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Solenidade marca entrega de título de doutor honoris causa da Unifesp ao Yanomami Davi Kopenawa (Unifesp)

Texto original

Quinta, 16 Março 2023 16:34

Cerimônia que contou com presenças de lideranças indígenas e de entidades acadêmicas destacou necessária união e encontro de saberes para a difusão do conhecimento e garantia da dignidade humana

Por Denis Dana
Fotos: Alex Reipert


Mesa de abertura da cerimônia de outorga do título de doutor honoris causa a Davi Kopenawa
Mesa de abertura da cerimônia de outorga do título de doutor honoris causa a Davi Kopenawa

Em cerimônia realizada na última quarta, 15 de março, que contou com presenças de lideranças indígenas e acadêmicas, além de representante do governo federal, por meio do Ministério dos Povos Indígenas, o Yanomami Davi Kopenawa, pensador, líder político e xamã de seu povo recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Inédita na universidade, a concessão do grau teve processo iniciado em 2021, após iniciativa da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos, da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro e do Projeto Xingu, com centenas de assinaturas de apoio de docentes, técnicos(as) e estudantes em reconhecimento ao trabalho e luta de Kopenawa pela defesa dos povos originários, do meio ambiente, da diversidade cultural e dos direitos humanos.

Odair Aguiar Junior, diretor acadêmico do Campus Baixada Santista e presidente da comissão de Títulos Honoríficos da universidade
Odair Aguiar Junior, diretor acadêmico do Campus Baixada Santista e presidente da comissão de Títulos Honoríficos da universidade

A mesa de honra da sessão solene foi composta por Raiane Assumpção, reitora pro tempore e presidenta do Conselho Universitário (Consu), Juma Xipaia, secretária de Articulações e Promoção dos Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, Odair Aguiar Junior, diretor acadêmico do Campus Baixada Santista, membro do Consu e presidente da comissão de Títulos Honoríficos da universidade, Renzo Taddei, docente do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) – Campus Baixada Santista e membro da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro, e Ilana Seltzer Goldstein, docente da Escola de Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) – Campus Guarulhos e membro da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos.

Ao abrir os discursos, Odair Aguiar celebrou a ocasião, que marcou o encerramento de todo o rito realizado na universidade, no processo de proposição do título honorífico para Davi Kopenawa, o primeiro da Unifesp. “Este é um momento histórico e de muita celebração para nós, não só como instituição, mas também como país, ao outorgar como doutor honoris causa essa grande liderança nacional que é Kopenawa”.

Ilana Seltzer Goldstein, docente da Escola de Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) - Campus Guarulhos e membro da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos
Ilana Seltzer Goldstein, docente da Escola de Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) – Campus Guarulhos e membro da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos

Responsável por apresentar o currículo de Davi Kopenawa ao público que acompanhava a sessão solene presencial e virtualmente, Ilana Goldstein teve como desafio resumir toda a trajetória de vida do agraciado. Ao construir uma linha do tempo, Ilana trouxe os principais passos de Kopenawa, desde seu nascimento, passando pelas dificuldades na infância e sua adolescência na cidade, onde aprendeu e desenvolveu o português, tão importante para lhe permitir a tradução entre mundos. A apresentação do currículo também destacou a construção de sua família, o desenvolvimento de atividades xamânicas e sua inserção nas mobilizações e lutas em defesa dos povos originários, bem como no universo da literatura e de outras manifestações artísticas, sempre com o objetivo de conscientização e educação para um planeta mais tolerante e mais saudável.


Marcos Antonio Pellegrini, docente da Universidade Federal de Roraima (UFRR) 

cineasta Edmar Tokorino Yanomami
Na primeira imagem, Marcos Antonio Pellegrini, docente da Universidade Federal de Roraima (UFRR) proferindo seu discurso. Já segunda imagem, o cineasta Edmar Tokorino Yanomami (de vermelho) fala sobre o filme Uma Mulher Pensando, exibido durante a cerimônia


Ao término da apresentação, a docente fez um agradecimento especial ao mais novo doutor da Unifesp: “neste encerramento do processo de titulação, diplomamos aqui um homem único e singular, celebrando sua vida e obra, de forma que possamos continuar aprendendo contigo outros modos de pensar a relação entre os seres humanos e os não humanos e de questionar os valores que nos movem. Muito obrigado Davi Kopenawa”.

Reconhecimento mais que necessário

Renzo Taddei docente do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) - Campus Baixada Santista e membro da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro, utiliza o púlpito para destacar o trabalho de Kopenawa
Renzo Taddei docente do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) – Campus Baixada Santista e membro da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro, utiliza o púlpito para destacar o trabalho de Kopenawa

Na sequência da cerimônia, ao ser convidado para um breve discurso, Marcos Antonio Pellegrini, docente da Universidade Federal de Roraima (UFRR), médico formado pela Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo e integrante do Projeto Xingu, destacou o necessário reconhecimento do agraciado. “Esse título é um reconhecimento à sua coragem, sua luta e todo o seu conhecimento relacionado aos povos indígenas que você representa. É uma grande alegria ver o reconhecimento autêntico e necessário do conhecimento indígena e seu modo diferente de ver o mundo. Parabenizo também a Unifesp por esse reconhecimento”

O reconhecimento foi novamente ressaltado durante o discurso panegírico, proferido por Renzo Taddei. Logo em suas primeiras palavras, Taddei referenciou que “a Unifesp está localizada justamente em território ancestral dos povos indígenas Guarani Mbya, Tupi-Guarani, Kaingang, Krenak e Terena, a quem possuímos dívidas históricas não saldadas de honra, gratidão e reparação”.

Davi Kopenawa recebendo o título de doutor honoris causa pela Unifesp
Davi Kopenawa recebendo o título de doutor honoris causa pela Unifesp

“Este é um momento ímpar na história da Unifesp. É de beleza sublime o fato de que o primeiro título honorífico da universidade seja concedido a Davi Kopenawa. Contudo, façamos dessa celebração, um momento de reflexão e apoio à luta do agraciado, que vem em um contexto de violência hedionda sofrida pelo povo Yanomami”, disse Taddei.

Além de celebrar a trajetória e feitos de Davi Kopenawa, o docente da Unifesp destacou em seu discurso panegírico as implicações mais importantes de sua grande obra literária, A Queda do Céu, e de seu pensamento para o fazer da ciência e para o mundo universitário.

O discente Willian Jorge Pires 

a secretária do Consu/Unifesp, Maristela Feldman
Na primeira imagem, o discente Willian Jorge Pires da Silva lê um trecho do livro A Queda do Céu, de Davi Kopenawa. Na segunda imagem, a secretária do Consu/Unifesp, Maristela Feldman, faz a leitura do termo concessivo

Após destacar a inclusão da sabedoria indígena em debates de coletividades de cientistas de alto nível mais diretamente ligadas ao combate à crise ambiental causada pela modernidade ocidental, como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), ambos diretamente ligados à ONU e suas agências, Taddei finalizou sua fala novamente com destaque à importância do reconhecimento do trabalho de Kopenawa: “a concessão desse título honorífico é mais do que simplesmente uma declaração de apreciação de sua atuação e de suas ideias, é também uma declaração de que somos seus aliados”.

Ritual contou com discursos impactantes

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Davi Kopenawa e os membros da mesa de abertura da cerimônia acompanhando os discursos

Davi Kopenawa passou por todo o ritual de concessão de título, incluindo a leitura e assinatura do ato concessivo do título de doutor honoris causa, a vestimenta doutoral, marcado pela colocação da beca com o auxílio de sua filha, Tuíra Kopenawa, o pronunciamento da concessão de grau, feito por Raiane Assumpção, e a entrega do diploma. Foram momentos de bastante atenção do público, bem como dos discursos que se seguiram, de maneira impactante.

Ao representar o Ministério dos Povos Indígenas do Brasil e sua ministra Sonia Guajajara, Juma Xipaia afirmou “estar honrada em fazer parte desse momento tão importante de respeito da ciência e dos saberes indígenas. Não há uma única ciência, há inúmeros povos com suas ciências. Esse título da Unifesp apresenta ao mundo o reconhecimento de toda a ancestralidade e de todo o saber dos povos indígenas do Brasil representada por essa grande liderança que é Davi Kopenawa”.

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Renzo Taddei docente do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) – Campus Baixada Santista e membro da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro

Em seu discurso, Juma fez um alerta para que a humanidade desperte para o que tem acontecido com o mundo. “Nossa luta nunca foi somente pelo povo indígena, algo isolado, é algo muito maior. Sempre foi por todos, pelo planeta e pela existência de todos nós. Temos que garantir para as nossas e para as próximas gerações o direito não somente de resistir, mas, principalmente, de existir”.

“É preciso que esse exemplo de valorização e reconhecimento que a Unifesp dá seja multiplicado, não só com os povos indígenas, bem como com todos aqueles detentores de saberes que habitam nessa diversidade ainda existente no Brasil,o que faz nosso país tão lindo e com tanta riqueza”, destacou.

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Juma Xipaia, secretária de Articulações e Promoção dos Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, discursando no evento

Seu discurso foi seguido pelo do então mais novo doutor da Unifesp, Davi Kopenawa, que logo em suas primeiras palavras agradeceu o título concedido pela universidade. “Estou muito contente com esse reconhecimento da universidade em ver a minha luta pela defesa dos Yanomami e de todos os povos indígenas do Brasil. Para mim, esse título representa mais uma flecha para seguir nessa luta”.

Sem deixar de citar o horror vivido pela comunidade Yanomami nos últimos anos em decorrência do avanço do garimpo ilegal, Kopenawa também aproveitou o momento para alertar os povos não indígenas sobre o necessário cuidado com o planeta. “Hoje, com vocês da universidade, vejo que nós não estamos sozinhos. Nossa defesa é por todos. Somos um planeta só”. (Veja aqui a íntegra do discurso de Davi Kopenawa).

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Raiane Assumpção, presidenta do Consu/Unifesp, durante seu discurso

O discurso final ficou por conta da reitora pro tempore da Unifesp, Raiane Assumpção. Honrada por ter Davi Kopenawa como o primeiro doutor honoris causa da universidade, Raiane ressaltou o significado da sessão pelo ineditismo e também pela figura do agraciado, mas também por toda a responsabilidade de reafirmação do compromisso compartilhado com Kopenawa e suas causas no que diz respeito à defesa do planeta e da sociedade.

“Há décadas a nossa instituição vem construindo vínculo com os povos indígenas, possibilitando assistência e produzindo conhecimento em conjunto, reiterando o compromisso da Unifesp com a formação na graduação, pela extensão e pela pesquisa e que não é no fazer por, mas no fazer com, numa produção de conhecimento que é feito com as pessoas”.

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A presidenta do Consu/Unifesp assinando o termo de outorga do título de doutor honoris causa

“Ao longo dos anos fomos construindo uma forma de encontro de saberes. Saberes científicos, tradicionais, populares, que são necessários para que a nossa sociedade caminhe mais e melhor. Que possamos seguir nesse rumo, construindo uma melhor forma de existência e de formação e uma contribuição para que nosso estado brasileiro tenha um desenvolvimento para a dignidade humana”, concluiu Raiane.

Um pouco da arte de Kopenawa

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Davi Kopenawa asssinando o termo de outorga do título de doutor honoris causa

Durante a cerimônia de entrega do título honoris causa à Davi Kopenawa, o público pode acessar um pouco da obra do agraciado, com a leitura de trecho do livro A Queda do Céu, feita pelo discente Willian Jorge Pires da Silva, e com a exibição de um trecho do filme Uma Mulher Pensando, do cineasta Edmar Tokorino Yanomami, que, em suas palavras, “foi feito com o objetivo de incomodar e de servir como sinal de alerta e apoio para a luta em defesa da vida”.

Autoridades presentes na sessão solene: Dácio Roberto Matheus, reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC); Soraya Smaili, reitora da Unifesp gestão 2013 a 2021; Andrea Rabinovici, vice-reitora da Unifesp gestão 2020 e 2021; Rafael Alves Scarazzati, pró-reitor de Extensão do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), representando o reitor da instituição; Dan Levy, chefe de gabinete da Unifesp; Maria Beatriz de Souza Henriques, coordenadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo; Carlos Papá, cineasta e líder espiritual do povo Guarani; Cristine Takuá, diretora do Instituto Maracá e educadora das Escolas Vivas; Zysman Neiman, coordenador da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro da Unifesp, Valéria Macedo, da coordenação colegiada da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos; Sofia Mendonça, coordenadora do Projeto Xingu; Douglas Rodrigues, médico coordenador do Ambulatório de Saúde dos Povos Indígenas do Hospital São Paulo; Artionka Capiberibe, diretora do Centro de Pesquisa em Etnologia Indígena, Áurea Gil, coordenadora do Centro de Memória da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Fernando Stickel, diretor-presidente da Fundação Stickel; Kelly Adriano de Oliveira, gerente adjunta de Ação Cultural do SESC São Paulo; Rubens Belfort Jr, professor emérito e membro titular da Academia Brasileira de Medicina; Marlon Alberto Weichert, Procurador Regional da República no Ministério Público Federal; Daniel Munduruku, diretor presidente do Instituto Uk´A; Tata Katuvanjesi, autoridade tradicional de matriz centro africana; Renato Sztutman, diretor do Centro Ameríndios da USP; Martin Grossman, diretor da Cátedra Olavo Setubal da USP; Ana Maria Gomes, docente da UFMG e coordenadora do Observatório Educacional Intercultural Indígena, Fernanda Pitta, curadora do Museu de Arte Contemporânea da USP; Luísa Valentini, supervisora do Centro de Pesquisa e Referência do Museu das Culturas Indígenas, além de representante da liderança indígena Xokleng.

In Commemoration: A Sampling of Herman Daly (Steady State Herald)

steadystate.org/in-commemoration-a-sampling-of-herman-daly/

Lydia SchubarthNovember 17, 2022

by Herman Daly (posthumously) — Introduction by Brian Czech

Given the recent, tragic passing of Herman Daly, we allocate this week’s Steady State Herald to the wise words of Daly himself. From 2010-2018, Herman was a regular contributor to The Daly News, CASSE’s blog before the Herald was launched. (Herman’s modesty almost prevented us from naming the blog after him, but he was outnumbered by CASSE staff and board, and The Daly News it was!)

Daly News articles were shorter—and eminently pithier from the pen of Daly—so we’re able to package a sample of three articles into this commemorative display. These are three of the thirty three articles bound in the book, Best of The Daly News: Selected Essays from the Leading Blog in Steady State Economics, 2010-2018.

Best of The Daly News was the first book published by the Steady State Press, CASSE’s nascent imprint. Herman Daly was happy with the production, which also became the first membership gift. We’re sure you’ll be happy with the distillation below. After all, we might arguably call these articles “the best of the Best of The Daly News.”

Wealth, Illth, and Net Welfare (November 13, 2011)

Well-being should be counted in net terms, that is to say we should consider not only the accumulated stock of wealth but also that of “illth;” and not only the annual flow of goods but also that of “bads.” The fact that we have to stretch English usage to find words like illth and bads to name the negative consequences of production that should be subtracted from the positive consequences is indicative of our having ignored the realities for which these words are the necessary names. Bads and illth consist of things like nuclear wastes, the dead zone in the Gulf of Mexico, biodiversity loss, climate change from excess greenhouse gas emissions, depleted mines, eroded topsoil, dry wells, exhausting and dangerous labor, congestion, etc. We are indebted to John Ruskin for the word “illth,” and to an anonymous economist, perhaps Kenneth Boulding, for the word “bads.”

In the empty world of the past, these concepts and the names for them were not needed because the economy was so small relative to the containing natural world that our production did not incur any significant opportunity cost of displaced nature. We now live in a full world, full of us and our stuff, and such costs must be counted and netted out against the benefits of growth. Otherwise we might end up with extra bads outweighing extra goods and increases in illth greater than the increases in wealth. What used to be economic growth could become uneconomic growth—that is, growth in production for which marginal costs are greater than marginal benefits, growth that in reality makes us poorer, not richer. No one is against being richer. The question is, does more growth really make us richer, or has it started to make us poorer?

Wealth and illth: which the greater? (CC BY 2.0, Michael Caven)

I suspect it is now making us poorer, at least in some high-GDP countries, and we have not recognized it. Indeed, how could we when our national accounting measures only “economic activity”? Activity is not separated into costs and benefits. Everything is added in GDP, nothing subtracted. The reason that bads and illth, inevitable joint products with goods and wealth, are not counted, even when no longer negligible in the full world, is that obviously no one wants to buy them, so there is no market for them, hence no price by which to value them. But it is worse: These bads are real and people are very willing to buy the anti-bads that protect them from the bads. For example, pollution is an unpriced, uncounted bad, but pollution cleanup is an anti-bad which is accounted as a good. Pollution cleanup has a price, and we willingly pay it up to a point and add it to GDP—but without having subtracted the negative value of the pollution itself that made the cleanup necessary. Such asymmetric accounting hides more than it reveals.

In addition to asymmetric accounting of anti-bads, we count natural capital depletion as if it were income, further misleading ourselves. If we cut down all the trees this year, catch all the fish, burn all the oil and coal, etc., then GDP counts all that as this year’s income. But true income is defined (after the British economist Sir John Hicks) as the maximum that a community can consume this year and still produce and consume the same amount next year. In other words, it entails maximizing production while maintaining intact future capacity to produce. Nor is it only depletion of natural capital that is falsely counted as income; failure to maintain and replace depreciation of man-made capital, such as roads and bridges, has the same effect. Much of what we count in GDP is capital consumption and anti-bads.

As argued above, one reason that growth may be uneconomic is that we discover that its neglected costs are greater than we thought. Another reason is that we discover that the extra benefits of growth are less than we thought. This second reason has been emphasized in the studies of self-evaluated happiness, which show that beyond a threshold annual income of some $20-25,000, further growth does not increase happiness. Happiness, beyond this threshold, is overwhelmingly a function of the quality of our relationships in community by which our very identity is constituted, rather than the quantity of goods consumed. A relative increase in one’s income still yields extra individual happiness, but aggregate growth is powerless to increase everyone’s relative income. Growth in pursuit of relative income is like an arms race in which one party’s advance cancels that of the other. It’s like everyone standing and craning their neck in a football stadium while having no better view than if everyone had remained comfortably seated.

As aggregate growth beyond sufficiency loses its power to increase welfare, it increases its power to produce illth. This is because to maintain the same rate of growth, ever more matter and energy has to be mined and processed through the economy, resulting in more depletion, more waste, and requiring the use of ever more powerful and violent technologies to mine the ever leaner and less accessible deposits. Petroleum from an easily accessible well in East Texas costs less labor and capital to extract, and, therefore, directly adds less to GDP, than petroleum from an inaccessible well a mile under the Gulf of Mexico. The extra labor and capital spent to extract a barrel in the Gulf of Mexico is not a good or an addition to wealth—it is more like an anti-bad made necessary by the bad of depletion, the loss of a natural subsidy to the economy. In a full-employment economy, the extra labor and capital going to petroleum extraction would be taken from other sectors, so aggregate real GDP would likely fall. But the petroleum sector would increase its contribution to GDP as nature’s subsidy to it diminished. We would be tempted to regard it as more, rather than less, productive.

The next time some economist or politician tells you we must do everything we can to grow (in order to fight poverty, win wars, colonize space, cure cancer, whatever…), remind him or her that when something grows it gets bigger! Ask him how big he thinks the economy is now, relative to the ecosphere, and how big he thinks it should be. And what makes him think that growth is still causing wealth to increase faster than illth? How does he know that we have not already entered the era of uneconomic growth? And if we have, then is not the solution to poverty to be found in sharing now, rather than in the empty promise of growth in the future?

