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Cientistas pedem paralização acadêmica em apoio ao movimento Vidas Negras Importam (GIZMODO)

Por Ryan F. Mandelbaum, 9 de junho de 2020. Tradução de Renzo Taddei; revisão de Fernando Martins.

Artigo original

A supremacia branca é parte da organização da ciência e da academia, desde a linguagem racista presente em livros didáticos até uma cultura que exclui cientistas negros do avanço e inovação profissional em ritmo similar ao de seus colegas brancos. Neste momento, no lugar de mais declarações tímidas de apoio e iniciativas de promoção de diversidade racial, os pesquisadores querem ação. Os organizadores do movimento #ShutDownSTEM estão pedindo à comunidade científica que participe de uma paralisação do trabalho na quarta-feira, 10 de junho, para chamar a atenção para o racismo no mundo da pesquisa.

Dois grupos de cientistas, tecnólogos e especialistas em diversidade e inclusão se reuniram para organizar uma paralisação e greve em 10 de junho, com as hashtags #ShutDownAcademia, #ShutDownSTEM e #Strike4BlackLives. Ambos os grupos solicitam aos pesquisadores e acadêmicos que paralisem suas atividades cotidianas e, concentrem-se em ações de longo prazo: educando-se nos problemas enfrentados pelos acadêmicos negros, protestando e elaborando planos com base no trabalho realizado pelos líderes negros para desmantelar o racismo entrincheirado em seus respectivos campos de atuação. Centenas de cientistas, incluindo ganhadores do Prêmio Nobel e pesquisadores renomados, assinaram o compromisso de participar.

“Precisamos assumir a responsabilidade de acabar com o racismo contra pessoas negras em nossas comunidades nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (grupo de disciplinas designadas pela sigla STEM nos países de língua inglesa), e na academia em geral. Isso é extremamente importante por causa do nosso papel na sociedade”, disse Brittany Kamai, física experimental que atua na Universidade da Califórnia, Santa Cruz e no Caltech, ao Gizmodo,. “Vai ser difícil, e a comunidade crescerá com isso. Pedimos a toda a comunidade do STEM e da academia que se comprometam a crescer juntos para erradicar isso”, disse Kamai, organizadora da #ShutDownAcademia/# ShutDownSTEM e nativa do Havaí.

Os protestos contra a violência policial direcionada às pessoas negras nos EUA serviram como catalisador para o movimento #ShutDownAcademia/# ShutDownSTEM colaborar com uma iniciativa de pesquisadores do campo da física, o Partículas para a Justiça (Particles for Justice). Mas essas questões há muito vêm borbulhando na comunidade científica. Um relatório no início deste ano constatou que a já desanimadora percentagem de estudantes negros formados em física não mudou em 10 anos, em parte devido à falta de apoio e orientação, assim como decorrente do declínio no financiamento de faculdades e universidades historicamente negros.

A discriminação contra os cientistas negros também se faz presente de maneira insidiosa. Os laboratórios ainda se referem a parte de equipamentos como “mestre” e “escravo”, enquanto o marco mais comumente discutido na computação quântica é a “supremacia quântica”. Há poucos, se houver algum, periódicos científicos trabalhando de forma ativa para avaliar essa forma de linguagem. Os prédios nos campi das faculdades recebem o nome de pessoas racistas ou que foram proprietários de escravos, e pseudociência costuma ser usada para tentar racionalizar e justificar o racismo.

“Quando [a comunidade acadêmica] tenta mostrar o valor da diversidade e da inclusão, o faz transferindo às pessoas marginalizadas a responsabilidade por sua própria libertação”, comentou Brian Nord, pesquisador do Fermilab, “Eles fazem com que nós, que já estamos inseridos nesse sistema e que enfrentamos os problemas que o sistema criou, realizemos essas atividades e nos juntemos a esses comitês (de promoção de igualdade racial) e todas essas coisas, que acabaram servindo apenas como vitrines … Não há investimento real e compromisso com esta questão”.


Esse trabalho de ativismo coloca os acadêmicos negros em desvantagem e afeta as perspectivas de avanço na carreira, uma vez que os demais pesquisadores destinam período de tempo equivalente para publicar artigos,. Quando surgiram questões de violência policial contra negros, disse Kamai, seus colegas procuraram apoio em outros lugares que não a comunidade acadêmica, como coletivos acadêmicos liderados por negros.

“Não queremos mais seminários sobre diversidade, inclusão e equidade”, disse Chanda Prescod-Weinstein, professora assistente de física e integrante do corpo docente dos estudos de gênero da Universidade de New Hampshire, ao Gizmodo. “Queremos que as pessoas tomem medidas efetivas, incluindo a participação em protestos por justiça. Precisamos que as pessoas sejam ativas na reforma das instituições em que trabalham, em vez de esperar por uma solução de cima para baixo”. Prescod-Weinstein é uma das organizadoras do movimento Particles for Justice.

Tais grupos pedem a todos os cientistas que usem o dia 10 de junho para educar a si mesmos e a seus alunos, organizar protestos, entrar em contato com seus representantes locais e fazer planos de ação sobre como eles trabalharão para mudar a ciência e a academia, ao invés de simplesmente fazer um dia de greve. Igualmente importante, dizem os organizadores, é que os colegas negros usem o dia para priorizar suas necessidades e encontrar apoio em suas comunidades.

Kamai disse que o #ShutDownSTEM não se destina a cientistas diretamente envolvidos na mitigação da pandemia global de covid-19. Ainda assim, o grupo Particles for Justice incentiva os pesquisadores sobre a COVID-19 a tomar um momento na quarta-feira para refletir sobre como seu trabalho pode contribuir para esses pedidos de justiça.

Nord disse ao Gizmodo que espera que os físicos apliquem ao movimento a mesma paixão que eles trazem para descobrir as verdades fundamentais do universo, como se sua vida e a de todos os cientistas negros dependesse disso. “Essa energia e criatividade são o que precisamos. Precisamos que eles tragam sua compaixão e vontade de aprender novos métodos e coisas novas, de pessoas que já sabem como fazer isso. ”

Esses movimentos exigem a participação de aliados não-negros para que as mudanças ocorram, especialmente em campos como a física. “A física de partículas é uma das disciplinas acadêmicas com as mais baixas representações dos cientistas negros”, disse Tien-Tien Yu, professor assistente de física da Universidade do Oregon. “A greve trará atenção a esse fato, e é importante para nós, como comunidade, entender por que a situação está neste ponto, e mais crucialmente, propor soluções concretas. Mas, primeiro, esperamos que os físicos não-negros finalmente aprendam a ouvir o que os cientistas negros vêm dizendo durante todos esses anos”.

Mais de 3.100 acadêmicos se comprometeram a atuar com o Particles for Justice, incluindo os ganhadores do Prêmio Nobel de Física Adam Riess e Art McDonald.

Grupos científicos de primeira importância já declararam sua participação. A plataforma de artigos arXiv, onde os cientistas costumam postar seus trabalhos de pesquisa antes da publicação, não enviará sua comunicação diária. Grupos como o LSST Dark Energy Science Collaboration, o Dark Energy Survey e outros já concordaram em adiar reuniões regulares ou estão planejando discussões com os membros de seus grupos. A Associação Canadense de Físicos também anunciou sua participação.

Os movimentos Particles for Justice e #ShutDownAcademia/#ShutDownSTEM listaram ações que acadêmicos e profissionais da academia interessados em participar podem adotar para desmantelar o racismo em seus respectivos campos.

