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‘Bad’ video game behavior increases players’ moral sensitivity: May lead to pro-social behavior in real world (Science Daily)

Date: June 27, 2014

Source: University at Buffalo

Summary: New evidence suggests heinous behavior played out in a virtual environment can lead to players’ increased sensitivity toward the moral codes they violated. The current study found such guilt can lead players to be more sensitive to the moral issues they violated during game play. Other studies have established that in real life scenarios, guilt evoked by immoral behavior in the “real-world” elicits pro-social behaviors in most people.

Young men playing video games. New evidence suggests heinous behavior played out in a virtual environment can lead to players’ increased sensitivity toward the moral codes they violated. (stock image). Credit: © Nebojsa Bobic / Fotolia 

New evidence suggests heinous behavior played out in a virtual environment can lead to players’ increased sensitivity toward the moral codes they violated.

That is the surprising finding of a study led by Matthew Grizzard, PhD, assistant professor in the University at Buffalo Department of Communication, and co-authored by researchers at Michigan State University and the University of Texas, Austin.

“Rather than leading players to become less moral,” Grizzard says, “this research suggests that violent video-game play may actually lead to increased moral sensitivity. This may, as it does in real life, provoke players to engage in voluntary behavior that benefits others.”

The study, “Being Bad in a Video Game Can Make Us More Morally Sensitive,” was published online ahead of print on June 20 in the journalCyberpsychology, Behavior and Social Networking.

Grizzard points out that several recent studies, including this one, have found that committing immoral behaviors in a video game elicits feelings of guilt in players who commit them.

The current study found such guilt can lead players to be more sensitive to the moral issues they violated during game play. Other studies have established that in real life scenarios, guilt evoked by immoral behavior in the “real-world” elicits pro-social behaviors in most people.

“We suggest that pro-social behavior also may result when guilt is provoked by virtual behavior,” Grizzard says.

Researchers induced guilt in participants by having them play a video game where they violated two of five moral domains: care/harm, fairness/reciprocity, in-group loyalty, respect for authority, and purity/sanctity.

“We found that after a subject played a violent video game, they felt guilt and that guilt was associated with greater sensitivity toward the two particular domains they violated — those of care/harm and fairness/reciprocity,” Grizzard says. The first includes behaviors marked by cruelty, abuse and lack of compassion, and the second, by injustice or the denial of the rights of others.

“Our findings suggest that emotional experiences evoked by media exposure can increase the intuitive foundations upon which human beings make moral judgments,” Grizzard says. “This is particularly relevant for video-game play, where habitual engagement with that media is the norm for a small, but considerably important group of users.”

Grizzard explains that in life and in game, specific definitions of moral behavior in each domain will vary from culture to culture and situation to situation.

“For instance,” he says, “an American who played a violent game ‘as a terrorist’ would likely consider his avatar’s unjust and violent behavior — violations of the fairness/reciprocity and harm/care domains — to be more immoral than when he or she performed the same acts in the role of a ‘UN peacekeeper.'”

In conducting the study, researchers combined a model of intuitive morality and exemplars representing current advances in moral psychology with media-effects theories to explain how mediated or indirect experiences influence individuals’ moral judgments.

The study involved 185 subjects who were randomly assigned to either a guilt-inducing condition — in which they played a shooter game as a terrorist or were asked to recall real-life acts that induced guilt — or a control condition — shooter game play as a UN soldier and the recollection of real-life acts that did not induce guilt.

After completing the video game or the memory recall, participants completed a three-item guilt scale and a 30-item moral foundations questionnaire designed to assess the importance to them of the five moral domains cited above.

Correlations were calculated among the variables in the study, with separate correlation matrices calculated for the video-game conditions and the memory-recall conditions. The study found significant positive correlations between video-game guilt and the moral foundations violated during game play.

The study was co-authored by Ron Tamborini, PhD, professor, Department of Communication, Michigan State University; Robert J. Lewis, PhD, assistant professor, Department of Advertising and Public Relations, University of Texas, Austin; and Lu Wang, a former graduate student in the Department of Communication at Michigan State.

In May, a study by Tamborini, Grizzard, Lewis and three other authors published inJournal of Communication described mechanisms involved in exposure to entertainment and moral judgment processes.

Journal Reference:

  1. Matthew Grizzard, Ron Tamborini, Robert J. Lewis, Lu Wang, Sujay Prabhu. Being Bad in a Video Game Can Make Us More Morally SensitiveCyberpsychology, Behavior, and Social Networking, 2014; 140620081138007 DOI:10.1089/cyber.2013.0658

Peter Pál Pelbart: “Anota aí: eu sou ninguém” (Folha de S.Paulo)

19/07/2013 – 03h30

Slavoj Zizek reconheceu no “Roda Viva” que é mais fácil saber o que quer uma mulher, brincando com a “boutade” freudiana, do que entender o Occupy Wall Street.

Não é diferente conosco. Em vez de perguntar o que “eles”, os manifestantes brasileiros, querem, talvez fosse o caso de perguntar o que a nova cena política pode desencadear. Pois não se trata apenas de um deslocamento de palco –do palácio para a rua–, mas de afeto, de contaminação, de potência coletiva. A imaginação política se destravou e produziu um corte no tempo político.

A melhor maneira de matar um acontecimento que provocou inflexão na sensibilidade coletiva é reinseri-lo no cálculo das causas e efeitos. Tudo será tachado de ingenuidade ou espontaneismo, a menos que dê “resultados concretos”.

Como se a vivência de milhões de pessoas ocupando as ruas, afetadas no corpo a corpo por outros milhões, atravessados todos pela energia multitudinária, enfrentando embates concretos com a truculência policial e militar, inventando uma nova coreografia, recusando os carros de som, os líderes, mas ao mesmo tempo acuando o Congresso, colocando de joelhos as prefeituras, embaralhando o roteiro dos partidos –como se tudo isso não fosse “concreto” e não pudesse incitar processos inauditos, instituintes!

Como supor que tal movimentação não reata a multidão com sua capacidade de sondar possibilidades? É um fenômeno de vidência coletiva –enxerga-se o que antes parecia opaco ou impossível.

E a pergunta retorna: afinal, o que quer a multidão? Mais saúde e educação? Ou isso e algo ainda mais radical: um outro modo de pensar a própria relação entre a libido social e o poder, numa chave da horizontalidade, em consonância com a forma mesma dos protestos?

O Movimento Passe Livre, com sua pauta restrita, teve uma sabedoria política inigualável. Soube até como driblar as ciladas policialescas de repórteres que queriam escarafunchar a identidade pessoal de seus membros (“Anota aí: eu sou ninguém”, dizia uma militante, com a malícia de Odisseu, mostrando como certa dessubjetivação é condição para a política hoje. Agamben já o dizia, os poderes não sabem o que fazer com a “singularidade qualquer”).

Mas quando arrombaram a porteira da rua, muitos outros desejos se manifestaram. Falamos de desejos e não de reivindicações, porque estas podem ser satisfeitas. O desejo coletivo implica imenso prazer em descer à rua, sentir a pulsação multitudinária, cruzar a diversidade de vozes e corpos, sexos e tipos e apreender um “comum” que tem a ver com as redes, com as redes sociais, com a inteligência coletiva.

Tem a ver com a certeza de que o transporte deveria ser um bem comum, assim como o verde da praça Taksim, assim como a água, a terra, a internet, os códigos, os saberes, a cidade, e de que toda espécie de “enclosure” é um atentado às condições da produção contemporânea, que requer cada vez mais o livre compartilhamento do comum.

Tornar cada vez mais comum o que é comum –outrora chamaram isso de comunismo. Um comunismo do desejo. A expressão soa hoje como um atentado ao pudor. Mas é a expropriação do comum pelos mecanismos de poder que ataca e depaupera capilarmente aquilo que é a fonte e a matéria mesma do contemporâneo –a vida (em) comum.

Talvez uma outra subjetividade política e coletiva esteja (re)nascendo, aqui e em outros pontos do planeta, para a qual carecemos de categorias. Mais insurreta, de movimento mais do que de partido, de fluxo mais do que de disciplina, de impulso mais do que de finalidades, com um poder de convocação incomum, sem que isso garanta nada, muito menos que ela se torne o novo sujeito da história.

Mas não se deve subestimar a potência psicopolítica da multidão, que se dá o direito de não saber de antemão tudo o que quer, mesmo quando enxameia o país e ocupa os jardins do palácio, pois suspeita que não temos fórmulas para saciar nosso desejo ou apaziguar nossa aflição.

Como diz Deleuze, falam sempre do futuro da revolução, mas ignoram o devir revolucionário das pessoas.

PETER PÁL PELBART, 57, filósofo húngaro, é professor titular de filosofia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tradutor de Deleuze e autor de “Vida Capital”

Levante Popular da Juventude quer renovar práticas da esquerda (Carta Maior)

Fonte: Carta Maior, 22 de outubro de 2012

Porto Alegre – O ano de 2012 viu nascer uma novidade no cenário político brasileiro. Um grupo de jovens, organizado em torno do Levante Popular da Juventude, realizou uma série de atos denominados “escrachos” em frente às residências ou locais de trabalho de acusados de praticar crimes durante a ditadura. Em várias cidades do país, centenas de jovens saíram às ruas para denunciar esses crimes e defender a instalação da Comissão Nacional da Verdade para restaurar a memória, a verdade e a justiça desse período. Os atos contra os agentes da ditadura deram visibilidade nacional a esse movimento cujas origens remontam a 2005, no Rio Grande do Sul, a partir de militantes ligados à Via Campesina e à Consulta Popular. Em entrevista à Carta Maior, concedida na sede da organização em Porto Alegre, Lucio Centeno, Janaita Hartmann e Lauro Almeida Duvoisin falam sobre esse novo movimento social que tem como objetivo estratégico maior a construção de um projeto popular para o Brasil numa perspectiva socialista.

O marco da nacionalização do movimento ocorreu em fevereiro de 2012, durante um acampamento nacional em Santa Cruz do Sul (RS) que reuniu em torno de mil jovens de dezessete estados. Reunindo estudantes universitários e secundaristas, jovens das periferias das cidades e também do campo, o Levante se propõe a resgatar práticas relegadas a um segundo plano pela esquerda partidária, como o trabalho de base organizado a partir de células de militância, e defende a unidade dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda em torno de alguns objetivos comuns: derrotar a direita e o projeto neoliberal no Brasil e conquistar uma ampla maioria na sociedade para um processo de transformação social, política e econômica no país.

O que é o Levante Popular da Juventude? Quando nasceu?

Lucio Centeno: Nenhum de nós aqui iniciou essa construção do Levante. Ela foi fruto de um trabalho de mobilização e da iniciativa que alguns companheiros tiveram no final de 2005, quando movimentos ligados à Via Campesina, incentivados pela Consulta Popular, identificaram que era necessário naquele momento fortalecer o processo de organização da juventude, em especial da juventude urbana. No campo já havia um processo relativo de organização com os movimentos da Via, mas muito pouco no meio urbano. A partir dessa leitura, alguns companheiros assumiram a tarefa de construir o que viria a ser o Levante Popular da Juventude. E o Levante nasce com a característica de ser uma ferramenta da juventude e não apenas de um segmento desse setor. Desde o início, se tinha a leitura da necessidade de se organizar não apenas os jovens estudantes universitários, mas também os jovens das periferias urbanas e, principalmente, articular essa juventude que não tinha um referencial de organização como tinha a juventude camponesa, organizada em torno da Via. O Levante nasce, então, com essa característica de aglutinar diferentes segmentos da juventude a partir de diferentes meios de inserção.

Neste sentido, é um movimento original. Normalmente o que há são movimentos de juventude ligados a partidos e a alguns segmentos específicos, como é o caso do movimento estudantil…

Lucio Centeno: Sim, o Levante nasce com esse referencial da esquerda social, do campo dos movimentos sociais. Ele se propõe a ser um movimento social e não uma juventude partidária, com esse recorte de querer articular jovens estudantes universitários, secundaristas e jovens da periferia urbana.

Lauro Duvoisin: Essa iniciativa surgiu também com base numa leitura que identifica, nos anos 2000, uma mudança nos setores mais dinâmicos da luta social. Embora exista ainda uma dinâmica grande lutas do MST, por exemplo, que foi uma referência nos anos 90, já ficava claro neste período que, sozinho, o MST não conseguiria seguir adiante. Neste período havia também uma crítica muito grande ao trabalho urbano sindical mais clássico da esquerda. Então, o Levante surge nesse contexto com o objetivo de renovar as práticas da esquerda e de resgatar uma prática que foi sendo negligenciada, que é o trabalho de base, aquilo que as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) faziam nos anos 70 e 80 e que sustentou boa parte do acúmulo que a esquerda teve neste período.

A ideia é que a juventude pode ser o setor dinâmico para voltar a impulsionar a luta. Daí a decisão de não segmentar a juventude como uma categoria no sentido econômico-corporativo, e fazer com que ela irradie sua força e sua prática para outros setores da sociedade, seja da classe trabalhadora urbana, do meio camponês ou do meio popular urbano. O objetivo é que ela forme novas referências e novos militantes para que o movimento cresça em todas essas frentes.

Qual é o horizonte estratégico do trabalho do Levante que transita em um espaço comum ao dos partidos de esquerda e ao dos movimentos sociais? Qual é o objetivo das lutas e das mobilizações?

Lucio Centeno: Esse é outro aspecto diferencial do Levante na medida em que ele não tem uma bandeira econômica setorial definida. O MST, por exemplo, tem claramente um horizonte que é a construção de uma reforma agrária popular. Já o Levante, por aglutinar diferentes setores da juventude e, principalmente, por ter uma perspectiva de luta política por um projeto de sociedade, e não só por demandas específicas, desenvolve um conjunto de lutas a partir daquilo que entendemos como um projeto popular para o Brasil. Então, embora não tenhamos uma bandeira claramente definida, pretendemos fortalecer e contribuir para a construção de um conjunto de bandeiras que apontam para esse projeto popular para o Brasil, para o fortalecimento de um projeto democrático e popular, que passa pela reforma agrária, pela descentralização dos meios de comunicação, pela garantia dos direitos básicos de educação, saúde, moradia, transporte.

Dentro desse guarda-chuva maior do projeto popular, os militantes do Levante, conforme sua inserção em um meio específico, trabalham contradições que envolvem esses jovens, relacionando esses problemas com a construção de um projeto maior para o país.

Lauro Duvoisin: A gente fala muitas vezes que o Levante não nasceu para dar conta de uma demanda específica, mas para buscar qual é a pauta capaz de levantar a juventude. E como o Lúcio afirmou, o Levante também se insere em uma estratégia que é maior do que ele, que é a construção, pelo campo da esquerda popular, de um projeto para o Brasil. Temos clareza que esse projeto não será construído só pela juventude. O Levante é uma parte de todo esse movimento. Sua tarefa é organizar a juventude por demandas específicas e por um projeto político maior, procurando também formar militantes para todas as outras frentes que compõem essa estratégia.

Nos últimos meses, o Levante ganhou maior visibilidade nacional com os escrachos contra agentes da ditadura realizados em várias cidades do país. Como surgiu essa ideia e qual o lugar desse tema na agenda da organização, no momento em que a Comissão da Verdade investiga crimes praticados por agentes do Estado naquele período?

Lucio Centeno: O Levante nasceu no Rio Grande do Sul em 2006, como um movimento estadual. Em outros estados, já havia mobilizações com a juventude que eram chamadas de juventude do campo com a cidade, mas ainda não havia uma proposta organizativa. Aqui no Rio Grande do Sul conseguimos transformar essa mobilização em um movimento social autônomo da juventude. Passaram-se cerca de cinco anos até que, em 2011, iniciou um processo de nacionalização do Levante, juntando experiências parecidas do mesmo campo político. Assim, o Levante se constituiu em dezessete estados. O marco de lançamento dessa nacionalização ocorreu agora em fevereiro de 2012, quando realizamos um acampamento nacional em Santa Cruz do Sul que reuniu em torno de mil jovens desses dezessete estados.

A partir dessa nacionalização, se constituiu uma organicidade nacional, com uma coordenação representativa desses estados e desses movimentos. Essa coordenação nacional começou a elaborar a estratégia da organização e, naquele momento, se identificou na conjuntura que essa bandeira da memória, verdade e justiça não estava sendo efetivamente empunhada com a devida importância por praticamente nenhum setor, para fazer um contraponto a movimentação que os militares vinham fazendo para tentar desconstituir a Comissão Nacional da Verdade. Então, naquele momento tínhamos os militares atuando nos bastidores, o governo acuado e a imprensa de alguma forma sendo conivente com esse processo de ocultação dos crimes da ditadura. Concluímos então que seria necessário uma mobilização da sociedade para que a Comissão da Verdade fosse efetivada.

Vimos, a partir da experiência de organizações parceiras da América Latina, a metodologia dos escrachos como a melhor forma de fazer ecoar essa bandeira. Mapeamos então quais Estados poderiam fazer essa ação e trabalhamos de forma coordenada nacionalmente para que tivéssemos um dia de ação nacional denunciando os torturadores e a impunidade dos crimes da ditadura. A partir disso, conseguimos uma grande adesão de vários setores da sociedade que impulsionaram o governo para garantir a instalação da Comissão da Verdade.

Lauro Duvoisin: Foi a junção de um momento, de uma oportunidade, com a condição que tínhamos alcançado. Se não tivéssemos uma organização de âmbito nacional naquele momento, talvez não conseguíssemos fazer uma intervenção daquela dimensão. A oportunidade estava ali. Conseguimos fazer uma leitura que se demonstrou correta no sentido de que aquela pauta (Comissão da Verdade) atingia o centro da conjuntura nacional. Pela primeira vez, o Levante conseguiu influenciar a conjuntura nacional efetivamente, embora já estivéssemos envolvidos em outras lutas locais.

Outra coisa importante nessas ações tem a ver com a questão do método que empregamos, que diz um pouco do que o Levante quer fazer, que é renovar os métodos de luta. Acreditamos que a luta que precisamos fazer é uma luta de massas. No entanto, no atual período, uma forma de luta como os escrachos se mostrou de grande valia para criar um impacto público sobre o tema da ditadura. É isso que queremos fazer, renovar os métodos de luta. A gente carece disso na esquerda.

Uma coisa que chamou muita atenção com os escrachos foi a grande participação da juventude nesses atos, algo que até bem pouco tempo não acontecia. Até então, o tema da ditadura não mobilizava a juventude. O que mudou?

Janaita Hartmann: Acho que isso tem muito a ver com a recuperação que o Levante faz da tradição de agitação e propaganda da esquerda. Desde 2008, a gente faz intervenções para lembrar os mortos do massacre de Eldorado de Carajás, com um teatro em lugar público. Então já temos uma história de ações desse tipo. Nós acertamos ao juntar esse trabalho de agitação que a gente já vinha fazendo com um tema da conjuntura que há muito tempo não era resgatado dessa forma, e por uma geração que não passou pela ditadura.

Lauro Duvoisin: Parece que houve uma quebra de continuidade geracional no Brasil. Na Argentina, desde muito tempo há a luta das Madres que se tornou um símbolo continental. No Brasil, embora exista a luta dos familiares, essa luta teve muito menos projeção social do que no caso da Argentina ou do próprio Chile. Então, parece que houve um atraso um pouco maior no Brasil. Mas essa pauta está viva na sociedade e não se esconde a história dessa forma. Isso mostra também que a questão da anistia, tal como foi conduzida pelos militares no final da ditadura, não está resolvida no Brasil.

Lucio Centeno: As intervenções do Levante conseguiram gerar adesões em diferentes setores da sociedade, que até então não estavam se posicionando muito sobre esse tema. A partir dos nossos atos, todo um campo se configurou em defesa dessa bandeira e isolou quem defendia a ocultação da verdade e a manutenção da impunidade. Essa é uma questão muito importante para nós: desenvolver lutas que dê sustentação para um projeto popular para o país.

Esse projeto popular a que vocês se referem é um projeto de poder? Se é, em algum momento, o Levante terá que se colocar a questão do partido. Vocês fazem esse debate, tem a pretensão de, em algum momento, se constituir como partido?

Lauro Duvoisin: A gente acredita que o projeto popular passa, sim, por um projeto de poder. Mas o grande desafio no momento é conseguir retomar as grandes lutas de massa no Brasil para que esse projeto se torne uma necessidade da sociedade. Um projeto de poder não é um projeto de um pequeno grupo ou de uma vanguarda isolada. Ele tem que se precedido de um processo que questione a organização social e a estrutura econômica da sociedade. É com esse espírito que o Levante entra na história. É evidente que os partidos e outras organizações têm uma grande contribuição a dar nesse processo. Mas sem a retomada das mobilizações de massa nenhuma organização conseguirá levar adiante esse projeto.

Considerando a grande participação nos escrachos promovidos pelo Levante e outras mobilizações de juventude, como essa que ocorreu em Porto Alegre recentemente contra a privatização de espaços públicos, parece haver uma ebulição de demandas na juventude que não está encontrando expressão nos partidos de esquerda…

Lucio Centeno: Quando começamos a fazer os escrachos fomos questionados sobre as mobilizações espontâneas da juventude na Europa e nos Estados Unidos. É evidente que são protestos importantes e que expressam uma inconformidade com o sistema, mas, enquanto movimento social, acreditamos que esses processos de mobilização requerem organização. Existe um certo fetiche em torno dessa ideia da capacidade das redes sociais e de novas ferramentas tecnológicas serem grandes atores mobilizadores no próximo período. Consideramos esses atores importantes, mas é imprescindível o processo organizativo na sociedade, que as pessoas tenham uma referência de organização, que não fiquem refém de vontades individuais ou de ativistas que atuam pontualmente.

Lauro Duvoisin: É por isso também que a gente preza a unidade tanto dos movimentos sociais como dos partidos de esquerda. Acreditamos que todas as organizações que tenham referência num projeto de democratização, de ampliação dos direitos, de resgate da liberdade na sociedade e na perspectiva do socialismo, devem fazer um esforço de unidade que hoje, muitas vezes, parece ser um esforço de fragmentação, seja no campo eleitoral, seja em torno de disputas menores e elementos táticos secundários que não são estratégicos. Para isso, é preciso também dar exemplos de unidade. O Levante procura dar esse exemplo.

Como é que o Levante se posiciona frente a períodos eleitorais. Qual foi a posição nestas eleições municipais?

Lauro Duvoisin: A nossa linha é de combate à direita, não só nas eleições, mas em todos os espaços da sociedade.

O que é a direita hoje no Brasil?

Lauro Duvoisin: Existe mais ou menos um consenso sobre o que é a direita no Brasil. Há um bloco político-partidário formado por PSDB, DEM e alguns partidos menores, que aglutina as forças defensoras do projeto neoliberal. Para nós, quem se opõem ao neoliberalismo não é direita. Mas o Levante é um movimento social autônomo que não tem vinculação partidária.

Janaita Hartmann: O Levante nasce da Via Campesina e da Consulta Popular, como uma organização autônoma de jovens. Essas organizações ajudaram a criar o Levante, mas ele é autônomo e passou a ter vida própria, tem uma organicidade própria. Ele permite a presença de militantes que tenham vinculação partidária desde que se respeite a autonomia do movimento.

Quais são os planos do Levante para os próximos meses. O tema da ditadura e da Comissão da Verdade seguirá ocupando um lugar central na agenda do movimento?

Lucio Centeno: O Levante se engaja num conjunto bastante diverso de lutas. Nós nos organizamos a partir de células, grupos de jovens militantes que estão inseridos em algum território, seja uma universidade, um assentamento, um bairro ou uma comunidade. Essa célula tem a tarefa de fazer trabalho de base e estimular as lutas nestes locais procurando mobilizar os jovens destes espaços. Temos uma célula, por exemplo, na região da Cruzeiro, aqui em Porto Alegre, que está sendo atingida pela duplicação da avenida Tronco, que é uma das chamadas obras da Copa.
Nesta região, temos uma atuação prioritariamente voltada para organizar os jovens e suas famílias e pressionar a prefeitura para que garanta o direito à moradia dessas pessoas. É uma luta local, específica, mas que está associada a um projeto mais amplo. Assim, cada célula está envolvida em alguma luta específica. Mas entendemos que há a necessidade de convergência dessas lutas específicas para lutas mais gerais, como essa em defesa da memória, da verdade e da justiça, que terá continuidade, agora juntamente com os comitês populares que se multiplicaram em vários Estados. O Levante não vai atuar isolado neste processo.

Uma segunda pauta que estamos começando a desenvolver é a defesa da construção de um projeto popular de educação. O Brasil sofreu durante muitos anos a implementação de uma educação neoliberal. A partir das gestões do PT tivemos um relativo avanço nesta área, com a criação de novas universidades e escolas técnicas. Em comparação ao paradigma neoliberal foi um avanço, mas em comparação com as demandas históricas da juventude em termos de acesso à educação, ainda há muito que avançar.

Juventude “apolítica” reinventa a política (Envolverde/IPS)

02/7/2013 – 09h20

por Fabiana Frayssinet, da IPS

n11 300x225 Juventude “apolítica” reinventa a política

A estudante Stephany Gonçalves dos Santos escreve seu politizado cartaz. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 2/7/2013 – Com palavras de ordem contra os partidos políticos, as manifestações juvenis no Brasil trazem consigo o paradoxo de uma nova e efetiva forma de fazer política, que consegue respostas concretas dos poderes do Estado. A palavra de ordem nas ruas é “partidos políticos, não”, e a maioria dos manifestantes se declara, com orgulho “apolítica”. “Não tenho nenhum partido”, diz à IPS a estudante Stephany Gonçalves dos Santos.

Como centenas de milhares de estudantes que protestam, convocados por meio das redes sociais, como o Facebook, ela escreve um cartaz para um protesto no Rio de Janeiro, com lápis de cor em uma simples cartolina. E escolhe a frase “Um filho teu não foge à luta”, do hino nacional brasileiro. “Estou aqui por um ideal de país. quero que meu país seja democrático. Mas onde há repressão não há democracia”, argumentou Stephany, referindo-se à dura resposta policial que, longe de aplacar os protestos, estimulou muitos a aderirem a eles.

“O governo quer alienar o povo com o futebol”, acrescentou, ao abordar outro tema de descontentamento: os gastos milionários em instalações para competições esportivas como a Copa das Confederações, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Stephany vive em um país onde diariamente se respira futebol e este é parte de uma cultura popular tão arraigada quanto o carnaval. Mas reclama, indignada, do dinheiro que se deixou de investir em educação e saúde para construir grandes instalações esportivas. “Construíram estádios de primeiro mundo, mas ao redor deles não temos nada. É uma falta de respeito com o povo”, afirmou.

A revolta nasceu de um tema específico: o aumento das passagens de ônibus, serviço já caro e ineficiente. Porém, se estendeu a outras áreas: saúde, educação e a suposta corrupção de muitos dirigentes políticos. “A maioria dos que participam do movimento constitui uma massa de jovens que se sentem muito desgostosos com a atual vida política”, apontou à IPS o especialista político William Gonçalves, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “Eles repudiam a corrupção e a cumplicidade de forças que se apresentam como progressistas com as que são símbolo do atraso”, afirmou, referindo-se a alianças parlamentares forjadas pelos partidos para governarem.

Pelas dimensões e pela diversidade territorial do Brasil e da sua população, nenhum partido pode assegurar a Presidência e a maioria das cadeiras no Congresso. “Desta forma, temos um parlamentarismo disfarçado, já que todos os partidos que chegam à Presidência só podem governar aliando-se a outros que têm a única ambição de obter cargos em troca de apoio parlamentar”, explicou Gonçalves. “Até o Partido dos Trabalhadores é prisioneiro dessa aliança. A saída seria uma reforma política”, acrescentou.

Tal reforma, largamente reclamada, não saía das gavetas oficiais. E, curiosamente, foi o susto diante da “apolítica” ebulição das ruas que conseguiu em poucos dias que esse assunto entrasse na agenda oficial. Os manifestantes também conseguiram reduzir o preço do transporte público, a aprovação em tempo recorde de uma lei que declara a corrupção crime “hediondo” e a votação de outra lei para destinar royalties do petróleo para a saúde e educação.

Isto é ser apolítico? O dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile, acredita que não. “A juventude não é apolítica, pelo contrário. Tanto não é, que levou a política às ruas, mesmo sem ter consciência de seu significado”, afirmou em uma entrevista ao jornal Brasil de Fato. “A juventude está cansada dessa forma de fazer política, burguesa e mercantilista. O mais grave é que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se amoldaram a esses métodos. E, portanto, gerou-se na juventude uma repulsa à forma de atuar dos partidos”, ressaltou.

Para o historiador Marcelo Carreiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “este é um novo dado da história nacional, cujo contexto já era claramente observável no esvaziamento dessas instituições”. Carreiro disse à IPS que “as manifestações confirmam essa caducidade das instituições e mostram, apesar de tudo, que a população pode estar mais politicamente ativa que nunca”.

Os três poderes do Estado tomaram nota e já começam a propor e discutir formas alternativas de incluir a cidadania em mecanismos mais dinâmicos e participativos. A presidente Dilma Rousseff deu um passo nessa direção ao admitir que “estas vozes têm de ser ouvidas” porque “deixaram evidente que superam os mecanismos tradicionais das instituições, dos partidos, das entidades de classe e da própria imprensa”. Uma proposta em debate é estabelecer a consulta popular como instrumento permanente de democracia direta.

Algumas organizações não governamentais propõem, por outro lado, a participação efetiva de diferentes grupos sociais, comunidades e bairros, em decisões sobre onde e como aplicar orçamentos de saúde, educação, infraestrutura, transporte e saneamento. “Tudo o que está acontecendo com estas novas expressões da sociedade em rede – no Brasil e em outros países – aponta para uma reinvenção da política para reinventar a democracia”, opinou Augusto de Franco, diretor da organização Escola de Redes. Os jovens manifestantes atiraram a primeira pedra, e não somente contra a repressão policial.

Bens públicos e violência: notas sobre São Paulo (uninomade.net)

Por Rafael Zanatta, no E-mancipação

14/06/2013

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Voltei terça-feira dos Estados Unidos e me deparei com a velha confusão de São Paulo. Ao olhar a cidade da janela do ônibus que me transportava de Garulhos até o centro, tudo parecia normal. Na minha mente, a maior preocupação era a vigilância de dados pelo governo estadunidense (cf. o texto-chave de Glenn Greenwald ‘NSA Prism program taps in to user data of Apple, Google and others‘). Como estava fora do país, não havia notado o que estava se passando no Brasil em termos de mobilizações sociais. Tampouco desconfiava da organização concertada dos protestos contra o aumento das tarifas dos transportes públicos (cf. ‘Protestos contra aumento da tarifa repercutem na imprensa internacional‘). Foi somente no trabalho que percebi algo estranho. Alguém comentou na Fundação Getulio Vargas: “Será que precisamos avisar que as aulas vão começar mais tarde? O protestou travou a Consolação e o congestionamento está gigantesco”.

De noite, no intervalo de uma aula, fui alertado pelo meu colega Francisco Cruz que a violência havia se alastrado no centro de São Paulo. O protesto – pacífico, alegre e cativante (cf. o relato ‘Contra o aumento das tarifas de ônibus: o protesto que eu não vi pela TV‘, do Bruno Passos) – foi conturbado por uma série de depredações e atos violentos de pequenos grupos. Essas ações, geralmente realizadas por grupos e associações radicais, levaram ao uso desproporcional e ilimitado da violência por parte da Polícia Militar. O cenário, então, virou caótico. As imagens gravadas ontem, e que circularam nas redes sociais hoje, são apavorantes. Um exemplo é o espancamento do jornalista Pedro Ribeiro Nogueira, encurralado e agredido por diversos homens que integram a estrutura burocrática que detém o “uso legítimo da força” em nosso “regime democrático”. Não dê play se você não tiver nervos para encarar a realidade.

O uso desmedido da violência causa indignação para alguns, mas não para todos. A maioria da população paulistana acha que “esses baderneiros devem levar um cacete mesmo”. O paulistano médio apoia a violência policial (e não é à toa que tanto Fernando Haddad quanto Geraldo Alckmin – os dois em Paris negociando a realização de um mega-evento comercial em São Paulo – apelam para o discurso de que é preciso mais repressão). Dizer publicamente que os vândalos devem ser punidos é o mecanismo mais fácil para ganhar capital político.

O posicionamento reacionário é o senso comum. É um absurdo (mas como reverter a fabricação de consensos e a manipulação das massas?). Além de ignorarem o fato de que o pequeno grupo radical não faz parte doMovimento Passe Livre, consideram plenamente normal que diversos homens investidos em uma estrutura burocrática estatal possam utilizar da força para deixar uma pessoa inconsciente, algemá-la, colocá-la em um camburão, conduzi-la até uma delegacia e prendê-la. Para muitos, a violência de terça-feira foi basicamente o quebra-quebra de estações de metrô, bancas de jornal e pixações de locais públicos.

Mas a dimensão da violência não é outra?