Fitting the Name to the Named (March 28, 2011)

There may well be a better name than “steady state economy,” but both the classical economists (especially John Stuart Mill) and the past few decades of discussion, not to mention CASSE’s good work, have given considerable currency to “steady state economy” both as concept and name. Also, both the name and concept of a “steady state” are independently familiar to demographers, population biologists, and physicists. The classical economists used the term “stationary state” but meant by it exactly what we mean by steady state economy; briefly, a constant population and stock of physical wealth. We have added the condition that these stocks should be maintained constant by a low rate of throughput (of matter and energy), one that is well within the regenerative and assimilative capacities of the ecosystem. Any new name for this idea should be sufficiently better to compensate for losing the advantages of historical continuity and interdisciplinary familiarity. Also, “steady state economy” conveys the recognition of biophysical constraints and the intention to live within them economically, which is exactly why it can’t help evoking some initial negative reaction in a growth-dominated world. There is an honesty and forthright clarity about the term “steady state economy” that should not be sacrificed to the short-term political appeal of vagueness.

Fitting the name (and a logo) to the named.

A confusion arises with neoclassical growth economists’ use of the term “steady-state growth” to refer to the case where labor and capital grow at the same rate, thus maintaining a constant ratio of labor to capital, even though both absolute magnitudes are growing. This should have been called “proportional growth,” or perhaps “steady growth.” The term “steady-state growth” is inept because growth is a process, not a state, not even a state of dynamic equilibrium.

Having made my terminological preference clear, I should add that there is nothing wrong with other people using various preferred synonyms, as long as we all mean basically the same thing. Steady state, stationary state, dynamic equilibrium, microdynamic-macrostatic economy, development without growth, degrowth, post-growth economy, economy of permanence, “new” economy, “mature” economy…these are all in use already, including by me at times. I have learned that English usage evolves quite independently of me, although like others I keep trying to “improve” it for both clarity and rhetorical advantage. If some other term catches on and becomes dominant then so be it, as long as it denotes the reality we agree on. Let a thousand synonyms bloom and linguistic natural selection will go to work. Also, it is good to remind sister organizations that their favorite term, when actually defined, is usually a close synonym to steady state economy. If it is not, then we have a difference of substance rather than of terminology.

Out of France now comes the “degrowth” (décroissance) movement. This arises from the recognition that the present scale of the economy is too large to be maintained in a steady state—its required throughput exceeds the regenerative and assimilative capacities of the ecosystem of which it is a part. This is almost certainly true. Nevertheless “degrowth,” just like growth, is a temporary process for reaching an optimal or at least sustainable scale that we then should strive to maintain in a steady state.

Some say it is senseless to advocate a steady state unless we first have attained, or can at least specify, the optimal level at which to remain stationary. On the contrary, it is useless to know the optimum unless we first know how to live in a steady state. Otherwise knowing the optimum level will just allow us to wave goodbye to it as we grow beyond it, or as we “degrow” below it.

Optimal level is one thing; optimal growth rate is something else. Once we have reached the optimal level then the optimal growth rate is zero. If we are below the optimal level the temporary optimal growth rate is at least known to be positive; if we are above the optimal level we at least know that the temporary growth rate should be negative. But the first order of business is to recognize the long-run necessity of the steady state and to stop positive growth. Once we have done that, then we can worry about how to “degrow” to a more sustainable level, and how fast.

There is really no conflict between the steady state economy and “degrowth” because no one advocates negative growth as a permanent process; and no one advocates trying to maintain a steady state at the unsustainable present scale of population and consumption. But many people do advocate continuing positive growth beyond the present excessive scale, and they are the ones in control and who need to be confronted by a united opposition!

War and Peace and the Steady State Economy (April 29, 2015)

My parents were children during World War I, the so-called “war to end all wars.” I was a child during WWII, an adolescent during the Korean War, and except for a physical disability would likely have been drafted to fight in the Vietnam War. Then came Afghanistan, Iraq, the continuous Arab-Israeli conflict, ISIS, Ukraine, Syria, etc. Now as a senior citizen, I see that war has metastasized into terrorism. It is hard to conceive of a country at war, or threatened by terrorism, moving to a steady state economy.

Peace is necessary for real progress, including progress toward a steady state economy. While peace should be our priority, might it nevertheless be the case that working toward a steady state economy would further the goal of peace? Might growth be a major cause of war, and the steady state a necessity for eliminating that cause? I think this is so.

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Growth goals beyond the optimum march inevitably toward death and destruction. (CC BY 2.0, manhhai)

More people require more space (lebensraum) and more resources. More things per person also require more space and more resources. Recently I learned that the word “rival” derives from the same root as “river.” People who get their water from the same river are rivals, at least when there are too many of them, each drawing too much.

For a while, the resource demands of growth can be met from within national borders. Then there is pressure to exploit or appropriate the global commons. Then comes the peaceful penetration of other nations’ ecological space by trade. The uneven geographic distribution of resources (petroleum, fertile soil, water) causes specialization among nations and  interdependence along with trade. Are interdependent nations more or less likely to go to war? That has been argued both ways, but when one growing nation has what another thinks it absolutely needs for its growth, conflict easily displaces trade. As interdependence becomes more acute, then trade becomes less voluntary and more like an offer you can’t refuse. Unless trade is voluntary, it is not likely to be mutually beneficial. Top-down global economic integration replaces trade among interdependent national economies. We have been told on highest authority that because the American way of life requires foreign oil, we will have it one way or another.

International “free trade pacts” (NAFTA, TPP, TAFTA) are supposed to increase global GDP, thereby making us all richer and effectively expanding the size of the earth and easing conflict. These secretly negotiated agreements among the elites are designed to benefit private global corporations, often at the expense of the public good of nations. Some think that strengthening global corporations by erasing national boundaries will reduce the likelihood of war. More likely we will just shift to feudal corporate wars in a post-national global commons, with corporate fiefdoms effectively buying national governments and their armies, supplemented by already existing private mercenaries.

It is hard to imagine a steady state economy without peace; it is hard to imagine peace in a full world without a steady state economy. Those who work for peace are promoting the steady state, and those who work for a steady state are promoting peace. This implicit alliance needs to be made explicit. Contrary to popular belief, growth in a finite and full world is not the path to peace, but to further conflict. It is an illusion to think that we can buy peace with growth. The growth economy and warfare are now natural allies. It is time for peacemakers and steady staters to recognize their natural alliance.

It would be naïve, however, to think that growth in the face of environmental limits is the only cause of war. Evil ideologies, religious conflict, and “clash of civilizations” also cause wars. National defense is necessary, but uneconomic growth does not make our country stronger. The secular West has a hard time understanding that religious conviction can motivate people to kill and die for their beliefs. Modern devotion to the Secular God of Growth, who promises heaven on earth, has itself become a fanatical religion that inspires violence as much as any ancient Moloch. The Second Commandment, forbidding the worship of false gods (idolatry) is not outdated. Our modern idols are new versions of Mammon and Mars.


Brian Czech is CASSE’s executive director. Herman Daly (1938-2022) was a long-time CASSE board member and economist emeritus.

Adam Tooze: Bruno Latour and the philosophy of life (New Statesman)

newstatesman.com

For the late French intellectual in an age of ecological crisis it was crucial to understand ourselves as rooted beings.

Adam Tooze

17 October 2022


As Bruno Latour confided to Le Monde earlier this year in one of his final interviews, philosophy was his great intellectual love. But across his long and immensely fertile intellectual life, Latour pursued that love by way of practically every other form of knowledge and pursuit – sociology, anthropology, science, history, environmentalism, political theory, the visual arts, theatre and fiction. In this way he was, above all, a philosopher of life in the comprehensive German sense of Lebensphilosophie.

Lebensphilosophie, whose leading exponents included figures such as Friedrich Nietzsche and Martin Heidegger, enjoyed its intellectual heyday between the 1870s and the 1930s. It was a project that sought to make sense of the dramatic development of modern science and the way it invaded every facet of life. In the process, it relentlessly questioned distinctions between the subject and knowledge and the foundations of metaphysics. It spilled over into the sociology of a Max Weber or the Marxism of a György Lukács. In France, writer-thinkers such as Charles Péguy or Henri Bergson might be counted as advocates of the new philosophy. Their heirs were the existentialists of the 1940s and 1950s. In the Anglophone world, one might think of the American pragmatists, William James and John Dewey, the Bloomsbury group and John Maynard Keynes.

A century later, the project of a “philosophy of life” acquired new urgency for Latour in an age of ecological crisis when it became crucial to understand ourselves not as free-floating knowing and producing subjects, but as rooted, or “landed”, beings living alongside others with all the limits, entanglements and potentials that entailed.

The heretical positions on the status of scientific knowledge for which Latour became notorious for some, are best understood as attempts to place knowledge and truth claims back in the midst of life. In a 2004 essay entitled “How to Talk About the Body?” he imagined a dialogue between a knowing subject as imagined by a naive epistemology and a Latourian subject:

“‘Ah’, sighs the traditional subject [as imagined by simplistic epistemologies], ‘if only I could extract myself from this narrow-minded body and roam through the cosmos, unfettered by any instrument, I would see the world as it is, without words, without models, without controversies, silent and contemplative’; ‘Really?’ replies the articulated body [the Latourian body which recognises its relationship to the world and knowledge about it as active and relational?] with some benign surprise, ‘why do you wish to be dead? For myself, I want to be alive and thus I want more words, more controversies, more artificial settings, more instruments, so as to become sensitive to even more differences. My kingdom for a more embodied body!’”

The classical subject-object distinction traps the knowing subject in a disembodied, unworldly position that is, in fact, tantamount to death. As Latour wrote in a brilliant passage in the same essay on the training of noses, the expert smell-testers who gauge perfume, or tea or wine: “A direct and unmediated access to the primary qualities of odours could only be detected by a bodiless nose.” But what kind of image of knowledge is this? “[T]he opposite of embodied is dead, not omniscient.”

For a Burgundian – Latour was born in 1947 into a storied family of wine négociant in Beaune – this was an obvious but profound truth. To really know something, the way a good Burgundian knows wine, means not to float above the world, but to be a porous part of it, inhaling, ingesting fermentation and the chemical elements of the terroir, the irreducibly specific terrain.

For Latour, claims to meaningful knowledge, including scientific knowledge, were generated not by simple rules and procedures that could be endlessly repeated with guaranteed results, but through immersion in the world and its particularities. This implied an existential engagement: “Knowing interestingly is always a risky business,” he wrote, “which has to be started from scratch for any new proposition at hand.” What made for generative scientific discovery was not the tautological reproduction of a state of affairs by a “true” statement, but the “fecundity, productivity, richness, originality” of good articulations. Distinctions between true and false were, more often than not, banal. Only anxious epistemologists and methodologists of science worried about those. What mattered to actual scientific practice was whether a claim was “boring”, “repetitive”, “redundant”, “inelegant”, “simply accurate”, “sterile”.

If Latour was a sceptic when it came to naive claims of “detached” scientific knowledge, this also applied doubly to naive sociologies of knowledge. Critical analyses of power, whether anti-capitalist, feminist or postcolonial, were productive and inspiring. But unless it was subject symmetrically to the same critique to which Latour subjected naive claims to scientific knowledge, social theory, even that which proclaimed itself to be critical theory, could all too easily become a snare. If the relationship of life and knowledge was the problem, then, you could not cut through that Gordian knot by invoking sociology to explain physics. What was sociology, after all, but a form of organised social knowledge? For better or for worse, all you were doing in such an exercise was multiplying the articulations from one scientific discipline to another and not necessarily in a helpful or illuminating direction.

In refusing the inherited authority of the 19th and early 20th-century canon of critical social science, Latour sought to create a form of knowledge more adequate to the late 20th and early 21st centuries. Latour thus belongs alongside Michel Foucault and Gilles Deleuze and Félix Guattari as one of the French thinkers who sought to escape the long shadow of Marxism, whether in its Hegelian (Sartre) or its anti-Hegelian (Althusser) varieties.

In place of an overly substantive notion of “the economy” or “society”, Latour proposed the looser conception of actor-networks. These are assemblages of tools, resources, researchers, means of registering concepts, and doing things that are not a priori defined in terms of a “mode of production” or a particular social order. Think of the lists of interconnected objects, systems and agents that have held our attention in the past few years: shipping containers, the flow of rainwater in Taiwan, giant freighters stuck sideways in the Suez Canal driven off course by unpredictable currents and side winds. Each of these supply chain crises has exposed actor-networks, of which we were previously oblivious. During such moments we are forced to ask: what is macro and what is micro? What is base and what is superstructure? These are Latourian questions.

One of the productive effects of seeing the world this way is that it becomes irresistibly obvious that all sorts of things have agency. This realisation is disturbing because it seems to downgrade the privilege of actual human existence and the social relations between people. But Latour’s point was never to diminish the human, but instead to emphasise the complex array of forces and agencies that are entailed in our modern lives. Our existence, Latour tried to show, depends not on the simple structures that we imagined modernity to consist of – markets, states and so on – but on the multiplication of what he calls hybrids, “supply chains” in the widest sense of the word.

Latour was not a class militant. But that does not mean that he did not have a cause. His lifelong campaign was for modernity to come to consciousness of itself, to stop taking its own simplifications at face value, to recognise the confusions and hybridity that it creates and endlessly feeds off. His mission was to persuade us, as the title of his most widely read book has it, that We Have Never Been Modern (1991). The confusion of a world in which lipid bubbles, aerosols and face masks have occupied our minds for years is what Latour wanted to prepare us for.

What Latour sought to expose was the pervasive animism that surrounds us in the form of hybrid actor-networks, whose force and significance we consistently deny. “Hybrids are everywhere,” he said, “but the question is how do you tame them, or do you explicitly recognise their strengths, which is part of the animist power of objects?” What Latour diagnosed is that modernity, as part of its productive logic, systematically denies this animation of the material world. “Modernism is the mode of life that finds the soul with which matter would be endowed, the animation, shocking.”

This repression of hybrid, animated material reality, is exposed in the often-racialised embarrassment of those who believe themselves modern when they encounter human civilisations that make no secret of their animist beliefs. It also accounts for the embarrassment triggered among true believers in modern science and its ideology by the revelations of the best histories of science, such as those by Simon Schaffer, to whom Latour owed a great debt. To Latour’s delight Schaffer showed how Isaac Newton, in the first instance, saw in gravity the manifestation of the power of angels.

The modernist impulse is to dismiss such ideas as hangovers of an earlier religious world-view and to relegate African art to the anthropology museum. But at the risk of provocation and scandal, Latour’s response was the opposite. Rather than finishing the purification of modernity and expunging angels and animism from our view of the forces that move the world, he urged that we should open our ontology to encompass the giant dark matter of hybrid concepts and real networks that actually sustain modern life.

From the 1990s onwards this made Latour one of the foremost thinkers in the ecological movement. And once again he reached for the most radical and encompassing animist notion with which to frame that commitment – the Gaia concept, which postulates the existence of a single overarching living being, encompassing global ecology. This is an eerie, supernatural, non-modern idea. But for Latour, if we settle for any more mundane description of the ecological crisis – if we fit the environment into pre-existing cost-benefit models as economists often do – we fail to recognise the radicalism of the forces that we have unleashed. We fail to understand the peril that we are in: that Gaia will lose patience and toss us, snarling, off her back.

Latour’s emphatic embrace of life, plenitude and articulation did not mean that he shrank from finitude or death. Rather the opposite. It is only from a thoroughly immanent view that you truly feel the weight of life lived towards its end, and the mysterious and awesome finality that is death. It is only from an embrace of life as emphatic as Latour’s, that you truly register the encroachment of deadening forces of the mind and the body. For Latour, life and death were intertwined by the effort of those left behind to make sense of death, by every means at their disposal, sometimes at very long distance.

In September 1976 the body of Ramesses II, the third pharaoh of the 19th Dynasty of Egypt, was flown to Paris. He was welcomed with the full military honours appropriate for a great ruler, and then his body was whisked to the laboratory to be subject to medical-forensic examination. For Latour this fantastic juxtaposition of the ancient and the modern was an irresistible provocation. The naive position was that the scientists discovered that Ramesses died of tuberculosis 3,000 years ago. He was also, a racially minded police forensic scientist claimed, most likely a redhead. For Latour, the question was more basic. How can we debate claims made self-confidently about a death that took place thousands of years ago? We were not there. There was no modern medical science then. When Ramesses ceased to live, TB was not even a “thing”. It was not until 1882 that Robert Koch in Berlin identified the bacillus. And even then, no one could have made any sensible claim about Ramesses. Making the naive, apparently matter-of-fact claim – that Ramesses died of TB in 1213 BC – in fact involves giant leaps of the imagination.

What we do know and can debate are what Latour would call “articulations”. We know that as a result of the intervention of the French president Valéry Giscard D’Estaing the Egyptian authorities were prevailed upon to allow the decaying mummy to be flown to Paris for preservation. We know that in Paris, what was left of the body was enrolled in modern technoscientific systems and testing procedures leading us to venture hypotheses about the cause of death in the distant past. Every single one of those “articulations” can be tested, probed and thereby multiplied. Entire bodies of thought can be built on different hypotheses about the corpse. So, Latour maintained, rather than those who assertively claim to know what actually happened 3,000 years ago, the journalist who declared vertiginously that Ramesses had (finally) died of TB in 1976 came closer to the truth in registering both the gulf that separates us from an event millennia in the past and the radical historical immanence of our current diagnosis. In his effort to shake us out of the complacent framework of certainty that modernity had created around us, counter-intuitive provocations of this kind were part of Latour’s method.

Unlike Ramesses’ cause of death, Bruno Latour’s was well mapped. In the 21st century, a cancer diagnosis has immediate and drastic implications. It enrols you as a patient in the machinery of the medical-industrial complex. Among all the hybrids that modern societies have created, the medical apparatus is one of the most complex. It grows ever larger and imposes its urgency in a relentless and merciless fashion. If you take your critical vantage point from an early 20th-century theorist of alienation, like Lukács or Weber for instance, it is tempting to think of this technoscientific medical apparatus as a steel-hard cage that relentlessly objectifies its patients, as bodies and cases. But for Latour, this again falls into a modernist trap. To start from the premise that objectification is actually achieved is to misunderstand and to grant too much. “Reductionism is not a sin for which scientists should make amends, but a dream precisely as unreachable as being alive and having no body. Even the hospital is not able to reduce the patient to a ‘mere object’.”

Rather than reducing us, modern medicalisation multiplies us. “When you enter into contact with hospitals, your ‘rich subjective personality’ is not reduced to a mere package of objective meat: on the contrary, you are now learning to be affected by masses of agencies hitherto unknown not only to you, but also to doctors, nurses, administration, biologists, researchers who add to your poor inarticulate body complete sets of new instruments.” The body becomes a site of a profuse multiplicity: “How can you contain so much diversity, so many cells, so many microbes, so many organs, all folded in such a way that ‘the many act as one’, as [Alfred North] Whitehead said? No subjectivity, no introspection, no native feeling can be any match for the fabulous proliferation of affects and effects that a body learns when being processed by a hospital… Far from being less, you become more.”

It’s a brave image. Perhaps it was one that sustained Latour as the cancer and the agencies deployed to fight it laid waste to his flesh. Not for nothing people describe the illness as a battle. Like a war, it can go on for years.