Ryan F. Mandelbaum, divulgador da ciências, fundador da Birdmodo

Breve reflexão sobre racismo estrutural nos institutos de produção de ciência no Brasil

Renzo Taddei e Fernando Martins – 10 de junho de 2020

Na data de hoje (10/06) aconteceu o enterro de George Floyd. Temos acompanhado as notícias de protestos e um crescimento da indignação social com relação ao racismo ao redor do mundo durante esta última semana. O portal GIZMODO publicou o artigo “Scientists Call for Academic Shutdown in Support of Black Lives” que tomamos a liberdade de traduzir para a língua portuguesa (ver abaixo).

Nosso intuito é promover uma reflexão e discussão sobre as questões raciais na comunidade acadêmica e como, nós professores/pesquisadores compreendemos a questão, e que propostas podemos apresentar para trabalhar esta temática de forma efetiva nas nossas ações, sejam na nossa rotina acadêmica, sejam em nossa vida particular.

Todas as organizações e institutos de produção científica existem dentro de um contexto maior social, cultural, político e econômico. De maneira geral, tais organizações refletem estes elementos do mundo social na forma como existem e levam a cabo suas atividades. Desta forma, disparidades e injustiças históricas que acabaram por transformar-se em parte das estruturas da sociedades maior se fazem presentes também em instituições científicas. Quando tais desigualdades e injustiças vinculam-se a questões raciais, têm-se o chamado racismo estrutural.

O racismo estrutural mantém-se presente mesmo que as pessoas não se comportem de forma intencionalmente racista. Basta que as coisas se reproduzam como são, e as injustiças presentes nas estruturas da realidade se propagam no tempo, mesmo que as pessoas envolvidas não sejam capazes de entender onde exatamente o racismo se encontra.

O fato de que a imensa maioria dos departamentos universitários no Brasil não possuem sequer um professor negro sugere uma de duas alternativas: 1) os acadêmicos negros não se interessam por temas ligados aos temas de pesquisa de tais departamentos; ou 2) o racismo estrutural está vivo e firme entre nós. Obviamente, a primeira opção não faz qualquer sentido, e estamos assumindo que não houve ação racista intencional nos concursos que proveram o corpo docente de cada departamento e instituição.

A ocasião dos movimentos antirracistas no Brasil, nos Estados Unidos e em outros países é propícia para que a campo da ciência no Brasil promova reflexões internas e busque entender se o problema do racismo estrutural existe dentro das instituições, e o que pode ser feito para que diagnósticos sejam elaborados e soluções sejam propostas. É muito provável que exista um componente de racismo estrutural nas formas de ingresso à universidade, tanto na graduação como na pós; nos critérios de avaliação de desempenho de estudantes, na questão das reprovações, no problema da evasão. Só saberemos a respeito com dados empíricos sobre estes temas, em que a variável racial seja tomada em conta.

Universidades, institutos e departamentos precisam formar grupos de trabalho, com docentes, técnicos administrativos e alunos, para debater o problema e propor encaminhamentos.

Segue o texto do artigo traduzido:

CIENTISTAS PEDEM PARALISAÇÃO ACADÊMICA EM APOIO AO MOVIMENTO VIDAS NEGRAS IMPORTAM (GIZMODO)

Por Ryan F. Mandelbaum, 9 de junho de 2020. Tradução de Renzo Taddei; revisão de Fernando Martins.

Artigo original

A supremacia branca é parte da organização da ciência e da academia, desde a linguagem racista presente em livros didáticos até uma cultura que exclui cientistas negros do avanço e inovação profissional em ritmo similar ao de seus colegas brancos. Neste momento, no lugar de mais declarações tímidas de apoio e iniciativas de promoção de diversidade racial, os pesquisadores querem ação. Os organizadores do movimento #ShutDownSTEM estão pedindo à comunidade científica que participe de uma paralisação do trabalho na quarta-feira, 10 de junho, para chamar a atenção para o racismo no mundo da pesquisa.

Dois grupos de cientistas, tecnólogos e especialistas em diversidade e inclusão se reuniram para organizar uma paralisação e greve em 10 de junho, com as hashtags #ShutDownAcademia, #ShutDownSTEM e #Strike4BlackLives. Ambos os grupos solicitam aos pesquisadores e acadêmicos que paralisem suas atividades cotidianas e, concentrem-se em ações de longo prazo: educando-se nos problemas enfrentados pelos acadêmicos negros, protestando e elaborando planos com base no trabalho realizado pelos líderes negros para desmantelar o racismo entrincheirado em seus respectivos campos de atuação. Centenas de cientistas, incluindo ganhadores do Prêmio Nobel e pesquisadores renomados, assinaram o compromisso de participar.

“Precisamos assumir a responsabilidade de acabar com o racismo contra pessoas negras em nossas comunidades nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (grupo de disciplinas designadas pela sigla STEM nos países de língua inglesa), e na academia em geral. Isso é extremamente importante por causa do nosso papel na sociedade”, disse Brittany Kamai, física experimental que atua na Universidade da Califórnia, Santa Cruz e no Caltech, ao Gizmodo,. “Vai ser difícil, e a comunidade crescerá com isso. Pedimos a toda a comunidade do STEM e da academia que se comprometam a crescer juntos para erradicar isso”, disse Kamai, organizadora da #ShutDownAcademia/# ShutDownSTEM e nativa do Havaí.

Os protestos contra a violência policial direcionada às pessoas negras nos EUA serviram como catalisador para o movimento #ShutDownAcademia/# ShutDownSTEM colaborar com uma iniciativa de pesquisadores do campo da física, o Partículas para a Justiça (Particles for Justice). Mas essas questões há muito vêm borbulhando na comunidade científica. Um relatório no início deste ano constatou que a já desanimadora percentagem de estudantes negros formados em física não mudou em 10 anos, em parte devido à falta de apoio e orientação, assim como decorrente do declínio no financiamento de faculdades e universidades historicamente negros.

A discriminação contra os cientistas negros também se faz presente de maneira insidiosa. Os laboratórios ainda se referem a parte de equipamentos como “mestre” e “escravo”, enquanto o marco mais comumente discutido na computação quântica é a “supremacia quântica”. Há poucos, se houver algum, periódicos científicos trabalhando de forma ativa para avaliar essa forma de linguagem. Os prédios nos campi das faculdades recebem o nome de pessoas racistas ou que foram proprietários de escravos, e pseudociência costuma ser usada para tentar racionalizar e justificar o racismo.

“Quando [a comunidade acadêmica] tenta mostrar o valor da diversidade e da inclusão, o faz transferindo às pessoas marginalizadas a responsabilidade por sua própria libertação”, comentou Brian Nord, pesquisador do Fermilab, “Eles fazem com que nós, que já estamos inseridos nesse sistema e que enfrentamos os problemas que o sistema criou, realizemos essas atividades e nos juntemos a esses comitês (de promoção de igualdade racial) e todas essas coisas, que acabaram servindo apenas como vitrines … Não há investimento real e compromisso com esta questão”.

Esse trabalho de ativismo coloca os acadêmicos negros em desvantagem e afeta as perspectivas de avanço na carreira, uma vez que os demais pesquisadores destinam período de tempo equivalente para publicar artigos,. Quando surgiram questões de violência policial contra negros, disse Kamai, seus colegas procuraram apoio em outros lugares que não a comunidade acadêmica, como coletivos acadêmicos liderados por negros.

“Não queremos mais seminários sobre diversidade, inclusão e equidade”, disse Chanda Prescod-Weinstein, professora assistente de física e integrante do corpo docente dos estudos de gênero da Universidade de New Hampshire, ao Gizmodo. “Queremos que as pessoas tomem medidas efetivas, incluindo a participação em protestos por justiça. Precisamos que as pessoas sejam ativas na reforma das instituições em que trabalham, em vez de esperar por uma solução de cima para baixo”. Prescod-Weinstein é uma das organizadoras do movimento Particles for Justice.

