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Máximas passam de 40°C no RS em meio a onda de calor extremo (Folha de S.Paulo)

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Fernanda Canofre – 13 de janeiro de 2022


A onda de calor em meio a estiagem no Rio Grande do Sul tem levado os termômetros do estado a máximas acima dos 40°C desde a quarta-feira (12), segundo registros de estações do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

Em Quaraí, na fronteira com o Uruguai, temperatura máxima registrada foi de 41,5°C na quarta, segundo registro do instituto, a maior do estado em 2022 até o momento. Esta é também a maior temperatura já registrada na estação automática, desde que a mesma foi instalada, em 2007.

Nesta quinta-feira (13), o município voltou a registrar máxima acima de 40°C, chegando a 41,2°C. Em Uruguaiana, na região da Fronteira Oeste, onde a temperatura chegou a 41,1°C no dia anterior, a máxima foi de 41°C nesta quinta. Em Porto Alegre, ela chegou a 34,8°C.

A previsão no Rio Grande do Sul é de temperaturas ainda mais elevadas nos próximos dias, que podem levar a registros recordes.

O calor extremo é resultado de um bloqueio atmosférico, sistema de alta pressão —instalado na região que pega parte da Argentina, Paraguai, Uruguai e Brasil— que mantém o ar seco há vários dias consecutivos e impede a entrada de frentes frias, explica Daniela Freitas, meteorologista da empresa Climatempo.

“Funciona como se fosse uma tampa que impede que as frentes frias ou mesmo sistemas de baixa pressão consigam avançar. Como se fosse uma barreira. A gente sabe que para ter esse refresco na temperatura precisa ter chuva. O que está acontecendo é que estamos com ar muito seco instalado naquela região há vários dias, por isso vem ganhando força e a temperatura está subindo”, diz ela.

Depois do fim de semana, porém, a previsão é que haja uma quebra nesse padrão de bloqueio, trazendo assim chuvas a região já na próxima semana e fazendo com que o calor perca força.

Estael Sias, meteorologista da empresa MetSul, lembra que a temperatura mais alta registrada no estado em mais de cem anos de medições foi de 42,6°C. A marca foi registrada em Jaguarão, na fronteira com o Uruguai, em janeiro de 1943.

Termômetros batendo nos 40°C não são comuns no Rio Grande do Sul —a análise leva em consideração números das estações oficiais do Inmet.

“A gente está dentro de um período de estiagem severa no Rio Grande do Sul, longo, de baixa umidade no solo, na atmosfera, nível dos rios muito baixos, é normal ocorrer picos de calor, justamente pelo tempo mais firme, ainda mais no período de verão, em que temos muitas horas de luminosidade”, explica.

“Tudo isso favorece essas ondas de calor extremo. Pelos dados históricos, os anos mais quentes no RS, com temperaturas mais altas, 1917 e 1943, também tiveram estiagem severa”, completa.

Um cálculo da FecoAgro-RS (Federação das Cooperativas Agropecuárias do Estado do Rio Grande do Sul) aponta que as perdas financeiras aos produtores de milho e soja, devido à falta de chuvas, podem passar de R$ 19 bilhões.

Até o dia 7 de janeiro, 195 mil propriedades rurais já haviam sido atingidas com perdas devido à seca, segundo dados da Emater-RS. O levantamento aponta ainda 10,2 mil famílias sem acesso à água, 84,7 mil produtores de milho atingidos e 72 mil produtores de soja, além da queda de 1,6 milhão de litros de leite captados ao dia no estado.

Em Santa Catarina, o Epagri/Ciram emitiu aviso de forte calor no extremo oeste e oeste do estado, válido entre o meio-dia desta quinta e às 18h de sábado. A previsão fala em forte calor, com máximas acima de 35°C e umidade relativa do ar entre 30% e 40%.

Até esta quarta-feira, a máxima diária do estado em 2022 foi de 38,2°C, alcançada no dia 2 de janeiro, na cidade de Urussanga.

O recorde absoluto de máximas na região sul do país foi registrado em Santa Catarina, com a marca de 44,6°C registrada em Orleans, em 1963, segundo dados do Inmet.

Em meio ao calor extremo na região, áreas altas do estado, como São Joaquim, que costuma registrar as temperaturas mais baixas do país, chegaram a amanhecer com geada na última quarta-feira, de acordo com a MetSul. O fenômeno se dá pela baixa umidade do ar.

Cavani, jogador de futebol, acusado de racismo na Inglaterra por uso de expressão coloquial uruguaia, em espanhol, nas redes sociais: o racismo sistêmico nos usos da língua no Uruguai

Academia Uruguaia de Letras defende Cavani em caso de suposto racismo e lamenta ‘falta de conhecimento’ de federação inglesa (O Globo)

O Globo, com Reuters – 02 de janeiro de 2021


Jogador foi punido por ter usado termo ‘negrito’ em sua rede social, ao agradecer a um amigo que lhe deu os parabéns depois da vitória contra Southampton

02/01/2021 – 10:33 / Atualizado em 02/01/2021 – 11:12

Cavani, do Manchester United, foi punido com multa e suspensão de três jogos Foto: MARTIN RICKETT / Pool via REUTERS
Cavani, do Manchester United, foi punido com multa e suspensão de três jogos Foto: MARTIN RICKETT / Pool via REUTERS

A Academia de Letras do Uruguai classificou nesta sexta-feira como “ignorante” e uma “grave injustiça”a punição de três jogos recebida pelo atacante Edinson Cavani, do Manchester United, aplicada pela  Football Association (FA), entidade máxima do futebol inglês, por uso do termo “negrito” para se referir a um seguidor em uma postagem numa rede social.

O uruguaio de 33 anos usou a palavra “negrito” em um post no Instagram após a vitória do clube sobre o Southampton em 29 de novembro, antes de retirá-lo do ar e se desculpar. Ele disse que era uma expressão de afeto a um amigo.

Postagem de Cavani que gerou polêmica Foto: Reproduçao
Postagem de Cavani que gerou polêmica Foto: Reproduçao

Na quinta-feira, a FA disse que o comentário era “impróprio e trouxe descrédito ao jogo” e multou Cavani em 100 mil.

A academia, uma associação dedicada a proteger e promover o espanhol usado no Uruguai, disse que “rejeitou energicamente a sanção”.

“A Federação Inglesa de Futebol cometeu uma grave injustiça com o desportista uruguaio … e mostrou a sua ignorância e erro ao regulamentar o uso da língua, em particular o espanhol, sem dar atenção a todas as suas complexidades e contextos”, afirmou a academia, por meio de seu presidente, Wilfredo Penco. “No contexto em que foi escrito, o único valor que se pode dar ao negrito (e principalmente pelo uso diminutivo) é afetuoso”.

Segundo a Academia, palavras que se referem à cor da pele, peso e outras características físicas são freqüentemente usadas entre amigos e parentes na América Latina, especialmente no diminutivo. A entidade acrescenta que até pessoas alvo destas expressões muitas vezes nem tem as características citadas.

“O uso que Cavani fez para se dirigir ao amigo ‘pablofer2222’ (nome da conta) tem este tipo de teor carinhoso — dado o contexto em que foi escrito, a pessoa a quem foi dirigido e a variedade do espanhol usado, o único valor que “negrito” pode ter é o carinhoso. Para insultar em espanhol, inglês ou outra língua, é preciso ter a capacidade para ofender o outro e aí o próprio ‘pablofer2222’ teria expressado o seu incómodo”, encerra a Academia.

Cavani: “Meu coração está em paz”

Cavani usou a rede social para comentar o episódio e assumiu “desconforto” com a situação. Garantiu que nunca foi sua intenção ofender o amigo e que a expressão usada foi de afeto.

“Não quero me alongar muito neste momento desconfortável. Quero dizer que aceito a sanção disciplinar, sabendo que sou estrangeiro para os costumes da língua inglesa, mas que não partilho do mesmo ponto de vista. Peço desculpa se ofendi alguém com uma expressão de afeto para com um amigo, não era essa a minha intenção. Aqueles que me conhecem sabem que os meus esforços são sempre procurar a simples alegria e amizade”, escreveu o jogador.

“Agradeço as inúmeras mensagens de apoio e afeto. O meu coração está em paz porque sei que sempre me expressei com afeto de acordo com a minha cultura e estilo de vida. Um sincero abraço”.


oglobo.globo.com

Cavani: Federação uruguaia e jogadores da seleção defendem atacante e pedem revisão de pena por racismo (O Globo)

Jogador foi suspenso por três partidas e multado pela Football Association por escrever ‘Negrito’ em suas redes sociais

04/01/2021 – 12:46 / Atualizado em 04/01/2021 – 13:45

Cavani foi suspenso por três jogos pela Federação Inglesa acusado de racismo Foto: MARTIN RICKETT/ Pool via REUTERS
Cavani foi suspenso por três jogos pela Federação Inglesa acusado de racismo Foto: MARTIN RICKETT/ Pool via REUTERS

A punição imposta a Edinson Cavani pela Football Association (FA, entidade que gere o futebol na Inglaterra) pela reprodução do termo “Negrito” (diminutivo de negro, em espanhol) em suas redes sociais segue no centro de uma intensa discussão no Uruguai. Depois da Academia Uruguaia de Letras prestar solidariedade e chamar a pena de desconhecimento cultural, os jogadores da seleção e a própria Associação Uruguaia de Futebol (AUF) se manifestaram em favor do atacante.

Nesta segunda, a Associação de Futebolistas do Uruguai publicou uma carta na qual manifestou seu repúdio à decisão da FA. O documento classifica a punição como uma arbitrariedade e diz que a entidade teve uma visão distorcida, dogmática e etnocentrista do tema.

“Longe de realizar uma defesa contra o racismo, o que a FA cometeu foi um ato discriminatório contra a cultura e a forma de vida dos uruguaios”, acusa o órgão que representa a classe de jogadores do país sul-americano.

O documento foi compartilhado nas redes sociais por jogadores da seleção. Entre eles, o atacante Luis Suárez, do Atlético de Madri; e o capitão Diego Godín, zagueiro do Cagliari-ITA.

Logo em seguida, a própria federação uruguaia se juntou à rede de apoio ao atacante e ídolo da Celeste. Em comunicado divulgado em suas redes sociais, a entidade pede que a FA retire a pena imposta a Cavani e reitera a argumentação utilizada pela Academia Uruguaia de Letras ao tentar desassociar o termo “negrito” de qualquer conotação racista.

“No nosso espanhol, que difere muito do castelhano falado em outras regiões do mundo, os apelidos negro/a e negrito/a são utilizados assiduamente como expressão de amizade, afeto, proximidade e confiança e de forma alguma se referem de forma depreciativa ou discriminatória à raça ou cor da pele de quem se faz alusão”, defende o órgão.

Cavani já cumpriu o primeiro dos três jogos que recebeu de suspensão. Ele não foi relacionado para a partida do Manchester United contra o Aston Villa, no último sábado, pelo Campeonato Inglês. Além deste gancho, o jogador foi condenado a pagar uma multa de 100 mil libras (cerca de R$ 700 mil). A punição foi dada após ele escrever “Obrigado, negrito” a um elogio feito por um seguidor do Instagram.

