundador do IPDD)
Mediador: Expedito Bandeira/PE (Advogado militante da área de Direito Público. Conselheiro da OAB/PE. Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/PE)
Tema: Torcidas organizadas, cultura e sociabilidade no Brasil
Palestrante: José Luiz Ratton/PE (Professor pesquisador do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE. Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Criminalidade, Violência e Políticas de Segurança – NEPS – da UFPE. Assessor Especial do Governador para a área de Segurança Pública)
Debatedor: Ailton Alfredo/PE (Juiz Coordenador do Juizado Especial Cível e Criminal do Torcedor de Pernambuco. Mestrando em Direito. Professor Universitário. Membro do IBDD e Associado fundador do IPDD)
20:50 Encerramento
Inscrições:
Ordem dos Advogados do Brasil da Seccional de Pernambuco (OAB/PE)
Rua do Imperador Pedro II, 235, Santo Antônio
Junto às Sras. Ana da Hora e Ana Maristela (Setor de Comissões)
Das 9h às 12h e 14h às 18h
Telefone: (81) 3424-1012 Ramal 230
Doações:
Não será cobrada taxa alguma. Apenas quem quiser, poderá doar 1 kg de alimento não-perecível, água mineral, roupas e/ou cobertores para serem repassados às vítimas da enchente em Pernambuco.
Atenção: os donativos serão coletados a qualquer tempo na sede da OAB/PE (de preferência, o quanto antes).
Organização: IPDD, TJ/PE, OAB/PE e ESA/PE
Apoio: Sport Club do Recife, Clube Náutico Capibaribe e Santa Cruz Futebol Clube.
Local: Auditório da OAB, Recife/PE
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Especial: violência na esfera do futebol (Universidade do Futebol)
Acontecimentos do último fim de semana no Estado de São Paulo reacendem necessidade de debate pautado na técnica e na profundidade social
Equipe Universidade do Futebol
26/02/2010
O saldo do clássico do último fim de semana entre Palmeiras e São Paulo não foi apenas os três pontos na tabela de classificação do Campeonato Paulista à equipe alviverde comandada pela primeira vez por Antônio Carlos Zago. Fora de campo – ou melhor, fora do estádio -, diversas ocorrências envolvendo torcedores das duas equipes foram relatadas pelas câmeras e detectadas pela polícia. Mas ainda mais distante da esfera principal, o jogo no estádio Palestra Itália, que se deu o chamariz.
Na Rodovia dos Bandeirantes, região de Jundiaí, um palmeirense foi morto. Dois suspeitos pelo crime foram presos pela Polícia Civil, que efetuou uma busca em pelo menos seis cidades do interior. A vítima pertencia à Mancha Alviverde. Enquanto os suspeitos têm ligação com a torcida organizada Tricolor Independente.
Além de ter provocado a morte de Alex Furlan de Santana, 29, a briga entre os dois grupos deixou 12 feridos, entre eles um são-paulino que teve amputada parte da mão direita após a explosão de uma bomba caseira. Ele foi ouvido e negou que tenha atirado o artefato.
Para a polícia, a briga pode ter sido premeditada. Na terça-feira, foram presos em São Carlos dois suspeitos de participação no crime. Os membros da Independente confessaram ter participado da briga. Mas o empresário Evandro Magno Vicentini Júnior, 29, e um adolescente, de 17 anos, negaram o crime. Vicentini continua preso, e o adolescente está numa unidade para menores de idade de São Carlos.
O menor de idade admitiu ter feito dois disparos durante a briga. Segundo ele, ninguém foi atingido, pois um tiro foi dado para cima e o outro, para o chão. Na casa do empresário, a polícia apreendeu duas espingardas cartucheiras, que passarão por perícia.
