Violência das torcidas de futebol na mídia

Cadastro de torcedores: solução para a violência nos estádios? (Universidade do Futebol)

Gustavo Lopes

06/07/2012

Autoridade e entidades organizadoras de eventos não devem aumentar exigência, mas tratar fãs com respeito

A segurança corresponde a um direito individual e social do cidadão brasileiro previsto nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal. Sendo assim, de fato, é um dever de todos assegurá-la, impedindo a violência.

A violência no esporte é uma das faces da ausência de segurança cotidiana na sociedade e justamente na atividade esportiva onde deveria haver sua sublimação. Famílias por diversas vezes evitam os estádios, pois os vêem mais como espaço violento, que palco de acontecimentos esportivos.

Neste esteio, a união de todos os envolvidos com a atividade esportiva é essencial para que o desporto brasileiro não faça mais vítimas como o jovem Alex Fornan de Santana, de 29 anos, torcedor do Palmeiras, morto em 21 de fevereiro de 2010 após partida entre Palmeiras e São Paulo válida pelo campeonato paulista, em confronto de torcidas. Este caso recente é apenas um dentre centenas de outros ocorridos pelo mundo.

Muitas medidas são aventadas, propostas e estudadas. O Estatuto do Torcedor, após as alterações introduzidas pela Lei 12.299/2010, passou a exigir o cadastro de torcedores por parte das torcidas organizadas e, ainda, criminalizou uma série de atos dos torcedores. Há quem defenda que o cadastro de torcedores não deve se restringir às “Organizadas”, mas que deve se estender à totalidade de torcedores.

É imprescindível destacar que a violência nos estádios não é característica exclusiva dos desportos brasileiros, cujo nascedouro é atribuído às torcidas organizadas.

Na América Latina, especialmente na Argentina, os torcedores violentos são conhecidos como Barra Brava que correspondem a um tipo de movimento de torcedores que incentivam suas equipes com cantos intermináveis e fogos de artifício que, ao contrário das torcidas organizadas não possuem uniformes próprios, estrutura hierárquica e muitas vezes nem mesmo associados.

Na Europa, os torcedores violentos são conhecidos como hooligans, em especial a partir da década de 1960 no Reino Unido com o hooliganismo no futebol.

A maior demonstração de violência dos hooligans foi a tragédia do Estádio do Heysel, na Bélgica, durante a final da Taça dos Campeões Europeus de 1985, entre o Liverpool da Inglaterra e a Juventus da Itália. Esse episódio resultou em 39 mortos e um elevado número de feridos.

Os hooligans ingleses foram responsabilizados pelo incidente, o que resultou na proibição das equipes britânicas participarem em competições européias por um período de cinco anos.

A escalada de violência nos estádios do Reino Unido foi tamanha que começou a afetar não apenas os residentes locais, mas também a ter consequências para a Europa continental.

Por este motivo, o hooliganismo arranhou a imagem internacional do Reino Unido, que passou a ser visto por todos como um país de violentos arruaceiros, cujo ápice se deu com a tragédia de Heysel.

Insuflada por esse acontecimento, a então primeira-ministra britânica Margareth Thatcher entendeu que o hooliganismo havia se tornado problema crônico e que alguma providência deveria ser tomada.

Entendendo que o aumento do controle estatal minimizaria a violência, a “Dama de Ferro” sugeriu a criação da carteira de identidade dos torcedores de futebol (National Membership Scheme) no Football Spectators Act (FSA), em 1989.

Alguns meses após a divulgação do FSA, ocorreu a maior tragédia do futebol britânico. Na partida válida pelas semifinais da FA Cup entre Liverpool e Nottingham Forest, no estádio de Hillsborough, do Sheffield Wednesday, 96 torcedores do Liverpool morreram, massacrados contra as grades que separavam a arquibancada do campo.

A fim de apurar os motivos da tragédia, o governo britânico iniciou investigação cuja conclusão foi de que o problema não seria os torcedores, mas as estruturas que os atendiam. Muito pior que os hooligans, era a situação dos estádios britânicos naquela época. Não seria possível exigir que as pessoas se comportassem de maneira civilizada em um ambiente que não oferecia as menores condições de higiene e segurança.

Para evitar que novas tragédias se repetissem a investigação realizada, em sua conclusão, estabeleceu uma série de recomendações como, por exemplo a obrigação da colocação de assentos para todos os lugares do estádio, a derrubada das barreiras entre a torcida e o gramado e a diminuição da capacidade dos estádios. Dentre as recomendações estava o cancelamento do projeto da carteira de identificação dos torcedores, eis que havia o receio de que o cadastramento aumentasse o problema da violência, e não o contrário.

Além dos questionamentos sobre a real capacidade dos clubes conseguirem colocar em prática um sistema confiável de cadastro, controle e seleção de torcedores e, ainda, sobre a confiança na tecnologia que seria utilizada, o argumento se baseava na ideia de que a carteira de identidade para torcedores não seria uma ação focada na segurança, mas na violência e as tragédias nos estádios não seriam questão de violência, mas de segurança. Inclusive, a polícia inglesa, que poderia ser beneficiada com a carteira, rejeitou o projeto, que, acabou sendo abandonado.

Em razão das novas exigências, os clubes ingleses se organizaram e na temporada 1992/1993 criaram a “Premier League” que atualmente é o campeonato de futebol mais valioso do mundo.

Além do índice técnico, um dos requisitos para que um clube inglês dispute a “Premier League” é a existência de estádio com boa infra-estrutura aos torcedores.

É fato que no Brasil o problema da violência é grande, mas muito pior é o problema da insegurança. Muitas tragédias como o buraco nas arquibancadas da Fonte Nova, só aconteceu porque o estádio estava em condições ruins, caso em que a carteirinha de identificação não teria salvado as vítimas, mas melhor fiscalização nas reais condições do espaço e o fornecimento de uma estrutura apropriada para o público, certamente teria evitado a tragédia.