“Um comentário postado na página Instagram do jogador do Manchester United foi insultuoso e/ou abusivo e/ou impróprio e/ou trouxe descrédito ao jogo”, posicionou-se a FA ao aplicar a pena.

Embora o episódio tenha gerado muita indignação no Uruguai, país de maioria branca, o próprio Cavani não levou o caso adiante. Ao se manifestar, o atacante se disse incomodado com a situação, não concordou com a punição, mas enfatizou que a aceitava.

El indio inoportuno: un aporte sobre las trayectorias indígenas en el Uruguay (Hemisferio Izquierdo)

Artículo original

May 21, 2019

Francesca Repetto

Imagen: EL País

El pasado 11 de abril se celebraron los 188 años de la Masacre de Salsipuedes. Evento ápice en nuestra historia nacional, este hecho marcó el ansiado “fin” de la presencia indígena charrúa en 1831, cuando éstos fueron emboscados por el ejército de Fructuoso Rivera a orillas del Arroyo Salsipuedes. Allí, murieron cerca de 50 hombres y más de 200, -principalmente mujeres, niñas, niños y ancianos-, fueron trasladados a Montevideo y repartidos en casas de familias blancas con el fin de ser “domesticados” e “integrados” a la vida nacional: un eufemismo para referirse a la esclavización de las cautivas, niñas y niños.

Libros escolares y de cuño histórico nacionalistas, así como académicos contemporáneos, argumentan que los pocos sobrevivientes de la masacre se asimilaron a la sociedad montevideana perdiendo todo rasgo cultural distintivo. En los años 1980, sin embargo, y acompañando la tendencia de toda América Latina, en Uruguay comenzaron a resurgir numerosos colectivos que se identifican a sí mismos como descendientes de charrúas o como charrúas propiamente dicho. Este es el caso del CONACHA, de ADENCH, de UMPCHA, CHONIK, AQUECHA Pirí, Atala, entre otros, distribuidos a lo largo y ancho del país. También, en el último censo nacional de 2011, los datos arrojaron que un 2,3% de la población total declaró tener como principal ascendencia étnica a la indígena, lo cual suma más de 76.000 personas[i]. Un dato para nada menor.

Pese a estos datos, aún retumban preguntas y cuestionamientos acerca de quiénes son aquellas personas y cuál es la legitimidad que podrían tener, si, al fin y al cabo, el “problema” fue “solucionado” hace ya 188 años. “Locos”, “alucinados”, “vivos”, “truchos”, son algunos de los adjetivos que parte de la sociedad acciona para referirse a ellos[ii]. Tal vez sea preciso que volvamos a la raíz de la cuestión para entender cómo el fenómeno de la re-emergencia indígena es posible en Uruguay, como constatado en –todos- los países de nuestro continente. La re-emergencia indígena, o la “reaparición”, nos lleva a indagar sobre el movimiento que lo precede, es decir, cómo la “desaparición” indígena se configuró y asentó con tanta fuerza en nuestro imaginario de nación. 

¿Una medida puntual o una lógica de gestión?

Los años siguientes a la declaración de la Independencia en 1825 fueron marcados por movimientos de hacendados y políticos que buscaban estabilidad en la incipiente industria agropecuaria. Si por un lado los hacendados reivindicaban seguridad en el campo contra los robos de ganado y la invasión de sus propiedades, por el otro, el primer gobierno constitucional buscaría tomar medidas para protegerlas, y con ello, asegurar la recaudación pública. Entre los años 1828 y 1830, las denuncias de estancieros acerca del robo de su ganado son abundantes. Mientras que en un primer momento reconocían no saber con exactitud quiénes eran los responsables, hacia el año 1830 van a sostener con firmeza que aquellos eran los charrúas. Con la misma convicción, pasaron a exigir medidas drásticas al gobierno de Rivera, quien en 1831, se encargó de llevarlas a cabo[iii].

Presentada en ese entonces como una medida aislada y puntual, sin embargo, la masacre se localiza en un modo de gestión de las alteridades –de las poblaciones nativas-, que trascendió el evento concreto y también a los charrúas. Las denuncias de estancieros y el paso a paso del gobierno y su ejército eran sistemáticamente publicados en el más importante diario de la época, El Universal. Durante algunos años, innumerables ediciones hacían alguna referencia al tema. Sobre el año 1831, prácticamente todas las ediciones abordaron las persecuciones indígenas. Ya en 1832, no existen más publicaciones al respecto. El problema realmente parecía haber culminado de una buena vez por todas. 

Tres años antes, sin embargo, en 1828, más de 8.000 indígenas misioneros[iv] –en su enorme mayoría guaraní-, habían sido asentados en puntos estratégicos de frontera, como en la actual Bella Unión y, tiempo más tarde, a orillas del Río Yaguarón, en San Servando[v]. Antes de eso, los guaraníes ya habían participado en la construcción de Colonia de Sacramento, de Montevideo y Minas, y engrosaban el cuerpo de soldados del ejército. Si bien inicialmente los guaraníes fueron representados como indios patriotas, pues habrían “seguido” a Rivera, una sublevación en 1832 cambiaría el trato dado a ellos. El hambre y las malas condiciones a la que habían sido abandonados, llevaron a que la colonia de Bella Unión se sublevara en enero de aquel año. El evento llevó a que los líderes fueran ahorcados en público, otros recibieran “más de 300 palos”[vi] también en público y que, el mismo año, la colonia fuera ya desmontada y relocalizada a orillas del Rio Yí, actual departamento de Florida, con el nombre de San Borja[vii]. Aunque la presencia guaraní haya sido ampliamente extendida en el tiempo y en el espacio, la misma se pierde en los registros nacionales hacia el año 1860, cuando ésta última colonia indígena, San Borja, es finalmente desalojada[viii].

El silencio que reinó hasta fines de los años 1980 acerca de la presencia guaraní y la exaltación de la Masacre de Salsipuedes como evento final irremediable, llaman la atención para el lugar que los indígenas han tenido a lo largo de la historia. Nuestra historiografía no hace mención a las masacres posteriores a Salsipuedes, ni menciona las políticas de asimilación –o en términos de la época: de “domesticación de los salvajes”, de esclavización, encarcelamiento y deportación que marcaron la gestión estatal sobre los cautivos[ix]. Tampoco se hace referencia alguna a la dimensión de género que tuvieron esas acciones. En cambio, el “etnocidio” charrúa es valorado en una escala masculina de guerra y muerte, donde el asesinato de los varones ha sido tomado como la muerte de todo un grupo social. De ese modo, las trayectorias de las mujeres y sus hijos que ingresaron como esclavas en las casas montevideanas, más que haber “desaparecido”, se incorporaron como espectros en las producciones historiográficas nacionalistas.

Los años siguientes a la Independencia del Uruguay fueron singularizados por este tipo de acciones. La primera Constitución, aprobada en 1830, por ejemplo, prohibía la comercialización de esclavos, lo cual llevó a que paulatinamente la oferta de africanos como mano de obra esclava comenzaran a escasear durante los años siguientes. Recién en 1842, en plena Guerra Grande, la esclavitud es abolida finalmente por medio de la ley N°242. Por tanto, no resulta extraño pensar que uno de los objetivos de la persecución a los charrúas fuese, justamente, la apropiación de mano de obra para fines de esclavitud en trabajos domésticos.

La mayor parte de los sobrevivientes de Salsipuedes fueron mujeres y niños de ambos sexos. Los hombres jóvenes o líderes fueron encarcelados y más tarde ofrecidos como personal de servicio a los buques de bandera extranjera, con la tajante prohibición de sólo poder bajar los indios a tierra una vez en territorio extranjero.  Por otra parte, los nombres originales de los niños y niñas fueron cambiados y, -separados de sus madres-, muchos fueron bautizados en la Iglesia Matriz. Algunas de las personalidades que dan nombre a nuestras calles de Montevideo fueron personas que tomaron “indiecitos” del reparto: José Brito del Pino, Luis Lamas, Joaquín Campana, Rufino Bauzá, para mencionar algunos[x].

Un indígena siempre fuera de su tiempo

Irónicamente o no, en los años de re-emergencia de colectivos de identificación charrúa, académicos contemporáneos pasaron cada vez más a reivindicar la figura de los guaraníes, o de los “indígenas misioneros”. Algunos aseguran que si hoy existe algún indio auténtico, este no sería de forma alguna charrúa, sino más bien guaraní. “¿Qué nos van a venir a decir quiénes somos nosotros!?”, me cuestionó irritado un militante charrúa en 2014, haciendo referencia a los conocidos dichos de Daniel Vidart[xi].

Desde los años 1980 han habido enormes esfuerzos en materia académica por “recuperar” el patrimonio cultural de los guaraníes y de reivindicar el significativo aporte poblacional que éstos tuvieron en la base de nuestra sociedad, en detrimento del silencio que se asentó sobre ellos durante dos siglos[xii]. Parte de esos esfuerzos son los que trajeron a tono el ingreso de más de 8000 guaraníes en 1828, o la existencia de varias colonias indígenas, como la de Villa Soriano, San Borja o Bella Unión. En esa línea, algunos académicos sustentan que la idea del charrúa como el indio nacional y predominante en nuestra historia sería equivocada, pues se basaría en una hipervaloración de su presencia, en perjuicio de la enorme mayoría numérica guaraní. Lo irónico es que los esfuerzos por dislocar la imagen del indio nacional hacia el guaraní sean justamente en el momento de re-emergencia charrúa.

Esos sectores, atacan a los descendientes de charrúas afirmando que estos promueven una lógica según la cual cualquier persona podría convertirse en indígena con el sólo hecho de así desearlo, que no mantienen ninguna característica cultural nativa, como el uso de lengua charrúa, y que tampoco conviven en espacios territorialmente demarcados. Para ellos, los charrúas de hoy no encajan en las características que –según afirman- definirían a alguien como indígena. El problema central de esta cuestión es qué toman los antropólogos como pautas de comparación. Aún más, ¿qué tipo de autoridad académica poseen para sobreponer teorías y definiciones antiguas a la re-emergencia de un grupo étnico y a la resignificación de una identidad en tanto fenómeno social que lleva ya más de 30 años? En primer lugar, les exigen a los descendientes autenticidad de costumbres en un contexto en el cual el Estado-nación los obligó a dispersarse y a esconderse por la fuerza. Es decir, les exigen trazos culturales que no condicen con las acciones de exterminio a los cuales fueron sometidos. En segundo lugar, porque toman como pautas clasificatorias a las descripciones hechas por viajeros europeos durante el período colonial, o sea, de hace más de 300 años.

Por otra parte, algunos antropólogos se han basado en argumentos de cuño biológico para argumentar en contra de la presencia charrúa. Señalan que, aunque hayan sobrevivido charrúas luego de las masacres, el hecho de heredar algunos genes no sería prueba suficiente para ser considerados indígenas. De hecho no es prueba suficiente. Pero no lo es por “insuficiencia” de marcadores genéticos, sino porque el propio argumento es erróneo. En la antropología social, fenómenos como el de las identidades étnicas no son mensurables en porcentajes genéticos, en tipos raciales determinados biológicamente, y en ningún tipo de determinantes que no sean fenómenos surgidos en el ámbito social de donde son emanados y recreados.

