EUA reavaliam fator racial como critério a vaga em universidades (Folha de São Paulo)

JC e-mail 4608, de 22 de Outubro de 2012
Folha de São Paulo – 20/10/2012

Suprema Corte deve se pronunciar sobre caso de aluna que se considerou preterida no Texas. Enquanto isso, no Brasil, reitor da UFF afirma que lei de cotas é um retrocesso.

As sardas de Abigail Fisher, 22, podem fazer história. Desde o último dia 10, a Suprema Corte dos EUA examina sua queixa contra a Universidade do Texas por tê-la preterido supostamente por causa de sua cor de pele, e o veredicto pode acabar com as ações afirmativas nas universidades públicas americanas após cinco décadas em vigor.

A decisão sairá só em 2013, mas o caso acirra o debate entre defensores e detratores de critérios como raça, classe social e renda para a admissão em universidades públicas. A última vez em que o Supremo julgou o tema foi em 2003, quando, em uma queixa envolvendo a Universidade do Michigan, invalidou o uso de cotas, mas considerou constitucional o uso de raça entre os critérios de seleção.

Nos últimos 15 anos, cinco Estados americanos proibiram a ação afirmativa na admissão de universitários. No próximo dia 6, quando os EUA podem reeleger seu primeiro presidente negro (e escolhem entre dois ex-alunos da prestigiosa Escola de Direito de Harvard), Oklahoma decide se entrará para a lista.

Dois Estados trocaram a ação afirmativa por um programa de cunho socioeconômico: um percentual dos melhores estudantes de cada escola de ensino médio é automaticamente admitido. Na Flórida, 20%; no Texas, onde Fisher queria estudar, 10%. A Universidade do Texas, que Fisher almejava em 2008, adota esse critério para 81% de seus alunos.

Os demais 19% passam por um sistema de admissão que leva em conta, além do desempenho nas provas, aptidões como música, esportes e capacidade de liderança, trabalho voluntário, renda, situação familiar e raça.

A estudante, que estava entre os 15% melhores de sua escola e acabaria depois se formando pela Universidade Estadual da Louisiana, foi reprovada e sentiu-se alvo de preconceito por ser branca (a universidade alega que ela não tinha as qualificações). Em 2009, abriu o processo que, após veredictos negativos em duas instâncias, chega à Suprema Corte. Juristas preveem decisão apertada.

Especialistas – Para a professora de direito de Harvard Lani Guinier, uma das maiores especialistas em ação afirmativa e acesso ao ensino superior dos EUA, o debate corrente foca uma questão secundária. “Estamos preocupados com algo periférico no processo de admissão universitário. Deveríamos pensar é na missão dessas instituições e em como cumpri-la, não no mérito relativo dos inscritos.”

O que Guinier defende é que, se uma universidade tem como objetivo formar líderes -como diz a Universidade do Texas, pivô do caso na Suprema Corte dos EUA que pode reverter a ação afirmativa-, ela deveria procurar não só notas altas, mas vivências complementares, que ampliem a capacidade de resolver problemas em equipe.

Na visão da jurista, os exames de admissão nos EUA (que incluem testes de inglês e matemática, além de critérios mais subjetivos) servem diretamente uma elite bem educada, perpetuando o abismo educacional.

Mas a discussão, diz ela, não deveria se limitar a raça. “Se é hora de avançarmos [como alguns defendem], é hora também de repensarmos como admitimos todo mundo nas faculdades”, rebate. “A experiência dos negros aqui é como a dos canários que os mineiros levavam para o subsolo: se o ar se tornasse tóxico, eles morriam antes, mas quem continuasse ali morreria do mesmo jeito.”

Guinier sugere fixar um patamar necessário de conhecimento para entrar na universidade e depois disso o sorteio das vagas entre os aptos. “A questão é qual o papel das universidades no século 21 nas democracias. Elas querem escolher quem já é brilhante ou ser como o corpo de fuzileiros navais, que pega quem passa nos critérios básicos porque aceita a responsabilidade de formar?”

David Neumark, um professor de economia da Universidade da Califórnia que estuda o aspecto econômico da ação afirmativa, diz que em meio à cacofonia há pouca evidência ainda de que a política tenha consequências econômicas positivas ou, como alguns dizem, negativas.

Mas ressalta que, além de ver um imperativo de justiça, muitas escolas alegam que a diversidade agrega valor. Neumark acha mais factível a adoção de critérios socioeconômicos, que acabariam beneficiando largamente negros e hispânicos.

Mas rejeita a tese de alguns críticos de que a ação afirmativa prejudica, no longo prazo, aqueles que deveria beneficiar. “Tampouco há provas”, afirma. Na Califórnia, após o veto à ação afirmativa, em 1997, o número de calouros negros caiu. Na Universidade de Berkeley, por exemplo, foi de 7% em 1996 para 4% em 2010.

No Brasil – O reitor da Universidade Federal Fluminense (UFF), Roberto Salles, afirmou ontem que a lei de cotas sancionada pela presidente Dilma Rousseff representará um retrocesso para a universidade. Ele disse temer que a medida traga problemas à instituição e cobrou o aumento de recursos para as universidades.

Segundo Salles, a UFF irá reservar 12,5% das vagas na próxima seleção “por imposição legal”. Em setembro, o reitor tinha dito que não iria acatar as cotas. Ontem, ele afirmou que mudou de ideia porque o procurador da universidade considerou que não há como recorrer ao STF (Supremo Tribunal Federal), que julgou as cotas constitucionais.

O percentual de 12,5% é o mínimo exigido pela lei em 2013 -com o passar dos anos, será elevado para 50%. Para o reitor, porém, o novo sistema é pior do que o que vinha sendo adotado pela UFF, que desde 2007 tinha políticas afirmativas próprias.

Para 2013, a universidade tinha decidido reservar 25% das vagas para candidatos oriundos do ensino médio de escolas públicas da rede estadual e municipal e com renda familiar per capita inferior a 1,5 salário mínimo.

Ele disse que os critérios da universidade são mais adequados do que os impostos pela nova lei, que beneficiará egressos de todas as escolas públicas, inclusive técnicas e federais, de melhor desempenho. “Esses alunos já competem em igualdade com os das escolas privadas. Os prejudicados serão os alunos das redes municipais e estaduais.” A lei prevê que metade das vagas reservadas seja para pretos, pardos e indígenas.

Salles disse que, para não prejudicar os alunos de baixa renda das redes municipais e estaduais, a universidade reservará mais 10% das vagas de cada curso para esse público. Com isso, as cotas somarão 22,5% das cercas de dez mil vagas em 2013. “Os congressistas criam essa lei, mas não preveem mais recursos para as universidades”, criticou ele, que tachou ainda de “ridícula” a discussão para duplicar o percentual destinado à educação em dez anos, para 10% do PIB. “A gente precisa dos recursos já.”