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>História e arqueologia do mundo digital

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Site arqueológico

25 de abril de 2010 – 17h40
Por Heloisa Lupinacci
Estadão.com.br

Em 2001, o cientista Joseph Miller pediu à Nasa dados coletados pela sonda Viking em Marte nos anos 70. A Nasa achou as fitas, mas os dados gravados ali não puderam ser abertos. O software que os lia não existia mais, e, como disse Miller à época à agência de notícias Reuters, os técnicos que conheciam o formato estavam todos mortos.

Essa é uma história. Há muitas outras. Parte do conhecimento produzido de maneira digital já era. De dados científicos a modinhas da internet. “Temos poucos serviços de preservação da história da cultura digital e muito conteúdo já se perdeu ao longo dos últimos anos”, diz Roberto Taddei, coordenador do Simpósio Internacional de Políticas Públicas para Acervos Digitais, que discutirá o tema em São Paulo de hoje até quinta.

Decifra-me ou… Se um pergaminho pode ser desenrolado por qualquer pessoa, um cartão perfurado, bisavô do disquete, não se deixa abrir facilmente. Carlos Augusto Ditadi, da Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos do Conselho Nacional de Arquivo (CONARQ, que já cuida de parte patrimônio digital do País), dá a medida da encrenca: “o disco depende do driver, que depende do computador, que depende do software, que depende do sistema operacional: isso se chama interdependência”. Some a essa equação o fato de computadores ficarem obsoletos, programas saírem de linha e linguagens caírem em desuso: o cartão perfurável fica tão indecifrável quanto hieróglifos egípcios.

A preocupação com o patrimônio digital é recente. Em 2002, foi apresentada pela Unesco a Carta pela Preservação do Patrimônio Digital. Diz o documento: “Muitas dessas fontes têm valor e relevância duradouros e, assim, constituem um patrimônio a ser preservado”. A organização criou o órgão E-Heritage, dedicado, sobretudo, à conscientização de governos e à capacitação de arquivistas. É um bom começo, mas o patrimônio digital tem lá seus obstáculos específicos.

A interdependência é um deles. E, nesse caso, uma das melhores soluções veio de um jeito que é a cara da web: dos usuários. “A primeira geração de gamers percebeu, nos anos 90, que não tinha mais acesso a jogos da infância. Eles foram os primeiros a usar emuladores, que sempre existiram, como ferramentas de preservação. Graças a eles há emuladores para quase qualquer plataforma computacional”, diz Andreas Lange, diretor do Museu de Jogos de Computador, em Berlim, que tenta evitar o desaparecimento de games. O emulador é um programa que recria qualquer ambiente de computador: softwares extintos, consoles não mais fabricados, etc.

…devoro-te. Outro desafio evidente é o volume. Em 2009, de acordo com o Instituto de Pesquisas IDC, a humanidade produziu 750 bilhões de GB de informação. Como escolher o que preservar? “Não fazemos nenhuma seleção. Tentamos fazer o registro mais exaustivo. Arquivamos tudo o que encontramos sob o domínio .pt”, diz Daniel Gomes, coordenador do projeto Arquivo da Web Portuguesa. A declaração da Unesco sugere: “Os principais critérios devem ser significância e durabilidade (cultural, científica). Materiais ‘nativos digitais’ devem ter prioridade”.

Decidido o que guardar, falta definir como guardar e arrumar dinheiro para isso. Duas questões nada simples. Segundo Ditadi, o site é das coisas mais difíceis de preservar. “Ele deve permanecer navegável, mas como garantir os links? E eles levam a coisas protegidas por direitos autorais. É um registro muito dinâmico.” E o armazenamento custa caro. É preciso fazer uma cópia no formato nativo, chamada cópia de testemunho, que é a garantia de que aquele documento é real. Então, é feita a versão de preservação, em uma extensão mais duradoura – quase sempre um formato aberto, baseado em software livre. Daí, grava-se a cópia de acesso, aquela que fica disponível para consulta. Multiplique, portanto, tudo por três.

Por essas e outras, muitas vezes a memória da web é preservada justo por quem a alimenta. De novo, o usuário. Mas daí não há novidade. “Muitas bibliotecas foram montadas por usuários e depois doadas a instituições ou bibliotecas”, lembra Taddei.