Mientras el “exceso” de marcadores indígenas –siempre presentadas como características negativas- atribuidas a los charrúas de los 1800 decretaron su etnocidio, hoy, la identidad en recuperación, el pasado y las memorias compartidas no son catalogadas como marcadores suficientes para reconocerlos como indígenas, lo cual denota que el charrúa es pensado siempre como un indio incómodo y a destiempo. La supresión de los guaraníes en nuestra historia y la violencia ejercida sobre las colonias misioneras, así como las campañas de masacre y asimilación forzada charrúa, llaman la atención sobre un doble movimiento de una misma lógica de Estado que llevó a ambos grupos a una “desaparición” obligada. Esta “desaparición”, sea entendida como fruto de las campañas de exterminio o sea por la supresión de esas presencias en las producciones historiográficas o contemporáneas, debe ser examinada a la luz de re-emergencia charrúa.

La re-emergencia charrúa

La identidad reivindicada por los descendientes y charrúas contemporáneos, no es una imitación a aquella que los europeos registraron en el siglo XVIII. Como comenté al inicio, a fines de los años 1980 y luego de la reapertura democrática, emergieron los primeros colectivos charrúas. Comúnmente, el pasar a identificarse como un descendiente o un charrúa lleva tiempo, y sobre todo, un arduo trabajo de investigación de las ramas familiares. Muchas veces el “descubrimiento” de pertenecer a una familia indígena se da por accidente, por desconfianza previa o por relatos que los más viejos deciden poner sobre la mesa. En esos casos, descendientes me han relatado que luego de descubrir que su familia era de origen indígena, pasaron a reconocer en sus propias prácticas cotidianas, -como formas de cura, mitos e incluso trazos fenotípicos-, prácticas conocidas como pertenecientes a la cultura charrúa. Pero más allá de prácticas tradicionales, lo que comparten los descendientes son el ser portadores de memorias de dolor. Lo que salta a la vista y que unifica a esta población es la memoria de trauma, de vergüenzas y miedo que comparten o que sus antepasados les transmitieron. Cargan con las memorias de sus antepasados, y mantienen vivo el peso de las persecuciones, del imperativo de llamarse a silencio, del usar nombres de origen europeo. El miedo a decirse indígena en público, el compartir trayectorias personales sólo de puertas adentro o la vergüenza de reconocerse como tal en un país que se jacta de su origen europeo, son algunos de los trazos en común.

Por qué motivo estas memorias subterráneas –haciendo eco de las palabras de Pollak (2006)-, irrumpieron en la arena pública luego de la dictadura, puede ser atribuido a muchas razones. Sin embargo, lo que debería interesarnos (y principalmente a los antropólogos sociales) es qué formas viene adoptando la re-emergencia indígena en el Uruguay, cuáles son los mecanismos y las estrategias de irrupción de memorias, qué historias tienen para contar, qué gramáticas y memorias comparten. ¿Hasta cuándo seguiremos sin tomar en serio las trayectorias de más de 76.000 integrantes de nuestra sociedad y de más de 30 años de lucha por la reivindicación de la identidad charrúa?  

* Francesca Repetto es magíster en Antropología Social por el Programa de Posgrado en Antropología Social del Museo Nacional de la Universidad Federal de Rio de Janeiro, y doctoranda por la misma institución.

Referencias

[i] Para más detalle, consultar el Informe Temático “El perfil demográfico y socioeconómico de la población uruguaya según su ascendencia racial”, de Marisa Bucheli y Wanda Cabella. INE, s/d.

[ii] Por ejemplo, “Entrevista Pi Hugarte y los charrúas”. Montevideo Portal. http://www.montevideo.com.uy/auc.aspx?104044. Acceso en: 20/12/2014. O también: Vidart, Daniel. “No hay indios en el Uruguay contemporáneo”. Anuario de Antropología Social y Cultural en Uruguay, Vol. 10, 2012, pp. 251-257.

[iii] Acosta y Lara, 2006, vol. II, p. 85.

[iv] Algunos autores llegaron a contabilizar a 20.000 guaraníes en distintos fondos documentales del país, sin embargo, la documentación de archivo consultada en el Archivo General de la Nación habla de 8.000 misioneros. Por más detalle, consultar Gonzáles y Rissotto, y Susana Rodríguez Varese. “Contribuciones al estudio de la influencia guaraní en la formación de la sociedad uruguaya”. Revista Histórica. 1982, pp. 199-316.

[v] La colonia San Servando, en el Departamento de Cerro Largo, fue fundada en 1833. Para más detalle acerca de la situación de las colonias misioneras en el país, consultar el “Informe Uruguay”, para la Comisión del Patrimonio Cultural de la Nación. PROPIM, 2012.

[vi] Archivo General de la Nación: Ministerio de Guerra y Marina, Caja 1199, Foja 60, 23.01.1832

[vii] Archivo General de la Nación: Ministerio de Guerra y Marina, Caja 1209, Foja 1, 27.12.1832.

[viii] Archivo General de la Nación: Ministerio de Gobierno y Relaciones Exteriores, Caja 214, Expediente 48, 01.01.1860.

[ix] Archivo General de la Nación: Ministerio de Guerra y Marina, Caja 1190, Foja 7.

[x] Archivo General de la Nación: Ministerio de Gobierno, Caja 1187, Foja 25.

[xi] VIDART, Daniel. “No hay indios charrúas en el Uruguay contemporáneo”. S/D. Link: http://www.bitacora.com.uy/auc.aspx?3988,7. Acceso en 01/05/2019

[xii] Para más información, consultar los trabajos de Isabel Barreto, Diego Bracco y Carmen Curbelo.

Bibliografía

POLLAK, Michael. Memoria, olvido, silencio. La producción social de identidades frente a situaciones límite. La Plata, Argentina: Ed. Al Margen, 2006.

REPETTO, A. Francesca. Arqueología do apagamento. Narrativas de desaparecimento charrúa no Uruguai desde 1830. Tesis de maestria defendida en el Programa de Pós-graduação em Antropologia Social, Museu Nacional/UFRJ. Rio de Janeiro, 2017.

VIDART, Daniel. No hay indios charrúas en el Uruguay contemporáneo. S/D. Link: http://www.bitacora.com.uy/auc.aspx?3988,7. Acceso en 01/05/2019

Transcrição da entrevista de José Mujica à Folha e ao UOL (FSP)

19/07/2014 06h00

Leia a transcrição da entrevista de José Mujica à Folha e ao UOL

José Mujica, presidente do Uruguai, participou do Poder e Política ), programa da Folha e do “UOL” conduzido pelo jornalista Fernando Rodrigues. A gravação ocorreu em 17.jul.2014 na Embaixada do Uruguai em Brasília.

VIDEOS: http://www3.uol.com.br/module/playlist-videos/2014/jose-mujica-no-poder-e-politica-1405731431138.js

José Mujica – 17.jul.2014

Narração de abertura [EM OFF]: José Alberto Mujica Cordano tem 79 anos. Nasceu em Montevidéu, no Uruguai.

Pepe Mujica, como é conhecido, iniciou sua militância política ainda jovem, no grupo armado Tupamaro, que pretendia chegar ao poder inspirado pela revolução cubana.

Foi preso diversas vezes na década de 70 pela ditadura uruguaia. Permaneceu encarcerado por 14 anos. Nesse período, passou 2 anos em uma solitária no fundo de um poço.

Em 1985, Pepe Mujica foi anistiado e ganhou a liberdade. Alguns anos depois, ajudou a fundar um partido de esquerda, o Movimento de Participação Popular.

Mujica elegeu-se deputado em 1994. Cinco anos depois, foi eleito senador.

Em 2005, o então presidente do Uruguai Tabaré Vázquez o nomeou ministro da Pecuária, Agricultura e Pesca. Ganhou a simpatia da população com sua capacidade de diálogo e modo franco de expressar opiniões

Pepe Mujica deixou o ministério em 2008. No ano seguinte, elegeu-se presidente do Uruguai, cargo que exerce até hoje.

Folha/UOL: Olá. Bem-vindo a mais um Poder e Política Entrevista. Este programa é uma realização do jornal Folha de São Paulo e do Portal UOL. A gravação desta edição do Poder e Política está sendo realizada, excepcionalmente, na Embaixada do Uruguai em Brasília, porque o entrevistado desta edição do Poder e Política é o presidente do Uruguai, José Mujica.

Folha/UOL: Olá, presidente. Como vai?
José Mujica: É um prazer cumprimentá-lo.

Muito obrigado. É um privilégio tê-lo aqui no Poder e Política. Como o senhor define a relação hoje entre o Brasil e o Uruguai?
Eu acho que é uma relação cordial, de muito reconhecimento, apesar da diferença notória de recursos, de tamanho. Mas o Brasil, com muita inteligência, olha para o Sul como parte componente de seu espaço geopolítico natural.

Às vezes, no Cone Sul, na América Latina, nota-se um sentimento sobre o Brasil ser um país com interesses imperialistas nessa região. Às vezes Algumas pessoas dizem isso. O senhor acha que existe esse sentimento?
Sim, algo assim pode acontecer. Eu acredito que é resultado dos inevitáveis flertes nacionalistas que existem por todas as partes. A atitude imperial do Brasil pode ter sido consequência de sua história, é um país que teve um imperador que declarou a independência, que herdou a tradição da Casa de Bragança. E teve um Estado constituído muito cedo, de forma um pouco europeia. Que teve uma longa discussão de fronteiras, muito inteligente para os interesses do Brasil. Certamente, formou uma visão cultural desse tipo. Mas o Brasil de hoje encontra-se imerso em uma época diferente. Todos chegamos atrasados, o mundo está desenvolvido. Ou, pelo menos, uma parte importante dele. E o mais inteligente do Brasil é que percebe que, embora seja grande, precisa de um todo para acompanhá-lo na tentativa de fazer algo na negociação mundial. E, aqueles que não somos o Brasil, estamos conscientes de que precisamos do Brasil para cumprir esse papel. Mas o problema está dentro do Brasil. Por quê? Porque há uma corrente de pensamento válida que diz que “o Brasil é muito grande e ainda temos de integrarmo-nos como país.” E talvez tenham razão, mas já é tarde.

*Com relação ao Uruguai, o Uruguai hoje está satisfeito com a relação geral que tem com o Brasil, sobretudo no aspecto econômico? *
Sim, sempre encontramos vontade política para superar as dificuldades em um país grande, com organização federal, onde às vezes surgem curtos-circuitos com os Estados e o governo central. Sempre com paciência, tenta diminuir o nível das contradições. Por exemplo, quando há a colheita do arroz no Uruguai, os caminhões começam a passar. Há uma parte do Rio Grande do Sul que não gosta. Naturalmente, eles querem vender o arroz em primeiro lugar, e eles estão certos. Pois bem, depois, sempre se consegue resolver.