Destarte, apesar dos avanços conquistados, especialmente com o advento do Estatuto do Torcedor, o consumidor dos eventos esportivos no Brasil ainda não é respeitado.

Estádios com infraestrutura precária, venda de ingressos e acesso a estádios tumultuados são alguns dos problemas enfrentados rotineiramente pelos torcedores brasileiros.

O fato é que as autoridade e as entidades organizadoras de eventos esportivos ao invés de aumentar a exigência dos torcedores, devem passar a tratá-los com respeito atentando-se ao estabelecido no Estatuto do Torcedor e nos direitos básicos como segurança e organização dos eventos esportivos.
Referências bibliográficas

http://www.cidadedofutebol.com.br/Jornal/Colunas/Detalhe.aspx?id=10782, acessado em 13 de novembro de 2010.

http://www.universidadedofutebol.com.br/2010/10/1,14853,A+IMPORTANCIA+DO+DIREITO+DESPORTIVO.aspx?p=4, acessado em 13 de novembro de 2010.

http://esporte.ig.com.br/futebol/2010/02/22/confrontos+entre+torcidas+deixam+1+morto+e+20+feridos+9404363.html, acessado em 13 de novembro de 2010.

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A violência nos estádios de futebol (Universidade do Futebol)

Gustavo Lopes

15/06/2012

Colunista trabalha em dissertação de mestrado para analisar o tema e divide a questão em três partes

Nas últimas semanas, estive envolvido na conclusão da minha dissertação de mestrado que trata das causas e soluções para a violência nos estádios de futebol da América do Sul.

O trabalho desenvolveu a memória de algumas correntes existentes sobre a violência no futebol, a intenção de obter uma interpretação a partir das mais diversas teorias, como as de Eric Dunning, Norbert Elías, Heloisa Helena Bady dos Reis e outros para tentar esclarecer esse fenômeno esse fenômeno tão complexo que é a violência nos espetáculos esportivos, focando-se nos países da América do Sul filiados à Conmebol.

Os países sulamericanos filiados à entidade foram divididos em três grupos. O primeiro denominado América Andina é composto por Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. O segundo, a América Platina, é composta por Argentina, Paraguai e Uruguai.

Finalmente, por suas peculiaridades e importância futebolística, política e econômica, o Brasil é apresentado separadamente. Cada país é descrito geopolítica e futebolisticamente analisando-se a legislação antiviolência.

No capítulo seguinte, faz-se um histórico dos principais casos de violência na América do Sul para, no tópico seguinte, apontar as suas causas.

Dentre as causas da violência, busca-se a doutrina internacional para enumerar as que melhor se aplicam à América do Sul, com destaque para a falta de respeito para com os direitos dos torcedores, a precariedade da infraestrutura dos estádios de futebol, a situação sócio-econômica da população do país, a impunidade e a falta de atuação governamental.

Após, apontam-se medidas adotadas na legislação alienígena, especialmente na Inglaterra, Portugal, Espanha, Estados Unidos, dentre outros.

Por fim, na conclusão, apontam-se as causas investigadas com as respectivas soluções legislativas e/ou governamentais. Ante todo o estudado, pesquisado e avaliado, constata-se que é possível combater a violência nos estádios de futebol com medidas eficientes. Desenvolveremos algumas conclusões em colunas futuras.

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Violência das torcidas organizadas: um desafio para a Copa do Mundo de 2014

Setores radicais desses grupos precisam abandonar a violência como prática. Com isso, ganharão legitimidade e terão um longo caminho a percorrer na história do nosso esporte

Rodrigo Monteiro*

03/04/2012

A Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro têm mobilizado autoridades e a sociedade brasileira em discussões acerca do legado que esses megaeventos deixarão para o país e, sobretudo, para as cidades-sede desses eventos.

Uma dessas heranças é o novo Estatuto do Torcedor, sancionado em julho de 2011. Seu principal objetivo é coibir a violência nos estádios.

Em pesquisa realizada pelo Ibope e pelo jornal Lance!, publicada em agosto de 2010, 60% dos entrevistados disseram-se a favor da extinção das torcidas organizadas. Por um motivo simples: depois de já terem ocorrido tantos conflitos violentos envolvendo torcedores, a sociedade enxerga esses grupos como uma ameaça.

Masculinidade exacerbada e disputa territorial constituem práticas comuns de alguns grupos de torcedores organizados e revelam o que o sociólogo alemão Norbert Elias chamou de ethos guerreiro (entendido como vontade e disposição para agredir e destruir fisicamente o rival) que constrói uma das muitas identidades masculinas.

A esperança é que a reforma do estatuto ajude a combater o problema. Uma das novas punições previstas para torcedores violentos exige que eles se apresentem em delegacias durante os jogos. A norma é inspirada na legislação inglesa que cuida dos famosos hooligans. O texto também proíbe e pune cambistas, exige maior transparência dos organizadores dos campeonatos e prevê penas severas para os árbitros desonestos. Não há, no entanto, qualquer menção a policiais que abusem de seus poderes ou desviem-se de suas funções contra torcedores.

Alguns pontos do estatuto, porém, são polêmicos. Ele determina, por exemplo, que as torcidas organizadas se tornem juridicamente responsáveis pelos atos de seus membros. Mas será justo condenar, social e legalmente, o todo pela parte? Isso pode criminalizar as organizadas e ameaçar o direito à livre associação, uma das garantias constitucionais básicas de qualquer democracia.

O estatuto também mantém a proibição da venda de bebidas alcoólicas. No entanto, é sabido que os únicos produtos que podem ser vendidos nos estádios e em seus arredores são os licenciados pela Fifa. Entre esses produtos, estão bebidas alcoólicas de empresas patrocinadoras da entidade. Ao que parece, essa questão já foi superada e a favor dos interesses da Fifa e de suas associadas.

Cabe, então, a pergunta: de quem será a soberania nos dias de Copa? Do Estado brasileiro ou da Fifa?