Tais grupos pedem a todos os cientistas que usem o dia 10 de junho para educar a si mesmos e a seus alunos, organizar protestos, entrar em contato com seus representantes locais e fazer planos de ação sobre como eles trabalharão para mudar a ciência e a academia, ao invés de simplesmente fazer um dia de greve. Igualmente importante, dizem os organizadores, é que os colegas negros usem o dia para priorizar suas necessidades e encontrar apoio em suas comunidades.

Kamai disse que o #ShutDownSTEM não se destina a cientistas diretamente envolvidos na mitigação da pandemia global de covid-19. Ainda assim, o grupo Particles for Justice incentiva os pesquisadores sobre a COVID-19 a tomar um momento na quarta-feira para refletir sobre como seu trabalho pode contribuir para esses pedidos de justiça.

Nord disse ao Gizmodo que espera que os físicos apliquem ao movimento a mesma paixão que eles trazem para descobrir as verdades fundamentais do universo, como se sua vida e a de todos os cientistas negros dependesse disso. “Essa energia e criatividade são o que precisamos. Precisamos que eles tragam sua compaixão e vontade de aprender novos métodos e coisas novas, de pessoas que já sabem como fazer isso. ”

Esses movimentos exigem a participação de aliados não-negros para que as mudanças ocorram, especialmente em campos como a física. “A física de partículas é uma das disciplinas acadêmicas com as mais baixas representações dos cientistas negros”, disse Tien-Tien Yu, professor assistente de física da Universidade do Oregon. “A greve trará atenção a esse fato, e é importante para nós, como comunidade, entender por que a situação está neste ponto, e mais crucialmente, propor soluções concretas. Mas, primeiro, esperamos que os físicos não-negros finalmente aprendam a ouvir o que os cientistas negros vêm dizendo durante todos esses anos”.

Mais de 3.100 acadêmicos se comprometeram a atuar com o Particles for Justice, incluindo os ganhadores do Prêmio Nobel de Física Adam Riess e Art McDonald.

Grupos científicos de primeira importância já declararam sua participação. A plataforma de artigos arXiv, onde os cientistas costumam postar seus trabalhos de pesquisa antes da publicação, não enviará sua comunicação diária. Grupos como o LSST Dark Energy Science Collaboration, o Dark Energy Survey e outros já concordaram em adiar reuniões regulares ou estão planejando discussões com os membros de seus grupos. A Associação Canadense de Físicos também anunciou sua participação.

Os movimentos Particles for Justice e #ShutDownAcademia/#ShutDownSTEM listaram ações que acadêmicos e profissionais da academia interessados em participar podem adotar para desmantelar o racismo em seus respectivos campos.

Ryan F. Mandelbaum, divulgador da ciências, fundador da Birdmodo

Crédito: Antonio O. Silva

Universidades não têm diagnóstico da saúde mental de seus alunos de pós (Folha de S.Paulo)

FERNANDO TADEU MORAES
DE SÃO PAULO

As principais universidades brasileiras não sabem o que se passa com a saúde mental de seus estudantes de pós-graduação.

É o que se depreende das respostas que 19 instituições de ensino superior deram ao questionário enviado pela reportagem sobre o assunto. Foram procuradas as 20 primeiras colocadas do Ranking Universitário Folha (RUF ) além da melhor da região Norte, a UFPA. Juntas, elas abrigam mais de 70% dos alunos de mestrado e doutorado do país. Apenas PUC-Rio e UnB não responderam.

SAÚDE MENTAL NA PÓS

Na última segunda (18), a Folhapublicou reportagem com parte dos quase 300 depoimentos enviados ao jornal por alunos de mestrado e doutorado de todo o Brasil em que eles contam suas agruras e dificuldades durante a pós.

À pergunta “Qual é o diagnóstico da instituição sobre a saúde mental de seus alunos de pós-graduação?”, sete universidades afirmaram que não possuíam um; seis não responderam à questão e seis manifestaram algum tipo de preocupação com o assunto, sem, porém, apresentarem qualquer resposta concreta acerca do tema.

“Ainda não há a percepção, dentro da universidade, de que essas questões são ligadas ao ensino e à vida acadêmica. Em geral, considera-se que é um problema do aluno”, diz Tânia de Mello, coordenadora do Serviço de Assistência Psicológica e Psiquiátrica ao Estudante da Unicamp.

“Como a universidade poderá ter um diagnóstico de algo que ela nem considera um problema?”, questiona.

Para o psicólogo Robson Cruz, professor da PUC-MG e pesquisador da saúde mental de estudantes de pós, outra razão para a falta de atenção das universidades a essa questão é a dificuldade de lidar com ela, já que os problemas variam de acordo com a área.

Nas humanas, por exemplo, a relação com a escrita –como elaboração da tese e artigos– pode ser a parte mais penosa. Já nas áreas experimentais, a maior questão é a carga excessiva de trabalho dentro de um laboratório, explica Cruz.

ATENDIMENTO

Todas as instituições procuradas possuem algum tipo de assistência psicológica e psiquiátrica, seja em serviços voltados ao corpo discente ou a toda a comunidade universitária. Nenhuma, porém, possui uma assistência específica para a pós-graduação.

“Existe um certo entendimento de que o pós-graduando, por já ter passado pela graduação e em geral ter bolsa, é alguém que possui autonomia e independência, quase um pesquisador, e que, portanto, não precisaria receber muito apoio. É um engano”, diz Eduardo Benedicto, coordenador do Centro de Orientação Psicológica da USP de Ribeirão Preto.

Na visão de Cruz, diante das especificidades da pós, seria necessário um treinamento especializado de profissionais para lidar com esses estudantes.

Já Tânia de Mello acredita não ser necessária tal especialização. “Claro que ajuda quando você entende esse universo, mas uma boa rede de acolhimento deve conseguir dar conta dessas questões.”

O mais importante, diz, é haver uma boa estrutura de acolhimento no momento de crise. “Teria de ser algo acessível. A continuidade do tratamento pode até ser feita em outro lugar. É como funciona a maior parte dos serviços nos EUA e no Reino Unido”, diz Mello.

Ressaltando que se trata de uma realidade diversa da brasileira, Mello cita como exemplo a Universidade de Berkeley, nos EUA, que disponibiliza uma linha direta para que os estudantes em crise possam ligar, com divisão por língua, origem étnica e orientação sexual. “Não há nada similar por aqui.”

PREVENÇÃO

No campo da prevenção e da educação, o quadro parece ainda pior. Nove das 19 universidades ou não possuem ou não informaram a existência de ações nesse sentido. As dez restantes ou promovem iniciativas esporádicas (não vinculados a programas específicos), reduzidas, ou ainda estão implantando ações mais robustas.

Nenhuma, no entanto, implementou medidas que visem preparar o docente para para lidar com seus alunos, sobretudo orientandos, algo considerado fundamental pelos especialistas ouvidos.

“Temos de preparar os orientadores para ter uma visão mais humana da orientação”, afirma Eduardo Benedicto.

Mello lembra que “em geral, o docente não tem subsídios para lidar com a questão, pois não recebe qualquer treinamento das universidades para identificar e ajudar o aluno que enfrenta um transtorno mental.”
Cruz, por sua vez, aponta que o problema é mais embaixo e deveria ser objeto da própria formação dos docentes. “Eles simplesmente não são preparados para serem orientadores. Não há nenhuma ênfase, durante o mestrado e o doutorado, em ensino, didática, relação interpessoal, processo de orientação etc.”

Além de ações voltadas aos docentes, os especialistas sugerem a criação de “espaços de segurança” em que os alunos possam confidenciar suas angústias e fazer denúncias de assédio moral e sexual.