Delegado da DIG (Delegacia de Investigações Gerais) de Jundiaí e responsável pelo caso, Antonio Dota Júnior, acredita que os membros da organizada são-paulina que participaram da briga viajaram para assistir ao jogo em ônibus e vans que partiram de São José do Rio Preto e apanharam torcedores em outras cidades, como Piracicaba, Limeira, Campinas e Araras.
O comando da Polícia Rodoviária Estadual informou que policiais fizeram quatro disparos durante a briga na tentativa de dispersar o confronto. Um dos tiros atingiu a perna de um torcedor ainda não identificado.
Para Heloisa Reis, socióloga de formação e estudiosa dessa relação, a violência urbana nos dias de jogos de futebol transformou-se em uma questão de segurança pública em diversos países. Inicialmente, parecia um problema localizado apenas na Inglaterra, sob o nome de hooliganismo. Atualmente, entretanto, é um problema quase planetário. E para pensar em prevenção desta violência, é necessário buscar suas raízes, suas causas diretas e indiretas.
Todos os levantamentos científicos realizados no Velho Continente especificamente concluíram que a falta de infraestrutura dos estádios é geradora de atos de vandalismo e de outras formas de violência. Muitas recomendações do tratado europeu, então, dizem respeito à modernização dos estádios: ambientes confortáveis e seguros inibiriam ocorrências.
“No Brasil, as frustrações geradas com o mau funcionamento dos serviços e da estrutura dos estádios contribuem para manifestações violentas, inclusive como forma de protesto e enfrentamento. Aqui, a gota d’água foi o confronto de torcedores no Pacaembu em 1995, na final da Copa SP de juniores. O episódio chocou a sociedade pela crueldade dos jovens agressores armados com entulhos encontrados no próprio estádio, o que é inadmissível”, relatou Heloisa, citando justamente um duelo envolvendo palmeirenses e são paulinos, há 15 anos, pela Supercopa de Juniores.
Para ela, uma das explicações das raízes da violência relacionada ao esporte pode ser encontrada na gênese e no desenvolvimento do futebol moderno, visto como ambiente de produção e reprodução de valores de masculinidade. E outra, no sistema de metabolismo social do capital.
“Se levarmos em conta a primeira, não é de se estranhar que a ‘linha dura’ dos grupos agressores seja formada basicamente por jovens do sexo masculino. Para eles, a valentia e a força são elementos necessários para o enfrentamento do inimigo, que pode ser os torcedores adversários, a polícia – que representa ali o Estado -, os árbitros e até os jogadores do próprio time”, completou a mestra e doutora em Educação Física, atuando com ênfase em Sociologia do Esporte, Lazer e Pedagogia do Esporte.
Violência no futebol: quando as causas vão ser investigadas? (Universidade do Futebol)
A atuação dos meios de comunicação em relação ao tema no meio esportivo é um aspecto que deve ser repensado
GEF
16/08/2009
Mortes relacionadas ao futebol brasileiro reacendem a discussão em torno da violência no esporte. Normalmente declarações precipitadas de autoridades públicas, assim como informações desencontradas e incoerentes veiculadas pela imprensa contribuem para a formulação de “soluções mágicas”, mas que poderão comprovar-se ineficazes, dado que não consideram a amplitude e a importância do
fenômeno.
Em um primeiro momento, consideramos ser fundamental a retomada dos trabalhos da Comissão Nacional de Prevenção da Violência nos Espetáculos Esportivos pelos Ministérios do Esporte e da Justiça e a criação de colegiados similares nos estados, que tenham a atribuição de tratar o tema com o devido cuidado e de trazer o poder público para o cerne da discussão. Há a necessidade, também urgente, de atualização da legislação específica para o esporte, como o Estatuto do Torcedor. A tarefa é especialmente oportuna neste momento, dado que o tema está sendo discutido no Senado. Alguns pontos importantes foram acrescentados à lei, mas outros, como a melhoria da infraestrutura dos estádios, ainda não foram contemplados.