Latour liked military images. Perhaps because they better captured his vision of history, as mysterious, opaque, complex and contingent. Military history is one area of the modern world in which even the most high-minded analysts end up talking about tanks, bridges, rivers, Himars, Javelins and the fog of war. In the end, it is often for want of nails that battles are lost. The original French title of Latour’s famous book on the 19th-century French microbiologist Louis Pasteur – Pasteur: guerre et paix des microbes suivi de Irréductions – paid homage to Tolstoy. In the English translation that reference was lost. The Pasteurization of France (1988) replaces the French’s titles nod to War and Peace with ugly sociologese.

Latour’s own life force was strong. In his apartment on Rue Danton, Paris, with the charred remains of Notre Dames in background, he shared wines with visitors from around the world from vineyards planted in response to climate change. Covid lockdowns left him impatient. As soon as global traffic resumed, in 2021 he was assisting in the curation of the Taipei biennial. Latour’s final book, After Lockdown: A Metamorphosis appeared in English in 2021. It carries his voice into the present inviting us to imagine ourselves in an inversion of Kafka’s fable, as happy termites emerging from the lockdown on six hairy legs. “With your antennae, your articulations, your emanations, your waste matter, your mandibles, your prostheses, you may at last be becoming a human being!” No longer ill at ease, “Nothing is alien to you anymore; you’re no longer alone; you quietly digest a few molecules of whatever reaches your intestines, after having passed through the metabolism of hundreds of millions of relatives, allies, compatriots and competitors.”

As he aged, Latour became more, not less radical. Often dismissed on the left for his scepticism about classical critical social theory, the ecological turn made Latour into nothing less than an eco-warrior. His cause was the overturning of the dream world that systematically failed to recognise or grasp the forces unleashed by the modernist apparatus of production and cognition. We needed to come down to Earth, to land. Only then could we begin the hard work, with other actors, of arriving at a sustainable modus vivendi. The urgency was that of war and his mobilisation was total. The range of projects that he spawned in recent decades – artistic, political, intellectual – was dizzying. All of them aimed to find new political forms, new parliaments, new articulations.

Unlike many commentators and politicians, in response to populism, and specifically the gilet jaunes protests of 2018, Latour did not retreat to higher levels of technocracy, but instigated a collective project to compile cahiers de doléance – books of complaint – like those assembled before the French Revolution of 1789. The aim was to enrol people from all walks of life in defining what they need to live and what threatened their livelihood.

Part of the project involved an interactive theatrical exercise enacted by Latour with the architect and performance-art impresario Soheil Hajmirbaba. In a kind of ritual game, the participants arranged themselves and the forces enabling and threatening their lives – ranging from sea level rise to the increased prices for diesel – on a circular stage marked out with a compass. It was, as Latour described it, “like a children’s game, light-hearted and a lot of fun. And yet, when you get near the middle, everyone gets a bit nervous… The centre of the crucible, where I timidly put my feet, is the exact intersection of a trajectory – and I’m not in the habit of thinking of myself as a vector of a trajectory – which goes from the past, all that I’ve benefited from so as to exist, to grow, sometimes without even realising it, on which I unconsciously count and which may well stop with me, through my fault, which won’t go towards the future anymore, because of all that threatens my conditions of existence, of which I was also unaware.”

“The amazing result of this little enactment,” he continued, “is that you’re soon surrounded by a small assembly, which nonetheless represents your most personal situation, in front of the other participants. The more attachments you list, the more clearly you are defined. The more precise the description, the more the stage fills up!… A woman in the group sums it up in one phrase: ‘I’m repopulated!’”

Thus, Latour reinvented the role of the engaged French intellectual for the 21st century. And in doing so he forced the follow-on question. Was he perhaps the last of his kind? Who comes after him? As far as intellectual standing is concerned, Latour would have been impatient with the question. He was too preoccupied with new problems and projects, too enthused by the networks of collaborators, young and old whose work he drew on and that he helped to energise. But in a more general sense the question of succession haunted him. That, after all, is the most basic issue posed by the ecological crisis. What comes after us? What is our responsibility to the continuity of life?

In his effort to enact the motion of coming down to Earth, Latour faced the question head on. “With my feet on the consortium’s compass, I consult myself: in terms of my minuscule actions, do I enhance or do I stifle the lives of those I’ve benefited from till now?” Asking that question, never content with complacent or self-satisfied answers, during the night of 8-9 October 2022, Bruno Latour died aged 75 in Paris, of pancreatic cancer.

The Art of Pondering Distant Future Earths (MIT Press Reader)

Stretching the mind across time can help us become more responsible planetary stewards and foster empathy across generations.

Posted on Aug 10, 2021

Source: Jake Weirick, via Unsplash

By: Vincent Ialenti

The word has been out for decades: We were born on a damaged planet careening toward environmental collapse. Yet our intellects are poorly equipped to grasp the scale of the Earth’s ecological death spiral. We strain to picture how, in just a few decades, climate change may displace entire populations. We struggle to envision the fate of plastic waste that will outlast us by centuries. We fail to imagine our descendants inhabiting an exhausted Earth worn out from resource extraction and devoid of biodiversity. We lack frames of reference in our everyday lives for thinking about nuclear waste’s multimillennial timescales of radioactive hazard.

I am an anthropologist who studies how societies hash out relationships between living communities of the present and unborn communities imagined to inhabit the future. Studying how a community relates to the passage of time, I’ve learned, can offer a window into its values, worldviews, and lifeways.

This article adapted from Vincent Ialenti’s book “Deep Time Reckoning: How Future Thinking Can Help Earth Now.”

From 2012 to 2014, I conducted 32 months of anthropological fieldwork exploring how Finland’s nuclear energy waste experts grappled with Earth’s radically long-term future. These experts routinely dealt with long-lived radionuclides such as uranium-235, which has a half-life of over 700 million years. They worked with the nuclear waste management company Posiva to help build a final disposal facility approximately 450 meters below the islet of Olkiluoto in the Gulf of Bothnia in the Baltic Sea. If all goes according to plan, this facility will, in the mid-2020s, become the world’s first operating deep geologic repository for spent nuclear fuel.

To assess the Olkiluoto repository’s long-term durability, these experts developed a “safety case” forecasting geological, hydrological, and ecological events that could potentially occur in Western Finland over the coming tens of thousands — or even hundreds of thousands — of years. From their efforts emerged visions of distant future glaciations, climate changes, earthquakes, floods, human and animal population changes, and more. These forecasts became the starting point for a series of “mental time travel” exercises that I incorporated into my book, “Deep Time Reckoning.”

Stretching the mind across time — even in the most speculative ways — can help us become more responsible planetary stewards: It can help endow us with the time literacy necessary for tackling long-term challenges such as biodiversity loss, microplastics accumulation, climate change, antibiotic resistance, asteroid impacts, sustainable urban planning, and more. This can not only make us feel more at home in pondering our planet’s pasts and futures. It can also draw us to imagine the world from the perspective of future human and non-human communities — fostering empathy across generations.


5710 CE. A tired man lounges on a sofa. He lives in a small wooden house in a region once called Eurajoki, Finland. He works at a local medical center. Today is his day off. He’s had a long day in the forest. He hunted moose and deer and picked lingonberries, mushrooms, and bilberries. He now sips water, drawn from a village well, from a wooden cup. His husband brings him a dinner plate. On it are fried potatoes, cereal, boiled peas, and beef. All the food came from local farms. The cattle were watered at a nearby river. The crops were watered by irrigation channels flowing from three local lakes.

The man has no idea that, more than 3,700 years ago, safety case biosphere modelers used 21st-century computer technologies to reckon everyday situations like his. He does not know that they once named the lakes around him — which formed long after their own deaths — “Liiklanjärvi,” “Tankarienjärvi,” and “Mäntykarinjärvi.” He is unaware of Posiva’s ancient determination that technological innovation and cultural habits are nearly impossible to predict even decades in advance. He is unaware that Posiva, in response, instructed its modelers to pragmatically assume that Western Finland’s populations’ lifestyles, demographic patterns, and nutritional needs will not change much over the next 10,000 years. He does not know the safety case experts inserted, into their models’ own parameters, the assumption that he and his neighbors would eat only local food.

Yet the hunter’s life is still entangled with the safety case experts’ work. If they had been successful, then the vegetables, meat, fruit, and water before him should have just a tiny chance of containing only tiny traces of radionuclides from 20th-century nuclear power plants.


12020 CE. A solitary farmer looks out over her pasture, surrounded by a green forest of heath trees. She lives in a sparse land once called Finland, on a fertile island plot once called Olkiluoto. The area is an island no longer. What was once a coastal bay is now dotted with small lakes, peat bogs, and mires with white sphagnum mosses and grassy sedge plants. The Eurajoki and Lapijoki Rivers drain out into the sea. When the farmer goes fishing at the lake nearby, she catches pike. She watches a beaver swim about. Sometimes she feels somber. She recalls the freshwater ringed seals that once shared her country before their extinction.

The woman has no idea that, deep beneath her feet, lies an ancestral deposit of copper, iron, clay, and radioactive debris. This is a highly classified secret — leaked to the public several times over the millennia, but now forgotten. Yet even the government’s knowledge of the burial site is poor. Most records were destroyed in a global war in the year 3112. It was then that ancient forecasts of the site, found in the 2012 safety case report “Complementary Considerations,” were lost to history.

But the farmer does know the mythical stories of Lohikäärme: a dangerous, flying, salmon-colored venomous snake that kills anyone who dares dig too close to his underground cave. She and the other farmers in the area grow crops of peas, sugar beet, and wheat. They balk at the superstitious fools who tell them the monster living beneath their feet is real.


35,012 CE. A tiny microbe floats in a large, northern lake. It does not know that the clay, silt, and mud floor below it is gaining elevation, little by little, year after year. It is unaware that, 30 millennia ago, the lake was a vast sea. Dotted with sailboats, cruise and cargo ships, it was known by humans as the Baltic. Watery straits, which connected the Baltic Sea to the North Sea, had risen above the water thousands of years ago. Denmark and Sweden fused into a single landmass. The seafloor was decompressing from the Weichselian glaciation — an enormous sheet of ice that pressed down on the land during a previous ice age.

After the last human died, the landmass kept on rising. Its uplift was indifferent to human extinction. It was indifferent to how, in 2013 CE, an anthropologist and a safety case expert sat chatting in white chairs in Ravintola Rytmi: a café in Helsinki. There, the safety case expert relayed his projection that, by 52,000 CE, there would no longer be water separating Turku, Finland, and Stockholm, Sweden. At that point, one could walk from one city to the other on foot. The expert reckoned that, to the north — between Vaasa, Finland, and Umeå, Sweden — one would someday find a waterfall with the planet’s largest deluge of flowing water. The waterfall could be found at the site of a once-submerged sea shelf.

The microbe, though, does not know or care about Vaasa, Umeå, Denmark, long-lost boats, safety case reports, or Helsinki’s past dining options. It has no concept of them. Their significances died with the humans. Nor does the microbe grasp the suffering they faced when succumbing to Anthropocene collapse. Humans’ past technological feats, grand civilizations, passion projects, intellectual triumphs, wartime sacrifices, and personal struggles are now moot. And yet, the radiological safety of the microbe’s lake’s waters still hinges on the work of a handful of human safety case experts who lived millennia ago. Thinking so far ahead, these experts never lived to see whether their deep time forecasts were accurate.


We do not, of course, live in these imagined worlds. In this sense, they are unreal — merely fictions. However, our capacities to envision potential futures, and to feel empathy for those who may inhabit them, are very real. Depictions of tomorrow can have powerful, concrete effects on the world today. This is why deep time thought experiments are not playful games, but serious acts of intellectual problem-solving. It is why the safety case experts’ models of far future nuclear waste risks are uniquely valuable, even if they are, at the end of the day, mere approximations.

Yet pondering distant future Earths can also help us take a step back from our everyday lives — enriching our imaginations by transporting our minds to different places and times. Corporate coaches have recommended taking breaks from our familiar thinking patterns to experience the world in new ways and overcome mental blocks. Cognitive scientists have shown how creativity can be sparked by perceiving “something one has not seen before (but that was probably always there).”

Putting aside a few minutes each day for long-termist, planetary imagination can enrich us with greater mental dexterity in navigating between multiple, interacting timescales. This can cultivate more longsighted empathy for landscapes, people, and other organisms across decades, centuries, and millennia. As the global ecological crisis takes hold, embracing planetary empathy will prove essential to our collective survival.

Vincent Ialenti is a Research Fellow at The University of Southern California and The Berggruen Institute. His recent book, “Deep Time Reckoning,” is an anthropological study of how Finland’s nuclear waste repository experts grappled with distant future ecosystems and the limits of human knowledge.

Capitalism is in crisis. To save it, we need to rethink economic growth. (MIT Technological Review)

technologyreview.com

The failure of capitalism to solve our biggest problems is prompting many to question one of its basic precepts.

David Rotman


This story was part of our November 2020 issue

October 14, 2020

No wonder many in the US and Europe have begun questioning the underpinnings of capitalism—particularly its devotion to free markets and its faith in the power of economic growth to create prosperity and solve our problems. 

The antipathy to growth is not new; the term “degrowth” was coined in the early 1970s. But these days, worries over climate change, as well as rising inequality, are prompting its reemergence as a movement. 

Calls for “the end of growth” are still on the economic fringe, but degrowth arguments have been taken up by political movements as different as the Extinction Rebellion and the populist Five Star Movement in Italy. “And all you can talk about is money and fairy tales of eternal economic growth. How dare you!” thundered Greta Thunberg, the young Swedish climate activist, to an audience of diplomats and politicians at UN Climate Week last year.

At the core of the degrowth movement is a critique of capitalism itself. In Less Is More: How Degrowth Will Save the World, Jason Hickel writes: “Capitalism is fundamentally dependent on growth.” It is, he says, “not growth for any particular purpose, mind you, but growth for its own sake.”

That mindless growth, Hickel and his fellow degrowth believers contend, is very bad both for the planet and for our spiritual well-being. We need, Hickel writes, to develop “new theories of being” and rethink our place in the “living world.” (Hickel goes on about intelligent plants and their ability to communicate, which is both controversial botany and confusing economics.) It’s tempting to dismiss it all as being more about social engineering of our lifestyles than about actual economic reforms. 

Though Hickel, an anthropologist, offers a few suggestions (“cut advertising” and “end planned obsolescence”), there’s little about the practical steps that would make a no-growth economy work. Sorry, but talking about plant intelligence won’t solve our woes; it won’t feed hungry people or create well-paying jobs. 

Still, the degrowth movement does have a point: faced with climate change and the financial struggles of many workers, capitalism isn’t getting it done. 

Slow growth

Even some economists outside the degrowth camp, while not entirely rejecting the importance of growth, are questioning our blind devotion to it. 

One obvious factor shaking their faith is that growth has been lousy for decades. There have been exceptions to this economic sluggishness—the US during the late 1990s and early 2000s and developing countries like China as they raced to catch up. But some scholars, notably Robert Gordon, whose 2016 book The Rise and Fall of American Growth triggered much economic soul-searching, are realizing that slow growth might be the new normal, not some blip, for much of the world. 

Gordon held that growth “ended on October 16, 1973, or thereabouts,” write MIT economists Esther Duflo and Abhijit Banerjee, who won the 2019 Nobel Prize, in Good Economics for Hard Times. Referencing Gordon, they single out the day when the OPEC oil embargo began; GDP growth in the US and Europe never fully recovered. 

The pair are of course being somewhat facetious in tracing the end of growth to a particular day. Their larger point: robust growth seemingly disappeared almost overnight, and no one knows what happened.

Duflo and Banerjee offer possible explanations, only to dismiss them. They write: “The bottom line is that despite the best efforts of generations of economists, the deep mechanisms of persistent economic growth remain elusive.” Nor do we know how to revive it. They conclude: “Given that, we will argue, it may be time to abandon our profession’s obsession with growth.”

In this perspective, growth is not the villain of today’s capitalism, but—at least as measured by GDP—it’s an aspiration that is losing its relevance. Slow growth is nothing to worry about, says Dietrich Vollrath, an economist at the University of Houston, at least not in rich countries. It’s largely the result of lower birth rates—a shrinking workforce means less output—and a shift to services to meet the demands of wealthier consumers. In any case, says Vollrath, with few ways to change it, we might as well embrace slow growth. “It is what it is,” he says. 

Vollrath says when his book Fully Grown: Why a Stagnant Economy Is a Sign of Success came out last January, he “was adopted by the degrowthers.” But unlike them, he’s indifferent to whether growth ends or not; rather, he wants to shift the discussion to ways of creating more sustainable technologies and achieving other social goals, whether the changes boost growth or not. “There is now a disconnect between GDP and whether things are getting better,” he says.

Living better

Though the US is the world’s largest economy as measured by GDP, it is doing poorly on indicators such as environmental performance and access to quality education and health care, according to the Social Progress Index, released late this summer by a Washington-based think tank. In the annual ranking (done before the covid pandemic), the US came in 28th, far behind other wealthy countries, including ones with slower GDP growth rates.

“You can churn out all the GDP you want,” says Rebecca Henderson, an economist at Harvard Business School, “but if the suicide rates go up, and the depression rates go up, and the rate of children dying before they’re four goes up, it’s not the kind of society you want to build.” We need to “stop relying totally on GDP,” she says. “It should be just one metric among many.”

Part of the problem, she suggests, is “a failure to imagine that capitalism can be done differently, that it can operate without toasting the planet.”

In her perspective, the US needs to start measuring and valuing growth according to its impact on climate change and access to essential services like health care. “We need self-aware growth,” says Henderson. “Not growth at any cost.” 

Daron Acemoglu, another MIT economist, is calling for a “new growth strategy” aimed at creating technologies needed to solve our most pressing problems. Acemoglu describes today’s growth as being driven by large corporations committed to digital technologies, automation, and AI. This concentration of innovation in a few dominant companies has led to inequality and, for many, wage stagnation. 

People in Silicon Valley, he says, often acknowledge to him that this is a problem but argue, “It’s what technology wants. It’s the path of technology.” Acemoglu disagrees; we make deliberate choices about which technologies we invent and use, he says.

Acemoglu argues that growth should be directed by market incentives and by regulation. That, he believes, is the best way to make sure we create and deploy technologies that society needs, rather than ones that simply generate massive profits for a few. 

Which technologies are those? “I don’t know exactly,” he says. “I’m not clairvoyant. It hasn’t been a priority to develop such technologies, and we’re not aware of the capabilities.”

Turning such a strategy into reality will depend on politics. And the reasoning of academic economists like Acemoglu and Henderson, one fears, is not likely to be popular politically—ignoring as it does the loud calls for the end of growth from the left and the self-confident demands for continued unfettered free markets on the right. 

But for those not willing to give up on a future of growth and the vast promise of innovation to improve lives and save the planet, expanding our technological imagination is the only the real choice.

Rewriting capitalism: some must-reads

  • Reimagining Capitalism in a World on Fire, BY REBECCA HENDERSON
    The Harvard Business School economist argues that companies can play an important role in improving the world.
  • Good Economics for Hard Times, BY ABHIJIT V. BANERJEE AND ESTHER DUFLO
    The MIT economists and 2019 Nobel laureates explain the challenges of boosting growth both in rich countries and in poor ones, where they do much of their research.
  • Fully Grown: Why a Stagnant Economy Is a Sign of Success, BY DIETRICH VOLLRATH
    The University of Houston economist argues that slow growth in rich countries like the United States is just fine, but we need to make the benefits from it more inclusive.
  • Less Is More: How Degrowth Will Save the World, BY JASON HICKEL
    A leading voice in the degrowth movement provides an overview of the argument for ending growth. It’s a convincing diagnosis of the problems we’re facing; how an end to growth will solve any of them is less clear.