Como bem colocou minha caríssima Silvia Horta, “violência é aquela diariamente praticada contra a dignidade dos trabalhadores que dependem de um transporte caro e ineficiente pra se deslocar; dano ao ‘patrimônio público’ são os milhões anualmente surrupiados do povo para manter o monopólio das empresas de transporte coletivo“. Aí está a violência, uma violência sistêmica que é nutrida pelo capitalismo-dependente brasileiro e pela deformação das instituições, que talvez já nasceram deformadas pela condição colonial e patrimonialista deste país. A revolta não é contra a correção inflacionária das tarifas, mas sim contra todo a teia de relações político-econômicas que sustentam um sistema de apropriação das rendas do povo sem uma contra-prestação eficaz de serviços estatais.

Ressalto mais uma vez esse ponto. O protesto do Movimento Passe Livre não está brigando por 20 centavos. A questão não é somente a correção das tarifas de transporte – algo que, em um raciocínio típico de economista, faria sentido considerando a inflação e o congelamento do valor do transporte há algum tempo em São Paulo. A passeata e a revolta estão direcionados a elementos mais amplos (cf. ‘Protestos vão muito além de R$0,20‘, de Orlando Pedroso).

O tumulto e os protestos, reprimidos de forma violenta pela Polícia Militar, atacam justamente a violência sistêmica brasileira, sendo o trânsito das metrópoles apenas um exemplo. Trata-se de uma violência que, segundo o argumento de Bruno Cava, foi arquitetada para funcionar assim (cf. ‘O sistema de transporte é mais violento do que a polícia‘).

O ponto central dos protestos contra o aumento das tarifas talvez seja que eles vão muito além de reivindicações por reduções nos preços das passagens. Ele canaliza uma série de frustrações e rebeldias contra o “Estado de Direito” brasileiro, contra a falácia da democracia e a precarização da vida no século 21, consequência das reestruturações do capitalismo em escala global – um capitalismo baseado em “cidades competitivas”, que acumulam riquezas e aprofundam desigualdades.

Qual a alternativa então?

Não há caminho fácil ou simplista. O que nos resta é aprofundar a experiência democrática com mais protestos, debates e articulações. Nesse sentido, o movimento de ir às ruas gritar por um transporte de qualidade deve ser apoiado por todos os indignados brasileiros. Trata-se de quebrar a docilidade dos corpos e as pedagogias dos afetos (tristes) e ir para o tumulto, onde a voz de um não é somente a voz de um, mas a voz de um todo, de uma luta comum. Não se trata de um incentivo à baderna. É uma práxis política. Precisamos repensar, tal como propõe Murilo Duarte Corrêa, o significado dos corpos rebeldes e da liberdade (cf. ‘Notas sobre a revolta profunda dos corpos‘).

Não proponho aqui nada de inovador, apenas que encaremos os protestos de São Paulo com outros olhos, enxergando a verdadeira violência política que se exerce de modo obscuro. Subverter o discurso raso do Estado de Direito e, em um exercício crítico, seguir o conselho político de Michel Foucault. O alerta de décadas atrás é extremamente válido: a verdadeira tarefa política é a de criticar o jogo das instituições aparentemente neutras e independentes; criticá-las e a de atacá-las de tal maneira que a violência política que se exercia obscuramente nelas seja desmascarada e que se possa lutar contra elas.

Voltei terça-feira dos Estados Unidos e me deparei com a velha confusão de São Paulo. Ao olhar a cidade da janela do ônibus que me transportava de Garulhos até o centro, tudo parecia normal. Na minha mente, a maior preocupação era a vigilância de dados pelo governo estadunidense (cf. o texto-chave de Glenn Greenwald ‘NSA Prism program taps in to user data of Apple, Google and others‘). Como estava fora do país, não havia notado o que estava se passando no Brasil em termos de mobilizações sociais. Tampouco desconfiava da organização concertada dos protestos contra o aumento das tarifas dos transportes públicos (cf. ‘Protestos contra aumento da tarifa repercutem na imprensa internacional‘). Foi somente no trabalho que percebi algo estranho. Alguém comentou na Fundação Getulio Vargas: “Será que precisamos avisar que as aulas vão começar mais tarde? O protestou travou a Consolação e o congestionamento está gigantesco”.

De noite, no intervalo de uma aula, fui alertado pelo meu colega Francisco Cruz que a violência havia se alastrado no centro de São Paulo. O protesto – pacífico, alegre e cativante (cf. o relato ‘Contra o aumento das tarifas de ônibus: o protesto que eu não vi pela TV‘, do Bruno Passos) – foi conturbado por uma série de depredações e atos violentos de pequenos grupos. Essas ações, geralmente realizadas por grupos e associações radicais, levaram ao uso desproporcional e ilimitado da violência por parte da Polícia Militar. O cenário, então, virou caótico. As imagens gravadas ontem, e que circularam nas redes sociais hoje, são apavorantes. Um exemplo é o espancamento do jornalista Pedro Ribeiro Nogueira, encurralado e agredido por diversos homens que integram a estrutura burocrática que detém o “uso legítimo da força” em nosso “regime democrático”. Não dê play se você não tiver nervos para encarar a realidade.

O uso desmedido da violência causa indignação para alguns, mas não para todos. A maioria da população paulistana acha que “esses baderneiros devem levar um cacete mesmo”. O paulistano médio apoia a violência policial (e não é à toa que tanto Fernando Haddad quanto Geraldo Alckmin – os dois em Paris negociando a realização de um mega-evento comercial em São Paulo – apelam para o discurso de que é preciso mais repressão). Dizer publicamente que os vândalos devem ser punidos é o mecanismo mais fácil para ganhar capital político.

O posicionamento reacionário é o senso comum. É um absurdo (mas como reverter a fabricação de consensos e a manipulação das massas?). Além de ignorarem o fato de que o pequeno grupo radical não faz parte doMovimento Passe Livre, consideram plenamente normal que diversos homens investidos em uma estrutura burocrática estatal possam utilizar da força para deixar uma pessoa inconsciente, algemá-la, colocá-la em um camburão, conduzi-la até uma delegacia e prendê-la. Para muitos, a violência de terça-feira foi basicamente o quebra-quebra de estações de metrô, bancas de jornal e pixações de locais públicos.

Mas a dimensão da violência não é outra?

Como bem colocou minha caríssima Silvia Horta, “violência é aquela diariamente praticada contra a dignidade dos trabalhadores que dependem de um transporte caro e ineficiente pra se deslocar; dano ao ‘patrimônio público’ são os milhões anualmente surrupiados do povo para manter o monopólio das empresas de transporte coletivo“. Aí está a violência, uma violência sistêmica que é nutrida pelo capitalismo-dependente brasileiro e pela deformação das instituições, que talvez já nasceram deformadas pela condição colonial e patrimonialista deste país. A revolta não é contra a correção inflacionária das tarifas, mas sim contra todo a teia de relações político-econômicas que sustentam um sistema de apropriação das rendas do povo sem uma contra-prestação eficaz de serviços estatais.

Ressalto mais uma vez esse ponto. O protesto do Movimento Passe Livre não está brigando por 20 centavos. A questão não é somente a correção das tarifas de transporte – algo que, em um raciocínio típico de economista, faria sentido considerando a inflação e o congelamento do valor do transporte há algum tempo em São Paulo. A passeata e a revolta estão direcionados a elementos mais amplos (cf. ‘Protestos vão muito além de R$0,20‘, de Orlando Pedroso).

O tumulto e os protestos, reprimidos de forma violenta pela Polícia Militar, atacam justamente a violência sistêmica brasileira, sendo o trânsito das metrópoles apenas um exemplo. Trata-se de uma violência que, segundo o argumento de Bruno Cava, foi arquitetada para funcionar assim (cf. ‘O sistema de transporte é mais violento do que a polícia‘).

O ponto central dos protestos contra o aumento das tarifas talvez seja que eles vão muito além de reivindicações por reduções nos preços das passagens. Ele canaliza uma série de frustrações e rebeldias contra o “Estado de Direito” brasileiro, contra a falácia da democracia e a precarização da vida no século 21, consequência das reestruturações do capitalismo em escala global – um capitalismo baseado em “cidades competitivas”, que acumulam riquezas e aprofundam desigualdades.

Qual a alternativa então?

Não há caminho fácil ou simplista. O que nos resta é aprofundar a experiência democrática com mais protestos, debates e articulações. Nesse sentido, o movimento de ir às ruas gritar por um transporte de qualidade deve ser apoiado por todos os indignados brasileiros. Trata-se de quebrar a docilidade dos corpos e as pedagogias dos afetos (tristes) e ir para o tumulto, onde a voz de um não é somente a voz de um, mas a voz de um todo, de uma luta comum. Não se trata de um incentivo à baderna. É uma práxis política. Precisamos repensar, tal como propõe Murilo Duarte Corrêa, o significado dos corpos rebeldes e da liberdade (cf. ‘Notas sobre a revolta profunda dos corpos‘).

Não proponho aqui nada de inovador, apenas que encaremos os protestos de São Paulo com outros olhos, enxergando a verdadeira violência política que se exerce de modo obscuro. Subverter o discurso raso do Estado de Direito e, em um exercício crítico, seguir o conselho político de Michel Foucault. O alerta de décadas atrás é extremamente válido: a verdadeira tarefa política é a de criticar o jogo das instituições aparentemente neutras e independentes; criticá-las e a de atacá-las de tal maneira que a violência política que se exercia obscuramente nelas seja desmascarada e que se possa lutar contra elas.

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Eliane Brum: “Quanto valem 20 centavos?” (Revista Época)

17/06/2013 10h01

O que une os manifestantes de São Paulo é o movimento: o ato literal e simbólico de romper o imobilismo da cidade parada e andar

ELIANE BRUM

Vinte centavos não são vinte centavos. Vinte centavos tornaram-se ao mesmo tempo estopim e símbolo de um movimento tão grávido de possibilidades que foi reprimido a balas de borracha, a bombas de gás lacrimogêneo e também a golpes de caneta. O que começou com o aumento da passagem do ônibus, se alargou, se metamorfoseou e virou um grito coletivo que tomou a Avenida Paulista e ecoou nas ruas do Brasil. O que há de tão ameaçador nestes 20 centavos, a ponto de fazer com que governos da democracia protagonizem cenas da ditadura, é talvez algo que se acreditava morto por aqui: utopia. A notícia perigosa anunciada pelas ruas, a novidade que o Estado tentou esmagar com os cascos dos cavalos da polícia paulista, é que, enfim, estamos vivos.

A multidão que tomou as ruas de São Paulo, ecoando o que já vinha acontecendo em outras cidades do Brasil, está longe de ser homogênea. Há grupos organizados – e alguns deles acreditam que a depredação é um ato legítimo de defesa, diante da violência sistemática praticada pelo Estado e pelo capital –, há partidos políticos de esquerda e há uma massa de pessoas, a maioria jovens, que aderiram movidas por suas próprias aspirações. O que une “os vários movimentos dentro de um” são os 20 centavos. Mas os 20 centavos deixaram de ser 20 centavos para se tornar expressão de um descontentamento difuso, mas nem por isso menos profundo. Uma decepção com a vida que se vive e um anseio por sentido.

As manifestações de rua são talvez a melhor notícia da democracia, a prova maior de sua vitalidade, mas elas expressam o sentimento de que os políticos que aí estão, os partidos que aí estão, a concepção de mundo, de país e de política que eles representam, já não representam um número crescente de pessoas. Especialmente os jovens pós-internet, mas não só. Contra aquilo que não se entende, mas que ameaça o poder estabelecido, joga-se a polícia. O que se viu na quinta-feira (13/6) foram cenas que lembravam a ditadura militar. Mas as semelhanças acabam aí. A demonstração de força era a expressão de uma fragilidade com a marca deste tempo histórico, do hoje.

A prova mais eloquente, talvez, se revela nas frases postadas pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) no Twitter. Para qualquer pessoa que seguisse o governador e também pessoas que estavam na manifestação, a narrativa simultânea do momento era extremamente reveladora. Reproduzo aqui a sequência de frases de 140 hectares de Alckmin e frases de diferentes manifestantes ou jornalistas que cobriam a manifestação, postadas ao mesmo tempo que as do governador. Todos estão identificadas com nome e sobrenome no Twitter, mas, depois do que vi na quinta-feira, por precaução, eu prefiro chamá-los aqui apenas de @manifestantes:

“@GeraldoAlckmin O direito à livre manifestação é um princípio basilar da democracia. Assim como o direito de ir e vir e a preservação do patrimônio público/@manifestante: Praça enchendo em paz… bonito/ @GeraldoAlckmin Depredação, violência e obstrução de vias públicas não são aceitáveis. O Governo de São Paulo não vai tolerar vandalismo/@manifestante: Repressão brutal, pessoas desesperadas, moradores com crianças correndo. Se o Haddad compactuar com isso é o fim definitivo do PT!! /@GeraldoAlckmin Participei hoje, em Santos, da comemoração aos 250 anos do nascimento de José Bonifácio Andrada e Silva, o patriarca da independência/@manifestante: Ônibus pegando fogo na Augusta. Milhares correndo, descendo a rua pedindo paz. PM segue com bombas. Motoristas encurralados por gás/@GeraldoAlckmin Ainda em Santos inaugurei nova delegacia de polícia do Porto de Santos, que ano passado recebeu 1.1 milhão de turistas /@manifestante: Tentei sair. Eles atiraram na minha frente. Virei, atiraram atrás. Fiquei cega, entrei num motel. Consegui me recompor/@GeraldoAlckmin No Guarujá inaugurei o novo Hospital Emílio Ribas e anunciei a implantação do Restaurante Bom Prato/@manifestante: Pra dispersar, faz sentido jogar uma bomba no começo, uma no fim? Fiquei presa entre duas bombas de gás. Muita gente machucada/@GeraldoAlckmin Para Cubatão liberamos R$ 21,5 milhões para construir 800 apartamentos e mais 1.448 apartamentos para Santos que receberá mais uma Etec/@manifestante: Eu nunca vi nada parecido. Muita gente ‘refugiada’ no hotel, sangrando/@GeraldoAlckmin Estive também em São Vicente p/ autorizar a recuperação da belíssima Ponte Pênsil, a construção de 1.120 moradias e a implantação da 2ª ETEC/ @manifestante: Augusta em chamas”.

O governador despediu-se no Twitter, na noite que já está assinalada na história de São Paulo, a maior cidade do país, como uma das mais violentas desde a volta da democracia, com a seguinte frase: “@GeraldoAlckmin Parabéns a toda a população de Guaratinguetá pelos 383 anos da cidade. Boa noite a todos!”.

A frase fala por si. A simultaneidade de realidades também. Se alguém quiser documentar essa noite histórica num livro/e-book, a melhor expressão me parece ser a reprodução das narrativas simultâneas do governador e de alguns narradores que estavam na manifestação. O mesmo vale para quem estiver sem tema para uma tese de doutorado. É um retrato do momento, que abre uma rica paleta de possibilidades de análise e de interpretação.

O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), não se manifestou diretamente nas redes sociais na noite de quinta-feira. Mas sua ausência, em vários sentidos, esteve bem presente. Tão logo ficou claro que a violência policial era condenada até mesmo por aqueles que antes a haviam pedido em letras garrafais, o prefeito passou a se esforçar para se descolar do governador. Assim como o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que, se hoje critica a ação da polícia paulista, antes de os ventos mudarem tinha se apressado a oferecer apoio “no que for necessário” ao governo de São Paulo. Desta vez, PSDB e PT estiveram unidos pela incompreensão do momento histórico que vivem, atarantados diante da força das ruas e de uma linguagem que não dominam, nem sequer entendem.

Quando Alckmin só consegue enxergar “vândalos” e “baderneiros”, é o que não enxerga que aparece. Quando Haddad tenta se amparar no discurso de que o aumento do preço do transporte público foi abaixo da inflação, é a sua dificuldade de compreender o discurso novo das ruas que se torna explícita. Não é mesmo fácil ser político neste momento histórico em que as ruas nas quais os movimentos se iniciam não têm mais chão. Desorientados diante da novidade, alguns quadros e militantes do PT têm repetido que é preciso resgatar bandeiras históricas do partido que se forjou nas ruas, mas agora se descobre apartado delas. Se isso já se torna cada vez mais difícil, dada as posições retrógradas do governo de Dilma Rousseff, é preciso perceber que essas bandeiras perdidas são do século XX. Ainda que as reivindicações estruturais, de fundo, permaneçam, algumas delas com suas raízes no Brasil Colônia, elas foram acrescidas de novos desafios e nuances e de uma forma inteiramente diferente de se relacionar com o mundo. O que está em jogo hoje são bandeiras do século XXI, em que até o conceito de bandeira já não é mais o mesmo.

A avassaladora velocidade das mudanças nos deixa a todos perplexos. E também a imprensa, que vive um momento delicadíssimo. A cobertura ao vivo das TVs era acompanhada por quem estava no Twitter, mas já com uma leitura crítica. E com a comparação imediata do que era dito pelos apresentadores com a narrativa polifônica, em primeira pessoa, feita pelos manifestantes que estavam no centro dos acontecimentos. Em seguida, o relato de quem testemunhava o protesto nas ruas era comentado e replicado pelos manifestantes que não estavam nas ruas, mas também se manifestavam. E não só em São Paulo, mas no Brasil e também fora do país.

Quem tanto ironiza os “ativistas de sofá” precisa começar a entender que as fronteiras entre as ruas já não existem – ou pelo menos exigem outro tipo de interpretação. Mesmo jornalistas que estavam cobrindo o protesto para seus veículos, fizeram seu relato em tempo real no Twitter e no Facebook – e alguns escreveram artigos independentes depois. Para compreender melhor esse aspecto da manifestação de quinta-feira, sugiro a leitura da ótima análise de Fabio Malini, professor da Universidade Federal do Espírito Santo e coordenador do Laboratório de Estudos em Internet e Cultura (Labic) – aqui.

Os 20 centavos se alargam, sua teia de significados ganha dimensões cada vez maiores, superando qualquer fronteira física ou virtual. A violência da polícia paulista motivou a reação de outras camadas da população e de outras faixas etárias, levando novas adesões ao movimento. O que se vê nas redes agora é a soma daqueles que dizem ser preciso lutar pela democracia e pela liberdade de protestar. Esse sentimento é demonstrado nas quatro frases do Twitter mais republicadas, segundo a análise do professor Fabio Malini: “@LeoRossatto A tarifa virou a menor das questões agora. Os próximos protestos precisam ser, antes de tudo, pela liberdade de protestar/ @choracuica Não é mais sobre a tarifa. F…-se a tarifa. Isso ficou muito maior que a questão da tarifa/@gaiapassarelli Há algo grande acontecendo e é menos sobre aumento de tarifa e mais sobre tomar posição. Todo mundo deveria prestar atenção/ @tavasconcellos Não é mais uma discussão sobre tarifa. Transporte. Baderna. Sobre nada disso. É sobre o direito de se manifestar por qualquer causa”.

Tenho recebido e-mails de amigos e também de desconhecidos. Edson Natale, músico e produtor cultural, mandou o seguinte texto para o seu mailing, do qual também faço parte: “Vou pra rua na segunda (17/6). E vou porque acho que devo cuidar da rua e porque o Brasil não é só a rua por onde ando. Vou pra rua por minhas crenças e pelas crenças dos filhos: dos meus filhos e dos filhos dos outros. Não é muita coisa ir pra rua, mas não quero perder o direito de ir, quando quiser. Não tenho partido, nem religião, mas acredito sobretudo na vida, nas pessoas e no futuro, por exemplo. Tenho 51 anos e poderei (tentar) ajudar a evitar a violência ou a quebradeira, seja lá de quem for. Estarei lá para mostrar que não tenho gostado dos conchavos, das negociatas, das simulações e das dissimulações que têm acontecido tão intensamente nos bairros, cidades e estados; nas florestas, litorais e sertão, independentemente dos partidos responsáveis por elas. Tenho 51 anos e digo – com maturidade – que é preciso ir para a rua e levar as nossas crenças para passear um pouco e encontrar-se com outras crenças, diferenças e verdades. Acho que é assim que se faz um País e eu tinha me esquecido disso. Por isso agradeço aos que ocuparam as ruas antes de mim e por mim. E antes que alguém diga, ressalto que não vou para a rua defender partidos políticos, violência, quebradeira ou ódio… nem para impor a ‘minha’ verdade. E dessa forma encerro aqui o meu convite: vamos?”.

É possível que seja de qualificação do desejo que esse movimento fale. Talvez seja esta a única coesão entre tantos anseios diferentes, organizados ou não. O sentimento de que essa vida é pouca, de que essa política pautada mais pela reprodução das relações de poder do que por ideias de um Brasil melhor já não motiva ninguém. Em São Paulo, mais do qualquer uma das outras capitais que também se levantaram e se levantam, a questão do transporte explicita todo esse desencanto. É muito simbólico que Alckmin e sua polícia tenham frisado tanto que defendiam “o direito de ir e vir” dos cidadãos, como se cidadãos também não fossem aqueles que se manifestavam. Mas o mais irônico dessa justificativa para a repressão é que “ir e vir” é o que não se consegue fazer em São Paulo, imobilizados em ônibus e carros no trânsito parado, uma oposição já cristalizada na linguagem. Talvez o que una os manifestantes tão diferentes de São Paulo seja o movimento – o ato mesmo de literalmente romper o imobilismo e se mover. A maior transgressão é andar – e por isso era também crucial andar na imensamente simbólica Avenida Paulista. Pessoas, não carros, não ônibus 20 centavos mais caros. Não mais como zumbis sustentando uma vida insustentável em passos claudicantes e limitados, mas como pessoas no movimento desejante em busca de uma vida que faça mais sentido.

Vinte centavos talvez sejam o tanto de morte que uma vida humana já não pode suportar. Em São Paulo, mas também em Porto Alegre, no Rio, em Brasília, em várias cidades e capitais. Assim como em outras partes do mundo – antes, agora, possivelmente depois –, em cada uma delas com contextos, peculiaridades e rostos próprios, mas com algo em comum que é possível reconhecer. Algo que revela de um mundo que apodrece, de um modo de vida que já não dá conta da vida.

Talvez quem melhor tenha sintetizado os protestos que hoje tomam conta do Brasil tenha sido um velho, o escritor uruguaio Eduardo Galeano, em outro canto do mundo, quase dois anos atrás. Ao falar aos jovens que tomaram as ruas de cidades da Espanha como Barcelona e Madri, ele disse uma frase que se disseminou pela internet, traduzida para várias línguas: “Este mundo de merda está grávido de outro”.

Tomara que esteja. E que tenhamos a grandeza de sonhar com um mundo em que exista espaço para a vida.

Bem-vindos ao mundo dos adultos. Ou não? (Canal Ibase)

http://www.canalibase.org.br/bem-vindos-ao-mundo-dos-adultos-ou-nao/

11/03/2013

Renzo Taddei
Colunista do Canal Ibase

O texto abaixo é uma reflexão sobre o que significa hoje, em face às crises globais –  política, econômica e ambiental -, atravessar a fronteira que separa o mundo dos jovens do dos adultos. Foi escrito por ocasião de minha indicação a paraninfo da turma de formandos do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e lido em cerimônia de colação de grau, no dia 2 de março de 2013. O texto, no entanto, fala não apenas aos graduandos da referida turma, mas a todos os jovens que se acham de alguma forma interpelados pelas exigências do mundo adulto, interpelação esta que se dá na forma de pressão para que tais jovens se conformem e se adequem às estruturas e formas de organização social existentes. Por essa razão, decidi reproduzi-lo nesta coluna. O texto foi mantido tal qual foi apresentado.

 

Foto: adam.declercq/Flickr

Inicialmente não posso deixar de agradecer a minha indicação a paraninfo da turma, coisa que verdadeiramente me emocionou. Essa é a primeira vez que isso me acontece. E como seria de se esperar de um paraninfo de primeira viagem, fui pesquisar do que se trata. A rigor, o paraninfo é um padrinho ligado à identidade profissional dos formandos, alguém de quem se espera que diga algo no rito de passagem da formatura que seja ao mesmo tempo uma última aula – mas não exatamente, porque nesse momento vocês não são mais estudantes -, e que seja também o primeiro conselho profissional – mas não exatamente, porque nesse momento vocês ainda não estão formados. Vocês estão, nesse exato instante, em processo de transformação. Entraram nesse auditório como estudantes, e vão sair como bacharéis. Por isso a colação de grau é um rito de passagem: vocês saem diferentes do que entram, alguma coisa se transforma no processo. Nesse meu discurso, quero falar um pouco sobre isso que muda, que se transforma. E como isso se transforma, em que direção, pra onde vai.

Alguns de vocês certamente devem estar se perguntado se eu não vou simplesmente congratular os formandos e dizer que o Brasil precisa deles, que se esforcem para fazer desse um país melhor, que agora eles tem uma responsabilidade para com a sociedade, etc.– o discurso padrão, pré-formatado, disponível na Internet. Pois é, não vou. Isso seria perder o tempo de vocês e o meu. Se vocês me elegeram paraninfo – eu, que não sou jornalista, publicitário, editor, produtor, diretor, apresentador ou locutor; eu, que nem sequer sou professor das habilitações profissionais da Escola de Comunicação, mas ao invés disso sou um humilde professor de disciplina do ciclo básico, antropologia -, alguma razão deve haver. Nem que ela seja apenas certo gosto por viver perigosamente (dado que quem teve aula comigo sabe que eu tenho certa tendência a ser provocador e subversivo).

De qualquer forma, não posso evitar certo ponto de vista antropológico. Então, gostaria inicialmente de dizer que vocês são privilegiados. Já foram mais longe do que o Bill Gates e o Steve Jobs – ambos abandonaram os estudos universitários, e, portanto, não viveram esse rito de passagem que vocês vivem aqui hoje. Mas obviamente não é disso que quero falar. De certa forma, se há uma equivalência ou continuidade entre esse rito de passagem, a graduação universitária, e os ritos de passagem vividos por outras coletividades e grupos sociais, essa equivalência existe nos rituais nos quais um indivíduo passa a desempenhar, de forma integral, papéis de adulto. Esses são tradicionalmente chamados ritos de puberdade. “Mas a puberdade já passou faz tempo!”, vocês me dirão. Pois é aí mesmo onde reside o privilégio: entre deixar de ser criança e passar à condição de adulto, de forma integral, nossa civilização criou a adolescência, esse período que não acaba nunca, e onde tudo é mal definido, esquisito, tudo está de alguma forma fora do lugar, sem que se saiba exatamente o porquê. Em geral, a adolescência não existe nas culturas não ocidentais, e não existia no mundo ocidental até por volta da década de 1880. Na visão de muitos povos não ocidentais, o que nós ocidentais fazemos é infantilizar os indivíduos por quase uma década, e depois exigimos maturidade, como se ela surgisse num passe de mágica. Mas sabemos que as coisas entre nós não se dão exatamente dessa forma.

Ou seja, se vocês fossem índios – isto é, se não forem; quem sabe alguém aqui seja – já teriam passado pelo ritual que faz de alguém um adulto há muito tempo. Como vocês podem ver, não há qualquer relação entre ser adulto, no sentido que estou usando aqui, e uma determinada idade cronológica. Em algumas sociedades pode-se ganhar o status de adulto aos 7 anos; em outras,  como no mundo acadêmico em que eu vivo, por exemplo, a cidadania integral só se consegue com a obtenção do título de doutor, e a vida adulta raramente começa antes dos 30 anos. Tomemos então o conceito de adulto como equivalente a estar integrado de forma plena à ordem social vigente, às instituições centrais do meio social em que o indivíduo vive.

Voltando ao rito de passagem, um rito que funcione como tal não é apenas uma formalidade. Ele opera uma certa mágica, algo que efetivamente transforma quem por ele passa. A famosa frase “eu vos declaro marido e mulher”, ou a temida “eu declaro o réu culpado”, tem o poder de operar uma transformação real na identidade do sujeito; transformação que não ocorreria sem a existência do rito. Infelizmente, grande parte dos nossos ritos se burocratizou. O que os exemplos antropológicos mostram é que os ritos de passagem mais eficazes são aqueles em que o simbolismo associado à transformação da identidade é vivido materialmente, através de objetos capazes de grande mobilização emocional – como a hóstia, as alianças, o anel de formatura, o diploma, os trajes especiais -, e mais ainda quando essa materialidade é vivida no corpo – como as distintas formas de circuncisão, as escarificações (a produção de cicatrizes), tatuagens específicas, o corte dos cabelos, os estados de transe e outras práticas que envolvem alguma forma de dor. Numa conhecida prática que é parte do ritual de puberdade dos índios Maués e de outras tribos amazônicas, por exemplo, os jovens são levados a inserir uma das mãos em uma luva cheia de formigas tucandeiras, e devem suportar, por 15 minutos, a dor das ferroadas. Em nossa sociedade há muitos rituais que deixam marcas no corpo e que envolvem sofrimento: sem mencionar o “pede pra sair” do Capitão Nascimento, outro exemplo talvez igualmente chocante – pra quem não é da nossa tribo, obviamente – é o fato de que muita gente acha que antes de aparecer nas fotos de celebrações como essa, é preciso deformar o corpo de alguma forma: suando muito nas academias, submetendo-se a dietas alimentares agressivas, e até a cirurgias plásticas. Perto disso tudo, a monografia de graduação parece moleza.

Mas qual a necessidade disso tudo? Por que a transição à vida adulta não ocorre de forma gradual, sem que um ritual marque o momento, produzindo uma singularidade no transcorrer da vida que desordena e reordena as coisas? Num texto publicado há alguns anos no Brasil, Levi-Strauss narra e analisa um fato ocorrido na cidade de Dijon, França, no ano de 1951, que pode nos ajudar a entender essa questão. Mais precisamente no dia 24 de dezembro daquele ano, padres promoveram o enforcamento da figura do Papai Noel, que posteriormente foi queimado, em frente à catedral da cidade. A acusação: paganizar o Natal. No dia seguinte, o velhinho foi ressuscitado pela prefeitura da cidade, e apareceu no topo do prédio do governo municipal, falando às crianças, como fazia tradicionalmente. Essa sequência de eventos naturalmente gerou um intenso debate, que se espalhou por toda a França. Na opinião de Levi-Strauss, no entanto, mais importante do que discutir se se deve dar cabo ou não do Papai Noel, ou porque as crianças gostam tanto dele, é tentar entender por que é que os adultos o criaram, em primeiro lugar. Afinal, o Papai Noel não é invenção das crianças; estas são levadas a acreditar nele, por influência direta dos adultos. A resposta é bastante óbvia: o Papai Noel é um instrumento através do qual os adultos exercem controle sobre as crianças. “Só ganha presente quem se comportar bem, deitar-se quando mandado, comer tudo”. Levi-Strauss segue adiante para mostrar que os dados antropológicos são abundantes em relação ao fato de que os adultos temem as crianças, ou os não-ainda-plenamente-adultos.

E por que é que os adultos temem as crianças e os jovens, os não-ainda-plenamente-adultos? Porque esses têm o poder de bagunçar a vida adulta, desorganizar a ordem estabelecida, são subversivos por natureza – e, em muitas tradições, inclusive a nossa, isso literalmente é entendido como uma questão de natureza, em oposição à sociedade: as crianças são parte do mundo da natureza, mundo esse que é ao mesmo tempo uma ameaça ao mundo social, essencialmente dos adultos (e, frequentemente, dos homens), e precisa ser conquistado por este. Esse medo resulta na criação de personagens como o Papai Noel e o bicho papão, apenas para mencionar dois exemplos mais familiares; resulta também na necessidade de submeter os ainda-não-adultos a ritos de passagem psicologicamente intensos, de modo a construir, através do rito, um novo adulto, desnaturalizado e socializado.

E aqui estamos chegando ao que interessa. O que eu acabo de dizer é que todo ritual tem um duplo efeito: por um lado, transforma a identidade de quem passa por ele, de modo que o indivíduo interiorize os valores da sociedade e localize-se, de forma produtiva, nela; por outro, o ritual promove a ratificação dos poderes instituídos, o reforço das estruturas de poder, do status quo. Nesse mesmo ritual que vivemos aqui, no momento em que cada um de vocês ganha a credencial de bacharel, renova-se a sacralidade da universidade enquanto poder instituído legitimamente, com autoridade para traçar a linha dos que têm e dos que não têm acesso aos privilégios trazidos por tal credencial. Renova-se também a sacralidade da autoridade dos professores – vejam só como estamos em posições espaciais diferentes aqui hoje, vocês mais embaixo, os professores mais acima, vocês aqui para receber algo, os professores para dar algo. O mesmo ocorre num tribunal, em uma cerimônia de casamento ou em um batismo: ao mesmo tempo em que alguém é condenado ou absolvido, ou casado, ou batizado, é reforçado o poder do Estado ou da instituição religiosa.