Para que as atividades sejam efetivas e contínuas, é preciso incentivar e assegurar a participação, nas referidas comissões, de representantes de diferentes esferas da sociedade (governo, entidades esportivas, torcidas organizadas, imprensa e estudiosos), de maneira a enriquecer e ampliar o enfoque das análises. Da mesma forma, ainda verificamos a urgência da criação de uma corporação de segurança especializada em eventos esportivos, pois é notório que o despreparo dos atuais agentes públicos, e o tratamento por eles conferido aos torcedores – organizados ou não -, estão entre as principais causas dos conflitos violentos.
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Brasil lidera ranking de mortes ligadas ao futebol (Universidade do Futebol)
20/07/2009
No início das pesquisas, em 1999, o país estava atrás da Itália e da Argentina. Porém, em 10 anos, o Brasil passou a liderar essa estatística
Equipe Universidade do Futebol
Um dos principais problemas a ser solucionado até a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, é a questão da violência ligada ao futebol. De acordo com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com base em dados fornecidos por jornais, revistas e rádios, nos últimos 10 anos, o país foi o que registrou o maior número de mortes de torcedores. Foram 42 casos.
“Quando começamos a fazer o levantamento, o Brasil estava em terceiro lugar na comparação com outros países no número de óbitos. A ordem era Itália, Argentina e Brasil. Hoje, 10 anos depois, o Brasil conquistou o primeiro lugar. É uma conquista trágica, perversa”, afirmou Maurício Murad, sociólogo e autor do estudo.
Ele afirmou a violência deveria ser um dos temas que mais deve receber atenção de governantes, e que deve ser solucionado, caso o Brasil queira ser sede da Copa de 2014.
“Essa violência é uma preocupação para a Copa porque, de todos os problemas que a Fifa acompanha, e de tudo o que o caderno de exigências determina, a segurança pública é um dos principais. O problema da segurança pública é da maior importância para o Mundial”, disse Murad, em entrevista publicada pela Agência Brasil.
De acordo com o pesquisador, ao contrário da Itália, que promoveu uma reforma na legislação para punir exemplarmente dirigentes ou torcedores que estimularem a violência, o Brasil ainda não adotou medidas efetivas.
Segundo o estudo, os números pioraram. Se no período de 10 anos a média é de 4,2 mortes a cada ano, no período entre 2004 e 2008 o número de mortos totaliza 28, dando uma média de 5,6 por ano. Apenas em 2007 e 2008, 14 pessoas morreram, o que dá uma média de sete por ano.
“Cresceu a violência no futebol porque cresceu a violência no país. E cresceu a violência no país porque a impunidade e a corrupção são cada vez maiores”, disse o sociólogo.
Conforme a pesquisa, a maior parte das vítimas fatais era composta por jovens entre 14 e 25 anos, de classe baixa ou média baixa, com escolaridade até o ensino fundamental e, em geral, desempregado. Também foi constatado que, em grande parte, esses torcedores não eram ligados a práticas de violência.
“Em quase 80% dos casos, as pessoas não tinham nenhuma ligação com setores violentos ou delinquentes de torcidas organizadas. Apenas em 20% é que os óbitos eram de pessoas ligadas a grupos de vândalos”, concluiu Murad.
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O cravo da violência (Universidade do Futebol)
No Brasil, as frustrações geradas com o mau funcionamento dos serviços e da estrutura dos estádios contribuem para manifestações violentas
Heloisa Reis
03/07/2009
A violência urbana nos dias de jogos de futebol transformou-se em uma questão de segurança pública em diversos países. Inicialmente, parecia um problema localizado apenas na Inglaterra, onde recebeu o nome de hooliganismo. Hoje, no entanto, é um problema quase planetário. E para pensar em prevenção desta violência, é necessário buscar suas raízes, suas causas diretas e indiretas.