Notícias sobre o fim do mundo (Ponto de Vista)

12 de janeiro de 2014

Por Amneris Amaroni

Eduardo Viveiros de Castro

Acabei de assistir a duas palestras recentes – em vídeos – do prof. Eduardo Viveiros de Castro e quero recomendá-las aos meus leitores. O primeiro vídeo- palestra tem como título: Filosofia, Antropologia e o Fim do Mundo (http://vimeo.com/78892524); a segunda palestra tem como título: III Conferência Curt Nimuendajú (http://vimeo.com/81488754). Recomendo vivamente ambas.

Nesta postagem farei um breve chamamento para as duas palestras e, desde já, assumo que sou absolutamente fiel às ideias de Viveiros de Castro, praticamente recuperando as suas palavras; exercito, porém, uma certa edição das palestras e então dou ênfase – porque recupero longamente a fala de Viveiros – em relação a algumas questões em detrimento de outras – e, por isso, o melhor para os leitores que desejarem acompanhar o pensamento do antropólogo na íntegra será assistir os vídeos.  Farei também uma reflexão sobre o diálogo – ou a inexistência do diálogo – entre psicanálise e a nova antropologia tendo presente a dramática situação que estamos atravessando do ponto de vista civilizacional. Particularmente quero chamar a atenção dos leitores para o novo campo de luta, uma guerra de fato, que a antropologia – via Bruno Latour e Viveiros de Castro – vislumbra entre os Terranos e os Humanos: quem são os participantes dessa luta, e como as ¨alianças¨ vêm se estabelecendo. E o que é fundamental: como as psicanálises se posicionam frente a esse novo campo de luta, frente a essa – nas palavras de Bruno Latour – guerra que  já estamos vivendo.

Antes de iniciar quero dar um depoimento pessoal da experiência que tive ao assistir a esses vídeos. Penso que a principal virtude dos antropólogos em tela é acoragem. Fiquei completamente mobilizada pela coragem lucidez de Eduardo Viveiros de Castro, e sinto que, através das palestras, mobilizou-se em mim também coragem e lucidez. Penso que só neste início do século XXI começamos a perceber a importância do Anti Édipo e dos Mil Platôs de G. Deleuze e F. Guattari. Há uma nova sensibilidade em curso que a antropologia de Viveiros de Castro capta e transforma em projeto político[1].

I) Filosofia, Antropologia e Fim do Mundo

Davi Kopenawa

O antropólogo parte de duas observações: qual a nossa condição, qual o nosso momento, na tradição cultural ocidental; e como essa tradição é compreendida pelos habitantes da América indígena.

Comecemos pela primeira questão: houve mortes sucessivas das grandes transcendências nos últimos séculos. E. Kant partiu de Deus/ do Homem e do Mundo. Essas três instâncias foram morrendo sucessivamente e isso define a presente condição: 1) Deus morreu; 2) o Homem moderno morreu e agora 3) temos que enfrentar a morte do Mundo, o fim do mundo. Sem Deus, sem Homem e sem Mundo. Três séculos, três mortes.

Hoje há uma inquietação imensa; as mortes suscitam crises. Podíamos viver sem Deus, podíamos viver sem o Homem; podemos viver sem Mundo? Como o pensamento antropológico e filosófico se reorganiza em torno dessas mortes?

Davi Kopenawa, líder dos Yanomamis, tem um escrito publicado em francês e em inglês chamado A queda do céu – esse livro conta com a participação do antropólogo Bruce Albert[2] Nele Davi Kopenawa diz que ¨os brancos dormem muito, mas só conseguem sonhar com eles mesmos¨. Essa frase para Viveiros de Castro contém uma imagem do pensamento, contém uma teoria e uma crítica da filosofia ocidental: uma crítica do nosso projeto civilizatório.

A frase nos alerta para a ideia que os Yanomamis ¨não sonham só com eles mesmos¨. É preciso, todavia, frisar que nós os vemos de outro jeito, já que dizemos que os índios são animistas, narcisistas, primitivos e só sabem ler a si mesmos no mundo inteiro! Davi pensa exatamente o contrário e diz que ¨são os ocidentais que não veem nada, ficam só cabeceando de sono e não veem nada¨.

O pensar é essencialmente sonhar para os Yanomamis: sonhar com o que não é humano, ter a capacidade de sonhar e de sair da humanidade. Davi Kopenawa nega a nós, os brancos, essa capacidade porque para nós, brancos, o pensamento está concentrado no ¨mundo da mercadoria¨, porque só vemos a nós mesmos. Como os brancos só pensam nas mercadorias, só sonham consigo mesmos – não saem de si mesmos, não saem da humanidade. Não sonhar consigo mesmo significa para Davi, sonhar com os seres das florestas, os seres invisíveis, as almas, os animais.

O pensamento ocidental tem uma trajetória e nela o pensar foi se introjetando e se tornando uma contemplação narcísica de si mesmo: o pensador ocidental investiga a cognição, a imaginação, o entendimento do próprio homem. Os brancos só sonham então consigo mesmos.

Davi está denunciando o que Freud diz: tudo que o homem sonha é projeção: plantas, animais, etc. É sempre conosco mesmos que sonhamos. É possível pensar outra coisa e então sair de si mesmo? Os brancos já não podem fazer isso.

Davi Kopenawa pertence a uma cultura xamânica, e nela o acesso à realidade se dá através do sonho, com o uso de drogas e alucinógenos e isso é muito diferente do aprendizado da leitura e da escrita dos brancos. Por isso os brancos ficam quando sonham como um ¨machado no chão¨, dormindo como um ¨machado no chão¨ – como se fossem objetos ou como se estivessem mortos:  sonhando consigo mesmos. Ao contrário disso, para uma cultura xamânica, o sonho é a condição de encontrar uma exterioridade, um fora-exterior, e os brancos tem uma incapacidade de atingir o fora, um exterior pelo pensamento. Acrescente-se a isso que os brancos estão apodrecendo a Terra para tirar petróleo, minério, e com isso o céu vai cair e a humanidade vai entrar embaixo da terra e virar fantasma! Quem mantém tudo isso ainda em pé – a Terra e o Céu – são os xamãs. A queda do céu já aconteceu várias vezes e sempre o motivo foi o mesmo: o que nós, brancos, chamamos de crise ecológica.

As cosmologias indígenas falam em ciclos sucessivos de destruição e criação: desabamentos sucessivos da Terra. Hoje, os brancos promovem sem freios a extração de minérios, o desmatamento e então o mundo vai acabar. Duas questões propostas por Davi Kopenawa: 1) só sabem, os brancos, pensar em si mesmos; 2) o mundo vai acabar. Esta acusação de Davi ¨que nós só sonhamos conosco mesmos¨ exige uma resposta. Como responder a isso? Como responder à imanência? À exterioridade? No ocidente isto está reservado à arte – e não à ciência e à técnica.

Para os indígenas fazemos objetos e máquinas prodigiosos, mas sociologicamente somos imbecis, agressivos, escandalosos, primitivos, toscos nas interações. Eles ficam seduzidos pelo prodígio técnico do ocidente e tem a tentação de separar a técnica da sociedade. É possível separar as duas coisas? Para os Yanomamis não tem jeito; eles recusam a cultura do branco in totum.Estamos – diz Viveiros de Castro – prensados contra nós mesmos e contra os outros povos, já que os três pilares da nossa civilização – Deus, Homem e Mundo – estão em crise. Nosso narcisismo é incurável! Os outros povos não podem nos ajudar e nós estamos ameaçando levar todos para o abismo.

Que resposta vamos dar aos outros povos que nos ¨acusam de só sonhar conosco mesmos¨? Que fazer diante disso?Os brancos ¨só sonham consigo mesmos¨: os brancos não incluem os não-humanos no seu universo político!

O fim do mundo é um tema riquíssimo do ponto de vista filosófico e político – afirma Viveiros de Castro. Aliás, esse tema são os  índios  quem sabem pensar, pois os brancos acabaram  com o mundo deles, acabaram com o mundo deles repetidas vezes.

A perspectiva de uma crise ambiental em escala mundial nos coloca em uma situação parecida com a dos índios. Nós corremos o risco de sermos dizimados por nós mesmos! Como será viver após o fim do mundo? É preciso retomar a questão do fim do mundo no pensamento. O que está acabando é o mundo que começou em 1500. O fim da era moderna chegou.

2) III Conferência Curt Nimuendajú

Bruno Latour

Essa conferência, proferida no final de 2013 por Viveiros de Castro, é bastante longa e aconteceu no Centro de Estudos Ameríndios (CESTA/USP) em homengem a Curt Nimuendajú, que fez o primeiro trabalho moderno de etnologia, há exatamente 100 anos – em 1914 – em torno das lendas de criação e destruição e principalmente da destruição do mundo, como fundamento da religião dos xamãs Apopukuvas – Guarani. A palestra então também homenageia os guaranis que hoje são o símbolo concreto da ofensiva final contra os povos indígenas.

Nimuendajú teve seguidores na antropologia, por exemplo, os trabalhos de Pierre Clastres e de Helena Clastres e vários outros etnólogos; hoje, sua perspectiva é retomada em teses e dissertações de mestrado. Para Niemandajú como para esses trabalhos recentes, os Guaranis tinham e tem um pensamento pleno, um pensamento especulativo,  escatológico  e cosmológico pleno de direitos.

Ora, nós também, ocidentais brancos, estamos especulando e dando voltas em torno da questão do fim do mundo. As lendas científicas e outras do ocidente especulam cada vez mais esse tema e então tal especulação tornou-se um problema de todos.

Muitas questões foram discutidas nessa longa palestra e eu vou me ater a duas delas: a) a catástrofe que nos espreita e b) a proposta política em curso trazida por Bruno Latour e Viveiros de Castro.

a) É um equívoco chamarmos o perigo que nos espreita de ¨crise ambiental¨ e isso ficará claro a seguir quando o antropólogo demonstra quão mais sério é a nossa questão. Para ele, o mais importante problema que atravessamos é a entrada do planeta no antropoceno – a terceira época geológica do período quaternário e que, prevê-se, durará muito mais tempo do que a espécie que o batizou! Vale dizer, os efeitos da ação humana sob o sistema Terra durará mais que a própria espécie. O antropoceno – a era do homem – refere-se a um novo regime termodinâmico: e este é um mundo novo e não temos ideia do que vai acontecer. Temos claro uma série de projeções, de especulações – próxima, aliás, como vimos, dos Guaranis – de como o mundo vai acabar. Nosso cenário é tão inquietante hoje quanto o dos Guaranis.

Mudança climática é na verdade um dos parâmetros para compreendermos a atual crise. Há muitos outros parâmetros – que delineiam muitas outras mudanças – para medir essa crise.

Antropoceno, apesar de ter o nosso nome, não nos elogia! O que se quer dizer com ele é que a humanidade tornou-se uma força geofísica. Alguns argumentam que não é a humanidade inteira que se tornou uma força geofísica, mas o capitalismo, as classes dominantes, as sociedades privilegiadas e, principalmente, os países que consomem combustíveis fósseis e energia em geral, mas isso tem efeitos sobre a população de todo o planeta. O problema é que a população inteira do planeta tende a adotar os padrões de consumo energéticos modelados nos padrões de consumo dos países que conduzem as ¨locomotivas antropocênicas¨, os países que conduzem as mudanças climáticas.

Então, há uma espécie de inversão de figura-fundo que caracteriza relação entre humanidade e ambiente! Retomemos a argumentação: antropoceno designa o fato de que a humanidade se tornou uma força geofísica.O nome Gaia vem também junto à noção de antropoceno, só que no sentido inverso. A Terra tornou-se um personagem, um interlocutor político, ao mesmo tempo que o homem tornou-se uma força geo-política. É como se tivéssemos nós, os homens, passado para o fundo e a Terra tivesse passado para a frente. Uma inversão súbita entre figura e fundo que só pode dar errado! É uma inversão fantasmagórica e aterrorizante e nela desaparece a noção de escalas: uma escala de tempo geológica e uma escala de tempo antropológica – essas escalas eram de ordem e magnitudes completamente diferentes. O que se vê hoje é o colapso dessas escalas a tal ponto que há mudanças na estrutura da atmosfera, na circulação dos ventos que se modificam em um tempo mais rápido que os sistemas sociais! E isso é, no mínimo, irônico e, no máximo, aterrorizante.

Essas considerações levam a outra implicação: à ideia do fim da natureza como um pano de fundo imóvel ou muito lento contra o qual nós evoluímos, contra o qual podíamos medir e calibrar nossas ações. O que estamos vivendo hoje é ainversão das escalas, colapso das escalas.

Dito de outra maneira trata-se da ideia mesmo de destruição do ambiente; num certo plano a noção de ambiente desapareceu visto que houve uma interiorização – introspecção – do homem, e as plantas e animais passaram a ser lidos como internos ao ambiente humano e não mais o homem como parte do ambiente!

Isabella Stengers, filósofa belga, recusa a ideia de crise ambiental, recusa a ideia mesmo de crise – a ideia de crise supõe que se vá sair dela e nós não vamos sair do que está acontecendo, porque já aconteceu, nós estamos vivendo os efeitos da ação humana que há muito aconteceu. Isabelle Stengers prefere o termocatástrofe ambiental e muitos insistem que essa é uma visão catastrofista, melancólica, pessimista – dessa mesma visão partilhavam, segundo Nimuendajú, os Guaranis na figura dos xamãs Apokokuvas-guarani entre 1905 e 1912, período de sua pesquisa. Esse pessimismo, dizia o etnólogo no início do século XX, era próprio de uma raça, próprio de um povo cansado de lutar, cansado de ser perseguido. Para os Guaranis, a própria terra estava cansada. Mas como veremosos Guaranis não são apenas pessimistas, pois imaginam também uma renovação do mundo. Tudo isso, e principalmente o pessimismo e a melancolia, ecoa a nossa situação atual.

b) Bruno Latour entende hoje que estamos em um estado de guerra; ele diz também que há uma diferença fundamental entre estado de guerra e estado de polícia, pois na guerra não há árbitros, não há um terceiro termo. A guerra se decide entre duas partes, sem árbitro. E nessa guerra estão de um lado osHumanos e ele diz isso com evidente ironia. Os Humanos, para Latour, somos nós, os modernos que pretendem conquistar todo o planeta para o padrão de consumo americano. Aos Humanos Latour opõe os Terranos – os habitantes da Terra. E é preciso decidir de que lado estamos nessa guerra. Latour diz também que essa de-cisão não será tomada tendo como base argumentos científicos e isso porque o consenso científico é maciço no sentido de que  existe uma grande crise ambiental e que essa crise é de origem antrópicaantropocênica e, todavia, esse consenso não impede que haja contestação! Não é bem assim dizem uns; não é antropocênica dizem outros. Assim, a ciência pode apresentar dados irrefutáveis e isso não impedirá e não impede a controvérsia e a continuidade da ordem existente. E isto porque a controvérsia não é entre ciência e não-ciência, mas é uma controvérsia política; é uma controvérsia em torno do tipo de Mundo, do tipo de Terra que queremos viver. Trata-se então de uma disputa de valores. Os índios são uma espécie de resposta viva: eles estão a nos apontar que existe outra forma de viver, outros Mundos além daquele dos brancos!

Lembro também que – para Viveiros de Castro – os climatocéticos sãonegacionistas, por analogia, com os  historiadores que diziam e dizem que não houve extermínio em massa dos judeus, não existiu a shoah e isso tudo não passa de conspiração do Estado de Israel! São os negacionistas. Os que estão preocupados com a catástrofe ecológica também chamam os que põe em dúvida a crise atual de negacionistas negam o óbvio  e através da negação afirmam  em que Mundo querem afinal viver!

No final de sua última conferência, em fevereiro de 2013, em Edimburgo a respeito da Gaia e do Antropoceno, Bruno Latour diz que há uma guerra entre os Terranose os Humanos. E então ele nomeia os Humanos: são os modernos. Ou seja, osHumanos não é para ele o Homo Sapiens. Os Humanos são todos os entes que fazem parte da modernidade, do projeto moderno e então inclui entre os Humanosos computadores, os animais domésticos, as armas químicas, os cachorros policiais. Todos esses entes fazem parte do exército dos Humanos. Os Terranosnão se sabe, todavia, bem quem são. Quem seriam os Terranos se pergunta Latour? Ali estariam todas as espécies em extinção (sementes/ animais/água/ar/humanos/polo norte/terra), inimigos naturais dos Humanos, ameaçados  ontologicamente. Mas entre os Terranos, claro, está estão também humanos. São o ¨povo de Gaia¨, numa ficção positiva do termo. O ¨povo de Gaia¨ está em oposição ao ¨povo da Natureza¨ que são os modernos, que acreditam em uma natureza transcendente, com leis únicas, absolutamente racional, dominável e controlável – uma ficção negativa do termo.

Latour se pergunta: é possível aceitar como ¨povo de Gaia¨, a pachamama, a deusa natureza, de que falam os ameríndios e outros povos não modernos? Para Latour, esses povos têm se adaptado à retórica ambientalista ocidental para, compatibilizando suas cosmologias e seus projetos existenciais, serem ouvidos pelas sociedades dominantes do hemisfério norte. Latour não acredita que esses povos possam fazer parte do ¨exército dos Terranos¨. Parece que há nesses povos respeito pela Terra, mas só parece, pois são impotentes na medida que sua tecnologia é fraca e sua população ínfima. Esses povos, de acordo com Latour,  chamados de tradicionais sem tecnologia, em pequenos número,  não tem um modo de vida que os qualifique para o ¨exército dos Terranos¨.

Para Viveiros de Castro, é exatamente isso que Latour lê como impotência que pode ser um recurso crucial para um futuro pós-catastrófico que, diga-se de passagem, Latour acredita que vai acontecer. Para o antropólogo brasileiro somos nós os brancos industrializados, em rede, estabilizados farmacologicamente que terão que ¨descer¨ – ¨perder as proporções gigantescas de vida¨ – e isso em todos os sentidos.

Pergunta-se ainda Viveiros de Castro: será que são de fato minorias e o pequeno número demográfico deve ser levado em conta como propõe Latour? A ONU estima oficialmente em 370 milhões de pessoas o número de minorias indígenas no planeta – estariam encapsuladas nos Estados Nação, mas não coincidiriam com os Estados Nação Ou seja, enfatiza Viveiros:a minoria não é tão minoria assim. É pois um ¨exército de Terranos¨ considerável!…

III) E a Psicanálise com isso?

Tenho alguns palpites a respeito disso, e desde já insisto que as idéias que seguem é de minha inteira responsabilidade, e nem Bruno Latour nem Eduardo Viveiros de Castro têm qualquer participação nelas, nas ideias. Também enuncio desde já que se trata de uma brincadeira séria, muito séria, e que foi escrita com total liberdade criadora e com muito bom humor. Engraçada e pessimista sob alguns aspectos; séria e esperançosa sob outros.

Por exemplo, se Bruno Latour e Viveiros de Castro se submetessem a uma psicanálise clássica e oferecessem logo no primeiro dia para um zeloso psicanalista as duas ideias discutidas acima – notícias sobre o fim do mundo e a nova aliança política proposta entre Terranos x Humanos – e insistissem, como fazem acima, que há uma guerra planetária em curso; se isso acontecesse, temo que seriam considerados psicóticos, delirantes, com estranhas e perigosas fantasias. E, se o eminente psicanalista fosse uma pessoa medrosa, creio também que, além de diagnósticá-los, convocaria discretamente uma ambulância, e eles seriam gentilmente retirados do consultório do analista em camisa de força e imediata e fortemente medicados!