Até aqui, tudo certo: não é difícil encontrar livro de introdução à antropologia que diga, ou pelo menos dê a entender, que as sociedades sempre se organizaram dessa forma, de modo que esse é um fato da realidade. O problema é que, na minha visão, isso existe em contradição com a ideia, tão repetida em discursos de paraninfo mundo afora, de que os formandos devem contribuir na construção de um mundo melhor. Trata-se de um problema de incompatibilidade entre forma e conteúdo: falar em mudanças, ou seja, na construção de um mundo melhor, num ritual que promove a reprodução das coisas como elas são, que coopta mentes e corações jovens e os coloca no centro das estruturas sociais que criaram e mantém em funcionamento o mundo que se pretende mudar. Talvez, se vivêssemos em um mundo com problemas menores, precisando de pequenas reformas aqui e ali, mas no qual o estado geral da vida fosse o de plenitude e alegria, esse fosse o caso.

Mas não há nada mais radicalmente oposto à realidade na qual nos encontramos. O mundo não precisa de pequenas reformas; os problemas da atualidade são estruturais e profundos. Aproveitando que estamos aqui, no Centro de Tecnologia, coração da engenharia da UFRJ, eu diria que, se perguntarmos a um engenheiro civil o que se deve fazer com um edifício com problemas estruturais profundos, ele diria: é preciso demolir o edifício, e fazer outro, sobre base mais sólida, com estrutura mais adequada. Mas quais são esses problemas, tão sérios, no mundo em que vivemos? Eu certamente não precisaria (nem conseguiria, se quisesse) listar os problemas que temos diante de nós, dado o fato de que vocês talvez estejam entre as pessoas mais bem informadas do planeta. Mas permitam-me citar apenas alguns, de modo a colocar recheio no argumento que estou construindo aqui. O mundo vive, já há cinco anos, uma crise econômica global sem precedentes, crise na qual ficou claro o quanto os Estados nacionais funcionam para manter o mercado mundial em funcionamento, atendendo a interesses das grandes corporações, e em detrimento de suas próprias populações (basta analisar a relação entre governos, bancos e a população, em países como os Estados Unidos, Inglaterra, Itália e Espanha, para se ver isso com clareza; ou a relação entre governos, empreiteiras, mineradoras e a população, no caso do Brasil).

Além disso, o mundo vive há pelo menos trinta anos uma crise ambiental sem precedentes, e continuamos ouvindo dos governos americano e chinês a mensagem de que sua produção econômica no curto prazo é mais importante do que a vida no planeta no futuro. Isso dá certo alívio ao governo brasileiro, que pode apenas entrar no vácuo dos gigantes americano e chinês, sem ter que declarar explicitamente que tem a mesma posição. Ao mesmo tempo, vemos grande parte da Europa trabalhando na transição de suas matrizes energéticas em direção a fontes de energia que não agridem os ecossistemas locais (como a energia solar; detalhe que não estou falando de energias supostamente “limpas”, mas das que não agridem os ecossistemas. As hidrelétricas, por exemplo, não apenas são grandes agressoras dos ecossistemas, como alimentam a perversão política que é o papel das grandes empreiteiras no financiamento das campanhas políticas nesse país); enquanto isso o Brasil trabalha para tornar-se o sexto maior produtor de petróleo do mundo! Nada como ser capaz de mobilizar um time excelente de publicitários para ser capaz de andar na contramão do bom senso e ainda ter apoio popular. E some-se a isso tudo o fato de que no Brasil, os 20% mais ricos detém 60% de toda a riqueza nacional; metade da população economicamente ativa, mais de 50 milhões de pessoas, trabalha de sol a sol para o enriquecimento de duas ou três centenas de famílias.

E eu nem mencionei a política. Alguém acha que as estruturas políticas brasileiras funcionam bem? Ninguém sabe, porque ninguém sabe como elas funcionam!

Enfim, esse é o mundo dos adultos em que vocês são, agora, admitidos de forma integral. Não é de se estranhar que um bocado de gente jovem resista a esse processo, muitas vezes entendido, literalmente, como um processo ilegítimo de cooptação. O mundo dos adultos – ou seja, do status quo, das instituições de poder que nos trouxeram até aqui – está moralmente falido. Construir um mundo melhor, em qualquer sentido que não seja apenas a reprodução de retórica vazia, é tarefa necessária, mas que não vai deixar os adultos felizes. Ou seja, para que os jovens efetivamente construam um mundo melhor, o que se vislumbra não é a paz entre adultos e jovens, paz supostamente produzida pelos ritos de passagem mencionados por mim anteriormente; ao invés disso, o que se pode esperar é a espada, para usar termos bíblicos.

E, vejam só, não estou falando de algo – jovens comprometidos com a criação de um mundo melhor – que não esteja, já, acontecendo: a única novidade política interessante, na última década, é a novidade produzida por movimentos jovens, em reação à falência moral e material do mundo dos adultos: estou me referindo aos muitos movimentos de ocupação, como o Occupy Wall Street, que se multiplicou e se espalhou pelo mundo todo; às manifestações juvenis contra os partidos do status quo no México (o PAN e o PRI), além do movimento zapatista no estado de Chiapas; ao movimento Idle no More no Canadá, que, como o movimento zapatista, uniu a juventude às lideranças indígenas locais; ao 15-M, na Espanha; à participação dos jovens nos eventos ligados à chamada Primavera Árabe; à importância da Cúpula dos Povos, na Rio+20, onde se articularam ações políticas mais interessantes que a prevista paralisia política dos diplomatas que participaram da reunião oficial. Ainda no Brasil, está claro que podemos, através de movimentos descentralizados, combinando manifestações públicas e petições pela Internet, forçar o governo a ações específicas, como ocorreu no movimento em apoio aos índios Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul.

Ou seja, a boa novidade é que não é necessário inventar as soluções e ferramentas para um mundo melhor a partir do zero; muitas coisas interessantes já estão em movimento. Basta que vocês sejam conscientes e autônomos para decidir como vão se posicionar no mundo. Achar que as sociedades sempre se organizaram integrando os jovens às estruturas existentes, e que, portanto, não há nada a fazer a esse respeito, é discurso dos que tem interesse em manter os jovens sob controle, ou seja, é discurso de quem efetivamente tem medo dos jovens – porque tem algo a perder com qualquer mudança no status quo.

“Mas esses movimentos que você mencionou não foram capazes de se constituir como alternativa política efetiva!”, dirão alguns. Esse tipo de afirmação revela, por parte de quem a enuncia, a dificuldade em pensar um mundo efetivamente diferente; é como se a única política possível é aquela que toma o poder, e não aquela que transforma o próprio poder em alguma outra coisa. O que é radicalmente interessante nesses movimentos jovens é a recusa que têm em querer tomar as estruturas de poder existentes. O poder, da forma que este se constitui e manifesta no âmago das sociedades ocidentais, é herança do mundo adulto falido, que a juventude não quer. O que os movimentos juvenis querem é construir um outro mundo, um outro poder, um  mundo que, inclusive, não está predefinido, não existe ainda – e tais jovens não tem medo de viver em incerteza e ambiguidade, posto que estas são marcas de todo momento de transição. Isso, aliás, é uma das coisas que gera ansiedade no mundo dos adultos, porque pode desorganizar o processo através do qual Estados e corporações criam riscos, incutem nas pessoas níveis elevados de medo, e apresentam-se, então, como protetores. Como a história não cansa de mostrar, gente sem medo é um atentado à soberania de Estados fundados no medo.

Enfim, o que eu estou propondo aqui não é que todos rejeitem esse ritual, que desistam do título de bacharel, mas, ao invés disso, que vocês tomem controle sobre a mágica do ritual. Que o título de bacharel não seja uma forma de anular a sua capacidade de efetivamente transformar o mundo, mesmo que à revelia do que querem seus pais, professores, patrões, médicos, juízes, o Estado. Ao contrário, que vocês, ao invés de serem vítimas do título de bacharel, ou seja, de terem que se transformar para caber na persona social com direito oficialmente ratificado de usá-lo, tomem para si a missão de definir o que será ser bacharel, em suas vidas, e na sociedade que irão criar.

Ou seja, e para finalizar, o que eu quero propor de forma substantiva aqui são duas coisas, que considero fundamentais para que vocês estejam preparados para participar na criação de um mundo efetivamente, e não apenas retoricamente, melhor. A primeira é: não acreditem em identidades. Ou, pelo menos, não sejam vítimas delas. Nunca se deixem reduzir a uma ou a um número restrito de possibilidade de ser e estar no mundo: vocês nunca serão apenas jornalistas, publicitários, editores, produtores, diretores, apresentadores ou locutores. Vocês sempre serão muito mais do que isso. As identidades têm o potencial de se transformar em uma forma de tirania, de fascismo, mesmo quando isso se manifesta na forma de conflitos psicológicos internos ao indivíduo. Cada um de vocês não é um, são muitos. As possibilidades para o futuro são infinitas; nunca se deixem convencer, com ou sem rito de passagem, do contrário.

O segundo conselho: não vivam com medo. Do Papai Noel e bicho papão em diante, o mundo adulto administra quem pode efetivamente transformar a sociedade usando o medo. O medo é paralisante, algo que não convém quando o objetivo é mudar algo, e muito menos quando se quer mudar algo grande, como o mundo. A obra de construir um mundo melhor passa, necessariamente, pela desarticulação da grande burocracia do medo que nos controla a todos. Nesse sentido, o trabalho de vocês não será fácil, dado que tal burocracia tem na mídia uma de suas principais ferramentas.

Uma decorrência prática destes dois conselhos – não se deixar levar pela ilusão das identidades ou pelo discurso paralisante do medo -, é que vocês devem estar prontos para enfrentar resistência. Ou seja, não é possível querer mudar o mundo e, ainda assim, viver buscando aplausos; quem efetivamente mudou o mundo, no passado, enfrentou desafios homéricos. A boa notícia é que ninguém mais precisa ser um Ulisses ou um Aquiles; ninguém está sozinho, o movimento já está em curso, e, como diz um dos seus principais expoentes, “somos legião”. Basta a cada um escolher como irá participar: como agente, participante efetivo, ou como observador distante, alguém que, mais tarde, será inevitavelmente arrastado pela corrente.

Sismógrafos inaudibles de sociedades cambiantes (Afkar/Ideas)

Driss Ksikes – Afkar / Ideas 34 – /06/2012

La escena artística árabe rebosa de experiencias marginales, erigidas en torno a una idea simple: devolver el arte al corazón de la ciudad, para liberarla de politicastros.

Louis Ferdinand Céline los denomina “los perros nobles”. Se refiere a esas criaturas robustas que tiran de los trineos en el Polo Norte, las únicas capaces de oler a 20 leguas una zanja oculta bajo la superficie glacial aparentemente dura y plana. Por su parte, Edgar Morin habla de “topos” (no en el sentido de agentes secretos), tan enclavados en el propio suelo que notan las sacudidas, apenas perceptibles, sordas, que se producen a lo lejos. Estas metáforas animales subrayan la hipersensibilidad de unos seres que sienten la insidia en la distancia, intuitivamente, sin ninguna ciencia ni modelo de racionalidad reconocible y transmisible a los demás. Es del todo posible, si pensamos en la literatura telúrica del gran poeta marroquí –y sobre todo en sus textos, Agadir y Le déterreur–, hablar de sismógrafos que detectan, mucho antes que los demás, la próxima sacudida social, política, colectiva, que se avecina.

Los antiexpertos

Con ocasión del 2011 árabe, he leído muchos artículos que dan vueltas y más vueltas a la misma letanía: “No vimos venir nada”. Es innegable que los llamados “expertos”, acostumbrados a clasificar la realidad y formatearla en cómodos recuadros de lectura no han hecho precisamente gala de una lucidez excepcional. Los hay que llegaron a errar completamente el tiro, al prever una resistencia donde el derrocamiento de un rais era casi inminente (muy especialmente en el caso de arabistas y otros orientalistas que se expresaron antes de la caída de Hosni Mubarak, negando cualquier similitud entre El Cairo y Túnez). Al basar sus lecturas en los movimientos políticos visibles o en las interacciones geopolíticas, les faltó una perspectiva sociológica y antropológica para ver lo que se tramaba en los intersticios de nuestras sociedades. Hubo artistas y escritores que, libres de los cánones de la ciencia, tuvieron más clarividencia. Sin pretender otorgarles la categoría de adivinos, en este artículo propongo un breve repaso a tres “sismógrafos” prácticamente inaudibles para la multitud, que vislumbraron una nueva pauta o quisieron tomar el pulso a una era agitada.

Un regicidio en escena

Empecemos por Fadhel Yaibi, director y dramaturgo tunecino que, en cuatro décadas, se ha impuesto como uno de los creadores iconoclastas más atinados de la sociedad árabe. En 2010, ya fuera por un arranque de lucidez o por casualidad sincrónica, alumbró, con la complicidad de Yalila Baccar, una obra premonitoria, Amnesia. Un dictador, Yahya Yaich, adulado y alabado por sus cortesanos, se viene abajo y es objeto de humillaciones y torturas en un hospital psiquiátrico, rodeado de sus perros guardianes, transformados en carroñeros. Hasta llegan a rogarle, cuando corre a coger el avión, que dé media vuelta. La obra, representada meses antes de la marcha de Ben Alí, gozó de un gran éxito, sobre todo por su fuerza estética y por revelar, por medio del arte, un hartazgo generalizado. Su extrema afabilidad impide al sismógrafo tunecino, Yaibi, atribuirse ningún rol que no sea el de artista, entremetido, escéptico, humanista, sensible a lo que se cuece en su entorno, deseoso de mostrar otra faceta de los acontecimientos. La de una realidad política insoportable sublimada por un regicidio en escena es necesariamente imperceptible para los estrategas e inaudible para las instituciones, incluso académicas, que subestiman la inteligencia emocional. No obstante, nos remite a algo que cada vez más pensadores, como Bruno Latour, consideran urgente: la reconexión del arte con la política, no como su valedor, sino para tener presente que el arte es en esencia un acto político, bello por su gratuidad, su altruismo y, sobre todo, por su resonancia social, más allá de los muros convencionales del establishment.

Contra el patriotismo de los ‘secretas’

En Egipto se ha impuesto otra figura, a través de textos y otros medios, en la vida literaria cairota, hasta el punto de considerarla uno de los amuletos de la revuelta de la plaza Tahrir. Me refiero al novelista Alaa el Aswany. Tras su superventas, El edificio Yacobián, pasando por Chicago, el dentista y escritor tardío destaca por su aversión al patriotismo de “los secretas” y al islamismo literal que encorsetan a la sociedad egipcia. En 2010, toma carrerilla y publica una serie de relatos cortos de título provocador, ¿Por qué los egipcios no se rebelan? Al explicar lo poco que tardó en desprenderse del dogmatismo marxista sin enterrar a Marx, deconstruye el molde identitario que mantiene a un pueblo sometido a su dictador. Cliente habitual de El Cairo, un café literario muy querido, El Aswany pudo, en los dos años previos a la revolución, afincarse como humanista contestatario, como autor escuchado y ampliamente citado. En Tahrir, tuvo el papel del sabio a quien acuden jóvenes desorientados. Inspirado en las cinco fases de caída del dictador predichas por Gabriel García Márquez (negación, patriotismo de recuperación, concesiones a medias, confesión tipo “os he entendido” y huida), fue capaz de convencerlos de que, aunque pretendiera resistir, Mubarak acabaría escapando. Está claro que la conciencia de este hombre honesto tuvo más peso que centenares de informes de desarrollo humano que, aun tocando a muerto, no calaban en los actores. Ahí reside también la fuerza de un sismógrafo, en su proximidad al terreno, tan alejado de los burócratas.

Zonas Temporalmente Autónomas

El rasgo que comparten estas experiencias es, sin duda, la subversión. Como en tiempos de la generación beat en Estados Unidos, donde nacieron las Zonas Temporalmente Autónomas, hace años que la escena artística árabe rebosa de experiencias, marginales, erigidas en torno a una idea simple: devolver el arte al corazón de la ciudad, para liberarla de politicastros. El sublime escritor alemán Friedrich Hölderlin lo llamaba “hacer el mundo poéticamente habitable”. Tras esta utopía, hay dos experiencias dignas de mención. La primera, alumbrada en Túnez en 2008, se llama Dream city. No se trata de arte callejero, sino de la calle puesta a disposición de los artistas. Por espacio de una semana, la ciudadanía se enfrenta a lo imprevisible, lo improbable, para vivir de otra manera en sus espacios cerrados. Fue una de esas raras ocasiones, inesperadas en la época de Ben Ali, en que el pueblo se reunía y dialogaba libremente.

La segunda experiencia, DABATEATR ciudadano, vio la luz en Rabat en 2009. En ella, el teatro se retoma como lugar público de controversia. Se revisitan las distintas artes, para devolver al público a la raíz del cuestionamiento ciudadano. Y la dramaturgia revisa la actualidad para sacar a relucir la universalidad que anida en las noticias. Antes de su nacimiento, los activistas del Movimiento 20 de Febrero se encontraban de algún modo en este espacio, discutiendo libremente entre blogueros. No hizo falta gritar mucho para que surgiera la ola de indignación.

Estas experiencias insólitas, singulares, pero escasas, no emergen ni en la universidad ni en lugares convencionales. Son fruto de las tentativas y de la experimentación de artistas que siguen conectados a la realidad sin perder de vista la utopía.

Violência de torcidas organizadas ganha cada vez mais espaço na academia (Jornal da Ciência)

JC e-mail 4577, de 05 de Setembro de 2012.

Clarissa Vasconcellos – Jornal da Ciência

Com a proximidade da Copa do Mundo no Brasil em 2014, a violência das torcidas organizadas ganha foco e atrai o interesse de pesquisadores.

Nas últimas semanas, o noticiário voltou a se encher de notícias relacionadas a conflitos entre torcedores que vêm demonstrando pouco espírito esportivo dentro e fora dos estádios. A recente morte de um torcedor e as brigas entre as torcidas organizadas vêm sendo motivo de debates e sanções. Estudiosos que analisam o fenômeno há décadas, dentro e fora do País, trazem novos dados sobre o problema.

É o caso de Heloísa Reis, pesquisadora e professora da Faculdade de Educação Física (FEF) da Unicamp, que investiga o tema há 17 anos. Uma de suas motivações foi uma experiência pessoal: ex-jogadora de futebol, ela sentiu na pele a hostilidade dos torcedores masculinos, algo muito comum na década de 80. “Minha indignação com aquela violência simbólica fez com que eu tivesse grande interesse em entender a atuação dos torcedores e o que leva eles a xingar os jogadores e brigar entre si”, conta Heloísa ao Jornal da Ciência.

Reconhecida internacionalmente – acaba de voltar de Londres, onde foi convidada para trabalhar com a polícia durante as Olimpíadas -, Heloísa conta que o assunto é um tema social muito relevante, já que, além de ter provocado um elevado número de mortos nos últimos anos, trata-se de uma situação que muitas vezes mobiliza a cidade, especialmente no grande raio que abrange os estádios. “Há uma tensão dos moradores, toda segurança pública fica envolvida e o transporte público é afetado”, enumera.

De acordo com dados divulgados, no dia 30 de agosto, pelo Grupamento Especial de Policiamento em Estádios (Gepe), de um ano para cá, mais de 370 torcedores foram presos no Rio de Janeiro – 83 apenas na semana passada. As causas foram promoção de tumulto, baderna e lesão corporal no caminho ou na volta dos estádios. Além disso, a Polícia Civil fluminense anunciou a criação do Núcleo de Apoio aos Grandes Eventos (Nage), para combater as ações criminosas promovidas por integrantes de torcidas organizadas de clubes de futebol.

Semelhanças e diferenças – Além de estudar a violência no futebol brasileiro, Heloísa já pesquisou o problema em outros países, como a Espanha e a Inglaterra. Em comum, ela afirma que os torcedores violentos de todos os países (incluindo os hooligans, considerados os mais violentos desse grupo de indivíduos) em geral são homens e jovens.

“A questão surge com mais evidência no Reino Unido na década de 80, mas já havia esse tipo de violência no Brasil e na Espanha. Dessa época para cá, podemos verificar também um aumento na idade dos homens, pois cada vez mais a ‘adolescência’ é estendida, para inclusive além dos 30 anos, por exemplo”, relata. Heloísa vê como traços comuns entre os hooligans estrangeiros e brasileiros o fato de serem homens jovens que se satisfazem brigando e correndo risco, utilizando o enfrentamento e o confronto (tanto com torcedores rivais quanto com a polícia) para terem prazer. “Também buscam uma autoafirmação masculina; não à toa guardam a vestimenta do time adversário como troféu de conquista”, completa.

Porém, os países guardam algumas diferenças significativas entre seus torcedores violentos. Uma das principais é que em diversas sociedades mais desenvolvidas o acesso a armas de fogo é difícil, o que diminui drasticamente o número de mortes. “Brasil e Argentina são os países com mais mortes no futebol na América do Sul pelo acesso a armas de fogo. A entrada delas, principalmente nos anos 80, fez com que aumentasse muito o numero de mortes aqui”, conta, lembrando que, em toda história do futebol francês, por exemplo, houve três mortes por violência de torcedores, enquanto no Brasil o número atual é de 69 falecimentos.

Ela também destaca uma diferença entre o “código de conduta” de torcedores europeus e latino-americanos. “Lá, a intenção não é levar o inimigo à morte e sim fazê-lo sofrer”, conta. Outro dado interessante apurado por Heloísa no Brasil, mais especificamente nas torcidas organizadas de São Paulo, é que 85% dos jovens de 15 a 24 anos pesquisados moram com a família, “o que contraria um discurso da mídia de que as famílias precisam voltar aos estádios”, afirma, já que lares estruturados não são garantia para se evitar esse tipo de conflito.

Álcool e violência – Heloísa explica que, como o futebol se tornou um “produto valiosíssimo na economia mundial”, “há um grande interesse de países mais desenvolvidos em ter uma política de prevenção para que se garanta o lazer seguro de qualidade”. Isso passa pelo controle de bebidas alcoólicas nos estádios, de acordo com a pesquisadora.

“Em todos os países onde se fez política de prevenção da violência relacionada a futebol, em algum momento o álcool foi proibido, já que todos esses países verificaram que a maioria das pessoas detidas estava sob efeito do álcool”, informa. Heloísa lamenta que tenha prevalecido, para a Copa de 2014, “o interesse econômico das cervejarias” na chamada Lei da Copa. “Acho temerário, estou muito preocupada”, alerta.

A pesquisadora também se inquieta com o fato de algumas autoridades pensarem que é um exagero se preocupar com torcedores violentos durante a Copa, diante da alegação que não estarão envolvidos torcedores de grandes clubes. Ela relembra os conflitos que aconteceram durante a Copa da Alemanha, em 2006, que geraram inclusive um documentário da rede inglesa BBC.

No dia 30 de agosto, o governo brasileiro divulgou o planejamento estratégico de segurança que será aplicado na Copa do Mundo de 2014, no qual considera os torcedores violentos, tanto nacionais como estrangeiros, como um dos fatores de risco. O plano, publicado no Diário Oficial (http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?data=30/08/2012&jornal=1&pagina=45&totalArquivos=120), foi elaborado pela Secretaria Extraordinária para a Segurança de Grandes Eventos e inclui todas as ações que serão implementadas para garantir a segurança da competição.

O texto detalha, por exemplo, os responsáveis pela segurança do evento, as medidas já pensadas, os objetivos perseguidos, os recursos investidos, os preparativos, a cooperação com outros países e a interação com as firmas privadas contratadas pela Fifa para a segurança. A instalação de circuitos internos de televisão e a identificação dos torcedores são vistas como algumas medidas de sucesso utilizadas nas competições europeias.

“Por aqui existe um grande risco, especialmente entre embates de Inglaterra e Argentina ou Brasil e Argentina”, pontua Heloísa. Ela acredita que, no caso de jogo entre esses países, o ideal seria deslocar a partida para o Norte ou Nordeste do Brasil, dificultando o acesso. Outra medida de prevenção, observada in loco por ela nas Olimpíadas de Londres, seria realizar um trabalho conjunto com todos os órgãos de segurança nacionais. “Todas as organizações que deveriam prestar algum socorro ou assistência estavam concentradas da mesma sala. Os comandos saíam do mesmo lugar; foi tudo muito orquestrado”, relembra.

“Virão hooligans para o Brasil com certeza. Podem vir menos devido à distância em que se encontra o Brasil, mas virão. Eles se aproveitam do dia do jogo, seja do seu time ou de seu país, para brigar. A competição deles é paralela ao jogo do campo”, conclui.

Livros sobre a violência e as torcidas de futebol

Gol, guerra e gozo: o prazer pode golear a violênciaGol, Guerra E Gozo – o Prazer Pode Golear a Violência

Por Joaquim Z. B. Motta

Casa do Psicólogo, 2005

 

 

 

 

 

A violência e o futebol: dos estudos clássicos aos dias de hoje

Por Maurício Murad

FGV Editora, 2007

Violência nos estádios de futebol: um olhar sobre quem faz a segurança (Universidade do Futebol)

Um estudo consistente sobre a relação entre os organismos de segurança e os eventos esportivos no Brasil

Felipe Leivas Alves* e Méri Rosane Santos da Silva

Resumo

Violência e futebol se confundem enquanto produções relevantes dentro de uma sociedade que vem ganhando noções de complexidade. Esta análise buscou uma abordagem da questão da violência nos estádios, partindo da ideia de se verificar a atuação dos órgãos de segurança pública em tais espetáculos e a relação estabelecida entre esses e os torcedores envolvidos em tal processo. Na busca por elementos contribuintes no debate, foram utilizados diários de campo e entrevistas com sujeitos responsáveis pela segurança nos estádios. Diante dos elementos emergentes da pesquisa, foi possível perceber a relação existente entre os órgãos públicos de segurança e os espetáculos de futebol, suas formas de lidar com o fenômeno da violência, bem como se dá a noção de violência com a qual trabalham esses organismos.

 

Introdução

Pensar o fenômeno do futebol atual é analisá-lo diante de diversas possibilidades. A partir das temáticas que emergiram com o decorrer do desenvolvimento desse esporte, a questão da violência nos estádios surge como elemento constituinte nesse processo. Como não encontramos nas referências pesquisadas nenhum estudo que discutisse a questão da violência no futebol na perspectiva dos organismos de segurança, essa temática se fez importante de ser analisada.

Sendo assim, propõe-se um estudo que possa contribuir no sentido de acrescentar informações, acredita-se, incomuns quando o assunto da violência em estádios de futebol é debatido. Para isso, se pretendeu analisar a temática, tomando como objeto de análise os organismos de segurança pública envolvidos no processo, invertendo a lógica presente na maioria dos estudos que tratam sobre esse tema, os quais apresentam as torcidas como foco de pesquisas que abordam a violência no futebol.

Para isso, se apresenta uma análise que tem como objetivo norteador verificar a relação dos órgãos de segurança pública com a temática da violência nos estádios de futebol, buscando elementos que indiquem como se dá a organização de tais organismos, a forma como atuam e a partir de que pressupostos trabalham no sentido de abordar essa questão.

Trabalhar com a ideia de analisar a violência nos estádio de futebol nem sempre apareceu como uma de minhas prioridades na abordagem que possuo com o esporte. Intencionado a desenvolver um trabalho mais voltado para questões técnicas do desporto, a temática do trabalho apareceu como uma oportunidade de desenvolver questões pertinentes ao campo de atuação ao qual pertenço, mas que nem sempre surgem como relevantes, mesmo que possuam relação com as atividades presentes no meu cotidiano.

Interessante foi perceber que, no decorrer da pesquisa, acaba-se deparando com o surgimento de diversos elementos, antes nunca imaginados, em uma partida de futebol. Quando apresentado ao campo de estudo, percebeu-se que elementos imaginados previamente, os quais havia suspeitas que fossem surgir, acabaram por não brotar ou tomaram outras proporções, da mesma forma que outros surgiram de forma surpreendente no decorrer da análise. Nesse sentido, foi importante a realização deste estudo no momento em que se pode confrontar ideias que pareciam estar em um completo estado de conformidade, mas no instante em que se procurou uma abordagem de suas aplicações, surgiram discussões relevantes com relação aos organismos de segurança nos jogos de futebol.

Para que se pudessem buscar elementos contribuintes no debate sobre a questão, alguns procedimentos metodológicos foram tomados. Como se tratou de uma análise qualitativa, que se interessou na busca por dados para posterior análise, foram utilizados dois instrumentos principais de coleta dos dados obtidos. Com o objetivo de levantar as informações relevantes presentes nos ambientes investigados, utilizou-se a ferramenta do Diário de Campo, onde foram feitos os registros de 11 partidas do Campeonato Gaúcho da Segunda Divisão de 2009, que aconteceram no estádio Aldo Dapuzzo, pertencente ao Sport Club São Paulo e no estádio Arthur Lawson, de propriedade do Sport Club Rio Grande. Tais observações e registros preocuparam-se, em suma, em relatar a organização dos órgãos de segurança envolvidos nos jogos, sua atuação no espetáculo, bem como nos fatos que pudessem contribuir na análise da pesquisa.

Além da confecção do Diário de Campo, foram utilizadas entrevistas semi-estruturadas com representantes dos organismos de segurança envolvidos nos jogos de futebol, sendo um entrevistado por parte da Brigada Militar e outro do Corpo de Bombeiros. A definição das pessoas para a realização das entrevistas foi realizada pelos próprios órgãos de segurança, tendo sido apenas solicitada a entrevista com os organismos e não com determinados sujeitos de tais instituições.

Ainda sobre o Diário de Campo, como atividade inédita para esse pesquisador, algumas dificuldades foram enfrentadas na realização de tal tarefa. Como o estádio de futebol é um ambiente rico, que proporciona uma gama grande de elementos que acontecem a todo instante, foi difícil estar presente nos quatro cantos ao mesmo tempo. Se fosse possível, convidaria um auxiliar, para que não se perdesse tudo o que acontece nos 90 minutos de cada jogo.

Cabe salientar que, no decorrer da análise dos dados obtidos, aqueles referentes ao Diário de Campo acabaram por não serem utilizados na discussão dos elementos alcançados. Isso ocorreu pelo fato de não haverem nos registros em campo, pontos que pudessem demonstrar relevância nas discussões apresentadas no texto.

Portanto, com o intuito de verificar essa relação existente entre organismos de segurança e espetáculos de futebol, foi necessária a verificação de diversas questões envolvidas nesse processo. Nesse sentido, é que se propõe um debate de três temáticas presentes no tema proposto: a primeira se refere ao futebol moderno e seu envolvimento com as questões da violência, bem como um panorama sobre o futebol brasileiro, aproximando as questões estudadas com o objeto de análise; a segunda dirá respeito aos órgãos de segurança envolvidos na realização de uma partida oficial de futebol, buscando desenvolver uma visão histórica e conceitual dessas instituições e, por fim, far-se-á a discussão dos dados coletados diante do que foi apreendido no decorrer da pesquisa.

Localizando o futebol profissional moderno

Falar sobre o fenômeno futebol nos tempos atuais é pensar em uma atividade com ares de complexidade. Deixar de associar esse desporto com outras questões presentes em nossa sociedade já não é algo distante de nosso cotidiano. Portanto, discutiremos o futebol profissional moderno visto sob o ângulo da atuação dos organismos de segurança nos espetáculos de futebol.

É sabido, que a origem do futebol moderno remonta à Inglaterra do século XIX. O processo de transformação do jogo em esporte culminou em uma série de mudanças na maneira de se praticar o agora desporto, como a criação de regras mais rígidas, a sistematização das funções dentro do campo de jogo etc. Mas, passando a discussão para o foco principal deste trabalho, apontamos a criação da Fifa (Federation Internationale de Football Association) como um marco importante nos rumos do futebol moderno.

Hoje, se sabe que a Fifa possui um papel centralizador nas mais variadas questões relativas à futebol profissional, estabelecendo padrões que são “adquiridos” em todos os lugares do globo em que se pratique futebol. Outra característica importante da instituição é a sua segmentação por todas as partes do globo por meio de federações nacionais, sendo que essas, por sua vez, apresentam atuação pautada sob as diretrizes da Fifa. Além disso, organiza eventos de grande visibilidade mundial, como a Copa do Mundo, que hoje é vista não só como um acontecimento reduzido somente à disputa esportiva, mas também como um tempo/espaço para oportunidades de negócio, como afirma Heloisa dos Reis Brunhs, em seu texto “Relação entre futebol moderno e Sociedade: Uma análise histórico-social a partir da teoria do processo civilizador”, em que diz:

Em torno não só do futebol, mas também da realização da Copa do Mundo de Futebol, criou-se um mundo do negócio milionário e que atrai os mais diferentes setores, como, por exemplo, o turismo, a indústria têxtil e de calçados, – particularmente de materiais esportivos, além da criação de novos profissionais, todos esportivos – os empresários, advogados, juízes, economistas, gestores e dirigentes (2005. p, 6).

Nesse sentido, buscando uma vinculação com o objeto de estudo deste artigo que trata das questões referentes à órgãos de segurança pública e espetáculos de futebol, vislumbro uma discussão em que se possa associar a unidade Fifa como mentora dos rumos de todo e qualquer campeonato de futebol profissional no mundo e mais precisamente aqui o Campeonato Gaúcho da Segunda Divisão. Quem estabelece os dias dos jogos? Os horários? A organização do espetáculo? Se observarmos a relação macro e “micro” nos jogos pelo mundo, veremos semelhanças que parecem apresentar “padrões”. Jogos geralmente às quartas e quintas, ou aos sábados o domingos, nas tardes e noites, tudo isso “estabelecido” informalmente, mas que parece virar uma verdade para todos os “ramos” de futebol profissional no mundo.