É evidente que os setores radicais das organizadas precisam abandonar a violência como prática. Com isso, ganharão legitimidade e terão um longo caminho a percorrer na história do nosso esporte. Para que isso ocorra, algumas medidas simples podem ser eficazes.

Bandeiras (em duplo sentido) legítimas para as organizadas não faltam: questionar o comando da CBF; bem como os mandos e desmandos das federações estaduais; a relação promíscua entre técnicos, empresários e dirigentes; o elevado preço dos ingressos; os bizarros e contraproducentes horários de transmissões esportivas; transparência nos gastos públicos para a construção de equipamentos esportivos para a Copa e as Olimpíadas, etc.

Caso nenhum desses argumentos sensibilize as organizadas, ao menos que critiquem e incentivem seus clubes amados de forma civilizada. Já terá sido válido.

*Rodrigo Monteiro é sociólogo, pós-doutorando (FAPERJ), pesquisador do NUPEVI/IMS/UERJ e autor do livro “Torcer, lutar, ao inimigo massacrar: Raça Rubro Negra!”, pela Editora FGV.

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Maurício Murad diz que impunidade motiva violência das torcidas (03:14)

Redação SportTV – 28/03/2012

Sociólogo explica problema tem níveis nacionais e exige soluções.

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Isto É – N° Edição:  2212 |  30.Mar.12 – 21:00 |  Atualizado em 04.Set.12 – 05:06

COMPORTAMENTO

Como acabar com as gangues do futebol

As torcidas organizadas agem como quadrilhas, matam e aterrorizam cidades por todo o país. A repressão a esses baderneiros se tornou um desafio nacional

Rodrigo Cardoso

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APÓS A BRIGA
Torcida do Palmeiras na quarta-feira 28: calmaria depois da batalha campal do domingo

A polícia de São Paulo tomou um drible desconcertante de gangues uniformizadas que usam as cores de times de futebol para espalhar medo e matar. No domingo 25, 300 palmeirenses e corintianos, membros de torcidas organizadas, se encontraram na avenida Inajar de Souza, zona norte de São Paulo, para brigar. Dois jovens morreram após uma batalha campal às 10 horas em uma via pública movimentada, a dez quilômetros do estádio do Pacaembu, onde Corinthians e Palmeiras disputariam uma partida seis horas depois. O confronto havia sido agendado pela internet na semana anterior. Diante de tanta gente enfurecida, armada e com sede de sangue, os quatro policiais presentes em duas viaturas não tiveram como evitar a tragédia anunciada. “Eles estavam usando fogos de artifício e bombas. E a polícia não teve outra saída a não ser recuar e praticamente assistiu ao conflito”, admitiu o cabo Adriano Lopomo.

A ação das torcidas organizadas há muito ultrapassou o limite da civilidade. A situação de São Paulo é mais grave, até pelo tamanho das torcidas. Por isso, mesmo regiões distantes dos estádios ficam reféns dessas gangues. Trechos de várias cidades brasileiras estão sujeitos à violência desses baderneiros em dia de futebol e a população fica sitiada. No mesmo domingo 25, na capital cearense, o clássico Ceará e Fortaleza foi marcado por ocorrências antes, durante e depois do jogo. Guardas municipais foram baleados por torcedores em um terminal de ônibus, pessoas consumindo drogas, praticando furtos e brigando na arquibancada acabaram na delegacia. Objetos foram lançados contra os carros na BR-116. Uma semana antes, em Campinas, um jovem de 28 anos foi espancado e morreu em uma briga entre torcedores dos times rivais Guarani e Ponte Preta.

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BADERNA
Torcida do Corinthias a caminho do jogo no
domingo 25: armas, bombas e fogos de artifício

Esses encrenqueiros começaram a frequentar as páginas policiais em meados dos anos 1980. Depois, desceram das arquibancadas e passaram a se enfrentar nas proximidades dos estádios. Ultimamente, porém, candidatam-se para brigas pré-agendadas pela internet em locais distante dos jogos. Rastrear esses choques de torcidas – com a utilização de softwares modernos e pessoal treinado para esse tipo de trabalho – é obrigação da polícia. É a maneira mais inteligente de prevenir brigas que podem causar mortes. “Um monitoramento mais eficiente das redes sociais é algo a ser pensado”, admite o major Marcel Soffner, porta-voz da PM paulista.

O procurador de Justiça Fernando Capez, que combateu a violência das torcidas organizadas antes de se tornar deputado estadual pelo PSDB paulista, defende medidas mais radicais. “Policiais devem se infiltrar nas organizadas para identificar os baderneiros. É preciso fazer interceptações telefônicas para rastrear as comunicações de quem marca esses encontros pela internet, providencia as armas, as drogas e comete outros delitos”, diz ele. O promotor Paulo Castilho, diretor do Departamento de Defesa dos Direitos do Torcedor do Ministério do Esporte, reforça que é necessário promover uma prisão em massa por formação de quadrilha, tráfico de entorpecentes e espancamento. Tem de ser assim porque as torcidas organizadas estão se transformando em criminosos organizados.

Isso foi constatado no estudo “A violência e as mortes do torcedor de futebol no Brasil”, realizado entre 1999 e 2008 pelo professor Maurício Murad, titular de sociologia do esporte no mestrado da Universidade Salgado de Oliveira (Universo). Investigador do comportamento de torcidas organizadas há 20 anos, ele acompanhou integrantes dessas facções nos estádios, onde ouviu de alguns que não gostavam de futebol e ficavam de costas para o campo provocando outras pessoas simplesmente para brigar. “Falta ação, vontade política para tratar o problema”, diz o professor. Os clubes de futebol também devem ser cobrados, pois as organizadas têm regalias. Existem agremiações que distribuem ingressos de graça para as facções ou disponibilizam a venda para elas em guichês exclusivos. Além disso, há membros de torcidas organizadas que participam de conselhos deliberativos de times.