Em que medida o Mercosul tem ajudado a melhorar essas relações todas?
O Mercosul não anda muito bem.

Por quê?
Porque existem diferentes visões. Às vezes há uma espécie de protecionismo para dentro em alguns países. E a tentativa de criar um espaço comum enfrenta dificuldade. Os organismos de arbitragem, de decisão, a institucionalidade real do Mercosul não funciona. Funcionam as chancelarias presidenciais. Como é o nosso caso com o Brasil. Resolvemos tudo tentando….

… diretamente com o Brasil.
Sim. Há visões que são diferentes. A Argentina tem outra visão. Tem o seu problema.

Como resolver esse impasse no Mercosul para melhorá-lo institucionalmente? Ou não é possível?
Vai ter que ser possível, porque tudo tem um limite e estamos, por exemplo, tentando negociar um acordo com a Europa. Todos precisamos disso. Por quê? Porque a presença da China na região está cada vez mais forte. E não podemos fugir disso porque é o principal comprador que temos. Se assim for, é bom ter a outra parte da balança para que nos ajude na compensação porque para ninguém é conveniente depender de um único polo econômico.

A impressão que se tem é que o Mercosul avançou muito pouco desde a sua criação. Os críticos do Mercosul dizem isso. O senhor concorda?
Sim, acho que está estagnado.

Foi uma ideia errada, na sua concepção, o Mercosul, talvez?
Acredito que os interesses empresariais nacionais são muito fortes e não priorizam a busca da integração. Vamos ver se consigo explicar. O que existe de mais forte economicamente é a burguesia paulista. Mas já não estamos na época de colonização. O papel da burguesia paulista deveria ser unir aliados, tentar construir um sistema de empresas transnacionais latino-americanas. Pelo seu tamanho, tem a responsabilidade de conduzir. Mas comete um erro se quiser fagocitar porque, em vez de ganhar aliados, ganha inimigos que se opõem à integração.

Mas, nesse caso, esperar que a burguesia paulista, como o senhor diz, tome a iniciativa de liderar o processo, não seria o caso de esperar que os políticos dos países, sobretudo do Brasil, que é o sócio mais rico do Mercosul, liderasse o processo?
O que acontece é que o mundo atravessa uma crise na política. Não é um problema do Brasil, é um problema global. A política não governa. O processo de globalização anda solto, sem governança. E aqui, as forças da economia e da política estão um pouco divorciadas. É hora de pensar a longo prazo, olhar mais longe. Eu entendo os empresários. Eles têm que se preocupar com todo fim de mês porque, senão… Mas há necessidade de ir construindo coisas complementares. Por exemplo, o Uruguai não precisa ter uma indústria automobilística, pelas suas dimensões. Mas é preciso se especializar em fazer alguma coisa, alguma autopeça que sirva para o mercado brasileiro. E assim, sucessivamente. O mesmo acontece na infraestrutura. Portugal fundou a colônia de Sacramento porque percebeu que o centro-sul do Brasil tinha que sair pelo Paraguai-Paraná. E já percebiam que para retirar carga o mais barato é transportar navegando águas abaixo. O Brasil tem que entender isso e deve ter uma política direcionada. A infraestrutura também tem que acompanhar. E essas coisas têm custo e levam tempo.

Por exemplo, há o Porto de Rocha no Uruguai, que será financiado, em parte, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Brasileiro. A oposição no Brasil faz críticas. Como o senhor responde a essas críticas?
Que olhem o mapa. E que voltem a olhar o mapa. Devem olhar o mapa, por favor. Não há transporte mais barato que navegar águas abaixo. Esse também tem que ser um porto brasileiro, mas também não se deve ter medo de que os outros portos vão funcionar. O desenvolvimento central do Brasil, da Bolívia, do Paraguai, exige muito mais de logística. Nós, na América, temos a síndrome de armazenador que somente quer estar no bairro onde não há concorrência.

O senhor acha que a presidente Dilma Rousseff pensa dessa forma que o senhor descreve a necessidade de integração?
Por exemplo, nós fizemos um acordo elétrico importante. Que permitirá que o sul do Brasil nos venda energia elétrica ou nós vendermos ao Brasil, dependendo das chuvas, onde esteja mais barato. Esse é o caminho certo. Temos que conectar as ferrovias. Temos que fazer muita coisa em comum. Também com a Argentina. Acredito que há um ponto-chave aqui.

Qual é?
A relação Argentina-Brasil. Eu acho que a Argentina se fecha demais. Se fecha para nós. E o Brasil tem paciência estratégica. Mas tudo tem o seu limite.

Estamos perto do limite? Estamos muito perto já desse limite que o senhor disse?
Eu não sei, mas teremos eleições nos dois lados. E pode ser que surja daí alguma variante. A Argentina é um país fundamental e é uma espécie de parceiro natural. Mas essa velha rivalidade histórica tem que ser transformada em uma aliança estratégica, e isso custa. Custa mais para Argentina do que para o Brasil.

A propósito da Argentina, a presidente Cristina Kirchner tem feito muitas críticas em relação aos credores internacionais da Argentina. O senhor concorda com as críticas que a presidente Kirchner tem feito a seus credores?
Sim, existe uma especulação financeira com uma dívida. Comprar papéis muito baratos em tempos de crise e depois pedir… é um absurdo. Provavelmente, essas coisas deveriam ter sido discutidas melhor há muito tempo.

Mas agora chegou numa situação
Agora…

…crítica.
Agora temos uma situação muito explosiva, muito pública.

Como resolver?
Terá que aguentar uns cinco ou seis meses. Se aguentar cinco ou seis meses, tudo vai se ajustar porque as obrigações legais vencem agora, no tempo devido.

Sim.
É um problema difícil. O que acontece é que somos obrigados a defender a Argentina. Por quê?

Mas houve um erro estratégico…
Porque se a Argentina entra em crise, todos vamos sentir. E, sobretudo, nós. Temos uma história: Quando a Argentinta vai bem, nós também. Quando a Argentina vai mal, nós…

Então, o apoio à posição da Argentina agora é mais estratégico do que propriamente por convicção sobre o que deve ser feito.
Sim, sim, sim.

Entendi…
É uma questão estratégica. Porque, além de precisarmos nos cuidar diante do mundo, a questão financeira não pode sepultar o econômico. O econômico deve estar acima do financeiro. Temos os papeis trocados neste mundo. E isso faz parte das contradições da época que nos tocou viver. Algumas coisas são inexplicáveis: a crise dos Estados Unidos, a crise em partes da Europa. Tudo vem do financeiro. E você tem que aprender. Temos que aprender com a realidade.

Qual foi o resultado prático da reunião da Unasul?
A de ontem?

Sim.
Do ponto de vista prático, o mais importante foi a decisão da criação do banco. É expressão de um certo grau de vontade que uma alternativa sobreviva no tempo. Mas, quando estamos negociando com a Europa, com forte resistência dentro da Europa, quando temos sérias dificuldades de consideração com os Estados Unidos, é bom que a outra parte do mundo se preocupe por nós. Para que fique mais claro. Temos uma melhor cotação internacional. E nós pensamos que não devemos depender 100% de um. Temos que ter a inteligência para estar abertos para o resto de mundo. Isso não significa vender a alma, nem vender a economia. E sim uma maneira inteligente de enfrentar a incerteza.

Agora o banco que foi anunciado pelos BRICs – Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – tem duas mensagens. A primeira, é geopolítica, política. A outra, econômica-financeira, só terá efeitos no futuro. Agora, para a região aqui na América do Sul, pro Uruguai, pro Brasil, qual o efeito teria além dessa mensagem política? Ou essa, ou esse é o único efeito no momento?
Não, eu acho que é a construção de uma alternativa, de uma variável a mais. Nós não temos que brigar com o Banco Mundial, nem com o Fundo Monetário, mas, quanto mais disponibilidade tenhamos no horizonte, melhor será. Além disso, devemos pensar, estrategicamente, em formas de intercâmbio que nos permitam compensar moedas. Outra forma comercial. Parece-me que é uma necessidade do mundo vindouro. Porque nós estamos vinculados a uma moeda, o dólar, que é como medir com uma cinta métrica de borracha. Ampliam, reduzem e não temos nada a fazer. Devemos pensar em outras coisas, porque é muito contraditório. Mas essa é a realidade que vivemos.

Sobre a Unasul, la Unasur, há uma especulação sobre o senhor, depois que deixar a presidência do Uruguai, no ano que vem, passar a comandar a Unasur. O senhor tem interesse em fazer esse tipo de atividade
Eu pedi muitas vezes ao Lula, que devia ceder.

Ah, sim?
Sim…

E ele?
“Você tem que ceder.” E o Lula, que é muito astuto e inteligente, dizia-me, mais ou menos: “Olhe, Pepe, se eu for, eles vão dizer… o imperialismo brasileiro”. É, talvez. A Unasul é importante como organismo político. Mas devemos ter a inteligência para respeitar as nuances políticas que há na América. Eu, daqui, vou ao Paraguai. Provavelmente, eles têm uma maneira de pensar independente, mas eu tenho um enorme respeito pelo Paraguai. Pela Colômbia! Tenho tentado fazer tudo ao meu alcance para que a Colômbia tenha paz.

Lula fez uma sugestão ao senhor para que fosse pra Unasul depois de deixar a Presidência do Uruguai?
Como?

Lula fez uma sugestão para que o senhor fosse…
Sim, sim, ele fez sim. Lula é um ativista da integração, para unir. Ele faz tudo o que pode.

Mas, o senhor tem interesse em fazer isso no ano que vem?
O Senhor está no céu. Olhe, você sabe o que é envelhecer? É não querer sair de casa. Mas é possível que tente ajudar um pouco, por um tempo. Com muito respeito, mas estou com quase oitenta anos.

Eu ouvi que o senhor tem interesse em fazer um projeto social na sua fazenda no Uruguai, depois de deixar a presidência.
Sim, sim.

Como é esse projeto?
É uma ideia de fazer uma espécie de fazenda-escola, com trabalho de horticultura. E para aproveitar uma série de coisas que tenho. Eu sou um campesino frustrado. Eu amo a terra, eu gosto. E acredito que há muitas coisas para mostrar aos meninos, aos que virão. Tenho uma fazenda que está um pouco abandonada, mas tenho os meios. E, como comecei a consertar o mundo há muitos anos, quando era jovem, não tive filhos. É o que eu tenho e vou deixá-lo para os jovens que virão.

Voltando à geopolítica, esse grupo novo, BRICs, os países não tem muita afinidade entre si…
Nenhuma.

Qual a chance de dar tudo errado?
A afinidade é que eles têm problemas comuns. Trata-se de potências emergentes que estão procurando seu lugar sob o sol. Precisam disso. Essa é a parte que tem em comum. Depois, a China tornou-se a oficina do mundo. E os outros são os fornecedores de matérias-primas, de commodities. Mas, não nos esqueçamos disto: todos temos entrado aceleradamente em uma época diferente. Temos que começar a pensar a Terra por inteiro e temos culturas nacionais. Devemos que cuidar do planeta. Temos que tomar decisões para o mundo inteiro para defender o planeta. Essa responsabilidade, em primeiro lugar, é dos países maiores. Pensar dessa forma significa sacrificar parte da soberania para garantir a vida do planeta. Começam a surgir no horizonte problemas que não víamos, mas precisam de respostas globais. O mundo do futuro precisa de governança também. Isso não fará com que o Estado nacional desapareça. Isto significa que há problemas que nenhum país pode solucionar sozinho.