Porém, pensar o futebol desvinculado da sociedade em que está inserido já não parece ser mais uma opção possível, e nesse sentido é que tais “designações” para os dias de jogos acabam por modificar o panorama de um lugar. Pela proporção dos espetáculos de futebol e por sua importância dentro do contexto social atual, as instituições de segurança pública passaram a ter papel importante nesse processo. E nesse contexto é que a centralidade das determinações da Fifa nem sempre vai de encontro às possibilidades dos locais em que se veja futebol profissional, pois não considera as peculiaridades de cada lugar e as possibilidades de cada ambiente. Com isso, pensar o futebol de hoje é vê-lo com um olhar de complexidade, pois além de tratar de questões técnicas de campo ele atinge também setores da vida social-cultural-econômica.

Outros pontos que pode contribuir nessa discussão é o papel da mídia na “venda” do futebol profissional como produto e espetáculo. Veículo cada vez mais dotado de legitimidade e confiança dentro de nossa sociedade possui força em promover qualquer fato que lhe pareça oportuno e rentável.

Aproximando nossa discussão sobre órgãos de segurança e futebol nos estádios, abordemos aqui como a mídia contribui na ideia de transformar um “simples jogos de bola” em algo monumental. A partir do momento em que ela percebeu o quanto pode ser favorável financeiramente esse fenômeno, os veículos de comunicação passaram a explorar diariamente tudo aquilo que “cheire” a futebol. A maioria dos canais de TV reserva nem que seja um comentário sobre futebol profissional, sem falar naqueles que o exploram 24 horas por dia.

Partindo dessa ideia é que percebemos o quanto a mídia tende a vender os jogos de futebol e criar uma necessidade no torcedor de que esse se sinta tentado a investir nesse produto. Ela promove e vende o espetáculo ao mesmo tempo, pois “convida” o torcedor a ir ao estádio, mas também oferece opções para aqueles que fiquem em casa.

Nesse sentido, é que, muitas vezes, na tentativa de engrandecer um jogo de futebol, as organizações midiáticas acabam promovendo algo que “teoricamente” não existe. Constantemente tratam o jogo com expressões de guerra, com ares de uma batalha e que assim o torcedor seria mais um guerreiro dentro do estádio a vencer esse “duelo”. Mas nem sempre esse discurso contribui em um estado de pacificação no ambiente de jogo, transformando um espetáculo em, aí sim, verdadeiros campos de batalha entre torcedores.
Ainda assim, a mídia possui papel “catalisador” na apreciação do espetáculo, promovendo e explorando-o, seja da maneira que for, mas vendendo a ideia ao torcedor da “importância” de ser um agente fundamental nesse processo.

Notas sobre o futebol profissional do Brasil

Falar sobre o futebol brasileiro sob o ponto de vista das diversidades culturais que um país continental como o nosso apresenta nem sempre parece uma das ideias mais fáceis de realizar, contudo, faz-se necessário abordar neste trabalho noções sobre o campo de pesquisa observado. Nesse caminho, será apresentado neste espaço um panorama daquilo que é vivenciado principalmente em termos de futebol profissional no Brasil, seus órgãos de comando, competições etc.

De maneira a iniciar a discussão, se faz necessário realizar uma abordagem de âmbito nacional a respeito do assunto referido anteriormente. Sobre esse aspecto, ressalta-se a presença da Confederação Brasileira de Futebol – CBF , como entidade encarregada pela grande maioria das ações referentes ao futebol profissional no Brasil. Entidade ligada e subordinada à Federação Internacional de Futebol e Associados – Fifa é ela quem, por exemplo, organiza os Campeonatos Brasileiros, desde a Série A até a D, como também a Copa do Brasil, essa constituída inclusive por sua versão feminina.

Mas, saindo um pouco da discussão sobre a CBF, passemos a direcionar a atenção em como funcionam essas competições de nível nacional, realizados no país. Conhecida por reunir os clubes de maior representatividade em cada época, a Série A do Campeonato Brasileiro conta com as grandes potências em termos de futebol no país. Atualmente, funciona com 20 clubes sob a forma de disputa de turno e returno, em que cada equipe joga 38 rodadas, 19 em seu estádio e mais 19 fora dele, alternadamente, e o campeão será aquele que somar o maior número de pontos no total. .O Campeonato Brasileiro da Série A apresenta em 2009 um calendário com início previsto em Maio e término em Dezembro. Algo similar pode também ser observado na disputa do Campeonato das Séries B e C também.

Entretanto, quando se observa os dias e horários dos jogos, nota-se uma alternância nos diferentes níveis. Enquanto, por exemplo, na Série A os jogos são realizados, usualmente, às quartas, quintas, sábados e domingos, os jogos da Série B apresentam dias de jogos nas terças, sábados e domingos. Com relação aos horários das partidas, tanto os da Série A, quanto os da Série B, apresentam horários que variam das 16h até jogos realizados às 20h50. Já os da Série C e D apresentam, em sua maioria, jogos entre 16h e 18h.

Já com relação à Copa do Brasil, como o próprio nome sugere, o torneio é disputado em forma de confrontos eliminatórios e não em turno e returno, sendo composto por 64 clubes, contando com a participação de equipes de todos os estados brasileiros. Os horários dos jogos se assemelham aos do Campeonato Brasileiro da Série A. Realizada no primeiro semestre de cada ano, é fortemente conhecida por também proporcionar ao campeão uma vaga para a disputa da Copa Libertadores, já que o Campeonato Brasileiro proporciona vagas para tal competição da mesma forma. Ainda cabe ressaltar a realização, desde 2007, da versão feminina do torneio, que, em 2009, contou com a participação de 32 clubes, sendo disputada no mesmo molde da masculina.

Saindo um pouco da apresentação sobre os campeonatos nacionais, vale comentar a existência de 26 federações estaduais de futebol, todas ligadas à CBF. Sobre essas, que são órgãos responsáveis, entre outras coisas, pelo suporte aos clubes de cada estado, se observa a tarefa principal de organização dos campeonatos estaduais. Esses, atualmente realizados no primeiro semestre de cada ano, normalmente com duração de Janeiro à Maio, salvo algumas exceções, representam uma das formas de disputa que dão a oportunidade de congregar o maior número de clubes profissionais em torno de uma competição regionalizada.

Trazendo a análise para o espaço e tempo de estudo deste trabalho, no estado do Rio Grande do Sul, verifica-se a presença da Federação Gaúcha de Futebol – FGF, como a entidade responsável em organizar tanto o Campeonato Gaúcho da Primeira Divisão quanto o da Segunda Divisão de Futebol Profissional.

Com relação ao Campeonato da Primeira Divisão, no ano de 2009, a competição contou com a presença de 16 clubes, dispostos em dois grupos. A disputa, realizada em dois turnos, promovendo a realização de jogos entre todas as equipes, obteve nessa edição como campeã a equipe do Sport Club Internacional, vencedora de ambos os turnos. No que diz respeito aos dias de jogos em que foram realizadas as partidas, os dias reservados foram quarta, quinta, sábado e domingo, com horários que variavam entre 16h e 22h. Resumidamente, tal campeonato representa uma disputa entre os clubes que, em anos anteriores, apresentaram os melhores desempenhos técnicos no campo de jogo, já que aqueles que não o obtiveram, se encontram disputando o Campeonato Gaúcho da Série B.

Sobre a disputa da Série B do Gaúcho, a mais relevante para este estudo, já que contempla alguns dos objetos de pesquisa deste trabalho, encontramos algumas diferenças se o compararmos ao da Primeira Divisão. No ano de 2009, a participação dos 23 clubes contrasta, por exemplo, com os 26 participantes do ano de 2008, algo não observado na Primeira Divisão, que conta sempre com o mesmo número de clubes. Tal situação se deve basicamente à falta de interesse ou de recursos econômicos de muitos clubes do estado, já que atualmente não existe uma Terceira Divisão, portanto, impossibilitando o acesso por promoção de divisão.
Em 2009, os tais 23 clubes, dentre eles o Sport Club Rio Grande e o Sport Club São Paulo, ambos objetos deste estudo, foram inicialmente distribuídos em três grupos, e por meio de qualificação e posteriores formações de outros grupos dentro da competição, renderam, ao final do campeonato, o acesso à Primeira Divisão do Campeonato Gaúcho para os clubes classificados em primeiro e segundo lugares.

No decorrer da competição, os jogos foram usualmente realizados as quartas, quintas, sábados e domingos, com horários dispostos entre e 20h30. Porém, por muitas vezes se observou mudanças imprevistas nos horários dos jogos. Muitas destas alterações visavam, entre outras razões, a diferenciação do horário de seus jogos em comparação com aqueles televisionados no mesmo momento, ocorrendo, por exemplo, jogos como o do Sport Club São Paulo e Grêmio Atlético Farroupilha, que foi realizado às 11h.

Transitando pelo debate sobre as torcidas

Hoje já não se percebe o fenômeno futebol sem a participação direta e/ou indireta do torcedor nesse processo. Aliada à noção mercadológica atribuída ao evento esportivo atual, criou-se um pensamento de que o papel do espectador nos jogos de futebol é tão vital para todo o espetáculo quanto para os profissionais envolvidos. Nesse panorama é que, principalmente nos períodos mais recentes, o foco dado às discussões sobre torcida/torcedor ganhou mais visibilidade. Diante disso, abordar-se-á, na discussão seguinte, questões presentes na relação torcida, espetáculo esportivo e órgãos de segurança.

Quando se fala em torcida/torcedor nos eventos de futebol, surge como carro chefe da discussão o conceito de torcida organizada. Altamente ligada à ideia de pertencimento ao clube, esses grupos se distinguem dos demais torcedores por possuírem, entre outras características, uma organização própria, geralmente de forma independente do clube; por sua fácil identificação em detrimento dos torcedores considerados “comuns”, no que diz respeito às suas vestimentas, uma vez que se utilizam de roupas próprias do seu grupo, “diferenciando-se” dos demais espectadores no estádio; por se utilizarem da criação de um espaço, dentro da vida urbana, que lhes possibilite uma visibilidade social enquanto grupo organizado, edificando a ideia em meio ao imaginário social de que devem ser vistos como uma categoria presente no futebol profissional, enfim, passaram a ser um dos mais importantes elementos envolvidos no fenômeno do futebol.

Sobre esses grupos, TOLEDO (1996), citando VELHO (1987), aponta para uma noção à cerca de tais organizações:

Estas organizações de torcedores são formadas por meio das paixões individuais que cada um traz consigo por um mesmo time, mas que, em torno de projetos coletivos, adquirem uma dimensão social pautada por interesses comuns. A organização de tais emoções, gostos e preferências, a priori subjetivos, norteia-se por estes projetos capazes de viabilizar, simbólica e materialmente, um sentido às emoções e expectativas individuais (p. 32).

Assumindo que as análises relacionadas às torcidas organizadas ganharam repercussão dentro das temáticas do futebol profissional atual, muito do que se pensa sobre violência nos estádios de futebol acaba por ser atribuído a tais grupos como forma de associar esses conjuntos a todo e qualquer episódio de confronto.

Sobre esse pensamento, podemos observar por meio do que pensa a Brigada Militar, como esses grupos são vistos por tal instituição: “principalmente nas torcidas organizadas (…) a gente se preocupa mais. Geralmente ali, o problema maior tá ali, do que as pessoas mais isoladas. (…) Geralmente sai dali, é uma preocupação com eles”.

Observa-se que independentemente do que aconteça, sempre se espera, por parte das torcidas organizadas, um episódio de conflito. Muito desta concepção emergiu do momento em que houve a associação entre as torcidas organizadas, típicas do Brasil, e os “hooligans”. Sobre esse assunto, TOLEDO (1996) aponta para uma diferenciação entre tais grupos, buscando um distanciamento entre tais:

A concepção de organização grupal das torcidas organizadas também difere daquela estrutura entre os hooligans que, de modo geral, prima pela transgressão deliberada e pelo anonimato (…) As Torcidas Organizadas almejam um lugar dentro do futebol profissional como participantes oficiosos do espetáculo (p,129).

Corroborando com a ideia de Toledo sobre torcida organizada e contrastando com o olhar dos órgãos de segurança sobre tal grupo, podemos observar que, esse grupo de torcedores tem obtido uma abordagem, por meio de exploração midiática e de discussões políticas, que procura problematizar a questão da violência nos jogos de futebol buscando nas torcidas organizadas o objeto fomentador de todo e qualquer tipo de transgressão que ocorra nos espetáculos de futebol. Contrastando com essa ideia, TOLEDO (1996), fala sobre a necessidade de uma reflexão sobre o tema da violência de forma mais ampla:

Longe de pertencerem ao universo estrito dos agrupamentos de torcedores, os fenômenos da transgressão e violência, veiculados de forma dramática por meio do futebol, fazem parte da própria experiência urbana mais ampla vivenciada nas cidades brasileiras: segregação espacial, desigualdades sociais, concepções sobre justiça e a polícia (p. 134).

Outra questão interessante a ser refletida é a percepção concebida pelos órgãos de segurança com relação ao trato com a torcida no estádio. Se analisarmos a fala da Brigada Militar que diz: “o nosso serviço no campo é a segurança da arbitragem e, depois, evitar que haja confronto entre torcedores assim né, qualquer tipo de confronto que haja lá dentro”, verificaremos que, no discurso, a principal função da Brigada Militar está na segurança do árbitro e não nas questões de torcida, contrastando com o que foi indicado anteriormente com relação, por exemplo, das torcidas organizadas, em que havia uma preocupação maior, mas que diante dessa fala já não se pode observar no mesmo sentido citado.

Assim, é que se observa por parte dos órgãos de segurança uma indefinição sobre a sua atuação dentro do espetáculo de futebol como também uma dificuldade em conceituar aquilo que é da torcida ou que papel que ela exerce, pois se nota uma dificuldade tanto em definir a sua preocupação principal dentro do estádio como órgão atuante, assim como definir em que “tipos” de torcedores é que os confrontos possam ocorrer.

Organismos de Segurança: pressupostos e ações

Em tempos atuais, quando se pensa futebol no Brasil, uma das principais preocupações referentes a esse espetáculo tem sido a questão da segurança dentro e fora dos estádios. Fruto de muita discussão científica e política, especialmente a partir da década de 1990, quando casos de conflitos entre torcedores obtiveram maior repercussão pública, esse assunto passou a ser tema da maioria dos debates que envolvem uma partida de futebol.

No âmbito político, inúmeras sansões visando à segurança já foram tomadas por meio de diversas leis e decretos, porém, uma em especial, ganhou maior destaque por sua “pretendida” reformulação no cenário esportivo, em especial no futebol. Tal medida, o Estatuto do Torcedor, surgiu trazendo consigo uma proposta de reestruturação dos locais esportivos, especialmente, os estádios de futebol, buscando uma “assepsia” desses locais, com fins preventivos e de combate à violência. Nesse sentido, analisando a aplicação de tal Estatuto dentro da realidade de nosso futebol, é apontada por RIGO et al (2006) com desconfiança, pois:

Sabemos também que em muitos casos algumas medidas preventivas por parte dos responsáveis pela organização do espetáculo podem evitar trágicos acidentes e muitas cenas de violência Nesse sentido consideramos que mais do que ocorreu durante a sua elaboração é importante que a implementação do EDT aconteça conectada a realidade do mundo futebolístico brasileiro, respeitando as peculiaridades dos clubes, dos jogadores e dos torcedores (p, 236).

Tratar de segurança no futebol é, antes de tudo, debater, analisar, verificar sobre qual espetáculo estamos falando, em qual realidade que ele é aplicado, para que se possa elaborar medidas que busquem, em meio às especificidades do ambiente ao qual elas serão aplicadas, um panorama de controle das atividades referentes ao espetáculo.

No caso do futebol da cidade de Rio Grande (RS), os órgãos de segurança pública envolvidos nos jogos, no campo da conceituação do que é segurança nesses ambientes, deixam entendidos, por meio de suas falas, uma tendência interessante: “a Polícia em geral trabalha em preventivo e ostensivo, ostensivo porque a gente trabalha fardado (…) nos mostrando ao máximo né? (…) e preventivo porque tu está ali para que não aconteça nada, para que a presença do policial faça com que as pessoas se desestimulem a fazer alguma coisa errada(…) para evitar que ocorra um tumulto, para evitar que daqui a pouco tu te estresse lá com um torcedor e queira partir para a paulada com ele. A gente ta lá nesse sentido, preventivo para que não ocorram esses fatos, essa é toda a finalidade do policiamento”.

“Prevenir”, “se mostrar”, essas palavras demonstram uma tendência clara dos órgãos de segurança, na qual a estabilidade nos estádios deve ser atingida por meio, primeiro, de ações concretas, do “corpo a corpo” e, em segundo, pela figura de autoridade que deve ser exposta e “temida” pelas pessoas presentes nas partidas. Diferentemente de como atuam os Bombeiros, que nesse processo se preocupam com as questões estruturais e de material nos estádios , como afirma uma representante desse órgão: “na verdade não há Lei ou Decreto Estadual que regulamente a atuação do Corpo de Bombeiros nos dias de jogos, a função é vistoriar a segurança do Estádio ou Ginásio para liberação do Alvará de Prevenção e Proteção contra incêndios”, o papel da Brigada está mais vinculado à ação de conter e combater as “agitações” presentes no estádio do que propriamente oferecer, atrelada às intenções do Estado, um espetáculo esportivo que ofereça um ambiente organizado e que respeite as pessoas envolvidas .

Sobre a Brigada Militar

Na tentativa de caracterizar essa instituição peculiar ao Estado do Rio Grande do Sul, primeiramente, abordaremos fatos referentes à sua criação e seu estabelecimento como órgão de segurança, para, então, falarmos sobre as questões pertinentes a sua linha de atuação sob uma perspectiva contemporânea.

A Brigada Militar tem sua origem ligada à Revolução Farroupilha, de 1835, que por meio da Lei Provincial nº 7, de 18 de novembro de 1837, instituiu a Força Policial, um órgão responsável por auxiliar na justiça, manter a ordem e a segurança na capital, nos subúrbios e comarcas. Exceto em caso de invasão inimiga, não poderiam deixar de cumprir essas obrigações.

Em 5 de maio de 1841, por meio da determinação do Dr. Saturnino de Souza Oliveira, então presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, ficou estabelecido a mudança da Força Policial para Corpo Policial, na qual se pode observar um destaque maior à tal companhia. Sua principal atuação inicial foi a de agir na tentativa de pacificação da província.

Passado alguns anos atuando como Corpo Policial, podendo ser observada sua participação na Guerra do Paraguai, em 1873, se deu a criação da Força Policial em seu lugar, que manteria algumas características militares anteriores, mas provocaria diversas mudanças em sua estrutura.

Posteriormente, com a Proclamação da República, o estado passou por diferentes adaptações ao novo panorama político e no campo dos órgãos de segurança não foi diferente. Em 1889, há novamente uma substituição na Força Policial, transformando-a em Guarda Cívica do Estado. Em um período curto de tempo, tal corporação obteve diferentes denominações, tais como Corpo Policial, Brigada Policial, Guarda Cívica, mas todas com pequena duração.

Já em 15 de outubro de 1892, a então Guarda Cívica, foi extinta e culminou com a criação da hoje conhecia Brigada Militar, que “nascia” com a função de “zelar pela segurança pública, manutenção da República e do Governo do Estado, fazendo respeitar a ordem e executar as leis” . Apresentando essa denominação, a Brigada esteve presente na Revolução Federalista, Campanha da Legalidade entre outras.

Com isso, por meio de uma busca histórica a respeito do surgimento da Brigada Militar e de suas primeiras ações, chegamos ao momento atual dessa instituição que hoje apresenta inúmeros desdobramentos dentro da sociedade gaúcha e que atua vinculado a estruturas administrativas que a regem dentro de leis, sendo essas capazes de organizar e legitimar a Brigada.

Sob o ponto de vista da Constituição Federal, o item relacionado à segurança Pública estabelece que a Polícia Militar, que, no caso do Rio Grande do Sul, é a Brigada Militar, deve ser vista como um dos órgãos do Estado destinados a preservar a ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (BRASIL, 1988). Ainda sobre o artigo, no parágrafo quinto, que trata especificamente sobre as polícias militares, em que se enquadra a Brigada, fica estabelecida uma outra função além daquelas vistas anteriormente, que é a de policiamento ostensivo.

Contudo, mesmo com as atribuições previstas na Constituição Federal, a Brigada Militar possui espaço dentro da Constituição Estadual do Rio Grande do Sul. Fica localizada mais precisamente dentro do Capítulo sobre Segurança Pública e aparece nos artigos 129 a 132. Nesses, pode se notar uma diferença com relação á disposição presente na Constituição Federal, que fala sobre as funções das polícias militares, sendo que agora fica incluída a função de policiamento externo de presídios e de polícia judiciária militar.

Pode ser citada ainda a Lei 10.991 do Estado do Rio Grande do Sul, em que são definidas as diretrizes que dispõem sobre a Organização Básica da Brigada, que entre muitas competências e cargos, vincula administrativa e operacionalmente esse órgão à Secretaria de Segurança Pública do estado do RS.

Um fato interessante sobre essa corporação atuante no Rio Grande do Sul é a sua denominação diferenciada com relação aos demais estados da União, mas como vimos em sua perspectiva histórica e como afirma o Regimento Interno da Brigada Militar, “a Brigada Militar, instituição permanente e regular, organizada com base na hierarquia e na disciplina […] é a Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Sul”.

Sobre o Corpo de Bombeiros

Quando pensamos em Bombeiros, talvez uma das primeiras e principais funções das quais possamos atribuir a esse órgão seja a de combate aos incêndios, o que não nos induz a nenhuma inverdade, certamente, mas quando se faz uma análise mais minuciosa à respeito, é possível observar que outras incumbências também fazem parte das obrigações do Corpo de Bombeiros. É sobre essa perspectiva que trataremos a discussão a seguir, objetivando uma possível conceituação sobre o que é Corpo de Bombeiros (e aqui se entenda aqueles pertencentes ao Estado do Rio Grande do Sul), percorrendo um pouco de sua história e de sua legitimação enquanto órgão público.

Na Porto Alegre de 1895 era notável a expansão urbana do município, principalmente no que se tratava à questão de serviços, com destaque para os transportes, comércio e iluminação pública. Porém, a cidade em meio a tanto crescimento também via seus problemas aumentados. Incêndios eram cada vez mais difíceis de serem controlados em meio a ruas que se amontoavam umas por cima das outras, nascidas pelo aumento da cidade e também ainda pelo pouco aparato material que continham os corpos de voluntários, que mesmo desorganizados tentavam agir em meio aos acontecimentos, já que a cidade não possuía um serviço oficial para tal fim.

Diante desse panorama é que as Companhias de Seguros instaladas em Porto Alegre, sofrendo economicamente com as queimadas constantes, se organizaram e fundaram um Corpo de Bombeiros, administrando e estruturando-o. A iniciativa das Companhias oficializou o primeiro Corpo de Bombeiros da cidade, com aparelhamento semelhante ao das principais capitais do país na época. Foi então que em 1º de março de 1895 que a ideia de corpo de Bombeiros no Rio Grande do Sul surgiu, inicialmente com o efetivo de 17 funcionários, sendo 10 chamados de “soldados de fogo”, que contavam com um carro de bomba manual puxado por parelhas de cavalos usados no combate à incêndios na cidade de Porto Alegre.

Passados cerca de 40 anos, já era consenso nas Companhias que com os avanços nas exigências de serviços na cidade de Porto Alegre, o aumento de materiais mais modernos exigia mais recursos e, portanto, era vinculada a ideia de que esse serviço de Bombeiros fosse assumido pelo Governo ou Município, o que já era prática comum em grandes cidades. Nesse sentido, é que, em 27 de junho de 1935, o General Flores da Cunha, interventor no Governo do RS, emitiu um decreto transferindo a responsabilidade do corpo de Bombeiros, à época particular, de Porto Alegre à brigada Militar. Tal medida contribuiu no sentido de melhora estrutural dos Bombeiros, que agora usufruiriam dos recursos da Brigada Militar. Mas mesmo com o crescimento técnico obtido após a unificação do CCB (Comando do Corpo de Bombeiros) com a BM, por meio do Decreto 20.277 de 1970, a diretoria dos Bombeiros e seus órgãos foram desativados, transformados em Pelotões Especiais de Socorro, com subordinação às unidades de Policiamento. Durante o período de 1970 a meados de 1974, o que se pode observar foi um sucateamento do CCB.

Entre idas e vindas, depois de decretos e mais decretos, extinções e ressurgimentos dos Bombeiros, em 2002, o CCB foi novamente religado à Brigada Militar, com o objetivo de: “planejar, organizar, fiscalizar, controlar e instruir, é também responsável pelas atividades técnicas de bombeiro em todo o Estado, bem como pela orientação e instrução dos serviços auxiliares de combate a incêndio” . Cabe salientar que em 1997, com a reestruturação da Brigada Militar em 1997, foram criados 8 Comandos Regionais de Bombeiros, sendo que, em Rio Grande/RS (espaço desta pesquisa), se encontra atualmente o 3º Comando Regional de Bombeiros. Hoje, o CCB conta com três divisões principais que são: Divisão Técnica de Prevenção de Incêndio e Investigação, Divisão de Operações e Defesa Civil e Divisão Administrativa.

Agora, trazendo a discussão sob o ponto de vista legal, daquilo que organiza o Corpo de Bombeiros, temos em âmbito nacional, visto na constituição de 1989, uma pequena citação no art. 144, que trata sobre Segurança Pública que considera o Corpo de Bombeiros como um dos órgãos destinados a preservar a ordem social, como também cita no parágrafo 5º do mesmo artigo, ao determinar que cabe aos Bombeiros, além daquilo previsto na lei, a execução de atividades de defesa civil.

Considerando o que diz respeito ao Corpo de Bombeiros no estado do Rio Grande do Sul, observamos que no Decreto 42.871 de 2004, a localização do CCB dentro da Brigada Militar. No art. 3º, inciso II, nota-se que o Comando do Corpo de Bombeiros é compreendido como um órgão de apoio à BM, cabendo, de acordo com a seção II, do capítulo que trata dos comandos regionais e especiais, “administrar e executar as atividades de bombeiros, defesa civil e de segurança pública em seus respectivos espaços de responsabilidades territoriais, e também as atividades administrativo-operacionais dos OPM que lhes são subordinados” .

Futebol e organismos de segurança: uma relação a ser analisada

Aproximando essa discussão com o tópico tratado neste trabalho, que verifica a relação dos órgãos de segurança com os espetáculos de futebol, observar-se-á que surgem elementos interessantes que serão abordados a seguir.

Inicialmente, faz-se necessário discutir o envolvimento dos organismos de segurança em eventos como são os jogos de futebol.

Em termos organizacionais, a Brigada Militar, órgão presente nos dias de jogos, apresenta dois artifícios que norteiam sua atuação nos espetáculos. Um deles são as ordens de serviço, uma espécie de documento prévio que delega quais funções cada Brigada irá executar dentro do estádio, ou fora desse. Desde quem vai cuidar da segurança do árbitro até aqueles que trabalharão nas arquibancadas, tudo é estabelecido dentro desse documento, assim como são definidos, nas escalas, aqueles que serão incumbidos de participarem dos eventos, ou seja, uma forma de estabelecer aqueles brigadeanos que estarão presentes no estádio.

Basicamente, são esses os procedimentos utilizados pela Brigada Militar no que se refere à sua atuação e planejamento com relação aos jogos de futebol na cidade de Rio Grande(RS), como aponta um representante da BM: “todo o tipo de serviço da Brigada funciona assim, nada é feito ao “léu” assim, tem ordem de serviço para tudo, não só para o campo de futebol, qualquer operação”.

Já em termos conceituais, por parte da Brigada, o termo violência aparece vinculado a algo próprio das torcidas, uma tendência quase que “natural” desses grupos, uma vez que é apontado diante de uma fala da Brigada que:”já é diferente se eu sei que vai ter São Paulo e Brasil de Pelotas, aí eu sou obrigado a escalar um efetivo maior, porque eu sei que vai dar problema, porque é um jogo que dá problema, justamente por essa rivalidade que tem Rio Grande e Pelotas”.

Partindo do entendimento dessa fala, se percebe a noção de que a presença de policiamento nos estádios de futebol está mais relacionada à possibilidade de que ocorra algum episódio de violência do que propriamente da necessidade lógica de que esse serviço tenha que ser oferecido em tais ambientes. Interessante é pensar que não são só as partidas de futebol que produzem uma presença massiva de público, ou seja, outros eventos também a mesma perspectiva de concentração de pessoas, mas parece haver, nos estádios de futebol, uma tendência maior de que situações de conflito aconteçam. Sob essa questão, REIS (2005) contribui para essa discussão, afirmando que:

As formas de violência observadas em estádios de futebol são similares às presentes em eventos de multidões, o que respalda a análise de que a violência não é fruto do futebol em si, mas está associada aos eventos futebolísticos por vários fatores, e, em nosso país, podemos dizer que há uma cultura do vínculo de uma relação quase simbiótica entre futebol e violência (p. 117).

Partindo dessa suspeita com relação ao trato com as partidas de futebol e buscando uma análise com relação à atuação dos órgãos de segurança em tal evento, se percebe uma desvalorização de aspectos inerentes ao jogo de futebol, uma vez que esse ambiente produz situações próprias, o público envolvido gera momentos que são únicos daquele espaço/tempo, e que, normalmente são sufocados ou desprezados por quem é incumbido de realizar a segurança nesses lugares. Pensar uma partida de futebol e um show musical, por exemplo, é considerar que diferentes emoções estão envolvidas, das mais variadas motivações com relação ao evento podem ser esperadas, como também, que a configuração espacial também é, no mínimo, diferente.

No sentido de corroborar essas ideias apresentadas, são apresentadas algumas falas que indicam essas tendências: “só que no pequeno evento a gente vai tranquilo, menos efetivo, não é tão preocupante. (…) Tudo o que acontece aqui acontece em outros lugares (…) é a mesma coisa trabalhar aqui, lá no Olímpico, no Beira-Rio”.

Entretanto, do ponto de vista dos órgãos de segurança, independentemente do evento, a atuação deve ser a mesma. Elementos que possam caracterizar um lugar, um estádio, uma torcida não são levados em consideração na atuação da Brigada Militar. Para corroborar com esse pensamento, surge um depoimento do representante da Brigada Militar, afirmando que “a diferença é só em termos de efetivo O serviço é sempre o mesmo,o que nós temos que fazer em um grande evento, nós temos que fazer em um pequeno evento também”.

Não considerar as diferenças é acreditar na padronização de comportamentos. Nesse sentido, se pressupõe que, diante de uma unificação no modo de agir nos espetáculos de futebol por parte dos órgãos de segurança, estaria implícita uma intenção de criar no imaginário dos espectadores presentes nos estádios, uma uniformização no modo de torcer, modelando os sujeitos a um “jeito” de se portarem nas arquibancadas que fosse aceitável dentro de padrões esperados de um cidadão.

Contudo, ao analisarmos uma torcida de futebol, veremos que não há uma universalização no modo de torcer. Cada torcida apresenta configuração própria, influenciada por diferentes questões e locais, portanto, difícil é imaginar em uma uniformização no modo de portar-se e viver o futebol nas arquibancadas.

Ainda, cabe ressaltar uma discussão sobre a relação dos órgãos de segurança públicos em eventos, essencialmente, de cunho privado que são os jogos de futebol profissional. Se por um lado os jogos de futebol envolvem grandes massas, sendo locais com considerável aglomeração de pessoas, e que talvez seja uma justificativa para a presença dos órgãos de segurança nesses ambientes, não se pode conceber esses eventos como de interesse da vida pública, uma vez que possuem caráter privado por serem organizados por instituições particulares. Nesse sentido, considerando a Polícia um órgão de interesse do Estado, sob o ponto de vista lógico, qual a relação desses organismos com eventos produzidos de maneira privada? Sobre essa questão, uma fala retrata bem como os órgãos de segurança pública encaram esse assunto: “mas mesmo assim é missão nossa, é missão constitucional da Polícia Militar atuar em eventos esportivos (…) uma determinação que as Polícias Militares, elas estejam presentes onde haja qualquer tipo de aglomeração de pessoas, de qualquer evento que possa causar algum tumulto, que tenha necessidade, então é permissão constitucional”.

Conclusão

Vistas como umas das principais instituições públicas no nosso Estado, a Brigada Militar e o Corpo de Bombeiros apresentam, em termos históricos, um envolvimento nas questões sociais, que os proporcionaram um status de referência enquanto órgãos de segurança pública. Tanto o é que, somente no estado do Rio Grande do Sul, a Polícia Militar possui uma denominação diferenciada, sendo conhecida como Brigada Militar, visto sua importância dentro da sociedade gaúcha.