“Seriam espaços onde as pessoas pudessem falar com mais naturalidade sobre o tema e desmistificá-lo, ou seja, deixar claro que esse sofrimento existe, que tem a ver com a pós e que se pode falar disso”, afirma Tânia de Mello.

Universidades que enviaram respostas: Ufscar, UFRJ, UFPA, Univ. Fed. de Santa Maria, UFF, UFMG, UFC, UFBA, UFPR, Univ. Fed. de Viçosa, Unicamp, USP, Unesp, PUC-RS, Unifesp, Uerj, UFPE, UFSC, UFRGS

Hardly the soft sciences (The Hindu)

ROHAN D’SOUZA

June 10, 2015

The social sciences and humanities will be critical in helping us understand what the sciences will become in the future

DISMANTLING THE OLD:“There is an urgent need to initiate a generational change in India’s university leadership.” Picture shows graduation day in the University of Hyderabad.— PHOTO: MOHAMMED YOUSUF

DISMANTLING THE OLD:“There is an urgent need to initiate a generational change in India’s university leadership.” Picture shows graduation day in the University of Hyderabad.— PHOTO: MOHAMMED YOUSUF

Common sense has defeated the social sciences and humanities in India. As the rush for college seats begin, parents worry if there are any viable options outside of medicine, engineering, management or studying abroad. What good would a B.A. in history or sociology do other than a roll-of-the-dice chance at the civil services? As a historian, I have often faced blunt questions: what can a job prospect possibly be if you spend three/four years learning the causes of Mughal decline or the Permanent Settlement of 1793? This ably describes why most people see the social sciences, with the exception of economics, as a losing proposition. But has the tide begun to turn?

One of the most significant bursts of funding in the social sciences and the humanities occurred during the Cold War years. The United States, keen as it was then to establish spheres of influence, invested heavily to learn about how societies understood themselves and which ideology appealed to what individual. The money ran into hundreds of millions of dollars with the Ford Foundation, the Rockefeller Foundation and the Carnegie Corporation of New York pulling funds from deep pockets. The Social Science Research Council and the American Council of Learned Societies were other key players who helped sponsor innumerable workshops, conferences and academic seminars. These efforts resulted not only in a vast number of publications, but helped develop many enduring concepts which arguably continue to explain the world we live in. Scores of scholars, research communities and university departments, in being caught up in strategic concerns, ended up harnessing the social sciences and humanities to understand how nations and societies dealt with authority, ideologies, politics and power. Hardly the ‘soft sciences’!

With the fall of the Berlin Wall and the collapse of the Soviet Union, funding for the Area Studies expectedly dried up. On the other hand, academic explorations under the rubrics of nation-making, democracy, globalisation and multiculturalism could hardly wield the previous heft.

In a study published in Research Trends (2013), Gali Halevi and Judit Bar-Ilanit point out that globally the financing for humanities sharply fell between 2009 and 2012. In part, while the 2008 financial crisis could be blamed for the sudden yanking of the proverbial rug, the loss in the lustre of the social sciences had already begun by the mid-1990s following the steady commercialisation of education. Unsurprisingly, student debt and education loans fell harder on those in the social sciences, arts and humanities than they did on those pursuing vocational skills such as engineering. At heart, however, this big turn against the ‘soft sciences’ was what Bill Reading described, in his classic The University in Ruins (1996), as the sustained attempt to transform the university from previously serving as an “ideological arm of the nation-state” to instead now being redesigned as a “consumer oriented corporation”. By morphing the citizen-student into a consumer-student (weighed in by debt), the actual rout of the social sciences was announced.

Reduced funding

It is amidst the aftershocks of this change in the meaning of education that we should make sense of Ella Delany’s startling report in The New York Times (December, 2013) in which she catalogues a growing disquiet against the humanities and social sciences. In 2012, a task force convened by Governor Rick Scott of Florida recommended that students majoring in liberal arts and social science subjects be made to pay higher tuition fees as they were in “nonstrategic disciplines”. Australian Prime Minister Tony Abbott in 2013 “reprioritised” 103 million Australian dollars from research in the humanities into medical research. In Britain, Robin Jackson, chief executive of the British Academy for the humanities and social sciences, in 2011 announced that direct government funding for humanities had been withdrawn and was to be replaced by tuition fees “backed up by government loans”.

Is this total defeat? Ironically, just as the social sciences and the humanities are being written off in many countries, there have emerged vigorous calls for resituating its importance. Notably, climate change research and global environmental change programmes the world over are stridently advocating for what they term as the urgent need for “integrated analyses”. It is imperative, they argue, that the natural sciences be drawn into productive dialogues with the social sciences in order to explore critical themes such as global sustainability and green development.

One of the most significant international science initiatives in recent times called the Future Earth has, in fact, in their ‘Strategic Research Agenda’ (2014) urged for initiating a new generation in interdisciplinary and integrated research which can grapple with the realities of a warming planet. The initiative, however, is not entirely novel. For decades now, interdisciplinary efforts such as science studies, environmental history and full-fledged post graduate programmes under the rubric of science-technology-environment-medicine (STEM) have successfully broken down the hard divides between the natural sciences, social sciences and the humanities. These interdisciplinary initiatives have also compellingly revealed that the natural sciences are ideologically driven and are often oriented by political practice. In effect, the social sciences and humanities will be critical to help us understand what the sciences will become in the future. Significantly, given that an entirely new script for economic behaviour is being drafted in the context of climate change, these conversations have acquired pressing strategic consequences for the developing world.

The Indian scenario

The university system in India is, unfortunately, ill-prepared to take up these challenges. In part, it has put all its research and teaching eggs on the vice-chancellor system for administering higher education. The vice-chancellorship, as an organisational logic, is an ailing legacy and remains a bad marriage between the Mughal Jagirdari system and the rigidity of the British colonial bureaucracy. The higher you go up the administrative ladder, there is less transparency, accountability and intellectual oxygen.

There is an urgent need to initiate a generational change in our university leadership, with fresh blood and new ideas brought in with rigorous metrics to judge the performance and contributions at the very top of the administrative chain. If the social sciences and the humanities in India are to be cutting edge by providing knowledge for the future, then the old has to be entirely dismantled.

(Rohan D’Souza is associate professor at the Graduate School of Asian and African Area Studies, Kyoto University.)

The natural sciences should be drawn into dialogues with the social sciences to explore critical themes such as global sustainability

Academia’s indentured servants (Al Jazeera)

Outspoken academics are rare: most tenured faculty have stayed silent about the adjunct crisis, notes Kendzior.

Last Modified: 11 Apr 2013 11:19

Sarah Kendzior

“To work outside of academia, even temporarily, signals you are not “serious” or “dedicated” to scholarship,” writes author [AP]

On April 8, 2013, the New York Times reported that 76 percent of American university faculty are adjunct professors – an all-time high. Unlike tenured faculty, whose annual salaries can top $160,000, adjunct professors make an average of $2,700 per course and receive no health care or other benefits.

Most adjuncts teach at multiple universities while still not making enough to stay above the poverty line. Some are on welfare or homeless. Others depend on charity drives held by their peers. Adjuncts are generally not allowed to have offices or participate in faculty meetings. When they ask for a living wage or benefits, they can be fired. Their contingent status allows them no recourse.

No one forces a scholar to work as an adjunct. So why do some of America’s brightest PhDs – many of whom are authors of books and articles on labour, power, or injustice – accept such terrible conditions?

“Path dependence and sunk costs must be powerful forces,” speculates political scientist Steve Saidemen in a post titled “The Adjunct Mystery”. In other words, job candidates have invested so much time and money into their professional training that they cannot fathom abandoning their goal – even if this means living, as Saidemen says, like “second-class citizens”. (He later downgraded this to “third-class citizens”.)