Quarenta e seis países europeus adotaram políticas nacionais de prevenção elaboradas a partir de um acordo firmado no Conselho da Europa. A gota d’água foi a tragédia do estádio Heysel, na Bélgica, em 1985, que deixou 39 mortos após tumulto na final da Copa dos Campeões.
Os primeiros participantes do Convênio Europeu sobre a violência e mau comportamento em eventos esportivos foram Inglaterra, Itália e Espanha. Hoje, países com o maior sucesso na promoção de espetáculos de futebol. Na Espanha, foram constituídas duas comissões para o estudo do problema: uma de senadores, com um período de trabalho de dois anos; e outra em âmbito interministerial. Tais trabalhos subsidiaram a elaboração da lei de esporte espanhola de 1990, que dedica um capítulo especificamente ao tema. A nova legislação tornou ágil o julgamento dos delitos e delimitou as penas impostas aos clubes em casos de violência de seus espectadores.
Todos os estudos realizados concluíram que a falta de infraestrutura dos estádios é geradora de atos de vandalismo e de outras formas de violência. Por isso, muitas recomendações do tratado europeu dizem respeito à modernização dos estádios. Ambientes confortáveis e seguros inibem a violência.
No Brasil, as frustrações geradas com o mau funcionamento dos serviços e da estrutura dos estádios contribuem para manifestações violentas, inclusive como forma de protesto e enfrentamento. Aqui, a gota d’água foi o confronto de torcedores no Pacaembu em 1995, na final da Copa SP de juniores. O episódio chocou a sociedade pela crueldade dos jovens agressores armados com entulhos encontrados no próprio estádio, o que é inadmissível.
Uma das explicações das raízes da violência relacionada ao esporte pode ser encontrada na gênese e no desenvolvimento do futebol moderno, visto como ambiente de produção e reprodução de valores de masculinidade. E outra, no sistema de metabolismo social do capital. Se levarmos em conta a primeira, não é de se estranhar que a “linha dura” dos grupos agressores seja formada basicamente por jovens do sexo masculino. Para eles, a valentia e a força são elementos necessários para o enfrentamento do inimigo, que pode ser os torcedores adversários, a polícia -que representa ali o Estado-, os árbitros e até os jogadores do próprio time.
A Europa vem enfrentando há alguns anos dificuldades com o racismo. Uma causa direta do problema é a intolerância dos integrantes de movimentos neonazistas que encontraram nos estádios um local para divulgar sua ideologia. Este cenário é mais um exemplo de que a violência pode se manifestar de diferentes formas. Lá, agora, a principal é o racismo. Aqui, ainda é o enfrentamento com os torcedores rivais e/ou com a polícia.
ScienceDaily (Aug. 27, 2012) — Increased levels of depression as a result of discrimination could contribute to low birth weight babies.
Given the well-documented relationship between low birth weight and the increased risk of health problems throughout one’s lifespan, it is vital to reduce any potential contributors to low birth weight. A new study by Valerie Earnshaw and her colleagues from Yale University sheds light on one possible causal factor. Their findings, published online in Springer’s journal, theAnnals of Behavioral Medicine, suggest that chronic, everyday instances of discrimination against pregnant, urban women of color may play a significant role in contributing to low birth weight babies.
Twice as many black women give birth to low birth weight babies than white or Latina women in the U.S. Reasons for this disparity are, as yet, unclear. But initial evidence suggests a link may exist between discrimination experienced while pregnant and the incidence of low birth weight. In addition, experiences of discrimination have also been linked to depression, which causes physiological changes that can have a negative effect on a pregnancy.
Earnshaw and her colleagues interviewed 420, 14- to 21-year-old black and Latina women at 14 community health centers and hospitals in New York, during the second and third trimesters of their pregnancies, and at six and 12 months after their babies had been born. They measured their reported experiences of discrimination. They also measured their depressive symptoms, pregnancy distress and pregnancy symptoms.