Tendo o futebol como um elemento produzido pela nossa sociedade, o qual, inclusive esses órgãos de segurança aparecem envolvidos, apresenta diversas ramificações no interior de nosso cotidiano, percebemos a importância desse desporto nos acontecimentos de nossa comunidade. Pensar que o futebol moderno determina, em meio a suas peculiaridades, como por exemplo, os horários de suas partidas, os funcionamentos de uma cidade, a organização espacial dessa, podemos pensá-lo em uma das atividades que, atualmente, fazem parte dos elementos constituintes de nossa sociedade.

Sobre esse futebol, alguns elementos aparecem como importantes em sua discussão, primeiro, a torcida, elemento, hoje visto como um das partes que constitui o espetáculo do jogo de futebol; em segundo lugar, a preocupação crescente com questões de segurança nos estádios de futebol, tema bastante debatido em tempos atuais; e a relação existente entre os organismos de segurança e os eventos esportivos, no caso, o futebol e seus desdobramentos.

Sob o ponto de vista das discussões sobre as partidas de futebol profissional, identifica-se que a presença da Brigada Militar, no caso do Rio Grande do Sul, e do Corpo de Bombeiros constitui um fato demarcador sobre os órgãos envolvidos nesse evento. Os Bombeiros, como órgão preocupado com questões estruturais e de combate a incêndios, possui uma atribuição mais relacionada à vistoria nos ambientes esportivos, do que propriamente de atuação nesses eventos, função essa, destinada à Brigada. Essa por sua vez, assume papel centralizador nas questões que dizem respeito a tudo que envolve futebol profissional.

No que diz respeito à Brigada, observa-se uma organização baseada em protocolos apenas voltados às questões de atuação, seja por ordem de serviço ou escala, mas que produzem a ideia de não haver uma preocupação em debater questões pertinentes a um jogo de futebol, no que diz respeito a elementos próprios de cada partida. Mesmo com essas intenções de protocolo, pareceu haver uma flexibilização diante de diferentes situações, uma vez que, o discurso apontava para uma organização-padrão diante de certas partidas, contrastando com o observado, já que, em algumas vezes, o número de efetivo não foi condizente com aquele apontado nas falas das pessoas entrevistadas.

Uma outra questão bastante importante nessa análise, centrou-se no papel estabelecido pela Brigada de se preocupar, prioritariamente, com a segurança da arbitragem, definido como função principal desse órgão nas partidas. Fato esse, não observado tanto nos jogos como nas entrevistas, já que, constantemente, foi veiculado uma obrigação da presença da Brigada quando se tratasse de eventos com multidão, bem como um discurso que apontavam as Torcidas Organizadas como o elemento causador de preocupação por parte da Brigada dentro do espetáculo. Enfim, muito do que se observou no discurso produzido por aqueles da Brigada Militar apontavam para uma realidade não observada no ambiente de atuação desse órgão, deixando claro que são várias as preocupações dentro de um jogo de futebol, mesmo que isso não apareça quando se observa o pensamento dos organismos de segurança.

Diante do que foi refletido, analisado, verificado, dois fatos surgiram como de necessidade para posteriores estudos. Primeiro, fica claro que os órgãos de segurança buscam, por meio de ações baseadas em um modelo pré-estabelecido, uma resposta padrão por parte dos espectadores nas arquibancadas, apontando para um comportamento definido do “torcer”.

Ainda, especula-se a necessidade de abrir um debate sobre a localização de um órgão de utilização pública dentro de um evento prioritariamente privado, sendo necessária a análise de quais argumentos co-relacionam ambos, buscando uma problematização do tema surgido a partir do estudo das questões de órgãos de segurança nas partidas de futebol.

Em suma, o estudo da violência nos espetáculos de futebol passa pela verificação de alguns aspectos constituintes de todo esse processo complexo que é uma partida de futebol. Como elementos incluídos nesse fenômeno, os organismos de segurança apresentam papel importante e decisivo na organização do espetáculo e das pessoas, entretanto, necessitariam de uma maior observação dos elementos presentes nas partidas, bem como de um debate que aproximasse a sua atuação com elementos conceituais, de forma a enxergar nos eventos de futebol algo mais complexo do que pode parecer.

Bibliografia

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TOLEDO, Luiz H. Torcidas organizadas de futebol. Campinas (SP): Autores Associados/Anpocs, 1996.

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< http://www.brigadamilitar.rs.gov.br/bombeiros/ > Acesso em: 03/04/2010

< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/_ConstituiçaoCompilado.htm > Acesso em: 16/04/2010

< http://www.al.rs.gov.br/prop/legislacao/constituicao/constituicao.htm#T04C01 > Acesso em: 24/04/2010

*Acadêmico do Curso de Educação Física-Licenciatura da Universidade Federal de Rio Grande-FURG e Treinador da categoria sub-13 do Sport Club Rio Grande/RS. E-mail: felipzzz@hotmail.com

(1) Órgão maior responsável pelo futebol profissional no Brasil, que possui vinculação à FIFA.

(2) Seguindo a ideia de TOLEDO (1996), umas das características dos membros pertencentes às Torcidas Organizadas passa pela idéia existir, nesses grupos, uma congregação de paixões individuais em torno de uma mesma instituição, de maneira que emoções, gostos e preferências expressam-se de forma coletiva.

(3) Para mais acessar: http://www.brigadamilitar.rs.gov.br/museubm/index.html

(4) Aqui se refere a algo aparente ou aquilo para se mostrar.

(5) Para mais acessar em: http://www.brigadamilitar.rs.gov.br/bombeiros/hist-rs.html

(6) Para mais, ver no decreto 42.871, de 04 de fevereiro de 2004 do Governo do Estado do Rio Grande do Sul, que Regula a Lei de Disposição Básica da Brigada Militar.

Heloisa Reis, estudiosa da relação futebol x violência (Universidade do Futebol)

Na entrevista a pesquisadora trata do tema violência no futebol e seus reflexos sociais

Marcelo Iglesias

03/07/2009

Para os apaixonados por futebol, ir aos estádios assistir às partidas é uma experiência única de prazer. No entanto, por conta da violência que se observa em dias de jogos e pelas condições precárias de segurança, de conservação e de serviços que são oferecidas no Brasil, o momento genuíno do torcedor perde muito do seu valor.

Em alguns países em que a violência nos dias de jogos de futebol também era um problema grave, houve alterações nas leis para punir exemplarmente os causadores de episódios de tumulto. Além disso, foram realizadas melhorias nas condições dos estádios para que o público, agora visto como consumidor do espetáculo, pudesse desfrutar daquele momento da melhor maneira possível. Com isso, a própria população passou a enxergar o futebol de forma diferente, e a modalidade ganhou status de grande evento.

“Em países como a Espanha e a Inglaterra, que minimizaram a questão da violência, fizeram-se leis que criaram responsabilidades não apenas para as torcidas e para os torcedores, mas também para os dirigentes, técnicos e jogadores que façam declarações provocativas”, contou Heloisa Reis, professora assistente da Universidade Estadual de Campinas, graduada, mestra e doutora em Educação Física, atuando com ênfase em Sociologia do Esporte, Lazer e Pedagogia do Esporte, em entrevista exclusiva à Universidade do Futebol.

Pensando no problema sério que se tornou a violência entre torcedores, dentro, no entorno e no caminho para os estádios, e na maneira como outros países fizeram para minimizar os casos de violência em dias de jogos, Heloisa Reis desenvolveu um estudo sobre o tema comparando o Brasil com a Espanha.

Durante a entrevista, ela falou sobre as conclusões dessa pesquisa, além de expor a sua opinião sobre algumas medidas governamentais brasileiras que visam a redução da violência nos estádios, como a proibição da venda de bebidas alcoólicas. A pesquisadora também se posicionou em relação à preparação do Brasil para a Copa do Mundo de 2014.

Universidade do Futebol – Quais são as raízes da violência no futebol brasileiro?

Heloisa Reis – Elas estão centradas em dois focos: um macroestrutural e um microestrutural. Esse, eu chamo de ambiente do futebol e aquilo que está relacionado à infraestrutura dos estádios. Os países que montaram uma política de prevenção à violência com sucesso tomaram como principio básico a melhoria das estruturas dos locais de jogo e da organização do espetáculo.

Nessa atmosfera, alguns aspectos que mais têm relação com a violência são a venda dos ingressos, a maneira como os torcedores são conduzidos para dentro dos estádios e a sua abertura com grande antecedência. Seria interessante oferecer partidas preliminares para estimular os torcedores a entrarem antes, além da comercialização de ingressos de maneira mais eficiente.

Incluo nessas questões microestruturais, mas que também fazem parte das macroestruturais, um grupo de agentes de segurança especializados, que entendam mais a problemática da violência e conheçam o público de futebol, tratando-o como gente, e não como animais.

No entanto, quando se fala em raízes, temos que considerar mais a questão macroestrutural. Nós ainda vivemos em uma sociedade em que a violência é predominante em várias esferas. Sendo assim, tem-se o uso abusivo de armas de fogo, o que tem uma relação com o crescimento de homicídios no futebol.

Mais do que isso, as condições de moradia são precárias, a juventude está ociosa e a qualidade das escolas é muito baixa. Apesar de nos últimos anos ter-se aberto mais o acesso da população à escola, a qualidade do ensino caiu muito.

Essa questão da escolaridade de baixa qualidade desestimula os jovens ao estudo e faz com que eles não tenham projetos de vida em sociedade, o que os leva a procurar os seus iguais em grupos em que as maneiras de expressar, via de regra, são pela violência.

Outro ponto que deve ser destacado nessa questão das raízes é a exacerbação dos valores de masculinidade expressos por meio do futebol e por meio do esporte espetáculo, de modo geral, o que criou a cultura de que o esporte é para os homens, de maneira que, demonstrar nesses ambientes futebolísticos que se é agressivo, violento e forte, passa a ser uma marca distintiva de gênero, de masculinidade. Isso é uma questão mundial, não só brasileira, e que se atribui como a principal raiz da violência relacionada ao futebol.

Universidade do Futebol – Qual o melhor caminho para acabarmos com a violência entre as torcidas? Que medidas devem ser tomadas pelas autoridades?

Heloisa Reis – É importante que se coloque que o problema da violência é muito complexo e que abrange uma série de motivos, raízes e agentes que têm de ser modificados.

Então, a expressão que se poderia utilizar para sermos mais corretos sobre esse assunto é: como fazemos para minimizar os casos de violência que acontecem no futebol? É nessa perspectiva que se trabalha na Europa e que eu trabalho aqui no Brasil.

Acredito que para ocorrer a redução dessa violência, há que se diminuir, também, a impunidade no Brasil. A falta de punição, tanto nas questões relacionadas com a violência no futebol quanto no que se refere aos nossos políticos (a Câmara e o Senado), tem de mudar. Os governantes passam a ser modelos para a juventude. Muitas vezes eu ouvi torcedores dizendo que “os nossos exemplos, os políticos, são corruptos, não são sérios e não fazem o seu papel. Por que estão cobrando de mim que só quero ser respeitado e ter dignidade para assistir a um jogo de futebol?”.

Portanto, tem-se a impunidade como a grande inimiga da diminuição da violência na sociedade como um todo e, particularmente, no futebol. Por que particularmente no futebol? Porque é nesse ambiente que se concentra o maior número de jovens do sexo masculino, grande parte deles com a intenção de se auto-afirmarem, torcendo, sendo agressivos, alimentando a intolerância e as individualidades.

É preciso fazer modificações nas leis para que existam instrumentos legais de punição efetiva para aqueles que cometem crimes ou transgressões graves nos dias de jogos de futebol. Além disso, o Estado deve trabalhar junto às torcidas organizadas, tendo como intermediário a universidade, pois ela possui profissionais competentes e mecanismos para oferecer à população masculina jovem, que se concentra nessas entidades de torcedores, atividades de lazer esportivo de qualidade e oficinas as quais vão tratar das questões mais graves da juventude atual: o uso abusivo de álcool, responsável por parte da violência nos dias de jogos, e o uso de outras drogas não-lícitas, principalmente a maconha, a cocaína e o crack, os quais são usados dentro dos estádios com a permissividade da Polícia Militar.

Portanto, juntamente com as novas leis, há de se realizar campanhas educativas e projetos de desenvolvimento pessoal para esses jovens do sexo masculino, em parceria com as torcidas organizadas (todas elas). Essa é uma questão.

A outra, no âmbito do Estado, do governo, é a urgente retomada dos trabalhos da Comissão Nacional de Prevenção da Violência. Porque ela, que foi sugerida por mim e criada pelo presidente da República em 2004, tem como objetivo reunir os maiores especialistas sobre o tema para propor mudanças na lei, montar um arquivo nacional das ocorrências de violência e sugerir mudanças de curto, médio e longo prazos para prevenção e diminuição da violência nos dias de jogos.

Contudo, na época, essa comissão não foi constituída pelos melhores especialistas, mas sim pelos amigos do ex-ministro Agnelo Queiroz, responsável por indicar os seus membros. Mas, enfim…

Nos anos 2005 e 2006, a comissão foi coordenada por Marco Aurélio Klein, um sociólogo e especialista em marketing esportivo, e conseguiu elaborar um relatório com muitas qualidades, o qual ouviu os torcedores e vários especialistas. Só que esse trabalho está estagnado. Foi feita a primeira fase do projeto proposto e nunca mais a comissão se reuniu. É preciso que isso seja retomado.

Por outro lado, tenho sugerido trabalhos que propõem aos estados que possuem essa problemática mais agravada (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Bahia) que criem comissões estaduais de prevenção da violência, reunindo os seus especialistas para proporem medidas, incluindo nessas discussões os representantes de torcidas organizadas, para que se possa tê-los como aliados na constituição de uma política de prevenção estadual e nacional de prevenção da violência.

Universidade do Futebol – Muitas pessoas acreditam que a extinção das torcidas organizadas resolveria esses problemas. Qual sua opinião sobre isso?

Heloisa Reis – Essa visão é completamente infundada e absurda, porque não são todos os torcedores organizados que brigam e aqueles que cometem os delitos nem sempre são torcedores organizados. Isso já justificaria a questão.

Conceituo as torcidas organizadas como agremiações de torcedores que se reúnem, inicialmente, para torcer por um clube. Essa associação se faz, principalmente, por membros do sexo masculino (93% dos componentes das principais torcidas organizadas de São Paulo são homens), os quais se juntam, em grande parte das vezes, não pura e simplesmente para torcer, mas para que se forme um grupo em que haja pessoas capazes de discutirem a política do clube, a política de esportes, e uma série de outras questões que, principalmente o jovem (entre 15 e 30 anos, os quais constituem o grosso dessas torcidas), não tem outro espaço para debater.

As escolas e as universidades não têm mais os centros acadêmicos desenvolvidos para a discussão dessas questões, e os ambientes de trabalho não são locais onde as pessoas congregam-se para debater sobre as políticas do país.

Acabar com as torcidas organizadas seria extinguir uma das poucas possibilidades de instituição social criada pela própria juventude. Acredito que seria matar uma juventude que está tentando participar do processo político. Além disso, existe o fato de que nem todos os membros são aqueles que brigam. Acho um tremendo equívoco.

Mais do que isso, o Estado perderia uma grande oportunidade de ter alguma influência sobre essas torcidas, as quais deixariam de ser instituições regularizadas. Outra questão que contribui para a minha posição contrária à extinção dessas agremiações é o fato de se saber que aquelas que não são legalizadas, que se auto-intitulam torcidas organizadas, com grupos pequenos de jovens, são, hoje, o maior problema da violência nos dias de jogos. Essas, normalmente, formam-se em bairros muito distantes, onde há enorme carência de políticas públicas de lazer, de educação, de moradia e de emprego. A partir daí, reúnem-se 10 ou 20 jovens que vão em direção aos estádios pelas estações de trem, de metrô e pela rua, intimidando e ameaçando as pessoas ou grupos de outros torcedores.

Esse fato demonstra que extinguir as torcidas organizadas e jogá-las na clandestinidade, junto de muitas outras, tornará o problema algo muito mais complicado para o Estado.

Porém, o meu posicionamento contrário à pura e simples extinção das torcidas organizadas não exclui a necessidade de punir aqueles grupos de torcedores que cometem crimes em dias de jogos ou mesmo as torcidas organizadas que não se prontificarem a colaborar com a política nacional, exigindo, por exemplo, os antecedentes criminais dos seus associados. Na medida em que se admitem pessoas em débito com a sociedade dentro dessas torcidas, elas também estão sendo coniventes com a violência e com a impunidade.

Universidade do Futebol – Você acredita que imprensa, jogadores e dirigentes também têm sua parcela de responsabilidade pela violência no futebol ao incitarem a rivalidade entre os times?

Heloisa Reis – Eles têm uma enorme responsabilidade. O que acontece nas análises da mídia, em geral, é responsabilizar de maneira rápida e leviana apenas as torcidas organizadas.

Eu penso que o coletivo formado pela imprensa, dirigentes, técnicos e demais agentes talvez seja mais responsável pela violência do que as próprias agremiações de torcedores, porque esses grupos pertencem a uma elite que pode até ser distinguida como intelectualizada. Grande parte deles frequentou a universidade, os dirigentes são parte de uma elite social, os próprios jogadores pertencem à elite econômica do país, e teriam que saber melhor a sua responsabilidade e o seu papel quando se dirigem ao público por meio da mídia.

Em países como a Espanha e a Inglaterra, que minimizaram a questão da violência, fizeram-se leis que criaram responsabilidades não apenas para as torcidas e para os torcedores, mas também para os dirigentes, técnicos e jogadores que façam declarações provocativas.

O que vivenciamos no Brasil nos últimos 12 meses em relação à declaração de dirigentes, certamente, na Espanha, teria resultado em cassações. Houve uma grande incitação da violência por parte dos dirigentes brasileiros, por exemplo, nos episódios em que se falou contra ou a favor da existência de 5% ou 10% de torcedores visitantes nos estádios.

De acordo com uma proposta do Ministério Público para tentar diminuir a violência, os dirigentes não poderiam insultar o outro público que recebeu apenas 10% dos ingressos. Esses dirigentes e representantes dos sindicatos dos técnicos e dos jogadores teriam que ser chamados para uma comissão nacional e outra estadual a fim de que se firmassem acordos e termos de ajustes de conduta com o Ministério Público, que é o instrumento legal adequado para que eles também se comprometam a não proferir declarações que incitem a violência. Por outro lado, a legislação também tem que prever multas e penas mais duras para dirigentes, técnicos, jogadores e imprensa quando um desses personagens incitar a violência.

A imprensa é um ator que merece ser responsabilizado em grande parte, porque poderia dar um foco diferente às entrevistas com dirigentes, não os provocando a declarações em que a intolerância ao outro aparece.

Realizei uma vasta pesquisa com os torcedores organizados do estado de São Paulo, e um percentual muito alto deles tem plena convicção de que são incitados à violência pela própria imprensa na maneira como são veiculadas as notícias durante a semana. Ou mesmo porque a principal emissora de TV do país, segundo os próprios torcedores, privilegia um determinado clube paulista na veiculação maior de jogos dessa equipe do que das demais.

As pesquisas inglesas, de Norbert Elias e Eric Dunning, que foram os principais estudos sobre violência nos anos 1980 e 1990, verificaram que a imprensa falada e a escrita têm grande responsabilidade sobre a violência no futebol, principalmente quando a televisão repete muitas vezes cenas de violência ou quando o jornal utiliza palavras bélicas para relatar os fatos ocorridos no futebol.

O que foi feito, em termos de legislação, na Espanha, para minimizar essa questão? O sindicato da imprensa foi chamado por uma comissão e foi elaborado um termo de ajuste de conduta para que não se repetissem cenas de violência em dias de jogos, ou mesmo de invasão de campo. As imagens de brigas não podem ser exibidas mais do que três vezes durante seis segundos por uma mesma emissora de TV, no mesmo dia. Já as invasões de campo não devem ser veiculadas para não incentivar outras pessoas a agirem da mesma maneira.

Na final da Copa do Mundo da Alemanha houve uma invasão de campo, e o Galvão Bueno comentou que nenhuma emissora do mundo estava transmitindo o acontecido, somente a “Globo”. Mal sabia ele que essa é uma política do Conselho da Europa para que não haja incentivo à invasão de campo.

Para quem gosta de ser o centro das atenções e nunca invadiu um campo, as imagens de invasões podem ser um chamariz. Como o principal motivo dessas pessoas é a aparição pelos meios de comunicação, essas mídias não estimulam as invasões dos campos, deixando de mostrar esse tipo de situação.

Universidade do Futebol – Em abril deste ano, foi proibida a venda de bebidas alcoólicas dentro dos estádios. No entanto, um contrato entre a Fifa e a Budweiser fará com que a comercialização seja liberada durante a Copa do Mundo de 2014, no Brasil. O que você pensa sobre a questão? 

Heloísa Reis – É um absurdo! Uma entidade do esporte ditar as regras do que deva e do que não deva ser mudado em um país para que ocorra um evento esportivo é ferir a soberania nacional.

Conseguiram isso com sucesso na Alemanha e estão impondo o mesmo para o Brasil. Encaro como uma questão de desrespeito à legislação e ao povo brasileiro, impondo isso como regra.

Além disso, essa situação demonstra claramente o poder do capital. A parceria da Fifa com uma empresa que só visa lucros e que está pouco preocupada com a saúde da população em qualquer país, porque vende bebida alcoólica e incentiva o seu consumo, acaba sobrepondo-se a uma legislação recém-criada, a qual foi feita a muito custo, com um trabalho enorme do Ministério Público junto à Confederação Brasileira de Futebol.

Na verdade, não foi uma lei que proibiu o consumo e a comercialização de bebidas alcoólicas dentro e nas proximidades dos estádios, mas sim um protocolo de intenções celebrado, em 31 de agosto de 2007, pelo Conselho Nacional de Procuradores Gerais (CTNG) do Ministério Público dos estados e da União, e pela CBF, para jogos sob responsabilidade da confederação brasileira (Copa do Brasil e Campeonato Brasileiro). Para os Estados de São Paulo e Minas Gerais, os respectivos Ministérios Públicos também formaram um termo de ajuste de conduta com as federações locais. O de São Paulo foi feito após a guerra do Pacaembu, em 1995, por iniciativa do promotor público Fernando Capez. Os termos nacional e de Minas Gerais tiveram como base as minhas pesquisas, as quais demonstram que existe forte relação entre o consumo de bebidas alcoólicas e a violência em dias de jogos.

De fato, ainda não existe uma lei proibindo, mas há um termo de ajuste de conduta que a CBF vai deixar de cumprir. Esse termo é recente e pode não ter desdobramentos. O meu grupo de pesquisas, por exemplo, está começando a elaborar um texto para enviar à grande mídia e para esse conselho de procuradores, mostrando que a intervenção da Fifa fere o direito de soberania nacional. Até que ponto um país tem que se curvar a uma instituição internacional?

Tenho plena convicção de que essa submissão se dá por conta do grande poder que o capital tem sobre qualquer outro valor humano em uma sociedade como a nossa, principalmente em relação ao capital periférico, que é o caso brasileiro.

Universidade do Futebol – Uma das medidas para reduzir a violência dentro dos estádios e nos dias de jogos seria termos clássicos com a presença apenas da torcida do time mandante. Qual é sua opinião sobre isso? Qual o impacto sociológico no curto, médio e longo prazos de uma medida como essa? 

Heloísa Reis – Primeiramente, uma medida como essa fere completamente a cultura do futebol. Sempre houve acesso aos ingressos por parte dos torcedores visitantes e, de repente, o Ministério Público vê como inviável garantir a segurança de uma quantidade grande de torcedores visitantes e impõe a restrição de 10% de público.

Isso é uma diminuição significativa na quantidade de pessoas, o que facilita o controle por parte dos agentes públicos de segurança. Só que quando se coloca esses 10% em números de espectadores, ainda é uma quantidade muito grande de torcedores visitantes, pois são entre 3.500 e sete mil lugares dos estádios brasileiros.

Existe uma experiência de sucesso na Espanha, onde se permite, em clássicos, nos maiores estádios do país, como, por exemplo, o do Barcelona, de 300 a 500 torcedores da equipe visitante. Funciona muito bem, porque a polícia nacional espanhola consegue dar proteção para esse número reduzido de torcedores. Então, por um lado, a diminuição do número de público visitante ou a sua inexistência pode facilitar o trabalho das autoridades públicas.

Por outro lado, quando essa iniciativa parte do Ministério Público é grave, pois as próprias autoridades estão decretando a falência da instituição que cuida da segurança pública no estado e no país, dizendo que não há condições de se dar segurança para a população em dias de jogos. Isso é muito grave!

Enquanto medida paliativa pode dar resultado. Deu certo na Espanha.

A mídia, de maneira geral, tem dito que isso acontece na Argentina. É mentira. Estive em contato com pesquisadores desse país há pouco tempo e eles disseram que essa experiência ocorreu em apenas um jogo entre River Plate e Boca Juniors, mas não se repetiu porque a população não admitiu esse tipo de mudança cultural no futebol. No entanto, isso é feito na terceira divisão do futebol argentino, na qual a medida foi bem vista.

Penso que, em vez de se proporem soluções mágicas para um problema complexo, já que isso não dá resultado, deve ser atacado em diversas frentes e por diferentes instituições governamentais. Deveria se tomar mais cuidado e agir com mais cautela ao realizar certos tipos de declarações e propostas, trabalhando mais as questões estruturais com projetos junto às torcidas organizadas para aproximá-las da universidade e mostrar que o Estado está preocupado com a juventude e, por isso, está auxiliando no desenvolvimento dos jovens por meio de propostas de lazer e de oficinas que vão ajudá-los no seu desenvolvimento humano, em um sentido mais positivo.

Isso surtiria muito mais efeito do que inflamar os torcedores, dizendo que eles não poderão mais assistir aos jogos como visitantes.

Universidade do Futebol – Você realizou um estudo comparativo entre a violência nos estádios no Brasil e na Espanha. Qual o resultado desse estudo? É possível traçar um paralelo com outros países, como Inglaterra, por exemplo?

Heloísa Reis – Realizei um estudo aprofundado sobre a Espanha, questionando por que diminuiu a violência por lá. Como houve essa redução? Quais eram as raízes dessa violência?

A pesquisa abordou a Europa de maneira geral, porque as ações tomadas na Espanha foram motivadas por um convênio feito no continente em 1985, o que também serviu de base para o que foi realizado na Inglaterra.

É gritante a diferença entre o que se observa no Brasil e o que se faz na Europa. Isso habita exatamente nas questões sobre as quais conversamos de maneira mais detalhada, que passam por uma legislação específica, muito bem elaborada e detalhada, que fez com que praticamente zerasse a impunidade nesses países. Realmente, as pessoas que cometem atos de violência são punidas e se tornam casos exemplares, o que desmotiva outras pessoas a fazerem o mesmo.

Simultaneamente a esses trâmites legais, houve a remodelação de todos os estádios, de maneira que se deu condições de conforto e segurança a todos os torcedores. Além disso, houve uma mudança radical no que se refere à venda de ingressos, motivando as pessoas a comprarem as entradas por temporada, o que minimizou muitos problemas de conflitos na busca por ingressos. Isso, no Brasil, é um dos fatores que mais gera conflitos: ninguém consegue comprar entradas nas bilheterias oficiais, para conseguir é preciso ficar de cinco a sete horas na fila, e ingressos de estudante acabam muito rápido, entre outros agravantes na situação.

Nesses países da Europa sobre os quais estamos falando, também há uma polícia especializada, altamente qualificada e competente para lidar com o público que vai aos estádios.

Resumidamente, essas mudanças, que são necessárias no Brasil, foram realizadas na Espanha e na Inglaterra, juntamente com campanhas educativas, que lá foram feitas em menor quantidade do que eu acredito que precise ser feito no Brasil, porque, nesses países europeus, a população tem educação pública de qualidade, tem, de fato, direitos de cidadão, o que ainda não conquistamos no Brasil, além de terem instituições públicas que protegem o cidadão. Ou seja: existe, verdadeiramente, cidadania nesses países-modelo; no Brasil, não.

Então, o paralelo que tem que se traçar é: o quanto estamos distantes de resolver esses tipos de problema? Porque, para minimizar a violência em dias de jogos temos que levar em conta pelo menos essas frentes que eu apontei, aliadas às questões estruturais de uma população com melhor nível de instrução, com moradia decente, que tenha projetos de vida, com condições familiares e de emprego adequadas. O que não se observa no Brasil.

Universidade do Futebol – Pela sua experiência no tema violência no futebol e na forma como ele é tratado pelas autoridades, seria possível projetar como o país estará na Copa do Mundo de 2014 nesse quesito?

Heloisa Reis – Se as coisas continuarem da maneira como estão, na Copa de 2014 vai estar tudo muito ruim nesse sentido. Isso me preocupa muito e parece que preocupa só a mim, talvez porque eu tenha uma dimensão maior do problema.

Por um lado, pode ser que não aconteçam grandes casos de violência, porque as cidades-sede poderão ser tomadas pelo Exército Brasileiro, como aconteceu no Pan de 2007, o que irá transmitir para as pessoas que estiverem no Brasil durante esses dias uma sensação de vigilância e de repressão que iniba casos de violência. Essa experiência do Pan do Rio de Janeiro mostrou que o governo brasileiro, quando quer colocar a tropa na rua, consegue inibir a violência.

Por outro lado, esse tipo de policiamento não é o melhor e põe em risco a população por não existir uma polícia especializada. Se houver a vinda dos hooligans ingleses e dos aguante (barra bravas) argentinos, será algo realmente preocupante. Existe um ódio muito grande entre a população desses dois países, em função da Guerra das Malvinas, e temo que elas tomem a Copa do Mundo do Brasil para continuar com um conflito político, que foi essa guerra. Acho muito provável que isso ocorra, porque um dos afazeres desses torcedores ingleses é viajar para outros países e causar tumultos que tomem espaço na mídia. Aliado a isso, os aguante também têm motivação de estar nos meios de comunicação. Acredito que esse encontro pode ser muito perigoso, principalmente nas regiões Sudeste e Sul do Brasil, onde eles devem acontecer.

Por isso, se as nossas autoridades continuarem tratando o problema apenas com medidas paliativas, repressivas e autoritárias, não vamos chegar à Copa do Mundo de 2014 com uma política pública de qualidade como é necessário para se prevenir a violência nos estádios. Mas, no evento em si, como citei, pode ser que se coloque as tropas nas ruas, e isso seja uma tremenda intimidação para a população de um modo geral.

Essa questão também estará aliada ao tratamento que a mídia vai dar para a Copa, o que ainda não foi desenhado. É necessário conscientizar a população brasileira de que essa Copa não foi feita para nós. Esse evento vai ser, como sempre foi, para quem tem mais recursos financeiros, para os detentores do capital, que vão comprar os ingressos com muita antecedência.

Para o brasileiro vão sobrar os jogos que ninguém assiste, mas só para alguns brasileiros também. Não para as torcidas organizadas, não para os menos abastados. É importante deixar claro que esse é um macro-espetáculo esportivo que sempre foi das elites e não vai ser no Brasil que também não ficará nas mãos delas.

Universidade do Futebol – Como você acredita que o trabalho da imagem do atleta e a maneira que ele aparece na mídia podem influenciar a sociedade?

Heloísa Reis – A política da Espanha, por exemplo, demonstrou para o sindicato dos jogadores e para os clubes que é necessária a criação de uma imagem diferenciada do jogador. Não como um semideus, como um rei, como um ídolo intocável. É preciso que esses atletas tenham uma imagem de um ser comum que teve a oportunidade e se esforçou para se tornar um profissional bem-remunerado.

Então os jogadores, ao fazerem parte de um grande clube, precisam criar uma imagem exemplar, não ser uma figura que faça propaganda de bebidas alcoólicas ou de outras drogas lícitas. Uma imagem que está muito mais vinculada aos valores positivos do desenvolvimento humano, pessoas que não usam drogas. É inconcebível pensar um jogador fazendo campanha publicitária de uma marca de cerveja.

Além disso, na medida do possível, os jogadores têm que ficar mais próximos da torcida. Ao final do treino, os atletas dirigem-se aos torcedores que estão assistindo à preparação e, eventualmente, conversam com alguém que os procure. Quando estão em público, são atenciosos com as pessoas que se dirigem a eles de maneira educada para não criar a ilusão de que o atleta é uma estrela intangível, o que acaba fazendo com que as pessoas criem um fanatismo mais perigoso do que se for construída uma imagem de uma pessoa comum que, durante aquele momento da sua vida, está servindo a um grupo de torcedores que tem, nesse jogador, uma grande expectativa de despertar de emoções, de acordo com o que ele possa fazer dentro de campo.

É essencial que os jogadores não se envolvam em acidentes de carro estando bêbados. Na Europa, a pressão em relação a isso é muito grande, ao contrário do que acontece no Brasil. Aqui, o atleta envolve-se em acidentes, mata pessoas por estar dirigindo embriagado, e isso passa a ser uma questão privada, e não uma questão pública, como tem que ser. Ele tem que ser um exemplo, e não alguém que é beneficiado e vive a impunidade por ser uma figura pública.

