[RESUMO] Em novo livro, Muniz Sodré contesta o conceito de racismo estrutural, que a seu ver carece de base científica. Embora não se oponha ao uso da expressão, o sociólogo e colunista da Folha afirma que a discriminação racial no Brasil é difícil de combater por ser institucional e intersubjetiva, tendo como marca a negação do preconceito, e que teria se reconfigurado depois da Abolição com as ideias fascistas europeias. Sodré defende ainda que o pensamento da aproximação, manifestado em algumas situações brasileiras, traz oportunidade de combater o racismo.
Muniz Sodré é um intelectual de luta. Faixa-preta de caratê, continua a praticar o esporte aos 81 anos. A idade só o obrigou a deixar para trás a capoeira, que ele treinou com mestre Bimba, um dos grandes capoeiristas do Brasil.
O sociólogo e colunista da Folha Muniz Sodré em seu apartamento no bairro Cosme Velho, no Rio – Eduardo Anizelli/ Folhapress
Além de livros publicados sobre a mídia, Sodré também publicou obras acerca da cultura brasileira, em especial a cultura negra. Em seu novo lançamento, “O Fascismo da Cor” (Vozes), ele traça uma radiografia da discriminação racial no Brasil, construindo o argumento de que, passadas a Abolição e a Proclamação da República, uma outra forma de racismo se estabeleceu no país.
Para o pesquisador, essa nova configuração tem laços com as ideias fascistas surgidas na Europa e com o eugenismo associado a elas. Um dos divulgadores desse discurso no país, lembra, era o escritor Monteiro Lobato.
Além desse diagnóstico, Sodré dedica parte significativa do livro a contestar o conceito de racismo estrutural, tal como desenvolvido por Silvio Almeida, agora ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania. “Se fosse estrutural, já teria sido derrotado. O movimento negro é o movimento mais antigo da sociedade brasileira”, diz o autor, que propõe no lugar o conceito de “forma social escravista”.
Em entrevista à Folha, Sodré analisa o perfil do racismo à brasileira e explica os motivos pelos quais discorda de Silvio Almeida. Ele também defende que as rodas de capoeira e os candomblés podem oferecer uma chave de saída para a discriminação racial.
Na primeira metade do seu livro, o sr. contesta o conceito de racismo estrutural, hoje muito popular. Por que considera essa definição insuficiente para explicar o racismo no Brasil?
O conceito de estrutura é um conceito complexo. Primeiro, tenho que advertir que não tenho nada contra falar em racismo estrutural, porque acho que, do ponto de vista político, é bom, é fácil. Dá um ancoramento para a ideia de racismo aqui no Brasil.
Mas eu digo que ele não é estrutural. Parto de coisas simples, como a frase do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, quando ele disse que, no Brasil, as estruturas são feitas para não funcionar. Ele está falando da estrutura jurídica, da estrutura econômica, e é verdade. As estruturas aqui são feitas para não funcionar. Por que a única a funcionar seria o racismo?
Acho que o racismo funciona exatamente porque ele não é estrutural. Minha visão é que o racismo que existia no Brasil estava consolidado e ligado à escravatura. Portanto, a estrutura escravista existia. Há um livro do historiador Jacob Gorender em que ele mostra a estrutura existente na escravidão. Outros ensaístas, como Alberto Torres, mostram que era uma estrutura que funcionava.
O Brasil se sustentou na escravidão, foi ela que fez a acumulação primitiva [de capital] aqui e foi a coisa mais bem-organizada neste país. Mas isso acabou com a Lei Áurea. Ao contrário do que acham alguns amigos meus escritores negros, a Abolição não foi uma farsa. Ela efetivamente acabou com a sociedade escravista e, portanto, acabou com a estrutura escravista, mas não acabou com o racismo. São duas coisas diferentes.
Antes da Abolição, não era necessário um racismo atuante. Quatro quintos da população que trabalhavam como escravos eram torturados no Império de dom Pedro 2º. Mesmo assim, houve naquele momento uma classe média negra, uma intelectualidade negra que emergiu. Grandes figuras da literatura e das artes eram negras.
O primeiro embaixador plenipotenciário do Brasil na Inglaterra, Francisco Jê Acaiaba Montezuma, era um negão baiano muito brilhante. Os artistas negros de Pernambuco formavam uma classe média com quase 2.000 pessoas. Só ouvimos falar deles hoje depois de livros focados nisso porque, como dizia Mário de Andrade, foi uma aurora que não deu dia. Quando veio a Abolição, se esqueceu de tudo isso. A cultura negra passou a ser a cultura popular, reconhecida muito tempo depois.
Desenho de Angelo Agostini publicados na “Revista Ilustrada”, que retrata a brutalidade do cotidiano escravocrata. Acervo Biblioteca Mário de AndradeDesenho de Angelo Agostini publicados na “Revista Ilustrada”, que retrata a brutalidade do cotidiano escravocrata. Acervo Biblioteca Mário de Andrade
Se o racismo brasileiro não é estrutural, qual seria a característica dele?
Ele é institucional. Defino no livro o que é estrutura. É um termo muito preciso na sociologia e na filosofia. O conceito pressupõe uma totalidade fechada de elementos interdependentes. Você pode falar, por exemplo, da estrutura jurídica: a doutrina do direito se reflete nos tribunais, no processo penal, nas leis. Isso é estrutural.
Se dissermos que o racismo é uma estrutura, temos que mostrar qual é a interdependência dos elementos. Aí você diria que, quando se vai selecionar alguém para um emprego, só brancos são selecionados. Mas a estrutura é formal, tem uma forma escrita ou uma forma de costumes que é reconhecida por todos. A discriminação racial no Brasil não é reconhecida por ninguém. Nenhum Estado ou governante se diz racista. Às vezes, os racistas mais atrozes diziam que não eram racistas.
A grande dificuldade do combate ao racismo no Brasil é que, aqui, a negação funciona. O grande mecanismo do racismo é a negação.
Li o livro do Silvio Almeida (“Racismo Estrutural”), e ele não diz o que é uma estrutura. O racismo foi estrutural nos Estados Unidos, na África do Sul…
Então, o sr. defende que, para ser estrutural, o racismo precisa estar explicitamente amparado pela burocracia do Estado.
Silvio Almeida fala de instituições que funcionam como uma correia de transmissão do racismo.
Sou obrigado a me perguntar: correia de transmissão a partir de onde? Quando Lênin diz que os jornais deveriam ser a correia de transmissão do partido para as massas trabalhadoras, você tem de um lado o partido, de outro, as massas, e no meio, o jornalismo.
Sem dúvida, as instituições são uma correia de transmissão, mas não de uma estrutura. Onde é que está essa estrutura? No Estado? Mas o Estado não tem leis racistas, elas acabaram com a Abolição. Estão na economia? Não conheço leis econômicas racistas, conheço discriminações econômicas, mas não leis.
Manifestantes pintam frase #vidaspretasimportam na avenida Paulista. Discriminação racial é o ato de discriminar alguém por conta de sua raça, origem étnica, cor e/ou condição que apresente diferença, com demonstração de suposta superioridade sobre a vítima e com o objetivo de anular ou restringir o reconhecimento, o gozo ou o exercício em igualdade de condições, de direitos e liberdades fundamentais no campo político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada. Folhapress/Bruno Santos – 21.nov.20Ato pelo Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, na avenida Paulista. RACISMO ou INJÚRIA RACIAL: A principal diferença entre o crime de injúria racial e racismo é a quem é dirigida a ofensa . Folhapress/Jardiel Carvalho – 13.mai.21
Não tem uma implicação estritamente racial, são os pobres que pagam mais impostos. Entre eles, você tem claros e escuros —ainda que, sem dúvida, os salários mais baixos sejam dos negros. Acho importante que se estudem esses aspectos embutidos na economia, nas instituições, na remuneração da força de trabalho. Com esses dados, é possível intervir no debate público, tomar um partido antirracista.
Não sou contra a expressão racismo estrutural, sou contra a cientificidade dela.
O sr. disse que, depois da Abolição e da Proclamação da República, surgiu uma nova forma de racismo. Qual é o seu perfil?
O segundo ponto do livro é mostrar a diferença entre sociedade e forma social. Você não vai encontrar na literatura sociológica brasileira essa distinção, mas ela é feita por mim. A sociedade implica uma estrutura: ela tem uma interconexão de seus elementos, ou seja, o modo de produção está articulado com o sistema jurídico, com a política… Toda a visão marxista sobre a sociedade, para mim, é coerente. Nesse ponto, sou bem marxista.
Mas a forma social é outra coisa. Ela é uma imagem que a sociedade projeta de si mesma, que ela tem ou quer ter de si. Isso nós temos individualmente: você tem uma imagem de si mesmo e quer que os outros reconheçam você como uma imagem válida.
Isso também existe em termos coletivos. A imagem que a sociedade tem de si é gerida pelo Estado e pelas classes dirigentes. Ela pode ser oficial, mas também subterrânea, uma imagem oculta que existe e lhe determina. Isso eu chamei de forma social escravista.
Aluna da Emef Ruben Bento Alves, em Caxias do Sul (RS), Sophya Domingues Marcos, 13, tem na família da mãe a afrodescendência . /Carlos Macedo/Folhapress
O que seria essa forma social escravista?
Ela é aparência, mas isso não quer dizer que seja uma ilusão. As aparências existem e continuam a existir por ter força, e é um erro querer lidar só com o que é material, concreto. Na forma social, falo de uma aparência que a sociedade quer ter sobre si mesma: as classes dirigentes querem se ver como brancas, europeias e cristãs, sem ter nada a ver com negros.
Esse querer ver-se é a forma social. Dentro dessa imagem, se desenvolvem os mecanismos linguísticos, psicossociais, de subjetividade e de comunicação. Portanto, a aparência cria formas.
Ou seja, acabou a escravidão, mas nasceu a forma social escravista. Ela mantém a escravidão como ideia e como discriminação institucional. Essa forma não é captada apenas objetivamente, não está em números. Portanto, não é pega pela sociologia quantitativa. São também as percepções, os afetos. A forma social é um conceito que vem da sociologia alemã e está na sociologia francesa contemporânea.
O sr. dá um papel de destaque ao patrimonialismo nisso que chama de forma social.
A forma escravista está ancorada nesse modo de controle social que é o patrimonialismo, ou seja, no poder exercido por grandes famílias, pelo compadrio, pelo afilhadismo. Esse parentesco dominante no Brasil é branco e reproduz a forma social racista. Quis mostrar como essa forma é tão ampla, tão invasiva, tão maior que a estrutura que ela pode atingir o próprio preto. O preto pode se adequar a ela e ser racista contra pretos também.
Vivemos essa forma no cotidiano. Podemos vê-la em explosões súbitas de fúria e agressões. No Maranhão, o cara estava passando com a mulher, veem um homem tentando abrir o próprio carro e acham que ele está tentando roubar o veículo. Aí os dois descem a porrada no homem. Quando foi jogado no chão, a mulher grita para o marido chutar a cabeça da vítima. O carro era dele. Isso é diário no Brasil.
Kaique do Nascimento Mendes (de camisa da seleção) e seu advogado, Ewerton Carvalho. Folhapress/Marlene Bergamo
O sr. diz que essa nova manifestação do racismo está ligada ao fascismo europeu. Qual é a relação entre os dois fenômenos?
Diferentemente do período da escravidão, o racismo pós-abolicionista é plenamente doutrinário, ou seja, ele incorpora ideias europeias sobre o racismo. Essas ideias vêm principalmente da doutrina do eugenismo.
Isso não coincide, em termos de data, só com o período pós-Abolição, mas, nesse momento no mundo, o eugenismo faz parte de uma atmosfera fascista. O que faz com que o fascismo se expanda para Portugal, Espanha e outros países é a questão da preservação do cristianismo e da pureza do homem europeu. É o nacionalismo extremado do homem branco.
O racismo ocidental vem da Igreja Católica e é primeiro antissemita. O modelo do racismo [contra os negros] é o antissemitismo: as primeiras vítimas são os judeus, e os primeiros carrascos são os padres. Depois, isso se transfere para o negro. Os escritos do fascismo incorporam a ideia de eugenia e isso chega aqui muito tempo depois da Abolição, através de igrejas, mas principalmente por meio de intelectuais —Monteiro Lobato é o grande modelo.
O fascismo é o espírito da época do racismo brasileiro. É dele que conflui, para as classes dirigentes brasileiras, a discriminação do negro, que já não era mais jurídica nem política.
No livro, o sr. aponta Nilo Peçanha, que virou presidente em 1909 e era negro, como um caso a ser estudado. O que a história dele diz sobre o racismo à brasileira?
Examinaram pouco essa história.Nilo Peçanha veio de uma família pobre em Campos dos Goytacazes (RJ), a mãe era meio clarinha e o pai era preto, eram agricultores. Ele se tornou um político brilhante e abolicionista, mas não queria ser reconhecido como negro. Ele se maquiava para clarear a pele antes de ser fotografado, e as fotos eram retocadas.
É o primeiro e único presidente negro do Brasil. É uma figura importante por mostrar esse mascaramento, ou seja, a tentativa de não parecer negro, que foi típico do mulato aqui no Brasil. A imprensa o ridicularizava. Faço uma análise linguístico-filosófica do discurso racial, mostrando como ele é atravessado pela ambiguidade. Quis mostrar como há jogos de linguagem no discurso racista, para mostrar como a forma social escravista opera.
O medo é um elemento importante nas relações hierárquicas. Torturavam-se escravospara infligir medo. Uma tortura podia começar porque a sinhá achava que o negro olhou atravessado para ela.
Mas o medo é uma faca de dois fios. O torturador tem medo também. Temer os negros foi algo que se intensificou com a Revolta dos Malês, em 1835, mas já vinha do Haiti e de Cuba e se disseminou entre as classes brasileiras.
Mas como esse medo de revoltas negras nas Américas se transforma no medo de manifestações culturais?
O racismo cultural é o racismo do sentido que o outro produz. Junto com ter medo físico do negro vem, principalmente depois da Abolição, ter medo da cultura afro, do feitiço, que era um ponto de repulsa e atração, porque a classe média branca sempre se consultou nos cultos afros.
Como você sabe, eu sou de candomblé, da hierarquia do Ilê Axé Opô Afonjá. Conheci ao longo da vida professores razoáveis, ateus, que têm medo do pertencimento ao candomblé. A pessoa não acredita em nada, mas tem medo. Isso é o preconceito.
Ao mesmo tempo que há esse preconceito, as artes brasileiras promoveram uma celebração da cultura afro-brasileira, como na obra de tropicalistas ou de Jorge Amado. Como o racismo brasileiro comporta essa contradição?
Porque ele não é estrutural [risos] e essa celebração não foi insurrecional.
Conheci bem o Jorge Amado. Ele dizia que não acreditava em nada, mas era do Axé Opô Afonjá como eu. Não viajava de avião sem que uma mãe de santo fizesse um jogo para ele, porque morria de medo. Quando me confirmei como obá de Xangô, Caymmi entrou comigo. Quando eu estava na Bahia, Caetano Veloso, Gilberto Gil, esse pessoal não era de candomblé. Hoje, Gil também é obá de Xangô.
Quando digo que essas celebrações na cultura brasileira não representam uma insurreição, quero dizer que não são algo contra o Estado, é mais uma posição existencial. Mas celebrar o candomblé é celebrar aquilo que a cultura afro traz de mais precioso, o apego à vida.
Se o catolicismo é a religião do amor universal irradiado de Cristo, o candomblé é a alegria, uma alegria litúrgica. Quem é baiano é atravessado por essa liturgia. Jorge Amado foi o grande romancista disso. Ele inventa uma Bahia, a língua da Bahia para fora é o jorge-amadês. Todas aquelas histórias são e não são inventadas.
Filhas de santo com trajes rituais e colares de conta nas cores de seus orixás, no terreiro Ilê Axé Oyó Ibessi, de pai Gegeo, no bairro Faceira, em Cachoeira, Recôncavo Baiano . Raul Spinassé/Folhapress/Filha de santo na subida que dá acesso ao terreiro Ilê Axé Oyó Ibessi em Cachoeira, no Recôncavo Baiano; ao fundo, o Rio Paraguaçu e, na outra margem, a cidade de São Félix . Raul Spinassé/Folhapress
Jorge Amado é o ideólogo do povo nacional, e esse povo nacional era um povo mestiço, os baianos. Ele vai encontrar o modelo dessa mestiçagem no candomblé, em que essa mestiçagem não é só ideológica, é cultural também.
No Axé Opô Afonjá, eu já vi padre bater cabeça, já vi judeu bater cabeça. É isso que sempre atraiu Jorge Amado. Quando Jean-Paul Sartre esteve na Bahia, passou o dia inteiro no Axé Opô Afonjá, sentado com mãe Senhora.
Os negros americanos são diferentes. Acho que nossas condições de luta e opressão são bastante diferentes e o que é igual é a cultura negra. O samba nasceu na Praça 11 nas mesmas circunstâncias que o jazz nasceu na praça Congo, em Nova Orleans. Nasceu do candomblé, com os baianos que civilizaram o Rio de Janeiro.
Falo da cultura como a vitalidade do povo. O que é forte nos Estados Unidos vem dos negros, nada é mais forte que a música, que o jazz. Isso cria uma ponte, é como se o ritmo viajasse pelos Estados Unidos, pelo Caribe, por Cuba, e essa ponte não está sob a égide do Estado, é também uma forma social.
Em um mundo com trocas possibilitadas pelas tecnologias da informação, seria necessário pensar o racismo com um recorte global em vez de apenas nacional?
O pensamento nacional, se for forte, vai ser global. O pensamento global não atinge o núcleo do racismo, que está em conformações nacionais. O combate aqui no país tem que ser pensado em termos brasileiros para ser suficientemente forte e se irradiar transnacionalmente. É algo que o Brasil pode oferecer ao mundo, uma chave de saída do racismo.
Como?
O principal modo de combater o racismo não é pensar intelectualmente a diferença. Não dou muita atenção a toda essa coisa de proteger linguisticamente a diferença, por exemplo. A filosofia da diferença é a grande filosofia moderna, que fala da necessidade de aceitar o diferente. É um pensamento avançado e global.
Mas, para mim, o principal modo de combater o racismo é o pensamento da aproximação, que é mais completo. É o morar junto, a vizinhança na escola, no trabalho, nas relações amorosas. A aproximação está em qualquer unidade que se possa construir, e o racismo se exacerba quando os diferentes estão próximos.
O Brasil já é um país que tem as oportunidades de aproximação pela própria heterogeneidade da população. Temos que pensar as diferentes formas de existir no Brasil e aprender com elas. Onde você não encontra racismo aqui? No Axé Opô Afonjá, no candomblé de Menininha do Gantois, no terreiro da Casa Branca, nas rodas de capoeira. Será que não pode vir daí uma lição?
Não é que as pessoas sejam perfeitas, mas há modos de vida ali que são antirracistas. São casos pequenos, mas é do pequeno que você começa a pensar o grande. Foi assim que Davi matou Golias.
O FASCISMO DA COR: UMA RADIOGRAFIA DO RACISMO NACIONAL
Com o objetivo de produzir um balanço de seus impactos e subsidiar cientificamente a revisão da lei federal, criamos o Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas (CAA). O CAA analisou dados de mais de 7 universidades federais e estaduais, tendo publicado mais de 30 textos na academia e na imprensa sobre o tema.
A despeito de problemas pontuais, as cotas têm um saldo muito positivo. O percentual de jovens pretos, pardos e indígenas pulou de 31% em 2002 para 52% das matrículas em 2021. No mesmo período, o percentual de estudantes de baixa renda saiu de 19% para 52%. Os avanços maiores se deram nos cursos mais concorridos, e quase todas as pesquisas sobre o tema mostram que os cotistas têm desempenho muito similar aos não cotistas. Mais de 70% das pesquisas acadêmicas sobre as cotas as consideram uma política bem-sucedida.
Por tudo isso, o CAA recomenda às forças políticas, eleitas em outubro, a manutenção e expansão do sistema existente, que combina critérios socioeconômicos —para estudantes de escola pública e baixa renda— com cotas raciais. No entanto, é necessário a criação de programas específicos, sensíveis às especificidades das populações indígenas, quilombolas e das pessoas com deficiência. Tendo em vista que pretos e pardos em processo de ascensão social também são vítimas de racismo, apoiamos a criação de subcotas complementares para eles, independentemente da origem escolar.
Outra recomendação é a revisão da faixa de renda, presente na lei federal. O patamar de 1,5 salário mínimo familiar per capita não favorece os mais pobres. Isso vale para a implementação de um sistema de concorrência simultânea, que permita a potenciais cotistas disputarem, ao mesmo tempo, as vagas no sistema de ampla concorrência, fazendo com que as cotas funcionem como piso, não como teto de inclusão.
No que concerne à permanência estudantil, é urgente avançarmos numa política federal, unificada e desburocratizada.
A adequada avaliação da política depende da constituição de um sistema integrado de dados educacionais e do mercado de trabalho que seja aberto, transparente e desidentificado —e que possibilite compreender desde as mudanças na demanda por ensino superior à inserção dos cotistas na vida profissional.
Seria importante incentivar com fomento público pesquisas sobre as comissões de heteroclassificação racial para identificar seu impacto no aprimoramento da inclusão étnico-racial compatível com a complexidade das classificações raciais no Brasil.
Por fim, consideramos importante que as ações afirmativas não fiquem restritas às cotas na graduação. Urge uma lei específica para a pós-graduação, sensível às especificidades desse nível de formação, da mesma forma que instituir políticas de inclusão no mercado de trabalho.
Em duas décadas, região Norte foi a única que chegou ao patamar de equilíbrio racial; Centro-Oeste teve maior avanço
Douglas Gavras, Patrick Fuentes e Cristina Sano
19 de novembro de 2022
Concluindo um mestrado em comunicação na UFBA (Universidade Federal da Bahia), Mariana Gomes, 24, é de uma família que foi transformada pela educação. Seu avô deixou o interior da Bahia para se tornar médico, o que estimulou a geração seguinte a ter um diploma superior e, em seguida, a geração dos netos.
Cotista, ela teve a possibilidade de dividir as cadeiras da graduação com outros alunos negros. “A minha geração já tem a referência da universidade como possibilidade real de manter esse processo de ascensão e conquistar direitos básicos.”
Agora, além de ver a necessidade de manter e aprimorar as políticas de acesso ao ensino superior, ela quer pensar no dia seguinte. “É preciso que mais pretos e pardos percebam a educação como possibilidade de resguardar direitos e avançar em oportunidades de trabalho e autonomia.”
Apesar de avanços no aumento da diversidade no ensino superior, mantido o ritmo atual, o Brasil deve levar quase 116 anos para que pretos e pardos tenham acesso às mesmas oportunidades que os brancos, de acordo com a mais recente edição do Ifer (Índice Folha de Equilíbrio Racial).
Enquanto políticas, como o sistema de cotas raciais, ajudaram a melhorar o indicador de equilíbrio racial para a educação —e ainda assim, a diferença em relação aos brancos só deve ser superada em 34 anos— a redução da desigualdade de renda e longevidade decepciona.
Quando considerada a renda, o tempo necessário até o equilíbrio é de 406 anos. No caso da sobrevida ou longevidade, a maior parte dos estados do país está em relativo equilíbrio racial, mas os indicadores têm piorado rumo ao desequilíbrio, segundo o Ifer.
O índice é uma ferramenta cuja metodologia foi elaborada no ano passado pelos pesquisadores do Insper Sergio Firpo, Michael França —ambos colunistas da Folha— e Alysson Portella.
Ele ajuda a medir a distância entre a desigualdade racial no país e um cenário hipotético de equilíbrio, em que a presença dos negros nas faixas com melhores condições de vida refletisse o peso que eles têm na população com 30 anos ou mais.
Seus componentes são ensino superior completo, sobrevida e presença no topo da pirâmide de renda, tendo como base a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ao longo deste mês, outras reportagens irão detalhar o que ocorreu com esses itens.
O resultado é um indicador que varia de -1 a 1. Quanto mais próximo de -1, maior é a representação dos brancos em relação aos negros; já o valor muito perto de 1 aponta um cenário hipotético, em que a população negra teria mais representação.
Além disso, quanto mais próximo de zero estiver o número, mais perto o indicador vai estar do equilíbrio racial, considerando-se a população de referência.
Para estimar o tempo que falta até chegar o equilíbrio, é feito um cálculo usando a linha temporal dos dados e considerando a tendência linear que mais se aproxima do que ocorreu no período. Essa tendência, então, é extrapolada para o futuro, para que saiba em quanto tempo se chegará a zero.
MELHORA DA DESIGUALDADE É TÍMIDA, APONTAM NÚMEROS
Na versão mais recente do índice, os pesquisadores compararam os indicadores por um período de 2001 a 2021 e concluíram que a redução do desequilíbrio racial no país caminhou de forma modesta.
Em duas décadas, o indicador geral melhorou 0,071 ponto, indo de -0,389 para -0,318, apontando ainda a maior representação de brancos ante negros.
Nesse período, a região Norte foi a única do país que conseguiu atingir o patamar de equilíbrio racial relativo, que varia de 0,2 a -0,2. Nos estados ao norte, o indicador geral do Ifer passou de -0,301 para -0,196 ponto.
“São sociedades mais pobres também, com pouco espaço para ter uma desigualdade muito visível. Há uma certa homogeneidade, inclusive racial, na carência. São economias com crescimento e renda menores”, diz Firpo, que também é colunista da Folha.
Ainda assim, a maior queda se deu no Centro-Oeste, com uma melhora de 0,133 ponto, indo de -0,378 para -0,245.
Na outra ponta, nas regiões mais ricas do país, a desigualdade é bem mais forte: o Sudeste teve o pior indicador em 2021, de -0,383 ponto (já era o lanterninha em 2001, com -0,411); no Sul, passou de -0,308 em 2001 para -0,253 em 2021.
Das 27 unidades da Federação, 22 melhoraram, 4 pioraram (Ceará, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe) e 1 ficou estagnada (Espírito Santo). No caso dos estados, como a base amostral para algumas UFs é muito pequena, optou-se por utilizar as médias móveis de três anos, e a série vai de 2004 a 2021.
Quando se olha para os dados gerais do país, a pequena melhora foi impulsionada pelo indicador que aponta o acesso ao ensino superior, com uma melhora de 0,223 ponto, ao passar de -0,598 para -0,375.
“O Brasil ainda não dá acesso à elite para os negros. Isso tem se reduzido, mas em uma velocidade muito pequena, o que deixa claro o quanto é necessário aumentar o número de políticas públicas integradoras”, diz Firpo.
Ele avalia que o reflexo da redução da desigualdade só deve começar a aparecer com mais clareza nos demais indicadores após maiores investimentos em qualificação profissional.
“Facilitar o acesso à universidade pública é uma demanda histórica e importante, mas a forma mais eficiente de reduzir a desigualdade de oportunidades é integrar negros e brancos, ricos e pobres desde cedo, fazer com que a parcela mais excluída da população conviva com pessoas que vão ampliar sua possibilidade de acesso a um conjunto de oportunidades lá na frente”, diz.
No mesmo intervalo de tempo, o indicador nacional de renda melhorou apenas 0,068 ponto, de -0,516 para -0,448 ponto.
Nesse caso, o cálculo da renda considera a proporção de pretos e pardos que alcançam ou ultrapassam a renda (incluindo salários e demais rendimentos) que separa os brancos 10% mais ricos dos demais 90%, além de seu peso populacional.
Já os dados de sobrevida —apesar de seguirem no patamar de equilíbrio entre negros e brancos, na maioria dos casos— apontam uma piora: era de -0,052, em 2001, e foi para -0,130 duas décadas mais tarde.
O cálculo do componente de sobrevida no Ifer é semelhante ao que é feito para o indicador de renda: extrai-se o grupo de brancos 10% mais idosos e calcula-se a idade que o separa dos demais 90%.
O destaque negativo também é o Sudeste, onde o índice de Sobrevida passou de -0,104 para -0,202, saindo do nível de equilíbrio para o de maior representatividade branca.
AVANÇO DE LONGEVIDADE E RENDA DEMANDA INVESTIMENTOS
Mesmo celebrando os avanços em parte dos indicadores, os especialistas ouvidos pela reportagem destacam a necessidade de políticas públicas direcionadas para o combate ao racismo, tanto no mercado de trabalho quanto na rede pública de atendimento, para que os demais indicadores também avancem.