Levels of everyday discrimination reported were generally low. However, the impact of discrimination was the same in all the participants regardless of age, ethnicity or type of discrimination reported. Women reporting greater levels of discrimination were more prone to depressive symptoms, and ultimately went on to have babies with lower birth weights than those reporting lower levels of discrimination. This has implications for healthcare providers who work with pregnant teens and young women during the pre-natal period, while they have the opportunity to try and reduce the potential impacts discrimination on the pregnancy.
The authors conclude that “Given the associations between birth weight and health across the life span, it is critical to reduce discrimination directed at urban youth of color so that all children are able to begin life with greater promise for health. In doing so, we have the possibility to eliminate disparities not only in birth weight, but in health outcomes across the lifespan.”
Data for this study came from the Centering Pregnancy Plus project, funded by the National Institute of Mental Health, and conducted in collaboration with Clinical Directors’ Network and the Centering Healthcare Institute.
Journal Reference:
Valerie A. Earnshaw, Lisa Rosenthal, Jessica B. Lewis, Emily C. Stasko, Jonathan N. Tobin, Tené T. Lewis, Allecia E. Reid, Jeannette R. Ickovics. Maternal Experiences with Everyday Discrimination and Infant Birth Weight: A Test of Mediators and Moderators Among Young, Urban Women of Color. Annals of Behavioral Medicine, 2012; DOI: 10.1007/s12160-012-9404-3
ScienceDaily (Aug. 20, 2012) — Research has associated political conservatism with prejudice toward various stereotyped groups. But research has also shown that people select and interpret evidence consistent with their own pre-existing attitudes and ideologies. In this article, Chambers and colleagues hypothesized that, contrary to what some research might indicate, prejudice is not restricted to a particular political ideology.
Rather, the conflicting values of liberals and conservatives give rise to different kinds of prejudice, with each group favoring other social groups that share their values. In the first study, three diverse groups of participants rated the ideological position and their overall impression of 34 different target groups.
Participants’ impressions fell in line with their ideology. For example, conservatives expressed more prejudice than liberals against groups that were identified as liberal (e.g., African-Americans, homosexuals), but less prejudice against groups identified as conservative (e.g., Christian fundamentalists, business people).
In the second and third studies, participants were presented with 6 divisive political issues and descriptions of racially diverse target persons for each issue. Neither liberals’ nor conservatives’ impressions of the target persons were affected by the race of the target, but both were strongly influenced by the target’s political attitudes.
From these findings the researchers conclude that prejudices commonly linked with ideology are most likely derived from perceived ideological differences and not from other characteristics like racial tolerance or intolerance.
Journal References:
J. B. Luguri, J. L. Napier, J. F. Dovidio. Reconstruing Intolerance: Abstract Thinking Reduces Conservatives’ Prejudice Against Nonnormative Groups. Psychological Science, 2012; 23 (7): 756 DOI:10.1177/0956797611433877
J. B. Luguri, J. L. Napier, J. F. Dovidio. Reconstruing Intolerance: Abstract Thinking Reduces Conservatives’ Prejudice Against Nonnormative Groups. Psychological Science, 2012; 23 (7): 756 DOI:10.1177/0956797611433877
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Prejudice Comes from a Basic Human Need and Way of Thinking, New Research Suggests
ScienceDaily (Dec. 21, 2011) — Where does prejudice come from? Not from ideology, say the authors of a new paper. Instead, prejudice stems from a deeper psychological need, associated with a particular way of thinking. People who aren’t comfortable with ambiguity and want to make quick and firm decisions are also prone to making generalizations about others.
In a new article published in Current Directions in Psychological Science, a journal of the Association for Psychological Science, Arne Roets and Alain Van Hiel of Ghent University in Belgium look at what psychological scientists have learned about prejudice since the 1954 publication of an influential book, The Nature of Prejudice by Gordon Allport.