Diante da incapacidade do poder público de prevenir o problema e garantir a segurança de todos, alguns clubes estão partindo para medidas extremas. A repercussão negativa da morte do torcedor em Campinas na semana passada fez com que os presidentes do Guarani e da Ponte Preta optassem, até segunda ordem, pela disputa do clássico com apenas uma torcida. O mesmo aconteceu no mês passado no Paraná. Apenas os torcedores do Atlético Paranaense puderam assistir ao clássico contra o Coritiba no estádio da Vila Capanema. A medida, porém, fere o Estatuto do Torcedor. Com esse argumento, a procuradoria paranaense denunciou os clubes e, na quarta-feira 4, o Tribunal de Justiça Desportiva julgará o caso. Os times podem ser penalizados com multa de até R$ 100 mil. A torcida única não é novidade. Em Minas Gerais, a medida é adotada nos jogos entre Atlético e Cruzeiro desde 2010. Por causa da Copa, o Mineirão está em obras e a Arena do Jacaré, que tem capacidade para 18.850 pessoas e passou a abrigar os clássicos, não oferece segurança para comportar as duas torcidas juntas.

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PLACAR
Acima, André Lezo, que morreu na briga das duas
torcidas. Sete pessoas foram presas pela polícia

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Em São Paulo, providências mais concretas foram tomadas no dia seguinte às mortes na Inajar de Souza. Sete pessoas foram presas, policiais inspecionaram as quadras da Gaviões da Fiel e Mancha Alviverde e apreenderam computadores nas duas sedes. Na casa de um dos presos, que é irmão de um dos torcedores mortos, a polícia encontrou munição, canivete e cassetete. Para a delegada que conduz o caso, Margarette Barreto, da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, não há mocinhos nesse caso. “Todos os indícios mostram que eles também são brigadores. Não estamos falando de vítimas, não estamos falando de nenhum chapeuzinho vermelho passeando na floresta”, diz ela. E, por ora, a Federação Paulista de Futebol proibiu a entrada das duas facções nos jogos.

A experiência internacional pode ser útil ao Brasil. Segundo o sociólogo Murad, que por dois anos viajou por 16 países europeus como integrante do grupo de estudos e prevenção à violência da Uefa, a entidade que rege o futebol na Europa, ninguém conseguiu acabar com a violência das torcidas. Mas contê-la e colocá-la em níveis aceitáveis foi possível em vários lugares. Na Inglaterra, a Scotland Yard criou um gabinete só para vigiar e punir os hooligans, os torcedores violentos daquele país, que foram proibidos de viajar para outras localidades da Europa. “Lá, eles foram cadastrados; clubes perderam pontos quando a torcida deles provocou conflitos; e chefes de torcidas, que também fazem tráfico de drogas, foram responsabilizados criminalmente”, enumera o professor. Os hooligans não foram extintos, mas estão sob controle da polícia e da Justiça. Na Itália, a polícia fiscaliza e prende quem combina brigas pela internet. Há muito a ser feito no Brasil e os caminhos são conhecidos. Prevenir, reprimir, prender e condenar exemplarmente é o que se espera do poder público.

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IN LOCO
A polícia apreendeu computadores nas sedes
da Gaviões da Fiel e Mancha Alviverde

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Hooliganismo e a sedução da violência (Universidade do Futebol)

Caráter lúdico desse tipo de ação e ineficiência da prevenção simplesmente policial remete à necessidade de estudos sobre o comportamento social e dos governos das cidades

Carlos Alberto de Camargo

25/02/2011

Uma das ameaças a ser consideradas no planejamento da segurança da Copa do Mundo é o hooliganismo, que não se confunde com a violência das torcidas organizadas brasileiras – esta última, em termos de Copa do Mundo, representa uma ameaça mais remota; mas o estudo do hooliganismo contribui para o entendimento da violência de nossas torcidas.

A capacidade de sedução da violência é a principal mensagem que o diretor Phillip Davis pretendeu passar no vídeo “Fúria nas Arquibancadas”, em que o personagem John Brandon, policial britânico infiltrado com três outros companheiros na torcida do Shadwell (um time fictício) a fim de conseguir informações necessárias ao controle da violência, acaba sendo cooptado por essa violência, absolutamente fascinado por ela, adotando o mesmo modo de vida dos hooligans, com suas inúmeras brigas e intermináveis bebedeiras.

É a mesma sedução que consta no testemunho pessoal do jornalista Bill Buford, em seu livro “Entre os Vândalos”, também infiltrado durante quatro anos na torcida do Manchester United a fim de descobrir por que os jovens ingleses do sexo masculino se envolviam em tumultos todos os sábados.

Na estação londrina de Marble Arch, retornando de um fim de semana violento em Turim, onde fora com a torcida acompanhar o Manchester, o jornalista surpreendeu-se com sua própria atitude. Irritado com um casal de idosos que caminhava lentamente à sua frente, amparados por suas bengalas, ele os ultrapassou, empurrando-os bruscamente e, já na dianteira, voltou-se para xingar.

Bill Buford descreve assim a violência: “Fiquei espantado com aquilo que descobri. Não esperava que violência fosse tão prazerosa. Poderia supor, caso me tivesse disposto a pensar a respeito, que a violência fosse provocante – no sentido em que um acidente de trânsito é provocante -, mas aquele prazer puro e elementar era de uma intensidade diferente de tudo que eu previra ou experimentara anteriormente. Não se tratava, contudo, de uma violência qualquer. Não se tratava de violência fortuita, ou violência de sábado à noite ou brigas de pub – era violência de massa, era essa que importava; os mecanismos muito particulares da violência das multidões”.

E o autor arrisca-se mesmo a apontar o principal combustível que movimenta esse comportamento: “a adrenalina, que pode ser tanto mais poderosa, porque é gerada pelo próprio corpo, contendo, fiquei convencido, muitas das mesmas propriedades viciantes que caracterizam as drogas sinteticamente produzidas”.