“Não basta que apenas a educação melhore, cada um dos componentes possui o mesmo peso e deveria ser observado de forma consistente por políticas públicas de redução da desigualdade”, diz França, que também é colunista da Folha.
Ele também destaca que a piora do índice de sobrevida no período, que caminha para o desequilíbrio, pode indicar a diferença no acesso a planos de saúde privados, um fator em que a população branca sempre leva vantagem, e a falta de investimentos adequados no SUS (Sistema Único de Saúde).
“Já para o componente da renda é preciso começar a discutir mais seriamente as barreiras que existem para os negros. Ampliamos o acesso ao ensino superior, mas isso ainda não se reflete em melhores postos no mercado de trabalho”, complementa.
Além de educação, saúde e renda, fatores como privilégios ligados a cor de pele e estrutura familiar economicamente saudável ajudam a explicar a queda tímida no desequilíbrio entre negros e brancos”, diz Portella. “Chegar aos 10% mais privilegiados no Brasil é difícil. Em um país tão desigual, muitas vezes os pequenos ganhos não são suficientes para colocar [os negros] no topo.”
Sobre as diferenças regionais, ele acrescenta que locais com maior concentração de renda, como o Sudeste, possuem obstáculos adicionais para a população negra, dado o privilégio econômico dos brancos.
“Pessoas realmente ricas contam com redes de contatos que desempenham um papel muito importante [na ascensão social]. Então, para um negro da periferia vai ser muito difícil acessar uma rede que vai te permitir entrar nesse grupo; já uma pessoa branca fica mais fácil se manter lá”, diz.
“A população [negra] também acaba sendo mais vulnerável aos ciclos da economia e às decisões do governo”, avalia Marcelo Paixão, economista e professor da Universidade do Texas. Segundo ele, apesar de melhoras simbólicas e materiais no desequilíbrio entre brancos e negros no Brasil, momentos de crise econômica ou de alta na inflação, tendem a afetar mais pessoas negras.
Para Paixão, a desigualdade passa por ciclos, no qual pode diminuir e se agravar em diferentes períodos históricos. No entanto, a falta de estrutura familiar mais organizada, as dificuldades no acesso ao mercado de trabalho formal e à Previdência são maiores para os negros.
“Equidade é dar ferramentas específicas a grupos que tiveram uma desigualdade de oportunidade na origem. Se você nasce numa família que consegue suprir a ineficiência do setor público, seu filho larga na frente”, diz Carla Beni, economista e professora no MBA da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Ela destaca que a discriminação também impende o equilíbrio relativo entre negros e brancos. “A falácia da meritocracia dificulta o aprofundamento do debate e criação de novas políticas para aumentar representatividade da população negra e parda no país”, diz.
Para o economista Mário Theodoro, autor de “A Sociedade Desigual – Racismo e Branquitude na Formação do Brasil”, ainda faltam políticas direcionadas para a redução da desigualdade.
“Um estudo que fiz durante o governo anterior do presidente Lula mostrava a redução da pobreza entre negros e brancos, mas agora é preciso pensar em mecanismos que privilegiam os negros mais pobres. As políticas universais são fundamentais, mas se não forem complementadas pelas políticas de combate ao racismo, o patamar de diferença vai se manter.”
COP 27 acontece no Egito. Imagem: Sayed Sheasha/Reuters
Os integrantes dos povos indígenas de Abya Yala e dos povos negros e afrodescendentes em representação dos povos e comunidades e diásporas do Canadá, Estados Unidos, México, Chile, Honduras, Nicarágua, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Uruguai, Brasil, Haiti, Argentina, Guatemala, República Dominicana, Trinidad e Tobago, Panamá, Suriname, Jamaica, Porto Rico, Uganda, Cuba, Venezuela, no marco da rememoração dos 530 anos de resistência dos Povos Indígenas, Negros e Afrodescendentes lançam na COP27 a “Declaração de Resistência anticolonial indígena, negra e afrodescendente“, com uma lista importante de proposições para outros tempos no mundo.
A articulação se apresenta como um movimento anticolonial, antirracista, antixenofóbico, antipatriarcal, antihomofóbico e antilesbotransfóbico.
Como Movimento de Libertação Negra e Indígena, a nossa luta é interseccional, transeccional, antirracista, feminista comunitária, Afrofeminista, mulherista africana, de identidades políticas diversas em comunidade.
Buscamos evidenciar e questionar a inegável relação existente entre colonialismo, capitalismo, patriarcado e racismo. Reivindicando a autonomia de seus corpos e reconhecendo a complementaridade dos que habitam os territórios e a participação das mulheres e dissidências para a defesa da vida, o território e a preservação dos saberes e conhecimentos ancestrais.
Em busca da formação de uma plataforma sustentada em redes comunitárias sólidas, integradas por organizações e coletivos sociais indígenas, negros e afrodescendentes do continente, com o fim de favorecer o acionar coletivo, solidário, coordenado e organizado.
No Brasil organizações como Instituto de Referência Negra Peregum, Uneafro Brasil, Criola, Instituto Perifa Sustentável e Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (CONAQ) assinaram a declaração, reforçando a importância de um diálogo internacional entre os povos.
Entre as proposições estão que o dia 12 de outubro seja declarado como o dia da resistência ao extermínio dos Povos Indígenas, Negros e Afrodescendentes de Abya Yala. Declarando que a luta dos povos é articulada, diversa, continental, inclusiva e plural. Sendo considerados com urgência protagonistas em igualdade de direitos em qualquer processo ou projeto que afete as comunidades e territórios.
Criação de projetos e a implementação de ações diretas, políticas públicas, ações afirmativas e de reparação interculturais e interseccionais que garantam a distribuição justa e equitativa da riqueza, o acesso à saúde, à soberania alimentar, à água potável e de qualidade para que possamos viver em ambientes seguros e dignos.
Direito ao território é direito e eles reivindicam isso. “Todas as terras indígenas e territórios negros devem ser devolvidos aos seus legítimos donos. As terras devem ser devolvidas aos seus respectivos povos. Todas as comunidades negras e afrodescendentes devem ter livre titulação sobre as terras em que habitam. E livre acesso aos seus recursos naturais como praias, selvas, pântanos, bosques andinos, planícies, bacias, rios, glaciares, vales interandinos, pântanos em altura, lagos, pradarias, manguezais, baías, ladeiras, quebradas e terras não-cultivadas as quais não devem ser privatizadas nem exploradas de nenhuma forma”.
E reforçando que não pode existir justiça climática sem justiça racial. Entendendo que a justiça climática reconhece que a mudança climática tem impactos distintos de acordo às condições econômicas, sociais, raciais e de gênero. E que a justiça racial é um eixo fundamental na luta contra as desigualdades produto do sistema colonial, capitalista, extrativista e agroexportador.
Professor reúne textos de 34 autores negros e negras tomando como base o bicentenário da independência do Brasil
Gabriel Araújo
18 de outubro de 2022
O professor e consultor em desenvolvimento humano Helio Santos, autor de “A Busca de um Caminho para o Brasil: A Trilha do Círculo Vicioso” (ed. Senac, 2001), prefere usar o termo “sistêmico” a “estrutural” para descrever o racismo no país. À expressão, ele ainda acrescenta a palavra “inercial”.
“Sistêmico não apenas porque é recorrente, mas por perpassar toda a sociedade e suas instituições”, ele escreve. “Inercial porque, como ensina a primeira lei de Newton, trafega numa direção de maneira uniforme ante a inação para contê-lo. Avassala, segue impune e resoluto”.
Trata-se de uma coletânea com 33 textos, entre artigos acadêmicos e textos literários, de 34 autores negros e negras. Ao tomar como ponto de partida o marco do bicentenário da independência do Brasil, os textos discutem aspectos sociais, culturais, históricos e econômicos do país por meio de uma perspectiva racializada.
“É uma coletânea que tem lado e nasce num momento bastante interessante da sociedade brasileira, de grandes carências”, afirma Santos. “O bicentenário não deve ser celebrado sem que o país faça uma autocrítica em relação à maioria da população.”
Ativista da questão racial desde a década de 1970, Santos foi, em 1984, presidente fundador do Conselho da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, iniciativa pioneira dedicada a pensar políticas para a comunidade negra da região. Hoje, ele preside o conselho deliberativo do Fundo Baobá, organização voltada para a promoção da equidade racial.
Além dos ensaios, há também poemas escritos pela atriz Elisa Lucinda e pelo escritor Luiz Silva, conhecido como Cuti.
Juntos, os autores condensam reflexões urgentes sobre o enfrentamento do racismo no Brasil, último país das Américas a abolir a escravidão. “Para cada dez anos de Brasil, sete aconteceram sob o signo da escravidão”, afirma Santos.
A questão se agrava quando é analisado o modo como a pessoa negra foi tratada após a lei Áurea, de 1888. Enquanto nenhuma política compensatória foi planejada tendo como foco a população negra (a lei de cotas, por exemplo, que visa mitigar a desigualdade na educação superior brasileira, é de 2012), o Estado brasileiro promoveu apoios, inclusive financeiros, para imigrantes residirem e trabalharem no país.
“Esse apoio era necessário, pois eram colonos que vinham ocupar um país gigante”, diz o professor, lembrando que essas pessoas eram, em sua maioria, empobrecidas e de ocupação rural. “O absurdo é que essas iniciativas não tenham sido também destinadas aos negros, que já estavam no Brasil. O nosso apartheid se desencadeia a partir daí.”
Para Santos, o período que vai de 1911, ano de assinatura do decreto de incentivo à imigração, a 2022 “ampliou a defasagem socioeconômica entre os grupos étnico-raciais que constituem o país”.
No último capítulo do livro, o professor se vale de sua experiência na gestão pública e das reflexões suscitadas pelos demais autores da obra para propor um Novo Acordo para a Equidade Racial, que ele denomina de Naper.
“O racismo sistêmico inercial requer política pública, que é o meu foco”, ele diz, propondo um “New Deal customizado, adequado para um país de maioria negra”. O organizador faz referência à experiência norte-americana de intervenção econômica para consolidar, na década de 1930, um Estado de Bem-Estar Social no país.
“Nós temos que criar o estado do bem-estar sociorracial”, afirma Santos. “Isso leva o país para um patamar civilizatório avançado. Eu insisto nessa ideia: longe de ser um problema, a questão racial é parte da solução.”
Para levar o novo acordo a cabo, o professor lista dez sugestões de ações afirmativas sistêmicas para a promoção da equidade mencionada. Há ideias para diminuir as desigualdades na educação, programas de apoio para garantir autonomia às famílias negras, e propostas para reduzir a violência e manter a juventude negra viva.
Prevê políticas afirmativas financeiras, de modo semelhante ao que, no século 20, foi feito com os imigrantes, e um programa de apoio à economia informal.
Santos também sugere a ampliação das cotas raciais, que deveriam valer até 2042. “A razão é simples: ações tão tardias somente causarão impacto numa sociedade apartada racialmente, como a nossa, se perdurarem por um tempo adequado, para que possam consolidar uma mudança efetiva.”
Como o professor aponta, é estratégico o lançamento da coletânea em meio aos debates do segundo turno da eleição brasileira. “O fortalecimento geral da população negra também vai levar a uma maior participação política”, acredita.
“Elite Capture”, do filósofo nigeriano-americano Olúfémi O. Táíwò, é um livro interessante. O texto é daqueles bem militantes, contrastando um pouco por minha preferência por obras mais analíticas. Mas Táíwò, que é professor na Universidade Georgetown, levanta problemas relevantes, que frequentemente passam despercebidos.
Para Táíwò, está tudo dominado. Para início de conversa, as estruturas sociais são desenhadas para sempre favorecer as elites. É o que ele chama de capitalismo racial. Mas, como se isso não bastasse, vemos agora essas mesmas elites se apropriando da política de identidade, originalmente um movimento de resistência, para fazer avançar seus interesses, num fenômeno que o autor batizou de política de deferência.
Hoje, a fina flor do capitalismo mundial, isto é, grandes bancos e “big techs”, não só encampa o discurso identitário como também promove a elite dos grupos marginalizados a posições privilegiadas. Os diretamente envolvidos ganham. Os empresários sinalizam sua virtude, os promovidos ficam com a promoção, mas a maior parte dos marginalizados continua marginalizada. No Brasil, as cotas em universidades fazem um pouco isso. A sociedade fica com a sensação de dever cumprido por ter instituído essa política e os bons estudantes negros ganham vagas em boas escolas. Mas os mais discriminados, isto é, o garoto negro que não consegue concluir o ensino fundamental e acaba em subempregos ou no crime, continua quase tão discriminado quanto seus trisavós escravizados.
O que me incomodou no livro é que Táíwò não deixa muito espaço para respostas que difiram da sua. Precisamos necessariamente ver os empresários como cínicos tentando faturar em cima dos movimentos identitários? Não dá para imaginar que um “capitalista” considere o racismo imoral e esteja disposto a agir contra ele, embora sem deflagrar um movimento revolucionário, que é o que o autor cobra?
No texto sancionado por Dilma Rousseff, está prevista uma revisão do sistema após dez anos de implantação, o que ocorrerá em agosto próximo
Por Fabíola Mendonça e Rodrigo Martins | 11.03.2022 05h30
No início de 2021, uma família negra de Caçapava, no interior paulista, teve uma dupla conquista para celebrar. A técnica de enfermagem Sandra Baptista, de 53 anos, obteve uma bolsa de estudos integral para cursar Gestão Pública em uma universidade privada de Santos. Já a filha Lívia Gabrielle dos Santos da Silva, de 18 anos, foi aprovada no processo seletivo do curso de Engenharia Química da USP, no campus de Lorena, e tornou-se a primeira integrante do núcleo familiar a ter acesso a uma universidade pública. Até então, apenas outro filho teve a oportunidade de cursar uma faculdade, com financiamento pelo Fies.
Sandra precisou adiar por muitos anos o sonho do ensino superior. Chegou a iniciar alguns cursos no passado, mas precisou abandoná-los em decorrência de problemas financeiros. Agora, com os filhos crescidos, acredita ser possível conciliar o trabalho com a graduação a distância. Lívia, por sua vez, entrou na USP logo após o Ensino Médio. Não foi uma tarefa fácil, ainda mais em tempos de pandemia. “Começava às 7 e meia da manhã e seguia com os estudos até 9 da noite, sem descanso”, relembra. Um sacrifício necessário para dar conta das aulas remotas da escola, a elaboração do trabalho de conclusão de curso e o reforço do Emancipa, um cursinho popular, mantido por voluntários.
ANTES EM MINORIA, OS NEGROS HOJE SOMAM 51,2% DOS ALUNOS DAS UNIVERSIDADES FEDERAIS. AS VAGAS PARA BRANCOS TAMBÉM CRESCERAM
Beneficiária do sistema de cotas, ela recebe uma bolsa de 500 reais para custear a moradia e tem direito a refeições gratuitas no restaurante universitário. “Como divido o apartamento com duas amigas, consigo pagar a maior parte dos gastos. Ainda assim, preciso da ajuda dos meus pais para cobrir algumas despesas”, comenta. “Sem as cotas e sem esse auxílio financeiro do programa de permanência, eu jamais conseguiria fazer esse curso na USP. Os alunos da escola pública estão em muita desvantagem em relação aos de colégios particulares. E acho muito justo que a população negra tenha acesso facilitado às universidades, até para reparar os três séculos e meio de escravidão e toda a exclusão que sofremos desde então. Após a Abolição, por muitos anos nos impediram de estudar e até mesmo de trabalhar em algumas profissões, como cocheiro. Nada mais justo do que termos, ao menos, a possibilidade de modificar o nosso futuro.”
Assim como Lívia, centenas de milhares de brasileiros tiveram acesso à universidade pública facilitado pelas cotas raciais, implantadas oficialmente no Brasil a partir da Lei 12.711, de 2012. No texto sancionado por Dilma Rousseff, está prevista uma revisão do sistema de cotas após dez anos de implantação, o que ocorrerá em agosto próximo. O governo ainda não se pronunciou formalmente sobre o tema, mas o ministro da Educação, o pastor presbiteriano Milton Ribeiro, já se manifestou no passado contra a reserva de vagas por critérios étnico-raciais. Pior: no Congresso, representantes da base bolsonarista e da autointitulada “direita liberal” se articulam para derrubar o mecanismo, mantendo apenas os critérios sociais.
Em artigo publicado no Jornal da Ciência, um veículo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o advogado José Eduardo Cardoso, ex-ministro da Justiça, esclarece que a lei não tem prazo de validade. “No seu texto não existe nenhuma data estabelecendo o fim da sua vigência. Ao contrário, o que existe, no seu art. 7º, é a previsão de que se realize uma revisão dos seus termos, ‘no prazo de dez anos’, e não a afirmação da ‘perda da sua vigência’ após o período de dez anos”. Ou seja, a legislação não vai caducar, caso os parlamentares decidam analisar o tema com calma em outro momento, fora do afogadilho do período eleitoral.
“Sim, podemos ocupar espaços de poder“, diz Joana Guimarães, primeira reitora negra do País – Imagem: UFSB
Cleber Santos, presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros e professor da Unifesp, reforça essa linha de raciocínio e não descarta judicializar a questão, caso seja retirada da lei a reserva de vagas nas universidades para pretos, pardos e indígenas (PPI). “A lei não tem uma expiração prevista para ocorrer em 2022. Fala de monitoramento e avaliação por parte dos órgãos públicos responsáveis, o que não ocorreu”, observa. “É preciso entender a revisão como um processo de aperfeiçoamento a partir desse monitoramento e avaliação, com dados concretos.”
A possibilidade da exclusão dos critérios raciais preocupa os defensores das cotas, sobretudo quando se considera o perfil do governo Bolsonaro, sempre refratário a políticas públicas inclusivas. “Há o enorme risco de aprovarem uma nova legislação que limite as cotas ou abram a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro vetar um trecho específico, que leve à exclusão de algum grupo beneficiado”, chama atenção Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação e atual presidente da SBPC. “É preciso destacar que todas as cotas são sociais, pois os beneficiários precisam ser, necessariamente, egressos de escolas públicas. Você pode ser negro, pode ser indígena, pode ter alguma deficiência… Não terá direito à reserva de vagas a menos que tenha cursado os três anos do Ensino Médio na rede pública. Não vejo por que mudar esse sistema. Ele não prejudica ninguém. As cotas levam em conta a proporção de todos os grupos étnicos e pessoas com deficiência existentes em cada estado, nem mais nem menos.”
Uma das iniciativas para acabar com as cotas raciais foi apresentada pelo deputado Kim Kataguiri, do DEM. Em tramitação na Câmara, o Projeto de Lei 4125/21 estabelece que as vagas deveriam ser destinadas exclusivamente aos alunos de baixa renda. “Além de inconstitucionais, as políticas de discriminação positiva não fazem o menor sentido. Quem é excluído da educação é o pobre, que entra cedo no mercado de trabalho e depende dos serviços educacionais do Estado, que, em geral, são de péssima qualidade”, diz o parlamentar. “A pobreza não tem cor.”
Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Pesquisas Anuais de Domicílios (1996, 2003 e 2014) e Censo 2010. V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos(as) graduandos(as) das Ifes (2018).
O militante do MBL, que recentemente lamentou o fato de a Alemanha ter criminalizado o nazismo em um podcast, parece ignorar os indicadores sociais, sempre mais desfavoráveis à população negra, mesmo quando se comparam grupos com a mesma escolaridade ou faixa de renda. “Perder o componente racial é retroceder mais de 130 anos de história. As cotas ainda não respondem a toda necessidade da população brasileira, sobretudo a que vive discriminação histórica. É visível que avançou a presença dos estudantes negros nas universidades federais, mas é também visível a imensidão do lado de fora”, afirma Matilde Riberio, ex-ministra da Secretaria Especial de Igualdade Racial no governo Lula. “A manutenção do componente racial é uma responsabilidade do Estado e da sociedade, considerando que, em todos os dados estatísticos de todas as áreas das políticas públicas, você identificará que a população negra é preterida.”
A lei determina que todas as universidades e institutos federais de ensino devem reservar ao menos 50% das vagas dos cursos de graduação para alunos que tenham cursado integralmente o Ensino Médio em escolas públicas. Desse montante, metade das vagas será destinada a pessoas com renda de até um salário mínimo e meio per capita. A outra é distribuída entre pretos, pardos e indígenas e pessoas com deficiência, considerando a proporcionalidade das populações em cada estado, segundo o último Censo do IBGE. “O sistema de ensino é ruim para todos, brancos e não brancos, mas, quando a gente olha para o Ensino Médio, 71,7% dos jovens fora da escola são negros”, comenta José Nilton, professor de Educação das Relações Étnico-Raciais, disciplina obrigatória em todos os cursos da UFRPE.
A maior virtude da Lei de Cotas é o fato de ser uma política abrangente e multidimensional, com uma combinação de critérios que combate, simultaneamente, as desigualdades socioeconômicas e as raciais, ressalta Adriano Senkevics, doutor em Educação pela USP e pesquisador do Inep. Dessa forma, democratizou-se o acesso às universidades federais, inclusive nas carreiras mais prestigiadas, como medicina e engenharia. “Não se pode dizer que a legislação privilegia grupos que teriam condições financeiras de disputar vagas pelo sistema universal, pois todos os cotistas, sem exceção, precisam ser egressos de escola pública, dos quais metade deles também de renda baixa. E não bastaria manter apenas os critérios sociais, pois a desigualdade possui especificidades de cunho racial”, explica Senkevics.
O ministro-pastor Milton Ribeiro e o deputado Kim Kataguiri acreditam que a pobreza não tem cor. Quem sabe na Suécia, vai saber… – Imagem: Luis Fortes/MEC e Deputados do DEM
Em estudo publicado há três anos na Cadernos de Pesquisa, revista científica da Fundação Carlos Chagas, Senkevics e Ursula Mattioli Mello, pesquisadora do Institute for Economic Analysis, de Barcelona, revelaram o impacto da Lei de Cotas nas universidades. O porcentual de alunos egressos de escolas públicas e com renda de até um salário mínimo e meio, independentemente do perfil racial, aumentou de 48,12%, em 2012, para 54,8% em 2016. Dentro desse grupo, a maior expansão deu-se entre pretos, pardos e indígenas, cuja participação cresceu de 24,9% para 34% no mesmo período. “Ou seja, se a legislação não contemplasse os critérios raciais, haveria uma menor representatividade étnica no ensino superior.”
O impacto da Lei de Cotas foi ainda mais expressivo nas instituições de ensino que tardaram a adotar políticas afirmativas. A UFC, para citar um exemplo, não possuía qualquer sistema de reserva de vagas até então e dobrou o porcentual de ingressantes provenientes da escola pública em quatro anos – a participação desse grupo aumentou de 28,4%, em 2012, para 56,9%, em 2016. No caso da Ufes, que desde 2008 reservava de 40% a 50% das vagas para alunos da rede pública, o aumento foi tímido, de apenas 1,2%.
Autor do projeto pioneiro sobre cotas no Brasil, implantado na UnB em 2003, o antropólogo e professor José Jorge Carvalho acompanha esse debate há mais de 30 anos e diz ser incalculável a evolução da participação de pretos, pardos e indígenas nas universidades públicas. “Uma revolução foi feita. Eu lembro de dar aula há 20 anos em uma turma que eram todos brancos, às vezes tinha um único estudante negro. Agora, se você entrar na sala de aula, ela está integrada racialmente, com estudantes negros, brancos, indígenas, de baixa renda. É uma revolução social, racial e étnica gigantesca”, avalia. “A partir das cotas, os estudantes negros e indígenas começaram a questionar o currículo ensinado – eurocêntrico, centrado na cultura branca europeia. Queriam saber quando iriam estudar os escritores e poetas negros, a psicologia e a filosofia negras, a arte e o pensamento indígenas. A universidade cresceu intelectualmente.”
“SE REVISAR A LEI NESTE MOMENTO, HÁ O ENORME RISCO DE APROVAREM UMA NOVA LEGISLAÇÃO QUE LIMITE AS COTAS”, ALERTA JANINE RIBEIRO
Embora não considere o momento mais adequado para a revisão da Lei de Cotas, em razão da pressão de grupos reacionários pela supressão dos critérios raciais, Senkevics acredita que há, sim, aspectos que podem ser aperfeiçoados. Hoje, para definir o porcentual de vagas reservadas aos PPI em cada estado, são utilizados os dados do Censo Demográfico, realizado a cada dez anos. Além disso, a pandemia atrasou a realização do último levantamento, que deveria ter acontecido em 2020. O Censo está defasado e poderia perfeitamente ser substituído pela Pesquisa Nacional por Amostragem Domiciliar, atualizada constantemente pelo IBGE.
Outro ponto sensível é a ausência de regulamentação sobre o trabalho das comissões verificadoras das cotas, criadas para combater as fraudes na autodeclaração racial dos alunos. “Isso tem provocado uma crescente judicialização de casos, além de trazer prejuízos para todos os envolvidos: o estudante que é expulso nos anos finais de conclusão do curso, a universidade que gastou recursos para a formação desse aluno e o próprio cotista que perdeu aquela vaga”, observa Senkevics. “Com critérios mais claros, esse problema tende a ser minimizado.”
Fonte: IBGE, Pnad Contínua, 2018.
Autor de um projeto que propõe a prorrogação da Lei de Cotas por 50 anos e inclui na proposta políticas de assistência para a permanência dos estudantes, o deputado Valmir Assunção, do PT, defende a criação do Conselho Nacional das Ações Afirmativas do Ensino Superior, cuja finalidade seria monitorar a aplicação das regras, com a participação dos movimentos negro e estudantil das próprias universidades. Com os sucessivos cortes e congelamentos de recursos para o ensino superior desde 2015, as instituições de ensino enfrentam uma dificuldade cada vez maior de oferecer auxílio-moradia e refeições gratuitas aos alunos de baixa renda.
“Essa política material que garante assistência educacional é o que proporciona aos estudantes em vulnerabilidade a possibilidade de permanecerem nesses cursos onde a exigência é bem maior, como medicina. Mas, com os cortes, a gente não consegue atender a todos”, lamenta Cássia Virgínia Maciel, pró-reitora de Ações Afirmativas da UFBA, ressaltando que, em 2021, o corte na assistência estudantil da instituição foi de 7,2 milhões de reais. “Os valores repassados nunca deram para as universidades trabalharem com folga. Mas não havia essa política de negação do conhecimento como existe no governo atual”, completa Denise Góes, coordenadora da Comissão de Políticas Raciais da UFRJ, ressaltando que a universidade fluminense, a partir de 2019, precisou limitar a concessão de bolsas para alunos com renda per capita de até meio salário mínimo – antes, o benefício estendia-se a quem tinha até um salário mínimo e meio.
Importante observar que os brancos e asiáticos sofreram uma perda apenas relativa, em termos meramente proporcionais. “O número de vagas nas universidades federais passou de cerca de 100 mil, em 2001, para mais de 230 mil em 2011. Ou seja, o número de vagas para alunos não cotistas aumentou 15% nesse período, de 100 mil para 115 mil”, observa Janine Ribeiro. “A expansão da rede federal de ensino superior permitiu que ninguém fosse prejudicado com as cotas. Foi um jogo de ganha-ganha.”
“É VISÍVEL A PRESENÇA DOS NEGROS NAS UNIVERSIDADES, MAS É TAMBÉM VISÍVEL A IMENSIDÃO DO LADO DE FORA”, DIZ A EX-MINISTRA MATILDE RIBEIRO
A 5ª Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos(as) Graduandos(as) dos Ifes, realizada pela Andifes, corrobora a avaliação de Janine Ribeiro. Em termos porcentuais, a participação da população branca nas universidades federais caiu de 53,9%, em 2010, para 43,3%, em 2018. Não houve, porém, redução do número de alunos brancos. Ao contrário, o quantitativo aumentou de 353,8 mil para 520 mil no mesmo período. As cotas apenas asseguraram maior participação de grupos étnicos sub-representados. A população preta e parda, antes minoritária, passou a representar 51,2% do total de alunos.
O Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa, vinculado à Uerj, também tem dados que mostram a evolução das cotas nas universidades federais. Segundo o estudo, em 2012, havia pouco mais de 30 mil vagas para os cotistas e 110 mil para ampla concorrência. Sete anos depois, quase 138 mil pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência puderam fazer um curso superior graças ao sistema. E isso não significou redução de vagas para brancos, pois havia mais de 125 mil ofertas para ampla concorrência, 15 mil a mais que em 2012. “A reserva de vagas foi e é a principal política de mobilidade social do País. É preciso não só manter, mas ampliar, e acabar com a visão de que não existe racismo no Brasil”, diz Penildo Silva Filho, pró-reitor de graduação da UFBA.
“A reparação mal começou“, observa Matilde – Imagem: Valter Campanato/ABR
Primeira mulher negra eleita reitora de uma universidade federal, a geóloga Joana Guimarães chama atenção para o caráter simbólico, histórico, cultural e socioeconômico das cotas. “O fato de eu estar como reitora de uma universidade tem um significado, passa a mensagem de que temos o direito de ocupar espaços de poder. Contribui para uma mudança de olhar, para que os alunos negros se sintam capazes”, destaca a docente, da UFSB. “O que faltou a eles foi oportunidade, pois são tão inteligentes quanto qualquer aluno branco. A única diferença são as condições, o ponto de partida.”
A representatividade também é percebida pela população indígena. Formado em jornalismo pela UFPE, Tarisson Nawa, de 25 anos, está concluindo mestrado e já foi aprovado para o doutorado da UFRJ, dentro da reserva para indígenas. Isso porque, mesmo sem a obrigatoriedade de cota na pós-graduação, muitos programas instituíram a ação afirmativa. “A gente não via perspectiva de entrar na universidade”, comenta. “As cotas são uma possibilidade de deixarmos de ser objeto de pesquisa para sermos autores da pesquisa. Não precisamos mais ser pesquisados por não indígenas, vamos construir as nossas próprias narrativas a partir das nossas vidas, numa cosmovisão dos povos indígenas.”
Sobre a adoção das cotas no mestrado e no doutorado, o coordenador dos Programas de Pós-Graduação em Direito da PUC Minas, Marciano Seabra Godoi, destaca a necessidade de pessoas negras e indígenas passarem a produzir conhecimento. “Quem pesquisa e cria teorias é o público da pós-graduação. É preciso colocar essa população para disputar narrativas. Se você coloca os cotistas só na graduação, nega a eles a produção do saber.” •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1199 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE MARÇO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “O revide da casa-grande”
Publicado 17/02/2022 às 15:11 – Atualizado 17/02/2022 às 15:23
Visita a espaços de culto de religiões de matriz africana – que historicamente têm mulheres como líderes. As Iaôs e Ialorixás tornam-se referências nas lutas pelo direito à igualdade religiosa, de raça e de gênero
Por Aymê Brito, no AzMina
“Exu (…) exerce forte domínio sobre as mulheres e as moças”, dizia uma coluna de opinião no jornal O Estado de São Paulo, em 1973. Escrito no período da Ditadura Militar no Brasil, o artigo demonizava as religiões de matriz africana e demonstrava preocupação que as mulheres abandonassem o “lar” em troca da vida nos terreiros. Quase cinco décadas depois, o machismo e o racismo seguem presentes na vida das mulheres que escolhem fazer parte das religiões afro-brasileiras, mas elas resistem e lideram terreiros.
Não é comum vê-las em cargos de liderança em outras religiões, como na Igreja Católica com padres e papas homens. Já nas religiões de matriz africana, as mulheres quase sempre são maioria, ocupando os postos mais altos. Quem frequenta os barracões (como também são chamados os terreiros) percebe isso.
Seja como mulheres de santo, senhoras do ilê, sacerdotisas ou herdeiras do axé, elas conquistaram um protagonismo que não ficou restrito aos terreiros. Axé Muntu! Essa é uma expressão criada pela intelectual Lélia Gonzalez – uma mistura das línguas Iorubá (axé: poder, energia) com o dialeto Kimbundo (muntu: gente). A socióloga e ativista usou muito de sua vivência como mulher do candomblé na produção intelectual que fez sobre a vida e posição das mulheres negras na sociedade brasileira.
Nesta reportagem trazemos as falas de Mãe Du, Nailah, Kenya e Renata, que, assim como Lélia, mostram que a influência dos povos de terreiros pode ser encontrada hoje no espaço acadêmico, na militância, na política, na culinária e em vários outros campos da sociedade.
Num país marcado por profundas desigualdades sociorraciais como o Brasil, os terreiros e as mulheres à frente deles – as macumbeiras, como elas mesmas se chamam – desempenham um papel social muito além da religião. Elas realizam uma verdadeira “feitiçaria” ao conciliar a tradição de diferentes povos, resistir às opressões e ajudar a proporcionar um espaço de acolhimento a quem sempre foi excluído.
Perseguição à cultura e às mulheres
A perseguição aos terreiros e barracões, que já dura mais de 500 anos, e as campanhas de difamação na imprensa geraram uma falta de conhecimento generalizada. “A umbanda, com seus sucedâneos e religiões assemelhadas, é entre nós um subproduto da ignorância associada à politicalha. Seu terreno de eleição já foi o quilombo e o mocambo. Modernamente é a favela e o escritório eleitoral” – dizia mais um trecho da coluna do jornal paulista, publicada logo após uma festa em comemoração ao Dia de Oxóssi.
Noticiários racistas como esse não eram (e não são) raros. Resquícios de uma sociedade que até 1832 obrigava todos a se converterem à religião oficial do Estado – na época, a Cristã. Isso fez com que outras expressões religiosas fossem criminalizadas, sofrendo com opressão policial e apreensão de objetos sagrados – que até hoje nunca foram devolvidos.
A cientista política e também praticante do Candomblé, Nailah Neves, Ìyàwó ty Ọ̀ṣun (seu nome de santo), afirma que essa perseguição também era resultado do fato de as mulheres serem maioria e liderarem as casas de axé. “Terreiros, quilombos e escolas de samba, que eram espaços de resistência e de valorização da cultura negra matriarcal, eram um grande risco para o projeto eugenista e patriarcal do Estado brasileiro.”
Passados 34 anos da Constituição Federal que, em seu artigo 5, passou a garantir a liberdade de crença e proteção aos locais de cultos religiosos diversos, a discriminação não teve fim. Em 2021, um estudo da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa apontou que 91% dos ataques que ocorreram no estado do Rio de Janeiro eram contra as mesmas religiões – as de Racistradição africana.
Ensinamentos da pombagira
Kenya Odara (primeira na imagem), de 23 anos, é uma das cofundadoras do coletivo de mulheres negras Siriricas Co e atualmente frequenta o terreiro de Candomblé Àse Efon Omibainà, composto apenas por mulheres. “Quando estamos nos terreiros não nos preocupamos só com a questão religiosa, somos mulheres negras, toda a nossa existência é política.” Foto: Divulgação/ Arquivo Pessoal
Embora as investidas contra os afro-religiosos não tenham sido poucas, os terreiros e as mulheres continuam passando de geração em geração os preceitos e fundamentos do povo de axé. Renata Pallottine, de 36 anos, é bisneta de Dona Maria, Mãe de Santo, de uma casa de umbanda no interior de São Paulo, e cresceu aprendendo os valores civilizatórios desta comunidade.
Advogada pelos direitos das mulheres e atuante no combate ao racismo religioso, Renata atualmente é responsável pela área jurídica do coletivo Terreiro Resiste, movimento de defesa das comunidades tradicionais. Hoje, como uma das filhas de santo mais velhas de um terreiro na capital paulista, ela conta que foi essa vivência que contribuiu para o seu engajamento na luta:
“Quem nasce umbandista já aprende com a Pombagira que a desigualdade de gênero mata, aniquila e silencia, e que mulheres, sobretudo as racializadas, devem ocupar lugar de poder e decisão dentro das nossas comunidades.”
A Pombagira é uma das entidades cultuadas nessas religiões, que representa as encruzilhadas e é conhecida por simbolizar uma figura feminina ligada ao prazer e à liberdade sexual. Renata explica que a figura da pombagira em muitos lugares é temida exatamente por romper com a lógica patriarcal: “mulher que poeticamente nos ensina a autonomia dos corpos femininos”.
Renata também chama atenção para a história dessas religiões, que vêm de uma cultura de valorização de povos ancestrais socialmente excluídos, mas passou por um forte embranquecimento nos últimos anos. “Em 1908, um homem branco, militar, espírita, de São Gonçalo, teria fundado a religião só porque deu nome às práticas que já existiam nos morros cariocas. Como é possível fundar algo que já existe?”, questionou a advogada.
A família de santo
Eu, repórter desta matéria, cresci ouvindo as histórias das macumbeiras, contadas por Elza Mendes, baiana de 72 anos, mulher negra e minha avó. Ela lida com a ignorância da sociedade sobre sua cultura há pelo menos 50 anos. “Ninguém vê com bons olhos, ainda hoje as pessoas têm muito medo, acham que é magia”, desabafa. Mas ressalta sempre o sentimento que há no terreiro de pertencer a uma comunidade. “Quando você abraça um terreiro, você começa a fazer parte de uma comunidade”, diz ela.
Hoje candomblecista, Elza foi a primeira a se tornar uma Iaô num dia de feitura, recebendo o título de dofona.
Glossário:
– Iorubá: é um grupo étnico-linguístico da África Ocidental, principalmente na Nigéria e no Congo. Varia conforme o local e é usada nos rituais de matrizes africanas.
– Feitura no santo: é a iniciação de alguém no culto aos orixás. Pode vir com novo nome e assume novas funções. O ritual varia segundo a religião e pode durar até três meses.
– Orixás (em iorubá: Òrìṣà): divindades representadas pela natureza, acredita-se que tenham existido anteriormente em Orum (céu em iorubá).
– Aborós: orixás de energia masculina. Podem ser incorporados por pessoas de todos os gêneros.
– Ayabás: orixás de energia feminina. Podem ser incorporados por pessoas de todos os gêneros.
Dona Elza conta que quando se começa a fazer parte de um terreiro você se torna também integrante de uma família de santo. “Tanto é que a gente diz irmão, tio, filho de santo”, comentou. Em muitos lugares os terreiros são conhecidos por serem receptivos a todo tipo de gente. “Uma mãe de santo nunca deixa de acolher um filho, mesmo se não tiver onde morar, será bem recebido no terreiro.”
Esse acolhimento está intimamente ligado à presença das mulheres na religião e a própria história dos negros no Brasil, conforme explica a pesquisadora Jacyara Silva, professora e coordenadora do núcleo de estudos afro-brasileiros da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). “É importante lembrar que as famílias dos negros que chegavam ao Brasil eram separadas por estratégia de dominação.”
Após o sequestro da população negra do continente africano, a formação das “famílias de santo” foi o jeito encontrado para preservar a identidade cultural e reconstruir essa ideia de família que havia sido destruída na escravidão. As grandes responsáveis por refazer esses laços familiares, dentro das religiões afro-brasileiras, foram as mulheres negras, as Yalorixás. Os barracões passaram a se tornar presentes na maior parte das regiões periféricas do país, acolhendo as pessoas que eram estigmatizadas pela sociedade, como mães solo e o público LGBTQIA+.
“Não quer dizer que não existam nos terreiros os mesmos problemas que existem fora deles”, explicou Jacyara. As religiões de matriz africana estão inseridas dentro de uma sociedade onde racismo, machismo e transfobia são estruturais. Por isso, o cotidiano dos terreiros não está isento dessas questões. Mas, “pode estar na estrutura, mas não é institucionalizado”, ponderou a pesquisadora.
Debatendo fora dos terreiros
Maria do Carmo, Omó de Omolú Iemanjá Oxalá, conhecida como Mãe Du, é uma das mulheres à frente de um terreiro de Umbanda, na cidade de Viçosa, no interior de Minas Gerais. Apesar do grande respeito que conquistou entre os seus, teve que encarar o preconceito das mães e professoras da escola em que a sua filha estudava. “As pessoas ficaram meio cismadas”, conta.
A força de seguir por mais de 20 anos na defesa dos povos de terreiros vem da crença de que o amanhã será melhor que o hoje. A trajetória dela no culto aos orixás já tem, na verdade, 50 anos. “Fui a primeira Yaô daqui, andei pela cidade toda de branquinho.” Atualmente Mãe Du está na Umbanda, mas foi iniciada dentro do Candomblé, onde teve que passar por diversos processos até se tornar de fato umaIaô – filha de santo. Se tornar feita no santo é uma vitória para a maioria das mulheres de axé, por ser um processo de várias etapas, que requer muito tempo de dedicação e prática dentro do terreiro.
Ela também é líder espiritualista e integra o Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial de Viçosa. Os cargos fora do terreiro são um marco e uma representação importante para quem é de religiões de matriz africana, mas também são espaços arriscados. “Defender aquilo que se é, hoje em dia, é perigoso, principalmente para nós mulheres.”
O preconceito acaba afastando outros praticantes dos encontros e debates religiosos, por preferirem se resguardar. Mas, Mãe Du – que tem viajado nos últimos anos para falar das religiões de matriz africana nas universidades – sente que agora as pessoas começaram a querer entender mais sobre sua cultura.
Hierarquia ancestral
Em boa parte da tradição africana, a hierarquia não se baseia no gênero, mas sim na experiência e conhecimento. “O matriarcalismo é natural de vários povos africanos, até porque a hierarquia não é por gênero como os europeus impuseram, é por ancestralidade”, explicou a candomblecista Nailah Neves.
As religiões de matriz africana não dividem o mundo entre bem e mal, emoção e ciência, corpo e alma, homens e mulheres. Nailah argumenta que essa lógica binária foi imposta aos povos que estavam sendo colonizados, por influência do eurocentrismo cristão. Existe na Umbanda e no Candomblé uma outra forma de ver e se relacionar com o mundo. “Não são apenas religiões, são povos e comunidades tradicionais, assim como são os quilombos.”
As religiões afro-brasileiras que conhecemos hoje são fruto das características de diversos povos africanos que se encontram no país e, exatamente por isso, elas variam conforme a nação ou tradição de origem, como acontece no caso do Candomblé, da Umbanda, do Batuque e do Xangô.
Sem nenhum tipo de livro oficial, como a Bíblia, os fundamentos são passados por gerações via tradição oral, e nem sempre são os mesmos em todos os lugares. Os preceitos e costumes não estão “escritos em pedra”.
AÇÕES E ESPAÇOS OCUPADOS PELAS MULHERES DE AXÉ NOS ÚLTIMOS ANOS:
No Brasil, o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, 21 de janeiro, data que assegura a diversidade religiosa, foi criado em homenagem a uma líder religiosa, a Mãe Gilda. Em 1999, ela teve seu terreiro em Salvador invadido e depredado por fundamentalistas religiosos e acabou falecendo no ano seguinte.
Em 2021, a Organização das Mulheres de Axé do Brasil (MAB) realizou uma campanha de combate a violência menstrual. Elas distribuíram mais de 23 mil pacotes de absorventes higiênicos para pessoas em situação de vulnerabilidade econômica e social.
O Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FONSANPOTMA), presidido pela médica e líder religiosa Kato Mulanji, é uma das organizações que lutam para garantir soberania alimentar aos povos tradicionais.
Desde 2017, as mulheres de axé conquistaram o reconhecimento da profissão de baiana de acarajé e passaram a ter direitos aos benefícios profissionais. Em 2005 elas já tinham sido reconhecidas como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil.
Pelo país todo, terreiros são responsáveis por projetos de atendimento à comunidade, oficinas, distribuição de alimentos e ações de combate a violência. O Ilê Omolu Oxum, liderado pela ialorixá Mãe Meninazinha de Oxum, em atividade na Baixada Fluminense desde 1968, é um dos que oferece orientação às mulheres vítimas de violência.
Agência FAPESP – O esforço de reinterpretação de um passado imaginário, cheio de silêncios e ausências, por um presente que também não está livre de ambiguidades, mas no qual certos ocultamentos começam a ser desvelados: este foi, em certa medida, o fio condutor da mesa “Escritas, arquivos e ressignificações”, que deu sequência à série de encontros on-line “100 Anos da Semana de Arte Moderna: Pesquisa, Arte e Literatura”, promovida pela FAPESP.
Em mesa-redonda que integra a série 100 Anos da Semana de Arte Moderna: Pesquisa, Arte e Literatura, especialistas promovem uma espécie de “desbranqueamento” do evento que inaugurou um novo tempo na cultura brasileira (Mário de Andrade; foto: Wikimedia Commons)
“A Semana de Arte Moderna tornou-se um capital simbólico importante, especialmente agora”, disse o primeiro participante da mesa, Pedro Meira Monteiro, professor na Princeton University, nos Estados Unidos.
Monteiro lembrou que as comemorações da Semana sempre foram marcadas pela controvérsia. E destacou a “guerra de narrativas do cinquentenário”, quando, em plena ditadura, em 1972, houve uma tentativa de normalizar o legado da Semana com uma exposição oficial no Museu de Arte de São Paulo (Masp). Na margem oposta do espectro político, não havia muito tempo que o Rei da Vela, de Oswald de Andrade (1890-1954), tinha sido montado por José Celso Martinez Corrêa, no Teatro Oficina, em São Paulo; que Macunaíma, de Mário de Andrade (1893-1945), virara filme, sob a direção de Joaquim Pedro de Andrade; que os poetas concretistas haviam redescoberto Oswald; e que o enorme acervo de Mário fora transferido para o Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP).
“A Semana era puxada para todos os lados. Aliás, desde o seu início, a Semana serviu às direitas e às esquerdas, como uma espécie de butim de uma guerra imaginária”, resumiu.
Segundo Monteiro, a melhor leitura da Semana atualmente é a do rapper Emicida, nome artístico do compositor, cantor e multiartista Leandro Roque de Oliveira (nascido em 1985), em seu filme AmarElo – É Tudo Pra Ontem (2020). “Emicida promove uma espécie de hermenêutica urbanística, lembrando do passado negro que marca o centro de São Paulo – uma cidade que é vista como centro nervoso da imigração europeia, o que já é signo de um apagamento importante. E somos levados pela imaginação do Teatro Municipal à estação São Bento do Metrô, que funciona como um canal subterrâneo, imaginário e real, que conecta às periferias, onde as luzinhas das quebradas se confundem com as estrelas. Estação São Bento, que é uma espécie de buraco mágico de Alice, onde se entra e sai em direção a um determinado universo que o discurso hegemônico prefere apagar, que é a São Paulo negra, dos pretos e das pretas”, afirmou.
Essa linha crítica, que opera uma espécie de “desbranqueamento” da Semana de Arte Moderna, também foi seguida por Lígia Fonseca Ferreira, professora na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Especialista na vida e na obra do escritor e abolicionista Luiz Gama (1830-1882), Ferreira falou, entre outros tópicos, de textos que permaneceram por muito tempo inéditos e da enorme correspondência de Mário de Andrade, que foram temas de sua pesquisa de pós-doutorado e continuam a ser estudados por ela e por estudantes sob sua orientação. Nesse conjunto, destacou a figura de “Mário de Andrade, africanista”, título do capítulo que escreveu para o livro Mário de Andrade: aspectos do folclore brasileiro(Global Editora), organizado por Telê Ancona Lopez, com estabelecimento do texto, apresentação e notas de Angela Teodoro Grillo.
Ferreira começou sua apresentação lendo e comentando trechos de um discurso escrito por Mário de Andrade para a cerimônia de encerramento das comemorações do cinquentenário da Abolição da Escravidão, em 1938. O escritor modernista era, então, diretor do Departamento de Cultura do Município de São Paulo e se dedicou com total afinco aos preparativos da celebração. Mas não pôde ler seu discurso porque foi exonerado – ou, como ele mesmo disse, “jogado fora” – do departamento pouco tempo antes, em consequência do cerceamento das liberdades democráticas provocado pela instalação, por Getúlio Vargas, da ditatura do Estado Novo. “O texto permaneceu inédito até poucos anos atrás”, informou Ferreira.
E leu um trecho, no qual Mário de Andrade afirmava que o Departamento de Cultura fizera questão de “trazer os negros para esta sala de brancos”, referindo-se especialmente ao convite feito ao doutor Francisco Lucrécio (1909-2001), um dos fundadores da Frente Negra Brasileira (FNB), para participar da conferência comemorativa que deveria ter ocorrido no Teatro Municipal de São Paulo.
Ferreira enfatizou que o estudo dos inéditos e, principalmente, da correspondência trocada pelos intelectuais, com o rigor metodológico com que começou a ser feito no século 21, vai banindo ficções, fazendo correções biográficas e trazendo informações que permaneceram ocultas. “Essas correspondências acabam constituindo redes entre si”, ressaltou.
Entre vários exemplos, a pesquisadora mencionou a correspondência de Mário de Andrade com Roger Bastide (1898-1974), um dos principais integrantes da famosa “missão francesa”, contratada no final dos anos 1930 para dar estofo à recém-criada Universidade de São Paulo (USP). Bastide ocupou a cátedra de sociologia e tornou-se um nome referencial no estudo das religiões afro-brasileiras, vindo, inclusive, a ser iniciado no candomblé na Bahia. “Mal chegou ao Brasil, em 1938, ele escreveu a Mário de Andrade, agradecendo os livros que este lhe enviara, e dizendo: ‘eles serão para mim o guia mais seguro para penetrar nas profundezas da alma negra, pois quase sempre a intuição do poeta vai mais longe do que a atenção do cientista’”, citou Ferreira.
Para além de sua enorme simpatia por todo tipo de manifestação cultural, a ênfase dada por Mário de Andrade à cultura negra talvez atendesse também a uma motivação mais íntima, pois, no contexto de uma sociedade de hegemonia branca e racista, seu fenótipo exibia traços de ascendência africana. Traços que ele procurou ocultar, sem negar completamente. Assim como procurou ocultar, sem negar completamente, sua polimórfica sexualidade.
Esses elementos biográficos, antes camuflados nos retratos oficiais e empurrados para o campo da insinuação ou da maledicência, só em anos mais recentes passaram a ser tratados com maior franqueza, em um processo ainda penoso e controverso, mas bastante promissor, de ressignificação.
Fervilhante rede de sociabilidade
Nesse processo, que diz respeito não apenas à figura de Mário de Andrade, mas que abarca todo o chamado modernismo e muito mais, a recuperação, a conservação e o estudo crítico da correspondência, das cartas trocadas pelos protagonistas, adquirem especial importância. E esse foi exatamente o tópico tratado com maior profundidade na terceira e última apresentação da mesa, feita por Marcos Antonio de Moraes, pesquisador e docente do IEB-USP.
Em uma exposição intitulada “Modernismo e Epistolografia”, Moraes falou da centralidade das correspondências no movimento modernista brasileiro. E citou a respeito um trecho interessantíssimo de uma crônica de Mário de Andrade: “Eu sempre afirmo que a literatura brasileira só principiou escrevendo realmente cartas com o movimento modernista. Antes, com alguma rara exceção, os escritores brasileiros só faziam estilo epistolar. Mas cartas com assunto, falando mal dos outros, xingando, contando coisas, dizendo palavrões, discutindo problemas estéticos e sociais, cartas de pijama, só mesmo com o modernismo as cartas se tornaram uma forma espiritual de vida em nossa literatura”.
Com essa formulação, segundo Moraes, “Mário aponta para a configuração de uma vigorosa, abrangente, fervilhante rede de sociabilidade”. E acrescentou que o autor de Pauliceia Desvairada parecia não ter dúvidas de que esse material, que circulava em sigilo, viria a ser, algum dia, amplamente conhecido.
Em um levantamento bastante exaustivo, Moraes contabilizou até a data presente um total de 325 livros de cartas. Desse montante, 33 volumes são cartas de Mário de Andrade, sem contar as reedições. “Portanto, mais de 10% do total”, disse. Conforme o próprio Mário de Andrade o definiu, trata-se de um “gigantismo epistolar”.
O próprio Moraes organizou e publicou a correspondência entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira, em uma coleção que já recebeu dois prêmios Jabuti. Para este ano, entre outros livros, está prevista a publicação da correspondência entre Mário de Andrade e Oswald de Andrade, sob a edição de Gênese Andrade. Bastante aguardada, essa obra talvez lance alguma luz sobre a tão comentada, mas nunca bem compreendida, briga que afastou os dois principais protagonistas da Semana de Arte Moderna.
21 de jan de 2022 (atualizado 21/01/2022 às 20h39)
Pais que praticam religiões de matriz africana no Brasil relatam casos de preconceito, incluindo a perda da guarda de filhos sob a anuência da Justiça
DEVOTOS DO CANDOMBLÉ CARREGAM CESTAS DE FLORES EM CERIMÔNIA RELIGIOSA, NA BAHIA
Este conteúdo foi produzido pelos autores como trabalho final do Lab Nexo de Jornalismo Digital, que teve como tema “Primeira Infância e Desigualdades” e foi realizado no segundo semestre de 2021. O programa é uma iniciativa do Nexo Jornal em parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e apoio da Porticus América Latina e do Insper.
Dados do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos apontam 645 registros de violações da liberdade de crença e religião no Brasil entre janeiro e dezembro de 2021, a maior parcela relacionada a religiões de matriz africana — incluindo Candomblé, Umbanda e outras. Levantamentos anteriores também refletem essa realidade.
INTOLERÂNCIA
O preconceito que cerca quem pratica o Candomblé, a Umbanda, entre outras designações afro, integra o fenômeno do racismo religioso. Trata-se de um problema que, segundo especialistas, tem um impacto especialmente danoso para crianças.
Neste texto, o Nexo explica o que configura o racismo religioso, mostra o que a legislação prevê sobre o tema e traz relatos, que vão do preconceito no ambiente escolar a decisões judiciais que fazem com que filhos sejam separados dos pais.
O conceito e a legislação
A expressão “racismo religioso” não está no Código Penal, mas é algo que se enquadra na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, segundo o advogado especialista em crimes raciais Gilberto Silva.
Tal lei versa sobre crimes provocados por “discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, com penas previstas de um a três anos de reclusão.
O termo “racismo religioso”, então, acaba sendo usado para reforçar um ponto central da sociedade brasileira: o racismo estrutural no Brasil.
Silva afirma que a lei ainda é vista por muitos como pouco eficiente e permissiva. Professor de história da África da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Alexandre Marcussi concorda que a punição ainda é ineficaz para os casos de racismo religioso. “A lei é extremamente leniente. Tem sido principalmente nos últimos anos no Brasil, com a ascensão ao poder e a influência de cultos religiosos pentecostais, que fazem ataques recorrentes a cultos de religiões africanas”, afirma.
“Se pode entender essas intolerâncias menos como intolerância contra as práticas dessas religiões e mais como uma intolerância às camadas da população que estão historicamente associadas a essas religiões” – Alexandre Marcussi, professor de história da África da UFMG
O Brasil viveu 300 anos de escravidão, período em que milhões de pessoas foram trazidas à força de regiões da África para serem usadas e negociadas como mercadoria. A cultura e a religião dessas pessoas sofreram um processo de tentativa de apagamento.
O artigo 5º da Constituição brasileira de 1824, por exemplo, instituiu o catolicismo como a religião oficial do Império. Já o artigo 276 do Código Criminal de 1830 proibia celebrar em casa, publicamente ou em templos “o culto de outra religião que não seja a do Estado”.
A abolição só foi proclamada em 1888 no Brasil e o Estado brasileiro só se tornou laico a partir de 1890, com o decreto nº 119-A, de 7 de janeiro daquele ano. A lei concedeu a todas as confissões religiosas “a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas” e proibiu o Estado de definir uma religião oficial.
Mais tarde, na Constituição de 1988, conhecida como a Constituição Cidadã, o inciso 6 do Artigo 5º assegura ser inviolável a liberdade de crença e o livre exercício dos cultos religiosos.
Ainda assim, o preâmbulo da atual Carta Magna define a promulgação do documento “sob a proteção de Deus”, mostrando resquícios da ainda influente religião cristã no país.
“Ninguém se incomoda da mãe levar o filho para batizar no cristianismo quando é bebê. É uma cerimônia bonita, celebrada, lembrada. Agora, todo mundo incomoda com a iniciação das crianças no Candomblé e na Umbanda. Mesmo estando acompanhada de seus pais. Isso é o quê? Se não o racismo religioso?” – Makota Celinha, coordenadora geral do Cenarab (Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira)
O racismo religioso na escola
As crianças de religiões de matriz africana sofrem preconceito na escola começando por suas brincadeiras, segundo Makota Kidoiale, líder da comunidade quilombola Manzo N’Gunzo Kaiango e coordenadora do programa Educa Quilombo, em Belo Horizonte.