With roughly 40 percent of academic positions eliminated since the 2008 crash, most adjuncts will not find a tenure-track job. Their path dependence and sunk costs will likely lead to greater path dependence and sunk costs – and the costs of the academic job market are prohibitive. Many job candidates must shell out thousands of dollars for a chance to interview at their discipline’s annual meeting, usually held in one of the most expensive cities in the world. In some fields, candidates must pay to even see the job listings.

Given the need for personal wealth as a means to entry, one would assume that adjuncts would be even more outraged about their plight. After all, their paltry salaries and lack of departmental funding make their job hunt a far greater sacrifice than for those with means. But this is not the case. While efforts at labour organisation are emerging, the adjunct rate continues to soar – from 68 percent in 2008, the year of the economic crash, to 76 percent just five years later.

Contingency has become permanent, a rite of passage to nowhere.

A two-fold crisis

The adjunct plight is indicative of a two-fold crisis in education and in the American economy. On one hand, we have the degradation of education in general and higher education in particular. It is no surprise that when 76 percent of professors are viewed as so disposable and indistinguishable that they are listed in course catalogues as “Professor Staff”, administrators view computers which grade essays as a viable replacement. Those who promote inhumane treatment tend to not favour the human.

On the other hand, we have a pervasive self-degradation among low-earning academics – a sweeping sense of shame that strikes adjunct workers before adjunct workers can strike. In a tirade for Slate subtitled “Getting a literature PhD will turn you into an emotional trainwreck, not a professor”, Rebecca Schuman writes:

“By the time you finish – if you even do – your academic self will be the culmination of your entire self, and thus you will believe, incomprehensibly, that not having a tenure-track job makes you worthless. You will believe this so strongly that when you do not land a job, it will destroy you.”

Self-degradation sustains the adjunct economy, and we see echoes of it in journalism, policy and other fields in which unpaid or underpaid labour is increasingly the norm. It is easy to make people work for less than they are worth when they are conditioned to feel worthless.

Thomas A Benton wrote in 2004, before tackling the title question, “Is Graduate School a Cult?”:

“Although I am currently a tenure-track professor of English, I realise that nothing but luck distinguishes me from thousands of other highly-qualified PhD’s in the humanities who will never have full-time academic jobs and, as a result, are symbolically dead to the academy.”

Benton’s answer is yes, and he offers a list of behaviour controls used by cults – “no critical questions about leader, doctrine, or policy seen as legitimate”, “access to non-cult sources of information minimised or discouraged” – that mirror the practices of graduate school. The author lived as he wrote: it was later revealed that “Thomas A Benton” was a pseudonym used by academic William Pannapacker when he wrote for the Chronicle of Higher Education – a publication said to employ more pseudonyms than any other American newspaper. The life of the mind is born of fear.

Some may wonder why adjuncts do not get a well-paying non-academic job while they search for a tenure-track position. The answer lies in the cult-like practices Pannapacker describes. To work outside of academia, even temporarily, signals you are not “serious” or “dedicated” to scholarship. It does not matter if you are simply too poor to stay: in academia, perseverance is redefined as the ability to suffer silently or to survive on family wealth. As a result, scholars adjunct in order to retain an institutional affiliation, while the institution offers them no respect in return.

Dispensable automatons

Is academia a cult? That is debatable, but it is certainly a caste system. Outspoken academics like Pannapacker are rare: most tenured faculty have stayed silent about the adjunct crisis. “It is difficult to get a man to understand something when his job depends on not understanding it,” wrote Upton Sinclair, the American author famous for his essays on labour exploitation. Somewhere in America, a tenured professor may be teaching his work, as a nearby adjunct holds office hours out of her car.

“It is easy to make people work for less than they are worth when they are conditioned to feel worthless.”

On Twitter, I wondered why so many professors who study injustice ignore the plight of their peers. “They don’t consider us their peers,” the adjuncts wrote back. Academia likes to think of itself as a meritocracy – which it is not – and those who have tenured jobs like to think they deserved them. They probably do – but with hundreds of applications per available position, an awful lot of deserving candidates have defaulted to the adjunct track.

The plight of the adjunct shows how personal success is not an excuse to excuse systemic failure. Success is meaningless when the system that sustained it – the higher education system – is no longer sustainable. When it falls, everyone falls. Success is not a pathway out of social responsibility.

Last week, a corporation proudly announced that it had created a digital textbook that monitors whether students had done the reading. This followed the announcement of the software that grades essays, which followed months of hype over MOOCs – massive online open courses – replacing classroom interaction. Professors who can gauge student engagement through class discussion are unneeded. Professors who can offer thoughtful feedback on student writing are unneeded. Professors who interact with students, who care about students, are unneeded.

We should not be surprised that it has come to this when 76 percent of faculty are treated as dispensable automatons. The contempt for adjuncts reflects a general contempt for learning. The promotion of information has replaced the pursuit of knowledge. But it is not enough to have information – we need insight and understanding, and above all, we need people who can communicate it to others.

People who have the ability to do this are not dispensable. They should not see themselves this way, and they should not be treated this way. Fight for what you are worth, adjuncts. Success is solidarity.

Sarah Kendzior is a writer and analyst who studies digital media and politics. She has a PhD in anthropology from Washington University.

Bem-vindos ao mundo dos adultos. Ou não? (Canal Ibase)

http://www.canalibase.org.br/bem-vindos-ao-mundo-dos-adultos-ou-nao/

11/03/2013

Renzo Taddei
Colunista do Canal Ibase

O texto abaixo é uma reflexão sobre o que significa hoje, em face às crises globais –  política, econômica e ambiental -, atravessar a fronteira que separa o mundo dos jovens do dos adultos. Foi escrito por ocasião de minha indicação a paraninfo da turma de formandos do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e lido em cerimônia de colação de grau, no dia 2 de março de 2013. O texto, no entanto, fala não apenas aos graduandos da referida turma, mas a todos os jovens que se acham de alguma forma interpelados pelas exigências do mundo adulto, interpelação esta que se dá na forma de pressão para que tais jovens se conformem e se adequem às estruturas e formas de organização social existentes. Por essa razão, decidi reproduzi-lo nesta coluna. O texto foi mantido tal qual foi apresentado.

 

Foto: adam.declercq/Flickr

Inicialmente não posso deixar de agradecer a minha indicação a paraninfo da turma, coisa que verdadeiramente me emocionou. Essa é a primeira vez que isso me acontece. E como seria de se esperar de um paraninfo de primeira viagem, fui pesquisar do que se trata. A rigor, o paraninfo é um padrinho ligado à identidade profissional dos formandos, alguém de quem se espera que diga algo no rito de passagem da formatura que seja ao mesmo tempo uma última aula – mas não exatamente, porque nesse momento vocês não são mais estudantes -, e que seja também o primeiro conselho profissional – mas não exatamente, porque nesse momento vocês ainda não estão formados. Vocês estão, nesse exato instante, em processo de transformação. Entraram nesse auditório como estudantes, e vão sair como bacharéis. Por isso a colação de grau é um rito de passagem: vocês saem diferentes do que entram, alguma coisa se transforma no processo. Nesse meu discurso, quero falar um pouco sobre isso que muda, que se transforma. E como isso se transforma, em que direção, pra onde vai.