É engraçado e trágico pensar isso, mas lastimo dizer, a probabilidade de isso acontecer seria grande! Como posso supor – o leitor tem todo direito de me perguntar – que isso aconteceria? Como a  ¨ciência da escuta¨ não levaria em conta a lucidez do prof. Viveiros de Castro? Por que consideraria suas agudas percepções como fantasias psicóticas delirantes? Antes de responder, prossigo por um momento no meu argumento: as percepções dos antropólogos que, diga-se de passagem, supõem dados oferecidos pela própria ciência climática, têm também por base uma gigantesca desconstrução da subjetividade moderna. Não é possível chegar a tais percepções pela via do intelecto. Ambas as questões envolvem infinitos des-locamentos emocionais, infinitas outras desconstruções. O que está em curso nos antropólogos citados – e numa grande massa de indivíduos – é então uma gigantesca des-construção da subjetividade moderna. Ora, a psicanálise também desconstrói a subjetividade moderna, já que enuncia um sujeito duplo – consciente e inconsciente – e é nisso que reside seu potencial crítico. A desconstrução subjetiva e emocional, todavia, do ¨povo de Gaia¨ foi muito além e desconstruiu e desconstrói a própria subjetividade psicanalítica! O ¨povo de Gaia¨ está deixando de ser antropocêntrico e quebrou as fronteiras entre-mundos, incluindo no seu universo político, na Terra que querem viver, outros seres: as plantas, os animais, os seres invisíveis, o ar, o clima, as sementes, Gaia.

As duas questões discutidas nessa palestra pelo antropólogo Viveiros de Castro só poderão então ser escutadas por aqueles que se desconstruíram emocional e cognitivamente na direção do ¨povo de Gaia¨.

Os antropocêntricos não podem então escutar compreender as propostas acima. Dou exemplos: Eduardo Viveiros de Castro fez, em 2010, uma palestra na Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo – SBPSP – intitulada ¨O Anti-Narciso: lugar e função da antropologia no mundo contemporâneo¨. A palestra do antropólogo foi publicada no volume 44 da Revista Brasileira de Psicanálise[3].Junto com a palestra dois comentadores escolhidos a dedo entre os analistas da Instituição foram convidados a comentar a fala de Viveiros de Castro. Para meu espanto eles não compreenderam nada da palestra do antropólogo! Dediquei a isso a postagem de agosto/2012 e até agora me sinto traumatizada com esse debate, já que é óbvio que os psicanalistas poderiam dialogar e discordar de forma radical das ideias expostas sobre o pensamento ameríndio e a nova antropologia. Mas, não poderiam – como foi o caso – nada compreender daquilo que foi exposto! Nem as piadas eles compreenderam! Isso que aconteceu foi traumático, mas também revelador para mim de que as novas sensibilidades não são passíveis de serem aprendidas pela psicanálise clássica. E por psicanálise clássica estou entendendo todos aqueles que vivem sob o espírito de O mal estar da civilização, sob a égide de Totem e Tabu e com a bíblia embaixo do braço, refiro-me ao livro O Futuro de uma Ilusão de S. Freud. Assim como o espírito da política é Maquiável – e o PT está aí para demonstrar quão verdadeiro é a presença desse Pai-fundador na política atual -, a psicanálise que eu chamo clássica vive sob a égide de O Mal estada Civilização e não abre mão da civilização de ¨mão única¨  proposta por Freud, e nela a ideia que a repressão instintual  é  inquestionável ainda que o preço sejam as guerras – mundiais diga-se de passagem. Lembremo-nos quanto Hebert Marcuse em Eros e Civilização tentou dar um basta à civilização de mão única! O problema é que o mundo mudou e o preço hoje deixou de ser tão somente (o que já era bastante!) as guerras mundiais, o problema hoje é o fim do mundo! Mas entre a realidade e o pai-fundador nessas premissas fechadas – porque excetuando-as  abraço eu também o pai-fundador – os psicanalistas clássicos dão as mãos para o pai-fundador e não para a realidade sob seus olhos!

Centenário de Totem e Tabu, escrito por S. Freud e publicado em 1913, o livro mereceu uma re-edição e também debates no Brasil. Freud visava, como se sabe, formular uma nova ¨cosmologia¨, um novo pensamento sobre a condição humana e o mundo. Nela, narra a origem da hominização a partir de um passo fundante que jogou o homem dentro da sociedade, regida doravante por regras (tabus) e não mais pela força do patriarca despótico – figura cuja a força se manifesta nos totens[4]. No centro de nossa cultura temos agora, a partir de Totem e Tabu, um assassinato e um repasto antropofágico. Eis que tornamo-nos humanos após uma insurreição dos filhos, membros da horda primeva, que revoltados contra o despotismo do pai, tomam-lhe o poder, matam-no e devoraram-no. Diz ainda o articulista: ¨esta história estaria esquecida, enterrada na origem da humanidade¨[5], mas seria atualizada nos indivíduos através do complexo de Édipo:  o drama social assim se atualizaria desde sempre e sempre! E conclui o articulista: essa narrativa sintetizava todo um saber antropológico, etnológico, filosófico, histórico, social e psicanalítico. Tem alguma importância para o ¨saber psicanalítico¨ que Freud, ao tratar dos povos ditos ¨primitivos¨, não conseguira se livrar da visão linear, evolucionista e eurocêntrica[6]Sinto dizer, mas para a psicanálise isso não tem nenhuma importância, pois como dizem seus adeptos ¨suas conclusões são totalmente sustentáveis ainda hoje[7]¨. O que fazer frente a uma surdez desse porte?!

Concordo com V. Safatle quando ele diz, de maneira muito inteligente e sem desgostar ninguém, que o único universal que persiste é o mal estar[8]– Unbehagen – o indivíduo na modernidade é arrancado da tradição e lançado ao desabrigo, sem lugar e sem clareira. Penso que qualquer outro universal, Édipo, por exemplo,  tornou-se repressivo – e então me compreenda o leitor não tenho nada, muito ao contrário, contra Édipo, a castração e o princípio de realidade, que esses dispositivos da subjetividade ensejam, são bem-vindos em qualquer clínica, desde que não se pretendam universais!

Dou um exemplo a partir da minha experiência pessoal: frequento os psicanalistas clássicos – debates não faltam em São Paulo, também supervisões clínicas  –  não tenho com eles uma conversa em torno do assunto dessa palestra, raramente, falo do ¨povo de Gaia¨  ou do ¨exército dos Terranos¨ e, todavia, vivo combatendo o universalismo, vivo combatendo a ideia de que Édipo e a castração ensejam o único princípio de realidade possível, e, para meu espanto, eles não compreendem o que eu falo! No início pensava que se tratasse de má vontade, agora sei que não é, é mais grave, pois se trata de uma construção emocional e mental que não lhes permite  por em dúvida o mundo que habitam,  o  mundo  moderno (quando, seja bem dito, este mundo, moderno, está em acelerada desconstrução). E isso não deixa de ser engraçado porque ninguém mais se preocupou com a realidade, com o princípio de realidade, com a aceitação da realidade do que a psicanálise clássica. O problema, inesperado e imprevisível problema, para eles, é que a realidade está mudando! Dito mais precisamente a desconstrução da subjetividade, desconstrução emocional e psíquica – tendo como base o homem moderno e o homem edipiano – nos permite entreabrir umanova percepção da realidade que, doravante, temos chance de compartilhar. O século XX com suas matanças sem fim, com muitos genocídios, com o totalitarismo sempre à nossa espreita, trouxe-nos essa preciosa abertura, a compreensão que a realidade é múltipla e depende dos nossos olhos, da nossa matrix emocional/psíquica/espiritual. Um milagre, como experiência,  se pôs para nossa contemplação e então para nosso pensamento. Por essa realmente ninguém esperava!

De novo é surpreendente que seja assim, mas é assim! A psicanálise clássica é a mais antropocêntrica das disciplinas humanas[9] e valendo-me da fala também lúcida de Davi, dos Yanomamis, põe os homens para ¨sonhar consigo mesmos¨. Principal aliada dos Humanos – modernos e achando imensa graça na era doantropoceno – a psicanálise clássica não vê e não verá com bons olhos osTerranos e não se deixará tocar pelo ¨povo de Gaia¨. E então lá – na Sociedade Brasileira de Psicanálise –  a fala perspicaz do prof. Viveiros de Castro não pode ser escutada e compreendida. A construção emocional e cognitiva – tendo Édipo como centro – impede-os de fazer essa  escuta porque o princípio de realidade a que tem acesso é edipiano e, com ele, fronteiras rígidas entre-mundos. Édipo reina soberano com os Humanos – modernos e seus infindáveis dispositivos mortíferos. E isso para mim revela que o problema não é somente o negacionismoaludido por Viveiros de Castro mas, mais sério ainda, o que está em jogo é uma determinada construção emocional e cognitiva: moderna e edipiana. A guerra então não é de persuasão, de convencimento; a guerra está se dando entre modos de ser modos de ver.

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E as outras correntes da psicanálise seriam possíveis ¨aliados¨ dos Terranos,acolheriam ou pertenceriam ao  ¨povo de Gaia¨?

Os junguianos por exemplo? Seriam sim, poderiam participar da aliança com o ¨povo de Gaia¨ se abandonassem seus sonhos conservadores, passadistas e prestassem atenção no imenso perigo que vem pela frente! E, tenho claro e afianço para os meus leitores que tirar os olhos do passado e pô-los no presente é um desafio gigantesco para um junguiano. Desde sempre o movimento junguianotem aversão-afetiva pelo ¨povo da Natureza¨ e pelos Humanos – modernos e como forma de resistência lançaram seu olhar para o passado esperando seguramente dias melhores. E lá ficaram com os olhos voltados para o passado durante todo o século XX! Agora, os dias melhores para eles chegaram, e se ousarem olhar para o presente, os termos da aliança com  o ¨exército dosTerranos¨  poderia se dar via  sensibilidade romântica da escola junguiana e o amor que eles tem por Dionísio, afinal o corpo dionisíaco é, enquanto tal, abertura cósmica. Não foi isso que aprendemos com F. Nietzsche?  Acrescente-se a isso que Jung um romântico inveterado e tardio buscava os arquétipos nos homens e também nos animais e isso seria a base comum da aliança entre homens a seres vivos em geral. E, saliente-se, Jung não negligenciava o mundo inorgânico, pois em uma bela passagem de Memórias, Sonhos e Reflexões tem  sérias dúvidas se ele é uma pedra ou se a pedra é ele! Os Humanos psicanalíticos, aliados ao ¨povo da Natureza¨, costumam ver de forma bem  crítica essa passagem já vendo nela a psicose latente de Jung! E, todavia, essa dúvida angustiante que Jung empreendia com o mundo inorgânico é parte da sensibilidade romântica e alquímica do unus mundus. De qualquer maneira há nas ideias de Jung uma possibilidade de unir e sentir mundos diversos e de sonhar objetivamentepara foracom o exteriorcomo propõe Davi Kopenawa, líder dos Yanomami. Jung e seus pacientes sonharam seguidamente e anos antes com a Primeira Guerra Mundial!

Além disso, o mundo junguiano é um mundo encantado graças à ideia de sincronicidade que correponde às afinidades eletivas[10] de Goethe, e com elas a retomada de uma única substância – pensamento e matéria – de B. Espinosa. A experiência da sincronicidade é, enquanto tal, diálogo entre-mundos: o ser humano – e não só ele por suposto – com as plantas, florestas, pedras, gnomos, fadas, seres invisíveis em geral.

Poder-se-ia objetar que são os seres humanos que, através do que chamam sincronicidade, estabelecem o sentido e a significação para  os outros seres, orgânicos e inorgânicos. E, então, eu diria não é bem assim se, de fato, levarmos em conta as afinidades eletivas de Goethe, um dos pilares de Jung para tecer o conceito-experiência de sincronicidade – e só se compreende isso, como disse acima, se levarmos em conta Espinosa e os Românticos que liam o mundo a partir de uma única substância. Em uma sincronicidade vivida como experiência profunda é a pedra, por exemplo, o animal ou uma semente que detém o segredo do significado para o humano e, não raro, encontramos alguém que tem a sensibilidade junguiana fazendo uma circuambulação em torno da pedra, do animal, de uma semente, por anos, às vezes por décadas, abrindo-se para a pedra e/ou a semente detentoras do segredo da significação! A narrativa de um junguiano, de uma pessoa que tem essa sensibilidade, é a do ¨povo de Gaia¨ com certeza.

Em relação a essa escola de psicologia a aliança com os Terranos e com o ¨povo de Gaia¨ se resolveria mais facilmente, já que não são antropocêntricos e o fechamento não é de ordem cognitiva-emocional. São, sim, possíveis aliados.

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E os lacanianos veriam com bons olhos os  Terranos? Seriam simpáticos ao ¨povo de Gaia¨?

Pouco posso dizer sobre os lacanianos, não os conheço bem. Dois lacanianos, porém, chamam minha atenção, e talvez com eles, refiro-me a W. Safatle e C. Dunker, os Terranos encontrariam algum acolhimento. Ao que parece são parceiros intelectuais e propõem a travessia do Imaginário para o Simbólico e então o Real. Vale dizer, levam sim o Real – do último Lacan – em conta – ao contrário de outros lacanianos que só pensam a clínica até o simbólico. Safatle, em particular, concorda com Deleuze quando critica aqueles que acreditam que fora do Eu, fora do indivíduo moderno, só pode haver caos.  Safatle pensa que essa é a pior de todas as falhas morais, já que nos prende na defesa do sempre idêntico[11].

São as premissas de Lacan que nos ajudam a compreender por que, para Safatle, ¨há uma humanidade por vir e não temos o direito de temê-la¨[12]. Uma dessas premissas é que para Lacan, ¨toda a socialização é alienação¨. Ou só há sujeito fixo graças a repressão, e então a verdadeira fonte de sofrimento é resultante do caráter repressivo da identidade: ¨dessa identidade que devemos internalizar quando passamos por processos de individuação e de constituição social do Eu. Daí porque Lacan será tão sensível às temáticas vanguardistas de dissolução do Eu e de desarticulação de seus princípios de síntese enquanto condição para o advento de uma experiência capaz de realizar exigências de autenticidade. Isso a ponto de ele afirmar ser a análise uma ¨experiência no limite da despersonalização¨[13].

Outra premissa é que a psicanálise nasce no momento de crise profunda da modernidade ocidental. Mais enfaticamente, a psicanálise, ela mesma, é osintoma maior dessa crise que nos levou a colocar em questão nossos ideais normativos sobre auto-identidade, sexualidade, modos de socialização, justiça e, sobretudo, nossas ideias sobre o que estamos dispostos a contar como racional[14]. Sintoma dessa crise, a modernidade oferta para o pensamento – eu diria para o pensamento psicanalítico, mas não só ele – uma outra concepção do humano:…¨uma concepção que insiste na importância de experiências deconfrontação com o inumano, com o despersonalizado, com oindeterminado, para a formação de uma práxis emancipada. Pensar como a verdadeira práxis virá da capacidade que sujeitos devem desenvolver em se confrontar com o que não tem a figura de ¨humanidade¨ do homem: eis uma tarefa que Lacan nos deixou¨[15]. Confrontar-se com o que aparece como ¨Inumano¨ no interior do desejo, desprovido de imagem identitária do homem: uma potência de indeterminação e despersonalização que habita todo o sujeito. Daí o impacto político da ênfase no Inumano, pois através dessa  noção redimensiona-se a teoria do reconhecimento: como reconhecer aqueles que não se configuram completamente como indivíduos no sentido que nós entendemos[16]?

É exatamente daí que parte C. Dunker, feroz observador das transformações da subjetividade na alta modernidade, justapondo e aproximando o ¨perspectivismo ameríndio¨ e os ¨tipos clínicos¨ recém  configurados por ele: zumbis[17], mortos-vivos, frankensteins[18] e psicoses! Os nomes propostos por Dunker não são nada simpáticos e à primeira vista parece estranho aproximá-los do ¨perspectivismo ameríndio¨  de Viveiros de Castro. Em um primeiro momento essa justaposição pareceu-me grosseira e injustificável, mas aos poucos foi ganhando algum sentido para mim e, de repente, foquei minha atenção nas proposições do psicanalista e as novas sensibilidades em curso – ainda que descritas por ele como ¨experiências de sofrimento¨. Zumbis e Frankensteins sofrem com a falta de experiências produtivas de indeterminação pois para eles os processos de racionalização aparecem como vazio indiferente ou como experiência caótica de si e do mundo. Vale dizer, o Real aparece como impossível. É nesse momento que Dunker conclui, confesso que para o meu espanto: …¨os Zumbis e Frankensteins estão mais próximos daquilo que o antropólogo brasileiro Viveiros de Castro chamou de perspectivismo ameríndio (ou seja, uma cultura na qual a identidade não é tratada como um fato de origem e onde a experiência de reconhecimento está sujeita a elevados níveis de indeterminação)¨[19].      O perspectivismo ameríndio estaria então  mais próximo da experiência do inumano, já que a vivência do laço social não se baseia na perspectiva de identidade. É disso que se trata?

Classificar e pensar não fazem boa parceria!  Essa sede classificatória e diagnóstica de Dunker  é amiga fácil de estereótipos e inimiga do pensamento. Osmodos de ser existenciais tendem a ser duramente ofuscados por classificações e diagnósticos. Quando C. Dunker classifica e aproxima as formas de sofrimento atuais – que ele com muita sensibilidade e perspicácia recupera – do perspectivismo ameríndio, por suposto não nos ajuda a pensar! Acrescente-se a isto que C. Dunker não precisa da nova antropologia nem do perspectivismo ameríndio para construir a sua argumentação. Para quê então ele faz isso? E me vejo obrigada a fazer uma pergunta incomôda: Bruno Latour, Viveiros de Castro, Davi Kopenawa como seriam classificados? Seriam eles também Frankensteins, Zumbis, Mortos Vivos, Psicóticos  – ainda  uma vez?

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Outro tanto poderia ser dito em relação à esquizoanálise, paraíso dos Terranos, e do ¨povo de Gaia¨, e isto porque eles – os humanos que participam desses grupos –  existem e subsistem a partir de duas qualidades  pelo menos nesse momento: uma de-cisão a partir de valores, quero dizer, de-cidiram-se por esses grupos respondendo à pergunta ¨qual a Terra que queremos viver¨? Uma Terra onde a vida não acabe. Decidiram-se então pela Vida e a outra qualidade de ambos os grupos é que seus ¨adeptos¨ provém de entre-mundos: vegetais, animais, humanos, sementes, pedras, ar, terra, água: todos os ameaçados de extinção! Ora, a esquizoanálise de F. Guattari e G. Deleuze é propiciadora do valor Vida, aliás, vida vibrátil, vida pulsante em sua potencialidade máxima! E, também, vamos sugerir em seguida, pode ser patrocinadora dessa aliança entre-mundos .

A esquizoanálise é compreendida como uma ética-estética de valorização da vida, e quem participa dessa experiência se lê a partir de uma perspectiva – não tem em mãos – muito longe disso –  uma metodologia e/ou uma teoria universal. Como uma perspectiva convive com todas as outras abordagens  sejam dialéticas, estruturalistas ou qualquer outra. Como perspectiva, a esquizoanálise é muito mais do que uma prática clínica, sua intenção, aliás, foi e é de romper com os saberes instituídos em troca de um saber subterrâneo ao qual Deleuze e Guattari chamaram de rizoma, termo extraído da botânica. O ¨povo de Gaia¨ precisa romper com os saberes instituídos, a esquizoanálise lhes convém pois. Convém-lhes também porque a esquizoanálise não tem modelos para a vida; não há modelos existenciais bons e maus, mas infinitas possibilidades existenciais. A melhor atitude, a melhor possibilidade existencial, é aquela que produz uma vida mais vibrátil e pulsante. A vida só pode ser julgada pela própria Vida! E, todavia, há sempre duas lógicas em jogo: a lógica maquínica – que corresponde à subjetividade instituída e produzida socialmente através do ¨inconsciente maquínico¨ e/ou ¨inconsciente capitalísta¨[20] – e nesta lógica os corpos perdem a sua potência de expressão e há a construção de sujeitos narcísicos; mas, também há a lógica pulsátil presente nos corpos vibráteis que não repelem a sensorialidade, visto que procuram uma existência plena e para isso desejam afetar e ser afetados.