O personagem John Brandon entregou-se a essa mesma sedução, mergulhando de cabeça na espiral descendente que leva à total degradação, à negação da dignidade humana, à negação das mínimas regras necessárias a uma sadia convivência em sociedade. Entregou-se, iludido pela miragem assim descrita por Bill Buford:

“A violência apresenta uma das experiências vividas com mais intensidade e, para aqueles capazes de se entregar a ela, um dos mais intensos prazeres”. Mesmo advertido pelos seus companheiros de que essa ilusão o estava levando à autodestruição.

Tanto o livro como o filme apresentam uma impressionante sequência de escaramuças entre torcidas rivais; destacam a imagem desagradável e mesmo repulsiva do torcedor violento, acostumado a ingerir enorme quantidade de álcool, que sente tédio nos dias em que não vê futebol e que pratica delitos; e ainda procuram mostrar uma polícia inglesa às vezes omissa e à vezes excessivamente violenta.

As imagens que reproduzem a atuação da polícia nos estádios não resistem a uma análise técnica: revista pessoal falha e por amostragem, o que permite a introdução de armas, dardos e outros objetos perigosos; o policial que não mantém detidos os torcedores apreendidos por comportamento inconveniente; cenas de violência policial e a omissão da polícia em certos casos ou sua impotência quando algumas pessoas decidem desobedecer às leis.

O filme termina com nosso personagem participando de uma passeata neonazista. O livro também aborda o assunto, descrevendo como os rapazes de terno do National Front assediam as torcidas, que são o campo ideal para o recrutamento, já que se constituem em massas violentas ainda não politicamente dirigidas.

O repórter Bill Buford, ao contrário, termina sua narrativa confessando que em dado momento – quando preparava-se para viajar para Turim, nas eliminatórias para a Copa de 90 – entrou em depressão profunda: a simples ideia de um novo contato com a violência e as bebedeiras dos Hooligans o deixou doente.

Para melhor ilustrar o que pretendemos alertar, novamente nos socorremos de um exemplo inglês, desta vez narrado pelo jornalista Otávio Dias. Reportando a rebelião ocorrida na cidade de Luton, ao norte de Londres, em julho de 1995, quando durante vários dias grupos de jovens entraram em choque com a polícia, incendiando carros, apedrejando e saqueando lojas e casas, ele transcreveu depoimento de um deles: “enfrentar a polícia é a única maneira de conseguirmos um pouco de emoção”.

Todas essas observações nos fazem ficar preocupados com um dos aspectos da violência coletiva: o seu caráter eventualmente lúdico, que torna ineficaz a prevenção simplesmente policial, e que, por isso, recomenda seja objeto da preocupação de estudiosos do comportamento social e dos governos das cidades. A cuidadosa observação da forma como este problema tem sido enfrentado em todo mundo nos demonstra como eficazes: a rápida e rigorosa punição dos infratores, capaz de eliminar o sentimento de impunidade; a ocupação territorial inteligente e preventiva pela polícia, tomando o espaço dos violentos; e atuação sobre as causas da violência, como fenômeno social.

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Violência entre torcidas: respeito é a solução

(Universidade do Futebol)

Estatuto do Torcedor preocupa-se demasiadamente com a violência, sem ater-se à qualidade no trato com o torcedor, o verdadeiro destinatário do espetáculo esportivo

Gustavo Lopes Pires de Souza*

28/01/2011

No dia 27 de novembro de 2010, os amantes de futebol foram surpreendidos com um fato bárbaro: o assassinato de um torcedor do Cruzeiro Esporte Clube, em Belo Horizonte. Responsáveis foram identificados e indiciados, mas a pergunta que sobe à garganta é: “até quando?”.

Segundo pesquisa realizada pela professora Heloísa Reis, da Unicamp, o ponto de partida da violência em Minas Gerais teria sido a morte de um torcedor atleticano, que entrou em confronto direto com um cruzeirense, em Belo Horizonte, em 1967, após o Atlético perder para o Uberaba e ser eliminado da disputa pelo seu primeiro título mineiro na “era Mineirão”.

Desde então, foram vários incidentes entre atleticanos e cruzeirenses que nos últimos quinze anos contabilizam dez mortes e centenas de feridos.

Em julho de 2010, por meio da Lei 12.299, o Estatuto do Torcedor foi alterado passando a prever punição às torcidas organizadas e criminalização de atos violentos dos torcedores.

Sem embargo, o Estatuto do Torcedor fora criado em 2003 para assegurar os direitos do torcedor, e não para puni-lo. Causa estranheza haver alterações que não cuidem de algumas das principais necessidades dos torcedores, como o preço dos ingressos e o horário dos jogos.

O Estatuto do Torcedor preocupa-se demasiadamente com a violência, sem ater-se à qualidade no trato com o torcedor, o verdadeiro destinatário do espetáculo esportivo.

De fato, os responsáveis devem ser punidos exemplarmente, mas a punição após a tragédia não é capaz de trazer de volta a vida de inocentes. Aliás, o italiano Beccaria, no século XVIII, já defendia a intervenção mínima, em sua obra “Dos Delitos e das Penas”.

Para a tão almejada paz nos estádios é necessário planejamento, respeito e organização. É preciso que a sociedade civil reivindique os direitos insculpidos no Estatuto do Torcedor, que o Poder Público atenda aos anseios e que os clubes e entidades organizadoras de eventos esportivos passem a tratar os torcedores com respeito, atentando-se ao fato de que fazem parte do patrimônio do clube.

Medidas como venda organizada de ingressos, conforto nos estádios, trariam efeitos positivos na luta contra a violência, tal como comprova a eficiente experiência inglesa que em uma década retirou o futebol local do ostracismo e transformou a Premier League em exemplo de organização e lucratividade.

Portanto, a cada ato de violência torna-se mais necessária a aplicação do Estatuto do Torcedor em sua plenitude, pois somente a lhanheza no trato com os torcedores oportunizará a queda do índice de violência nos estádios. E não se trata de inovar, mas tão somente de espelhar experiências de sucesso.