Alguns de vocês certamente devem estar se perguntado se eu não vou simplesmente congratular os formandos e dizer que o Brasil precisa deles, que se esforcem para fazer desse um país melhor, que agora eles tem uma responsabilidade para com a sociedade, etc.– o discurso padrão, pré-formatado, disponível na Internet. Pois é, não vou. Isso seria perder o tempo de vocês e o meu. Se vocês me elegeram paraninfo – eu, que não sou jornalista, publicitário, editor, produtor, diretor, apresentador ou locutor; eu, que nem sequer sou professor das habilitações profissionais da Escola de Comunicação, mas ao invés disso sou um humilde professor de disciplina do ciclo básico, antropologia -, alguma razão deve haver. Nem que ela seja apenas certo gosto por viver perigosamente (dado que quem teve aula comigo sabe que eu tenho certa tendência a ser provocador e subversivo).

De qualquer forma, não posso evitar certo ponto de vista antropológico. Então, gostaria inicialmente de dizer que vocês são privilegiados. Já foram mais longe do que o Bill Gates e o Steve Jobs – ambos abandonaram os estudos universitários, e, portanto, não viveram esse rito de passagem que vocês vivem aqui hoje. Mas obviamente não é disso que quero falar. De certa forma, se há uma equivalência ou continuidade entre esse rito de passagem, a graduação universitária, e os ritos de passagem vividos por outras coletividades e grupos sociais, essa equivalência existe nos rituais nos quais um indivíduo passa a desempenhar, de forma integral, papéis de adulto. Esses são tradicionalmente chamados ritos de puberdade. “Mas a puberdade já passou faz tempo!”, vocês me dirão. Pois é aí mesmo onde reside o privilégio: entre deixar de ser criança e passar à condição de adulto, de forma integral, nossa civilização criou a adolescência, esse período que não acaba nunca, e onde tudo é mal definido, esquisito, tudo está de alguma forma fora do lugar, sem que se saiba exatamente o porquê. Em geral, a adolescência não existe nas culturas não ocidentais, e não existia no mundo ocidental até por volta da década de 1880. Na visão de muitos povos não ocidentais, o que nós ocidentais fazemos é infantilizar os indivíduos por quase uma década, e depois exigimos maturidade, como se ela surgisse num passe de mágica. Mas sabemos que as coisas entre nós não se dão exatamente dessa forma.

Ou seja, se vocês fossem índios – isto é, se não forem; quem sabe alguém aqui seja – já teriam passado pelo ritual que faz de alguém um adulto há muito tempo. Como vocês podem ver, não há qualquer relação entre ser adulto, no sentido que estou usando aqui, e uma determinada idade cronológica. Em algumas sociedades pode-se ganhar o status de adulto aos 7 anos; em outras,  como no mundo acadêmico em que eu vivo, por exemplo, a cidadania integral só se consegue com a obtenção do título de doutor, e a vida adulta raramente começa antes dos 30 anos. Tomemos então o conceito de adulto como equivalente a estar integrado de forma plena à ordem social vigente, às instituições centrais do meio social em que o indivíduo vive.

Voltando ao rito de passagem, um rito que funcione como tal não é apenas uma formalidade. Ele opera uma certa mágica, algo que efetivamente transforma quem por ele passa. A famosa frase “eu vos declaro marido e mulher”, ou a temida “eu declaro o réu culpado”, tem o poder de operar uma transformação real na identidade do sujeito; transformação que não ocorreria sem a existência do rito. Infelizmente, grande parte dos nossos ritos se burocratizou. O que os exemplos antropológicos mostram é que os ritos de passagem mais eficazes são aqueles em que o simbolismo associado à transformação da identidade é vivido materialmente, através de objetos capazes de grande mobilização emocional – como a hóstia, as alianças, o anel de formatura, o diploma, os trajes especiais -, e mais ainda quando essa materialidade é vivida no corpo – como as distintas formas de circuncisão, as escarificações (a produção de cicatrizes), tatuagens específicas, o corte dos cabelos, os estados de transe e outras práticas que envolvem alguma forma de dor. Numa conhecida prática que é parte do ritual de puberdade dos índios Maués e de outras tribos amazônicas, por exemplo, os jovens são levados a inserir uma das mãos em uma luva cheia de formigas tucandeiras, e devem suportar, por 15 minutos, a dor das ferroadas. Em nossa sociedade há muitos rituais que deixam marcas no corpo e que envolvem sofrimento: sem mencionar o “pede pra sair” do Capitão Nascimento, outro exemplo talvez igualmente chocante – pra quem não é da nossa tribo, obviamente – é o fato de que muita gente acha que antes de aparecer nas fotos de celebrações como essa, é preciso deformar o corpo de alguma forma: suando muito nas academias, submetendo-se a dietas alimentares agressivas, e até a cirurgias plásticas. Perto disso tudo, a monografia de graduação parece moleza.

Mas qual a necessidade disso tudo? Por que a transição à vida adulta não ocorre de forma gradual, sem que um ritual marque o momento, produzindo uma singularidade no transcorrer da vida que desordena e reordena as coisas? Num texto publicado há alguns anos no Brasil, Levi-Strauss narra e analisa um fato ocorrido na cidade de Dijon, França, no ano de 1951, que pode nos ajudar a entender essa questão. Mais precisamente no dia 24 de dezembro daquele ano, padres promoveram o enforcamento da figura do Papai Noel, que posteriormente foi queimado, em frente à catedral da cidade. A acusação: paganizar o Natal. No dia seguinte, o velhinho foi ressuscitado pela prefeitura da cidade, e apareceu no topo do prédio do governo municipal, falando às crianças, como fazia tradicionalmente. Essa sequência de eventos naturalmente gerou um intenso debate, que se espalhou por toda a França. Na opinião de Levi-Strauss, no entanto, mais importante do que discutir se se deve dar cabo ou não do Papai Noel, ou porque as crianças gostam tanto dele, é tentar entender por que é que os adultos o criaram, em primeiro lugar. Afinal, o Papai Noel não é invenção das crianças; estas são levadas a acreditar nele, por influência direta dos adultos. A resposta é bastante óbvia: o Papai Noel é um instrumento através do qual os adultos exercem controle sobre as crianças. “Só ganha presente quem se comportar bem, deitar-se quando mandado, comer tudo”. Levi-Strauss segue adiante para mostrar que os dados antropológicos são abundantes em relação ao fato de que os adultos temem as crianças, ou os não-ainda-plenamente-adultos.

E por que é que os adultos temem as crianças e os jovens, os não-ainda-plenamente-adultos? Porque esses têm o poder de bagunçar a vida adulta, desorganizar a ordem estabelecida, são subversivos por natureza – e, em muitas tradições, inclusive a nossa, isso literalmente é entendido como uma questão de natureza, em oposição à sociedade: as crianças são parte do mundo da natureza, mundo esse que é ao mesmo tempo uma ameaça ao mundo social, essencialmente dos adultos (e, frequentemente, dos homens), e precisa ser conquistado por este. Esse medo resulta na criação de personagens como o Papai Noel e o bicho papão, apenas para mencionar dois exemplos mais familiares; resulta também na necessidade de submeter os ainda-não-adultos a ritos de passagem psicologicamente intensos, de modo a construir, através do rito, um novo adulto, desnaturalizado e socializado.

E aqui estamos chegando ao que interessa. O que eu acabo de dizer é que todo ritual tem um duplo efeito: por um lado, transforma a identidade de quem passa por ele, de modo que o indivíduo interiorize os valores da sociedade e localize-se, de forma produtiva, nela; por outro, o ritual promove a ratificação dos poderes instituídos, o reforço das estruturas de poder, do status quo. Nesse mesmo ritual que vivemos aqui, no momento em que cada um de vocês ganha a credencial de bacharel, renova-se a sacralidade da universidade enquanto poder instituído legitimamente, com autoridade para traçar a linha dos que têm e dos que não têm acesso aos privilégios trazidos por tal credencial. Renova-se também a sacralidade da autoridade dos professores – vejam só como estamos em posições espaciais diferentes aqui hoje, vocês mais embaixo, os professores mais acima, vocês aqui para receber algo, os professores para dar algo. O mesmo ocorre num tribunal, em uma cerimônia de casamento ou em um batismo: ao mesmo tempo em que alguém é condenado ou absolvido, ou casado, ou batizado, é reforçado o poder do Estado ou da instituição religiosa.