“No primeiro ano de escola dos meus netos, eles iam para o parquinho e as brincadeiras deles eram muito diferentes do que a própria estrutura da escola foi programada para poder receber. Eles ficavam reproduzindo tudo aquilo que eles viviam dentro do terreiro”, conta.
Segundo Kidoiale, a administração da escola se incomodou com o comportamento das crianças. “Tinham medo de criar um problema com outras famílias, porque as outras crianças podiam reproduzir isso em casa. Eu questionei, porque da mesma forma que meu neto trazia outra cultura, outra tradição, outros conhecimentos para dentro da nossa casa, por que não transversalizar com tudo que ele vivenciava dentro da comunidade?”, afirma.
Em 2003 entrou em vigor a lei 10.639, que tornou obrigatório o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira no ensino fundamental e médio. Mas, para Kidoiale, a legislação não faz com que a temática tenha uma abordagem adequada na grade curricular. Ela acredita que o fato da educação brasileira ser muito baseada em princípios cristãos acaba por gerar uma exclusão da diversidade. “A escola não dá conta de trabalhar nem mesmo a história da população africana, quanto mais a religião.”
Segundo a psicóloga Jaqueline Gomes de Jesus, da Abrapso (Associação Brasileira de Psicologia Social) e da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores Negros), o combate ao racismo religioso nas escolas é de responsabilidade dos profissionais de educação, dos pais e responsáveis.
“O desafio é que os adultos são formatados nessa sociedade racista, nessa sociedade que tenta formatar, principalmente em um contexto cristão, fundamentalista, crianças que não se enquadram em certos padrões até de roupa e de práticas, então isso é muito violento”.
O racismo religioso na Justiça
Além das diferentes violações de direitos de expressar ritos de matriz africana na escola, há casos em que os pais perdem a guarda das crianças por iniciá-los na religião.
Uma situação que ganhou grande destaque na mídia em 2021 foi a da manicure Kate Belintani, de Araçatuba (SP) que teve a guarda da filha — na época, com 11 anos — suspensa. Kate foi acusada de lesão corporal após raspar os cabelos da menina em um ritual religioso do Candomblé.
Outro caso, que chegou a ser citado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), é o da professora e jornalista Rosiane Rodrigues. Moradora de Rio das Ostras, no Rio de Janeiro, ela conta que perdeu a guarda do filho em 2007 por causa do preconceito religioso, a partir de uma decisão judicial.
Marcus Rodrigues, chamado geralmente de Marquinhos, o mais novo dos três filhos de Rosiane, nasceu em 2004. No ano seguinte, ela se separou do pai da criança, Marcus Henriques, o que deu início a uma disputa sobre quantos dias cada um ficaria com o filho.
Em uma das audiências do processo, Rosiane estava “tomando obrigação de santo”, um costume religioso do Candomblé que determina o uso de roupas brancas, cabeça coberta e colar de contas. Ao ver a professora vestida dessa maneira, a juíza do caso determinou que o laudo psicológico da família fosse feito com urgência. Segundo Rosiane, “depois disso, a juíza concluiu que por eu ser do Candomblé eu tinha menos condições morais de criar o garoto do que o pai dele.”
Rosiane afirma que dois oficiais de Justiça foram retirar Marquinhos de casa acompanhados de um carro da polícia. No momento, o filho estava na escola, e Rosiane se recusou a informar a localização da criança. Ela foi levada para a delegacia.
Marquinhos foi inicialmente entregue ao pai. Mas depois de uma série de vaivéns que duraram quatro anos, Rosana conseguiu a guarda de volta. Ela então buscou auxílio do Nudem (Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública). Três psicólogos e duas assistentes sociais trabalharam em um novo laudo psicossocial de Rosiane e seus filhos.
O garoto fez terapia com um psicólogo infantil durante um ano. “Logo que ele voltou para mim, que a gente consegue essa guarda provisória, ele volta muito assustado, com muito problema, com muito transtorno, uma criança muito agressiva”, conta Rosiane, que chegou a registrar um boletim de ocorrência contra o ex-marido por agressões ao filho.
O caso foi citado no relatório “Direito a uma vida livre de violência”, publicado em 2013 pela Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos em parceria com a Unesco como um caso emblemático de intolerância religiosa no Brasil.
Os efeitos do racismo religioso nas crianças
“As crianças não sabem que estão sofrendo intolerância, não têm o discernimento, a capacidade de entender o racismo. Há uma vulnerabilidade de quem não consegue se defender”, ressalta Makota Celinha, do Cenarab.
Para a líder quilombola Makota Kidoiale, um dos passos importantes para lidar com o choque de tradições é ouvir o que as crianças vivenciam. “A gente vai direcionando tudo que elas descobriram lá fora a um determinado lugar da comunidade”, diz.
“Por exemplo, se elas aprendem na escola sobre as folhas, a fase da vegetação, do plantio, aqui a gente acrescenta: ‘essa aula está relacionada a Oxossi, que é deus das folhas, das plantas. E é delas também que a gente tira os remédios’. A gente faz um complemento do que elas aprenderam”, exemplifica.
Nos casos em que o racismo religioso é mais explícito, é difícil conseguir a garantia do bem-estar da criança. “A gente mostra que existem as diferenças das religiões e cada um tem um conceito, e que infelizmente o nosso direito de falar sobre nós é muito recente, então as pessoas poucos sabem sobre nós. Mas às vezes é muito difícil, muito violento. Violento de pegar e pôr pra fora, fazer chacota quando estão vestidas com as contas, ou de branco, as pessoas olham assustadas para eles”, diz Kidoiale.
A psicóloga Jaqueline Gomes de Jesus afirma que crianças que crescem em ambientes de discriminação religiosa se tornam adultos intolerantes, tornando a violência uma marca que molda a personalidade.
“A gente tem que lutar para que os profissionais de educação, de saúde, os que cuidam das crianças, permitam que elas sejam quem elas são, para que não gerem esses traumas que ficam para o resto da vida”, diz.
De acordo com o psicólogo Flávio Prata, pesquisador da área, é importante que a criança tenha um ambiente seguro. “Não há como dimensionar os efeitos do racismo especificamente, mas a influência está nos mecanismos que a criança encontra para lidar com essa discriminação”, afirma.
A growing number of forensic researchers are questioning how the field interprets the geographic ancestry of human remains.
Credit: John M. Daugherty/Science Source
Oct. 19, 2021, 2:30 a.m. ET
Racial reckonings were happening everywhere in the summer of 2020, after George Floyd was killed in Minneapolis by the police. The time felt right, two forensic anthropologists reasoned, to reignite a conversation about the role of race in their own field, where specialists help solve crimes by analyzing skeletons to determine who those people were and how they died.
Dr. Elizabeth DiGangi of Binghamton University and Jonathan Bethard of the University of South Florida published a letter in The Journal of Forensic Science that questioned the longstanding practice of estimating ancestry, or a person’s geographic origin, as a proxy for estimating race. Ancestry, along with height, age at death and assigned sex, is one of the key details that many forensic anthropologists try to determine.
That fall, they published a longer paper with a more ambitious call to action: “We urge all forensic anthropologists to abolish the practice of ancestry estimation.”
In recent years, a growing number of forensic anthropologists have grown critical of ancestry estimation and want to replace it with something more nuanced.
Criminal cases in which the victim’s identity is entirely unknown are rare. But in these instances, some forensic anthropologists argue, a tool like ancestry estimation can be crucial.
The assessment of race has been a part of forensic anthropology since the field’s inception a century ago. The earliest scholars were white men who studied human skulls to support racist beliefs. Ales Hrdlicka, a physical anthropologist who joined the Smithsonian Institution in 1903, was a eugenicist who looted human remains for his collections and sought to classify humans into different races based on certain appearances and traits.
An expert on skeletons, Dr. Hrdlicka helped law enforcement identify human remains, laying the blueprint for the professional field. Forensic anthropologists thereafter were expected to produce a profile with the “Big Four” — age at death, sex, height and race.
In the 1990s, as more scientists debunked the myth of biological race — the notion that the humans species is divided into distinct races — anthropologists grew sharply divided over the issue. One survey found that 50 percent of physical anthropologists accepted the idea of a biological concept of race, while 42 rejected it. At the time, some researchers still used terms like “Caucasoid,” “Mongoloid” and “Negroid” to describe skeletons, and DNA as a forensic tool was still many years away. Today in the U.S., the field of forensic anthropology is 87 percent white.
Credit: Sueddeutsche Zeitung Photo/Alamy
In 1992, Norman Sauer, an anthropologist at Michigan State University, suggested dropping the term “race,” which he considered loaded, and replacing it with “ancestry.” The term became universal. But some researchers contend that little changed about the practice.
When Shanna Williams, a forensic anthropologist at the University of South Carolina School of Medicine Greenville, was in graduate school around a decade ago, it was still customary to sort skeletons into one of the “Big Three” possible populations — African, Asian or European.
But Dr. Williams grew suspicious of the idea and the way ancestry was often assigned. She saw skulls designated as “Hispanic,” a term that refers to a language group and has no biological meaning. She considered how the field might try, and fail, to sort her own skull. “My mom is white, and my dad is Black,” she said. “Do I fit that mold? Am I perfectly one thing or the other?”
The body of a skeleton can provide a person’s age or height. But the question of ancestry is reserved for the skull — specifically, features of face and skull bones, known as morphoscopic traits, that vary across different groups of humans and can occur more frequently in certain populations.
One trait, called the post-bregmatic depression, is a small indentation located on top of some people’s heads. For a long time, forensic anthropologists assumed that if the skull was indented, the person may be Black.
But forensic anthropologists know little else about the post-bregmatic depression. “There’s not been any understanding as to why this trait exists, what causes it, and what it means,” Dr. Bethard said.
Moreover, the science linking the trait and African ancestry was flawed. In 2003, Joe Hefner, a forensic anthropologist at Michigan State University, used trait lists from a key textbook, “Skeletal Attribution of Race,” to examine more than 700 skulls for his masters thesis. He found that the post-bregmatic depression was present in only 40 percent of people with African ancestry, and is actually more common in many other populations.
Of the 17 morphoscopic traits typically used to estimate ancestry, only five have been studied for whether they are heritable, making it unclear why the unstudied traits would correspond with specific populations. “There’s been this use and reuse of these traits without a fundamental understanding of what they even are,” Dr. Bethard said.
Nonetheless, Dr. Hefner said, if nothing is known about a victim beyond the shape of their skull, ancestry might hold the key to their identity.
He cited a recent example in Michican in which the police had a skull that they believed belonged to a missing woman, one of two who were reported missing in the county at the time. When Dr. Hefner examined it and searched the list of missing people in the area, he concluded that the skull might have come from a missing Southeast Asian male. “They sent us his dental records over and five minutes later we had identified this person,” Dr. Hefner said.
Dr. DiGangi worries that these estimations could suggest to the police that biological race is real and increase racial bias. “When I say to the police, ‘OK, I took these measurements, I looked at these things on the skull and this person is African-American,’ of course they’re going to think it’s biological,” Dr. DiGangi said. “Why would they not?”
To what extent this concern plays out in the real world is hard to measure, however.
Credit: Juan Diego Reyes for The New York Times
For the past two years, Ann Ross, a forensic anthropologist at North Carolina State University, has pushed the American Academy of Forensic Sciences Standards Board to replace ancestry estimation with something new: population affinity.
Whereas ancestry aims to trace back to a continent of origin, population affinity aims to align someone with a population, such as Panamanian. This more nuanced framework looks at how the larger history of a place or community can lead to significant differences between populations that are otherwise geographically close.
A recent paper by Dr. Ross and Dr. Williams, who are close friends, examines Panama and Colombia as a test case. An ancestry estimation might suggest people from both countries would have similarly shaped skulls. But population affinity acknowledges that the trans-Atlantic slave trade and colonization by Spain resulted in new communities living in Panama that changed the makeup of the country’s population. “Because of those historical events, individuals from Panama are very, very different from those from Colombia,” said Dr. Ross, who is Panamanian.
Dr. Ross even designed her own software, 3D-ID, in place of Fordisc, the most commonly used forensic software that categorizes skulls into inconsistent terms: White. Black. Hispanic. Guatemalan. Japanese.
Other anthropologists say that, for all practical purposes, their own ancestry estimations have become affinity estimations. Kate Spradley, a forensic anthropologist at Texas State University, works with the unidentified remains of migrants found near the U.S.-Mexico border. “When we reference data that uses local population groups, that’s really affinity, not ancestry,” Dr. Spradley said.
In her work, Dr. Spradley uses missing persons’ databases from multiple countries that do not always share DNA data. The bones are often weathered, fragmenting the DNA. Estimating affinity can “help to provide a preponderance of evidence,” Dr. Spradley said.
Still, Dr. DiGangi said that switching to affinity may not address racial biases in law enforcement. Until she sees evidence that bias does not preclude people from becoming identified, she says, she does not want a “checkbox” that gets at ancestry or affinity.
As of mid-October, Dr. Ross is waiting for the American Academy of Forensic Sciences Standards Board to set a vote to determine whether ancestry estimation should be replaced with population affinity. But the larger debate — over how to bridge the gap between a person’s bones and identity in real life — is far from settled.
“In 10 or 20 years, we might find a better way to do it,” Dr. Williams said. “I hope that’s the case.”
Climate change academics from some of the regions worst hit by warming are struggling to be published, according to a new analysis.
The study looked at 100 of the most highly cited climate research papers over the past five years.
Less than 1% of the authors were based in Africa, while only 12 of the papers had a female lead researcher.
The lack of diverse voices means key perspectives are being ignored, says the study’s author.
Researchers from the Carbon Brief website examined the backgrounds of around 1,300 authors involved in the 100 most cited climate change research papers from 2016-2020.
They found that some 90% of these scientists were affiliated with academic institutions from North America, Europe or Australia.
Issues of concern to African climate researchers were in danger of being ignored
The African continent, home to around 16% of the world’s population had less than 1% of the authors according to the analysis.
There were also huge differences within regions – of the 10 authors from Africa, eight of them were from South Africa.
When it comes to lead authors, not one of the top 100 papers was led by a scientist from Africa or South America. Of the seven papers led by Asian authors, five were from China.
“If the vast majority of research around climate change is coming from a group of people with a very similar background, for example, male scientists from the global north, then the body of knowledge that we’re going to have around climate change is going to be skewed towards their interests, knowledge and scientific training,” said Ayesha Tandon from Carbon Brief, who carried out the analysis and says that “systemic bias” is at play here.
“One study noted that a lot of our understanding of climate change is biased towards cooler climates, because it’s mainly carried out by scientists who live in the global north in cold climates,” she added.
There are a number of other factors at play that limit the opportunities for researchers from the global south. These include a lack of funding for expensive computers to run the computer models, or simulations, that are the bedrock of much climate research.
Other issues include a different academic culture where teaching is prioritised over research, as well as language barriers and a lack of access to expensive libraries and databases.
Most of the leading papers on climate change were published by institutions in the global north
Even where researchers from better-off countries seek to collaborate with colleagues in the developing world, the efforts don’t always work out well.
One researcher originally from Tanzania but now working in Mexico explained what can happen.
“The northern scientist often brings his or her own grad students from the north, and they tend to view their local partners as facilitators – logistic, cultural, language, admin – rather than science collaborators,” Dr Tuyeni Mwampamba from the Institute of Ecosystems and Sustainability Research in Mexico told Carbon Brief.
Researchers from the north are often seen as wanting to extract resources and data from developing nations without making any contribution to local research, a practice sometimes known as “helicopter science”.
For women involved in research in the global south there are added challenges in getting your name on a scientific paper
A scientist at work in Cote D’Ivoire
“Women tend to have a much higher dropout rate than men as they progress through academia,” said Ayesha Tandon.
“But then women also have to contend with stereotypes and sexism, and even just cultural norms in their country or from the upbringing that might prevent them from spending as much time on their science or from pursuing it in the way that men do.”
The analysis suggests that the lack of voices from women and from the global south is hampering the global understanding of climate change.
Solving the problem is not going to be easy, according to the author.
“This is a systemic problem and it will progress and keep getting worse, because people in positions of power will continue to have those privileges,” said Ayesha Tandon.
“It’s a problem that will not just go away on its own unless people really work at it.”
Unidade da Universidade Federal de São Paulo. (Foto: Divulgação)
Universitária buscou atendimento psiquiátrico na Unifesp, instituição de ensino que oferece o serviço médico gratuitamente aos alunos
Thayná Alexandrino conta que há tempos percebe alguns sintomas associados à depressão e ansiedade
Segundo a jovem de 24 anos, a médica que a atendeu a julgou pela aparência física; universidade não se pronunciou
Texto: Letícia Fialho Edição: Nadine Nascimento
A estudante de geografia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Thayná Alexandrino (24), buscou ajuda psiquiátrica na unidade de atendimento gratuito oferecida pela instituição aos alunos, há cerca de um mês. A jovem relata ter sido julgada pela sua aparência física no atendimento, quando ouviu da profissional que a atendeu: “você não tem cara de paciente psiquiátrica. Mulheres como você precisam ser fortes”.
“Ingressei na universidade e tive a oportunidade de cuidar da minha saúde através dos serviços gratuitos oferecidos por eles. Contudo, ao chegar lá, me deparei com algo totalmente diferente do que esperava. Fui mal tratada pela psiquiatra, que me julgou do começo ao fim”, relata Thayná.
A estudante conta que há tempos percebe alguns sintomas associados à depressão e ansiedade e que, por conta dos estigmas relacionados a doenças mentais, demorou a procurar ajuda. Durante a pandemia, ela perdeu pessoas próximas e se sentiu fragilizada para lidar com o luto.
“Mesmo contando para ela sobre o luto pelo qual estou passando, sobre meu histórico familiar e pré-disposições, escutei a pior justificativa ‘você está muito bem vestida para ter algum problema de ordem mental’ e também que ‘não pode se dar ao luxo de ser fraca’”, relata a vítima que desistiu do atendimento quando a profissional disse: “Mulheres como você sabem lidar muito bem com a dor”.
A estudante conta que sentiu-se impotente e negligenciada no atendimento prestado pela unidade de atendimento da universidade. Segundo ela, a profissional que a atendeu era uma mulher branca, na faixa etária dos 40 anos, com bagagem profissional e acadêmica.
“Parece que a única alternativa sugerida por profissionais brancos é que nós, mulheres negras, precisamos ser fortes o tempo todo. Pessoalmente, na visão dela, eu não poderia sofrer. Lembro que na minha infância uma professora disse que a vida seria dura pra quem fosse fraco. E agora ouvi quase a mesma coisa, vindo de uma profissional de saúde mental”, reflete Thayná.
Insegurança da aluna
Em busca de atendimento adequado, a estudante recorreu a um psicólogo, seguindo orientação médica, em outra unidade de atendimento. E novamente teve uma abordagem pouco acolhedora.
“Quando relatei sobre o episódio em que fui vítima de racismo. Fui surpreendida com a colocação de mais um profissional branco. Ele disse que eu não era negra e, sim, ‘mulata’, em vista de outros pacientes negros que ele atende. Até quando um cara branco pode julgar a negritude de outras pessoas?”, conta.
A estudante diz que, até o momento, não recorreu a nenhum outro profissional por conta dos valores altos e por sentir-se insegura. “Eu adoro a área da saúde e ser atendida por profissionais que não tiveram a sensibilidade de olhar para a minha dor, me toca bastante. Outra coisa é a falta de representatividade. O fato de não ter pessoas negras inseridas nesses espaços, perpetua o racismo estrutural”, reitera a Thayná.
A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Unifesp para solicitar um posicionamento sobre o caso, mas até o momento não teve retorno. Caso a instituição se posicione, o texto será atualizado.
O BBB 21 faz parte da tragédia e do aprendizado que atravessamos enquanto país e cultura (Foto: Reprodução/ TV Globo)
Os mil tons de brancos! Precisou um homem branco falar para que o outro brother branco ouvisse. Mas a fala do apresentador Tiago Leifert no programa exibido nesta terça (6), ao invés de explicitar um ato de racismo puro e simples, tratou de amenizar, contextualizar e lembrar que “não vejo maldade no que você fez”, reafirmando a hoje inaceitável expressão “não foi intencional” ou ainda “é só uma brincadeira”, “meu pai tem cabelo black power”, “sou do interior” etc.
São mil tons do racismo ou do machismo, são mil tons de desculpas cotidianas para não encarar a violência que é assujeitar o outro e desqualificá-lo, seja pelo que for. Quando nós, brancos, vamos parar de nos afagar, mesmo no racismo, assim como homens se protegem no machismo e em tantas outras confrarias nas quais se juntam para exercer seu poder?
Mas a fala do apresentador do Big Brother Brasil 21, Tiago Leifert, “de homem branco para homem branco” (sou só eu que tenho horror dessas expressões que apelam para a nossa razão de brancos ou de machos etc?) acaba, até por contraste, mostrando que esse Brasil cordial e conciliador deu errado, e que radicalizar, explicitar, expor, também pode ser pedagógico.
A fala dura e a emoção de João Luiz Pedrosa explicita o racismo que sofreu. A fala e a reação de catarse de Camilla de Lucas demonstra que não aguenta mais explicar o racismo cotidiano cometido “alegremente”, “sem intenção” para brancos que se defendem afirmando sua alienação: “eu não sabia”. A questão faz transbordar o choro contido e represado, a raiva de ter que suportar o racismo no corpo, no cabelo, na pele, na existência.
O que tem acontecido no BBB 21 não é “menor” e nem mimimi, nem pouco importante, mesmo no meio de uma pandemia com 300 mil mortos. Mesmo que seja sim um programa de entretenimento e que lucra com o sofrimento de negros, com tretas, com situações humilhantes, com a audiência que quer “ver sangue”.
O BBB 21 faz parte da tragédia e do aprendizado que atravessamos enquanto país e cultura. Precisamos de formação, educação, ativismo, mudanças nos padrões da cultura do entretenimento para dar um salto como sociedade, pois existem muitas maneiras de matar e elas estão no cotidiano.
Para concluir, temos uma fala do brother Rodolffo, o cantor sertanejo que fez o comentário racista sobre o cabelo de João, justificando-se: “eu sou chucro, eu sou do interior, essas modernidades [o combate ao racismo!] não chegaram em um Brasil profundo, puro e conservador, sem ‘maldade’”.
A questão é que não existe mais lugar para esse brasileiro “inocente, puro e besta” como o da letra da música. Se existe, ele foi abduzido por fake news massivas no Whatsapp, adotou valores de extrema-direita, reafirmou seu poder branco quando achou confortável e quando se viu representado por um presidente da República que deu voz ao que tínhamos de pior, que deu poder real e simbólico para um Brasil profundamente conservador que já existia, mas que foi chancelado e pôde exercer seu poder de morte em praça pública.
Muitos se identificam com Rodolffo, infelizmente! Temos um presidente “chucro” que, em nome da sua ignorância e “autenticidade”, em nome do seu racismo, misoginia, lgbtfobia “de raiz”, “de família”, defende tortura e mata de forma real e simbólica ao usar sua pretensa “ignorância” como base de políticas públicas e no comando de um país. Esse é o real tamanho do estrago dos Rodolffos – e não adianta dizer que “não é intencional”, pois é muito pior : é estrutural e destrói a vida de milhões.
Todos os tons de branco estão envolvidos nesse massacre e é pedagógico que a gente entre nesse debate não apenas “de brancos para brancos” em uma conversa condescendente entre pares, mas de brancos antirracistas que combatem o racismo dos brancos. O racismo não é um problema dos negros, mas nosso.
Ivana Bentes é pesquisadora do Programa de Pós Graduação da Escola de Comunicação da UFRJ
John McWhorter, contributing writer at The Atlantic and professor at Columbia University
March 31, 2021
The word racism, among others, has become maddeningly confusing in current usage.
Adam Maida / The Atlantic
Has American society ever been in less basic agreement on what so many important words actually mean? Terms we use daily mean such different things to different people that communication is often blunted considerably, and sometimes even thwarted entirely. The gap between how the initiated express their ideological beliefs and how everyone else does seems larger than ever.
The word racism has become almost maddeningly confusing in current usage. It tempts a linguist such as me to contravene the dictum that trying to influence the course of language change is futile.
Racism began as a reference to personal prejudice, but in the 1960s was extended via metaphor to society, the idea being that a society riven with disparities according to race was itself a racist one. This convention, implying that something as abstract as a society can be racist, has always felt tricky, best communicated in sociology classes or careful discussions.
To be sure, the idea that disparities between white and Black people are due to injustices against Black people—either racist sentiment or large-scale results of racist neglect—seems as plain as day to some, especially in academia. However, after 50 years, this usage of racism has yet to stop occasioning controversy; witness the outcry when Merriam-Webster recently altered its definition of the word to acknowledge the “systemic” aspect. This controversy endures for two reasons.
First, the idea that all racial disparities are due to injustice may imply that mere cultural differences do not exist. The rarity of the Black oboist may be due simply to Black Americans not having much interest in the oboe—hardly a character flaw or evidence of some inadequacy—as opposed to subtly racist attitudes among music teachers or even the thinness of musical education in public schools. Second, the concept of systemic racism elides or downplays that disparities can also persist because of racism in the past, no longer in operation and thus difficult to “address.”
Two real-world examples of strained usage come to mind. Opponents of the modern filibuster have taken to calling it “racist” because it has been used for racist ends. This implies a kind of contamination, a rather unsophisticated perspective given that this “racist” practice has been readily supported by noted non-racists such as Barack Obama (before he changed his mind on the matter). Similar is the idea that standardized tests are “racist” because Black kids often don’t do as well on them as white kids. If the tests’ content is biased toward knowledge that white kids are more likely to have, that complaint may be justified. Otherwise, factors beyond the tests themselves, such as literacy in the home, whether children are tested throughout childhood, how plugged in their parents are to test-prep opportunities, and subtle attitudes toward school and the printed page, likely explain why some groups might be less prepared to excel at them.
Dictionaries are correct to incorporate the societal usage of racism, because it is now common coin. The lexicographer describes rather than prescribes. However, its enshrinement in dictionaries leaves its unwieldiness intact, just as a pretty map can include a road full of potholes that suddenly becomes one-way at a dangerous curve. Nearly every designation of someone or something as “racist” in modern America raises legitimate questions, and leaves so many legions of people confused or irritated that no one can responsibly dismiss all of this confusion and irritation as mere, well, racism.
To speak English is to know the difference between pairs of words that might as well be the same one: entrance and entry. Awesome and awful are similar. However, one might easily feel less confident about the difference between equality and equity, in the way that today’s crusaders use the word in diversity, equity, and inclusion.
In this usage, equity is not a mere alternate word for equality, but harbors an assumption: that where the races are not represented roughly according to their presence in the population, the reason must be a manifestation of (societal) racism. A teachers’ conference in Washington State last year included a presentation underlining: “If you conclude that outcomes differences by demographic subgroup are a result of anything other than a broken system, that is, by definition, bigotry.” A DEI facilitator specifies that “equity is not an outcome”—in the way equality is—but “a process that begins by acknowledging [people’s] unequal starting place and makes a commitment to correct and address the imbalance.”
Equality is a state, an outcome—but equity, a word that sounds just like it and has a closely related meaning, is a commitment and effort, designed to create equality. That is a nuance of a kind usually encountered in graduate seminars about the precise definitions of concepts such as freedom. It will throw or even turn off those disinclined to attend that closely: Fondness for exegesis will forever be thinly distributed among humans.
Many will thus feel that the society around them has enough “equalness”—i.e., what equity sounds like—such that what they may see as attempts to force more of it via set-aside policies will seem draconian rather than just. The subtle difference between equality and equity will always require flagging, which will only ever be so effective.
The nature of how words change, compounded by the effects of our social-media bubbles, means that many vocal people on the left now use social justice as a stand-in for justice—in the same way we say advance planning instead of planning or 12 midnight instead of midnight—as if the social part were a mere redundant, rhetorical decoration upon the keystone notion of justice. An advocacy group for wellness and nutrition titled one of its messages “In the name of social justice, food security and human dignity,” but within the text refers simply to “justice” and “injustice,” without the social prefix, as if social justice is simply justice incarnate. The World Social Justice Day project includes more tersely named efforts such as “Task Force on Justice” and “Justice for All.” Baked into this is a tacit conflation of social justice with justice conceived more broadly.