* Visite os marcos: Parceria firmada entre Google e Unesco colocará todos os 890 sítios tombados pelo órgão no Google Earth e no Maps. O Street View permite a ‘visita’ em 19 patrimônios da humanidade.

* Histórico e natural: A Unesco divide o patrimônio da humanidade em duas categorias, o patrimônio histórico e o patrimônio natural. Há sítios mistos, tombados em ambas, como Ibiza, na Espanha.

* Patrimônio no Brasil: Há três esferas de tombamento histórico no Brasil, a municipal (na cidade de São Paulo é o Conpresp), a estadual (no Estado de São Paulo é o Condephaat) e a federal, o Iphan.

* Biblioteca de tweets: A coordenadora de mídias digitais da Biblioteca do Congresso dos EUA, que arquivará tweets, fala sobre a preservação de informações digitais na insituição.

* Biblioteca de tudo: A Wayback Machine, parte do Internet Archive que guarda sites, foi incorporada à Biblioteca de Alexandria após parceria com o E-Heritage. Para navegar pelo acervo, vá a Archive.org.

* Todos juntos: Comparando o fim do Geocities à destruição, pelo Taleban, dos budas de Bamyan, no Afeganistão, o holandês Jacques Matthei conclama todos a resgatá-lo em seu Reocities.com

>Iphan faz levantamento para localizar fotógrafos conhecidos como lambe-lambes (O Globo)

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O Globo – 13 de março de 2010

Foto: Osvaldo de Andrade Neves fotografa uma cliente na Praça da Matriz, em São João de Meriti/Foto de Ana Branco (Agência O Globo)

RIO – Com a chegada das máquinas instantâneas de retrato e após a explosão da fotografia digital, os lambe-lambes foram, pouco a pouco, deixando seus pontos. Para preservar a memória dos últimos representantes da categoria, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan-RJ) iniciou um levantamento desses cronistas visuais que ainda existem no estado.Testemunhas privilegiadas das transformações pelas quais o Rio passou desde o início do século XIX, os lambe-lambes estão praticamente em extinção. Até agora, foram localizados cinco fotógrafos de jardim (como a profissão era chamada em seu auge). Entre eles, há desde os que já não trabalham mais no ofício aos que ainda sobrevivem da fotografia.

– O que estamos buscando é registrar este tipo de atividade e salvaguardar a memória – explica o superintendente do Iphan no estado, Carlos Fernando Andrade, à repórter Jacqueline Costa.

O levantamento – que está sendo realizado pelo antropólogo João Carlos de Oliveira, com a ajuda da estudante de história Anne Lima – inclui entrevistas e depoimentos gravados em vídeo. O material reunido tem a chance de ser transformado em um livro ou um DVD.

Dos oito lambe-lambes que trabalhavam no Jardim do Méier, só restou um. Aos 83 anos, o português Bernardo Soares Lobo ainda marca ponto por lá, às segundas, terças e quartas. Da velha câmera, não saem mais imagens. Seu Lobo se rendeu à fotografia digital e hoje usa o antigo equipamento de trabalho apenas como um chamariz. Com orgulho, lembra de já ter fotografado Tenório Cavalcanti, político que ficou conhecido como o Homem da Capa Preta, e Dercy Gonçalves. E diz que não consegue abandonar o jardim onde está há 54 anos.

Outro que ainda não abandonou o batente e que também usa máquina digital é Osvaldo de Andrade Neves, de 66 anos. Há quatro décadas, diariamente, ele monta sua máquina na Praça da Matriz, em São João de Meriti. Ele admite que o movimento caiu com o passar dos anos, mas diz que ainda tira da fotografia o sustento da família.

Já Inácio Teodósio da Silva armou o tripé de sua máquina na Praça General Osório, em Ipanema, durante quase 30 anos. Mas, hoje, guarda com zelo o equipamento que fotografou de ilustres anônimos a personalidades cariocas. Seis de seus irmãos trabalharam na mesma profissão, em diversos pontos do Rio. Jorge Teodósio da Silva, irmão de Inácio, e Francisco Victor Cavalcanti foram os outros lambe-lambes encontrados pelo pesquisador do Iphan.

Ver artigo original e vídeo.