Universidade do Futebol – Você acredita que a Sociologia pode ser uma ferramenta para que os brasileiros entendam a importância de receber uma Copa do Mundo e para que eles se preparem para acolher os turistas das diferentes partes do planeta? Como a universidade pode ajudar nessa conscientização e como ela pode dialogar com a população brasileira?

Heloisa Reis – A Sociologia é uma das áreas do conhecimento que mais podem contribuir para o entendimento da população sobre o que é esse esporte-espetáculo, o que é esse mega evento, e as razões pelas quais a Copa do Mundo acontecerá no Brasil.

A grande contribuição da universidade será como parte da construção de uma política nacional de prevenção da violência da maneira como tentamos fazer.

No entanto, participamos muito menos do que gostaríamos, pois existe uma resistência do Poder Público para que isso ocorra. Eventualmente, ele nos chama. Não falo só sobre mim, mas vários outros professores universitários já desenvolveram e desenvolvem pesquisas sobre o tema e, mesmo assim, são muito pouco acionados.

Acredito que o nosso papel é veicular, por meio da mídia ou por meio de artigos publicados nos meios de comunicação, os resultados obtidos com todas as pesquisas. Creio que não se pode negar entrevistas, não se pode eximir de falar com a imprensa e divulgar os resultados desses estudos.

A questão também passa pela falta de seriedade, pela falta de respeito com a universidade, o que vem até do próprio Poder Público. Ele poderia levar adiante mais sugestões dadas pelos pesquisadores. Isso é parte das instituições brasileiras, pois, na Espanha, por exemplo, a universidade era a voz mais ouvida na comissão em que se sugeriam propostas legislativas e de implementação de políticas educacionais.

Contudo, acredito que seja parte do caminho a ser seguido. Há pouco tempo, não existiam estudos, não havia o Estatuto do Torcedor, e não havia a comissão de prevenção da violência. Hoje, ela não funciona, mas já existe no papel. É um caminho muito lento, mas algumas coisas estão mudando para melhor. A própria cultura governamental ainda não reconheceu o papel que a universidade pode ter.

Por isso, confio que é super importante, por exemplo, o trabalho da Universidade do Futebol, que desempenha o seu real papel: divulgando novas pesquisas, novas tecnologias, novas visões, novas perspectivas e proporcionando várias coisas interessantes para o futebol e para a educação física, também.

Leia mais:
O cravo da violência
Na Europa, combate à violência ganhou força nos anos 1980
Estatuto do torcedor
A venda de bebidas alcoólicas dentro dos estádios e ginásios
Medidas tomadas pela Uefa para conter a violência
A infra-estrutura dos estádios e a gestão do espetáculo futebolístico
Visão psicológica da violência no esporte
Sociologia explica violência das torcidas
O perfil do torcedor brasileiro

Futebol – A gênese da estupidez (Portal Esportivo)

por http://www.portalesportivo.com.br (sem data; acessado em 4 de setembro de 2012)

Maurício Murad, sociólogo e autor do livro “A violência e o futebol – dos estudos clássicos aos dias hoje”

O sociólogo Maurício Murad, Coordenador do Núcleo de Sociologia do Futebol da Uerj, é um dos pioneiros nos estudos do impacto que o futebol pode ter na sociedade – ou o contrário. Com vários artigos, capítulos de livros e cinco obras completas publicadas, Murad acaba de lançar pela Fundação Getúlio Vargas, o livro “A violência e o futebol – dos estudos clássicos aos dias de hoje. A obra traça um panorama da relação histórica entre violência e futebol.

Como se deu a relação entre violência e futebol ao longo dos anos?

Maurício Murad “O futebol acaba expressando a violência geral da sociedade. Então, aumentando a violência geral na sociedade, ela tende a aumentar também no futebol. É o que aconteceu no futebol brasileiro a partir dos anos 1980. Também há situações específicas da realidade brasileira que aumentaram a violência. Essas situações são basicamente duas: corrupção e impunidade. A corrupção principalmente policial e dos órgãos da Justiça, que nós temos acompanhado nos jornais. Outro fator que complementa a corrupção, porque um é irmão gêmeo do outro, é a impunidade. Também, à partir de 1996, aumentou o tráfico de drogas entre as torcidas. A polícia sabia, isso foi avisado e muito pouco foi feito para conter”.

Em que nível aumentou a violência no futebol brasileiro a partir dos anos 1980?

Maurício Murad – “As torcidas organizadas começaram no Brasil nos anos de 1940. A primeira é do São Paulo, em 1940, e no Rio de Janeiro é a “Charanga Rubro-Negra”, de 1942. Mas as torcidas entre o início dos anos 1940 e o final dos anos 1960 eram torcidas ‘carnavalizadas’. Famílias iam para o estádio fazer festa, cânticos, batucadas. Havia, inclusive, um concurso no qual a torcida mais animada ganhava uma geladeira, um eletrodoméstico raríssimo na época. No final dos anos 1960, no quadro da Ditadura Militar, começaram surgir essas torcidas organizadas violentas. Elas surgiram observando os padrões de autoritarismo e repressão, de militarismo que reinava naquela época. As torcidas se organizam em pelotões, tropas de choque, em destacamento. Curiosamente, não por coincidência, é época do governo Médici, o mais repressivo da Ditadura Militar.

Só que para essas torcidas, nascerem, crescerem, ganharem corpo e começarem a praticar atos de violência levou um tempo. Então, foi entre 1970 e 1985, que elas nasceram, saíram do papel, foram para a prática e começaram a aparecer nas páginas policiais, porque não houve contenção. Mas é importante frisar que são minorias dentro da organizadas, algo em torno de 5% ou 7%. Mas são minorias perigosas.

Banir as torcida organizadas ajuda a combater a violência?

Maurício Murad – “Houve uma tentativa por parte da Promotoria Pública do Estado de São Paulo – em 1995, após a morte de um torcedor – de acabar com as torcidas organizadas. Eles acabaram com a “Mancha Verde” do Palmeiras, que era considerada a torcida mais violenta do Brasil. A “Mancha Verde” não deixou de existir, ela mudou o nome, passou a se chamar “[Mancha] Alvi-Verde”, com os mesmos dirigentes, os mesmos grupos. Eles deram um drible na justiça.
Não é por aí. Se você tenta acabar com as torcidas você as empurra para a marginalidade, elas deixam de existir legalmente. Com isso se facilita a ação de grupos marginais, grupos infiltrados nas torcidas. Assim, se inibe a participação dos grupos legais, que estão ali para festa, para manifestar seu gosto pelo futebol”.

Como você avalia a cobertura da mídia com relação aos casos de violência nos futebol brasileiro?

Maurício Murad “A mídia acaba ajudando muito a violência. Ela vive como o país todo – e não é só o Brasil, esse é um traço da época contemporânea – a espetacularização. Tudo vira espetáculo, tudo vai para a televisão. A mídia não cria o fato, mas aumenta a sensação dele. Ela tinha que tomar cuidado, ter critérios éticos claros sobre o que publicar e como publicar.

O que as pesquisas provam é que os torcedores que vão para as primeiras páginas dos jornais, ou para a televisão no horário nobre, adoram isso. Eles viram heróis, ficam glamourizados. No entanto, os torcedores que querem defender a pacificação das torcidas sempre reclamam que não tem espaço. A mídia é uma situação dúbia: por um lado, ela aumenta a sensação de violência, mas por outro, ela é um instrumento fundamental de parceria que a gente tem para melhorar as coisa, porque na sociedade da imagem ela é essencial para educar”.

Qual a diferença entre a violência praticada por torcedores europeus para a praticada por torcedores brasileiros?

Maurício Murad – “Eu passei um período na Europa estudando isso e participei de um grupo de discussão da UEFA [entidade máxima do futebol europeu]. Na Europa tem grupos neo-nazistas, grupos contra imigrantes, grupos racistas, o que não tem muito aqui.

Lá tem tráfico de drogas e armas, coisa que aqui no Brasil é muito menor e mais recente. Na Europa tem violência de forma organizada muito maior do que aqui. Em compensação a punição é maior também, a ação dos órgãos de segurança é muito mais rápida e ágil do que aqui. Lá as práticas de violência são maiores e mais graves, mas em compensação a ação da sociedade estruturalmente organizada pela lei e pelos critérios da democracia é muito mais forte, então ocorre mais ou menos um equilíbrio.

O que me surpreende no Brasil é como não acontece uma grande tragédia a cada jogo. A inoperância policial, a falta de planejamento e a ineficácia é tão grande que o difícil não é entender quando acontece um fenômeno da violência, e sim como não acontece sempre esse fenômeno em cada grande jogo”.

Violência das torcidas de futebol na mídia

Cadastro de torcedores: solução para a violência nos estádios? (Universidade do Futebol)

Gustavo Lopes

06/07/2012

Autoridade e entidades organizadoras de eventos não devem aumentar exigência, mas tratar fãs com respeito

A segurança corresponde a um direito individual e social do cidadão brasileiro previsto nos artigos 5º e 6º da Constituição Federal. Sendo assim, de fato, é um dever de todos assegurá-la, impedindo a violência.

A violência no esporte é uma das faces da ausência de segurança cotidiana na sociedade e justamente na atividade esportiva onde deveria haver sua sublimação. Famílias por diversas vezes evitam os estádios, pois os vêem mais como espaço violento, que palco de acontecimentos esportivos.

Neste esteio, a união de todos os envolvidos com a atividade esportiva é essencial para que o desporto brasileiro não faça mais vítimas como o jovem Alex Fornan de Santana, de 29 anos, torcedor do Palmeiras, morto em 21 de fevereiro de 2010 após partida entre Palmeiras e São Paulo válida pelo campeonato paulista, em confronto de torcidas. Este caso recente é apenas um dentre centenas de outros ocorridos pelo mundo.

Muitas medidas são aventadas, propostas e estudadas. O Estatuto do Torcedor, após as alterações introduzidas pela Lei 12.299/2010, passou a exigir o cadastro de torcedores por parte das torcidas organizadas e, ainda, criminalizou uma série de atos dos torcedores. Há quem defenda que o cadastro de torcedores não deve se restringir às “Organizadas”, mas que deve se estender à totalidade de torcedores.

É imprescindível destacar que a violência nos estádios não é característica exclusiva dos desportos brasileiros, cujo nascedouro é atribuído às torcidas organizadas.

Na América Latina, especialmente na Argentina, os torcedores violentos são conhecidos como Barra Brava que correspondem a um tipo de movimento de torcedores que incentivam suas equipes com cantos intermináveis e fogos de artifício que, ao contrário das torcidas organizadas não possuem uniformes próprios, estrutura hierárquica e muitas vezes nem mesmo associados.

Na Europa, os torcedores violentos são conhecidos como hooligans, em especial a partir da década de 1960 no Reino Unido com o hooliganismo no futebol.

A maior demonstração de violência dos hooligans foi a tragédia do Estádio do Heysel, na Bélgica, durante a final da Taça dos Campeões Europeus de 1985, entre o Liverpool da Inglaterra e a Juventus da Itália. Esse episódio resultou em 39 mortos e um elevado número de feridos.

Os hooligans ingleses foram responsabilizados pelo incidente, o que resultou na proibição das equipes britânicas participarem em competições européias por um período de cinco anos.

A escalada de violência nos estádios do Reino Unido foi tamanha que começou a afetar não apenas os residentes locais, mas também a ter consequências para a Europa continental.

Por este motivo, o hooliganismo arranhou a imagem internacional do Reino Unido, que passou a ser visto por todos como um país de violentos arruaceiros, cujo ápice se deu com a tragédia de Heysel.

Insuflada por esse acontecimento, a então primeira-ministra britânica Margareth Thatcher entendeu que o hooliganismo havia se tornado problema crônico e que alguma providência deveria ser tomada.

Entendendo que o aumento do controle estatal minimizaria a violência, a “Dama de Ferro” sugeriu a criação da carteira de identidade dos torcedores de futebol (National Membership Scheme) no Football Spectators Act (FSA), em 1989.

Alguns meses após a divulgação do FSA, ocorreu a maior tragédia do futebol britânico. Na partida válida pelas semifinais da FA Cup entre Liverpool e Nottingham Forest, no estádio de Hillsborough, do Sheffield Wednesday, 96 torcedores do Liverpool morreram, massacrados contra as grades que separavam a arquibancada do campo.

A fim de apurar os motivos da tragédia, o governo britânico iniciou investigação cuja conclusão foi de que o problema não seria os torcedores, mas as estruturas que os atendiam. Muito pior que os hooligans, era a situação dos estádios britânicos naquela época. Não seria possível exigir que as pessoas se comportassem de maneira civilizada em um ambiente que não oferecia as menores condições de higiene e segurança.

Para evitar que novas tragédias se repetissem a investigação realizada, em sua conclusão, estabeleceu uma série de recomendações como, por exemplo a obrigação da colocação de assentos para todos os lugares do estádio, a derrubada das barreiras entre a torcida e o gramado e a diminuição da capacidade dos estádios. Dentre as recomendações estava o cancelamento do projeto da carteira de identificação dos torcedores, eis que havia o receio de que o cadastramento aumentasse o problema da violência, e não o contrário.

Além dos questionamentos sobre a real capacidade dos clubes conseguirem colocar em prática um sistema confiável de cadastro, controle e seleção de torcedores e, ainda, sobre a confiança na tecnologia que seria utilizada, o argumento se baseava na ideia de que a carteira de identidade para torcedores não seria uma ação focada na segurança, mas na violência e as tragédias nos estádios não seriam questão de violência, mas de segurança. Inclusive, a polícia inglesa, que poderia ser beneficiada com a carteira, rejeitou o projeto, que, acabou sendo abandonado.

Em razão das novas exigências, os clubes ingleses se organizaram e na temporada 1992/1993 criaram a “Premier League” que atualmente é o campeonato de futebol mais valioso do mundo.

Além do índice técnico, um dos requisitos para que um clube inglês dispute a “Premier League” é a existência de estádio com boa infra-estrutura aos torcedores.

É fato que no Brasil o problema da violência é grande, mas muito pior é o problema da insegurança. Muitas tragédias como o buraco nas arquibancadas da Fonte Nova, só aconteceu porque o estádio estava em condições ruins, caso em que a carteirinha de identificação não teria salvado as vítimas, mas melhor fiscalização nas reais condições do espaço e o fornecimento de uma estrutura apropriada para o público, certamente teria evitado a tragédia.

Destarte, apesar dos avanços conquistados, especialmente com o advento do Estatuto do Torcedor, o consumidor dos eventos esportivos no Brasil ainda não é respeitado.

Estádios com infraestrutura precária, venda de ingressos e acesso a estádios tumultuados são alguns dos problemas enfrentados rotineiramente pelos torcedores brasileiros.

O fato é que as autoridade e as entidades organizadoras de eventos esportivos ao invés de aumentar a exigência dos torcedores, devem passar a tratá-los com respeito atentando-se ao estabelecido no Estatuto do Torcedor e nos direitos básicos como segurança e organização dos eventos esportivos.
Referências bibliográficas

http://www.cidadedofutebol.com.br/Jornal/Colunas/Detalhe.aspx?id=10782, acessado em 13 de novembro de 2010.

http://www.universidadedofutebol.com.br/2010/10/1,14853,A+IMPORTANCIA+DO+DIREITO+DESPORTIVO.aspx?p=4, acessado em 13 de novembro de 2010.

http://esporte.ig.com.br/futebol/2010/02/22/confrontos+entre+torcidas+deixam+1+morto+e+20+feridos+9404363.html, acessado em 13 de novembro de 2010.

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A violência nos estádios de futebol (Universidade do Futebol)

Gustavo Lopes

15/06/2012

Colunista trabalha em dissertação de mestrado para analisar o tema e divide a questão em três partes

Nas últimas semanas, estive envolvido na conclusão da minha dissertação de mestrado que trata das causas e soluções para a violência nos estádios de futebol da América do Sul.

O trabalho desenvolveu a memória de algumas correntes existentes sobre a violência no futebol, a intenção de obter uma interpretação a partir das mais diversas teorias, como as de Eric Dunning, Norbert Elías, Heloisa Helena Bady dos Reis e outros para tentar esclarecer esse fenômeno esse fenômeno tão complexo que é a violência nos espetáculos esportivos, focando-se nos países da América do Sul filiados à Conmebol.

Os países sulamericanos filiados à entidade foram divididos em três grupos. O primeiro denominado América Andina é composto por Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. O segundo, a América Platina, é composta por Argentina, Paraguai e Uruguai.

Finalmente, por suas peculiaridades e importância futebolística, política e econômica, o Brasil é apresentado separadamente. Cada país é descrito geopolítica e futebolisticamente analisando-se a legislação antiviolência.

No capítulo seguinte, faz-se um histórico dos principais casos de violência na América do Sul para, no tópico seguinte, apontar as suas causas.

Dentre as causas da violência, busca-se a doutrina internacional para enumerar as que melhor se aplicam à América do Sul, com destaque para a falta de respeito para com os direitos dos torcedores, a precariedade da infraestrutura dos estádios de futebol, a situação sócio-econômica da população do país, a impunidade e a falta de atuação governamental.

Após, apontam-se medidas adotadas na legislação alienígena, especialmente na Inglaterra, Portugal, Espanha, Estados Unidos, dentre outros.

Por fim, na conclusão, apontam-se as causas investigadas com as respectivas soluções legislativas e/ou governamentais. Ante todo o estudado, pesquisado e avaliado, constata-se que é possível combater a violência nos estádios de futebol com medidas eficientes. Desenvolveremos algumas conclusões em colunas futuras.

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Violência das torcidas organizadas: um desafio para a Copa do Mundo de 2014

Setores radicais desses grupos precisam abandonar a violência como prática. Com isso, ganharão legitimidade e terão um longo caminho a percorrer na história do nosso esporte

Rodrigo Monteiro*

03/04/2012

A Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro têm mobilizado autoridades e a sociedade brasileira em discussões acerca do legado que esses megaeventos deixarão para o país e, sobretudo, para as cidades-sede desses eventos.

Uma dessas heranças é o novo Estatuto do Torcedor, sancionado em julho de 2011. Seu principal objetivo é coibir a violência nos estádios.

Em pesquisa realizada pelo Ibope e pelo jornal Lance!, publicada em agosto de 2010, 60% dos entrevistados disseram-se a favor da extinção das torcidas organizadas. Por um motivo simples: depois de já terem ocorrido tantos conflitos violentos envolvendo torcedores, a sociedade enxerga esses grupos como uma ameaça.

Masculinidade exacerbada e disputa territorial constituem práticas comuns de alguns grupos de torcedores organizados e revelam o que o sociólogo alemão Norbert Elias chamou de ethos guerreiro (entendido como vontade e disposição para agredir e destruir fisicamente o rival) que constrói uma das muitas identidades masculinas.

A esperança é que a reforma do estatuto ajude a combater o problema. Uma das novas punições previstas para torcedores violentos exige que eles se apresentem em delegacias durante os jogos. A norma é inspirada na legislação inglesa que cuida dos famosos hooligans. O texto também proíbe e pune cambistas, exige maior transparência dos organizadores dos campeonatos e prevê penas severas para os árbitros desonestos. Não há, no entanto, qualquer menção a policiais que abusem de seus poderes ou desviem-se de suas funções contra torcedores.

Alguns pontos do estatuto, porém, são polêmicos. Ele determina, por exemplo, que as torcidas organizadas se tornem juridicamente responsáveis pelos atos de seus membros. Mas será justo condenar, social e legalmente, o todo pela parte? Isso pode criminalizar as organizadas e ameaçar o direito à livre associação, uma das garantias constitucionais básicas de qualquer democracia.

O estatuto também mantém a proibição da venda de bebidas alcoólicas. No entanto, é sabido que os únicos produtos que podem ser vendidos nos estádios e em seus arredores são os licenciados pela Fifa. Entre esses produtos, estão bebidas alcoólicas de empresas patrocinadoras da entidade. Ao que parece, essa questão já foi superada e a favor dos interesses da Fifa e de suas associadas.

Cabe, então, a pergunta: de quem será a soberania nos dias de Copa? Do Estado brasileiro ou da Fifa?

É evidente que os setores radicais das organizadas precisam abandonar a violência como prática. Com isso, ganharão legitimidade e terão um longo caminho a percorrer na história do nosso esporte. Para que isso ocorra, algumas medidas simples podem ser eficazes.

Bandeiras (em duplo sentido) legítimas para as organizadas não faltam: questionar o comando da CBF; bem como os mandos e desmandos das federações estaduais; a relação promíscua entre técnicos, empresários e dirigentes; o elevado preço dos ingressos; os bizarros e contraproducentes horários de transmissões esportivas; transparência nos gastos públicos para a construção de equipamentos esportivos para a Copa e as Olimpíadas, etc.

Caso nenhum desses argumentos sensibilize as organizadas, ao menos que critiquem e incentivem seus clubes amados de forma civilizada. Já terá sido válido.

*Rodrigo Monteiro é sociólogo, pós-doutorando (FAPERJ), pesquisador do NUPEVI/IMS/UERJ e autor do livro “Torcer, lutar, ao inimigo massacrar: Raça Rubro Negra!”, pela Editora FGV.

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Maurício Murad diz que impunidade motiva violência das torcidas (03:14)

Redação SportTV – 28/03/2012

Sociólogo explica problema tem níveis nacionais e exige soluções.

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Isto É – N° Edição:  2212 |  30.Mar.12 – 21:00 |  Atualizado em 04.Set.12 – 05:06

COMPORTAMENTO

Como acabar com as gangues do futebol

As torcidas organizadas agem como quadrilhas, matam e aterrorizam cidades por todo o país. A repressão a esses baderneiros se tornou um desafio nacional

Rodrigo Cardoso

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APÓS A BRIGA
Torcida do Palmeiras na quarta-feira 28: calmaria depois da batalha campal do domingo

A polícia de São Paulo tomou um drible desconcertante de gangues uniformizadas que usam as cores de times de futebol para espalhar medo e matar. No domingo 25, 300 palmeirenses e corintianos, membros de torcidas organizadas, se encontraram na avenida Inajar de Souza, zona norte de São Paulo, para brigar. Dois jovens morreram após uma batalha campal às 10 horas em uma via pública movimentada, a dez quilômetros do estádio do Pacaembu, onde Corinthians e Palmeiras disputariam uma partida seis horas depois. O confronto havia sido agendado pela internet na semana anterior. Diante de tanta gente enfurecida, armada e com sede de sangue, os quatro policiais presentes em duas viaturas não tiveram como evitar a tragédia anunciada. “Eles estavam usando fogos de artifício e bombas. E a polícia não teve outra saída a não ser recuar e praticamente assistiu ao conflito”, admitiu o cabo Adriano Lopomo.

A ação das torcidas organizadas há muito ultrapassou o limite da civilidade. A situação de São Paulo é mais grave, até pelo tamanho das torcidas. Por isso, mesmo regiões distantes dos estádios ficam reféns dessas gangues. Trechos de várias cidades brasileiras estão sujeitos à violência desses baderneiros em dia de futebol e a população fica sitiada. No mesmo domingo 25, na capital cearense, o clássico Ceará e Fortaleza foi marcado por ocorrências antes, durante e depois do jogo. Guardas municipais foram baleados por torcedores em um terminal de ônibus, pessoas consumindo drogas, praticando furtos e brigando na arquibancada acabaram na delegacia. Objetos foram lançados contra os carros na BR-116. Uma semana antes, em Campinas, um jovem de 28 anos foi espancado e morreu em uma briga entre torcedores dos times rivais Guarani e Ponte Preta.

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BADERNA
Torcida do Corinthias a caminho do jogo no
domingo 25: armas, bombas e fogos de artifício

Esses encrenqueiros começaram a frequentar as páginas policiais em meados dos anos 1980. Depois, desceram das arquibancadas e passaram a se enfrentar nas proximidades dos estádios. Ultimamente, porém, candidatam-se para brigas pré-agendadas pela internet em locais distante dos jogos. Rastrear esses choques de torcidas – com a utilização de softwares modernos e pessoal treinado para esse tipo de trabalho – é obrigação da polícia. É a maneira mais inteligente de prevenir brigas que podem causar mortes. “Um monitoramento mais eficiente das redes sociais é algo a ser pensado”, admite o major Marcel Soffner, porta-voz da PM paulista.

O procurador de Justiça Fernando Capez, que combateu a violência das torcidas organizadas antes de se tornar deputado estadual pelo PSDB paulista, defende medidas mais radicais. “Policiais devem se infiltrar nas organizadas para identificar os baderneiros. É preciso fazer interceptações telefônicas para rastrear as comunicações de quem marca esses encontros pela internet, providencia as armas, as drogas e comete outros delitos”, diz ele. O promotor Paulo Castilho, diretor do Departamento de Defesa dos Direitos do Torcedor do Ministério do Esporte, reforça que é necessário promover uma prisão em massa por formação de quadrilha, tráfico de entorpecentes e espancamento. Tem de ser assim porque as torcidas organizadas estão se transformando em criminosos organizados.

Isso foi constatado no estudo “A violência e as mortes do torcedor de futebol no Brasil”, realizado entre 1999 e 2008 pelo professor Maurício Murad, titular de sociologia do esporte no mestrado da Universidade Salgado de Oliveira (Universo). Investigador do comportamento de torcidas organizadas há 20 anos, ele acompanhou integrantes dessas facções nos estádios, onde ouviu de alguns que não gostavam de futebol e ficavam de costas para o campo provocando outras pessoas simplesmente para brigar. “Falta ação, vontade política para tratar o problema”, diz o professor. Os clubes de futebol também devem ser cobrados, pois as organizadas têm regalias. Existem agremiações que distribuem ingressos de graça para as facções ou disponibilizam a venda para elas em guichês exclusivos. Além disso, há membros de torcidas organizadas que participam de conselhos deliberativos de times.

Diante da incapacidade do poder público de prevenir o problema e garantir a segurança de todos, alguns clubes estão partindo para medidas extremas. A repercussão negativa da morte do torcedor em Campinas na semana passada fez com que os presidentes do Guarani e da Ponte Preta optassem, até segunda ordem, pela disputa do clássico com apenas uma torcida. O mesmo aconteceu no mês passado no Paraná. Apenas os torcedores do Atlético Paranaense puderam assistir ao clássico contra o Coritiba no estádio da Vila Capanema. A medida, porém, fere o Estatuto do Torcedor. Com esse argumento, a procuradoria paranaense denunciou os clubes e, na quarta-feira 4, o Tribunal de Justiça Desportiva julgará o caso. Os times podem ser penalizados com multa de até R$ 100 mil. A torcida única não é novidade. Em Minas Gerais, a medida é adotada nos jogos entre Atlético e Cruzeiro desde 2010. Por causa da Copa, o Mineirão está em obras e a Arena do Jacaré, que tem capacidade para 18.850 pessoas e passou a abrigar os clássicos, não oferece segurança para comportar as duas torcidas juntas.

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PLACAR
Acima, André Lezo, que morreu na briga das duas
torcidas. Sete pessoas foram presas pela polícia

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Em São Paulo, providências mais concretas foram tomadas no dia seguinte às mortes na Inajar de Souza. Sete pessoas foram presas, policiais inspecionaram as quadras da Gaviões da Fiel e Mancha Alviverde e apreenderam computadores nas duas sedes. Na casa de um dos presos, que é irmão de um dos torcedores mortos, a polícia encontrou munição, canivete e cassetete. Para a delegada que conduz o caso, Margarette Barreto, da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância, não há mocinhos nesse caso. “Todos os indícios mostram que eles também são brigadores. Não estamos falando de vítimas, não estamos falando de nenhum chapeuzinho vermelho passeando na floresta”, diz ela. E, por ora, a Federação Paulista de Futebol proibiu a entrada das duas facções nos jogos.

A experiência internacional pode ser útil ao Brasil. Segundo o sociólogo Murad, que por dois anos viajou por 16 países europeus como integrante do grupo de estudos e prevenção à violência da Uefa, a entidade que rege o futebol na Europa, ninguém conseguiu acabar com a violência das torcidas. Mas contê-la e colocá-la em níveis aceitáveis foi possível em vários lugares. Na Inglaterra, a Scotland Yard criou um gabinete só para vigiar e punir os hooligans, os torcedores violentos daquele país, que foram proibidos de viajar para outras localidades da Europa. “Lá, eles foram cadastrados; clubes perderam pontos quando a torcida deles provocou conflitos; e chefes de torcidas, que também fazem tráfico de drogas, foram responsabilizados criminalmente”, enumera o professor. Os hooligans não foram extintos, mas estão sob controle da polícia e da Justiça. Na Itália, a polícia fiscaliza e prende quem combina brigas pela internet. Há muito a ser feito no Brasil e os caminhos são conhecidos. Prevenir, reprimir, prender e condenar exemplarmente é o que se espera do poder público.

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IN LOCO
A polícia apreendeu computadores nas sedes
da Gaviões da Fiel e Mancha Alviverde

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Hooliganismo e a sedução da violência (Universidade do Futebol)

Caráter lúdico desse tipo de ação e ineficiência da prevenção simplesmente policial remete à necessidade de estudos sobre o comportamento social e dos governos das cidades

Carlos Alberto de Camargo

25/02/2011

Uma das ameaças a ser consideradas no planejamento da segurança da Copa do Mundo é o hooliganismo, que não se confunde com a violência das torcidas organizadas brasileiras – esta última, em termos de Copa do Mundo, representa uma ameaça mais remota; mas o estudo do hooliganismo contribui para o entendimento da violência de nossas torcidas.

A capacidade de sedução da violência é a principal mensagem que o diretor Phillip Davis pretendeu passar no vídeo “Fúria nas Arquibancadas”, em que o personagem John Brandon, policial britânico infiltrado com três outros companheiros na torcida do Shadwell (um time fictício) a fim de conseguir informações necessárias ao controle da violência, acaba sendo cooptado por essa violência, absolutamente fascinado por ela, adotando o mesmo modo de vida dos hooligans, com suas inúmeras brigas e intermináveis bebedeiras.

É a mesma sedução que consta no testemunho pessoal do jornalista Bill Buford, em seu livro “Entre os Vândalos”, também infiltrado durante quatro anos na torcida do Manchester United a fim de descobrir por que os jovens ingleses do sexo masculino se envolviam em tumultos todos os sábados.

Na estação londrina de Marble Arch, retornando de um fim de semana violento em Turim, onde fora com a torcida acompanhar o Manchester, o jornalista surpreendeu-se com sua própria atitude. Irritado com um casal de idosos que caminhava lentamente à sua frente, amparados por suas bengalas, ele os ultrapassou, empurrando-os bruscamente e, já na dianteira, voltou-se para xingar.

Bill Buford descreve assim a violência: “Fiquei espantado com aquilo que descobri. Não esperava que violência fosse tão prazerosa. Poderia supor, caso me tivesse disposto a pensar a respeito, que a violência fosse provocante – no sentido em que um acidente de trânsito é provocante -, mas aquele prazer puro e elementar era de uma intensidade diferente de tudo que eu previra ou experimentara anteriormente. Não se tratava, contudo, de uma violência qualquer. Não se tratava de violência fortuita, ou violência de sábado à noite ou brigas de pub – era violência de massa, era essa que importava; os mecanismos muito particulares da violência das multidões”.

E o autor arrisca-se mesmo a apontar o principal combustível que movimenta esse comportamento: “a adrenalina, que pode ser tanto mais poderosa, porque é gerada pelo próprio corpo, contendo, fiquei convencido, muitas das mesmas propriedades viciantes que caracterizam as drogas sinteticamente produzidas”.

O personagem John Brandon entregou-se a essa mesma sedução, mergulhando de cabeça na espiral descendente que leva à total degradação, à negação da dignidade humana, à negação das mínimas regras necessárias a uma sadia convivência em sociedade. Entregou-se, iludido pela miragem assim descrita por Bill Buford:

“A violência apresenta uma das experiências vividas com mais intensidade e, para aqueles capazes de se entregar a ela, um dos mais intensos prazeres”. Mesmo advertido pelos seus companheiros de que essa ilusão o estava levando à autodestruição.

Tanto o livro como o filme apresentam uma impressionante sequência de escaramuças entre torcidas rivais; destacam a imagem desagradável e mesmo repulsiva do torcedor violento, acostumado a ingerir enorme quantidade de álcool, que sente tédio nos dias em que não vê futebol e que pratica delitos; e ainda procuram mostrar uma polícia inglesa às vezes omissa e à vezes excessivamente violenta.

As imagens que reproduzem a atuação da polícia nos estádios não resistem a uma análise técnica: revista pessoal falha e por amostragem, o que permite a introdução de armas, dardos e outros objetos perigosos; o policial que não mantém detidos os torcedores apreendidos por comportamento inconveniente; cenas de violência policial e a omissão da polícia em certos casos ou sua impotência quando algumas pessoas decidem desobedecer às leis.

O filme termina com nosso personagem participando de uma passeata neonazista. O livro também aborda o assunto, descrevendo como os rapazes de terno do National Front assediam as torcidas, que são o campo ideal para o recrutamento, já que se constituem em massas violentas ainda não politicamente dirigidas.