Até aqui, tudo certo: não é difícil encontrar livro de introdução à antropologia que diga, ou pelo menos dê a entender, que as sociedades sempre se organizaram dessa forma, de modo que esse é um fato da realidade. O problema é que, na minha visão, isso existe em contradição com a ideia, tão repetida em discursos de paraninfo mundo afora, de que os formandos devem contribuir na construção de um mundo melhor. Trata-se de um problema de incompatibilidade entre forma e conteúdo: falar em mudanças, ou seja, na construção de um mundo melhor, num ritual que promove a reprodução das coisas como elas são, que coopta mentes e corações jovens e os coloca no centro das estruturas sociais que criaram e mantém em funcionamento o mundo que se pretende mudar. Talvez, se vivêssemos em um mundo com problemas menores, precisando de pequenas reformas aqui e ali, mas no qual o estado geral da vida fosse o de plenitude e alegria, esse fosse o caso.

Mas não há nada mais radicalmente oposto à realidade na qual nos encontramos. O mundo não precisa de pequenas reformas; os problemas da atualidade são estruturais e profundos. Aproveitando que estamos aqui, no Centro de Tecnologia, coração da engenharia da UFRJ, eu diria que, se perguntarmos a um engenheiro civil o que se deve fazer com um edifício com problemas estruturais profundos, ele diria: é preciso demolir o edifício, e fazer outro, sobre base mais sólida, com estrutura mais adequada. Mas quais são esses problemas, tão sérios, no mundo em que vivemos? Eu certamente não precisaria (nem conseguiria, se quisesse) listar os problemas que temos diante de nós, dado o fato de que vocês talvez estejam entre as pessoas mais bem informadas do planeta. Mas permitam-me citar apenas alguns, de modo a colocar recheio no argumento que estou construindo aqui. O mundo vive, já há cinco anos, uma crise econômica global sem precedentes, crise na qual ficou claro o quanto os Estados nacionais funcionam para manter o mercado mundial em funcionamento, atendendo a interesses das grandes corporações, e em detrimento de suas próprias populações (basta analisar a relação entre governos, bancos e a população, em países como os Estados Unidos, Inglaterra, Itália e Espanha, para se ver isso com clareza; ou a relação entre governos, empreiteiras, mineradoras e a população, no caso do Brasil).

Além disso, o mundo vive há pelo menos trinta anos uma crise ambiental sem precedentes, e continuamos ouvindo dos governos americano e chinês a mensagem de que sua produção econômica no curto prazo é mais importante do que a vida no planeta no futuro. Isso dá certo alívio ao governo brasileiro, que pode apenas entrar no vácuo dos gigantes americano e chinês, sem ter que declarar explicitamente que tem a mesma posição. Ao mesmo tempo, vemos grande parte da Europa trabalhando na transição de suas matrizes energéticas em direção a fontes de energia que não agridem os ecossistemas locais (como a energia solar; detalhe que não estou falando de energias supostamente “limpas”, mas das que não agridem os ecossistemas. As hidrelétricas, por exemplo, não apenas são grandes agressoras dos ecossistemas, como alimentam a perversão política que é o papel das grandes empreiteiras no financiamento das campanhas políticas nesse país); enquanto isso o Brasil trabalha para tornar-se o sexto maior produtor de petróleo do mundo! Nada como ser capaz de mobilizar um time excelente de publicitários para ser capaz de andar na contramão do bom senso e ainda ter apoio popular. E some-se a isso tudo o fato de que no Brasil, os 20% mais ricos detém 60% de toda a riqueza nacional; metade da população economicamente ativa, mais de 50 milhões de pessoas, trabalha de sol a sol para o enriquecimento de duas ou três centenas de famílias.

E eu nem mencionei a política. Alguém acha que as estruturas políticas brasileiras funcionam bem? Ninguém sabe, porque ninguém sabe como elas funcionam!

Enfim, esse é o mundo dos adultos em que vocês são, agora, admitidos de forma integral. Não é de se estranhar que um bocado de gente jovem resista a esse processo, muitas vezes entendido, literalmente, como um processo ilegítimo de cooptação. O mundo dos adultos – ou seja, do status quo, das instituições de poder que nos trouxeram até aqui – está moralmente falido. Construir um mundo melhor, em qualquer sentido que não seja apenas a reprodução de retórica vazia, é tarefa necessária, mas que não vai deixar os adultos felizes. Ou seja, para que os jovens efetivamente construam um mundo melhor, o que se vislumbra não é a paz entre adultos e jovens, paz supostamente produzida pelos ritos de passagem mencionados por mim anteriormente; ao invés disso, o que se pode esperar é a espada, para usar termos bíblicos.

E, vejam só, não estou falando de algo – jovens comprometidos com a criação de um mundo melhor – que não esteja, já, acontecendo: a única novidade política interessante, na última década, é a novidade produzida por movimentos jovens, em reação à falência moral e material do mundo dos adultos: estou me referindo aos muitos movimentos de ocupação, como o Occupy Wall Street, que se multiplicou e se espalhou pelo mundo todo; às manifestações juvenis contra os partidos do status quo no México (o PAN e o PRI), além do movimento zapatista no estado de Chiapas; ao movimento Idle no More no Canadá, que, como o movimento zapatista, uniu a juventude às lideranças indígenas locais; ao 15-M, na Espanha; à participação dos jovens nos eventos ligados à chamada Primavera Árabe; à importância da Cúpula dos Povos, na Rio+20, onde se articularam ações políticas mais interessantes que a prevista paralisia política dos diplomatas que participaram da reunião oficial. Ainda no Brasil, está claro que podemos, através de movimentos descentralizados, combinando manifestações públicas e petições pela Internet, forçar o governo a ações específicas, como ocorreu no movimento em apoio aos índios Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul.

Ou seja, a boa novidade é que não é necessário inventar as soluções e ferramentas para um mundo melhor a partir do zero; muitas coisas interessantes já estão em movimento. Basta que vocês sejam conscientes e autônomos para decidir como vão se posicionar no mundo. Achar que as sociedades sempre se organizaram integrando os jovens às estruturas existentes, e que, portanto, não há nada a fazer a esse respeito, é discurso dos que tem interesse em manter os jovens sob controle, ou seja, é discurso de quem efetivamente tem medo dos jovens – porque tem algo a perder com qualquer mudança no status quo.

“Mas esses movimentos que você mencionou não foram capazes de se constituir como alternativa política efetiva!”, dirão alguns. Esse tipo de afirmação revela, por parte de quem a enuncia, a dificuldade em pensar um mundo efetivamente diferente; é como se a única política possível é aquela que toma o poder, e não aquela que transforma o próprio poder em alguma outra coisa. O que é radicalmente interessante nesses movimentos jovens é a recusa que têm em querer tomar as estruturas de poder existentes. O poder, da forma que este se constitui e manifesta no âmago das sociedades ocidentais, é herança do mundo adulto falido, que a juventude não quer. O que os movimentos juvenis querem é construir um outro mundo, um outro poder, um  mundo que, inclusive, não está predefinido, não existe ainda – e tais jovens não tem medo de viver em incerteza e ambiguidade, posto que estas são marcas de todo momento de transição. Isso, aliás, é uma das coisas que gera ansiedade no mundo dos adultos, porque pode desorganizar o processo através do qual Estados e corporações criam riscos, incutem nas pessoas níveis elevados de medo, e apresentam-se, então, como protetores. Como a história não cansa de mostrar, gente sem medo é um atentado à soberania de Estados fundados no medo.