However, this usage of the term social justice is typically based on a very particular set of commitments especially influential in this moment: that all white people must view society as founded upon racist discrimination, such that all white people are complicit in white supremacy, requiring the forcing through of equity in suspension of usual standards of qualification or sometimes even logic (math is racist). A view of justice this peculiar, specific, and even revolutionary is an implausible substitute for millennia of discussion about the nature of the good, much less its apotheosis.
What to do? I suggest—albeit with little hope—that the terms social justice and equity be used, or at least heard, as the proposals that they are. Otherwise, Americans are in for decades of non-conversations based on greatly different visions of what justice and equ(al)ity are.
I suspect that the way the term racism is used is too entrenched to yield to anyone’s preferences. However, if I could wave a magic wand, Americans would go back to using racism to refer to personal sentiment, while we would phase out so hopelessly confusing a term as societal racism.
I would replace it with societal disparities, with a slot open afterward for according to race, or according to immigration status, or what have you. Inevitably, the sole term societal disparities would conventionalize as referring to race-related disparities. However, even this would avoid the endless distractions caused by using the same term—racism—for both prejudice and faceless, albeit pernicious, inequities.
My proposals qualify, indeed, as modest. I suspect that certain people will continue to use social justice as if they have figured out a concept that proved elusive from Plato through Kant through Rawls. Equity will continue to be refracted through that impression. Legions will still either struggle to process racism both harbored by persons and instantiated by a society, or just quietly accept the conflation to avoid making waves.
What all of this will mean is a debate about race in which our problem-solving is hindered by the fact that we too often lack a common language for discussing the topic.
Dan-el Padilla Peralta thinks classicists should knock ancient Greece and Rome off their pedestal — even if that means destroying their discipline.
Padilla at Princeton in January. Credit: D’Angelo Lovell Williams for The New York Times
By Rachel Poser
Feb. 2, 2021
In the world of classics, the exchange between Dan-el Padilla Peralta and Mary Frances Williams has become known simply as “the incident.” Their back-and-forth took place at a Society of Classical Studies conference in January 2019 — the sort of academic gathering at which nothing tends to happen that would seem controversial or even interesting to those outside the discipline. But that year, the conference featured a panel on “The Future of Classics,” which, the participants agreed, was far from secure. On top of the problems facing the humanities as a whole — vanishing class sizes caused by disinvestment, declining prominence and student debt — classics was also experiencing a crisis of identity. Long revered as the foundation of “Western civilization,” the field was trying to shed its self-imposed reputation as an elitist subject overwhelmingly taught and studied by white men. Recently the effort had gained a new sense of urgency: Classics had been embraced by the far right, whose members held up the ancient Greeks and Romans as the originators of so-called white culture. Marchers in Charlottesville, Va., carried flags bearing a symbol of the Roman state; online reactionaries adopted classical pseudonyms; the white-supremacist website Stormfront displayed an image of the Parthenon alongside the tagline “Every month is white history month.”
Padilla, a leading historian of Rome who teaches at Princeton and was born in the Dominican Republic, was one of the panelists that day. For several years, he has been speaking openly about the harm caused by practitioners of classics in the two millenniums since antiquity: the classical justifications of slavery, race science, colonialism, Nazism and other 20th-century fascisms. Classics was a discipline around which the modern Western university grew, and Padilla believes that it has sown racism through the entirety of higher education. Last summer, after Princeton decided to remove Woodrow Wilson’s name from its School of Public and International Affairs, Padilla was a co-author of an open letter that pushed the university to do more. “We call upon the university to amplify its commitment to Black people,” it read, “and to become, for the first time in its history, an anti-racist institution.” Surveying the damage done by people who lay claim to the classical tradition, Padilla argues, one can only conclude that classics has been instrumental to the invention of “whiteness” and its continued domination.
In recent years, like-minded classicists have come together to dispel harmful myths about antiquity. On social media and in journal articles and blog posts, they have clarified that contrary to right-wing propaganda, the Greeks and Romans did not consider themselves “white,” and their marble sculptures, whose pale flesh has been fetishized since the 18th century, would often have been painted in antiquity. They have noted that in fifth-century-B.C. Athens, which has been celebrated as the birthplace of democracy, participation in politics was restricted to male citizens; thousands of enslaved people worked and died in silver mines south of the city, and custom dictated that upper-class women could not leave the house unless they were veiled and accompanied by a male relative. They have shown that the concept of Western civilization emerged as a euphemism for “white civilization” in the writing of men like Lothrop Stoddard, a Klansman and eugenicist. Some classicists have come around to the idea that their discipline forms part of the scaffold of white supremacy — a traumatic process one described to me as “reverse red-pilling” — but they are also starting to see an opportunity in their position. Because classics played a role in constructing whiteness, they believed, perhaps the field also had a role to play in its dismantling.
On the morning of the panel, Padilla stood out among his colleagues, as he always did. He sat in a crisp white shirt at the front of a large conference hall at a San Diego Marriott, where most of the attendees wore muted shades of gray. Over the course of 10 minutes, Padilla laid out an indictment of his field. “If one were intentionally to design a discipline whose institutional organs and gatekeeping protocols were explicitly aimed at disavowing the legitimate status of scholars of color,” he said, “one could not do better than what classics has done.” Padilla’s vision of classics’ complicity in systemic injustice is uncompromising, even by the standards of some of his allies. He has condemned the field as “equal parts vampire and cannibal” — a dangerous force that has been used to murder, enslave and subjugate. “He’s on record as saying that he’s not sure the discipline deserves a future,” Denis Feeney, a Latinist at Princeton, told me. Padilla believes that classics is so entangled with white supremacy as to be inseparable from it. “Far from being extrinsic to the study of Greco-Roman antiquity,” he has written, “the production of whiteness turns on closer examination to reside in the very marrows of classics.”
When Padilla ended his talk, the audience was invited to ask questions. Williams, an independent scholar from California, was one of the first to speak. She rose from her seat in the front row and adjusted a standing microphone that had been placed in the center of the room. “I’ll probably offend all of you,” she began. Rather than kowtowing to criticism, Williams said, “maybe we should start defending our discipline.” She protested that it was imperative to stand up for the classics as the political, literary and philosophical foundation of European and American culture: “It’s Western civilization. It matters because it’s the West.” Hadn’t classics given us the concepts of liberty, equality and democracy?
‘There are some in the field who say: “Yes, we agree with your critique. Now let us go back to doing exactly what we’ve been doing.” ’
One panelist tried to interject, but Williams pressed on, her voice becoming harsh and staccato as the tide in the room moved against her. “I believe in merit. I don’t look at the color of the author.” She pointed a finger in Padilla’s direction. “You may have got your job because you’re Black,” Williams said, “but I would prefer to think you got your job because of merit.”
Discordant sounds went up from the crowd. Several people stood up from their seats and hovered around Williams at the microphone, seemingly unsure of whether or how to intervene. Padilla was smiling; it was the grimace of someone who, as he told me later, had been expecting something like this all along. At last, Williams ceded the microphone, and Padilla was able to speak. “Here’s what I have to say about the vision of classics that you outlined,” he said. “I want nothing to do with it. I hope the field dies that you’ve outlined, and that it dies as swiftly as possible.”
When Padilla was a child, his parents proudly referred to Santo Domingo, the capital of the Dominican Republic, as the “Athens of the New World” — a center of culture and learning. That idea had been fostered by Rafael Trujillo, the dictator who ruled the country from 1930 until his assassination in 1961. Like other 20th-century fascists, Trujillo saw himself, and his people, as the inheritors of a grand European tradition that originated in Greece and Rome. In a 1932 speech, he praised ancient Greece as the “mistress of beauty, rendered eternal in the impeccable whiteness of its marbles.” Trujillo’s veneration of whiteness was central to his message. By invoking the classical legacy, he could portray the residents of neighboring Haiti as darker and inferior, a campaign that reached its murderous peak in 1937 with the Parsley Massacre, or El Corte (“the Cutting”) in Spanish, in which Dominican troops killed as many as 30,000 Haitians and Black Dominicans, according to some estimates.
Padilla’s family didn’t talk much about their lives under the dictatorship, but he knew that his mother’s father had been beaten after arguing with some drunken Trujillistas. That grandfather, along with the rest of his mother’s relatives, were fishermen and sailors in Puerto Plata, a city on the coast; they lived in what Padilla describes as “immiserating poverty” but benefited from a degree of privilege in Dominican society because of their lighter skin. His father’s people, on the other hand, often joked that they were “black as night.” They had lived for generations in Pimentel, a city near the mountainous northeast where enslaved Africans had set up Maroon communities in the 1600s and 1700s, counting on the difficult terrain to give them a measure of safety. Like their counterparts in the United States, slavers in the Dominican Republic sometimes bestowed classical names on their charges as a mark of their civilizing mission, so the legacy of slavery — and its entanglement with classics — remains legible in the names of many Dominicans today. “Why are there Dominicans named Temístocles?” Padilla used to wonder as a kid. “Why is Manny Ramirez’s middle name Aristides?” Trujillo’s own middle name was Leónidas, after the Spartan king who martyred himself with 300 of his soldiers at Thermopylae, and who has become an icon of the far right. But in his early life, Padilla was aware of none of this. He only knew that he was Black like his father.
When Padilla was 4, he and his parents flew to the United States so that his mother, María Elena, could receive care for pregnancy complications at a New York City hospital. But after his brother, Yando, was born, the family decided to stay; they moved into an apartment in the Bronx and quietly tried to normalize their immigration status, spending their savings in the process. Without papers, it was hard to find steady work. Some time later, Padilla’s father returned to the Dominican Republic; he had been an accountant in Santo Domingo, and he was weary of poverty in the United States, where he had been driving a cab and selling fruit in the summers. That left María Elena with the two boys in New York. Because Yando was a U.S. citizen, she received $120 in food stamps and $85 in cash each month, but it was barely enough to feed one child, let alone a family of three. Over the next few months, María Elena and her sons moved between apartments in Manhattan, the Bronx and Queens, packing up and finding a new place each time they couldn’t make rent. For about three weeks, the landlord of a building in Queens let them stay in the basement as a favor, but when a sewage pipe burst over them as they were sleeping, María Elena found her way to a homeless shelter in Chinatown.
At the shelter, “the food tasted nasty,” and “pools of urine” marred the bathroom floor, Padilla wrote in his 2015 memoir, “Undocumented.” His one place of respite was the tiny library on the shelter’s top floor. Since leaving the Dominican Republic, Padilla had grown curious about Dominican history, but he couldn’t find any books about the Caribbean on the library’s shelves. What he did find was a slim blue-and-white textbook titled “How People Lived in Ancient Greece and Rome.” “Western civilization was formed from the union of early Greek wisdom and the highly organized legal minds of early Rome,” the book began. “The Greek belief in a person’s ability to use his powers of reason, coupled with Roman faith in military strength, produced a result that has come to us as a legacy, or gift from the past.” Thirty years later, Padilla can still recite those opening lines. “How many times have I taken an ax to this over the last decade of my career?” he said to me. “But at the moment of the initial encounter, there was something energizing about it.” Padilla took the textbook back to the room he shared with his mother and brother and never returned it to the library.
One day in the summer of 1994, a photographer named Jeff Cowen, who was teaching art at a shelter in Bushwick, where María Elena and the boys had been transferred, noticed 9-year-old Padilla tucked away by himself, reading a biography of Napoleon Bonaparte. “The kids were running around like crazy on their after-lunch sugar high, and there was a boy sitting in the corner with this enormous tome,” Cowen told me. “He stood up and shook my hand like a little gentleman, speaking like he’s some kind of Ivy League professor.” Cowen was taken aback. “I was really struggling at the time. I was living in an illegal building without a toilet, so I wasn’t really looking to be a do-gooder,” he said. “But within five minutes, it was obvious that this kid deserved the best education he could get. It was a responsibility.”
Dan-el Padilla Peralta in 1994 at the Bushwick shelter where he lived with his mother and younger brother.Credit…Jeff Cowen
Cowen became a mentor to Padilla, and then his godfather. He visited the shelter with books and brain teasers, took Padilla and Yando roller-skating in Central Park and eventually helped Padilla apply to Collegiate, one of New York City’s elite prep schools, where he was admitted with a full scholarship. María Elena, elated, photocopied his acceptance letter and passed it around to her friends at church. At Collegiate, Padilla began taking Latin and Greek and found himself overwhelmed by the emotive power of classical texts; he was captivated by the sting of Greek philosophy, the heat and action of epic. Padilla told none of his new friends that he was undocumented. “There were some conversations I simply wasn’t ready to have,” he has said in an interview. When his classmates joked about immigrants, Padilla sometimes thought of a poem he had read by the Greek lyricist Archilochus, about a soldier who throws his shield in a bush and flees the battlefield. “At least I got myself safely out,” the soldier says. “Why should I care for that shield? Let it go. Some other time I’ll find another no worse.” Don’t expose yourself, he thought. There would be other battles.
Years passed before Padilla started to question the way the textbook had presented the classical world to him. He was accepted on a full scholarship to Princeton, where he was often the only Black person in his Latin and Greek courses. “The hardest thing for me as I was making my way into the discipline as a college student was appreciating how lonely I might be,” Padilla told me. In his sophomore year, when it came time to select a major, the most forceful resistance to his choice came from his close friends, many of whom were also immigrants or the children of immigrants. They asked Padilla questions he felt unprepared to answer. What are you doing with this blanquito stuff? How is this going to help us? Padilla argued that he and others shouldn’t shun certain pursuits just because the world said they weren’t for Black and brown people. There was a special joy and vindication in upending their expectations, but he found he wasn’t completely satisfied by his own arguments. The question of classics’ utility was not a trivial one. How could he take his education in Latin and Greek and make it into something liberatory? “That became the most urgent question that guided me through my undergraduate years and beyond,” Padilla said.
After graduating as Princeton’s 2006 salutatorian, Padilla earned a master’s degree from Oxford and a doctorate from Stanford. By then, more scholars than ever were seeking to understand not only the elite men who had written the surviving works of Greek and Latin literature, but also the ancient people whose voices were mostly silent in the written record: women, the lower classes, enslaved people and immigrants. Courses on gender and race in antiquity were becoming common and proving popular with students, but it wasn’t yet clear whether their imprint on the discipline would last. “There are some in the field,” Ian Morris, an adviser of Padilla’s at Stanford, told me, “who say: ‘Yes, we agree with your critique. Now let us go back to doing exactly what we’ve been doing.’” Reformers had learned from the old debates around “Black Athena” — Martin Bernal’s trilogy positing African and Semitic influence on ancient Greek culture — just how resistant some of their colleagues were to acknowledging the field’s role in whitewashing antiquity. “Classicists generally identify as liberal,” Joel Christensen, a professor of Greek literature at Brandeis University, told me. “But we are able to do that because most of the time we’re not in spaces or with people who push us about our liberalism and what that means.”
Thinking of his family’s own history, Padilla became interested in Roman slavery. Decades of research had focused on the ability of enslaved people to transcend their status through manumission, celebrating the fact that the buying and granting of freedom was much more common in Rome than in other slaveholding societies. But there were many who stood no chance of being freed, particularly those who worked in the fields or the mines, far from centers of power. “We have so many testimonies for how profoundly degrading enslavement was,” Padilla told me. Enslaved people in ancient Rome could be tortured and crucified; forced into marriage; chained together in work gangs; made to fight gladiators or wild animals; and displayed naked in marketplaces with signs around their necks advertising their age, character and health to prospective buyers. Owners could tattoo their foreheads so they could be recognized and captured if they tried to flee. Temple excavations have uncovered clay dedications from escapees, praying for the gods to remove the disfiguring marks from their faces. Archaeologists have also found metal collars riveted around the necks of skeletons in burials of enslaved people, among them an iron ring with a bronze tag preserved in the Museo Nazionale in Rome that reads: “I have run away; hold me. When you have brought me back to my master Zoninus, you will receive a gold coin.”
By 2015, when Padilla arrived at the Columbia Society of Fellows as a postdoctoral researcher, classicists were no longer apologists for ancient slavery, but many doubted that the inner worlds of enslaved people were recoverable, because no firsthand account of slavery had survived the centuries. That answer did not satisfy Padilla. He had begun to study the trans-Atlantic slave trade, which had shaped his mother’s mystical brand of Catholicism. María Elena moved through a world that was haunted by spirits, numinous presences who could give comfort and advice or demand sacrifice and appeasement. For a while, when Padilla was in high school, his mother invited a santero and his family to live with them at their Section 8 apartment in Harlem, where the man would conjure spirits that seethed at Padilla for his bad behavior. Padilla realized that his mother’s conception of the dead reminded him of the Romans’, which gave him an idea. In 2017, he published a paper in the journal Classical Antiquity that compared evidence from antiquity and the Black Atlantic to draw a more coherent picture of the religious life of the Roman enslaved. “It will not do merely to adopt a pose of ‘righteous indignation’ at the distortions and gaps in the archive,” he wrote. “There are tools available for the effective recovery of the religious experiences of the enslaved, provided we work with these tools carefully and honestly.”
Padilla began to feel that he had lost something in devoting himself to the classical tradition. As James Baldwin observed 35 years before, there was a price to the ticket. His earlier work on the Roman senatorial classes, which earned him a reputation as one of the best Roman historians of his generation, no longer moved him in the same way. Padilla sensed that his pursuit of classics had displaced other parts of his identity, just as classics and “Western civilization” had displaced other cultures and forms of knowledge. Recovering them would be essential to dismantling the white-supremacist framework in which both he and classics had become trapped. “I had to actively engage in the decolonization of my mind,” he told me. He revisited books by Frantz Fanon, Orlando Patterson and others working in the traditions of Afro-pessimism and psychoanalysis, Caribbean and Black studies. He also gravitated toward contemporary scholars like José Esteban Muñoz, Lorgia García Peña and Saidiya Hartman, who speak of race not as a physical fact but as a ghostly system of power relations that produces certain gestures, moods, emotions and states of being. They helped him think in more sophisticated terms about the workings of power in the ancient world, and in his own life.
Around the time that Padilla began working on the paper, Donald Trump made his first comments on the presidential campaign trail about Mexican “criminals, drug dealers, rapists” coming into the country. Padilla, who spent the previous 20 years dealing with an uncertain immigration status, had just applied for a green card after celebrating his marriage to a social worker named Missy from Sparta, N.J. Now he watched as alt-right figures like Richard Spencer, who had fantasized about creating a “white ethno-state on the North American continent” that would be “a reconstitution of the Roman Empire,” rose to national prominence. In response to rising anti-immigrant sentiment in Europe and the United States, Mary Beard, perhaps the most famous classicist alive, wrote in The Wall Street Journal that the Romans “would have been puzzled by our modern problems with migration and asylum,” because the empire was founded on the “principles of incorporation and of the free movement of people.”
‘I’m not interested in demolition for demolition’s sake. I want to build something.’
Padilla found himself frustrated by the manner in which scholars were trying to combat Trumpian rhetoric. In November 2015, he wrote an essay for Eidolon, an online classics journal, clarifying that in Rome, as in the United States, paeans to multiculturalism coexisted with hatred of foreigners. Defending a client in court, Cicero argued that “denying foreigners access to our city is patently inhumane,” but ancient authors also recount the expulsions of whole “suspect” populations, including a roundup of Jews in 139 B.C., who were not considered “suitable enough to live alongside Romans.” Padilla argues that exposing untruths about antiquity, while important, is not enough: Explaining that an almighty, lily-white Roman Empire never existed will not stop white nationalists from pining for its return. The job of classicists is not to “point out the howlers,” he said on a 2017 panel. “To simply take the position of the teacher, the qualified classicist who knows things and can point to these mistakes, is not sufficient.” Dismantling structures of power that have been shored up by the classical tradition will require more than fact-checking; it will require writing an entirely new story about antiquity, and about who we are today.
To find that story, Padilla is advocating reforms that would “explode the canon” and “overhaul the discipline from nuts to bolts,” including doing away with the label “classics” altogether. Classics was happy to embrace him when he was changing the face of the discipline, but how would the field react when he asked it to change its very being? The way it breathed and moved? “Some students and some colleagues have told me this is either too depressing or it’s sort of menacing in a way,” he said. “My only rejoinder is that I’m not interested in demolition for demolition’s sake. I want to build something.”
One day last February, shortly before the pandemic ended in-person teaching, I visited Padilla at Princeton. Campus was quiet and morose, the silences quivering with early-term nerves. A storm had swept the leaves from the trees and the color from the sky, which was now the milky gray of laundry water, and the air was so heavy with mist that it seemed to be blurring the outlines of the buildings. That afternoon, Padilla was teaching a Roman-history course in one of the oldest lecture halls at the university, a grand, vaulted room with creaking floorboards and mullioned windows. The space was not designed for innovative pedagogy. Each wooden chair was bolted to the floor with a paddle-shaped extension that served as a desk but was barely big enough to hold a notebook, let alone a laptop. “This was definitely back in the day when the students didn’t even take notes,” one student said as she sat down. “Like, ‘My dad’s going to give me a job.’”
Since returning to campus as a professor in 2016, Padilla has been working to make Princeton’s classics department a more welcoming place for students like him — first-generation students and students of color. In 2018, the department secured funding for a predoctoral fellowship to help a student with less exposure to Latin and Greek enter the Ph.D. program. That initiative, and the draw of Padilla as a mentor, has contributed to making Princeton’s graduate cohort one of the most diverse in the country. Pria Jackson, a Black predoctoral fellow who is the daughter of a mortician from New Mexico, told me that before she came to Princeton, she doubted that she could square her interest in classics with her commitment to social justice. “I didn’t think that I could do classics and make a difference in the world the way that I wanted to,” she said. “My perception of what it could do has changed.”
Padilla’s Roman-history course was a standard introductory survey, something the university had been offering for decades, if not centuries, but he was not teaching it in the standard way. He was experimenting with role play in order to prompt his students to imagine what it was like to be subjects of an imperial system. The previous week, he asked them to recreate a debate that took place in the Roman Senate in A.D. 15 about a proposed waterworks project that communities in central Italy feared would change the flow of the Tiber River, destroying animal habitats and flooding old shrines. (Unlike the Senate, the Princeton undergraduates decided to let the project go ahead as planned.) Today’s situation was inspired by the crises of succession that threatened to tear the early empire apart. Out of the 80 students in the lecture, Padilla had assigned four to be young military commanders — claimants vying for the throne — and four to be wealthy Roman senators; the rest were split between the Praetorian Guard and marauding legionaries whose swords could be bought in exchange for money, land and honors. It was designed to help his students “think as capaciously as possible about the many lives, human and nonhuman, that are touched by the shift from republic to empire.”
Padilla stood calmly behind the lectern as students filed into the room, wearing rectangular-framed glasses low on his nose and a maroon sweater over a collared shirt. The stillness of his body only heightened the sense of his mind churning. “He carries a big stick without having to show it off,” Cowen, Padilla’s childhood mentor, told me. “He’s kind of soft on the outside but very hard on the inside.” Padilla speaks in the highly baroque language of the academy — a style that can seem so deliberate as to function as a kind of protective armor. It is the flinty, guarded manner of someone who has learned to code-switch, someone who has always been aware that it is not only what he says but also how he says it that carries meaning. Perhaps it is for that reason that Padilla seems most at ease while speaking to students, when his phrasing loses some of its formality and his voice takes on the incantatory cadence of poetry. “Silence,” he said once the room had quieted, “my favorite sound.”
Padilla called the claimants up to the front of the room. At first, they stood uncertainly on the dais, like adolescents auditioning for a school play. Then, slowly, they moved into the rows of wooden desks. I watched as one of them, a young man wearing an Army-green football T-shirt that said “Support Our Troops,” propositioned a group of legionaries. “I’ll take land from non-Romans and give it to you, grant you citizenship,” he promised them. As more students left their seats and began negotiating, bids and counterbids reverberated against the stone walls. Not everyone was taking it seriously. At one point, another claimant approached a blue-eyed legionary in a lacrosse sweatshirt to ask what it would take to gain his support. “I just want to defend my right to party,” he responded. “Can I get a statue erected to my mother?” someone else asked. A stocky blond student kept charging to the front of the room and proposing that they simply “kill everybody.” But Padilla seemed energized by the chaos. He moved from group to group, sowing discord. “Why let someone else take over?” he asked one student. If you are a soldier or a peasant who is unhappy with imperial governance, he told another, how do you resist? “What kinds of alliances can you broker?”
Padilla teaching Roman history at Princeton in 2016.Credit…Princeton University/Office of Communications/Denise Applewhite
Over the next 40 minutes, there were speeches, votes, broken promises and bloody conflicts. Several people were assassinated. Eventually it seemed as though two factions were coalescing, and a count was called. The young man in the football shirt won the empire by seven votes, and Padilla returned to the lectern. “What I want to be thinking about in the next few weeks,” he told them, “is how we can be telling the story of the early Roman Empire not just through a variety of sources but through a variety of persons.” He asked the students to consider the lives behind the identities he had assigned them, and the way those lives had been shaped by the machinery of empire, which, through military conquest, enslavement and trade, creates the conditions for the large-scale movement of human beings.
Once the students had left the room, accompanied by the swish of umbrellas and waterproof synthetics, I asked Padilla why he hadn’t assigned any slave roles. Tracing his fingers along the crown of his head, he told me he had thought about it. It troubled him that he might be “re-enacting a form of silencing” by avoiding enslaved characters, given the fact that slavery was “arguably the most ubiquitous feature of the Roman imperial system.” As a historian, he knew that the assets at the disposal of the four wealthy senators — the 100 million sesterces he had given them to back one claimant over another — would have been made up in large part of the enslaved who worked in their mines and plowed the fields of their country estates. Was it harmful to encourage students to imagine themselves in roles of such comfort, status and influence, when a vast majority of people in the Roman world would never have been in a position to be a senator? But ultimately, he decided that leaving enslaved characters out of the role play was an act of care. “I’m not yet ready to turn to a student and say, ‘You are going to be a slave.’”
Even before “the incident,” Padilla was a target of right-wing anger because of the blistering language he uses and, many would say, because of the body he inhabits. In the aftermath of his exchange with Williams, which was covered in the conservative media, Padilla received a series of racist emails. “Maybe African studies would suit you better if you can’t hope with the reality of how advanced Europeans were,” one read. “You could figure out why the wheel had never made it sub-Saharan African you meathead. Lucky for you, your black, because you have little else on offer.” Breitbart ran a story accusing Padilla of “killing” classics. “If there was one area of learning guaranteed never to be hijacked by the forces of ignorance, political correctness, identity politics, social justice and dumbing down, you might have thought it would be classics,” it read. “Welcome, barbarians! The gates of Rome are wide open!”
Privately, even some sympathetic classicists worry that Padilla’s approach will only hasten the field’s decline. “I’ve spoken to undergrad majors who say that they feel ashamed to tell their friends they’re studying classics,” Denis Feeney, Padilla’s colleague at Princeton, told me. “I think it’s sad.” He noted that the classical tradition has often been put to radical and disruptive uses. Civil rights movements and marginalized groups across the world have drawn inspiration from ancient texts in their fights for equality, from African-Americans to Irish Republicans to Haitian revolutionaries, who viewed their leader, Toussaint L’Ouverture, as a Black Spartacus. The heroines of Greek tragedy — untamed, righteous, destructive women like Euripides’ Medea — became symbols of patriarchal resistance for feminists like Simone de Beauvoir, and the descriptions of same-sex love in the poetry of Sappho and in the Platonic dialogues gave hope and solace to gay writers like Oscar Wilde.
“I very much admire Dan-el’s work, and like him, I deplore the lack of diversity in the classical profession,” Mary Beard told me via email. But “to ‘condemn’ classical culture would be as simplistic as to offer it unconditional admiration.” She went on: “My line has always been that the duty of the academic is to make things seem more complicated.” In a 2019 talk, Beard argued that “although classics may become politicized, it doesn’t actually have a politics,” meaning that, like the Bible, the classical tradition is a language of authority — a vocabulary that can be used for good or ill by would-be emancipators and oppressors alike. Over the centuries, classical civilization has acted as a model for people of many backgrounds, who turned it into a matrix through which they formed and debated ideas about beauty, ethics, power, nature, selfhood, citizenship and, of course, race. Anthony Grafton, the great Renaissance scholar, put it this way in his preface to “The Classical Tradition”: “An exhaustive exposition of the ways in which the world has defined itself with regard to Greco-Roman antiquity would be nothing less than a comprehensive history of the world.”
