Ações afirmativas devem ir além da graduação
Luiz Augusto Campos e Márcia Lima
20 de novembro de 2022
Em 2022, comemoramos 20 anos da implementação das cotas sociais e raciais na Uerj e dez anos da lei federal 12.711/12. As cotas mudaram a cara do ensino superior e o debate acerca de nossas desigualdades.
Com o objetivo de produzir um balanço de seus impactos e subsidiar cientificamente a revisão da lei federal, criamos o Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas (CAA). O CAA analisou dados de mais de 7 universidades federais e estaduais, tendo publicado mais de 30 textos na academia e na imprensa sobre o tema.
A despeito de problemas pontuais, as cotas têm um saldo muito positivo. O percentual de jovens pretos, pardos e indígenas pulou de 31% em 2002 para 52% das matrículas em 2021. No mesmo período, o percentual de estudantes de baixa renda saiu de 19% para 52%. Os avanços maiores se deram nos cursos mais concorridos, e quase todas as pesquisas sobre o tema mostram que os cotistas têm desempenho muito similar aos não cotistas. Mais de 70% das pesquisas acadêmicas sobre as cotas as consideram uma política bem-sucedida.
Por tudo isso, o CAA recomenda às forças políticas, eleitas em outubro, a manutenção e expansão do sistema existente, que combina critérios socioeconômicos —para estudantes de escola pública e baixa renda— com cotas raciais. No entanto, é necessário a criação de programas específicos, sensíveis às especificidades das populações indígenas, quilombolas e das pessoas com deficiência. Tendo em vista que pretos e pardos em processo de ascensão social também são vítimas de racismo, apoiamos a criação de subcotas complementares para eles, independentemente da origem escolar.
Outra recomendação é a revisão da faixa de renda, presente na lei federal. O patamar de 1,5 salário mínimo familiar per capita não favorece os mais pobres. Isso vale para a implementação de um sistema de concorrência simultânea, que permita a potenciais cotistas disputarem, ao mesmo tempo, as vagas no sistema de ampla concorrência, fazendo com que as cotas funcionem como piso, não como teto de inclusão.
No que concerne à permanência estudantil, é urgente avançarmos numa política federal, unificada e desburocratizada.
A adequada avaliação da política depende da constituição de um sistema integrado de dados educacionais e do mercado de trabalho que seja aberto, transparente e desidentificado —e que possibilite compreender desde as mudanças na demanda por ensino superior à inserção dos cotistas na vida profissional.
Seria importante incentivar com fomento público pesquisas sobre as comissões de heteroclassificação racial para identificar seu impacto no aprimoramento da inclusão étnico-racial compatível com a complexidade das classificações raciais no Brasil.
Por fim, consideramos importante que as ações afirmativas não fiquem restritas às cotas na graduação. Urge uma lei específica para a pós-graduação, sensível às especificidades desse nível de formação, da mesma forma que instituir políticas de inclusão no mercado de trabalho.