O repórter Bill Buford, ao contrário, termina sua narrativa confessando que em dado momento – quando preparava-se para viajar para Turim, nas eliminatórias para a Copa de 90 – entrou em depressão profunda: a simples ideia de um novo contato com a violência e as bebedeiras dos Hooligans o deixou doente.

Para melhor ilustrar o que pretendemos alertar, novamente nos socorremos de um exemplo inglês, desta vez narrado pelo jornalista Otávio Dias. Reportando a rebelião ocorrida na cidade de Luton, ao norte de Londres, em julho de 1995, quando durante vários dias grupos de jovens entraram em choque com a polícia, incendiando carros, apedrejando e saqueando lojas e casas, ele transcreveu depoimento de um deles: “enfrentar a polícia é a única maneira de conseguirmos um pouco de emoção”.

Todas essas observações nos fazem ficar preocupados com um dos aspectos da violência coletiva: o seu caráter eventualmente lúdico, que torna ineficaz a prevenção simplesmente policial, e que, por isso, recomenda seja objeto da preocupação de estudiosos do comportamento social e dos governos das cidades. A cuidadosa observação da forma como este problema tem sido enfrentado em todo mundo nos demonstra como eficazes: a rápida e rigorosa punição dos infratores, capaz de eliminar o sentimento de impunidade; a ocupação territorial inteligente e preventiva pela polícia, tomando o espaço dos violentos; e atuação sobre as causas da violência, como fenômeno social.

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Violência entre torcidas: respeito é a solução

(Universidade do Futebol)

Estatuto do Torcedor preocupa-se demasiadamente com a violência, sem ater-se à qualidade no trato com o torcedor, o verdadeiro destinatário do espetáculo esportivo

Gustavo Lopes Pires de Souza*

28/01/2011

No dia 27 de novembro de 2010, os amantes de futebol foram surpreendidos com um fato bárbaro: o assassinato de um torcedor do Cruzeiro Esporte Clube, em Belo Horizonte. Responsáveis foram identificados e indiciados, mas a pergunta que sobe à garganta é: “até quando?”.

Segundo pesquisa realizada pela professora Heloísa Reis, da Unicamp, o ponto de partida da violência em Minas Gerais teria sido a morte de um torcedor atleticano, que entrou em confronto direto com um cruzeirense, em Belo Horizonte, em 1967, após o Atlético perder para o Uberaba e ser eliminado da disputa pelo seu primeiro título mineiro na “era Mineirão”.

Desde então, foram vários incidentes entre atleticanos e cruzeirenses que nos últimos quinze anos contabilizam dez mortes e centenas de feridos.

Em julho de 2010, por meio da Lei 12.299, o Estatuto do Torcedor foi alterado passando a prever punição às torcidas organizadas e criminalização de atos violentos dos torcedores.

Sem embargo, o Estatuto do Torcedor fora criado em 2003 para assegurar os direitos do torcedor, e não para puni-lo. Causa estranheza haver alterações que não cuidem de algumas das principais necessidades dos torcedores, como o preço dos ingressos e o horário dos jogos.

O Estatuto do Torcedor preocupa-se demasiadamente com a violência, sem ater-se à qualidade no trato com o torcedor, o verdadeiro destinatário do espetáculo esportivo.

De fato, os responsáveis devem ser punidos exemplarmente, mas a punição após a tragédia não é capaz de trazer de volta a vida de inocentes. Aliás, o italiano Beccaria, no século XVIII, já defendia a intervenção mínima, em sua obra “Dos Delitos e das Penas”.

Para a tão almejada paz nos estádios é necessário planejamento, respeito e organização. É preciso que a sociedade civil reivindique os direitos insculpidos no Estatuto do Torcedor, que o Poder Público atenda aos anseios e que os clubes e entidades organizadoras de eventos esportivos passem a tratar os torcedores com respeito, atentando-se ao fato de que fazem parte do patrimônio do clube.

Medidas como venda organizada de ingressos, conforto nos estádios, trariam efeitos positivos na luta contra a violência, tal como comprova a eficiente experiência inglesa que em uma década retirou o futebol local do ostracismo e transformou a Premier League em exemplo de organização e lucratividade.

Portanto, a cada ato de violência torna-se mais necessária a aplicação do Estatuto do Torcedor em sua plenitude, pois somente a lhanheza no trato com os torcedores oportunizará a queda do índice de violência nos estádios. E não se trata de inovar, mas tão somente de espelhar experiências de sucesso.

Referências

Jornal “Hoje em Dia”, Belo Horizonte, Minas Gerais, dos dias 20, 21, 23 e 24 de agosto de 2010.

SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. O respeito ao torcedor como investimento com retorno esportivo e financeiro. Derecho Deportivo em Linea, Madrid. Disponível em Acesso em 27 jul. 2010

SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. Os Direitos do Torcedor Brasileiro. Cidade do Futebol, São Paulo. Disponível em . Acesso em 27 jul. 2010

SOUZA, Gustavo Lopes Pires de. Estatuto do Torcedor: a evolução dos direitos do consumidor do esporte (Lei 10.671/2003), Alfstudio: Belo Horizonte, 2009.

*Coordenador do Curso de Capacitação em Direito Desportivo da SATeducacional. Professor de Organização Jurídica do Esporte no MBA de Gestão em Eventos Esportivos das Faculdades Del Rey. Autor do livro: “Estatuto do Torcedor: A Evolução dos Direitos do Consumidor do Esporte” (Lei 10.671/2003) Formado em Direito pela PUC/MG, Pós Graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Unipac, Membro e colunista do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Membro do Instituto Mineiro de Direito Desportivo e da Associação Portuguesa de Adepstos Colunista do Instituto de Direito Desportivo da Bahia e do portal “Papo de Bola”.

Agraciado com a medalha ” Dom Serafim Fernandes de Araújo” pela eficiência na atuação jurídica. Jurista, Articulista, Advogado licenciado em razão de função pública no TJMG. Professor de matérias Jurídicas no MEGA CONCURSOS, FAMINAS e Arnaldo Jansen.

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I Fórum Permanente para Discussão sobre a Violência das Torcidas de Futebol (Universidade do Futebol)

15 de setembro de 2010

Visando discutir sobre as questões sociais relevantes na atualidade que envolvem os eventos nos espetáculos futebolísticos, será realizado, em setembro, o I Fórum Permanente para Discussão sobre a Violência das Torcidas de Futebol.

O evento terá como presidente da mesa e mediador os advogados Fábio Sá Filho e Expedito Bandeira. Além deles, também contribuem para a realização do fórum o palestrante José Luiz Ratton e o debatedor Ailton Alfredo.

Veja a programação e outras informações:

Organização: Instituto Pernambucano de Direito Desportivo (IPDD), Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco (TJ/PE), Ordem dos Advogados do Brasil da Seccional de Pernambuco (OAB/PE) e Escola Superior de Advocacia de Pernambuco (ESA/PE).

19:00 – Abertura

19:10
Painel Violência das Torcidas de Futebol

Presidente de mesa: Fábio Sá Filho/PE (Advogado. Mestre em Direito. Professor da FBV, UNICAP e ESA/PE. Membro da AIDTSS, do IBDD, da Comissão de Direito Desportivo da OAB/PE e do INAMA/PE. Diretor Presidente e Associado fundador do IPDD)

Mediador: Expedito Bandeira/PE (Advogado militante da área de Direito Público. Conselheiro da OAB/PE. Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/PE)

Tema: Torcidas organizadas, cultura e sociabilidade no Brasil

Palestrante: José Luiz Ratton/PE (Professor pesquisador do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE. Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Criminalidade, Violência e Políticas de Segurança – NEPS – da UFPE. Assessor Especial do Governador para a área de Segurança Pública)

Debatedor: Ailton Alfredo/PE (Juiz Coordenador do Juizado Especial Cível e Criminal do Torcedor de Pernambuco. Mestrando em Direito. Professor Universitário. Membro do IBDD e Associado fundador do IPDD)

20:50 Encerramento

Inscrições:

Ordem dos Advogados do Brasil da Seccional de Pernambuco (OAB/PE)

Rua do Imperador Pedro II, 235, Santo Antônio

Junto às Sras. Ana da Hora e Ana Maristela (Setor de Comissões)

Das 9h às 12h e 14h às 18h

Telefone: (81) 3424-1012 Ramal 230

Doações:

Não será cobrada taxa alguma. Apenas quem quiser, poderá doar 1 kg de alimento não-perecível, água mineral, roupas e/ou cobertores para serem repassados às vítimas da enchente em Pernambuco.

Atenção: os donativos serão coletados a qualquer tempo na sede da OAB/PE (de preferência, o quanto antes).

Organização: IPDD, TJ/PE, OAB/PE e ESA/PE

Apoio: Sport Club do Recife, Clube Náutico Capibaribe e Santa Cruz Futebol Clube.
Local: Auditório da OAB, Recife/PE

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Especial: violência na esfera do futebol (Universidade do Futebol)

Acontecimentos do último fim de semana no Estado de São Paulo reacendem necessidade de debate pautado na técnica e na profundidade social

Equipe Universidade do Futebol

26/02/2010

O saldo do clássico do último fim de semana entre Palmeiras e São Paulo não foi apenas os três pontos na tabela de classificação do Campeonato Paulista à equipe alviverde comandada pela primeira vez por Antônio Carlos Zago. Fora de campo – ou melhor, fora do estádio -, diversas ocorrências envolvendo torcedores das duas equipes foram relatadas pelas câmeras e detectadas pela polícia. Mas ainda mais distante da esfera principal, o jogo no estádio Palestra Itália, que se deu o chamariz.

Na Rodovia dos Bandeirantes, região de Jundiaí, um palmeirense foi morto. Dois suspeitos pelo crime foram presos pela Polícia Civil, que efetuou uma busca em pelo menos seis cidades do interior. A vítima pertencia à Mancha Alviverde. Enquanto os suspeitos têm ligação com a torcida organizada Tricolor Independente.

Além de ter provocado a morte de Alex Furlan de Santana, 29, a briga entre os dois grupos deixou 12 feridos, entre eles um são-paulino que teve amputada parte da mão direita após a explosão de uma bomba caseira. Ele foi ouvido e negou que tenha atirado o artefato.

Para a polícia, a briga pode ter sido premeditada. Na terça-feira, foram presos em São Carlos dois suspeitos de participação no crime. Os membros da Independente confessaram ter participado da briga. Mas o empresário Evandro Magno Vicentini Júnior, 29, e um adolescente, de 17 anos, negaram o crime. Vicentini continua preso, e o adolescente está numa unidade para menores de idade de São Carlos.

O menor de idade admitiu ter feito dois disparos durante a briga. Segundo ele, ninguém foi atingido, pois um tiro foi dado para cima e o outro, para o chão. Na casa do empresário, a polícia apreendeu duas espingardas cartucheiras, que passarão por perícia.

Delegado da DIG (Delegacia de Investigações Gerais) de Jundiaí e responsável pelo caso, Antonio Dota Júnior, acredita que os membros da organizada são-paulina que participaram da briga viajaram para assistir ao jogo em ônibus e vans que partiram de São José do Rio Preto e apanharam torcedores em outras cidades, como Piracicaba, Limeira, Campinas e Araras.

 

O comando da Polícia Rodoviária Estadual informou que policiais fizeram quatro disparos durante a briga na tentativa de dispersar o confronto. Um dos tiros atingiu a perna de um torcedor ainda não identificado.

Para Heloisa Reis, socióloga de formação e estudiosa dessa relação, a violência urbana nos dias de jogos de futebol transformou-se em uma questão de segurança pública em diversos países. Inicialmente, parecia um problema localizado apenas na Inglaterra, sob o nome de hooliganismo. Atualmente, entretanto, é um problema quase planetário. E para pensar em prevenção desta violência, é necessário buscar suas raízes, suas causas diretas e indiretas.

Todos os levantamentos científicos realizados no Velho Continente especificamente concluíram que a falta de infraestrutura dos estádios é geradora de atos de vandalismo e de outras formas de violência. Muitas recomendações do tratado europeu, então, dizem respeito à modernização dos estádios: ambientes confortáveis e seguros inibiriam ocorrências.

“No Brasil, as frustrações geradas com o mau funcionamento dos serviços e da estrutura dos estádios contribuem para manifestações violentas, inclusive como forma de protesto e enfrentamento. Aqui, a gota d’água foi o confronto de torcedores no Pacaembu em 1995, na final da Copa SP de juniores. O episódio chocou a sociedade pela crueldade dos jovens agressores armados com entulhos encontrados no próprio estádio, o que é inadmissível”, relatou Heloisa, citando justamente um duelo envolvendo palmeirenses e são paulinos, há 15 anos, pela Supercopa de Juniores.

Para ela, uma das explicações das raízes da violência relacionada ao esporte pode ser encontrada na gênese e no desenvolvimento do futebol moderno, visto como ambiente de produção e reprodução de valores de masculinidade. E outra, no sistema de metabolismo social do capital.

“Se levarmos em conta a primeira, não é de se estranhar que a ‘linha dura’ dos grupos agressores seja formada basicamente por jovens do sexo masculino. Para eles, a valentia e a força são elementos necessários para o enfrentamento do inimigo, que pode ser os torcedores adversários, a polícia – que representa ali o Estado -, os árbitros e até os jogadores do próprio time”, completou a mestra e doutora em Educação Física, atuando com ênfase em Sociologia do Esporte, Lazer e Pedagogia do Esporte.

A seguir, além da entrevista na íntegra com Heloisa Reis, a Universidade do Futebol apresenta ao público uma série de artigos relacionados à temática. E convida a comunidade a debater no espaço de comentários.

Leia mais:
Entrevista: Heloisa Reis, estudiosa da relação futebol x violência
Mais do mesmo
Medidas tomadas pela Uefa para conter a violência
Na Europa, combate à violência ganhou força nos anos 1980
Os cegos do castelo e a violência das torcidas de futebol
O combate ao problema e não às causas da violência
O perfil do torcedor brasileiro
Sociologia explica violência das torcidas
Apontamentos sobre o protagonismo do torcedor no espetáculo de futebol
Torcedores de futebol: uma análise sociológica
Violência nos estádios
Violência no futebol: quando as causas vão ser investigadas?
O cravo da violência
Comportamento e infraestrutura para a segurança nos estádios
Estado de choque. De novo
A consequência da violência para os clubes de futebol
Civilização e barbárie
Simpatia a organizadas estabelece momento de comemoração no futebol

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Violência no futebol: quando as causas vão ser investigadas? (Universidade do Futebol)

A atuação dos meios de comunicação em relação ao tema no meio esportivo é um aspecto que deve ser repensado

GEF

16/08/2009

Mortes relacionadas ao futebol brasileiro reacendem a discussão em torno da violência no esporte. Normalmente declarações precipitadas de autoridades públicas, assim como informações desencontradas e incoerentes veiculadas pela imprensa contribuem para a formulação de “soluções mágicas”, mas que poderão comprovar-se ineficazes, dado que não consideram a amplitude e a importância do
fenômeno.

Em um primeiro momento, consideramos ser fundamental a retomada dos trabalhos da Comissão Nacional de Prevenção da Violência nos Espetáculos Esportivos pelos Ministérios do Esporte e da Justiça e a criação de colegiados similares nos estados, que tenham a atribuição de tratar o tema com o devido cuidado e de trazer o poder público para o cerne da discussão. Há a necessidade, também urgente, de atualização da legislação específica para o esporte, como o Estatuto do Torcedor. A tarefa é especialmente oportuna neste momento, dado que o tema está sendo discutido no Senado. Alguns pontos importantes foram acrescentados à lei, mas outros, como a melhoria da infraestrutura dos estádios, ainda não foram contemplados.

Para que as atividades sejam efetivas e contínuas, é preciso incentivar e assegurar a participação, nas referidas comissões, de representantes de diferentes esferas da sociedade (governo, entidades esportivas, torcidas organizadas, imprensa e estudiosos), de maneira a enriquecer e ampliar o enfoque das análises. Da mesma forma, ainda verificamos a urgência da criação de uma corporação de segurança especializada em eventos esportivos, pois é notório que o despreparo dos atuais agentes públicos, e o tratamento por eles conferido aos torcedores – organizados ou não -, estão entre as principais causas dos conflitos violentos.

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Brasil lidera ranking de mortes ligadas ao futebol (Universidade do Futebol)

20/07/2009

No início das pesquisas, em 1999, o país estava atrás da Itália e da Argentina. Porém, em 10 anos, o Brasil passou a liderar essa estatística

Equipe Universidade do Futebol

Um dos principais problemas a ser solucionado até a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, é a questão da violência ligada ao futebol. De acordo com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com base em dados fornecidos por jornais, revistas e rádios, nos últimos 10 anos, o país foi o que registrou o maior número de mortes de torcedores. Foram 42 casos.

“Quando começamos a fazer o levantamento, o Brasil estava em terceiro lugar na comparação com outros países no número de óbitos. A ordem era Itália, Argentina e Brasil. Hoje, 10 anos depois, o Brasil conquistou o primeiro lugar. É uma conquista trágica, perversa”, afirmou Maurício Murad, sociólogo e autor do estudo.

Ele afirmou a violência deveria ser um dos temas que mais deve receber atenção de governantes, e que deve ser solucionado, caso o Brasil queira ser sede da Copa de 2014.

“Essa violência é uma preocupação para a Copa porque, de todos os problemas que a Fifa acompanha, e de tudo o que o caderno de exigências determina, a segurança pública é um dos principais. O problema da segurança pública é da maior importância para o Mundial”, disse Murad, em entrevista publicada pela Agência Brasil.

De acordo com o pesquisador, ao contrário da Itália, que promoveu uma reforma na legislação para punir exemplarmente dirigentes ou torcedores que estimularem a violência, o Brasil ainda não adotou medidas efetivas.

Segundo o estudo, os números pioraram. Se no período de 10 anos a média é de 4,2 mortes a cada ano, no período entre 2004 e 2008 o número de mortos totaliza 28, dando uma média de 5,6 por ano. Apenas em 2007 e 2008, 14 pessoas morreram, o que dá uma média de sete por ano.

“Cresceu a violência no futebol porque cresceu a violência no país. E cresceu a violência no país porque a impunidade e a corrupção são cada vez maiores”, disse o sociólogo.

Conforme a pesquisa, a maior parte das vítimas fatais era composta por jovens entre 14 e 25 anos, de classe baixa ou média baixa, com escolaridade até o ensino fundamental e, em geral, desempregado. Também foi constatado que, em grande parte, esses torcedores não eram ligados a práticas de violência.

“Em quase 80% dos casos, as pessoas não tinham nenhuma ligação com setores violentos ou delinquentes de torcidas organizadas. Apenas em 20% é que os óbitos eram de pessoas ligadas a grupos de vândalos”, concluiu Murad.

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O cravo da violência (Universidade do Futebol)

No Brasil, as frustrações geradas com o mau funcionamento dos serviços e da estrutura dos estádios contribuem para manifestações violentas

Heloisa Reis

03/07/2009

A violência urbana nos dias de jogos de futebol transformou-se em uma questão de segurança pública em diversos países. Inicialmente, parecia um problema localizado apenas na Inglaterra, onde recebeu o nome de hooliganismo. Hoje, no entanto, é um problema quase planetário. E para pensar em prevenção desta violência, é necessário buscar suas raízes, suas causas diretas e indiretas.

Quarenta e seis países europeus adotaram políticas nacionais de prevenção elaboradas a partir de um acordo firmado no Conselho da Europa. A gota d’água foi a tragédia do estádio Heysel, na Bélgica, em 1985, que deixou 39 mortos após tumulto na final da Copa dos Campeões.

Os primeiros participantes do Convênio Europeu sobre a violência e mau comportamento em eventos esportivos foram Inglaterra, Itália e Espanha. Hoje, países com o maior sucesso na promoção de espetáculos de futebol. Na Espanha, foram constituídas duas comissões para o estudo do problema: uma de senadores, com um período de trabalho de dois anos; e outra em âmbito interministerial. Tais trabalhos subsidiaram a elaboração da lei de esporte espanhola de 1990, que dedica um capítulo especificamente ao tema. A nova legislação tornou ágil o julgamento dos delitos e delimitou as penas impostas aos clubes em casos de violência de seus espectadores.

Todos os estudos realizados concluíram que a falta de infraestrutura dos estádios é geradora de atos de vandalismo e de outras formas de violência. Por isso, muitas recomendações do tratado europeu dizem respeito à modernização dos estádios. Ambientes confortáveis e seguros inibem a violência.

No Brasil, as frustrações geradas com o mau funcionamento dos serviços e da estrutura dos estádios contribuem para manifestações violentas, inclusive como forma de protesto e enfrentamento. Aqui, a gota d’água foi o confronto de torcedores no Pacaembu em 1995, na final da Copa SP de juniores. O episódio chocou a sociedade pela crueldade dos jovens agressores armados com entulhos encontrados no próprio estádio, o que é inadmissível.

Uma das explicações das raízes da violência relacionada ao esporte pode ser encontrada na gênese e no desenvolvimento do futebol moderno, visto como ambiente de produção e reprodução de valores de masculinidade. E outra, no sistema de metabolismo social do capital. Se levarmos em conta a primeira, não é de se estranhar que a “linha dura” dos grupos agressores seja formada basicamente por jovens do sexo masculino. Para eles, a valentia e a força são elementos necessários para o enfrentamento do inimigo, que pode ser os torcedores adversários, a polícia -que representa ali o Estado-, os árbitros e até os jogadores do próprio time.

A Europa vem enfrentando há alguns anos dificuldades com o racismo. Uma causa direta do problema é a intolerância dos integrantes de movimentos neonazistas que encontraram nos estádios um local para divulgar sua ideologia. Este cenário é mais um exemplo de que a violência pode se manifestar de diferentes formas. Lá, agora, a principal é o racismo. Aqui, ainda é o enfrentamento com os torcedores rivais e/ou com a polícia.

Punishing Youth (counterpunch.org)

AUGUST 09, 2012

Saturated Violence in the Era of Casino Capitalism

by HENRY GIROUX

There is by now an overwhelming catalogue of evidence revealing the depth and breadth of the state sponsored assault being waged against young people across the globe, and especially in the United States. What is no longer a hidden order of politics is that American  society is at war with its children, and that the use of such violence against young people is a disturbing index of a society in the midst of a deep moral and political crisis.  Beyond exposing the moral depravity of a nation that fails to protect its youth, the violence used against American youth speaks to nothing less than a perverse death-wish, especially in light of the fact that As Alain Badiou argues, we live in an era in which there is zero tolerance for poor minority youth and youthful protesters and “infinite tolerance for the crimes of bankers and government embezzlers which affect the lives of millions.”  While the systemic nature of the assault on young people and its testimony to the rise of the neoliberal punishing state has been largely ignored by the mainstream media, youth in Canada and the United States are resisting the violence of what might be called neoliberalism or casino capitalism.  For instance, the Occupy Wall Street Movement and the Quebec Protest Movement are demonstrating against such assaults while simultaneously attempting to educate a larger public about the degree to which American and Canadian public spheres, institutions, and values have been hijacked by a culture of spectacular and unrelenting violence—largely directed against youthful protesters and those marginalized by class and race, who increasingly have become the targets of ruthless forms of state-sanctioned punishment.

Put into historical context, we can see that collective insurance policies and social protections in the United States, in particular, have over time given way to the forces of economic privatization, commodification, deregulation, and hyper individualism now driving the ongoing assault on democratic public spheres, public goods, and any viable notion of equality and social justice. At least since the 1980s, the American public has witnessed the transformation of the welfare state by punitive workfare programs, the privatization of public goods and spaces, and a hollow appeal to individual responsibility and self-interest as a substitute for civic responsibility and democratic engagement. Embracing the notion that market-driven values and relations should shape every domain of human life, a business-centered model of governance has eviscerated any viable notion of the public values and interests, while insidiously criminalizing social problems and cutting back on basic social services, especially for young people, the poor, minorities, immigrants, and the elderly. As young people and others organize to protest economic injustice and massive inequality, along with drastic cuts to education, workers benefits and pensions, and public services, the state has responded with the use of  injurious violence, while the mainstream media has issued insults rather than informed dialogue, critical engagement, and suggestions for meaningful reform. Indeed, it appears the United States has entered a new historical era when policy decisions not only translate into an intentional, systemic disinvestment in public institutions and the breakdown of those public spheres that traditionally provided the minimal conditions for social justice and democratic expression, but are also merging with state-sanctioned violence and the use of mass force against the state’s own citizenry. I am not referring to the violence now sweeping the United States in the form of the lone, crazed gunman shooting innocent victims in colleges, malls, and movie theaters. As horrifying as this violence is, it does not fully equate with the systemic violence now waged by the state on both the domestic and foreign fronts.

On the domestic front, state violence in response to the Occupy movement in its first six months has been decisive and swift: “There have been at least 6705 arrests in over 112 different cities as of March 6, 2012.”  Similarly, in Montreal, Canada thousands of peaceful protests have been arrested while protesting tuition increases, increasing debt burdens, and other assaults on young people and the social state. What does it mean as young people make diverse claims on the promise of a radical democracy and articulate their vision of a fair and just world that they are increasingly met with forms of physical, ideological, and structural violence? Abandoned by the existing political system, young people are placing their bodies on the line, occupying shrinking public spaces in a symbolic gesture that also deploys concrete measures demanding their presence be recognized when their voices are no longer being heard. They have, for the most part, protested peacefully while trying to produce a new language, political culture, public institutions, and a “community that manifests the values of equality and mutual respect that they see missing in a world that is structured by neoliberal principles.”  Young people are organizing in opposition to the structural violence of the state while also attempting to reclaim the discourse of the common good, social justice, and economic equality. Rejecting the notion that democracy and markets are the same or that capitalism is the only ideological and economic system that can speak in the name of democracy, youth movements are calling for an end to poverty, the suppression of dissent, the permanent warfare state, and the corporate control of the commanding institutions of politics and culture.

Many of us have been inspired by the hope for a better future that these young people represent for the nation as a whole. Yet, of utmost concern is the backlash the protesters have faced for exercising their democratic rights. Surely, what must be addressed by anyone with a stake in safeguarding what little remains of U.S. democracy is the immediate threat that an emerging police state poses not just to the young protesters occupying a number of North American cities but to the promise of a real democracy. This threat to the possibility of a democratic social order only increases with the ascendancy of a war-like mentality and neoliberal modes of discipline and education which make it that much more difficult to imagine, let alone enact, communal obligation, social responsibility, and civic engagement.  Unless the actions of young protesters, however diverse they may be, are understood as a robust form of civic courage commensurate with a vital democracy, it will be difficult for the American public to resist an increase in state violence and the framing of protests, dissent, and civic responsibility as un-American or, even worse, a species of criminal behavior.

Stuart Hall suggests that the current historical moment, or what he calls the “long march of the Neoliberal Revolution,” has to be understood in terms of the varied forms of violence that it deploys and reinforces. Such anti-democratic pressures and their provocation of the protests of young people in the United States and abroad have deepened an escalating crisis symptomatic of what Alex Honneth has termed the “failed sociality” characteristic of neoliberal states. In turn, state and corporate media-fueled perceptions of such a crisis have been used to stimulate fear and justify the creeping expansion of a militarized and armed state as the enforcer of neoliberal policies amid growing public dissent. Police violence against young people must therefore be situated within a broader set of categories that enables a critical understanding of the underlying social, economic, and political forces at work in such assaults. That is, in order to adequately address state-sponsored violence against young people, one should consider the larger context of the devolution of the social state and the corresponding rise of the warfare state. The notion of historical conjuncture—or a parallel set of forces coalescing at one moment in time—is important here because it provides both an opening into the factors shaping a particular historical moment and it allows for a merging of theory and strategy in our understanding of the conditions with which we are now faced. In this case, it helps us to address theoretically how youth protests are largely related to a historically specific neoliberal project that promotes vast inequalities in income and wealth, creates the student loan debt bomb, eliminates much needed social programs, eviscerates the social wage, and privileges profits and commodities over people.

Within the United States and Canada, the often violent response to non-violent forms of youth protest must also be analyzed within the framework of a mammoth military-industrial state and its commitment to extending violence and war through the entire society. As the late philosopher Tony Judt put it, “The United States is becoming not just a militarized state but a military society:  a country where armed power is the measure of national greatness, and war, or planning for war, is the exemplary (and only) common project.”  The blending of the military-industrial complex with state interests and unbridled corporate power points to the need for strategies that address what is specific about the current neoliberal project and  how different modes of power, social relations, public pedagogies, and economic configurations come together to shape its politics. Such considerations provide theoretical openings for making the practices of the warfare state and the neoliberal revolution visible in order “to give the resistance to its onward march, content, and focus, a cutting edge.” It also points to the conceptual value of making clear that history remains an open horizon that cannot be dismissed through appeals to the end of history or end of ideology.  It is precisely through the indeterminate nature of history that resistance becomes possible.

While there is always hope because a democratic political project refuses any guarantees, most Americans today are driven by shared fears, stoked to a great extent by media-induced hysteria. Corporations stand ready to supply a culture of fear with security and surveillance technologies that, far from providing greater public safety, do little more than ensure the ongoing militarization of the entire society, including the popular media and the cultural apparatuses that shape everyday life. Images abound in the mainstream media of such abuses. There is the now famous image of an 84-year-old woman looking straight into a camera after attending a protest rally, her face drenched in a liquid spray used by the police. There is the image of the 19-year-old pregnant woman being carried to safety after being pepper-sprayed by the police. There are the now all-too-familiar images of young people being dragged by their hair across a street to a waiting police van. In some cases, protesters have been seriously hurt. Scott Olsen, an Iraq war veteran, was critically injured in a protest in Oakland in October 2011. On March 17, 2012, young protesters attempting to re-establish an Occupy camp at Zuccotti Park in New York were confronted by excessive police violence. The Guardian reported that over 73 people were arrested in one day and that “A woman suffered a seizure while handcuffed on a sidewalk, another protester was thrown into a glass door by police officers before being handcuffed, and a young woman said she was choked and dragged by her hair….Witnesses claimed police punched one protester several times in the head while he was subdued by at least four officers.”  Another protester claimed the police broke his thumb and injured his jaw. Such stories have become commonplace in recent years, and so many are startling reminders of the violence used against civil rights demonstrators by the forces of Jim Crow in the fifties and sixties.

These stories are also indicative that a pervasive use of violence and the celebration of war-like values are no longer restricted to a particular military ideology, but have become normalized through the entire society.  As Michael Geyer points out, militarization in this sense is defined as “the contradictory and tense social process in which civil society organizes itself for the production of violence.” The war on terror has become a war on democracy, as police departments and baton-wielding cops across the 
nation are now being supplied with the latest military equipment and technologies imported straight from the battlefields of Iraq and Afghanistan. Procuring drones, machine-gun-equipped armored trucks, SWAT vehicles, “digital communications equipment and Kevlar helmets, like those used by soldiers used in foreign wars,” is justified through reference to the domestic war against “terrorists” (code for young protesters) and provides new opportunities for major defense contractors and corporations to become ever “more a part of our domestic lives.” As Glenn Greenwald confirms, the United States since 9/11 “has aggressively paramilitarized the nation’s domestic police forces by lavishing them with countless military-style weapons and other war-like technologies, training them in war-zone military tactics, and generally imposing a war mentality on them. Arming domestic police forces with paramilitary weaponry will ensure their systematic use even in the absence of a terrorist attack on U.S. soil; they will simply find other, increasingly permissive uses for those weapons.”

With the growth of a new militarized state, it should come as little surprise that “by age 23, almost a third of Americans are arrested for a crime.”  In a society that has few qualms with viewing its young people as predators, a threat to corporate governance, and a disposable population, the violent acts inflicted on youth by a punishing state will no doubt multiply with impunity. Domestic paramilitary forces will certainly undermine free speech and dissent with the threat of force, while also potentially violating core civil liberties and human rights. In other words, the prevailing move in American society toward permanent war status sets the stage for the acceptance of a set of unifying symbols rooted in a survival-of-the-fittest ethic that promotes conformity over dissent, the strong over the weak, and fear over civic responsibility. With the emergence of a militarized society, “the range of acceptable opinion inevitably shrinks,” as violence becomes the first and most important element of power and a mediating force in shaping all social relationships.

The grave reality is that violence saturates almost every aspect of North American culture. Domestically, violence weaves through the cultural and social landscape like a highly charged electric current burning everything in its path. Popular culture has become a breeding ground for a form of brutal masculine authority and the celebration of violence it incorporates has become the new norm in America. Representations of violence dominate the media and too often parade before viewers less as an object of critique than as a for-profit spectacle and heightened source of pleasure. As much as any form of governance seeks compliance among the governed, the permanent war state uses modes of public pedagogy—practices of pedagogical persuasion—to address, enlist, and construct subjects willing to abide by its values, ideology, and narratives of fear and violence. Legitimation in the United States is largely provided through a market-driven culture addicted to consumerism, militarism, and spectacles of organized violence. Circulated through various registers of popular culture, cruelty and violence imbue the worlds of high fashion and Hollywood movies, reality TV, extreme sports, video games, and around-the-clock news media. The American public is bombarded by an unprecedented “huge volume of exposure to… images of human suffering.” As Zygmunt Bauman argues, “the sheer numbers and monotony of images may have a ‘wearing off’ impact [and] to stave off the ‘viewing fatigue,’ they must be increasingly gory, shocking, and otherwise ‘inventive’ to arouse any sentiments at all or indeed draw attention. The level of ‘familiar’ violence, below which the cruelty of cruel acts escapes attention, is constantly rising.”