How these two old civilizations became central to American intellectual life is a story that begins not in antiquity, and not even in the Renaissance, but in the Enlightenment. Classics as we know it today is a creation of the 18th and 19th centuries. During that period, as European universities emancipated themselves from the control of the church, the study of Greece and Rome gave the Continent its new, secular origin story. Greek and Latin writings emerged as a competitor to the Bible’s moral authority, which lent them a liberatory power. Figures like Diderot and Hume derived some of their ideas on liberty from classical texts, where they found declarations of political and personal freedoms. One of the most influential was Pericles’ funeral oration over the graves of the Athenian war dead in 431 B.C., recorded by Thucydides, in which the statesman praises his “glorious” city for ensuring “equal justice to all.” “Our government does not copy our neighbors’,” he says, “but is an example to them. It is true that we are called a democracy, for the administration is in the hands of the many and not of the few.”
Admiration for the ancients took on a fantastical, unhinged quality, like a strange sort of mania. Men draped themselves in Roman togas to proclaim in public, signed their letters with the names of famous Romans and filled etiquette manuals, sermons and schoolbooks with lessons from the classical past. Johann Joachim Winckelmann, a German antiquarian of the 18th century, assured his countrymen that “the only way for us to become great, or even inimitable if possible, is to imitate the Greeks.” Winckelmann, who is sometimes called the “father of art history,” judged Greek marble sculpture to be the summit of human achievement — unsurpassed by any other society, ancient or modern. He wrote that the “noble simplicity and quiet grandeur” of Athenian art reflected the “freedom” of the culture that produced it, an entanglement of artistic and moral value that would influence Hegel’s “Aesthetics” and appear again in the poetry of the Romantics. “Beauty is truth, truth beauty,” Keats wrote in “Ode on a Grecian Urn,” “that is all/Ye know on earth, and all ye need to know.”
‘I think that the politics of the living are what constitute classics as a site for productive inquiry. When folks think of classics, I would want them to think about folks of color.’
Historians stress that such ideas cannot be separated from the discourses of nationalism, colorism and progress that were taking shape during the modern colonial period, as Europeans came into contact with other peoples and their traditions. “The whiter the body is, the more beautiful it is,” Winkelmann wrote. While Renaissance scholars were fascinated by the multiplicity of cultures in the ancient world, Enlightenment thinkers created a hierarchy with Greece and Rome, coded as white, on top, and everything else below. “That exclusion was at the heart of classics as a project,” Paul Kosmin, a professor of ancient history at Harvard, told me. Among those Enlightenment thinkers were many of America’s founding fathers. Aristotle’s belief that some people were “slaves by nature” was welcomed with special zeal in the American South before the Civil War, which sought to defend slavery in the face of abolitionist critique. In “Notes on the State of Virginia,” Thomas Jefferson wrote that despite their condition in life, Rome’s enslaved showed themselves to be the “rarest artists” who “excelled too at science, insomuch as to be usually employed as tutors to their master’s children.” The fact that Africans had not done the same, he argued, proved that the problem was their race.
Jefferson, along with most wealthy young men of his time, studied classics at college, where students often spent half their time reading and translating Greek and Roman texts. “Next to Christianity,” writes Caroline Winterer, a historian at Stanford, “the central intellectual project in America before the late 19th century was classicism.” Of the 2.5 million people living in America in 1776, perhaps only 3,000 had gone to college, but that number included many of the founders. They saw classical civilization as uniquely educative — a “lamp of experience,” in the words of Patrick Henry, that could light the path to a more perfect union. However true it was, subsequent generations would come to believe, as Hannah Arendt wrote in “On Revolution,” that “without the classical example … none of the men of the Revolution on either side of the Atlantic would have possessed the courage for what then turned out to be unprecedented action.”
While the founding fathers chose to emulate the Roman republic, fearful of the tyranny of the majority, later generations of Americans drew inspiration from Athenian democracy, particularly after the franchise was extended to nearly all white men regardless of property ownership in the early decades of the 1800s. Comparisons between the United States and the Roman Empire became popular as the country emerged as a global power. Even after Latin and Greek were struck from college-entrance exams, the proliferation of courses on “great books” and Western civilization, in which classical texts were read in translation, helped create a coherent national story after the shocks of industrialization and global warfare. The project of much 20th-century art and literature was to forge a more complicated relationship with Greece and Rome, but even as the classics were pulled apart, laughed at and transformed, they continued to form the raw material with which many artists shaped their visions of modernity.
Over the centuries, thinkers as disparate as John Adams and Simone Weil have likened classical antiquity to a mirror. Generations of intellectuals, among them feminist, queer and Black scholars, have seen something of themselves in classical texts, flashes of recognition that held a kind of liberatory promise. Daniel Mendelsohn, a gay classicist and critic, discovered his sexuality at 12 while reading historical fiction about the life of Alexander the Great. “Until that moment,” he wrote in The New Yorker in 2013, “I had never seen my secret feelings reflected anywhere.” But the idea of classics as a mirror may be as dangerous as it is seductive. The language that is used to describe the presence of classical antiquity in the world today — the classical tradition, legacy or heritage — contains within it the idea of a special, quasi-genetic relationship. In his lecture “There Is No Such Thing as Western Civilization,” Kwame Anthony Appiah (this magazine’s Ethicist columnist) mockingly describes the belief in such a kinship as the belief in a “golden nugget” of insight — a precious birthright and shimmering sign of greatness — that white Americans and Europeans imagine has been passed down to them from the ancients. That belief has been so deeply held that the philosopher John Stuart Mill could talk about the Battle of Marathon, in which the Greeks defeated the first Persian invasion in 490 B.C., as one of the most important events in “English history.”
To see classics the way Padilla sees it means breaking the mirror; it means condemning the classical legacy as one of the most harmful stories we’ve told ourselves. Padilla is wary of colleagues who cite the radical uses of classics as a way to forestall change; he believes that such examples have been outmatched by the field’s long alliance with the forces of dominance and oppression. Classics and whiteness are the bones and sinew of the same body; they grew strong together, and they may have to die together. Classics deserves to survive only if it can become “a site of contestation” for the communities who have been denigrated by it in the past. This past semester, he co-taught a course, with the Activist Graduate School, called “Rupturing Tradition,” which pairs ancient texts with critical race theory and strategies for organizing. “I think that the politics of the living are what constitute classics as a site for productive inquiry,” he told me. “When folks think of classics, I would want them to think about folks of color.” But if classics fails his test, Padilla and others are ready to give it up. “I would get rid of classics altogether,” Walter Scheidel, another of Padilla’s former advisers at Stanford, told me. “I don’t think it should exist as an academic field.”
One way to get rid of classics would be to dissolve its faculties and reassign their members to history, archaeology and language departments. But many classicists are advocating softer approaches to reforming the discipline, placing the emphasis on expanding its borders. Schools including Howard and Emory have integrated classics with Ancient Mediterranean studies, turning to look across the sea at Egypt, Anatolia, the Levant and North Africa. The change is a declaration of purpose: to leave behind the hierarchies of the Enlightenment and to move back toward the Renaissance model of the ancient world as a place of diversity and mixture. “There’s a more interesting story to be told about the history of what we call the West, the history of humanity, without valorizing particular cultures in it,” said Josephine Quinn, a professor of ancient history at Oxford. “It seems to me the really crucial mover in history is always the relationship between people, between cultures.” Ian Morris put it more bluntly. “Classics is a Euro-American foundation myth,” Morris said to me. “Do we really want that sort of thing?”
For many, inside the academy and out, the answer to that question is yes. Denis Feeney, Padilla’s colleague at Princeton, believes that society would “lose a great deal” if classics was abandoned. Feeney is 65, and after he retires this year, he says, his first desire is to sit down with Homer again. “In some moods, I feel that this is just a moment of despair, and people are trying to find significance even if it only comes from self-accusation,” he told me. “I’m not sure that there is a discipline that is exempt from the fact that it is part of the history of this country. How distinctly wicked is classics? I don’t know that it is.” Amy Richlin, a feminist scholar at the University of California, Los Angeles, who helped lead the turn toward the study of women in the Roman world, laughed when I mentioned the idea of breaking up classics departments in the Ivy League. “Good luck getting rid of them,” she said. “These departments have endowments, and they’re not going to voluntarily dissolve themselves.” But when I pressed her on whether it was desirable, if not achievable, she became contemplative. Some in the discipline, particularly graduate students and untenured faculty members, worry that administrators at small colleges and public universities will simply use the changes as an excuse to cut programs. “One of the dubious successes of my generation is that it did break the canon,” Richlin told me. “I don’t think we could believe at the time that we would be putting ourselves out of business, but we did.” She added: “If they blew up the classics departments, that would really be the end.”
‘I’m not sure that there is a discipline that is exempt from the fact that it is part of the history of this country. How distinctly wicked is classics? I don’t know that it is.’
Padilla has said that he “cringes” when he remembers his youthful desire to be transformed by the classical tradition. Today he describes his discovery of the textbook at the Chinatown shelter as a sinister encounter, as though the book had been lying in wait for him. He compares the experience to a scene in one of Frederick Douglass’s autobiographies, when Mr. Auld, Douglass’s owner in Baltimore, chastises his wife for helping Douglass learn to read: “ ‘Now,’ said he, ‘if you teach that nigger (speaking of myself) how to read, there would be no keeping him. It would forever unfit him to be a slave.’” In that moment, Douglass says he understood that literacy was what separated white men from Black — “a new and special revelation, explaining dark and mysterious things.” “I would at times feel that learning to read had been a curse rather than a blessing,” Douglass writes. “It had given me a view of my wretched condition, without the remedy.” Learning the secret only deepened his sense of exclusion.
Padilla, like Douglass, now sees the moment of absorption into the classical, literary tradition as simultaneous with his apprehension of racial difference; he can no longer find pride or comfort in having used it to bring himself out of poverty. He permits himself no such relief. “Claiming dignity within this system of structural oppression,” Padilla has said, “requires full buy-in into its logic of valuation.” He refuses to “praise the architects of that trauma as having done right by you at the end.”
Last June, as racial-justice protests unfolded across the nation, Padilla turned his attention to arenas beyond classics. He and his co-authors — the astrophysicist Jenny Greene, the literary theorist Andrew Cole and the poet Tracy K. Smith — began writing their open letter to Princeton with 48 proposals for reform. “Anti-Blackness is foundational to America,” the letter began. “Indifference to the effects of racism on this campus has allowed legitimate demands for institutional support and redress in the face of microaggression and outright racist incidents to go long unmet.” Signed by more than 300 members of the faculty, the letter was released publicly on the Fourth of July. In response, Joshua Katz, a prominent Princeton classicist, published an op-ed in the online magazine Quillette in which he referred to the Black Justice League, a student group, as a “terrorist organization” and warned that certain proposals in the faculty letter would “lead to civil war on campus.”
Few in the academy cared to defend Katz’s choice of words, but he was far from the only person who worried that some of the proposals were unwise, if not dangerous. Most controversial was the idea of establishing a committee that would “oversee the investigation and discipline of racist behaviors, incidents, research and publication” — a body that many viewed as a threat to free academic discourse. “I’m concerned about how you define what racist research is,” one professor told me. “That’s a line that’s constantly moving. Punishing people for doing research that other people think is racist just does not seem like the right response.” But Padilla believes that the uproar over free speech is misguided. “I don’t see things like free speech or the exchange of ideas as ends in themselves,” he told me. “I have to be honest about that. I see them as a means to the end of human flourishing.”
On Jan. 6, Padilla turned on the television minutes after the windows of the Capitol were broken. In the crowd, he saw a man in a Greek helmet with TRUMP 2020 painted in white. He saw a man in a T-shirt bearing a golden eagle on a fasces — symbols of Roman law and governance — below the logo 6MWE, which stands for “Six Million Wasn’t Enough,” a reference to the number of Jews murdered in the Holocaust. He saw flags embroidered with the phrase that Leonidas is said to have uttered when the Persian king ordered him to lay down his arms: Molon labe, classical Greek for “Come and take them,” which has become a slogan of American gun rights activists. A week after the riot, Representative Marjorie Taylor Greene, a newly elected Republican from Georgia who has liked posts on social media that call for killing Democrats, wore a mask stitched with the phrase when she voted against impeachment on the House floor.
“There is a certain kind of classicist who will look on what transpired and say, ‘Oh, that’s not us,’” Padilla said when we spoke recently. “What is of interest to me is why is it so imperative for classicists of a certain stripe to make this discursive move? ‘This is not us.’ Systemic racism is foundational to those institutions that incubate classics and classics as a field itself. Can you take stock, can you practice the recognition of the manifold ways in which racism is a part of what you do? What the demands of the current political moment mean?”
Padilla suspects that he will one day need to leave classics and the academy in order to push harder for the changes he wants to see in the world. He has even considered entering politics. “I would never have thought the position I hold now to be attainable to me as a kid,” he said. “But the fact that this is a minor miracle does not displace my deep sense that this is temporary too.” His influence on the field may be more permanent than his presence in it. “Dan-el has galvanized a lot of people,” Rebecca Futo Kennedy, a professor at Denison University, told me. Joel Christensen, the Brandeis professor, now feels that it is his “moral and ethical and intellectual responsibility” to teach classics in a way that exposes its racist history. “Otherwise we’re just participating in propaganda,” he said. Christensen, who is 42, was in graduate school before he had his “crisis of faith,” and he understands the fear that many classicists may experience at being asked to rewrite the narrative of their life’s work. But, he warned, “that future is coming, with or without Dan-el.”
Rachel Poser is the deputy editor of Harper’s Magazine. Her writing, which often focuses on the relationship between past and present, has appeared in Harper’s, The New York Times, Mother Jones and elsewhere. A version of this article appears in print on Feb. 7, 2021, Page 38 of the Sunday Magazine with the headline: The Iconoclast.
Brian Nord is an astrophysicist and machine learning researcher. Photo: Mark Lopez/Argonne National Laboratory
Machine learning algorithms serve us the news we read, the ads we see, and in some cases even drive our cars. But there’s an insidious layer to these algorithms: They rely on data collected by and about humans, and they spit our worst biases right back out at us. For example, job candidate screening algorithms may automatically reject names that sound like they belong to nonwhite people, while facial recognition software is often much worse at recognizing women or nonwhite faces than it is at recognizing white male faces. An increasing number of scientists and institutions are waking up to these issues, and speaking out about the potential for AI to cause harm.
Brian Nord is one such researcher weighing his own work against the potential to cause harm with AI algorithms. Nord is a cosmologist at Fermilab and the University of Chicago, where he uses artificial intelligence to study the cosmos, and he’s been researching a concept for a “self-driving telescope” that can write and test hypotheses with the help of a machine learning algorithm. At the same time, he’s struggling with the idea that the algorithms he’s writing may one day be biased against him—and even used against him—and is working to build a coalition of physicists and computer scientists to fight for more oversight in AI algorithm development.
This interview has been edited and condensed for clarity.
Gizmodo: How did you become a physicist interested in AI and its pitfalls?
Brian Nord: My Ph.d is in cosmology, and when I moved to Fermilab in 2012, I moved into the subfield of strong gravitational lensing. [Editor’s note: Gravitational lenses are places in the night sky where light from distant objects has been bent by the gravitational field of heavy objects in the foreground, making the background objects appear warped and larger.] I spent a few years doing strong lensing science in the traditional way, where we would visually search through terabytes of images, through thousands of candidates of these strong gravitational lenses, because they’re so weird, and no one had figured out a more conventional algorithm to identify them. Around 2015, I got kind of sad at the prospect of only finding these things with my eyes, so I started looking around and found deep learning.
Here we are a few years later—myself and a few other people popularized this idea of using deep learning—and now it’s the standard way to find these objects. People are unlikely to go back to using methods that aren’t deep learning to do galaxy recognition. We got to this point where we saw that deep learning is the thing, and really quickly saw the potential impact of it across astronomy and the sciences. It’s hitting every science now. That is a testament to the promise and peril of this technology, with such a relatively simple tool. Once you have the pieces put together right, you can do a lot of different things easily, without necessarily thinking through the implications.
Gizmodo: So what is deep learning? Why is it good and why is it bad?
BN: Traditional mathematical models (like the F=ma of Newton’s laws) are built by humans to describe patterns in data: We use our current understanding of nature, also known as intuition, to choose the pieces, the shape of these models. This means that they are often limited by what we know or can imagine about a dataset. These models are also typically smaller and are less generally applicable for many problems.
On the other hand, artificial intelligence models can be very large, with many, many degrees of freedom, so they can be made very general and able to describe lots of different data sets. Also, very importantly, they are primarily sculpted by the data that they are exposed to—AI models are shaped by the data with which they are trained. Humans decide what goes into the training set, which is then limited again by what we know or can imagine about that data. It’s not a big jump to see that if you don’t have the right training data, you can fall off the cliff really quickly.
The promise and peril are highly related. In the case of AI, the promise is in the ability to describe data that humans don’t yet know how to describe with our ‘intuitive’ models. But, perilously, the data sets used to train them incorporate our own biases. When it comes to AI recognizing galaxies, we’re risking biased measurements of the universe. When it comes to AI recognizing human faces, when our data sets are biased against Black and Brown faces for example, we risk discrimination that prevents people from using services, that intensifies surveillance apparatus, that jeopardizes human freedoms. It’s critical that we weigh and address these consequences before we imperil people’s lives with our research.
Gizmodo: When did the light bulb go off in your head that AI could be harmful?
BN: I gotta say that it was with the Machine Bias article from ProPublica in 2016, where they discuss recidivism and sentencing procedure in courts. At the time of that article, there was a closed-source algorithm used to make recommendations for sentencing, and judges were allowed to use it. There was no public oversight of this algorithm, which ProPublica found was biased against Black people; people could use algorithms like this willy nilly without accountability. I realized that as a Black man, I had spent the last few years getting excited about neural networks, then saw it quite clearly that these applications that could harm me were already out there, already being used, and we’re already starting to become embedded in our social structure through the criminal justice system. Then I started paying attention more and more. I realized countries across the world were using surveillance technology, incorporating machine learning algorithms, for widespread oppressive uses.
Gizmodo: How did you react? What did you do?
BN: I didn’t want to reinvent the wheel; I wanted to build a coalition. I started looking into groups like Fairness, Accountability and Transparency in Machine Learning, plus Black in AI, who is focused on building communities of Black researchers in the AI field, but who also has the unique awareness of the problem because we are the people who are affected. I started paying attention to the news and saw that Meredith Whittaker had started a think tank to combat these things, and Joy Buolamwini had helped found the Algorithmic Justice League. I brushed up on what computer scientists were doing and started to look at what physicists were doing, because that’s my principal community.
It became clear to folks like me and Savannah Thais that physicists needed to realize that they have a stake in this game. We get government funding, and we tend to take a fundamental approach to research. If we bring that approach to AI, then we have the potential to affect the foundations of how these algorithms work and impact a broader set of applications. I asked myself and my colleagues what our responsibility in developing these algorithms was and in having some say in how they’re being used down the line.
Gizmodo: How is it going so far?
BN: Currently, we’re going to write a white paper for SNOWMASS, this high-energy physics event. The SNOWMASS process determines the vision that guides the community for about a decade. I started to identify individuals to work with, fellow physicists, and experts who care about the issues, and develop a set of arguments for why physicists from institutions, individuals, and funding agencies should care deeply about these algorithms they’re building and implementing so quickly. It’s a piece that’s asking people to think about how much they are considering the ethical implications of what they’re doing.
We’ve already held a workshop at the University of Chicago where we’ve begun discussing these issues, and at Fermilab we’ve had some initial discussions. But we don’t yet have the critical mass across the field to develop policy. We can’t do it ourselves as physicists; we don’t have backgrounds in social science or technology studies. The right way to do this is to bring physicists together from Fermilab and other institutions with social scientists and ethicists and science and technology studies folks and professionals, and build something from there. The key is going to be through partnership with these other disciplines.
Gizmodo: Why haven’t we reached that critical mass yet?
BN: I think we need to show people, as Angela Davis has said, that our struggle is also their struggle. That’s why I’m talking about coalition building. The thing that affects us also affects them. One way to do this is to clearly lay out the potential harm beyond just race and ethnicity. Recently, there was this discussion of a paper that used neural networks to try and speed up the selection of candidates for Ph.D programs. They trained the algorithm on historical data. So let me be clear, they said here’s a neural network, here’s data on applicants who were denied and accepted to universities. Those applicants were chosen by faculty and people with biases. It should be obvious to anyone developing that algorithm that you’re going to bake in the biases in that context. I hope people will see these things as problems and help build our coalition.
Gizmodo: What is your vision for a future of ethical AI?
BN: What if there were an agency or agencies for algorithmic accountability? I could see these existing at the local level, the national level, and the institutional level. We can’t predict all of the future uses of technology, but we need to be asking questions at the beginning of the processes, not as an afterthought. An agency would help ask these questions and still allow the science to get done, but without endangering people’s lives. Alongside agencies, we need policies at various levels that make a clear decision about how safe the algorithms have to be before they are used on humans or other living things. If I had my druthers, these agencies and policies would be built by an incredibly diverse group of people. We’ve seen instances where a homogeneous group develops an app or technology and didn’t see the things that another group who’s not there would have seen. We need people across the spectrum of experience to participate in designing policies for ethical AI.
Gizmodo: What are your biggest fears about all of this?
BN: My biggest fear is that people who already have access to technology resources will continue to use them to subjugate people who are already oppressed; Pratyusha Kalluri has also advanced this idea of power dynamics. That’s what we’re seeing across the globe. Sure, there are cities that are trying to ban facial recognition, but unless we have a broader coalition, unless we have more cities and institutions willing to take on this thing directly, we’re not going to be able to keep this tool from exacerbating white supremacy, racism, and misogyny that that already exists inside structures today. If we don’t push policy that puts the lives of marginalized people first, then they’re going to continue being oppressed, and it’s going to accelerate.
Gizmodo: How has thinking about AI ethics affected your own research?
BN: I have to question whether I want to do AI work and how I’m going to do it; whether or not it’s the right thing to do to build a certain algorithm. That’s something I have to keep asking myself… Before, it was like, how fast can I discover new things and build technology that can help the world learn something? Now there’s a significant piece of nuance to that. Even the best things for humanity could be used in some of the worst ways. It’s a fundamental rethinking of the order of operations when it comes to my research.
I don’t think it’s weird to think about safety first. We have OSHA and safety groups at institutions who write down lists of things you have to check off before you’re allowed to take out a ladder, for example. Why are we not doing the same thing in AI? A part of the answer is obvious: Not all of us are people who experience the negative effects of these algorithms. But as one of the few Black people at the institutions I work in, I’m aware of it, I’m worried about it, and the scientific community needs to appreciate that my safety matters too, and that my safety concerns don’t end when I walk out of work.
Gizmodo: Anything else?
BN: I’d like to re-emphasize that when you look at some of the research that has come out, like vetting candidates for graduate school, or when you look at the biases of the algorithms used in criminal justice, these are problems being repeated over and over again, with the same biases. It doesn’t take a lot of investigation to see that bias enters these algorithms very quickly. The people developing them should really know better. Maybe there needs to be more educational requirements for algorithm developers to think about these issues before they have the opportunity to unleash them on the world.
This conversation needs to be raised to the level where individuals and institutions consider these issues a priority. Once you’re there, you need people to see that this is an opportunity for leadership. If we can get a grassroots community to help an institution to take the lead on this, it incentivizes a lot of people to start to take action.
And finally, people who have expertise in these areas need to be allowed to speak their minds. We can’t allow our institutions to quiet us so we can’t talk about the issues we’re bringing up. The fact that I have experience as a Black man doing science in America, and the fact that I do AI—that should be appreciated by institutions. It gives them an opportunity to have a unique perspective and take a unique leadership position. I would be worried if individuals felt like they couldn’t speak their mind. If we can’t get these issues out into the sunlight, how will we be able to build out of the darkness?
Ryan F. Mandelbaum – Former Gizmodo physics writer and founder of Birdmodo, now a science communicator specializing in quantum computing and birds
Academia Uruguaia de Letras defende Cavani em caso de suposto racismo e lamenta ‘falta de conhecimento’ de federação inglesa (O Globo)
O Globo, com Reuters – 02 de janeiro de 2021
Jogador foi punido por ter usado termo ‘negrito’ em sua rede social, ao agradecer a um amigo que lhe deu os parabéns depois da vitória contra Southampton
02/01/2021 – 10:33 / Atualizado em 02/01/2021 – 11:12
Cavani, do Manchester United, foi punido com multa e suspensão de três jogos Foto: MARTIN RICKETT / Pool via REUTERS
A Academia de Letras do Uruguai classificou nesta sexta-feira como “ignorante” e uma “grave injustiça”a punição de três jogos recebida pelo atacante Edinson Cavani, do Manchester United, aplicada pela Football Association (FA), entidade máxima do futebol inglês, por uso do termo “negrito” para se referir a um seguidor em uma postagem numa rede social.
O uruguaio de 33 anos usou a palavra “negrito” em um post no Instagram após a vitória do clube sobre o Southampton em 29 de novembro, antes de retirá-lo do ar e se desculpar. Ele disse que era uma expressão de afeto a um amigo.
Postagem de Cavani que gerou polêmica Foto: Reproduçao
Na quinta-feira, a FA disse que o comentário era “impróprio e trouxe descrédito ao jogo” e multou Cavani em 100 mil.
A academia, uma associação dedicada a proteger e promover o espanhol usado no Uruguai, disse que “rejeitou energicamente a sanção”.
“A Federação Inglesa de Futebol cometeu uma grave injustiça com o desportista uruguaio … e mostrou a sua ignorância e erro ao regulamentar o uso da língua, em particular o espanhol, sem dar atenção a todas as suas complexidades e contextos”, afirmou a academia, por meio de seu presidente, Wilfredo Penco. “No contexto em que foi escrito, o único valor que se pode dar ao negrito (e principalmente pelo uso diminutivo) é afetuoso”.
Segundo a Academia, palavras que se referem à cor da pele, peso e outras características físicas são freqüentemente usadas entre amigos e parentes na América Latina, especialmente no diminutivo. A entidade acrescenta que até pessoas alvo destas expressões muitas vezes nem tem as características citadas.
“O uso que Cavani fez para se dirigir ao amigo ‘pablofer2222’ (nome da conta) tem este tipo de teor carinhoso — dado o contexto em que foi escrito, a pessoa a quem foi dirigido e a variedade do espanhol usado, o único valor que “negrito” pode ter é o carinhoso. Para insultar em espanhol, inglês ou outra língua, é preciso ter a capacidade para ofender o outro e aí o próprio ‘pablofer2222’ teria expressado o seu incómodo”, encerra a Academia.
Cavani: “Meu coração está em paz”
Cavani usou a rede social para comentar o episódio e assumiu “desconforto” com a situação. Garantiu que nunca foi sua intenção ofender o amigo e que a expressão usada foi de afeto.
“Não quero me alongar muito neste momento desconfortável. Quero dizer que aceito a sanção disciplinar, sabendo que sou estrangeiro para os costumes da língua inglesa, mas que não partilho do mesmo ponto de vista. Peço desculpa se ofendi alguém com uma expressão de afeto para com um amigo, não era essa a minha intenção. Aqueles que me conhecem sabem que os meus esforços são sempre procurar a simples alegria e amizade”, escreveu o jogador.
“Agradeço as inúmeras mensagens de apoio e afeto. O meu coração está em paz porque sei que sempre me expressei com afeto de acordo com a minha cultura e estilo de vida. Um sincero abraço”.
Cavani: Federação uruguaia e jogadores da seleção defendem atacante e pedem revisão de pena por racismo (O Globo)
Jogador foi suspenso por três partidas e multado pela Football Association por escrever ‘Negrito’ em suas redes sociais
04/01/2021 – 12:46 / Atualizado em 04/01/2021 – 13:45
Cavani foi suspenso por três jogos pela Federação Inglesa acusado de racismo Foto: MARTIN RICKETT/ Pool via REUTERS
A punição imposta a Edinson Cavani pela Football Association (FA, entidade que gere o futebol na Inglaterra) pela reprodução do termo “Negrito” (diminutivo de negro, em espanhol) em suas redes sociais segue no centro de uma intensa discussão no Uruguai. Depois da Academia Uruguaia de Letras prestar solidariedade e chamar a pena de desconhecimento cultural, os jogadores da seleção e a própria Associação Uruguaia de Futebol (AUF) se manifestaram em favor do atacante.