A propósito, o senhor, presidente, foi aos Estados Unidos, esteve com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e eu me recordo que houve uma conversa sobre o Uruguai receber, eventualmente, presos de Guantánamo. Como está essa oferta neste momento?
Nós dissemos que nos pareceu uma causa justa, porque sempre criticamos os Estados Unidos pela prisão de Guantánamo. Não se pode defender a democracia, o Estado de direito, e depois ter prisioneiros e juízes sem julgamento, sem tribunais. É uma contradição. Este presidente americano fez campanha e disse isso. Mas ele não é um monarca, não é um rei, é apenas um presidente. Portanto, não conseguiu.

Foi feita a oferta?
Sim, acho que tínhamos que ajudá-lo.

E como ele respondeu?
Ele depende de uma autorização do Congresso e teve muitas dificuldades.

E neste momento, está parado?
Está parado. Acho que haverá alguma decisão e o Congresso terá 30 ou 60 dias para fazer as objeções e depois…

E como funcionaria? O Uruguai receberia uma quantidade de presos de Guantánamo…
Não, quantidade não. Cinco ou seis.

Cinco ou seis.
E nós queremos que outros países da América entendam isso. Porque também devemos ajudar a Cuba. Não podemos falar todos os dias sobre direitos humanos e proferir lindos discursos e não ter compromisso.

Esses presos de Guantánamo, se fossem transferidos para o Uruguai, seriam julgados no Uruguai?
Não.

Seriam…
Seriam refugiados.

Refugiados.
Refugiados, ou seja, como homens livres. E, se quiserem ir embora, irão. Legalmente. Nós não seremos carcereiros dos Estados Unidos.

Entendi.
No Uruguai há cerca de 250 colombianos. Que vieram devido aos problemas na Colômbia. O Uruguai é um país de pessoas refugiadas que chegaram de todos os lados. Do Brasil.

Sim.
E fomos para outros lugares também.

O senhor mencionou Cuba. O senhor acredita que hoje Cuba pode ser descrita, considerada uma democracia?
Com as definições do Ocidente e da democracia representativa, não é. Com as definições marxistas e leninistas de democracia popular, certamente o é. Mas não me preocupa tanto. De qualquer forma, o que se possa negar de Cuba, ao lado da China, parece-me ridículo. E ninguém tem problemas com a China. Isto significa que criamos muito problema com Cuba porque é pequena. E, com a China, como precisamos dela, vendemos para ela e compramos dela, fazemo-nos de distraídos. Cuba tem o sonho de se tornar uma democracia sem classes sociais. Já paga um preço alto. Mas Cuba, e qualquer outro país, deve ser respeitado. E para conviver neste mundo há uma regra de ouro: aprender a respeitar aquele com o qual estamos em desacordo. O mundo é diferente. As culturas árabes, as culturas muçulmanas têm diferentes valores e pontos de vista divergentes aos nossos. Devemos respeitar, pois, caso contrário, as contradições são explosivas. A democracia tem uma grande virtude e muitos defeitos. A grande virtude é que nunca é perfeita e nem concluída. Sempre apostamos para melhorar. Aqueles que acreditam que tocaram o céu com a mão e não há mais evolução, pois bem, isso é absolutismo.

O senhor mencionou o fato de o Uruguai recebido muitos refugiados. A presidente Dilma Rousseff do Brasil relatou uma vez que, quando estava na guerrilha no Brasil, fez um treinamento na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai, mas já em território uruguaio. Isso quando ela era muito jovem. Ela já contou esse episódio para o senhor?
Não, não me contou, mas quando houve golpe de estado no Brasil.

Sim.
Militar.

64.
Eu era jovem. Muitas vezes, servi de correio para imigrantes brasileiros que estavam no Uruguai, para trazer correspondência do Rio Grande do Sul e levar. Em solidariedade aos refugiados brasileiros. Anos depois, muitos dos meus compatriotas estavam refugiados no Brasil. O Brasil foi e é o país ideal para pessoas clandestinas.

Por quê?
Porque é tão grande que as pessoas mudam de Estado e pronto, resolvido. E muitas pessoas não tinham documentos naquela época.

A presidente Dilma nunca compartilhou com o senhor as memórias desse período em que ela ficou lá próxima do Uruguai?
Não, não porque nunca temos tempo, sempre falamos sobre as urgências do Estado.

O Brasil está vivendo uma democracia já há algum tempo. Dos presidentes recentes brasileiros, Fernando Henrique, Lula e Dilma, que foram eleitos pelo voto direto, qual deles trabalhou mais pela integração do continente?
Lula.

Lula.
E Lula projetou o Brasil para fora.

Que avaliação senhor faz desse período, Fernando Henrique, Lula e agora Dilma?
Fernando Henrique, há dois Fernando Henrique. Um que foi governante e há um anterior, o pensador.

Sim.
Ele nos ajudou a pensar muito na economia, etc. Ele é uma figura importante no pensamento da América. Na verdade, todos os três, cada um de sua própria maneira, contribuíram muito. Mas devemos ter presente que Lula é um personagem que quebrou o molde. Ele tem algo muito difícil de definir, mas que o faz muito bem, que é a arte da negociação. De juntar as pessoas, aproximar os extremos, encontrar soluções para os problemas que não têm solução.

E Dilma?
Parece-me que Dilma é uma mulher muito trabalhadora, tenaz. Muito preocupada e, provavelmente, uma boa administradora.

Menos política.
Não tem a personalidade política do Lula. Talvez seja uma mulher de Estado, do funcionamento da máquina do Estado. Essa é a minha impressão. E por algum motivo foi eleita pelo Lula, por algo foi eleita.

O Brasil tem eleições este ano. O senhor tem acompanhado o processo?
Há eleições, sim.

O senhor tem um palpite, uma idéia, uma… sobre como será a eleição no Brasil? A presidente Dilma disputa mais um mandato, a reeleição.
Sim.

E, a oposição, representada pelo partido de Fernando Henrique, Sociais Democratas. O senhor acredita que, para a relação do continente, é melhor a reeleição da presidente Dilma ou uma troca, uma alternância de partidos?
Eu não acredito em qualquer cataclismo da política externa. Embora não haja reconhecimento, parece-me que a política exterior do Brasil, em termos gerais, é compartilhada. As diferenças estão em outras coisas. Uma mudança na direção do Brasil, não acredito que signifique jogar fora todo o processo de integração. Sempre tenho visto atrás do Lula, da Dilma e do Fernando Henrique, a figura do Itamaraty.

E no Uruguai, como está a sua sucessão?
Estamos em plena discussão eleitoral.

E como está o quadro?
Está igual, os números estão iguais a quando sai como candidato.

Sim?
Não sabemos se será definido no primeiro turno. E o segundo turno é muito exigente no Uruguai. Mas tenho confiança que será mantida no governo a força política com o equilíbrio justo.

Os candidatos principais são quais, no momento?
Tabaré Vázquez, que já foi presidente.

Que é o seu candidato.
Sim, um médico, Lacalle Pou, filho de um ex-presidente. Outro médico, Bordaberry, candidato pelo Partido Colorado. Acho que são os três candidatos principais. As pesquisas mostram nosso candidato com 43-44%, 30% para o Partido Nacional e cerca de 15% para o Partido Colorado. Mas, no segundo turno, a soma não é automática.

Por quê?
Porque as pessoas fazem de seu voto o que acharem melhor. Por exemplo, eu, no primeiro turno, tive cerca de 44% dos votos e, no segundo turno, tive 55-56%. Isto significa que houve pessoas de outros partidos que votaram em mim.

O senhor falou sobre uma eventual mudança de governo no Brasil: não acha que seria um cataclismo, não teríamos um problema. Como avaliar o desempenho das esquerdas, em geral, no mundo atual? Porque na Europa vemos um avanço de partidos de direita, não acha?
Sim, notório.

Como isso funciona na América Latina?
Na América Latina parece que acontece o contrário da Europa.

Exato. Por quê?
Primeiramente, tampouco é esquerda… ma non troppo. (risos)

Acredita que o Brasil é assim, por exemplo?
É uma esquerda moderada que procura que o sistema funcione e que luta para distribuir um pouco melhor.

Isto é aplicado a tudo por aqui.
Às vezes, os discursos são mais radicais, os discursos.

Mas a prática?
Veja bem, veja bem o Evo. Ele tem um discurso muito radical.

Evo Morales?
Sim. Veja a situação fiscal da Bolívia. Acredito que é a primeira vez, na história da Bolívia, que há superávit fiscal longo. Tem demonstrado ser um bom administrador e com Correa passa algo semelhante. É como se os latino-americanos tivéssemos aprendido como a dor.

Sim.
E aprendemos uma espécie de lição meio genérica que não é nem da esquerda, nem da direita. Há coisas com as quais não se brincam.

E isto é aplicável a quase tudo, certo?
Sim, com uma diferença, que é meio genérico.

E assim está o contexto da declaração quando o senhor disse que, se houver uma mudança no Brasil, não será um cataclismo porque está tudo… a política externa desenhada já…
Sim.

É assim que devo entender?
Sim, sim.

Vamos falar um pouco de futebol agora. O time de futebol do Uruguai estava indo muito bem na Copa do Mundo, mas um jogador, Luis Suárez, acabou sendo suspenso por morder um jogador da Itália, não? Como o senhor avalia essas coisas? O que aconteceu?
Esse menino tem algum problema aqui. Porque

O senhor conversou com ele?
Sim Eu fui recebê-lo.

Sim, eu vi.
Ele vem de um lar muito pobre e tem a inteligência nas canelas. É brilhante nas pernas.

Ele contou ao senhor por que mordeu?
Não, talvez tivesse vergonha. Eu acho que a raiva o enfurece e ele não se domina. Mas era o caso, na verdade, de levá-lo a um hospital. Para tratá-lo daqui, com psiquiatra. É um problema que não se soluciona com sanções. Mas eu não discuto a sanção desportiva, está bem. O que discuto são algumas coisas que não têm nada a ver com a sanção. Não pode entrar no campo, não pode estar com os colegas na concentração, quatro meses sem poder ir a uma campo de futebol, não pode ir sequer a uma cerimônia de apoio, a qualquer evento público desportivo com fins de beneficência. Por exemplo, ir a um colégio do bairro estamos loucos! Nenhum governo pode proibir que alguém entre em um campo de futebol se não tiver a assinatura de um juiz. E, vem a Fifa e “não pode entrar em um campo por quatro meses, nem na arquibancada”.

O senhor fez muitas críticas à Fifa
Ah, sim!

com palavras muito fortes.
Por isso! Por tudo isso que acabei de dizer. Não pela sanção.