Referências

Jornal “Hoje em Dia”, Belo Horizonte, Minas Gerais, dos dias 20, 21, 23 e 24 de agosto de 2010.

SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. O respeito ao torcedor como investimento com retorno esportivo e financeiro. Derecho Deportivo em Linea, Madrid. Disponível em Acesso em 27 jul. 2010

SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. Os Direitos do Torcedor Brasileiro. Cidade do Futebol, São Paulo. Disponível em . Acesso em 27 jul. 2010

SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. Estatuto do Torcedor: a evolução dos direitos do consumidor do esporte (Lei 10.671/2003), Alfstudio: Belo Horizonte, 2009.

*Coordenador do Curso de Capacitação em Direito Desportivo da SATeducacional. Professor de Organização Jurídica do Esporte no MBA de Gestão em Eventos Esportivos das Faculdades Del Rey. Autor do livro: “Estatuto do Torcedor: A Evolução dos Direitos do Consumidor do Esporte” (Lei 10.671/2003) Formado em Direito pela PUC/MG, Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Unipac, Membro e colunista do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Membro do Instituto Mineiro de Direito Desportivo e da Associação Portuguesa de Adepstos Colunista do Instituto de Direito Desportivo da Bahia e do portal “Papo de Bola”.

Agraciado com a medalha ” Dom Serafim Fernandes de Araújo” pela eficiência na atuação jurídica. Jurista, Articulista, Advogado licenciado em razão de função pública no TJMG. Professor de matérias Jurídicas no MEGA CONCURSOS, FAMINAS e Arnaldo Jansen.

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I Fórum Permanente para Discussão sobre a Violência das Torcidas de Futebol (Universidade do Futebol)

15 de setembro de 2010

Visando discutir sobre as questões sociais relevantes na atualidade que envolvem os eventos nos espetáculos futebolísticos, será realizado, em setembro, o I Fórum Permanente para Discussão sobre a Violência das Torcidas de Futebol.

O evento terá como presidente da mesa e mediador os advogados Fábio Sá Filho e Expedito Bandeira. Além deles, também contribuem para a realização do fórum o palestrante José Luiz Ratton e o debatedor Ailton Alfredo.

Veja a programação e outras informações:

Organização: Instituto Pernambucano de Direito Desportivo (IPDD), Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJ/PE), Ordem dos Advogados do Brasil da Seccional de Pernambuco (OAB/PE) e Escola Superior de Advocacia de Pernambuco (ESA/PE).

19:00 – Abertura

19:10
Painel Violência das Torcidas de Futebol

Presidente de mesa: Fábio Sá Filho/PE (Advogado. Mestre em Direito. Professor da FBV, UNICAP e ESA/PE. Membro da AIDTSS, do IBDD, da Comissão de Direito Desportivo da OAB/PE e do INAMA/PE. Diretor Presidente e Associado fundador do IPDD)

Mediador: Expedito Bandeira/PE (Advogado militante da área de Direito Público. Conselheiro da OAB/PE. Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/PE)

Tema: Torcidas organizadas, cultura e sociabilidade no Brasil

Palestrante: José Luiz Ratton/PE (Professor pesquisador do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE. Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Criminalidade, Violência e Políticas de Segurança – NEPS – da UFPE. Assessor Especial do Governador para a área de Segurança Pública)

Debatedor: Ailton Alfredo/PE (Juiz Coordenador do Juizado Especial Cível e Criminal do Torcedor de Pernambuco. Mestrando em Direito. Professor Universitário. Membro do IBDD e Associado fundador do IPDD)

20:50 Encerramento

Inscrições:

Ordem dos Advogados do Brasil da Seccional de Pernambuco (OAB/PE)

Rua do Imperador Pedro II, 235, Santo Antônio

Junto às Sras. Ana da Hora e Ana Maristela (Setor de Comissões)

Das 9h às 12h e 14h às 18h

Telefone: (81) 3424-1012 Ramal 230

Doações:

Não será cobrada taxa alguma. Apenas quem quiser, poderá doar 1 kg de alimento não-perecível, água mineral, roupas e/ou cobertores para serem repassados às vítimas da enchente em Pernambuco.

Atenção: os donativos serão coletados a qualquer tempo na sede da OAB/PE (de preferência, o quanto antes).

Organização: IPDD, TJ/PE, OAB/PE e ESA/PE

Apoio: Sport Club do Recife, Clube Náutico Capibaribe e Santa Cruz Futebol Clube.
Local: Auditório da OAB, Recife/PE

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Especial: violência na esfera do futebol (Universidade do Futebol)

Acontecimentos do último fim de semana no Estado de São Paulo reacendem necessidade de debate pautado na técnica e na profundidade social

Equipe Universidade do Futebol

26/02/2010

O saldo do clássico do último fim de semana entre Palmeiras e São Paulo não foi apenas os três pontos na tabela de classificação do Campeonato Paulista à equipe alviverde comandada pela primeira vez por Antônio Carlos Zago. Fora de campo – ou melhor, fora do estádio -, diversas ocorrências envolvendo torcedores das duas equipes foram relatadas pelas câmeras e detectadas pela polícia. Mas ainda mais distante da esfera principal, o jogo no estádio Palestra Itália, que se deu o chamariz.

Na Rodovia dos Bandeirantes, região de Jundiaí, um palmeirense foi morto. Dois suspeitos pelo crime foram presos pela Polícia Civil, que efetuou uma busca em pelo menos seis cidades do interior. A vítima pertencia à Mancha Alviverde. Enquanto os suspeitos têm ligação com a torcida organizada Tricolor Independente.

Além de ter provocado a morte de Alex Furlan de Santana, 29, a briga entre os dois grupos deixou 12 feridos, entre eles um são-paulino que teve amputada parte da mão direita após a explosão de uma bomba caseira. Ele foi ouvido e negou que tenha atirado o artefato.