People who are prejudiced feel a much stronger need to make quick and firm judgments and decisions in order to reduce ambiguity. “Of course, everyone has to make decisions, but some people really hate uncertainty and therefore quickly rely on the most obvious information, often the first information they come across, to reduce it” Roets says. That’s also why they favor authorities and social norms which make it easier to make decisions. Then, once they’ve made up their mind, they stick to it. “If you provide information that contradicts their decision, they just ignore it.”
Roets argues that this way of thinking is linked to people’s need to categorize the world, often unconsciously. “When we meet someone, we immediately see that person as being male or female, young or old, black or white, without really being aware of this categorization,” he says. “Social categories are useful to reduce complexity, but the problem is that we also assign some properties to these categories. This can lead to prejudice and stereotyping.”
People who need to make quick judgments will judge a new person based on what they already believe about their category. “The easiest and fastest way to judge is to say, for example, ok, this person is a black man. If you just use your ideas about what black men are generally like, that’s an easy way to have an opinion of that person,” Roets says. “You say, ‘he’s part of this group, so he’s probably like this.'”
It’s virtually impossible to change the basic way that people think. Now for the good news: It’s possible to actually also use this way of thinking to reduce people’s prejudice. If people who need quick answers meet people from other groups and like them personally, they are likely to use this positive experience to form their views of the whole group. “This is very much about salient positive information taking away the aversion, anxiety, and fear of the unknown,” Roets says.
Roets’s conclusions suggest that the fundamental source of prejudice is not ideology, but rather a basic human need and way of thinking. “It really makes us think differently about how people become prejudiced or why people are prejudiced,” Roets says. “To reduce prejudice, we first have to acknowledge that it often satisfies some basic need to have quick answers and stable knowledge people rely on to make sense of the world.”
Journal Reference:
Arne Roets and Alain Van Hiel. Allport’s Prejudiced Personality Today: Need for Closure as the Motivated Cognitive Basis of Prejudice. Current Directions in Psychological Science, (in press)
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Ironic Effects of Anti-Prejudice Messages
ScienceDaily (July 7, 2011) — Organizations and programs have been set up all over the globe in the hopes of urging people to end prejudice. According to a research article, which will be published in an upcoming issue of Psychological Science, a journal of the Association for Psychological Science, such programs may actually increase prejudices.
Lisa Legault, Jennifer Gutsell and Michael Inzlicht, from the University of Toronto Scarborough, were interested in exploring how one’s everyday environment influences people’s motivation toward prejudice reduction.
The authors conducted two experiments which looked at the effect of two different types of motivational intervention — a controlled form (telling people what they should do) and a more personal form (explaining why being non-prejudiced is enjoyable and personally valuable).
In experiment one; participants were randomly assigned one of two brochures to read: an autonomy brochure or a controlling brochure. These brochures discussed a new campus initiative to reduce prejudice. A third group was offered no motivational instructions to reduce prejudice. The authors found that, ironically, those who read the controlling brochure later demonstrated more prejudice than those who had not been urged to reduce prejudice. Those who read the brochure designed to support personal motivation showed less prejudice than those in the other two groups.
In experiment two, participants were randomly assigned a questionnaire, designed to stimulate personal or controlling motivation to reduce prejudice. The authors found that those who were exposed to controlling messages regarding prejudice reduction showed significantly more prejudice than those who did not receive any controlling cues.
The authors suggest that when interventions eliminate people’s freedom to value diversity on their own terms, they may actually be creating hostility toward the targets of prejudice.
According to Dr. Legault, “Controlling prejudice reduction practices are tempting because they are quick and easy to implement. They tell people how they should think and behave and stress the negative consequences of failing to think and behave in desirable ways.” Legault continues, “But people need to feel that they are freely choosing to be nonprejudiced, rather than having it forced upon them.”
Legault stresses the need to focus less on the requirement to reduce prejudices and start focusing more on the reasons why diversity and equality are important and beneficial to both majority and minority group members.
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