When an increasing volume of violence is pumped into the culture as fodder for sports, entertainment, news media, and other pleasure-seeking outlets, yesterday’s spine-chilling and nerve-wrenching violence loses its shock value. One consequence is that today’s audiences exhibit more than mere desensitization or indifference to violence. They are not merely passive consumers, but instead demand prurient images of violence in a way that fuels their increasing production. Spectacularized violence is now unmoored from moral considerations or social costs. It now resides, if not thrives, in a diverse commercially infused set of cultural apparatuses that offers up violence as a commodity with the most attractive and enjoyable pleasure quotient. Representations of torture, murder, sadism, and human suffering have become the stuff of pure entertainment, offering a debased outlet for experiencing intense pleasure and the thrill of a depoliticized and socially irresponsible voyeurism.  The consuming subject is now educated to take intense pleasure in watching—if not also participating as agents of death—in spectacles of cruelty and barbarism. After all, assuming the role of a first shooter in the age of video game barbarism has become an unquestioned badge of both pleasure and dexterity, leading potentially to an eventual employment by the Defense Department to operate Drone aircraft in the video saturated bunkers of death in some suburban west coast town.  Seemingly unconstrained by a moral compass based on a respect for human and non-human life, U.S. culture is increasingly shaped by a disturbing collective desire for intense excitement and a never-ending flood of heightened sensations.

Although challenging to ascertain precisely how and why the collective culture continues to plummet to new depths of depravity, it is far less difficult to identify the range of horrific outcomes and social costs that come with this immersion in a culture of staged violence. When previously unfamiliar forms of violence, such as extreme images of torture and death, become banally familiar, the violence that occurs daily becomes barely recognizable relegated to the realm of the unnoticed and unnoticeable. Hyper-violence and spectacular representations of cruelty disrupt and block our ability to respond politically and ethically to the violence as it is actually happening on the ground.  How else to explain the public indifference to the violence waged by the state against non-violent youthful protesters who are rebelling against a society in which they have been excluded from any claim on hope, prosperity, equality, and justice? Cruelty has saturated everyday life when young people, once the objects of compassion and social protections, are treated as either consumers and commodities, on the one hand, or suspects and criminals on the other.

Disregard for young people and a growing taste for violence can also be seen in policies that sanction the modeling of public schools after prisons. We see the criminalization of disadvantaged youth, instead of the social conditions which they are forced to endure. Behaviors that were once handled by teachers, guidance counselors, and school administrators are now dealt with by the police and the criminal justice system. The consequences have been disastrous for young people. Not only do schools take on the technologies and culture of prisons and engage in punishment creep, but young children are being arrested and put on trial for behaviors that can only be called trivial. There was the case of the 5-year-old girl in Florida who was put in handcuffs and taken to the local jail because she had a temper tantrum; or the 13-year-old girl in a Maryland school who was arrested for refusing to say the pledge of allegiance. Alexa Gonzales in New York was another student arrested by police—for doodling on her desk. There is more at work in these cases than stupidity and a flight from responsibility on the part of educators, parents, law enforcement officers, and politicians who maintain these policies. Clearly, embedded in these actions is also the sentiment that young people constitute a threat to adults, and that the only way to deal with them is to subject them to mind-crushing punishment. Students being miseducated, criminalized, and subjected to forms of penal pedagogy in prison-type schools provide a grim reminder of the degree to which the ethos of containment and punishment now creeps into spheres of everyday life that were once largely immune from this type of official violence.

Governing-through-crime policies also remind us that we live in an era that breaks young people, corrupts the notion of justice, and saturates the minute details of everyday life with the threat if not yet the reality of violence. A return to violent spectacles and other medieval types of punishment inflict pain on both the psyches and the bodies of young people. Equally disturbing is how law-and-order policies and practices in the United States appear to take their cue from a past era of slavery. Studies have shown that “Arrests and police interactions… disproportionately affect low-income schools with large African-American and Latino populations,” paving the way for these youth to move almost effortlessly through what has been called the school-to-prison pipeline.  Sadly, the next step one envisions for such a society is a reality TV franchise in which millions tune in to watch young kids being handcuffed, arrested, tried in the courts, and sent to juvenile detention centers.  This is not merely barbarism parading as reform—it is also a blatant indicator of the degree to which sadism and the infatuation with violence have become normalized in a society that seems to take delight in dehumanizing itself.

The prevalence of institutionalized violence in American society and other parts of the world suggests the need for a new conversation and politics that address what a just and fair world looks like. Young people and others marginalized by class, race, and ethnicity appear to have been abandoned as American society’s claim on democracy gives way to the forces of militarism, market fundamentalism, and state terrorism. Until educators, intellectuals, academics, young people, and other concerned citizens address how a physics and metaphysics of war and violence have taken hold on American society and the savage social costs they have exacted, the forms of social, political, and economic violence that young people are currently protesting against as well as the violence waged in response to their protests will become impossible to recognize and act on. The American public needs to make visible and critically engage the underlying ideological, political, educational, and economic forces that embrace violence as both a commodity, spectacle, and mode of governing.  Such an approach would address the necessity of understanding the emerging pathology of violence not just through a discourse of fear or isolated spectacles, but through policies that effectively implement the wider social, economic, and political reforms necessary to curb the culture of violence and the institutions that are sustained by it.  There is a cult of violence in America and it is reinforced by a type of collective ignorance spread endlessly by special interests such as the National Rifle Association, politicians wedded to the largess of the military-industrial complex, and national entertainment-corporate complex that both employs violence and uses it to refigure the meaning of news, entertainment, and the stories America tells itself about its national identity and sense of destiny.  Violence is not something to be simply criminalized by extending the reach of the criminal justice system to the regime of criminals that now run the most powerful financial services and industries. It must be also understood as part of a politics of distraction, a poisonous public pedagogy that depoliticizes as much as it entertains and corrupts.  That is, it must be addressed as a political issue that within the current historical moment is both deployed by the neoliberal state against young people, and employed as part of the reconfiguration or transformation of the social state into the punishing state. At the heart of this transformation is the emergence of new form of corporate sovereignty, a more intense form of state violence, a ruthless survival of the fittest ethic used to legitimate the concentrated power of the rich, and a concerted effort to punish young people who are out of step with neoliberal ideology, values, and modes of governance.  Of course, these anti-democratic tendencies represent more than a threat to young people, they also put in peril all of those individuals, groups, public spheres, and institutions now considered disposable because that are at odds with a world run by bankers, the financial elite, and the rich.  Only a well-organized movement of young people, educators, workers,  parents, religious groups, and other concerned citizens will be capable of changing the power relations and vast economic inequalities that have generated what has become a country in which it is almost impossible to recognize the ideals of a real democracy.

Henry A. Giroux holds the Global TV Network chair in English and Cultural Studies at McMaster University in Canada. His most recent books include: “Take Back Higher Education” (co-authored with Susan Searls Giroux, 2006), “The University in Chains: Confronting the Military-Industrial-Academic Complex” (2007) and “Against the Terror of Neoliberalism: Politics Beyond the Age of Greed” (2008). His latest book is Twilight of the Social: Resurgent Publics in the Age of Disposability,” (Paradigm.)

Gustavo Grabia, repórter do Olé, sobre violência de torcidas: “futebol argentino virou um enorme funeral” (Trivela)

17 de Julho de 2012 às 03:13, por Ubiratan Leal

Onipotentes. As barras bravas argentinas já deixaram de ser apenas torcedores que se organizaram para torcer por seu clube. E fora muito além do que se conhece no Brasil, com brigas entre simpatizantes de equipes rivais. Lá, esses grupos ganharam ramificação criminal, usando a projeção que as arquibancadas de futebol lhes dão para criar toda uma estrutura de delitos que vão do tráfico de drogas ao combate de manifestações políticas contra o partido que os contratar como mercenários.

Quem conta essa história é Gustavo Grabia, repórter do Olé, maior jornal esportivo da Argentina, e autor do livro La Doce (lançado no Brasil pela Panda Books), que revela as atividades da barra brava do Boca Juniors. Segundo ele próprio, o poder dos torcedores se tornou tão grande que parece impossível mudar o cenário.

Na Argentina, as brigas de torcedores rivais diminuíram muito. Qual é a nova cara da violência de torcidas?
Não acontece, mesmo com times do mesmo bairro, como Racing e Independiente. O maior medo do torcedor organizado é perder seu negócio. E como ele perde o negócio? Se briga e morre alguém. Porque, se morre alguém, os políticos determinam que alguém tem de cair no comando da torcida. Tudo bem que colocam outro no lugar, mas alguém acaba caindo. Par manter o negócio, não se pode brigar com outro clube. Quando acontece algo como na morte mais recente, em uma briga dentro da torcida do River, as pessoas pensam “se mataram entre eles, que se matem todos”. Vêem como um problema interno da máfia, a pressão por atitudes oficiais é bem menor.

Até porque mexeria com o orgulho do torcedor cujo barra brava foi morto, mesmo que ele não seja um barra brava, e cobraria mais por atitudes.
Certamente, e é por essas coisas que não acontece mais. Os chefes de torcida se conhecem, fazem negócios juntos. Durante a semana estão juntos em uma ONG de torcedores criada e financiadas pelo governo para agir em favor dele. Os torcedores de Racing e Independiente supostamente se odeiam, mas trabalham juntos para o mesmo político. Como vão brigar no domingo se durante a semana estão juntos nos mesmos delitos? Em Rosário, os líderes das torcidas de Newell’s e Rosario Central são sócios no tráfico de drogas, dominam regiões da cidade. Depois, cada um vai ao estádio fazer seu próprio negócio. Então, eles não brigam para não prejudicar todo o negócio.

O que essa ONG de torcedores financiada pelo governo faz?
Recebe dinheiro para trabalhar pelo partido do governo reprimindo opositores, marchas sindicais. Usaram os torcedores organizados para terceirizar a violência. Por exemplo, na Copa de 2010, o governo recrutou as torcidas organizadas para trabalharem pelo partido dele nas ruas, fazendo atos políticos. Uma situação muito louca. Em troca disso, pagou 232 passagens e hospedagens à África do Sul. Isso foi um escândalo internacional. A polícia sul-africana deportou quase 30 integrantes desse grupo.

Então a chance de as autoridades fazerem algo contra os torcedores é pequena.
Para ter uma ideia, o advogado do chefe da torcida do Boca era o advogado do chefe da polícia. E essa pessoa, depois, foi indicada como chefe de segurança do Congresso. O advogado do chefe da torcida tem como cliente a polícia e os partidos políticos! Como as autoridades vão perseguir alguém se compartilham advogados? Essas relações de poder na Argentina nunca vi em lugar algum do mundo. O chefe de segurança da Eurocopa esteve na Argentina ano passado e, quando eu explicava, ele não acreditava. Foi aos estádios para comprovar, e ficou horrorizado. Acha que não dá para consertar. Afinal, se o torcedor organizado tira uma foto com a presidente Cristina Kirchner, por que não teria impunidade?

Foto com a presidente?
Em setembro do ano passado, o San Lorenzo estava lutando para não ser rebaixado. A barra brava foi cobrar os jogadores e o chefe dela agrediu o capitão do time. Não aconteceu nada. Fui investigar e achei fotos dele em um ato político abraçado com a Cristina Kirschner! Com a presidente da República! Então, esse sujeito tem acesso à presidente. Eu sou um jornalista reconhecido e não tenho acesso a ela. Um monte de gente importante e conhecida não tem acesso a ela. Mas esse delinquente tem e tira uma foto ao lado dela. Não significa que ele seja amigo dela, mas, no mínimo, conhece pessoas influentes que conseguem colocá-lo ao lado dela em um ato político. Se esse apoio político não acaba, não há como combater o problema.

Em que nível está esse problema hoje?
Em relação a mortes, foram dez vítimas até agora em 2012. Mas isso são apenas os registros ligados ao futebol. Não estão computados os crimes cometidos por eles em questões políticas ou sindicais. Todos os últimos crimes de violência política ou sindical na Argentina têm barras bravas como responsáveis. São contratados pelos políticos para fazer o trabalho sujo. Também fazem delinquência comum, como narcotráfico. São uma máfia mesmo, com interesses em seus negócios e não mais nos clubes para os quais supostamente torcem. Um dos líderes de La Doce, a torcida do Boca, é torcedor do River Plate. Por quê? Porque essa pessoa viu que na torcida do Boca gira mais dinheiro.

E a torcida do Boca o aceita por quê?
Ele é um delinquente muito perigoso. Esteve em prisões de segurança máxima. Mas tem contatos com o mundo criminal e com políticos. É conveniente para os negócios ter um homem como ele na organização.

As leis argentinas são frouxas nessa questão ou dariam suporte a quem quisesse combater as barras bravas?
Existem as leis, o problema é que não se aplicam a quem precisa. Se você vai a um estádio, tem cinco minutos de loucura e atira algo no árbitro, será levado a uma delegacia. Provavelmente você não será preso, mas deve receber uma pena de ficar longe de estádios por um longo período. Se você fosse de uma torcida organizada, poderia fazer o que quisesse que nunca iriam até você. Antes de vir ao Brasil, o último morto do futebol argentino foi há três semanas, em um jogo do River contra o Boca Unidos, o penúltimo antes da promoção. Assassinaram uma pessoa nas arquibancadas em uma briga nos Borrachos del Tablón [barra brava do River Plate]. Quando a Justiça foi buscar as gravações das câmeras de segurança para identificar os responsáveis, as imagens da briga em si tinham sido apagadas. O médico que fazia o atendimento naquele jogo contou que os líderes da torcida levaram o corpo do rapaz dizendo “olha, aqui tem um que parece que está morrendo” e foram embora. Tudo dentro da torcida do River.

Como uma briga de máfia, em que um irmão manda matar o outro para ser herdeiro nos negócios do pai.
Isso. Os últimos dez mortos no futebol argentino foram em disputas dentro das torcidas.

Que se pode fazer para que as leis sejam aplicadas se eles têm tanto poder com as autoridades?
Não se pode fazer nada se os políticos mais importantes os utilizam. A barra brava do Boca é a maior e mais violenta do país e o governo já a utilizou para a campanha eleitoral de outubro do ano passado. Pagava para que levassem bandeirões com mensagens políticas. Francisco de Narváez, candidato mais importante à província de Buenos Aires, paga a La Doce para exibir um bandeirão escrito “Narváez governador”. Depois disso, eles podem fazer o que quiserem.

Quando fazem isso, vendem espaço publicitário. Um espaço publicitário que seria indiretamente do clube. Ainda que o clube não possa vender publicidade exibida pelos torcedores, o evento é dele e as pessoas veem o jogo pela TV por causa do clube. Eles não têm interesse em eles usarem seu poder de mídia para eles ganharem esse dinheiro, e não a torcida?
Em princípio, os clubes são sócios das torcidas, que também trabalham para os interesses dos dirigentes.

Como o Mauricio Macri [prefeito de Buenos Aires, ex-presidente do Boca]?
O crescimento da barra brava do Boca foi tremendo quando Mauricio Macri estava na presidência. Ele emprestava o estádio para os barras bravas jogarem bola! Mas não foi só ele. É que o Macri é o personagem mais conhecido que saiu do esporte e ingressou na política.

Se os barras bravas vivem desses negócios extracampo, por que ainda precisam do futebol?
Porque o futebol dá cartaz a eles. Na Argentina, os torcedores organizados são muito populares, têm tratamento de estrelas. O chefe da torcida do Boca e dá tantos autógrafos quanto Riquelme ou Palermo. O futebol retroalimenta a relação deles com os políticos. Porque, se põem uma bandeirão no jogo do Boca, têm enorme visibilidade. Um jogo do Boca tem 30% de audiência, 9 milhões de pessoas. Então a eles é conveniente falar com o chefe da torcida.

Então o futebol ainda representa uma ao parte da receita desse negócio, mesmo com as atividades extracampo?
Representa muito. Sem o futebol, todos os outros negócios ilegais não existiriam. Eles conseguem todos os outros negócios por serem os chefes de torcidas. Eles vendem ingressos, até 5 mil em uma partida. Se um ingresso médio está US$ 12, são US$ 60 mil em um jogo. Eles controlam o trabalho de guardador de carro, de flanelinha. Não sei como é aqui.

Aqui são “profissionais autônomos”.
Então, lá são controlados pelos barras bravas. Em março, houve um tiroteio muito grande por causa disso. Uma parte da torcida queria essa fatia do negócio e outra parte não queria abrir mão. Trocaram tiros, a poucas quadras de La Bombonera. Isso dá muito dinheiro. Há também as festas com os jogadores. Ao contrário do que ocorre no Brasil, onde as equipes de fora de Rio e São Paulo têm muita força, as equipes provinciais não são tão fortes na Argentina. Mesmo em Rosário, é provável que o Boca tenha mais torcida que o Central ou o Newell’s. Aí, a barra brava leva jogadores do time a filiais no interior. Digamos, levam Riquelme a Luján, a 200 km de Buenos Aires. Montam um evento para mil pessoas, cobrando ingresso para quem quiser ver, tirar foto e pegar o autógrafo com o ídolo.

Era algo que o clube poderia explorar.
Sim, mas deixa para os barras bravas fazerem. É uma coisa muito grande. Para cada evento desses, faturam US$ 20 mil.

E quanto se pode ganhar com isso?
Mauro Martín, presidente de La Doce, não tem trabalho reconhecido. Já vi suas declarações de imposto de renda e ele alega que é instrutor de boxe em um clube. Ele nunca vai lá. E basta ver o nível de vida que ele tem para perceber que tem algo errado. Ele possui uma picape Honda nova, que custa uns US$ 150 mil na Argentina, um Mini Cooper e uma casa de dois andares, com campo oficial de futebol. Imagina o tamanho do terreno. E diz que é instrutor de boxe ou que trabalha no escritório de seu advogado, que é um dos mais famosos da Argentina.

Ele teria de ser instrutor de boxe de Manny Pacquiao.
Pois é. E ele faz tudo isso e não é pego. Por quê? Bem, ele é casado com a secretária particular do governador de Buenos Aires. O chefe da barra brava do Boca Juniors é casado com a secretária da segunda pessoa mais importante da Argentina. Então, ele pode fazer qualquer coisa que ninguém vai incomodar.

Nas equipes provinciais, acontece a mesma coisa?
Tudo o/ que eu conto com La Doce ocorre igual em todas as equipes da Argentina. Pelo menos, coisas da mesma natureza. A única diferença é o peso de cada torcida pelo volume que mexe de acordo com o tamanho do clube. Eu sou torcedor do Ferro Carril, um time pequeno que está na segunda divisão. Lá acontece a mesma coisa, mas em menor quantidade porque é uma equipe pequena. O chefe da torcida do Ferro também não tem trabalho, mas, ao invés de uma picape Honda e um Mini Cooper, tem um carro normal. Ao invés de uma casa com dois andares, tem um apartamento de 150 m². Mas a forma de organização é a mesma nos clubes.

Economicamente, a diferença entre o futebol brasileiro e o argentino está aumentando. Quanto o futebol argentino perde por não explorar tudo o que pode por repartir com as barras bravas?
É muito dinheiro que perdem. Mas os dirigentes não têm interesse em mudar. Os clubes são associações civis sem fins lucrativos. Se o clube abre falência, o dirigente vai embora e não é responsabilizado. Fora que eles também ganham uma parcela. É algo conjunto.

Como assim?
Um bom exemplo foi a venda do Higuaín ao Real Madrid. Foi uma operação fraudulenta. O que apareceu no balanço do River Plate foi muito menor do que o pago pelo Real. O Real disse que pagou € 14 milhões, mas o River registrou a entrada de € 9 milhões. O balanço só foi aprovado porque os dirigentes de oposição foram ameaçados de morte pela barra brava. Eles entraram no recinto onde era a votação e ameaçaram de morte se não votassem a favor. Era algo contra o caixa do clube. Os € 5 milhões de diferença entre os valores foram repartidos entre todos, com 10% para os Borrachos del Tablón.

Há barras bravas menores nos clubes, que brigam por “mercado” com as maiores?
Não. Não há concorrência de barras de um mesmo clube. Não é que existe La Doce e “La Fiel de Boca” brigando por espaço como barras bravas do Boca. Há uma só por clube, e os confrontos são por poder e negócios dentro de cada uma.

A polícia também tem participação no esquema das organizadas?
De várias formas. Na temporada passada, naquele jogo em que o River caiu contra o Belgrano, o placar estava empatado. Se terminasse assim, o River caía. No intervalo, os dirigentes e os policiais liberaram o acesso para 12 torcedores conhecidos da organizada do River descessem das arquibancadas, andassem internamente pelos corredores do Monumental de Núñez e chegassem aos vestiários do árbitro, onde o ameaçaram de morte. Se ele não marcasse um pênalti, seria morto. Bem, o pênalti foi marcado, mas o River o desperdiçou e acabou caindo mesmo. Insólito! O incrível é que esses torcedores tiveram apoio dos dirigentes e da chefia da polícia. Tive acesso ao vídeo e se vê claramente como os policiais orientam os torcedores por onde ir para chegar aos vestiários. E não acontece nada quando isso chega à Justiça. Isso aconteceu há um ano e ainda estão discutindo se o tal vídeo é uma prova válida ou não para o caso. E, claro, nada aconteceu com os responsáveis até agora. É conveniente para a polícia que a violência siga.

Conveniente como?
Ela tira vantagem da violência. Há dois anos, houve uma investigação grande que envolveu até a cúpula da divisão de esportes da polícia. Consegui provas de como eles combinavam com os torcedores para criar violência. Porque, se há violência, eles têm argumentos para pedir mais efetivo para a segurança nas partidas, um serviço cobrado dos clubes e da AFA. Cada policial recebe US$ 40 por partida trabalhada. Então, no jogo que teria 300 agentes eles pedem mil, alegando que a partida anterior teve diversos problemas. Mas ficou comprovado que não levam mil policiais. Levam 500 e embolsam o resto. O Congresso tomou a denúncia e demitiu diretores a polícia.

Há grupos políticos ou algum setor da sociedade que se coloquem contra os barras bravas?
Há uma ONG, que se chama “Salvemos al Fútbol”, que trabalha contra a violência no futebol. Mas não tem muito poder. Até organizam mobilizações, mas não são muito populares. Eles levam à Justiça as questões que eu apresento no jornal, mas é um grupo pequeno. Eu já falei que o único jeito de mudar o cenário atual é uma greve de torcedores, ninguém mais ir ao estádio. Se a TV mostrar um Boca x River com estádio vazio, só com mil torcedores organizados de cada lado, os políticos perceberão que está acontecendo algo muito grave. Mas os torcedores dizem que se pode fazer tudo, menos deixar de ir ao estádio. Na Argentina há movimentos de indignação quando morre alguém, mas depois passa.

O presidente do Independiente entrou em conflito com a barra brava do clube. Foi o único dirigente a tentar fazer isso?
Foi. O Independiente era completamente dominado pela barra brava. Ela tinha o passe dos jogadores, o campo de treino. O chefe da torcida era o diretor da ONG de torcedores que o governo armou. Então, começaram a ganhar muito dinheiro e muito poder. E o Independiente era um desastre sob o controle da organizada. Ninguém queria ir mais lá, era muita violência. Então, o Javier Cantero fez uma campanha dizendo que tiraria a barra se votassem nele e ganhou.

Ele está tendo sucesso?
Mais ou menos. Ele assumiu em dezembro de 2011 e tentou acertar as coisas com a torcida. Em março eu descobri que ele ainda dava alguns benefícios. Até entendo que não dá para cortar tudo pela raiz, mas aí tem de explicar isso a todos. Ele dava muito menos que antes, mas ainda dava algo para mantê-los tranquilos. Quando publiquei a reportagem, ele admitiu publicamente seu erro, disse que acreditava que era uma forma de manter a barra brava controlada e que passaria a combater seriamente a partir dali. E, quando começou a fazer isso, as coisas ficaram piores.

De que forma?
São suspeitas, porque os jogadores negam. Mas, desde que o Cantero cortou todos os benefícios dos barras bravas, a equipe estranhamente começou a perder uma partida atrás da outra. Perguntam aos jogadores se estão sendo ameaçados pela torcida, exigindo que entreguem o jogo para derrubar o presidente. Eles dizem que não, mas não dá para saber se é verdade. Hoje, o time está brigando para não cair. Quando começar a próxima temporada, o Independiente estará em posição de rebaixamento direto pela média de pontos das últimas temporadas. E é o único clube, ao lado do Boca, que nunca caiu para a segunda divisão.

Se os torcedores do Ferro concordassem em fazer uma greve contra a barra brava do clube, você participaria?
Claro! Porque é o que tem de ser feito para que isso fique explicitado. Quando eu escrevi umas matérias sobre a torcida do Ferro, o líder da torcida me perguntou porque eu o atacava: “Eu faço com que não roubem dentro do nosso bairro. Mandamos roubar fora”. Bem, não tem de roubar em lugar nenhum! São padrinhos da máfia, cada um em seu setor. É uma situação cada vez pior, porque a política, ao invés de combatê-los, os incluiu. A pessoa que gerencia o futebol do Ferro é uma figura muito importante do Partido Justicialista [peronista, partido do governo].

Como foi fazer a investigação de tudo isso, para ter acesso?
Tenho uma vantagem, que é trabalhar há 16 anos com esse tema. Conheço todas as partes envolvidas. Eu colaboro muito com a Justiça ou os advogados que trabalham nesse meio. No caso dos barras bravas que invadiram o vestiário do árbitro no River x Belgrano, a polícia só conhecia dois dos 12. Me chamaram para ver as imagens e identificar os demais. Com isso, acabei tendo acesso ao vídeo e tendo os nomes dos envolvidos. Muitas vezes, acabo tendo mais informações das leis supostamente violadas em um processo que os próprios advogados dos torcedores. Quando precisam de uma informação sobre o que está acontecendo, acabam me passando muita coisa também.

Como as pessoas viram seu livro?
Há três públicos diferentes. Um público é o torcedor normal que admira a barra brava. Na Argentina, um dos problemas é que o torcedor que vai ao estádio admira a torcida organizada e só repudia quando há violência forte. Aí, diz “não, não quero mais”. Depois, passa um tempo, eles voltam a dizer que a torcida é necessária, porque organizam a festa, as bandeiras. Esse público é muito importante e há muitos boquenses que dizem que “hoje, somos os únicos com um livro sobre sua torcida organizada”.

Viram seu livro como prova da grandeza do Boca?
Isso. Cada vez que o Boca é campeão, sai uma revista. E, agora, sai um livro sobre a torcida. Eles encaram La Doce como um livro sobre a história deles próprios, e não é. É sobre o grupo mafioso.

E quais os outros dois públicos do livro?
Outro tipo é o torcedor comum que repudia a torcida organizada. E dizem que o livro comprova o que eles sempre disseram: são máfias e é preciso eliminá-las. Até porque, as relações das torcidas organizadas mostram como são as relações corruptas na Argentina como um todo. E há o grupo de barras bravas. No início, foi um pouco complicada a relação. Quando saiu o livro, reclamaram que me haviam me dito coisas, contado os crimes que cometem, sem saber que sairia um livro sobre isso. Mas, depois, ficam orgulhosos porque saíram um livro sobre eles, com fotos deles. Então, sentem como reconhecimento.

Os barras bravas chegaram a ameaçá-lo?
Sim, mas eu trabalho no Grupo Clarín, o maior da Argentina. Ele tem muito poder. Quando há um problema sério, isso ajuda. E nunca tive um problema grave com os barras bravas. Se eles reclamam, eu digo que vou processá-los pelas ameaças e passa. O problema é quando houve investigações que esbarraram na polícia, no caso da fraude nos efetivos utilizados para fazer segurança nas partidas. E eu tenho mais medo da polícia do que dos barras bravas. Aí tive ameaças sérias.

O que fizeram?
Invadiram minha conta de e-mail, me telefonaram dizendo que horas eu deixava meus filhos na escola. No segundo dia em que isso aconteceu, fui falar com o presidente do Clarín. Ele ligou para o diretor geral da polícia e contou o que acontecia comigo. Disse que, se acontecesse algo comigo no dia seguinte, essa história seria a capa do jornal, com ataques diretos à cúpula da polícia. Não aconteceu mais nada. Mas isso só aconteceu porque trabalho no Clarín. Se trabalhasse em um veículo menor, não teria esse suporte.

Os barras bravas o conhecem. Por que contam os crimes que cometem?
Porque gostam de aparecer no jornal. Gostam de se mostrar. Outro dia, houve um julgamento contra várias figuras importantes de La Doce. Quando terminou o julgamento, 500 barras bravas fecharam a rua, no centro de Buenos Aires, para comemorar. Rafael Di Zeo, chefe de La Doxe e barra brava mais popular da Argentina, se mostrava para fotos. Depois, me deu uma entrevista exclusiva porque eu cubro esse assunto sempre. Ele ainda ficou me perguntando se ia aparecer na capa do jornal! Não queria página interna.

Aqui no Brasil, muita gente acredita que a festa na arquibancada faz o torcedor comum ter alguma simpatia pelas organizadas, mas a violência é importante para atrair novos membros, sobretudo os mais jovens que querem alguma adrenalina e poder. Na Argentina, ser reconhecido como um criminoso que está acima do bem e do mal ajuda também a ter seguidores?
Sim, claro. Há muita gente que vêem nesses barras bravas exemplos de pessoas que começaram de baixo e estão ali no topo. Aí, imaginam que podem conseguir o mesmo. De qualquer modo, a festa no estádio também é importante porque transforma a questão da torcida em “folclore do futebol”, como se diz lá na Argentina. Mas eu acho que nenhum folclore pode ser admitido se uma pessoa morre por violência. E já foram 268 mortos. Não é festa nenhuma, é um funeral enorme.

Brazil study finds youth homicides have soared 346 percent over last three decades (AP)

By Associated Press, Published: July 18

RIO DE JANEIRO — The homicide rate for Brazilian young people under age 19 shot up 346 percent over the past three decades, according to research published Wednesday by the Latin American School of Social Sciences.

During that period, youths became a far higher percentage of Brazil’s murder victims — rising from 11 percent of the total in 1980 to 43 percent in 2010, the report said. The homicide rate for young people rose from 3.1 per 100,000 people younger than 19 years old to 13.8 per 100,000.

This means deadly violence against the most vulnerable members of Brazilian society has surpassed the 10 deaths per 100,000 that mark the accepted threshold of an epidemic, said Julio Jacobo Waiselfisz, a researcher also affiliated with the Brazilian Center for Latin American Studies.

A country’s homicide rate conveys much more than just the number of people who have died, Waiselfisz said.

“Homicide is not a casual act. There is a culture of violence that is leading to the solving of conflicts by exterminating the bothersome element,” he said.

Waiselfisz said part of the increase in youth homicides might be due to the improvement in Brazil’s record keeping in recent decades.

But, he added, it is undeniable Brazil is experiencing an epidemic of violence against young people. Unlike a disease epidemic, however, the violence is not contained or short-lived because it has become part of society, built into relationships, he said.

“There is a discourse that blames the victims, that says these kids are dying because they are doing drugs, or they got into trouble,” Waiselfisz said. “There is a process of institutional omission when faced with these facts, which are taken as natural.”

The numbers in Waiselfisz’s study rank Brazil as the fourth-worst among 91 countries when it comes to youth homicides, behind El Salvador, Venezuela and Trinidad and Tobago.

Perla Ribeiro, head of the nonprofit Association of Centers for the Defense of Children and Adolescents, called the study shocking, and said she hoped that Brazilians will face up to this reality and bring some change.

“Society needs to reflect on these numbers. This isn’t something often discussed, this increase in homicides of adolescents,” Ribeiro said. “All levels of government — municipal, state and federal — need to face up to this as a real public policy problem.”

Antonio Carlos Costa, a pastor who has worked for years in some of Rio de Janeiro’s most violent communities, said the homicide numbers aren’t just statistics, but names as well.

“There is Fabiana, who died in Morro dos Macacos, inside her house; there was the case of Juan,” he said, remembering an 11-year-old boy shot by police near his home and dumped in a river. “There is Joao Roberto, who died in Tijuca, and the boy Ramon from Costa Barros …,” he added, then his voice trailed off.

The cases of children who met violent deaths are too many to name, Costa said.

The majority of young victims suffer both at the hands of police and of drug traffickers and other criminal gangs, a part of Brazil that the rest of the population easily forgets — “the expendable Brazil,” he said.

“One thing I can tell you: This survey doesn’t fully reflect reality. Reality is far more dramatic,” Costa said.

He noted the numbers used in the study came from the Health Ministry’s database, and thus reflect deaths officially recorded, not the untold number of poor or marginalized youths whose disappearance or death is simply never recorded.

“Teenagers who are executed, dumped in rivers, those will never be counted,” Costa said.