Para a polícia, a briga pode ter sido premeditada. Na terça-feira, foram presos em São Carlos dois suspeitos de participação no crime. Os membros da Independente confessaram ter participado da briga. Mas o empresário Evandro Magno Vicentini Júnior, 29, e um adolescente, de 17 anos, negaram o crime. Vicentini continua preso, e o adolescente está numa unidade para menores de idade de São Carlos.

O menor de idade admitiu ter feito dois disparos durante a briga. Segundo ele, ninguém foi atingido, pois um tiro foi dado para cima e o outro, para o chão. Na casa do empresário, a polícia apreendeu duas espingardas cartucheiras, que passarão por perícia.

Delegado da DIG (Delegacia de Investigações Gerais) de Jundiaí e responsável pelo caso, Antonio Dota Júnior, acredita que os membros da organizada são-paulina que participaram da briga viajaram para assistir ao jogo em ônibus e vans que partiram de São José do Rio Preto e apanharam torcedores em outras cidades, como Piracicaba, Limeira, Campinas e Araras.

 

O comando da Polícia Rodoviária Estadual informou que policiais fizeram quatro disparos durante a briga na tentativa de dispersar o confronto. Um dos tiros atingiu a perna de um torcedor ainda não identificado.

Para Heloisa Reis, socióloga de formação e estudiosa dessa relação, a violência urbana nos dias de jogos de futebol transformou-se em uma questão de segurança pública em diversos países. Inicialmente, parecia um problema localizado apenas na Inglaterra, sob o nome de hooliganismo. Atualmente, entretanto, é um problema quase planetário. E para pensar em prevenção desta violência, é necessário buscar suas raízes, suas causas diretas e indiretas.

Todos os levantamentos científicos realizados no Velho Continente especificamente concluíram que a falta de infraestrutura dos estádios é geradora de atos de vandalismo e de outras formas de violência. Muitas recomendações do tratado europeu, então, dizem respeito à modernização dos estádios: ambientes confortáveis e seguros inibiriam ocorrências.

“No Brasil, as frustrações geradas com o mau funcionamento dos serviços e da estrutura dos estádios contribuem para manifestações violentas, inclusive como forma de protesto e enfrentamento. Aqui, a gota d’água foi o confronto de torcedores no Pacaembu em 1995, na final da Copa SP de juniores. O episódio chocou a sociedade pela crueldade dos jovens agressores armados com entulhos encontrados no próprio estádio, o que é inadmissível”, relatou Heloisa, citando justamente um duelo envolvendo palmeirenses e são paulinos, há 15 anos, pela Supercopa de Juniores.

Para ela, uma das explicações das raízes da violência relacionada ao esporte pode ser encontrada na gênese e no desenvolvimento do futebol moderno, visto como ambiente de produção e reprodução de valores de masculinidade. E outra, no sistema de metabolismo social do capital.

“Se levarmos em conta a primeira, não é de se estranhar que a ‘linha dura’ dos grupos agressores seja formada basicamente por jovens do sexo masculino. Para eles, a valentia e a força são elementos necessários para o enfrentamento do inimigo, que pode ser os torcedores adversários, a polícia – que representa ali o Estado -, os árbitros e até os jogadores do próprio time”, completou a mestra e doutora em Educação Física, atuando com ênfase em Sociologia do Esporte, Lazer e Pedagogia do Esporte.

A seguir, além da entrevista na íntegra com Heloisa Reis, a Universidade do Futebol apresenta ao público uma série de artigos relacionados à temática. E convida a comunidade a debater no espaço de comentários.

Leia mais:
Entrevista: Heloisa Reis, estudiosa da relação futebol x violência
Mais do mesmo
Medidas tomadas pela Uefa para conter a violência
Na Europa, combate à violência ganhou força nos anos 1980
Os cegos do castelo e a violência das torcidas de futebol
O combate ao problema e não às causas da violência
O perfil do torcedor brasileiro
Sociologia explica violência das torcidas
Apontamentos sobre o protagonismo do torcedor no espetáculo de futebol
Torcedores de futebol: uma análise sociológica
Violência nos estádios
Violência no futebol: quando as causas vão ser investigadas?
O cravo da violência
Comportamento e infraestrutura para a segurança nos estádios
Estado de choque. De novo
A consequência da violência para os clubes de futebol
Civilização e barbárie
Simpatia a organizadas estabelece momento de comemoração no futebol

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Violência no futebol: quando as causas vão ser investigadas? (Universidade do Futebol)

A atuação dos meios de comunicação em relação ao tema no meio esportivo é um aspecto que deve ser repensado

GEF

16/08/2009

Mortes relacionadas ao futebol brasileiro reacendem a discussão em torno da violência no esporte. Normalmente declarações precipitadas de autoridades públicas, assim como informações desencontradas e incoerentes veiculadas pela imprensa contribuem para a formulação de “soluções mágicas”, mas que poderão comprovar-se ineficazes, dado que não consideram a amplitude e a importância do
fenômeno.

Em um primeiro momento, consideramos ser fundamental a retomada dos trabalhos da Comissão Nacional de Prevenção da Violência nos Espetáculos Esportivos pelos Ministérios do Esporte e da Justiça e a criação de colegiados similares nos estados, que tenham a atribuição de tratar o tema com o devido cuidado e de trazer o poder público para o cerne da discussão. Há a necessidade, também urgente, de atualização da legislação específica para o esporte, como o Estatuto do Torcedor. A tarefa é especialmente oportuna neste momento, dado que o tema está sendo discutido no Senado. Alguns pontos importantes foram acrescentados à lei, mas outros, como a melhoria da infraestrutura dos estádios, ainda não foram contemplados.

Para que as atividades sejam efetivas e contínuas, é preciso incentivar e assegurar a participação, nas referidas comissões, de representantes de diferentes esferas da sociedade (governo, entidades esportivas, torcidas organizadas, imprensa e estudiosos), de maneira a enriquecer e ampliar o enfoque das análises. Da mesma forma, ainda verificamos a urgência da criação de uma corporação de segurança especializada em eventos esportivos, pois é notório que o despreparo dos atuais agentes públicos, e o tratamento por eles conferido aos torcedores – organizados ou não -, estão entre as principais causas dos conflitos violentos.