A esquizoanálise trabalha também com a ideia de agenciamentos e esse conceito-experiência supõe disparidade – agenciamentos díspares –  e precisa ser ordenada desde o ponto de vista da imanência, a partir do qual a existência se mostra indissociável de agenciamentos variáveis e remanejáveis que não cessam de produzi-la. Há agenciamentos ¨molares¨ e  os agenciamentos ¨moleculares¨  – e  todo agenciamento remete em última instância ao campo do desejo sobre o qual se constitui . Então a maneira como cada indivíduo investe e participa da reprodução de agenciamentos sociais depende de agenciamentos locais, ¨moleculares¨ e, através desses últimos, cada indivíduo, introduz suas pequenas irregularidades. Cada um de nós combina concretamente os dois tipos de agenciamentos em graus variáveis, o limite é a esquizofrenia como processo – deterritorialização absoluta. Cito Mil Platôs: ¨Se a instituição é um agenciamento molar que repousa em agenciamentos moleculares (daí a importância do ponto de vista molecular em política: a soma dos gestos, atitudes, procedimentos, regras,disposições espaciais e temporais que fazem a consistência concreta ou a duração – no sentido bergsoniano – da instituição, burocracia estatal ou partido), o indivíduo por sua vez não é uma forma originária evoluindo no mundo como em um cenário exterior ou um conjunto de dados aos quais ele se contentaria em reagir;ele só se constitui ao se agenciar, ele só existe tomado de imediato em agenciamentos¨[21].  E concluo apostando que a esquizoanálise é uma prática micropolítica que só  ganhará  sentido com referência a um gigantesco rizoma de revoluções moleculares que proliferam a partir de uma multidão de mudanças mutantes: tornar-se mulher, tornar-se criança, tornar-se velho, tornar-se animal, planta, cosmos, tornar-se invisível…[22].

A noção acima, o ¨indivíduo só se constitui ao se agenciar¨, libera o poder de afecção dos indivíduos, para o entre-mundos – uma individuação por hecceidades e não por meio de características identificantes. E com isso, a esquizoanálise é aberta a novas formas subjetivas, novas formas de compor a vida, novas alternativas de reapropriação existencial que, porventura, novas coletividades humanas e de indivíduos venham a ¨agenciar¨: vidas vivas, vibrantes e então muito diferentes das formas de vida pobres que a subjetividade maquínica nos impõe.

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Muitas outras escolas da área-psi teriam como contribuir com o ¨exército dosTerranos¨ e com o ¨povo de Gaia¨. E, todavia, paro por aqui.

Uma palavra em torno do meu consultório. Sabe-se que um analista neurótico atrai muitos pacientes neuróticos, um analista com um certo traço mais esquizoide atrai muitos pacientes esquizoides, um analista ferido narcísico atrai muitos pacientes também feridos primais. Tudo isso se dá por afinidades eletivas! Claro que nem todos os analistas tem essa percepção à mão, refiro-me à sincronicidade, e então, não raro, acreditam que no mundo só tem neuróticos e  esquizóides, por exemplo, e continuam então ¨sonhando só consigo mesmos¨ – como denuncia Davi Kopenawa.

No meu consultório aparecem muitos Terranos, a maioria dos meus pacientes sãoTerranos – cá e lá um Humano do ¨povo da Natureza¨ acolhido também com muito amor . Mas estes últimos não são numerosos. Quero com isto dizer que há sim uma nova sensibilidade cuja ¨experiência de sofrimento¨ é a de não adaptar-se ao mundo dos Humanos – modernos do ¨povo da Natureza¨. Essa não adaptação, claro, traz muito sofrimento, mas começa-se a dizer não para o princípio de realidade instaurado pelo Humanos modernos e edipianos. A guerra está ganhando corpo.

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[1] Frente ao impacto que tive ao escutar e compreender as palavras do Prof. Viveiros de Castro em ambos os vídeos não resisti e fiz o mapa natal do antropólogo e seus trânsitos nos próximos anos. Eduardo é do signo de Áries e nasceu a 19 de Abril de 1951, na cidade do Rio de Janeiro. Trata-se então de um ariano e qualquer astrólogo escutando-o pode apreender isso facilmente. Não sei o horário que o antropólogo nasceu e então não sei qual é o ascendente. E, todavia, só com os dados que tenho posso ter muitas informações sobre ele. Seu sol está a 28 graus e 43 minutos e a imagem Sabeu ( símbolo tradicional da astrologia) do sol é: a large audience confronts the performer who disappointed its expectations (¨Uma grande plateia confronta o artista que frustrou as expectativas do público¨) . Como interpreto esta imagem? O ariano inicia novos mundos, esse é o seu fazer, pois é um iniciador. Ao iniciar um novo mundo, claro, sempre frustra a expectativa de muitos!É inevitável.

A Vênus do Eduardo está a 5 graus de gêmeos e o símbolo sabeu que lhe corresponde é: a revolutionary magazine asking for action (¨Uma revista revolucionária pedindo ação¨) . Desde 2011 Netuno em peixes, um dos grandes deuses da mudança, está fazendo uma quadratura com a Vênus do antropólogo e isto significa que ele se abriu para a ¨unidade da vida¨. Dito de outra maneira sua forma de amar e de criar mundos desde há alguns anos transformou-se pois cairam as fronteiras entre-mundos.Netuno dissolve as fronteiras entre-mundos e abre para todos nós, quando passa pela Vênus ou pelo sol, a ¨unidade da vida¨.Em 2013, 2014 e 2015 Netuno fez e estará fazendo quadratura exata a 5 graus de gêmeos e – prosseguirá em conjunção ainda por alguns anos –e então Viveiros está e estará no auge dessa apropriação: criação de mundos a partir da ¨unidade da vida¨. E isso nos permite ler poéticamente então o símbolo Sabeu que corresponde a Vênus: escritos revolucionários que pedem ação!

Este trânsito de Netuno quadrando Vênus é então quem dará uma tonalidade especial aos dois grandes trânsitos sobre o Sol do antropólogo. Urano em Áries, o imprevisível, e Plutão em Capricórnio, o transformador,farão respectivamente conjunção e quadratura com o Sol do antropólogo. Urano a partir de 2015 já estará fazendo conjunção com o Sol  e fará conjunção exata em 2017 e 2018 – prosseguindo ainda em conjunção por alguns anos.Plutão estará fazendo quadratura com o Sol de Eduardo a partir de 2018 e quadratura exata em 2022 – e por alguns anos ainda a partir dessa data. O que significa isso? Significa que esses dois planetas transpessoais trarão à tona as sementes genuínas da individualidade do antropólogo e com isso ele dará inícios – já que é o que melhor sabe fazer! – a mundos a partir de sua singularidade máxima. Quem viver, verá!

[2] A Queda do Céu: Palavras de um Xamã Yanomami¨ é um relato único da história de vida de Davi Kopenawa. Relata a sua iniciação como xamã e os primeiros encontros com os forasteiros brancos. Descreve também a rica cultura, história e modos de vida dos habitantes da floresta e não se furta a descrever suas impressoões da cultura ocidental. O livro foi publicado em francês e em inglês e será publicado em português em 2014.

[3] Volume 44, número 4, 15-26, 2010, cujo tema é Alteridade.

[4] Freud e uma nova origem da espécie. Márcio Seligmann-Silva, Folha de São Paulo, 29/12/2013.

[5] Idem, ibidem.

[6] Idem. Ibidem.

[7] Idem. Ibidem.

[8] Cito-o: ¨Sim, há algo universal. É o desconforto das pessoas com suas limitações identitárias. Essa experiência é partilhada em qualquer tempo e lugar; define a condição humana. Dizer isso é o desdobramento de uma ideia freudiana: o mal estar é quem define o homem. Se quisermos podemos dizer que o mal estar é uma categoria ontológica[…] Então, acho que é possível construir experiências políticas, estéticas e reflexões clínicas, fazendo apelo a essa dimensão profundamente essencial que é a experiência do desconforto¨. Cult 186, ano 16/ dezembro de 2013. Entrevista com W. Safatle, ¨A Filosofia nua e crua¨.

[9] Talvez os bionianos ( W. R. Bion) possam abrir-se para essa escuta e isso em função da noção de inconsciente como potencialidade infinita. A mente primordial, realidade primeira do mental, para Bion, poderia bem ser pensada como transpessoal e mesmo transespecista – e é sim possível pensá-la para além da espécie homo sapiens.Da  mente primordial de Bion faz parte a  história mesmo do cosmos e o futuro do cosmos: é o Ó,  inominável, infinito, informe e é em direção ao Ó que se dá a expansão da mente. Bion discípulo e analisando de Melanie Klein parte, com certeza, da personalidade edipiana, mas tende para ummais além, para o infinito, para Ó.

[10] Afinidades Eletivas  é um romance de Goethe, que eu também recomendo;  sofreu publicações em vários selos editoriais.

[11][11] Cult, número 186, já citada, p. 11.

[12] Idem.

[13] Confrontar-se com o Inumano, Revista Cult, número 125, grifos meus.

[14] Confrontar-se com o Inumano. Op.cit.

[15] Idem, grifos meus.

[16] Cult, número 186, p. 11.

[17] C. Dunker é um psicanalista atento aos sofrimentos que se constelam como invenção e resposta às transformações no horizonte da nossa época. Uma dessas formas de sofrimento que o autor generaliza tomando como parâmetro as observações de W. Benjamim sobre os soldados que voltavam da Primeira Guerra Mundial refere-se à impossibilidade de narrar, de nomear, de dizer o sofrimento. Esse sofrimento hoje generalizado, expressa a brutalidade do choque, o inominável da experiência que silencia e, doravante, os que dele participam estão tais como os combatentes de guerra ¨narrativamente lesados¨, na medida em que não conseguem inscrever seu sofrimento em um discurso . Cito Dunker: ¨Seu paradigma literário são os zumbis ou mortos-vivos, seres funcionais que repetem automaticamente uma ação, incapazes de reconstruir a história da tragédia que sobre eles se abateu. Parecem seres que perderam a alma e cujo sofrimento aparece em meio a mutismos seletivos, fenômenos psicossomáticos e alexetimias ( dificuldade de perceber sentimentos e nomeá-los)¨. Revista Cult 174 – 19/11/2012. O artigo de C. Dunker chama-se ¨O real e a verdade do sofrimento¨.

[18] Na direção inversa, Dunker recorrerá à ¨antropologia do inumano¨ proposta por W. Safatle; estes experimentam uma forma de vida que é sentida como monstruosa, animal e coisificada e fracassam sistematicamente em dar nome à causa de seu sofrimento. E já que não nomeiam a causa, buscam encontrar a razão de seu mal estar no mundo, explorando para isso a força da inadequação,  do estranhamento e da fragmentação. Fora do tempo, fora de lugar, fora do corpo: ninguém melhor que as sexualidades estudadas por Judith Butler para dizê-los. Errantes da linguagem, inadaptados do trabalho, depressivos do desejo, seu sofrimento pode ser tematizado como exílio e isolamento e clinicamente é o que encontramos no trabalho de luto. Ressentimento e tédio rondam a vida desses seres errantes. Cito Dunker: ¨É o drama daqueles que são habitados por experiências de radical anomia e indeterminação, cujo maior exemplo literário é Frankenstein. Esta desregulação sistêmica do mundo, teorizada por Lacan como separação entre real, simbólico e imaginário, exprime-se como sentimento permanente de perda de unidade¨ ( CULT, número 174, p. 26).

[19] Cult,  número 174, p. 27 – grifos meus.

[20][20] O ¨inconsciente capitalístico¨ e ou o ¨inconsciente maquínico¨ corresponderiam à subjetividade capitalística produzida pela mídia e pelos equipamentos coletivos e impõe  modos de se compor com a vida que visam atender às exigências globais do sistema.

[21] DELEUZE, G.GUATTARI. F. Mil Platôs,  S. P. Editora Trinta e Quatro, 2003. p. 318 grifos meus.

[22] GUATTARI. Féliz. ¨Os oito ¨princípios¨ da esquizoanálise¨, escrito por Bernardo Rieux, 12/10/2005.

Citizen Scientists Gather Data on Urban Bees (Quest)

Post by  , Guest Contributor for  on Sep 13, 2013

Bumblebee Feature Photo

Image courtesy of Benson Kua.

Around the world, bees are dying in unprecedented numbers. While scientists hypothesize pesticides and habitat loss are to blame, the exact causes are still unclear. Gardeners and farmers are concerned about the fate of their bee-pollinated food and looking to the scientific community for information about how and why the bee populations are declining.

Unfortunately, money is tight as scientists struggle to gain the funding and resources for extensive bee studies.

Marie Clifford and Susan Waters, graduate researchers at the University of Washington in Seattle, have found a way to get around scarce research funding: citizen scientists. The Urban Pollination Project (UPP), co-founded in 2011, takes Seattle community gardeners and trains them to collect data on local bees. Tapping into citizen scientist efforts, Clifford and Waters can gather data from 35 Seattle community gardens – a scale of research otherwise outside of their resources and funding capabilities.

“Citizen science,” Clifford says, “allows scientists to address much broader scale questions than they might be able to address themselves.”

The citizen scientist gardeners at the Urban Pollination Project measure, count, and weigh tomatoes to understand how varying degrees of pollination affect tomato growth. They also pollinate the tomato flowers using a tuning fork, and are trained in bee identification. Their observations provide insight into what species of bees visit various Seattle community gardens.

Observations like these led to a sighting of the Western Bumblebee — a native bumblebee thought to be extinct– by bee enthusiast, Will Peterman. With citizen scientists performing observations around the city, Clifford and Waters hope to better understand which bees are pollinating our cities.

In about five years, Clifford and Waters hope to have enough data to make conclusions about what bumblebees need to survive in urban environments, like how much and what kind of habitat availability is required. As the project continues, Clifford and Waters want to get more gardeners involved.

Tuning Fork SV

Both bumblebees and a 128 Hertz tuning fork vibrate at the perfect frequency to pollinate tomato plants. The vibration can literally “shake” the pollen out of tomato plant flowers. Photo credit: Sarah Vaira.

While UPP works with Seattle gardeners to track where bumblebees nest and forage, other citizen projects such asiNaturalist andeBird, allow anyone with a smartphone or digital camera to help identify plants and animals. These kinds of identification projects can help scientists predict animal and plant behavior.

“[With citizen science] you can achieve things that you would never be able to achieve with a more standard set of funds and time and energy,” says Waters, “[This is] a kind of knowledge that is ultimately really useful … and it connects people to their local environment.”

Bem-vindos ao mundo dos adultos. Ou não? (Canal Ibase)

http://www.canalibase.org.br/bem-vindos-ao-mundo-dos-adultos-ou-nao/

11/03/2013

Renzo Taddei
Colunista do Canal Ibase

O texto abaixo é uma reflexão sobre o que significa hoje, em face às crises globais –  política, econômica e ambiental -, atravessar a fronteira que separa o mundo dos jovens do dos adultos. Foi escrito por ocasião de minha indicação a paraninfo da turma de formandos do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e lido em cerimônia de colação de grau, no dia 2 de março de 2013. O texto, no entanto, fala não apenas aos graduandos da referida turma, mas a todos os jovens que se acham de alguma forma interpelados pelas exigências do mundo adulto, interpelação esta que se dá na forma de pressão para que tais jovens se conformem e se adequem às estruturas e formas de organização social existentes. Por essa razão, decidi reproduzi-lo nesta coluna. O texto foi mantido tal qual foi apresentado.

 

Foto: adam.declercq/Flickr

Inicialmente não posso deixar de agradecer a minha indicação a paraninfo da turma, coisa que verdadeiramente me emocionou. Essa é a primeira vez que isso me acontece. E como seria de se esperar de um paraninfo de primeira viagem, fui pesquisar do que se trata. A rigor, o paraninfo é um padrinho ligado à identidade profissional dos formandos, alguém de quem se espera que diga algo no rito de passagem da formatura que seja ao mesmo tempo uma última aula – mas não exatamente, porque nesse momento vocês não são mais estudantes -, e que seja também o primeiro conselho profissional – mas não exatamente, porque nesse momento vocês ainda não estão formados. Vocês estão, nesse exato instante, em processo de transformação. Entraram nesse auditório como estudantes, e vão sair como bacharéis. Por isso a colação de grau é um rito de passagem: vocês saem diferentes do que entram, alguma coisa se transforma no processo. Nesse meu discurso, quero falar um pouco sobre isso que muda, que se transforma. E como isso se transforma, em que direção, pra onde vai.

Alguns de vocês certamente devem estar se perguntado se eu não vou simplesmente congratular os formandos e dizer que o Brasil precisa deles, que se esforcem para fazer desse um país melhor, que agora eles tem uma responsabilidade para com a sociedade, etc.– o discurso padrão, pré-formatado, disponível na Internet. Pois é, não vou. Isso seria perder o tempo de vocês e o meu. Se vocês me elegeram paraninfo – eu, que não sou jornalista, publicitário, editor, produtor, diretor, apresentador ou locutor; eu, que nem sequer sou professor das habilitações profissionais da Escola de Comunicação, mas ao invés disso sou um humilde professor de disciplina do ciclo básico, antropologia -, alguma razão deve haver. Nem que ela seja apenas certo gosto por viver perigosamente (dado que quem teve aula comigo sabe que eu tenho certa tendência a ser provocador e subversivo).

De qualquer forma, não posso evitar certo ponto de vista antropológico. Então, gostaria inicialmente de dizer que vocês são privilegiados. Já foram mais longe do que o Bill Gates e o Steve Jobs – ambos abandonaram os estudos universitários, e, portanto, não viveram esse rito de passagem que vocês vivem aqui hoje. Mas obviamente não é disso que quero falar. De certa forma, se há uma equivalência ou continuidade entre esse rito de passagem, a graduação universitária, e os ritos de passagem vividos por outras coletividades e grupos sociais, essa equivalência existe nos rituais nos quais um indivíduo passa a desempenhar, de forma integral, papéis de adulto. Esses são tradicionalmente chamados ritos de puberdade. “Mas a puberdade já passou faz tempo!”, vocês me dirão. Pois é aí mesmo onde reside o privilégio: entre deixar de ser criança e passar à condição de adulto, de forma integral, nossa civilização criou a adolescência, esse período que não acaba nunca, e onde tudo é mal definido, esquisito, tudo está de alguma forma fora do lugar, sem que se saiba exatamente o porquê. Em geral, a adolescência não existe nas culturas não ocidentais, e não existia no mundo ocidental até por volta da década de 1880. Na visão de muitos povos não ocidentais, o que nós ocidentais fazemos é infantilizar os indivíduos por quase uma década, e depois exigimos maturidade, como se ela surgisse num passe de mágica. Mas sabemos que as coisas entre nós não se dão exatamente dessa forma.