Por que acha que a FIFA aplicou essa sanção ao Suárez?
Porque tem uma mentalidade de velhos que querem resolver as coisas castigando e, ao castigar, a única coisa que se gera é ódio e ressentimento. Esse menino precisa de uma ajuda aqui.

O senhor falou com ele sobre isto?
É um mundo de loucos! Porque agora pagam 100 milhões! O Barcelona vai comprá-lo por 100 milhões! Veja só, a Fifa aplica uma sanção duríssima! E o Barça paga quase 100 milhões, vai pagar 10 milhões por ano! Estamos todos loucos, estamos!

E o rapaz, o jogador, como reagiu quando o senhor falou com ele?
Ele tem que… comigo não, eu sou presidente. Ele tem que pedir perdão ao seu povo. Não tem que pedir perdão à Fifa, nem a ninguém, mas ao seu povo.

E por que
Ele era uma carta de esperança. É desses caras geniais que, de repente, não jogam durante todo o jogo, mas, de repente, entram e fazem dois gols. Como fez na Inglaterra. E, bem, vamos vê-lo com o Neymar e com o Messi, à frente do Barça. Não sei como vão fazer.

Sobre o tema da legalização da maconha, a comercialização foi adiada, não? O que aconteceu e por quê?
É necessário plantá-la e produzi-la e, do ponto de vista agrícola. As plantas não funcionam para o que nós queremos, têm o seu próprio ciclo e isso leva um tempo. Além disso, é necessário fazer estufas.

Mas, já estão em produção?
Estamos fazendo as mudas. Fazendo a reprodução vegetativa.

E, como não havia tempo, a venda então foi adiada para o ano que vem?
Sim, poderão começar a florescer em janeiro, fevereiro.

E o senhor não acha que, se não obtiver êxito na eleição do Tabaré Vázquez, e a oposição ganhar, podem mudar todo programa e anular a lei?
A oposição é meio trapaceira.

Por quê?
Porque a própria oposição apresentou um projeto no qual permite que se tenha em casa até seis plantas de maconha.

Então?
Então, se você autorizar que todo mundo tenha seis plantas de maconha, adeus.

Então o senhor não acha que mesmo com a oposição se
Eu acho que a oposição daria outra forma, tiraria do Estado. Tiraria do Estado, mas deixaria a porta aberta para o autocultivo. O que seria uma garantia, de saber de onde sai, mas não se sabe aonde vai terminar. Nos Estados Unidos, o uso está se massificando.

O senhor conversou com o Obama sobre este tema?
Não, não, não conversei. Falei com outras pessoas.

E se o Tabaré Vázquez ganhar, o programa seguirá tal como está?
Sempre haverá alguma modificação. Os programas mudam.

Há algum risco, comenta-se muito no Brasil, de que o Uruguai se converta em um país de turismo para os que querem consumir.
Não, não, não. Com o método que nós adotamos, nenhum estrangeiro pode consumir. Na realidade, o problema é ao contrário. Toda a droga que nos entra, entra pela fronteira. Vem em aviões pequenos. Todos nós sabemos que vem do coração da América. E é distribuída, e jogam pacotes

O que dizem é que a solução seria uma política conjunta de todo o continente.
Sim.

O senhor acha que esta é a saída? Porque um país tão grande como o Brasil diz que não tem condição. O que pensa?
Eu entendo, eu entendo. Já levamos quase oitenta anos reprimindo. E não conseguimos deter o avanço da droga. A via repressiva única demonstrou que é impotente em todos os lados. Como dizem, se você quer mudar, não pode continuar fazendo a mesma coisa. Tem que fazer outra coisa. Nós não afirmamos ter a solução ideal. O que dizemos é que, por ser um país pequeno, institucionalizado, com forte presença do Estado em todas partes, nós temos condição de fazer um experimento para encará-lo como enfermidade. Mas, não estamos aqui para difundir o avanço do uso de drogas. Pelo contrário, queremos identificar os consumidores para poder avisar a tempo: “Veja o que está acontecendo com você”. Se eu tomar um ou dois copos de uísque por dia, talvez até não me faça bem, mas é suportável. Agora, se eu tomar uma garrafa todos os dias, você tem que me levar para o hospital. Bom, com a droga acontece o mesmo. Se fumar um cigarro de maconha, é uma coisa. Se virar dependente, tenho que ter o indivíduo identificado porque é um caso hospitalar. Tenho que prestar auxílio. Mas, se eu o tiver no mundo clandestino, quando for prestar auxílio, desastres já aconteceram. Se multiplicaram os delitos, os roubos, já pode ter acontecido qualquer coisa.

Entendo
Essa é a questão. Mas, nós estamos preocupados com a fronteira.

Presidente José Mujica, muito obrigado pela sua entrevista à Folha de São Paulo e ao UOL.
Com muito prazer.

É um prazer e obrigado.

Mujica, teórico da transição pós-capitalista? (Blog da Redação)

Publicado em 6 de janeiro de 2014 por 

140106-Mujica

Em entrevista inédita no Brasil, ele debate causas do fracasso do “socialismo real” e afirma: para superar sistema, é preciso começar pelo choque de valores

Cada vez mais popular tanto nas redes sociais como na mídia tradicional, o presidente do Uruguai, Pepe Mujica, arrisca-se a sofrer um processo de diluição de imagem semelhante ao que atingiu Nelson Mandela. Aos poucos, cultua-se o mito, esvaziado de sentidos — e se esquecem suas ideias e batalhas. Por isso, vale ler o diálogo que Pepe manteve, no final do ano passado, com o jornalista catalão Antoni Traveria. Publicada no site argentino El Puercoespínentrevista revela um presidente que vai muito além do simpático bonachão que despreza cerimônias e luxos.

Mujica, que viveu a luta armada e compartilhou os projetos da esquerda leninista, parece um crítico arguto das experiências socialistas do século XX. Coloca em xeque, em especial, uma crença trágica que marcou a União Soviética e os países que nela se inspiraram: a ideia de que o essencial, para construir uma nova sociedade, era alterar as bases materiais da produção de riquezas. ”Não se constrói socialismo com pedreiros, capatazes e mestres de obra capitalistas”, ironiza o presidente. Não se trata de uma constatação lastimosa sobre o passado ou de um desalento. Mujica mantém-se convicto de que o sistema em que estamos mergulhados precisa e pode ser superado. Mas será um processo lento, como toda a mudança de mentalidades, e precisa priorizar o choque de valores: tornar cada vez mais clara a mediocridade da vida burguesa e apontar modos alternativos de convívio e produção. Leia a seguir, alguns dos trechos centrais da entrevista:

“A batalha agora é muito mais longa. As mudanças materiais, as relações de propriedade, nem sequer são o mais importante. O fundamental são as mudanças culturais e estas transformações exigem muitíssimo tempo. Mesmo nós, que não podemos aceitar filosoficamente o capitalismo, estamos cercados de capitalismo em todos os usos e costumes de nossas vidas, de nossas sociedades. Ninguém escapa à densa malha do mercado, a sua tirania. Estamos em luta pela igualdade e para amortecer por todos os meios as vergonhas sociais. Temos que aplicar políticas fiscais que ajudem a repartir — ainda que seja uma parte do excedente — em favor dos desfavorecidos. Os setores proprietários dizem que não se deve dar o peixe, mas ensinar as pessoas a pescar; mas quando destroçamos seu barco, roubamos sua vara e tiramos seus anzóis, é preciso começar dando-lhes o peixe”.

“A vida é muito bela e é preciso procurar fazer as coisas enquanto a sociedade real funciona, ainda que seja capitalista. Tenho que cobrar impostos para mitigar as enormes dificuldades sociais; ao mesmo tempo, não posso cair no conformismo crônico de pensar que reformando o capitalismo vou a algum lado. Não podemos substituir as forças produtivas da noite para o dia, nem em dez anos. São processos que precisam de coparticipação e inteligência. Ao mesmo tempo em que lutamos para transformar o futuro, é preciso fazer funcionar o velho, porque as pessoas têm de viver. É uma equação difícil. O desafio é bravo. Há quem siga com o mesmo que dizíamos nos anos 1950. Não se deram conta do que ocorreu no mundo e por quê ocorreu. Sinto como minhas as derrotas do movimento socialista. Me ensinam o que não devo fazer. Mas isso não significa que vá engolir a pastilha do capitalismo, nesta altura de minha vida”.

“Não sei se vão me dar bola, mas digo aos jovens de hoje que aprendemos mais com o fracasso e a dor que com a bonança. Na vida pessoal e na coletiva pode-se cair uma, duas, muitas vezes, mas a questão é voltar a começar. E é preciso criar mundos de felicidade com poucas coisas, com sobriedade. Refiro-me a viver com bagagem leve, a não viver escravizado pela renovação consumista permanente que é uma febre e obriga a trabalhar, trabalhar e trabalhar para pagar contas que nunca terminam. Não se trata de uma apologia da pobreza, mas de um elogio à sobriedade — não quero usar a palavra austeridade, porque na Europa está sendo muito prostituída, quando se deixa as pessoas sem trabalho em nome do ‘austero’”.

“Em toda a história do Uruguai, o presidente repartia as licenças de rádio e TV com o dedo. Tivemos a ideia de abrir consultas e processos democráticos baseados em méritos. Pensamos e realizamos! O que certa imprensa diga não me preocupa. Já os conheço. O problema que o diário [uruguaio] El País pode me criticar e se, algum dia, estiver de acordo e me elogiar. Seria sinal de que ando mal”.

 

Uruguay: Mujica básico, o cómo convivir con todo aquello que se detesta, por Antoni Traveria (El Puercoespín, Argentina)

30 diciembre, 2013

Fue detenido hasta en cuatro ocasiones y privado de libertad durante casi 15 años en total, hasta 1985. En su condición de rehén de la dictadura cívico-militar, sufrió largos periodos de aislamiento en la cárcel de Punta Carretas –desde 1994, convertida en centro comercial– de la que se fugó en dos ocasiones.

José Alberto Mujica Cordano, al que sus compatriotas llaman el Pepe, es el presidente de la República del Uruguay desde hace tres años. La vida le llenó de cicatrices, de las que habla sin rencor, sin queja alguna.

Opina que «el odio no construye un carajo», pero que no hay que olvidar el pasado. Necesita acariciar la tierra todos los días, estar cerca de sus raíces. Su perra mestiza, con una pata amputada, de nombre Manuela, no se separa de él cuando está en casa. Vive en el campo, en una austera chacra en la zona rural de Rincón del Cerro, a 20 kilómetros de su lugar de trabajo en Montevideo. Una granja humilde donde cultivan flores y hortalizas junto a su compañera –como gusta llamarla él–, la senadora Lucía Topolansky. Compartieron militancia guerrillera tupamara y también ella estuvo en la cárcel, 13 años. Los razonamientos transgresores de este atípico presidente, su filosofía de vida, su sencillez, le hacen distinto a cualquier otro en su posición.