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Brasil lidera ranking de mortes ligadas ao futebol (Universidade do Futebol)

20/07/2009

No início das pesquisas, em 1999, o país estava atrás da Itália e da Argentina. Porém, em 10 anos, o Brasil passou a liderar essa estatística

Equipe Universidade do Futebol

Um dos principais problemas a ser solucionado até a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, é a questão da violência ligada ao futebol. De acordo com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com base em dados fornecidos por jornais, revistas e rádios, nos últimos 10 anos, o país foi o que registrou o maior número de mortes de torcedores. Foram 42 casos.

“Quando começamos a fazer o levantamento, o Brasil estava em terceiro lugar na comparação com outros países no número de óbitos. A ordem era Itália, Argentina e Brasil. Hoje, 10 anos depois, o Brasil conquistou o primeiro lugar. É uma conquista trágica, perversa”, afirmou Maurício Murad, sociólogo e autor do estudo.

Ele afirmou a violência deveria ser um dos temas que mais deve receber atenção de governantes, e que deve ser solucionado, caso o Brasil queira ser sede da Copa de 2014.

“Essa violência é uma preocupação para a Copa porque, de todos os problemas que a Fifa acompanha, e de tudo o que o caderno de exigências determina, a segurança pública é um dos principais. O problema da segurança pública é da maior importância para o Mundial”, disse Murad, em entrevista publicada pela Agência Brasil.

De acordo com o pesquisador, ao contrário da Itália, que promoveu uma reforma na legislação para punir exemplarmente dirigentes ou torcedores que estimularem a violência, o Brasil ainda não adotou medidas efetivas.

Segundo o estudo, os números pioraram. Se no período de 10 anos a média é de 4,2 mortes a cada ano, no período entre 2004 e 2008 o número de mortos totaliza 28, dando uma média de 5,6 por ano. Apenas em 2007 e 2008, 14 pessoas morreram, o que dá uma média de sete por ano.

“Cresceu a violência no futebol porque cresceu a violência no país. E cresceu a violência no país porque a impunidade e a corrupção são cada vez maiores”, disse o sociólogo.

Conforme a pesquisa, a maior parte das vítimas fatais era composta por jovens entre 14 e 25 anos, de classe baixa ou média baixa, com escolaridade até o ensino fundamental e, em geral, desempregado. Também foi constatado que, em grande parte, esses torcedores não eram ligados a práticas de violência.

“Em quase 80% dos casos, as pessoas não tinham nenhuma ligação com setores violentos ou delinquentes de torcidas organizadas. Apenas em 20% é que os óbitos eram de pessoas ligadas a grupos de vândalos”, concluiu Murad.

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O cravo da violência (Universidade do Futebol)

No Brasil, as frustrações geradas com o mau funcionamento dos serviços e da estrutura dos estádios contribuem para manifestações violentas

Heloisa Reis

03/07/2009

A violência urbana nos dias de jogos de futebol transformou-se em uma questão de segurança pública em diversos países. Inicialmente, parecia um problema localizado apenas na Inglaterra, onde recebeu o nome de hooliganismo. Hoje, no entanto, é um problema quase planetário. E para pensar em prevenção desta violência, é necessário buscar suas raízes, suas causas diretas e indiretas.

Quarenta e seis países europeus adotaram políticas nacionais de prevenção elaboradas a partir de um acordo firmado no Conselho da Europa. A gota d’água foi a tragédia do estádio Heysel, na Bélgica, em 1985, que deixou 39 mortos após tumulto na final da Copa dos Campeões.

Os primeiros participantes do Convênio Europeu sobre a violência e mau comportamento em eventos esportivos foram Inglaterra, Itália e Espanha. Hoje, países com o maior sucesso na promoção de espetáculos de futebol. Na Espanha, foram constituídas duas comissões para o estudo do problema: uma de senadores, com um período de trabalho de dois anos; e outra em âmbito interministerial. Tais trabalhos subsidiaram a elaboração da lei de esporte espanhola de 1990, que dedica um capítulo especificamente ao tema. A nova legislação tornou ágil o julgamento dos delitos e delimitou as penas impostas aos clubes em casos de violência de seus espectadores.

Todos os estudos realizados concluíram que a falta de infraestrutura dos estádios é geradora de atos de vandalismo e de outras formas de violência. Por isso, muitas recomendações do tratado europeu dizem respeito à modernização dos estádios. Ambientes confortáveis e seguros inibem a violência.

No Brasil, as frustrações geradas com o mau funcionamento dos serviços e da estrutura dos estádios contribuem para manifestações violentas, inclusive como forma de protesto e enfrentamento. Aqui, a gota d’água foi o confronto de torcedores no Pacaembu em 1995, na final da Copa SP de juniores. O episódio chocou a sociedade pela crueldade dos jovens agressores armados com entulhos encontrados no próprio estádio, o que é inadmissível.

Uma das explicações das raízes da violência relacionada ao esporte pode ser encontrada na gênese e no desenvolvimento do futebol moderno, visto como ambiente de produção e reprodução de valores de masculinidade. E outra, no sistema de metabolismo social do capital. Se levarmos em conta a primeira, não é de se estranhar que a “linha dura” dos grupos agressores seja formada basicamente por jovens do sexo masculino. Para eles, a valentia e a força são elementos necessários para o enfrentamento do inimigo, que pode ser os torcedores adversários, a polícia -que representa ali o Estado-, os árbitros e até os jogadores do próprio time.

A Europa vem enfrentando há alguns anos dificuldades com o racismo. Uma causa direta do problema é a intolerância dos integrantes de movimentos neonazistas que encontraram nos estádios um local para divulgar sua ideologia. Este cenário é mais um exemplo de que a violência pode se manifestar de diferentes formas. Lá, agora, a principal é o racismo. Aqui, ainda é o enfrentamento com os torcedores rivais e/ou com a polícia.