Ou seja, se vocês fossem índios – isto é, se não forem; quem sabe alguém aqui seja – já teriam passado pelo ritual que faz de alguém um adulto há muito tempo. Como vocês podem ver, não há qualquer relação entre ser adulto, no sentido que estou usando aqui, e uma determinada idade cronológica. Em algumas sociedades pode-se ganhar o status de adulto aos 7 anos; em outras,  como no mundo acadêmico em que eu vivo, por exemplo, a cidadania integral só se consegue com a obtenção do título de doutor, e a vida adulta raramente começa antes dos 30 anos. Tomemos então o conceito de adulto como equivalente a estar integrado de forma plena à ordem social vigente, às instituições centrais do meio social em que o indivíduo vive.

Voltando ao rito de passagem, um rito que funcione como tal não é apenas uma formalidade. Ele opera uma certa mágica, algo que efetivamente transforma quem por ele passa. A famosa frase “eu vos declaro marido e mulher”, ou a temida “eu declaro o réu culpado”, tem o poder de operar uma transformação real na identidade do sujeito; transformação que não ocorreria sem a existência do rito. Infelizmente, grande parte dos nossos ritos se burocratizou. O que os exemplos antropológicos mostram é que os ritos de passagem mais eficazes são aqueles em que o simbolismo associado à transformação da identidade é vivido materialmente, através de objetos capazes de grande mobilização emocional – como a hóstia, as alianças, o anel de formatura, o diploma, os trajes especiais -, e mais ainda quando essa materialidade é vivida no corpo – como as distintas formas de circuncisão, as escarificações (a produção de cicatrizes), tatuagens específicas, o corte dos cabelos, os estados de transe e outras práticas que envolvem alguma forma de dor. Numa conhecida prática que é parte do ritual de puberdade dos índios Maués e de outras tribos amazônicas, por exemplo, os jovens são levados a inserir uma das mãos em uma luva cheia de formigas tucandeiras, e devem suportar, por 15 minutos, a dor das ferroadas. Em nossa sociedade há muitos rituais que deixam marcas no corpo e que envolvem sofrimento: sem mencionar o “pede pra sair” do Capitão Nascimento, outro exemplo talvez igualmente chocante – pra quem não é da nossa tribo, obviamente – é o fato de que muita gente acha que antes de aparecer nas fotos de celebrações como essa, é preciso deformar o corpo de alguma forma: suando muito nas academias, submetendo-se a dietas alimentares agressivas, e até a cirurgias plásticas. Perto disso tudo, a monografia de graduação parece moleza.

Mas qual a necessidade disso tudo? Por que a transição à vida adulta não ocorre de forma gradual, sem que um ritual marque o momento, produzindo uma singularidade no transcorrer da vida que desordena e reordena as coisas? Num texto publicado há alguns anos no Brasil, Levi-Strauss narra e analisa um fato ocorrido na cidade de Dijon, França, no ano de 1951, que pode nos ajudar a entender essa questão. Mais precisamente no dia 24 de dezembro daquele ano, padres promoveram o enforcamento da figura do Papai Noel, que posteriormente foi queimado, em frente à catedral da cidade. A acusação: paganizar o Natal. No dia seguinte, o velhinho foi ressuscitado pela prefeitura da cidade, e apareceu no topo do prédio do governo municipal, falando às crianças, como fazia tradicionalmente. Essa sequência de eventos naturalmente gerou um intenso debate, que se espalhou por toda a França. Na opinião de Levi-Strauss, no entanto, mais importante do que discutir se se deve dar cabo ou não do Papai Noel, ou porque as crianças gostam tanto dele, é tentar entender por que é que os adultos o criaram, em primeiro lugar. Afinal, o Papai Noel não é invenção das crianças; estas são levadas a acreditar nele, por influência direta dos adultos. A resposta é bastante óbvia: o Papai Noel é um instrumento através do qual os adultos exercem controle sobre as crianças. “Só ganha presente quem se comportar bem, deitar-se quando mandado, comer tudo”. Levi-Strauss segue adiante para mostrar que os dados antropológicos são abundantes em relação ao fato de que os adultos temem as crianças, ou os não-ainda-plenamente-adultos.

E por que é que os adultos temem as crianças e os jovens, os não-ainda-plenamente-adultos? Porque esses têm o poder de bagunçar a vida adulta, desorganizar a ordem estabelecida, são subversivos por natureza – e, em muitas tradições, inclusive a nossa, isso literalmente é entendido como uma questão de natureza, em oposição à sociedade: as crianças são parte do mundo da natureza, mundo esse que é ao mesmo tempo uma ameaça ao mundo social, essencialmente dos adultos (e, frequentemente, dos homens), e precisa ser conquistado por este. Esse medo resulta na criação de personagens como o Papai Noel e o bicho papão, apenas para mencionar dois exemplos mais familiares; resulta também na necessidade de submeter os ainda-não-adultos a ritos de passagem psicologicamente intensos, de modo a construir, através do rito, um novo adulto, desnaturalizado e socializado.

E aqui estamos chegando ao que interessa. O que eu acabo de dizer é que todo ritual tem um duplo efeito: por um lado, transforma a identidade de quem passa por ele, de modo que o indivíduo interiorize os valores da sociedade e localize-se, de forma produtiva, nela; por outro, o ritual promove a ratificação dos poderes instituídos, o reforço das estruturas de poder, do status quo. Nesse mesmo ritual que vivemos aqui, no momento em que cada um de vocês ganha a credencial de bacharel, renova-se a sacralidade da universidade enquanto poder instituído legitimamente, com autoridade para traçar a linha dos que têm e dos que não têm acesso aos privilégios trazidos por tal credencial. Renova-se também a sacralidade da autoridade dos professores – vejam só como estamos em posições espaciais diferentes aqui hoje, vocês mais embaixo, os professores mais acima, vocês aqui para receber algo, os professores para dar algo. O mesmo ocorre num tribunal, em uma cerimônia de casamento ou em um batismo: ao mesmo tempo em que alguém é condenado ou absolvido, ou casado, ou batizado, é reforçado o poder do Estado ou da instituição religiosa.

Até aqui, tudo certo: não é difícil encontrar livro de introdução à antropologia que diga, ou pelo menos dê a entender, que as sociedades sempre se organizaram dessa forma, de modo que esse é um fato da realidade. O problema é que, na minha visão, isso existe em contradição com a ideia, tão repetida em discursos de paraninfo mundo afora, de que os formandos devem contribuir na construção de um mundo melhor. Trata-se de um problema de incompatibilidade entre forma e conteúdo: falar em mudanças, ou seja, na construção de um mundo melhor, num ritual que promove a reprodução das coisas como elas são, que coopta mentes e corações jovens e os coloca no centro das estruturas sociais que criaram e mantém em funcionamento o mundo que se pretende mudar. Talvez, se vivêssemos em um mundo com problemas menores, precisando de pequenas reformas aqui e ali, mas no qual o estado geral da vida fosse o de plenitude e alegria, esse fosse o caso.

Mas não há nada mais radicalmente oposto à realidade na qual nos encontramos. O mundo não precisa de pequenas reformas; os problemas da atualidade são estruturais e profundos. Aproveitando que estamos aqui, no Centro de Tecnologia, coração da engenharia da UFRJ, eu diria que, se perguntarmos a um engenheiro civil o que se deve fazer com um edifício com problemas estruturais profundos, ele diria: é preciso demolir o edifício, e fazer outro, sobre base mais sólida, com estrutura mais adequada. Mas quais são esses problemas, tão sérios, no mundo em que vivemos? Eu certamente não precisaria (nem conseguiria, se quisesse) listar os problemas que temos diante de nós, dado o fato de que vocês talvez estejam entre as pessoas mais bem informadas do planeta. Mas permitam-me citar apenas alguns, de modo a colocar recheio no argumento que estou construindo aqui. O mundo vive, já há cinco anos, uma crise econômica global sem precedentes, crise na qual ficou claro o quanto os Estados nacionais funcionam para manter o mercado mundial em funcionamento, atendendo a interesses das grandes corporações, e em detrimento de suas próprias populações (basta analisar a relação entre governos, bancos e a população, em países como os Estados Unidos, Inglaterra, Itália e Espanha, para se ver isso com clareza; ou a relação entre governos, empreiteiras, mineradoras e a população, no caso do Brasil).

Além disso, o mundo vive há pelo menos trinta anos uma crise ambiental sem precedentes, e continuamos ouvindo dos governos americano e chinês a mensagem de que sua produção econômica no curto prazo é mais importante do que a vida no planeta no futuro. Isso dá certo alívio ao governo brasileiro, que pode apenas entrar no vácuo dos gigantes americano e chinês, sem ter que declarar explicitamente que tem a mesma posição. Ao mesmo tempo, vemos grande parte da Europa trabalhando na transição de suas matrizes energéticas em direção a fontes de energia que não agridem os ecossistemas locais (como a energia solar; detalhe que não estou falando de energias supostamente “limpas”, mas das que não agridem os ecossistemas. As hidrelétricas, por exemplo, não apenas são grandes agressoras dos ecossistemas, como alimentam a perversão política que é o papel das grandes empreiteiras no financiamento das campanhas políticas nesse país); enquanto isso o Brasil trabalha para tornar-se o sexto maior produtor de petróleo do mundo! Nada como ser capaz de mobilizar um time excelente de publicitários para ser capaz de andar na contramão do bom senso e ainda ter apoio popular. E some-se a isso tudo o fato de que no Brasil, os 20% mais ricos detém 60% de toda a riqueza nacional; metade da população economicamente ativa, mais de 50 milhões de pessoas, trabalha de sol a sol para o enriquecimento de duas ou três centenas de famílias.

E eu nem mencionei a política. Alguém acha que as estruturas políticas brasileiras funcionam bem? Ninguém sabe, porque ninguém sabe como elas funcionam!

Enfim, esse é o mundo dos adultos em que vocês são, agora, admitidos de forma integral. Não é de se estranhar que um bocado de gente jovem resista a esse processo, muitas vezes entendido, literalmente, como um processo ilegítimo de cooptação. O mundo dos adultos – ou seja, do status quo, das instituições de poder que nos trouxeram até aqui – está moralmente falido. Construir um mundo melhor, em qualquer sentido que não seja apenas a reprodução de retórica vazia, é tarefa necessária, mas que não vai deixar os adultos felizes. Ou seja, para que os jovens efetivamente construam um mundo melhor, o que se vislumbra não é a paz entre adultos e jovens, paz supostamente produzida pelos ritos de passagem mencionados por mim anteriormente; ao invés disso, o que se pode esperar é a espada, para usar termos bíblicos.

E, vejam só, não estou falando de algo – jovens comprometidos com a criação de um mundo melhor – que não esteja, já, acontecendo: a única novidade política interessante, na última década, é a novidade produzida por movimentos jovens, em reação à falência moral e material do mundo dos adultos: estou me referindo aos muitos movimentos de ocupação, como o Occupy Wall Street, que se multiplicou e se espalhou pelo mundo todo; às manifestações juvenis contra os partidos do status quo no México (o PAN e o PRI), além do movimento zapatista no estado de Chiapas; ao movimento Idle no More no Canadá, que, como o movimento zapatista, uniu a juventude às lideranças indígenas locais; ao 15-M, na Espanha; à participação dos jovens nos eventos ligados à chamada Primavera Árabe; à importância da Cúpula dos Povos, na Rio+20, onde se articularam ações políticas mais interessantes que a prevista paralisia política dos diplomatas que participaram da reunião oficial. Ainda no Brasil, está claro que podemos, através de movimentos descentralizados, combinando manifestações públicas e petições pela Internet, forçar o governo a ações específicas, como ocorreu no movimento em apoio aos índios Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul.

Ou seja, a boa novidade é que não é necessário inventar as soluções e ferramentas para um mundo melhor a partir do zero; muitas coisas interessantes já estão em movimento. Basta que vocês sejam conscientes e autônomos para decidir como vão se posicionar no mundo. Achar que as sociedades sempre se organizaram integrando os jovens às estruturas existentes, e que, portanto, não há nada a fazer a esse respeito, é discurso dos que tem interesse em manter os jovens sob controle, ou seja, é discurso de quem efetivamente tem medo dos jovens – porque tem algo a perder com qualquer mudança no status quo.

“Mas esses movimentos que você mencionou não foram capazes de se constituir como alternativa política efetiva!”, dirão alguns. Esse tipo de afirmação revela, por parte de quem a enuncia, a dificuldade em pensar um mundo efetivamente diferente; é como se a única política possível é aquela que toma o poder, e não aquela que transforma o próprio poder em alguma outra coisa. O que é radicalmente interessante nesses movimentos jovens é a recusa que têm em querer tomar as estruturas de poder existentes. O poder, da forma que este se constitui e manifesta no âmago das sociedades ocidentais, é herança do mundo adulto falido, que a juventude não quer. O que os movimentos juvenis querem é construir um outro mundo, um outro poder, um  mundo que, inclusive, não está predefinido, não existe ainda – e tais jovens não tem medo de viver em incerteza e ambiguidade, posto que estas são marcas de todo momento de transição. Isso, aliás, é uma das coisas que gera ansiedade no mundo dos adultos, porque pode desorganizar o processo através do qual Estados e corporações criam riscos, incutem nas pessoas níveis elevados de medo, e apresentam-se, então, como protetores. Como a história não cansa de mostrar, gente sem medo é um atentado à soberania de Estados fundados no medo.

Enfim, o que eu estou propondo aqui não é que todos rejeitem esse ritual, que desistam do título de bacharel, mas, ao invés disso, que vocês tomem controle sobre a mágica do ritual. Que o título de bacharel não seja uma forma de anular a sua capacidade de efetivamente transformar o mundo, mesmo que à revelia do que querem seus pais, professores, patrões, médicos, juízes, o Estado. Ao contrário, que vocês, ao invés de serem vítimas do título de bacharel, ou seja, de terem que se transformar para caber na persona social com direito oficialmente ratificado de usá-lo, tomem para si a missão de definir o que será ser bacharel, em suas vidas, e na sociedade que irão criar.

Ou seja, e para finalizar, o que eu quero propor de forma substantiva aqui são duas coisas, que considero fundamentais para que vocês estejam preparados para participar na criação de um mundo efetivamente, e não apenas retoricamente, melhor. A primeira é: não acreditem em identidades. Ou, pelo menos, não sejam vítimas delas. Nunca se deixem reduzir a uma ou a um número restrito de possibilidade de ser e estar no mundo: vocês nunca serão apenas jornalistas, publicitários, editores, produtores, diretores, apresentadores ou locutores. Vocês sempre serão muito mais do que isso. As identidades têm o potencial de se transformar em uma forma de tirania, de fascismo, mesmo quando isso se manifesta na forma de conflitos psicológicos internos ao indivíduo. Cada um de vocês não é um, são muitos. As possibilidades para o futuro são infinitas; nunca se deixem convencer, com ou sem rito de passagem, do contrário.

O segundo conselho: não vivam com medo. Do Papai Noel e bicho papão em diante, o mundo adulto administra quem pode efetivamente transformar a sociedade usando o medo. O medo é paralisante, algo que não convém quando o objetivo é mudar algo, e muito menos quando se quer mudar algo grande, como o mundo. A obra de construir um mundo melhor passa, necessariamente, pela desarticulação da grande burocracia do medo que nos controla a todos. Nesse sentido, o trabalho de vocês não será fácil, dado que tal burocracia tem na mídia uma de suas principais ferramentas.

Uma decorrência prática destes dois conselhos – não se deixar levar pela ilusão das identidades ou pelo discurso paralisante do medo -, é que vocês devem estar prontos para enfrentar resistência. Ou seja, não é possível querer mudar o mundo e, ainda assim, viver buscando aplausos; quem efetivamente mudou o mundo, no passado, enfrentou desafios homéricos. A boa notícia é que ninguém mais precisa ser um Ulisses ou um Aquiles; ninguém está sozinho, o movimento já está em curso, e, como diz um dos seus principais expoentes, “somos legião”. Basta a cada um escolher como irá participar: como agente, participante efetivo, ou como observador distante, alguém que, mais tarde, será inevitavelmente arrastado pela corrente.

A civilização do lixo (IHU-Online)

05/12/2012 – 09h49

por Redação do IHU-Online

so3 300x200 A civilização do lixo“O Brasil vivencia nos últimos 20 anos uma escalada na desova de descartes de uma forma que não têm precedentes. Entre 1991 e 2000 a população brasileira cresceu 15,6%. Porém, o descarte de resíduos aumentou 49%. Sabe-se que em 2009 a população cresceu 1%, mas a produção de lixo cresceu 6%”, constata o pesquisador Maurício Waldman.

“Admite-se que atualmente exista um descarte mundial de 30 bilhões de toneladas de resíduos por ano. Seria meritório advertir que os lixos já assumiram os contornos de uma calamidade civilizatória. Em termos mundiais, apenas a quantidade de refugos municipais coletados – estimada em 1,2 bilhões de toneladas – supera nos dias de hoje a produção global de aço, orçada em 1 bilhão de toneladas. Por sua vez, as cidades ejetam rejeitos – 2 bilhões de toneladas – que superam no mínimo em 20% a produção planetária de cereais, demonstrando que o mundo moderno gera mais refugo que carboidrato básico. Contudo, mesmo esta notável volumetria de resíduos parece não satisfazer a obsessão em maximizá-los. O resultado disso é uma autêntica cascata de lixos”. Os dados impressionantes são trazidos pelo consultor ambiental Maurício Waldman, na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line.

Maurício Waldman (foto) é escritor, professor universitário, pesquisador e consultor ambiental. Tem graduação em Sociologia, mestrado em Antropologia e doutorado em Geografia pela Universidade de São Paulo – USP. É pós-doutor pelo Departamento de Geografia do Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Atualmente desenvolve, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – Fapesp, seu segundo pós-doutorado em Relações Internacionais, na FFLCH-USP. Foi chefe da coleta seletiva de lixo da capital paulista e coordenador do meio ambiente em São Bernardo do Campo. É autor e/ou coautor de 15 livros, um dos quais é Lixo: cenários e desafios (São Paulo: Cortez Editora, 2010).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – De modo geral, como você define o problema do lixo na sociedade moderna?

so33 A civilização do lixoMaurício Waldman – Há um problema mundial relacionado ao lixo que é inegável. Neste prisma, um dado que chama a atenção é fornecido pela literatura técnica relacionada com o tema. Admite-se que atualmente exista um descarte mundial de 30 bilhões de toneladas de resíduos por ano. Seria meritório advertir que os lixos já assumiram os contornos de uma calamidade civilizatória. Em termos mundiais, apenas a quantidade de refugos municipais coletados – estimada em 1,2 bilhões de toneladas – supera nos dias de hoje a produção global de aço, orçada em 1 bilhão de toneladas. Por sua vez, as cidades ejetam rejeitos – 2 bilhões de toneladas – que superam no mínimo em 20% a produção planetária de cereais, demonstrando que o mundo moderno gera mais refugo que carboidrato básico.

Contudo, mesmo esta notável volumetria de resíduos parece não satisfazer a obsessão em maximizá-los. O resultado disso é uma autêntica cascata de lixos. Exemplificando, a população norte-americana cresceu quase 2,5 vezes entre 1960 e o ano 2000. Porém, o já magnânimo descarte dos Estados Unidos praticamente triplicou desde 1960.

Adicionalmente, outras peritagens mostram que no ano 2020 a União Europeia estará descartando 45% mais rebotalhos do que em 1995. Na União Europeia, um pormenor candente é que o lixo domiciliar se expandiu inclusive em países com evolução populacional pouco expressiva. No caso espanhol, sete anos (1996-2003), foram suficientes para incrementar os refugos em 40%.

IHU On-Line – E no Brasil, como se situa este problema?