Nesta segunda, a Associação de Futebolistas do Uruguai publicou uma carta na qual manifestou seu repúdio à decisão da FA. O documento classifica a punição como uma arbitrariedade e diz que a entidade teve uma visão distorcida, dogmática e etnocentrista do tema.
“Longe de realizar uma defesa contra o racismo, o que a FA cometeu foi um ato discriminatório contra a cultura e a forma de vida dos uruguaios”, acusa o órgão que representa a classe de jogadores do país sul-americano.
O documento foi compartilhado nas redes sociais por jogadores da seleção. Entre eles, o atacante Luis Suárez, do Atlético de Madri; e o capitão Diego Godín, zagueiro do Cagliari-ITA.
Logo em seguida, a própria federação uruguaia se juntou à rede de apoio ao atacante e ídolo da Celeste. Em comunicado divulgado em suas redes sociais, a entidade pede que a FA retire a pena imposta a Cavani e reitera a argumentação utilizada pela Academia Uruguaia de Letras ao tentar desassociar o termo “negrito” de qualquer conotação racista.
“No nosso espanhol, que difere muito do castelhano falado em outras regiões do mundo, os apelidos negro/a e negrito/a são utilizados assiduamente como expressão de amizade, afeto, proximidade e confiança e de forma alguma se referem de forma depreciativa ou discriminatória à raça ou cor da pele de quem se faz alusão”, defende o órgão.
Cavani já cumpriu o primeiro dos três jogos que recebeu de suspensão. Ele não foi relacionado para a partida do Manchester United contra o Aston Villa, no último sábado, pelo Campeonato Inglês. Além deste gancho, o jogador foi condenado a pagar uma multa de 100 mil libras (cerca de R$ 700 mil). A punição foi dada após ele escrever “Obrigado, negrito” a um elogio feito por um seguidor do Instagram.
“Um comentário postado na página Instagram do jogador do Manchester United foi insultuoso e/ou abusivo e/ou impróprio e/ou trouxe descrédito ao jogo”, posicionou-se a FA ao aplicar a pena.
Embora o episódio tenha gerado muita indignação no Uruguai, país de maioria branca, o próprio Cavani não levou o caso adiante. Ao se manifestar, o atacante se disse incomodado com a situação, não concordou com a punição, mas enfatizou que a aceitava.
Viver o racismo, direta ou indiretamente, tem efeitos de longo prazo sobre desenvolvimento, comportamento, saúde física e mental
Episódios diários de racismo, desde ser alvo de preconceito até assistir a casos de violência sofridos por outras pessoas da mesma raça, têm um efeito às vezes “invisível”, mas duradouro e cruel sobre a saúde, o corpo e o cérebro de crianças.
A conclusão é do Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Harvard, que compilou estudos documentando como a vivência cotidiana do racismo estrutural, de suas formas mais escancaradas às mais sutis ou ao acesso pior a serviços públicos, impacta “o aprendizado, o comportamento, a saúde física e mental” infantil.
No longo prazo, isso resulta em custos bilionários adicionais em saúde, na perpetuação das disparidades raciais e em mais dificuldades para grande parcela da população em atingir seu pleno potencial humano e capacidade produtiva.
Embora os estudos sejam dos EUA, dados estatísticos — além do fato de o Brasil também ter histórico de escravidão e desigualdade — permitem traçar paralelos entre os dois cenários.
Aqui, casos recentes de violência contra pessoas negras incluem o de Beto Freitas, espancado até a morte dentro de um supermercado Carrefour em Porto Alegre em 20 de novembro, e o das primas Emilly, 4, e Rebeca, 7, mortas por disparos de balas enquanto brincavam na porta de casa, em Duque de Caxias em 4 de dezembro.
No Brasil, 54% da população é negra, percentual que é de 13% na população dos EUA.
A seguir, quatro impactos do ciclo vicioso do racismo, segundo o documento de Harvard. Para discutir as particularidades disso no Brasil, a reportagem entrevistou a psicóloga Cristiane Ribeiro, autora de um estudo recente sobre como a população negra lida com o sofrimento físico e mental, que foi tema de sua dissertação de mestrado pelo Programa de Pós-graduação em Promoção da Saúde e Prevenção da Violência da UFMG.
1. Corpo em estado de alerta constante
O racismo e a violência dentro da comunidade (e a ausência de apoio para lidar com isso) estão entre o que Harvard chama de “experiências adversas na infância”. Passar constantemente por essas experiências faz com que o cérebro se mantenha em estado constante de alerta, provocando o chamado “estresse tóxico”.
“Anos de estudos científicos mostram que, quando os sistemas de estresse das crianças ficam ativados em alto nível por longo período de tempo, há um desgaste significativo nos seus cérebros em desenvolvimento e outros sistemas biológicos”, diz o Centro de Desenvolvimento Infantil da universidade.
Na prática, áreas do cérebro dedicadas à resposta ao medo, à ansiedade e a reações impulsivas podem produzir um excesso de conexões neurais, ao mesmo tempo em que áreas cerebrais dedicadas à racionalização, ao planejamento e ao controle de comportamento vão produzir menos conexões neurais.
Protesto pela morte de Beto Freitas, em Porto Alegre, 20 de novembro; assistir cenas de violência contra pessoas da mesma raça tem efeito traumático – é o chamado ‘racismo indireto’
“Isso pode ter efeito de longo prazo no aprendizado, comportamento, saúde física e mental”, prossegue o centro. “Um crescente corpo de evidências das ciências biológicas e sociais conecta esse conceito de desgaste (do cérebro) ao racismo. Essas pesquisas sugerem que ter de lidar constantemente com o racismo sistêmico e a discriminação cotidiana é um ativador potente da resposta de estresse.”
“Embora possam ser invisíveis para quem não passa por isso, não há dúvidas de que o racismo sistêmico e a discriminação interpessoal podem levar à ativação crônica do estresse, impondo adversidades significativas nas famílias que cuidam de crianças pequenas”, conclui o documento de Harvard.
2. Mais chance de doenças crônicas ao longo da vida
Essa exposição ao estresse tóxico é um dos fatores que ajudam a explicar diferenças raciais na incidência de doenças crônicas, prossegue o centro de Harvard:
“As evidências são enormes: pessoas negras, indígenas e de outras raças nos EUA têm, em média, mais problemas crônicos de saúde e vidas mais curtas do que as pessoas brancas, em todos os níveis de renda.”
Alguns dados apontam para situação semelhante no Brasil. Homens e mulheres negros têm, historicamente, incidência maior de diabetes — 9% mais prevalente em negros do que em brancos; 50% mais prevalente em negras do que em brancas, segundo o Ministério da Saúde — e pressão alta, por exemplo.
Os números mais marcantes, porém, são os de violência armada, como a que vitimou as meninas Emilly e Rebeca. O Atlas da Violência aponta que negros foram 75,7% das vítimas de homicídio no Brasil em 2018.
A taxa de homicídios de brasileiros negros é de 37,8 para cada 100 mil habitantes, contra 13,9 de não negros.
Há, ainda, uma incidência possivelmente maior de problemas de saúde mental: de cada dez suicídios em adolescentes em 2016, seis foram de jovens negros e quatro de brancos, segundo pesquisa do Ministério da Saúde publicada no ano passado.
“O adoecimento (pela vivência do racismo) é constante, e vemos nos dados escancarados, como os da violência, mas também na depressão, no adoecimento psíquico e nos altos números de suicídio”, afirma a psicóloga Cristiane Ribeiro.
“Embora possam ser invisíveis para quem não passa por isso, não há dúvidas de que o racismo sistêmico e a discriminação interpessoal podem levar à ativação crônica do estresse, impondo adversidades significativas nas famílias que cuidam de crianças pequenas”, diz o documento de Harvard
“E por que essa é violência é tão marcante entre pessoas negras? Porque aprendemos que nosso semelhante é o pior possível e o quanto mais longe estivermos dele, melhor. A criança materializa isso de alguma forma. Temos estatísticas de que crianças negras são menos abraçadas na educação infantil, recebem menos afeto dos professores. (Algumas) ouvem desde cedo ‘esse menino não aprende mesmo, é burro’ ou ‘nasceu pra ser bandido'”, prossegue Ribeiro.
Embora muitos conseguem superar essa narrativa, outros têm sua vida marcada por ela, diz Ribeiro. “Trabalhei durante muito tempo no sistema socioeducativo (com jovens infratores), e essas sentenças são muito recorrentes: o menino que escuta desde pequeno que ‘não vai ser nada na vida’. São trajetórias sentenciadas.”
3. Disparidades na saúde e na educação
Os problemas descritos acima são potencializados pelo menor acesso aos serviços públicos de saúde, aponta Harvard.
“Pessoas de cor recebem tratamento desigual quando interagem em sistemas como o de saúde e educação, além de terem menos acesso a educação e serviços de saúde de alta qualidade, a oportunidades econômicas e a caminhos para o acúmulo de riqueza”, diz o documento do Centro de Desenvolvimento infantil.
“Tudo isso reflete formas como o legado do racismo estrutural nos EUA desproporcionalmente enfraquece a saúde e o desenvolvimento de crianças de cor.”
Mais uma vez, os números brasileiros apontam para um quadro parecido. Segundo levantamento do Ministério da Saúde, 67% do público do SUS (Sistema Único de Saúde) é negro. No entanto, a população negra realiza proporcionalmente menos consultas médicas e atendimentos de pré-natal.
E, entre os 10% de pessoas com menor renda no Brasil, 75% delas são pretas ou pardas.
Na educação, as disparidades persistem. Crianças negras de 0 a 3 anos têm percentual menor de matrículas em creches. Na outra ponta do ensino, 53,9% dos jovens declarados negros concluíram o ensino médio até os 19 anos — 20 pontos percentuais a menos que a taxa de jovens brancos, apontam dados de 2018 do movimento Todos Pela Educação.
Familiares das meninas Emilly e Rebecca, mortas a tiros,em encontro com o governador em exercício do Rio, Claudio Castro; Atlas da Violência aponta que negros foram 75,7% das vítimas de homicídio no Brasil em 2018
4. Cuidadores mais fragilizados e ‘racismo indireto’
Os efeitos do estresse não se limitam às crianças: se estendem também aos pais e responsáveis por elas — e, como em um efeito bumerangue, voltam a afetar as crianças indiretamente.
“Múltiplos estudos documentaram como os estresses da discriminação no dia a dia em pais e outros cuidadores, como ser associado a estereótipos negativos, têm efeitos nocivos no comportamento desses adultos e em sua saúde mental”, prossegue o Centro de Desenvolvimento Infantil.
Um dos estudos usados para embasar essa conclusão é uma revisão de dezenas de pesquisas clínicas feita em 2018, que aborda o que os pesquisadores chamam de “exposição indireta ao racismo”: mesmo quando as crianças não são alvo direto de ofensas ou violência racista, podem ficar traumatizadas ao testemunhar ou escutar sobre eventos que tenham afetado pessoas próximas a elas.
“Especialmente para crianças de minorias (raciais), a exposição frequente ao racismo indireto pode forçá-las a dar sentido cognitivamente a um mundo que sistematicamente as desvaloriza e marginaliza”, concluem os pesquisadores.
O estudo identificou, como efeito desse “racismo indireto”, impactos tanto em cuidadores (que tinham autoestima mais fragilizada) como nas crianças, que nasciam de mais partos prematuros, com menor peso ao nascer e mais chances de adoecer ao longo da vida ou de desenvolver depressão.
Na infância, diz a psicóloga Cristiane Ribeiro, é quando começamos a construir nossa capacidade de acreditar no próprio potencial para viver no mundo. No caso da população negra, essa construção é afetada negativamente pelos estereótipos racistas, sejam características físicas ou sociais — como o “cabelo pixaim” ou “serviço de preto”.
Valorização e representatividade impactam positivamente as crianças e, por consequência, suas famílias
“A gente precisa ter referências mais positivas da população negra como aquela que também é responsável pela constituição social do Brasil. A única representação que a gente tem no livro didático de história é de uma pessoa (escravizada) acorrentada, em uma situação de extrema vulnerabilidade e que está ali porque ‘não se esforçou para não estar'”, diz a pesquisadora.
Mesmo atos “sutis” — como pessoas negras sendo seguidas por seguranças em shopping centers ou recebendo atendimento pior em uma loja qualquer —, que muitas vezes passam despercebidos para observadores brancos, podem ter efeitos devastadores sobre a autoestima, prossegue Ribeiro.
“Isso que a gente costuma chamar de sutileza do racismo não tem nada de sutil na minha perspectiva. Quando alguém grita ‘macaco’ no meio da rua, as pessoas compartilham a indignação. É diferente do olhar (preconceituoso), que só o sujeito viu e só ele percebeu. Mesmo para a militante mais empoderada e ciente de seus direitos — porque é uma luta sem descanso —, tem dias que não tem jeito, esse olhar te destroça. A gente fala muito da força da mulher negra, mas e o direito à fragilidade? será que ser frágil também é um privilégio?”
Como romper o ciclo
“Avanços na ciência apresentam um retrato cada vez mais claro de como a adversidade forte na vida de crianças pequenas pode afetar o desenvolvimento do cérebro e outros sistemas biológicos. Essas perturbações iniciais podem enfraquecer as oportunidades dessas crianças em alcançar seu pleno potencial”, diz o documento de Harvard.
Mas é possível romper esse ciclo, embora lembrando que as formas de combatê-lo são complexas e múltiplas.
“A gente fala muito da força da mulher negra, mas e o direito à fragilidade? será que ser frágil também é um privilégio?”, diz Cristiane Ribeiro
“Precisamos criar novas estratégias para lidar com essas desigualdades que sistematicamente ameaçam a saúde e o bem-estar das crianças pequenas de cor e os adultos que cuidam delas. Isso inclui buscar ativamente e reduzir os preconceitos em nós e nas políticas socioeconômicas, por meio de iniciativas como contratações justas, oferta de crédito, programas de habitação, treinamento antipreconceito e iniciativas de policiamento comunitário”, diz o Centro de Desenvolvimento Infantil de Harvard.
Para Cristiane Ribeiro, passos fundamentais nessa direção envolvem mais representatividade negra e mais discussões sobre o tema dentro das escolas.
“Se tenho uma escola repleta de negros ou pessoas de diferentes orientações sexuais, mas isso não é dito, não é tratado, você tem a mesma segregação que nos outros espaços”, opina.
“Precisamos extinguir a ideia do ‘lápis cor de pele’. Tem tanta cor de pele, porque um lápis rosa a representa? Tem também a criança com cabelo crespo em uma escola onde só são penteados os cabelos lisos. Se a professora der conta de tratar aquele cabelo de uma forma tão afetiva quanto ela trata o cabelo lisinho, ela mudará o mundo daquela criança, inclusive incluindo nessa criança defesa para que ela responda quando seu cabelo for chamado de duro, de feio. E daí ela se olha no espelho e vê beleza, que é um direito que está sendo conquistado muito aos poucos. A chance é de que faça diferença pra família inteira. A criança negra que fala ‘não, mãe, meu cabelo não é feio’ desloca aquele ciclo naquela família, de todas as mulheres alisarem o cabelo. (…) Um olhar afetivo nessa história quebra o ciclo.”
O afeto e a construção de redes de apoio também são apontados por Harvard como formas de aliviar o peso do estresse tóxico e construir resiliência em crianças e famílias.
“É claro que a ciência não consegue lidar com esses desafios sozinha, mas o pensamento informado pela ciência combinado com o conhecimento em mudar sistemas entrincheirados e as experiências vividas pelas famílias que criam seus filhos sob diferentes condições podem ser poderosos catalisadores de estratégias eficientes,” defende o Centro para o Desenvolvimento Infantil.
Ranier Bragon, Guilherme Garcia e Flávia Faria – 27 de setembro de 2020
Os 526 mil pedidos de registro de candidatura computados até o momento para as eleições municipais de novembro já representam um recorde no número total de candidatos, de postulantes do sexo feminino e, pela primeira vez na história, uma maioria autodeclarada negra (preta ou parda) em relação aos que se identificam como brancos.
O crescimentos de negros e mulheres na disputa às prefeituras e Câmaras Municipais tem como pano de fundo o estabelecimento das cotas de gênero a partir dos anos 90 e as mais recentes cotas de distribuição da verba de campanha e da propaganda eleitoral, decisões essas tomadas pelos tribunais superiores em 2018, no caso das mulheres, e em 2020, no caso dos negros.
A cota eleitoral racial ainda depende de confirmação pelo plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), o que deve ocorrer nesta semana.
Em relação à maior presença de negros, especialistas falam também no impacto do aumento de pessoas que se reconhecem como pretas e pardas após ações de combate ao racismo.
Apesar de o prazo de registro de candidatos ter se encerrado neste sábado (26), o Tribunal Superior eleitoral informou que um residual de registros feitos de forma presencial ainda levará alguns dias para ser absorvido pelo sistema.
Além disso, candidatos que não tiveram seu nome inscrito pelos partidos têm até quinta-feira (1º) para fazê-lo, mas isso normalmente diz respeito a um percentual ínfimo de concorrentes.
Os 526 mil pedidos computados até agora já representam 47 mil a mais do total de 2016 e 82% do que o tribunal espera receber este ano, com base nas convenções partidárias —cerca de 645 mil postulantes.
Até a noite deste domingo (27), o percentual de candidatas mulheres era de 34%, 177 mil concorrentes. Nas últimas três eleições, esse índice não passou de 32%. Pelas regras atuais, os partidos devem reservar ao menos 30% das vagas de candidatos e da verba pública de campanha para elas.
Em 2018, a Folharevelou em diversas reportagens que partidos, entre eles o PSL, lançaram candidatas laranjas com o intuito de simular o cumprimento da exigência, mas acabaram desviando os recursos para candidatos homens.
No caso dos negros, o TSE decidiu instituir a partir de 2022 a divisão equânime das verbas de campanha e da propaganda eleitoral entre candidatos negros e brancos.
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, porém, determinou a aplicação imediata da medida. Sua decisão, que é liminar, está sendo analisada pelo plenário da corte, com tendência de confirmação.
Até noite deste domingo, os autodeclarados pretos e pardos somavam 51% dos candidatos (264 mil) contra 48% dos brancos (249 mil). Entre os negros, 208 mil se declaravam pardos e 56 mil, pretos.
O TSE passou a perguntar a cor dos candidatos a partir de 2014. Nas três eleições ocorridas até agora, os brancos sempre foram superiores aos negros, ocupando mais de 50% das vagas de candidatos, apesar de pretos e pardos serem maioria na população brasileira (56%). Em 2016, brancos eram 51%.
Embora o TSE não tenha registrado cor ou raça dos candidatos nos pleitos anteriores, é muitíssimo improvável ter havido eleição anterior com maioria de candidatos negros.
Assim como no recenseamento da população feita pelo IBGE, os candidatos devem declarar a cor ou raça com base em cinco identificações: preta, parda (que formam a população negra do país), branca, amarela ou indígena.
Mais de 42 mil candidatos de todo o país que disputarão as eleições deste ano mudaram a declaração de cor e raça que deram em 2016.
O número equivale a 27% dos cerca de 154 mil que concorreram no último pleito e disputam novamente em 2020. Pouco mais de um terço (36%) alterou a cor de branca para parda. Outros 30% se declaravam pardos e agora se dizem brancos.
Apesar da possibilidade de fraude, especialistas falam no impacto do aumento de pessoas que se reconhecem como pretas e pardas após ações de combate ao racismo.
A decisão de adoção imediata das cotas raciais colocou em posições opostas os núcleos afros dos partidos políticos, favoráveis à decisão, e os dirigentes das siglas, majoritariamente brancos, que em reunião nesta semana com o presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Luís Roberto Barroso, chegaram a dizer ser inexequível o cumprimento da medida ainda neste ano.
Também há receio de fraudes em relação às candidaturas negras. E há de se ressaltar que, assim como a cota feminina não resultou até agora em uma presença nos postos de comando de Executivo e Legislativo de mulheres na proporção que elas representam da população, a cota racial também não é garantia, por si só, de que haverá expressivo aumento da participação de negros na política, hoje relegados a pequenas fatias de poder, principalmente nos cargos mais importantes.
Acervo Online | Brasil por Carla Rodrigues 19 de agosto de 2020
A história da minha educação para o racismo me diz que fui racializada como branca para ser racista.
Sou branca e fui criada como branca. Mais do que isso, fui educada para saber identificar os fenótipos das pessoas negras, de modo a estabelecer rigorosas distinções entre pessoas brancas, pessoas então chamadas de “mulatas” e pessoas negras. Cresci aprendendo que pessoas negras são sujas e que a cor preta estava associada ao nojo, ao abjeto. Na escola progressista em que estudei, havia apenas duas pessoas negras, ambas filhas de funcionários. Durante décadas, escutei a exaltação dos ancestrais portugueses e italianos, que nos legaram pele branca, cabelos lisos e, no meu caso, olhos azuis, joia rara na família e objeto de disputa como signo da herança materna portuguesa ou da herança paterna italiana.
Fui ensinada a ser superior porque branca, embora a superioridade de uma mulher branca de família pequeno burguesa estivesse fundamentada na cor, não em privilégios de classe ou gênero. Quando analiso para a minha educação para ser racista, vejo retrospectivamente que as pessoas brancas da minha família de imigrantes pobres talvez precisassem afirmar o privilégio de cor para escapar da subalternidade justo por não terem o privilégio de classe.
Por isso, inclusive, além de racistas, eram também classistas e repetiam os estereótipos que o racismo usa ainda hoje: pessoas pretas e pobres são igualmente perigosas, eventualmente preguiçosas, embora as mulheres negras tenham sido sempre alocadas nos trabalhos braçais do cuidado da casa e no cuidado de crianças. Esta divisão marcou a minha infância. Quando criança, nunca entendi a divisão subjetiva entre não poder gostar de pessoas pretas e adorar a mulher preta que cuidava de mim quando minha mãe não estava.
Há muito tempo quero escrever sobre minha experiência pessoal de ter sido educada para ser racista e, portanto, ter chegado à vida adulta naturalizando a desigualdade racial. Do debate que se seguiu ao artigo de Lilia Schwarcz a respeito do novo vídeo da Beyoncé, foi o texto de Lia Vainer Schucman que me motivou a escrever. Isso porque considero o argumento dela irrefutável: “nossa racialidade está sendo marcada, algo que acontece há alguns séculos com negros e indígenas no Brasil, ou seja: é quando o grupo antecede o indivíduo (o que nomeamos de processo de racialização).” A história da minha educação para o racismo me diz que fui racializada como branca para ser racista. Já Schucman defende uma racialização que, como reconhecimento de que todas as pessoas são marcadas, poderia nos levar ao fim do racismo. Parece contraditório, eu sei, mas vamos lá.
Há muitos anos tenho trabalhado para desconstruir as camadas de racismo que me foram sobrepostas. Aqui, uso o verbo descontruir como foi proposto pelo filósofo franco-argelino Jacques Derrida, a quem dediquei minhas pesquisas de mestrado e doutorado e com quem comecei a aprender que quem fala, o faz a partir de algum lugar. Isso porque um dos objetivos da desconstrução é a crítica à suposição da neutralidade dos discursos, que serve como anteparo a todas as premissas ocultas que os discursos de saber-poder contém.
Como mulher, experimentei inúmeras vezes – e infelizmente ainda experimento – a diferença de poder entre o discurso masculino de autoridade e o meu. Como pesquisadora, fui aprendendo a perceber e denunciar que esse discurso masculino obtém sua autoridade de uma suposição de neutralidade do saber. Daí para a leitura da filósofa Donna Haraway e seu clássico “Saberes localizados” foi um passo curto. No ensaio, Haraway desconstrói a suposição de neutralidade do discurso da ciência e confere às feministas a responsabilidade de produzir conhecimento como saber situado. É o que venho tentando fazer há algum tempo, tanto na minha escrita quanto no meu trabalho de orientadora de pesquisas acadêmicas que, muitas vezes, procuram a neutralidade em busca de autoridade, mesmo que para isso acabe abrindo mão da autoria do texto.
Neste processo, ainda em curso, precisei aprender que branco também é cor. Enxergar-se branca é enxergar-se marcada pela própria branquitude. É este aspecto que me mobiliza no debate sobre lugar de fala: a desconstrução da suposição de neutralidade de qualquer discurso. Quem continua pretendendo se ver como neutro ou neutra é quem, por acreditar que não tem cor, pode continuar oprimindo – seja as pessoas negras, seja as pessoas brancas subalternizadas – por uma suposta neutralidade do saber.
Não por acaso, o livro de Djamila Ribeiro (“O que é lugar de fala”, editora Letramento, 2017) tem como epígrafe trecho de um artigo de Lélia Gonzalez: “Exatamente porque temos sido falados, infantilizados (infans é aquele que não tem fala própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, porque falada pelos adultos) que neste trabalho assumimos nossa própria fala. Ou seja, o lixo vai falar, e numa boa.”
Aqui posso fazer Djamila e Lélia conversarem com Achille Mbembe de “Crítica da razão negra” (N-1 Edições, 2019), em que ele divide a razão negra em dois momentos: o primeiro, o da consciência ocidental do negro, orientando pela interpelação do colonizador com perguntas como “quem é ele?; como o reconhecemos?; o que o diferencia de nós? poderá ele tornar-se nosso semelhante? como governá-lo e a que fins?”. No segundo momento, Mbembe percebe que as perguntas são as mesmas, a mudança está em quem as enuncia: “Quem sou eu?; serei eu, de verdade, quem dizem que eu sou?; Será verdade que não sou nada além disto – minha aparência, aquilo que se diz de mim?; Qual o meu verdadeiro estado civil e histórico?”.
Ehimetalor Akhere Unuabona/ Unsplash
Quando me reconheço portadora de uma cor – branca – também posso enunciar estas perguntas, de tal modo a não precisar mais sustentar a posição de ter que repetir ao outro as perguntas do colonizador. Eu sou branca, e quanto a isso não há opção. Mas quanto a continuar sendo herdeira da violência da tradição colonizadora, acredito que haja escolha possível e que esta passa pelo desejo de cura da ferida colonial.
Retomo então minha experiência. Foi o racismo que me ensinou que sou branca. Fui marcada como branca a fim de que esta marcação funcionasse como signo de superioridade. Mas a mim hoje parece fácil perceber que a necessidade de marcação de superioridade só existe para aquele que se sente inferior, que se sabe fora do lugar de superioridade que almeja. Numa formação social marcada pela violência colonial, sobreviver é, entre tantas outras coisas, escapar do lugar de subalternidade.
Refletir sobre a experiência de ter sido marcada com a cor branca me ajudou a fazer a distinção que estou propondo aqui entre suposição de neutralidade do branco – a “branquitude” que não pretende se assumir como tal – e a admissão de que branco também é uma cor, uma marcação ou, para falar em termos interseccionais, um marcador que, se existe negativamente para a pessoa negra no racismo estrutural da sociedade brasileira, existe positivamente para a pessoa branca.
Com essa diferença, esboço uma hipótese: a maior rejeição à ideia de que todo discurso é situado, e que certos discursos estão autorizados por estarem situados a partir de um lugar de poder, e outros estão desautorizados por estarem situados fora desses lugares, a maior reação vem de quem ainda não vê a sua branquitude por se acreditar “neutra”. Para isso, é preciso negar que branco seja cor. É desse lugar de neutro que intelectuais, mesmos os/as mais respeitados/as, parecem não poder abrir mão. E aí caem na pior armadilha: “sou branco/a mas sou legal” (uma espécie de versão atualizada de “tenho até amigo gay”).
Fui racializada como branca porque fui educada para ser racista, o que me obrigou a assumir a minha cor e a carregar com ela o peso do racismo estrutural brasileiro. Se hoje penso, escrevo, pesquiso e ensino contra o racismo é por não suportar mais o sofrimento de viver num país em que pessoas negras são brutalmente excluídas, violentadas e exterminadas em nome da minha suposta superioridade branca. Esta é a cor da minha pele. Já o meu desejo tem sido destruir o racismo que me impôs uma suposição de superioridade branca na qual não me reconheço.
Carla Rodrigues é professora de Ética no Departamento de Filosofia da UFRJ, pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Filosofia e bolsista de produtividade da Faperj.