Tal vez sean esas las cualidades que le han convertido, a sus 78 años, en todo un fenómeno universal en las redes sociales. El sol ya se ha levantado hace poco más de un par de horas. Pepe Mujica recibe a Más Periódico en exclusiva, en su chacra, con su inseparable mate.

–Sus palabras acostumbran a tener repercusión; mucha gente, de todas las edades, le elogian a través de las redes sociales.

–Europa fue durante mucho tiempo el epicentro de todas las ideas de renovación, de cambio, de sociedades más justas, de respeto a los derechos humanos. Todo en el marco de un gigantesco cataclismo, porque nada cayó del cielo. También está la otra Europa. Como decía Antonio Machado, una España de charanga y pandereta con el contraste de otra España, la de las ideas y la cultura. Hay una parte de juventud que trata de cultivar esperanza y caminos de cambio. Ven una América Latina generosa. Da la impresión de que el pensamiento de izquierdas se está refugiando en América Latina. No tenemos mucho para teorizar, pero estamos realizando formidables experimentos de carácter social. Ya no nos creemos que podemos tocar el cielo con la mano, ni que construir una sociedad más justa y más libre es cosa de una sola generación.

–Tal vez haya ahora menos utopías que cuando usted era joven.

–El partido es ahora muchísimo más largo. Los cambios materiales, las relaciones de propiedad ni siquiera son lo más importante. Lo fundamental son los cambios culturales y esas transformaciones conllevan muchísimo tiempo. Aun aquellos que no podemos comulgar filosóficamente con el capitalismo estamos rodeados, cercados de capitalismo en todos los usos y costumbres de nuestras vidas, de nuestras sociedades. Nadie escapa a la tupida malla del mercado, a su tiranía. Estamos en lucha por la equidad y para amortiguar por todos los medios las vergüenzas sociales. No nos olvidamos que tenemos que aplicar políticas fiscales que ayuden a repartir, aunque sea parte del excedente que se produce en la sociedad, a favor de los más desfavorecidos. Los sectores propietarios dicen que no hay que regalar pescado a la gente, que hay que enseñarles a pescar; pero cuando les destrozamos la barca, les robamos la caña y les sacamos los anzuelos, hay que empezar por darles. Si queremos incorporarles a la sociedad no tiene vuelta.

–Hay una parte importante de esas nuevas generaciones que están buscando su futuro, pero cuesta mucho encontrarlo.

–No tengo certidumbre de que me vayan a dar un poco de pelota, pero a los jóvenes de hoy quiero decirles que las personas aprendemos mucho más del fracaso y del dolor que de la bonanza. La Europa rica se va a tensar inevitablemente. En la vida personal y en la vida colectiva se puede caer una, dos o muchas veces, pero la cuestión es volver a empezar. Aquel que no logre crearse su mundillo de felicidad con pocas cosas, con sobriedad –no quiero usar la palabra austeridad porque en Europa la prostituyeron dejando a la gente sin trabajo en nombre de lo austero–, me refiero a vivir liviano de equipaje, a no vivir esclavizado por esa renovación permanente consumista que es una fiebre y nos obliga a trabajar, a trabajar y a trabajar para poder pagar cuentas que nunca terminan. No es una apología de la pobreza, es una apología de la sobriedad, de los límites que uno tiene que fijarse para pelear por la libertad.

–No es fácil conseguir esa libertad.

–Ser libre es tener tiempo para hacer aquellas cosas que a uno lo motivan. Esto que aparentemente parece tan sencillo, tan brutalmente sencillo, es lo que con más frecuencia olvidamos. La vida esclavizada para comprar, comprar y comprar elimina la libertad de la persona para estar con los amigos, para el amor, para pescar si uno tiene esa afición, ¿qué sé yo? Para estar bajo un árbol. Usamos el concepto libertad en un sentido francés de revolución, muy grandilocuente. La libertad hay que bajarla a la tierra.

–Su intervención en la última Asamblea General de Naciones Unidas removió conciencias.

–Estoy seguro de que un presidente africano que estaba en la mesa me entendió todo lo que expresé. Creo que muchos entendieron mis palabras. Entender no quiere decir poder salir de la telaraña. Es otra historia. No creo que la presa que está atrapada esté contenta con estar ahí, pero el caso es que lo está. Esa es la cuestión. Por eso este fenómeno del capitalismo no es sencillo de resolver. La renovación necesita escuela de pensamiento, pero también escuela de vida. Los intentos de crear sociedades socialistas con la idea de poder hacer desaparecer la explotación del hombre por el hombre han adolecido de un defecto que no podíamos saber. No se pueden construir edificios socialistas con albañiles capitalistas. Sobre todo con capataces, con directores de obra que sean capitalistas. No se puede. De aquí el valor que tiene la cultura.

–El gran problema en América Latina siguen siendo las desigualdades sociales.

–La vida es demasiado hermosa y hay que procurar hacer las cosas mientras la sociedad real funciona, aunque sea capitalista. Tengo que cobrar impuestos para mitigar las enormes desigualdades sociales; y al mismo tiempo no puedo caer en el conformismo crónico de que reformando el capitalismo voy a alguna parte. Debo intentar otra cosa distinta; pero evitar la colisión, porque el choque es sacrificio humano. No se puede estar 30 o 40 años planteando la palabra revolución y que la gente tenga dificultades para comer. No podemos sustituir las fuerzas productivas de un día para otro, de la noche a la mañana ni en 10 años. Son procesos que necesitan la coparticipación de la inteligencia. Hay que dar batalla en el seno de las universidades para la multiplicación del talento humano. Pero, al mismo tiempo que peleamos por transformar el futuro, hay que hacer funcionar lo viejo porque la gente tiene que vivir. Es una ecuación difícil. El desafío es bravo. Hay quienes todavía siguen con lo mismo que decíamos en los años 50 del siglo pasado. No se han hecho cargo de lo que pasó en el mundo y por qué pasó. Siento como mías las derrotas que tuvo el movimiento socialista. Me enseñan lo que no debo de hacer. Pero eso no significa venirme a tragar la pastilla del capitalismo a estas alturas de mi vida.

–Hay quienes se refieren a usted calificándolo como «el Presidente pobre».

–Les respondo con la definición de Séneca: «Pobres son los que precisan mucho». Es al revés, pobres son ellos. Coincido con el concepto liviano de equipaje de Machado, no estar esclavizado por las cuestiones materiales, y además tengo 78 años. ¿Qué sentido tendría que me pusiera a juntar plata a estas alturas del partido? Sería un viejo demencial, estúpido e idiota. Lo que recibo trato de compartirlo todo lo que puedo porque, además, la vida se me está escapando. Si pudiera amortizar algunos años de vida tal vez otro gallo cantaría, podría ser distinto, pero pasé casi 15 años con ciertas incomodidades por querer cambiar el mundo.

–Después de ese largo periodo de aislamiento en la cárcel, entiendo que habrá coincidido con funcionarios, militares e incluso con alguno de los verdugos que le infligieron torturas.

–Muchos. Cantidades. ¡Me los banco [me los trago]! De no ser ellos habrían sido otros. Eran producto de un sistema. Yo no estoy para cobrar cuentas personales. Esto no quiere decir perdonar u olvidar; esas son cosas del fuero interno de cada uno. Cada ser humano es como un solecito del sistema planetario, están los hijos, los familiares. En una visión global del país tengo que tratar de amortiguar en lo posible la resaca que ha quedado como consecuencia del pasado. La mochila de los recuerdos se carga atrás y se camina hacia delante, porque de lo contrario no se puede vivir. Hay deudas que no se cobran en este mundo y, por tanto, trato de convivir con cada cual por su vereda. No hay que olvidar el pasado porque el hombre es el único animal capaz de tropezar varias veces con la misma piedra, pero la vida siempre es porvenir. La dictadura dejó cuentas dolorosas pero el odio no construye un carajo.

–El rey de Holanda les ha dicho a sus conciudadanos que el Estado del bienestar se ha terminado.

–¡Está loco! Se está mintiendo a sí mismo. ¡Qué bárbaro! Uno va por Europa y sabe que hay problemas, pero yo quisiera que nuestros países americanos pudieran vivir en el estado de crisis que tienen ustedes. Tienen sociedades desarrolladas con una masificación de cosas. ¡Miren a África, miren al sur del Sáhara! Hay que agrandar un poco más el alma al medir las cosas. ¡No sean hipócritas!

–En la última década se han producido cambios muy significativos en el ejercicio del poder político en mu-chos países de América Latina.

–Ya nunca más Brasil volverá a ser lo mismo que fue antes de Lula. Aún con versiones más de izquierdas y otras más centristas; en América Latina en estos momentos vamos todos juntos, incluso con las derechas, por primera vez en nuestra historia. Si tiramos demasiado con la mano izquierda corremos el riesgo de alejarnos de la mano derecha, y eso nos debilita como continente. No llega más rápido el que anda más apurado, sino el que camina más firme. Los más débiles no tenemos otra alternativa que juntarnos y más cuando tenemos tantas cosas en común. El portugués es un castellano más dulce. Si te lo hablan despacio, se entiende. Así que tenemos un parentesco muy hondo. Tenemos una lengua en común y tenemos lo que fue la influencia de la iglesia católica en todo el continente. Soy ateo, lo debo reconocer, pero la Iglesia católica ha matrizado [moldeado] toda América Latina. Tenemos nexos mucho más fuertes que los que pueda tener Europa, dividida en sus viejas repúblicas y naciones. Para terciar en ese mundo de gran dotes hay que construir sus homólogos.

–A la cumbre iberoamericana en Panamá excusaron su asistencia hasta 12 presidentes y tampoco pudieron alcanzar un acuerdo para elegir a un nuevo secretario general al finalizar su gestión el uruguayo Enrique Iglesias.

–Es un uruguayo español. Un hombre excelente. Estuve a punto de ir, pero decidí no acudir porque no había consenso para alcanzar un acuerdo sobre el nombre del sustituto. Es ridículo que no nos podamos poner de acuerdo en estas cosas. ¡El chovinismo nos hace un mal terrible! El nacionalismo de los débiles es una herramienta progresista, pero el ultranacionalismo de los fuertes es un peligro.

–¿Está en crisis el sistema de cumbres?

–Hemos caído en una hemorragia de encuentros presidenciales. Las cumbres están bien pero deberían tener una jerarquía y un producto final. De lo contrario, lo único que hacemos es dar trabajo a las cadenas hoteleras y a las agencias de viaje, pero perdemos el tiempo maravillosamente. Hay que cuidar un poco más los recursos públicos. Ha habido un cierto abuso de encuentros, cumbres y cumbrecitas. Más si tenemos en cuenta las herramientas de comunicación de que disponemos hoy.

–Dice el tópico que cuando al otro lado del río de La Plata se resfrían, ustedes tienen pulmonía. Las relaciones con Argentina andan revueltas.