Maurício Waldman – Malgrado uma nebulosa peça acusatória culpabilizar os países do Norte pela geração do lixo, o Brasil – ao lado de outras nações do hemisfério Sul – ocupa uma incômoda posição na questão dos refugos. No caso, tanto pelas proporções como pela média per capita. Na verdade, o lixo brasileiro supera a maioria das nações periféricas. Não seria demasiado sinalizar, que conquanto corresponda a 3,06% da população mundial e 3,5% do PIB global, o Brasil seria, por outro lado, origem de um montante estimado entre 5,5% do total mundial dos resíduos sólidos urbanos. Dito de outro modo: o país é um grande gerador mundial de lixo e deve assumir sua responsabilidade em contribuir para com a resolução do problema.

IHU On-Line – Quais os principais e mais urgentes desafios a serem enfrentados?

Maurício Waldman – A situação não admite vacilação e precisamos adotar de verdade os famosos quatro “Rs”: repensar, reduzir, reutilizar e reciclar. A ordem de aplicação é exatamente essa, começando com repensar e terminando com reciclar. Repensar a sistemática de ejeção dos lixos é fundamental, pois o problema, apesar de normalmente visto como uma problemática econômica, é, em larga escala, um tema também pavimentado por injunções sociais, políticas e culturais.

No caso brasileiro, o país vivencia nos últimos 20 anos uma escalada na desova de descartes de uma forma que não têm precedentes. Entre 1991 e 2000 a população brasileira cresceu 15,6%. Porém, o descarte de resíduos aumentou 49%. Sabe-se que em 2009 a população cresceu 1%, mas a produção de lixo cresceu 6%. Essas dessimetrias são também evidentes em dados como os que indicam a metrópole paulista como o terceiro polo gerador de lixo no globo. Perde apenas para Nova York e Tóquio. Mas devemos reter que São Paulo não é a terceira economia metropolitana do planeta. É a 11a ou 12a. Ou seja, gera-se muito mais lixo do que seria admissível a partir de um parâmetro eminentemente econômico.

IHU On-Line – Qual a relação entre a questão do lixo e o consumo (e a consequente geração de lixo) como indicativo de desenvolvimento?

Maurício Waldman – A cultura organizacional da modernidade, cuja mola mestra são ritmos cada vez mais velozes impostos à produção, obrigatoriamente tem na reposição constante dos bens uma meta estratégica da sua reprodução material. Dito de outro modo: trata-se de conduzir o consumo para a satisfação de necessidades que não se justificam em si mesmas, mas prioritariamente constituem pressuposto para a produção. No seu entrosamento mais literal, validar o dinamismo do mercado implica promover o descarte contínuo dos bens, ejetados pelo carrossel do consumo.

Na perspicaz argumentação do filósofo Abraham Moles, vivemos numa civilização consumidora que produz para consumir e cria para produzir, um ciclo onde a noção fundamental é a de aceleração. Consequentemente, quanto mais rápida for a substituição das mercadorias, tanto mais encorpado será o giro do capital. Quando antes e quanto mais os produtos se tornarem inúteis, tanto maiores serão os lucros. Ainda que a contrapartida seja sobre-explorar os recursos naturais e, é claro, maximizar a geração de lixo. Como seria possível arrematar, este conceito de economia é caduco, ambientalmente irresponsável e não tem condição nenhuma de manter continuidade. Não hesitaria em afirmar que ele se tornou uma ameaça para o futuro da espécie humana. Urge redirecionar a economia para outras vertentes: qualidade de vida, preservação ambiental, utilização racional dos recursos naturais, revisão do estilo de vida e da economia dos materiais.

IHU On-Line – O que deveria fazer parte de um plano de gestão de resíduos municipal ideal?

Maurício Waldman – Essa é uma pergunta muito comum. O interessante é que as pessoas imaginam que seja possível criar um “plano padrão” para a gestão dos resíduos. Isto é, um programa capaz de ser aplicado em qualquer contexto. Para citar um exemplo, chegaram a entrar em contato comigo solicitando um plano para uma cidade de 200 mil habitantes. Como é que pode? Claro que o conhecimento do perfil demográfico importa para a confecção de um plano de gestão de resíduos. Todavia, esse dado por si só é insuficiente. Por exemplo, as cidades de Marabá (Pará), Presidente Prudente (São Paulo) e São Leopoldo (Rio Grande do Sul) possuem contingente populacional semelhante, em torno de 200 mil habitantes. Mas isso não significa que uma estratégia de gestão bem sucedida em São Leopoldo possa ser repetida em Marabá ou em Presidente Prudente.

Então, é importante primeiramente obter dados do perfil do lixo de cada cidade, país ou região, assim como as dinâmicas responsáveis pela ejeção de descartes e, na sequência, trabalhar com os aspectos sociais, econômicos e culturais envolvidos naquilo que se joga fora. Não existe lixo: existem lixos. Expressão plural e não singular.

Outro aspecto essencial é mudar a visão tradicional que observa o lixo unicamente como um resultado. Na realidade, o lixo reporta a um processo, a um dinamismo cujo monitoramento não tem como ser bem sucedido atendo-se a ele enquanto um resultado final. Objetivamente, o importante é pensar as causas, origem dos problemas – e não o fim da linha.

IHU On-Line – Quais são os principais fatores que envolvem o gerenciamento do lixo no plano municipal?

Maurício Waldman – Entendo que existem duas diretrizes matriciais: uma de índole filosófica, que seria o caso, por exemplo, dos quatro “Rs” e outra, atinente aos aspectos logísticos de gestão do lixo. De qualquer modo, assevere-se que nosso temário é o lixo brasileiro, que é dotado de uma série de especificidades que devem estar colocadas no centro das atenções. Em nome dessas peculiaridades que o trabalho dos catadores deve, por exemplo, ser protegido, incentivado e valorizado pelas administrações municipais. Mas isso é o oposto do que acontece na maioria dos casos. Estigmatizados socialmente, o trabalho dos catadores – que corresponde a mais de 98% dos materiais encaminhados às recicladoras – segue, a despeito do seu enorme valor social e ambiental, repudiado, quando não hostilizado abertamente, pelas administrações municipais. É o que pondera nota oficial divulgada pelo Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis em 2010. O manifesto recorda que apenas 142 municípios em todo o país (2,5% do total) mantêm relação de parceria com associações e cooperativas de catadores. Tal situação requer revisão imediata.

IHU On-Line – Como estes fatores então devem ser levados em consideração?

Maurício Waldman – Entendo que o problema do lixo pode, ao menos, ser mitigado com o concurso de procedimentos inteligentes e práticas ambientalmente corretas. Um exemplo bem concreto: dependendo da bibliografia, o volume de detritos orgânicos no lixo domiciliar brasileiro pende entre 52% a 69,6% do total. Qual seja: independentemente da fonte, o que ninguém discute é a magnitude da fração úmida no lixo residencial. Normalmente, o sistema de limpeza urbana desova toda essa portentosa massa de sobras nos aterros. Mas existem outras soluções. Deveríamos priorizar a educação ambiental, trabalhar contra o desperdício.

Afinal, um documento da FAO (órgão da ONU relacionado com a alimentação e agricultura), datado de 2004, revela que o Brasil está entre os dez países que mais jogam comida no lixo, com perda média de 35% da produção agrícola. Segundo levantamentos, cada família brasileira desperdiça cerca de 20% dos alimentos que adquire no período de uma semana e a Companhia Nacional de Abastecimento – Conab estima perdas em grãos em torno de 10% da produção.

Outras avaliações indicam que praticamente 64% do que é cultivado no país acaba lançado na lata de lixo. Isso é um contrassenso manifesto numa nação rotineiramente assediada por campanhas de combate à fome. Portanto, devemos atacar a raiz do problema e parar de pensar que gestão dos resíduos se resume a tirar saquinho da calçada. A gestão dos resíduos deve se situar antes do saquinho, e não depois dele.

IHU On-Line – Mas ainda assim existirão sobras…

Maurício Waldman – Sem dúvida alguma. Inclusive aproveito o momento para questionar o conceito de Lixo Zero. Isso é uma mitologia, uma verdadeira peça de ficção. Toda atividade humana consome água, solicita energia e gera lixo. Essa ponderação vale inclusive para a atividade recicladora. Mas se eliminar lixo é uma afirmação insensata, por outro lado é perfeitamente possível pautar a redução dos rejeitos.

Retomando o caso do lixo culinário, o meio ambiente e as cidades lucrariam muito mais na hipótese de se universalizar a compostagem doméstica do que ficar investindo em caros sistemas de logística de coleta de resíduos, em aterros e incineradores. Com a adoção de minhocários domésticos, a redução do lixo orgânico pode alcançar a proporção de 95% do total. Isso significa que os gastos com coleta de lixo urbano podem retrair em até 50%. Consequentemente, haveria grande economia para o erário público, propiciando mais verba para saúde e educação. Mesmo que apenas uma parcela da população adote o sistema, ainda assim os ganhos seriam consideráveis.

IHU On-Line – Que tipo de lixo é o grande vilão? O domiciliar é um dos maiores?

Maurício Waldman – O lixo jamais constitui vilão. Ele é transformado em um estorvo em razão do papel que os resíduos assumiram na nossa civilização. Como recorda o geógrafo francês Jean Gottman, vivemos um período que poderia ser definido como a Era do Lixo. Esta é a primeira vez na história que os resíduos passaram a ocupar um nexo central nas preocupações humanas. Trata-se de um fato inédito cuja origem é o ineditismo de como os rejeitos são trabalhados pela modernidade.

Quanto à questão do lixo domiciliar faz-se importante lembrar – no que causaria espécie a um difuso senso comum – que os rejeitos residenciais perfazem não mais que 2,5% do total do lixo mundial. Na realidade, o que é descartado pelas residências é suplantado de longe, em ordem de importância, pelos rejeitos da mineração, da indústria e da agropecuária.

Note-se que esses três segmentos são responsáveis pela geração de aproximadamente 91% do lixo planetário, cabendo tanto para a pecuária quanto para a mineração algo mais que a terça parte do total, e para a agricultura cerca de 20%. Na sequência, temos o lixo industrial, com 4%, o entulho, com 3%, e os resíduos sólidos urbanos, com 2,5%.

Entretanto, caberia sublinhar que, embora o lixo domiciliar seja 2,5% nessa conta, processualmente é o mais importante de todos. Isso porque tudo ou quase tudo que se produz no mundo acaba descartado no saquinho que colocamos na calçada ou na lixeira do prédio.

O lixo domiciliar é o último elo de uma longa cadeia de geração de lixos. Segundo a ativista de sustentabilidade norte-americana, Annie Leonard, professora da Universidade Cornell, atrás de cada saquinho colocado na calçada existem 60 outros sacos de lixo descartados no processo da produção. Em resumo, o lixo domiciliar é o último avatar na ciranda da geração de lixos.

IHU On-Line – Quanto lixo é gerado nos municípios brasileiros e o que é feito com ele?

Maurício Waldman – Os dados compilados mais recentes são de 2008. Constam na Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – PNSB, um trabalho do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. Segundo este levantamento, em 2008 eram coletados 183,5 mil toneladas/dia de resíduos sólidos urbanos. Importa esclarecer que para o PNSB a categoria lixo urbano subentende os refugos procedentes do âmbito domiciliar e do comércio e atividades de serviços.

De qualquer modo – para além dos dados impressionantes dos números do IBGE –, a situação da gestão do lixo preocupa no aspecto qualitativo. Por exemplo, na capital paulista cerca de 35% do lixo obtido pela coleta seletiva da administração municipal – que sendo materiais já segregados deveriam ser 100% reaproveitados – é encaminhado para aterros devido a falhas operacionais e logísticas do sistema.

Mesmo Curitiba – cidade icônica em termos de reciclagem – 60% dos materiais desovados nos aterros seriam itens passíveis de reciclabilidade. Em termos técnicos, não há nenhuma cidade de porte no Brasil com reciclagem em termos de excelência. Ademais, no país 60,5% dos municípios descartam lixo de modo inadequado. Para complicar, mais de 6,4 milhões de toneladas sequer são coletadas, sendo despejadas irregularmente ao longo das vias urbanas, em córregos, praias, etc.

Na área rural, a coleta alcança apenas 33% dos domicílios. Ainda com base no PNSB, o documento revela que em 80% do território nacional existem lixões e aterros controlados (na verdade, “lixões melhorados”), sendo que isso acontece justamente nas áreas de maior interesse ambiental: Amazônia, Pantanal, áreas de mangue, cerrado, etc.

IHU On-Line – Qual sua opinião sobre os aterros sanitários como destino do lixo? É a melhor alternativa?

Maurício Waldman – É óbvio que, sendo impossível existir uma sociedade sem resíduos, há um momento no qual o lixo deve ser encaminhando para algum tipo de disposição final.

É importante frisar que o aterro sanitário ao menos atenua alguns dos agravantes relacionados com a disposição irregular dos detritos.

Reconhecidamente, o lixo domiciliar origina efluentes líquidos (chorume) e gasosos (metano), que constituem complicadores ambientais de monta. O chorume é 200 vezes mais impactante que o esgoto quanto à demanda bioquímica de oxigênio (DBO). Em suma, atua como poderoso elemento destrutivo das águas doces. Quanto ao metano, trata-se de item crucial da agenda das mudanças climáticas.

Ainda que as emissões de metano sejam inferiores às do dióxido de carbono (tido como carro-chefe do efeito estufa), seu efeito é consideravelmente maior: cerca de 20 vezes mais. A discussão relacionada com o metano conquista relevância especial pelo fato deste gás ser dotado de preocupante implicação quanto ao aquecimento global. Acredita-se que no Brasil o lixo domiciliar, devido ao elevado teor de matéria orgânica, represente 12% das emissões brasileiras do gás, sendo que a disposição final responde por 84% desse valor. Ora, ao menos os aterros sanitários drenam o metano e coletam o chorume. Outro detalhe importante é que as áreas eleitas para acolherem aterros sanitários requisitam estudos geotécnicos e medidas de implantação precisas e rigorosas.

Em 2008, existiam 1.723 destes equipamentos em operação no Brasil, recebendo 110 mil toneladas/dia de lixo: 58,3% do total nacional. Contudo, advirta-se que, apesar do rigor técnico sugerido pelos aterros sanitários, o modelo incorpora diversos questionamentos, a começar por obrigar a seleção de vastas áreas de terreno – cada vez mais escassas em todo o mundo – exclusivamente para confinar rejeitos. Outro dado é que a pontuação do aterro depende de pessoal técnico qualificado, o que não necessariamente está à disposição. Por fim, os aterros reclamam verbas pesadas para enterrar materiais cuja produção requisitou água, energia, recursos naturais e trabalho humano, um contrassenso a toda prova.

IHU On-Line – E o que dizer dos chamados vazadouros a céu aberto, ou simplesmente lixões? Quais os danos que eles provocam ao meio ambiente e à saúde humana?

Maurício Waldman – Sem meias palavras, o lixão é um verdadeiro caso de polícia. As áreas de lixão no país exibem o que de pior existe na “não gestão” dos rebotalhos. Entre outros problemas temos emissões de chorume e de gás metano sem controle, insetos e toda uma fauna transmissora de doenças, ameaças ao meio ambiente e à população em geral. Essa é a sintomatologia de um lixão. Há aproximadamente 12 mil lixões em atividade ou desativados no território nacional.

Nesse sentido, importaria assinalar que a tão propalada Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS de 2010, embora tenha por meta a extirpação do lixão como “equipamento” para confinamento dos resíduos, foi antecedida neste mister pela Lei de Crimes Ambientais de 1998. Para esta legislação, a deposição de resíduos a céu aberto já era considerada ilegal. Mas pelo jeito, foi uma lei que “não pegou”.

Para complicar, não obstante a apologia que muitos técnicos do Ministério do Meio Ambiente teceram com abnegação inconsequente ao longo de 2010 quanto ao PNRS, existe o fato concreto de que até este momento, apenas 10% dos municípios elaboraram planos de gestão de resíduos. É um fato que preocupa, e muito, todos os especialistas da “lixologia”. Em especial, os que querem ver a erradicação final dos lixões no Brasil.

IHU On-Line – Qual a importância da reciclagem do lixo como alternativa para o problema?

Maurício Waldman – Essa pergunta é instigante, tanto pelo fato da reciclagem ser uma estratégia matricial na minimização dos impactos provocados pela verdadeira avalanche de lixo que está dominando o planeta quanto pelas próprias limitações da atividade recicladora – no que pode surpreender muitos leitores desta entrevista.

Importa esclarecer os seguintes fatos: primeiro, que nas condições como a sociedade e a economia globais estão hoje estruturadas a reciclagem não tem como deter a disseminação do lixo e tampouco impor recuos na expansão dos rebotalhos; segundo, a reciclagem tem se articulado com a dinâmica maior do sistema de produção de mercadorias responsável pela depleção dos recursos naturais e gerador de rejeitos.

Ou seja, foi cooptada pela lógica da produção incessante; terceiro, a reciclagem não contesta a espiral de consumo e apenas a apresenta sob nova roupagem, agora adornada com afetações ambientais e beatificada pelo evangelho do desenvolvimento sustentável. Em síntese, a reciclagem, conforme já sugeri, é somente o último dos quatro Rs. É antecedida em ordem de importância por repensar, reduzir e reutilizar.

IHU On-Line – É viável apostar nela, considerando a sociedade capitalista em que vivemos, onde tudo deve gerar lucro, até o lixo?

Maurício Waldman – Viável ela é e deve ser incentivada. Outra coisa é transformá-la no ícone da defesa do meio ambiente, o que simplesmente não é correto. É preciso rubricar que a ciranda do sistema produtivo, articulada com o que denominei no meu livro Lixo: cenários e desafios, como “cornucópia dos lixos”, tem objetivamente nivelado a zero os ganhos advindos com a recuperação dos materiais.

Exemplificando, embora no caso do papel a atividade recicladora tenha imposto certa desaceleração no crescimento da demanda por polpa de madeira, ela serviu bem mais como complemento do que substituto para a fibra virgem. Sabidamente, nunca se produziu tanta celulose na história humana quanto nos dias atuais. O consumo de materiais celulósicos cresce num nível tão rápido que suplanta a possível poupança de recursos promovida pela recuperação dos papeis.

Outros itens de resíduos repetem o mesmo tipo de desempenho no contexto maior da engenharia econômica. Exemplificando, no Japão, entre 1966 e o ano 2000 a reciclagem do plástico PET cresceu 40%. Todavia, neste mesmo lapso de tempo o consumo duplicou, cancelando o quinhão de benefícios providos pela recuperação desta sucata. O resgate de metal das lixeiras também não consegue acompanhar o ritmo alucinante de consumo de cargas sequestradas do reino mineral.

A produção de aço secundário (metal refundido proveniente da reciclagem) atinge 35% da produção mundial total.

Mas os números globais não param de crescer. Assim, se em 1950 as siderúrgicas produziam 189 milhões de toneladas de aço, em 2008 a produção alcançou 1,3 bilhões de toneladas, quase sete vezes mais. Em tempo, precisamos acima de tudo repensar o conjunto da sociedade contemporânea.

IHU On-Line – Gostaria de acrescentar mais algum comentário?

Maurício Waldman – Sim. Gostaria de destacar que a discussão do lixo põe em xeque a civilização do lixo, impondo uma revolução completa da forma como são produzidas as coisas, como são consumidas e como são descartadas. Cada um de nós deve fazer sua parte sabendo que toda contribuição é necessária e indispensável. É uma tarefa difícil, mas não impossível. Atentemos para as palavras do ambientalista Paul Hawken: “Não se deixem dissuadir por pessoas que não sabem o que não é possível. Façam o que precisa ser feito, e verifiquem se era impossível exclusivamente depois que tiverem terminado”. É isso: sigamos em frente!

* Publicado originalmente no site IHU-Online.