O que mais chocou Hannah Arendt quando, a convite da New Yorker, cobria em 1963 o julgamento de Eichmann foi a incapacidade dos responsáveis pela barbárie do holocausto de pensar. Como seria possível que todos aqueles oficiais nazistas alegassem que estavam apenas seguindo regras, por mais absurdas e cruéis que fossem? E, se estavam obedecendo ordens, até que ponto seriam culpados?
Eichmann em Jerusalém
Arendt estava presenciando naqueles dias em Jerusalém uma pergunta que muitos alemães se fizeram após o fim da guerra. Foi a questão que, em 1946, ainda no calor dos acontecimentos, durante o tribunal de Nüremberg, o filósofo e psiquiatra Karl Jaspers, um dos principais mentores e depois grande amigo de Arendt, se coloca no livro A questão da culpa. Indo além do sentido de culpa estritamente penal, Jaspers traz um sentido também moral ligado à responsabilidade que temos perante nossos atos. “Eu, que não posso agir de outro modo a não ser como indivíduo”, escreve Jaspers, “sou moralmente responsável pelos meus atos, incluindo a execução de ordens militares e políticas. Não é simplesmente verdade que ‘ordens são ordens’”.
Mas Jaspers não se indaga apenas sobre a culpa daqueles indivíduos que estavam sendo julgados, mas sobre a responsabilidade de todo o povo alemão diante da barbárie daqueles anos. Para Jaspers, que era casado com uma judia, ainda que nem todos os alemães pudessem ser punidos por crimes de guerra, isso não os blindaria de reconhecer uma parcela de cumplicidade. O silêncio da indiferença, também ele, é político. Justamente aqueles indivíduos que se diziam apolíticos seriam acometidos por aquilo que Jaspers chama de culpa política. É nesse sentido que o ensaio traz uma reflexão autocrítica de responsabilização coletiva dos alemães com vistas à possibilidade de renovação cultural e política.
Jaspers
As reflexões de Arendt e Jaspers, ambas situadas durante processos de julgamentos penais, trazem então duas dimensões distintas da responsabilidade: a individual e a coletiva. O que é extremo naquele contexto representa um dos mais recorrentes dilemas filosóficos — a tensão entre regras que seguimos e a capacidade de nos responsabilizarmos por nossas escolhas. O problema é que, uma vez que várias dessas regras não estão sempre disponíveis à escolha do indivíduo, elas extrapolariam o âmbito da liberdade individual. Elas fariam parte daquilo que Wittgenstein chamou de jogo de linguagem: por tais regras serem socialmente compartilhadas, nosso horizonte de significações e visões de mundo esbarra no vocabulário que encontramos disponível.
Quando eu era criança, o que mais gostava de fazer era criar meus próprios jogos. Inventava as suas regras em detalhes: desenhava as cartas e o tabuleiro, definia as peças e como se ganharia o jogo. Gostava mais desse processo de criação do que dos jogos com regras já definidas. Talvez houvesse ali uma certa preferência pela subversão.
Acontece que criar novas regras sociais não é tão simples quanto a de um jogo para brincar. Várias dessas regras nos antecedem de um modo que sequer é possível participar do jogo se quisermos prescindir delas. É o que Wittgenstein argumenta em sua crítica à linguagem privada: eu já disponho de um vocabulário que não é propriedade minha; nele, não faria sentido nos referirmos a uma linguagem que fosse exclusivamente individual.
Wittgenstein em Swansea, 1947
É disso que se trata a crítica estrutural. Numa ampla tradição que em grande parte remete a Hegel, o objeto da crítica desloca-se do indivíduo para aquilo que o antecede: Padrões, práticas e hábitos sociais que traçam o horizonte de nossa relação com o mundo e que atravessam até mesmo a constituição de nossos desejos. Tal deslocamento vale desde a nossa referência cotidiana a objetos até a aspectos arraigados em práticas sociais que perpetuam relações de injustiça, como no que se chama de racismo estrutural.
A linguagem que compartilhamos já traz referências a uma semântica e a uma pragmática — um sentido e um uso de palavras e expressões. É o caso do termo “denegrir”, cujo teor racista tem sido alertado de algum tempo para cá. Acontece que enquanto uma pessoa não toma conhecimento deste sentido (não adentra, por assim dizer, o universo semântico implícito na expressão -, não se pode simplesmente acusá-la de usar o termo em um sentido intencionalmente racista. Em outro caso recente, um filho de imigrantes nos Estados Unidos foi fotografado fazendo o gesto de “OK” com a mão. Aparentemente, não haveria problema no gesto, não fosse o fato de ele ter sido apropriado na dark web por movimentos supremacistas brancos. Apesar de não ser possível exigir que ele tivesse consciência dessa apropriação (no caso, aliás, a acusação é ainda mais kafkiana porque ela estava apenas estalando os dedos), bastou uma postagem da foto no Twitter com a marcação da empresa onde ela trabalhava para sua vida virar de cabeça para baixo.
Enquanto há formas estruturais de racismo, qualquer um pode estar sujeito a práticas racistas já incorporadas em hábitos e normas sociais. Se formas de injustiça são estruturais, isso significa que a sociedade como um todo compartilha de uma responsabilidade em transformá-las. Poderíamos dizer, seguindo Jaspers, que o problema reside nas próprias regras a serem seguidas, e que por isso há também uma responsabilização coletiva na mudança delas.
O problema que surge, aqui, é justamente sobre o lugar da responsabilidade do indivíduo tal como posta no contexto extremo dos julgamentos do pós-guerra: Se não somos nós que escolhemos as regras do jogo, o que nos faz responsáveis por segui-las?
Gostaria de sugerir, aqui, duas ideias sobre este problema. A primeira é a de que aquilo que à primeira vista parece ser um limite da crítica estrutural é o que, na verdade, pode ser mais adequado para entender aquilo que cabe à responsabilidade individual; em segundo lugar, que alguns conceitos que tem assumido papel preponderante no debate ligado a pautas identitárias estão esvaziando o potencial da crítica estrutural, pois recam em uma lógica de punitivismo que paradoxalmente acaba por retirar do indivíduo uma dimensão que lhe cabe de responsabilidade.
Tomemos o exemplo do conceito de lugar de fala. O sentido por trás dele, que remete aos trabalhos de Gayatri Spivak, reside na noção de que nem as nossas formas de nos referir ao mundo nem o peso que eles terão no discurso são igualmente compartilhados. Como tem sido amplamente discutido pela literatura pós- e de(s)colonial, trata-se de uma crítica a uma suposta neutralidade epistêmica de nossas visões de mundo, onde questões de injustiça epistêmica são também políticas — quem está dentro e quem está fora, quem pode falar e quem é silenciado, quais falas, enfim, importam para o discurso — aquilo que no debate em línguas inglesa tem sido chamado de standpoint epistemology.
Gayatri Spivak
Como se vê, o que encontramos no centro desta discussão é a importância dada aos processos de aprendizado, à percepção e à tomada de consciência reflexiva de nossos discursos.
Quando usado, contudo, para fazer ataques pessoais baseados em questões identitárias, o sentido pretendido pelo conceito entra em contradição com o que ele pretende: de um lado, ele pede por autocrítica e reflexão — ou seja, consciência do lugar a partir de onde se fala —, mas, de outro, acusa-se o indivíduo a partir de uma lógica identitária que justamente escamoteia a possibilidade do aprendizado e da reflexão. É o que se chama de contradição performativa: o próprio conceito, quando enunciado, perde a sua razão de ser.
Problema análogo vale para o sentido de punição no que tem sido chamado de cultura do cancelamento. Quem define quem é culpado e como deve ser punido?
Na genealogia moderna do Estado democrático de direito, o significado de punirmos socialmente alguém que cometeu um delito foi paulatinamente assumido pela esfera jurídica como sendo proporcional a esse delito. Qualquer pessoa que cometeu um crime deve responder por seus atos, mas antes disso ela tem que ter direito ao devido processo legal, que envolve presunção de inocência, direito ao contraditório e ampla defesa etc. A ideia básica do devido processo legal é que há uma pena correspondente a um crime. Não podemos simplesmente estampar um rótulo numa pessoa e taxa-la ad eternum de “criminoso”. É justamente esse tipo de postura que impede a reinserção social de quem foi preso e está novamente livre. Ao indivíduo também lhe é dado o direito a outras possibilidades de escolhas que também fazem parte do horizonte de sua narrativa, como arrepender-se e quer traçar sua biografia de uma outra maneira.
A assim chamada cultura do cancelamento acaba então assumindo dois pesos e duas medidas: ao mesmo tempo que pretende ser antipunitivista ou mesmo anticarcerária, pune socialmente sem conceder o que é previsto nas suas garantias legais. Cria-se uma espécie de antipunitivismo de ocasião, com a diferença de que a pena dada pelo cancelamento pode ser pior, pois não há mais a possibilidade de se pagar uma pena correspondente a um delito, mas enquanto viver a pessoa é condenada ao ostracismo.
(Reprodução: Twitter)
Apesar dos holofotes do cancelamento acabarem se voltando para casos envolvendo celebridades, que já tem mais visibilidade, a consequências dessa lógica punitivista e persecutória atinge mais duramente pessoas em condições de maior vulnerabilidade. E, aqui, as intuições por trás da crítica estrutural mostram-se novamente fecundas: Se há falhas na forma como as instituições da justiça atuam — seletividade e desproporcionalidade das punições, práticas extrajudiciais, ou mesmo limites do legalismo —, a crítica deve se voltar sobretudo a isso, sem precisarmos retroceder a práticas de condenações moral.
É por isso que tenho me posicionado contra qualquer forma de moralismo persecutório — ou seja, que pune o outro a partir de sua própria régua moral. Como entendo, o julgamento que faço a partir de minha régua moral diz mais sobre mim do que dos outros. Ele traça uma linha vertiginosa e arrogante sobre como os outros devem se comportar, e com ela, apenas escancara o narcisismo de minhas próprias convicções. Desconfio, portanto, tanto de quem exige do outro a perfeição quanto de quem se diz perfeito (a tal pessoa de bem) — o que não passa de uma forma ou ingênua ou cínica de autoengano.
Mesmo quem se diz tolerante, a depender da sinceridade de suas motivações, pode apenas esconder formas mais profundas de injustiças estruturais. É por isso que na língua alemã, além do vocábulo de variação latina “tolerieren”, há o verbo “dulden” — que quer dizer “suportar”: eu tenho que suportar quem pensa diferente de mim. Não por acaso, Goethe diz que “[a] tolerância deveria ser uma atitude apenas temporária: ela deve conduzir ao reconhecimento. Tolerar significa insultar.”
Detalhe do retrato de Goethe em 1828, óleo sobre tela de Stieler
Ao invés de voltar-se para a crítica a formas estruturais de injustiça — como tem enfatizado Silvio Almeida em seus trabalhos sobre o racismo estrutural —, o que o uso equivocado de conceitos como lugar de fala e outras práticas como linchamento virtual e cancelamento têm feito é o patrulhamento sobre quem pode ou não falar, muitas vezes assumindo um caráter cerceador da liberdade e de interdição do discurso. No limite, ele joga fora tanto as dimensões estruturais da crítica quanto a possibilidade de responsabilização individual — ou seja, a capacidade que cada um tem de rever suas próprias posições. Por isso, tenho usado o termo paradoxo, referindo-me a posições e posturas que entram em choque com aquilo que pretendem.
O que orienta a crítica estrutural, pelo contrário, não é o abandono da responsabilidade individual, senão confrontar o que podemos chamar de uma noção ingênua de liberdade: a de pressupor que os indivíduos são igualmente livres para perseguir suas próprias escolhas, sem justamente ter em mente um leque de condições estruturais que escrevem seu horizonte de liberdade – a começar pelo país que nascemos, as condições econômicas de sua família, cor de sua pele, etc. Nada disso depende da liberdade individual. Ao jogar a responsabilidade apenas sobre o indivíduo, perde-se de vista o conjunto de práticas compartilhadas inclusive numa perspectiva histórica e intergeracional. Reconhecimentos públicos de perdão cumprem esse papel: ainda que não seja o chefe de Estado enquanto indivíduo o culpado, o gesto de reconhecimento de injustiças históricas traz um importante significado simbólico de elaboração da memória. É por isso que, até mesmo para libertários como Robert Nozick, é legítimo o reconhecimento de dívida históricas —o que, apesar de não querer indicar uma culpa individual, significa reconhecer que práticas institucionalizas do passado são causas de injustiça no presente.
Robert Nozick
Enquanto volta-se às estruturas sociais, a crítica tem a vantagem de pensar quais são as condições sociais de realização da liberdade individual, compreendendo aí também o que podemos confrontar e não determinar de maneira identitária.
A fixação essencialista e unilateral em condições de identidade acaba por reduzir o pensamento à identidade. Ela encapsula a reflexão, ditando tanto quem pode e quem não pode refletir sobre determinadas questões quanto assumindo uma espécie de relação dada a priori entre identidade e pensamento — como se houvesse um bloco homogêneo determinado identitariamente e não pessoas que podem ter posições diferentes. E não só: se se fragiliza a dimensão de nossa possibilidade de escolha justamente além da condição na qual nascemos, retira-se o sentido de responsabilidade individual. Somos sujeitos com responsabilidade moral justamente porque podemos nos posicionar diante da condição identitária em que nascemos.
O pensamento, a reflexão ou a crítica nunca estão dadas, senão se encontram sempre em disputa, e é isso que permite com que — individual ou coletivamente — confrontemos as instituições, nossas hábitos e práticas sociais. Voltar o foco à crítica estrutural significa reconhecer que, afinal, podemos pensar — ou seja, assumir a responsabilidade que temos pelas nossas escolhas e por aquilo que nos cabe dentro do horizonte e do vocabulário de nossa liberdade.
(Getty Images)
Filipe Campello é professor de filosofia da Universidade Federal de Pernambuco e pesquisador do CNPq. É Doutor em Filosofia pela Universidade de Frankfurt (Alemanha) e realizou pós-doutorado na New School for Social Research (Nova York).
The outcry over free speech and race takes aim at Steven Pinker, the best-selling author and well-known scholar.
Credit…Kayana Szymczak for The New York Times
Steven Pinker occupies a role that is rare in American life: the celebrity intellectual. The Harvard professor pops up on outlets from PBS to the Joe Rogan podcast, translating dense subjects into accessible ideas with enthusiasm. Bill Gates called his most recent book “my new favorite book of all time.”
So when more than 550 academics recently signed a letter seeking to remove him from the list of “distinguished fellows” of the Linguistic Society of America, it drew attention to their provocative charge: that Professor Pinker minimizes racial injustices and drowns out the voices of those who suffer sexist and racist indignities.
But the letter was striking for another reason: It took aim not at Professor Pinker’s scholarly work but at six of his tweets dating back to 2014, and at a two-word phrase he used in a 2011 book about a centuries-long decline in violence.
“Dr. Pinker has a history of speaking over genuine grievances and downplaying injustices, frequently by misrepresenting facts, and at the exact moments when Black and Brown people are mobilizing against systemic racism and for crucial changes,” their letter stated.
The linguists demanded that the society revoke Professor Pinker’s status as a “distinguished fellow” and strike his name from its list of media experts. The society’s executive committee declined to do so last week, stating: “It is not the mission of the society to control the opinions of its members, nor their expression.”
But a charge of racial insensitivity carries power in the current climate, and the letter sounded another shot in the fraught cultural battles now erupting in academia and publishing.
Also this month, 153 intellectuals and writers — many of them political liberals — signed a letter in Harper’s Magazine that criticized the current intellectual climate as “constricted” and “intolerant.” That led to a fiery response from opposing liberal and leftist writers, who accused the Harper’s letter writers of elitism and hypocrisy.
In an era of polarizing ideologies, Professor Pinker, a linguist and social psychologist, is tough to pin down. He is a big supporter of Democrats, and donated heavily to former President Barack Obama, but he has denounced what he sees as the close-mindedness of heavily liberal American universities. He likes to publicly entertain ideas outside the academic mainstream, including the question of innate differences between the sexes and among different ethnic and racial groups. And he has suggested that the political left’s insistence that certain subjects are off limits contributed to the rise of the alt-right.
Reached at his home on Cape Cod, Professor Pinker, 65, noted that as a tenured faculty member and established author, he could weather the campaign against him. But he said it could chill junior faculty who hold views counter to prevailing intellectual currents.
“I have a mind-set that the world is a complex place we are trying to understand,” he said. “There is an inherent value to free speech, because no one knows the solution to problems a priori.”
He described his critics as “speech police” who “have trolled through my writings to find offensive lines and adjectives.”
The letter against him focuses mainly on his activity on Twitter, where he has some 600,000 followers. It points to his 2015 tweet of an article from The Upshot, the data and analysis-focused team at The New York Times, which suggested that the high number of police shootings of Black people may not have been caused by racial bias of individual police officers, but rather by the larger structural and economic realities that result in the police having disproportionately high numbers of encounters with Black residents.
“Data: Police don’t shoot blacks disproportionately,” Professor Pinker tweeted with a link to the article. “Problem: Not race, but too many police shootings.”
The linguists’ letter noted that the article made plain that police killings are a racial problem, and accused Professor Pinker of making “dishonest claims in order to obfuscate the role of systemic racism in police violence.”
But the article also suggested that, because every encounter with the police carries danger of escalation, any racial group interacting with the police frequently risked becoming victims of police violence, due to poorly trained officers, armed suspects or overreaction. That appeared to be the point of Professor Pinker’s tweet.
The linguists’ letter also accused the professor of engaging in racial dog whistles when he used the words “urban crime” and “urban violence” in other tweets.
But in those tweets, Professor Pinker had linked to the work of scholars who are widely described as experts on urban crime and urban violence and its decline.
“‘Urban’ appears to be a usual terminological choice in work in sociology, political science, law and criminology,” wrote Jason Merchant, vice provost and a linguistics professor at the University of Chicago, who defended Professor Pinker.
Another issue, Professor Pinker’s critics say, is contained in his 2011 book, “The Better Angels of Our Nature: Why Violence Has Declined.” In a wide-ranging description of crime and urban decay and its effect on the culture of the 1970s and 1980s, he wrote that “Bernhard Goetz, a mild-mannered engineer, became a folk hero for shooting four young muggers in a New York subway car.”
The linguists’ letter took strong issue with the words “mild-mannered,” noting that a neighbor later said that Goetz had spoken in racist terms of Latinos and Black people. He was not “mild-mannered” but rather intent on confrontation, they said.
The origin of the letter remains a mystery. Of 10 signers contacted by The Times, only one hinted that she knew the identity of the authors. Many of the linguists proved shy about talking, and since the letter first surfaced on Twitter on July 3, several prominent linguists have said their names had been included without their knowledge.
Several department chairs in linguistics and philosophy signed the letter, including Professor Barry Smith of the University at Buffalo and Professor Lisa Davidson of New York University. Professor Smith did not return calls and an email and Professor Davidson declined to comment when The Times reached out.
The linguists’ letter touched only lightly on questions that have proved storm-tossed for Professor Pinker in the past. In the debate over whether nature or nurture shapes human behavior, he has leaned toward nature, arguing that characteristics like psychological traits and intelligence are to some degree heritable.
He has also suggested that underrepresentation in the sciences could be rooted in part in biological differences between men and women. (He defended Lawrence Summers, the former Harvard president who in 2005 speculated that innate differences between the sexes might in part explain why fewer women succeed in science and math careers. Mr. Summers’s remark infuriated some female scientists and was among several controversies that led to his resignation the following year.)
And Professor Pinker has made high-profile blunders, such as when he provided his expertise on language for the 2007 defense of the financier Jeffrey Epstein on sex trafficking charges. He has said he did so free of charge and at the request of a friend, the Harvard law professor Alan Dershowitz, and regrets it.
The clash may also reflect the fact that Professor Pinker’s rosy outlook — he argues that the world is becoming a better place, by almost any measure, from poverty to literacy — sounds discordant during this painful moment of national reckoning with the still-ugly scars of racism and inequality.
The linguists’ society, like many academic and nonprofit organizations, recently released a wide-ranging statement calling for greater diversity in the field. It also urged linguists to confront how their research “might reproduce or work against racism.”
John McWhorter, a Columbia University professor of English and linguistics, cast the Pinker controversy within a moment when, he said, progressives look suspiciously at anyone who does not embrace the politics of racial and cultural identity.
“Steve is too big for this kerfuffle to affect him,” Professor McWhorter said. “But it’s depressing that an erudite and reasonable scholar is seen by a lot of intelligent people as an undercover monster.”
Because this is a fight involving linguists, it features some expected elements: intense arguments about imprecise wording and sly intellectual put-downs. Professor Pinker may have inflamed matters when he suggested in response to the letter that its signers lacked stature. “I recognize only one name among the signatories,’’ he tweeted. Such an argument, Byron T. Ahn, a linguistics professor at Princeton, wrote in a tweet of his own, amounted to “a kind of indirect ad hominem attack.”
The linguists insisted they were not attempting to censor Professor Pinker. Rather, they were intent on showing that he had been deceitful and used racial dog whistles, and thus, was a disreputable representative for linguistics.
“Any resulting action from this letter may make it clear to Black scholars that the L.S.A. is sensitive to the impact that tweets of this sort have on maintaining structures that we should be attempting to dismantle,” wrote Professor David Adger of Queen Mary University of London on his website.
That line of argument left Professor McWhorter, a signer of the letter in Harper’s, exasperated.
“We’re in this moment that’s like a collective mic drop, and civility and common sense go out the window,” he said. “It’s enough to cry racism or sexism, and that’s that.”
Data from those tested at a storefront medical office in Queens is leading to a deeper understanding of the outbreak’s scope in New York.
Credit…Victor J. Blue for The New York Times
July 9, 2020; Updated 7:37 a.m. ET
At a clinic in Corona, a working-class neighborhood in Queens, more than 68 percent of people tested positive for antibodies to the new coronavirus. At another clinic in Jackson Heights, Queens, that number was 56 percent. But at a clinic in Cobble Hill, a mostly white and wealthy neighborhood in Brooklyn, only 13 percent of people tested positive for antibodies.
As it has swept through New York, the coronavirus has exposed stark inequalities in nearly every aspect of city life, from who has been most affected to how the health care system cared for those patients. Many lower-income neighborhoods, where Black and Latino residents make up a large part of the population, were hard hit, while many wealthy neighborhoods suffered much less.
But now, as the city braces for a possible second wave of the virus, some of those vulnerabilities may flip, with the affluent neighborhoods becoming most at risk of a surge. According to antibody test results from CityMD that were shared with The New York Times, some neighborhoods were so exposed to the virus during the peak of the epidemic in March and April that they might have some protection during a second wave.
“Some communities might have herd immunity,” said Dr. Daniel Frogel, a senior vice president for operations at CityMD, which plays a key role in the city’s testing program.
The CityMD statistics — which Dr. Frogel provided during an interview and which reflect tests done between late April and late June — appear to present the starkest picture yet of how infection rates have diverged across neighborhoods in the city.
As of June 26, CityMD had administered about 314,000 antibody tests in New York City. Citywide, 26 percent of the tests came back positive.
But Dr. Frogel said the testing results in Jackson Heights and Corona seemed to “jump off the map.”
While stopping short of predicting that those neighborhoods would be protected against a major new outbreak of the virus — a phenomenon known as herd immunity — several epidemiologists said that the different levels of antibody prevalence across the city are likely to play a role in what happens next, assuming that antibodies do in fact offer significant protection against future infection.
“In the future, the infection rate should really be lower in minority communities,” said Kitaw Demissie, an epidemiologist and the dean of the School of Public Health at SUNY Downstate Medical Center in Brooklyn.
Dr. Ted Long, the executive director of the city’s contact-tracing program, said that while much remained unknown about the strength and duration of the protection that antibodies offer, he was hopeful that hard-hit communities like Corona would have some degree of protection because of their high rate of positive tests. “We hope that that will confer greater herd immunity,” he said.
Neighborhoods that had relatively low infection rates — and where few residents have antibodies — are especially vulnerable going forward. There could be some degree of “catch up” among neighborhoods, said Prof. Denis Nash, an epidemiology professor at the CUNY School of Public Health.
But he added that even if infection rate were to climb in wealthier neighborhoods, “there are advantages to being in the neighborhoods that are hit later.” For one, doctors have become somewhat more adept at treating severe cases.
Credit…Brittainy Newman/The New York Times
Some epidemiologists and virologists cautioned that not enough data exists to conclude that any areas have herd immunity. For starters, the fact that 68.4 percent of tests taken at an urgent care center in Corona came back positive does not mean that 68.4 percent of residents had been infected.
“For sure, the persons who are seeking antibody testing probably have a higher likelihood of being positive than the general population,” said Professor Nash. “If you went out in Corona and tested a representative sample, it wouldn’t be 68 percent.”
So far, the federal government has released relatively little data from antibody testing — making the CityMD data all the more striking. The Centers for Disease Control and Prevention, for instance, has published limited data that suggested that 6.93 percent of residents in New York City and part of Long Island had antibodies. But that survey was based on samples collected mainly in March, before many infected New Yorkers might have developed antibodies.
New York State conducted a more comprehensive survey on antibody rates, which involved testing some 28,419 people across the state. That survey suggested that roughly 21.6 percent of New York City residents had antibodies. But it also revealed a much higher rate in some neighborhoods. While the state has released little data from Queens, its numbers showed that in Flatbush, Brooklyn, for example, about 45 percent of those tested had antibodies.
The CityMD data provides similar conclusions. At a location in Bushwick, a Brooklyn neighborhood which has a large Hispanic population and where the median household income is below the citywide average, some 35 percent of antibody tests were positive, according to Dr. Frogel.
Credit…Juan Arredondo for The New York Times
Dr. Frogel said that across the Bronx, which has had the city’s highest death rate from Covid-19, about 37 percent of antibody tests were turning up positive.
The CityMD in Corona, on Junction Boulevard, serves a predominantly Hispanic neighborhood whose residents include many construction workers and restaurant employees. Many had to work throughout the pandemic, raising their risk of infection.
Angela Rasmussen, a virologist at Columbia University, called the high positive rate in Corona “a stunning finding.” Epidemiologists said the rate showed the limits of New York’s strategy in curtailing the virus: While public health measures may have slowed the spread in some neighborhoods, they did far less for others.
For residents of Corona, the main sources of employment are jobs in hospitality, including restaurants, as well as construction and manufacturing, according to a 2019 report by the Citizens’ Committee for Children of New York. Many construction workers and restaurant employees showed up to work throughout the pandemic, elevating their risk of infection.
“Our plan did not really accommodate essential workers as it did people privileged enough — for lack of a better word — to socially distance themselves,” Professor Nash said. He said that one lesson of the past few months was that the city needed to better protect essential workers — everyone from grocery store employees to pharmacy cashiers — and make sure they had sufficient protective equipment.
Epidemiologists have estimated that at least 60 percent of a population — and perhaps as much as 80 percent — would need immunity before “herd immunity” is reached, and the virus can no longer spread widely in that community.
But scientists say it would be a mistake to base public health decisions off antibody rates across a population.
“Just looking at seroprevalence alone can’t really be used to make actionable public health decisions,” Dr. Rasmussen, the virologist at Columbia, said.
One reason is that the accuracy of the antibody tests is not fully known, nor is the extent of immunity conferred by antibodies or how long that immunity lasts. Dr. Rasmussen noted that the “magical number of 60 percent for herd immunity” assumes that everyone infected has complete protection from a second infection. “But what about people with partial protection?” she asked. “They may not get sick, but they can get infected and pass it along.”
“It is premature to discuss herd immunity, since we are still learning what the presence of Covid-19 antibodies means to an individual and whether, or for how long, that conveys immunity; and we don’t know how the level of immunity in a single community translates into herd immunity,” said Jonah Bruno, a spokesman for the state Department of Health.
He said he was unsurprised by the high rate in Corona, and senior officials with the city’s contact-tracing program and public hospital system agree. “We know this area was disproportionately affected,” said Dr. Andrew Wallach, a senior official in the city’s public hospital system, “so this just confirms what we’ve seen clinically.”
Joseph Goldstein covers health care in New York, following years of criminal justice and police reporting for the Metro desk. He also spent a year in The Times’ Kabul bureau, reporting on Afghanistan. @JoeKGoldstein
Você precisa fazer login para comentar.