–Las relaciones son complejas porque nos queremos mucho, y fundamentalmente nos quieren ellos. Más ellos que nosotros a ellos. No es mi caso personal. Soy un aficionado a la historia y, tal vez por eso, soy un francotirador contracorriente en mi país. Siempre defendí a muerte la relación con Argentina. Deben de haber unos 300.000 uruguayos por lo menos en Argentina, y no son dis-criminados. Pasan desapercibidos, como si fueran argentinos. Desde el punto de vista de la economía, la sociedad argentina es enormemente gravitante con Uruguay. No es solo por el comercio, es mucho más importante la inversión inmobiliaria que hacen a lo largo de toda la costa porque les encanta venir al Uruguay. Entre el 70 y el 80% del turismo que viene aquí es de origen argentino, y les retribuimos. Para nosotros ir a Buenos Aires es como ir a la gran ciudad, es como ir a París o a Barcelona.

–Los últimos años tienen ustedes el frente abierto con la industria papelera. Y da la impresión que el problema está enquistado.

–Siempre tenemos algún que otro conflicto. Argentina está en un modelo que le impuso la crisis del 2001 y las consecuencias que le comportó. Es muy proteccionista, muy cerrada, muy poco previsible. Eso nos crea problemas. No es que los finlandeses sean santos, vienen a ganar mucha plata y esta planta de acá es la que produce más barato, mucho más que las que tienen en Finlandia. Pero son inteligentes, cuidan y protegen el medio ambiente mucho más que nosotros porque son conscientes de que si pudren el río, están condenados. Son capitalistas desarrollados sin ser benefactores. Tampoco lo somos nosotros, siempre les mascamos algo. No damos puntada sin hilo.

–Calificó usted de «terca» a la presidenta Cristina Fernández…

–Si Cristina no fuera terca y dura, en Argentina se la llevan puesta. Pelea y pelea. La entiendo perfectamente. Menos mal que tiene ese carácter. ¡Es brava la Argentina!

–¿Cómo conoció a su esposa, la senadora Lucía Topolansky?

–¡Disparando! ¡Disparando! Andábamos disparando por el monte. (Sonríe) Lo que supera la realidad de lo que pueda pensar cualquier novelista es que Lucía fuera la encargada de ponerme la banda presidencial. Cuando fui senador me tocó investir al primer presidente de izquierdas del Uruguay y después, mi compañera Lucía, al ser la senadora más votada, tuvo que investirme a mí. Ahora empezamos a estar ya un poco pasaditos de años…

–Le queda prácticamente un año de mandato. ¿Qué no ha podido cumplir de lo que había comprometido ante los ciudadanos?

–Uno no sabe dónde está exactamente el poder. Si es un señor que está en un banco o el que maneja la tasa de interés. Hemos contribuido a fundar una universidad en el interior, teníamos otra idea mucho más grande pero no la pudimos concretar. Queríamos mucho más para la educación, aunque vamos a seguir en la lucha hasta el último día de mandato, que nadie tenga dudas.

–Uruguay será el primer país latinoamericano que permitirá el consumo de marihuana y dejará por tanto de ser delito. La controversia está servida.

–En alguna ocasión he dicho que la única adicción sana es la del amor. Las otras son como una especie de plaga: el tabaco, el juego, el alcohol… Todas ellas son legales pero son puro veneno. Blanquear el consumo de 30 gramos de marihuana por persona, como expresa la ley, permite eliminar las redes clandestinas del narcotráfico con este producto. Si criminalizamos la marihuana les estamos entregando el negocio a los narcotraficantes. La ley conllevará el control de la producción y de la venta de cannabis. Piense que un tercio de los presos que tenemos en Uruguay lo son por cuestiones relacionadas con las drogas. La violencia se da por el mercado negro y lo que pretendemos con esta ley es combatir el narcotráfico, que nadie piense que esto va a ser un viva la Pepa. Queremos regular su venta en farmacias y, por tanto, tener control sobre el consumo. Sabemos que lo que se ha hecho hasta hoy no ha dado resultado. Entiendo a quienes se muestran contrarios a nuestra propuesta, pero veamos los resultados de esta experiencia.

–¿Cuál es su definición de lo que conlleva gobernar, ahora que ha tenido oportunidad de vivirlo?

–En el sentido más profundo es posible que gobernar sea luchar por hacer evidente lo pre-evidente, mirar muy lejos. Eso tiene un precio: no ser entendido, no ser acompañado, no ser comprendido. Es natural que la gente esté preocupada por su hoy inmediato. La gente quiere ganar más, quiere vivir mejor, es parte del modelo y de esta etapa de la civilización. Hay otra discusión que tiene que ver con el despilfarro, porque así como vamos no hay para todos. Convengamos ese sentimiento real de que la gente quiere ganar más y gastar más, lo que comporta que hay que tensar y desarrollar más a este sistema. Ahí aparecen los fantasmas, las contradicciones. Muchos quieren vivir mejor de lo que ya viven, pero sin contribuir en nada.

–Han tenido también ustedes problemas con algunos medios de comunicación tradicionales, como les ha ocurrido a otros presidentes de la izquierda latinoamericana.

–Toda la vida en Uruguay el presidente repartía las licencias de radio y televisión con el dedo. A nosotros se nos ocurrió consultar y abrir un proceso democrático de méritos. ¡Lo que hicimos! Lo cierto es que lo que digan determinados medios no me preocupa. Ya les conozco. El problema que me puede crear a mí el diario El País (el de Uruguay) es si algún día está de acuerdo y me elogia; sería señal de que ando mal.

–¿Está usted siguiendo el debate soberanista planteado en Catalunya?

–La cuestión de la unidad ibérica nunca estuvo resuelta del todo. En el pasado fue la bota militar de Castilla y claro, eso no resolvió el encaje de todas las comunidades. Hay que acentuar en todo lo que se pueda la autonomía pero no en la pulverización, que creo que es para peor. Estuve el año pasado en Galicia y en el País Vasco, tengo pendiente visitar Catalunya.

No campo acadêmico, o futebol é titular (Faperj)

Elena Mandarim

Livro mostra as mudanças por que vêm passando as paixões dos torcedores brasileirosDivulgação / ufv.br

Desde que chegou ao país, o futebol passou por um processo de incorporação cultural até se constituir na chamada “paixão nacional”. Durante o Campeonato Brasileiro de Futebol, que é o principal torneio nacional entre clubes, organizado oficialmente desde 1971 pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), milhares de torcedores espalhados comemoram as vitórias e choram as derrotas de seus times. Basta observar a popularidade do Brasileirão, como é conhecido e que este ano começou no dia 19 de maio, para perceber que, atualmente, torcer pelos times locais se tornou mais importante do que torcer pela própria seleção. Esta é uma das reflexões trazidas no livro Futebol, Jornalismo e Ciências Sociais: interações, organizado por Ronaldo Helal, Hugo Lovisolo e Antonio Jorge Golçalves Soares, todos professores da Faculdade de Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e publicado com recursos do programa de Apoio à Editoração (APQ 3), da FAPERJ. Para aqueles que quiserem entender melhor como essa “paixão nacional” interage com questões significativas para a sociedade, o livro conta ainda como se deu o processo de construção da narrativa do “futebol arte”, o estilo único do brasileiro jogar. Outras análises também são abordadas, como a mudança do olhar da imprensa esportiva da Argentina em relação ao Brasil e a maneira de se criar alguns simbolismos e heróis do futebol brasileiro.

O termo “País do futebol” foi uma construção social realizada, a partir dos anos 1930, dentro do projeto nacionalista do Estado Novo – época em que o Brasil buscava consolidar sua identidade nacional. Contudo, Helal explica que, com o processo de globalização e comercialização do futebol, o jogador se internacionaliza e não só veste a camisa de seu país como também pode representar outras nações. “O Kaká, por exemplo, é ídolo não apenas dos brasileiros, mas também de italianos e espanhóis. Por isso, observamos que, atualmente, os torcedores brasileiros se envolvem mais com seus times locais, nos quais encontram seus heróis nacionais, aqueles que vestem a camisa do clube”, acredita o sociólogo.

É evidente que a Copa do Mundo ainda tem uma estrutura que estimula os nacionalismos. Não é por acaso que, de quatro em quatro anos, o significado “Brasil: País do futebol” ganha uma dimensão mais intensa. Mas uma análise jornalística, mostrada no livro, evidencia que o próprio noticiário já não trata o futebol como sinônimo de nação. “Observa-se, por exemplo, que, a derrota na final para o Uruguai, em 1950, e a conquista do tricampeonato, em 1970, foram sentidas como derrota e vitória, respectivamente, de projetos da nação brasileira. Já as vitórias em 1994 e 2002 e a derrota na final para a França, em 1998, foram comemoradas e sofridas como vitórias e derrotas da seleção, não transcenderam o terreno esportivo”, exemplifica Helal.

Do atraso para a peculiaridade

Outro artigo do livro explica como a miscigenação do brasileiro, antes considerada como motivo do atraso do país, passou a ser o ingrediente básico para formação de grandes jogadores de futebol. “Tudo começou com a obra clássica do sociólogo Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala, que pela primeira vez mostra o valor positivo da mistura de raças, que traz peculiaridades e força à população brasileira”, conta Helal.

Logo depois de Freyre, Mario Filho, um dos fundadores do jornalismo esportivo no Brasil, lançou O Negro no Futebol Brasileiro, em que a junção do futebol com a nação miscigenada se torna mais evidente, ajudando a consolidar uma identidade nacional. Gilberto Freyre, por sua vez, escreveu em sua coluna no Diário de Pernambuco, do dia 18 de junho de 1938, o artigo “Foot-ball Mulato, que se tornou fundamental para a simbologia do futebol. “Ali, ele louva a miscigenação racial e afirma que ela funda certo estilo de jogo que seria típico do Brasil – uma ‘dança vibrante e gingada’, o que tempos depois se convencionou chamar de ‘futebol arte’”, exemplifica Helal.

Outro aspecto interessante levantado pelo livro é a mudança de postura da imprensa argentina em relação ao futebol brasileiro. Helal explica que, no início do século XIX, o grande adversário do Brasil era o Uruguai, grande potência futebolística na época. “Nessa ocasião, os hermanos argentinos torciam para o Brasil. Quando a Argentina começou a despontar como nossa grande adversária, a imprensa e a publicidade brasileiras começaram a provocar os argentinos. Só recentemente eles passaram a revidar nossas provocações”, relata Helal, que analisou este ponto em seu pós-doutorado, realizado em Buenos Aires.

Os estudos acadêmicos sobre o futebol vêm crescendo e se consolidando nas últimas duas décadas. Na Faculdade de Comunicação Social da Uerj, Ronaldo Helal e Hugo Lovisolo organizaram o grupo de pesquisa “Esporte e Cultura”, cadastrado no CNPq desde 1998. Nas cerca de 200 páginas de Futebol, Jornalismo e Ciências Sociais: interações”, os leitores ainda encontrarão, entre outros assuntos, uma revisão geral da literatura sobre o tema; um estudo sobre a construção de alguns simbolismos e heróis do futebol brasileiro; uma análise jornalística sobre a reconstrução da memória da partida entre Brasil e Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950; uma comparação sobre as figuras públicas de Pelé e Maradona; e uma investigação etnográfica em bares onde são transmitidas partidas de futebol. Por tudo isso, o livro é uma obra interessante tanto para estudiosos do assunto como para amantes do futebol.