Enfim, o que eu estou propondo aqui não é que todos rejeitem esse ritual, que desistam do título de bacharel, mas, ao invés disso, que vocês tomem controle sobre a mágica do ritual. Que o título de bacharel não seja uma forma de anular a sua capacidade de efetivamente transformar o mundo, mesmo que à revelia do que querem seus pais, professores, patrões, médicos, juízes, o Estado. Ao contrário, que vocês, ao invés de serem vítimas do título de bacharel, ou seja, de terem que se transformar para caber na persona social com direito oficialmente ratificado de usá-lo, tomem para si a missão de definir o que será ser bacharel, em suas vidas, e na sociedade que irão criar.

Ou seja, e para finalizar, o que eu quero propor de forma substantiva aqui são duas coisas, que considero fundamentais para que vocês estejam preparados para participar na criação de um mundo efetivamente, e não apenas retoricamente, melhor. A primeira é: não acreditem em identidades. Ou, pelo menos, não sejam vítimas delas. Nunca se deixem reduzir a uma ou a um número restrito de possibilidade de ser e estar no mundo: vocês nunca serão apenas jornalistas, publicitários, editores, produtores, diretores, apresentadores ou locutores. Vocês sempre serão muito mais do que isso. As identidades têm o potencial de se transformar em uma forma de tirania, de fascismo, mesmo quando isso se manifesta na forma de conflitos psicológicos internos ao indivíduo. Cada um de vocês não é um, são muitos. As possibilidades para o futuro são infinitas; nunca se deixem convencer, com ou sem rito de passagem, do contrário.

O segundo conselho: não vivam com medo. Do Papai Noel e bicho papão em diante, o mundo adulto administra quem pode efetivamente transformar a sociedade usando o medo. O medo é paralisante, algo que não convém quando o objetivo é mudar algo, e muito menos quando se quer mudar algo grande, como o mundo. A obra de construir um mundo melhor passa, necessariamente, pela desarticulação da grande burocracia do medo que nos controla a todos. Nesse sentido, o trabalho de vocês não será fácil, dado que tal burocracia tem na mídia uma de suas principais ferramentas.

Uma decorrência prática destes dois conselhos – não se deixar levar pela ilusão das identidades ou pelo discurso paralisante do medo -, é que vocês devem estar prontos para enfrentar resistência. Ou seja, não é possível querer mudar o mundo e, ainda assim, viver buscando aplausos; quem efetivamente mudou o mundo, no passado, enfrentou desafios homéricos. A boa notícia é que ninguém mais precisa ser um Ulisses ou um Aquiles; ninguém está sozinho, o movimento já está em curso, e, como diz um dos seus principais expoentes, “somos legião”. Basta a cada um escolher como irá participar: como agente, participante efetivo, ou como observador distante, alguém que, mais tarde, será inevitavelmente arrastado pela corrente.

Depressão na Pós-Graduação e Pós-Doutorado, artigo de Sergio Arthuro (JC)

JC e-mail 4618, de 06 de Novembro de 2012.

Sergio Arthuro é médico, doutor em Psicobiologia e divulgador científico. Artigo enviado ao JC Email pelo autor.

A imagem de nós cientistas no senso comum, como estereotipada por Einstein, é que somos meio loucos. De fato, como revelado recentemente pela revista Nature, parece que realmente não temos uma boa saúde mental, dada a alta ocorrência de depressão entre pós-graduandos e pós-doutorandos.

Os pós-graduandos são os estudantes de mestrado e de doutorado, enquanto os pós-doutorandos são os recém doutores em aperfeiçoamento, que ainda não conseguiram um emprego estável. Os pós-doutorandos são comuns há muito tempo nos laboratórios da Europa e dos Estados Unidos, já no Brasil este é um fenômeno recente.

Segundo o texto, boa parte dos estudantes de pós-graduação que desenvolvem depressão foram ótimos estudantes na graduação. Lauren, doutoranda em química na Universidade do Reino Unido, começou com dificuldade em focar nas atividades acadêmicas, evoluiu com medo de apresentar a própria pesquisa, e terminou sem nem mesmo conseguir sair da cama. Felizmente, Lauren buscou ajuda e agora está terminando o seu doutorado, tendo seu caso relatado no site de ajuda Students Against Depression, cujo objetivo é “desenvolver a consciência de que a depressão não é uma falha pessoal ou uma fraqueza, mas sim uma condição séria que requer tratamento”, segundo a psicóloga Denise Meyer, que ajudou no desenvolvimento do site.

Para os cientistas em início de carreira, a competição no meio acadêmico pode levar a isolamento, ansiedade e insônia, que podem gerar depressão. Esta pode ser acentuada se o estudante de pós-graduação tiver problemas extracurriculares e/ou com seu orientador. Já que a depressão altera significativamente a capacidade de fazer julgamento racional, o deprimido perde a capacidade de se reconhecer como tal. Aqui, na minha opinião, o orientador tem um papel fundamental, mas que na prática não tenho observado muito: não se preocupar apenas com os resultados dos experimentos, mas também com a pessoa do estudante.

De acordo com o texto, os principais sinais de depressão são: a) inabilidade de assistir as aulas e/ou fazer pesquisa, b) dificuldade de concentração, c) diminuição da motivação, d) aumento da irritabilidade, e) mudança no apetite, f) dificuldades de interação social, g) problemas no sono, como dificuldade para dormir, insônia ou sono não restaurativo (a pessoa dorme muito, mas acorda cansada e tem sono durante o dia).

Segundo o texto, a maioria das universidades não tem um serviço que possa ajudar os estudantes de pós-graduação. Não obstante, formas alternativas se mostraram relativamente eficazes. Por exemplo, mestrandos e doutorandos poderiam procurar ajuda em serviços oferecidos a alunos de graduação; já os pós-doutorandos poderiam tentar ajuda em serviços oferecidos a professores, sugerem os autores do texto. A maioria dos tratamentos requer apenas uma sessão em que são discutidas as dificuldades dos estudantes, além de sugestões de como manejar melhor a depressão. Uma das principais preocupações é com relação à confidencialidade, que deve ser quebrada apenas se o profissional sentir que o paciente tem chance iminente de ferir a si ou a outrem. Segundo Sharon Milgram, diretora do setor de treinamento e educação do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, “buscar ajuda é um sinal de força, e não de fraqueza”.

Devo admitir que o texto chamou minha atenção por me identificar com o tema, tanto na minha própria experiência, quanto na de vários colegas de pós-graduação que também enfrentaram problemas semelhantes. Acho que o sistema atual de pós-graduação tem falhas que podem aumentar os casos de depressão, como as descritas a seguir:

1- O próprio nome “Defesa” no caso do doutorado

Tem coisa mais agressiva que isso? Defesa pressupõe ataque, é isso mesmo que queremos? Algumas pessoas vão dizer que os ataques são às ideias e não às pessoas. Acho que isso acontece apenas no mundo ideal, porque na prática o limite entre as ideias e as pessoas que tiveram as ideias é muito tênue. Mas pior é nos países de língua espanhola, pois lá a banca é chamada de “tribunal”.

2- Avaliações pouco frequentes

Em vários casos, principalmente no começo do projeto, as avaliações são pouco frequentes, o que faz com que o desespero fique todo para o final. No meu caso, os últimos meses antes da “Defesa” foram os piores da minha vida, pois tive bastante insônia, vontade de desistir de tudo etc. Pior também foi ouvir das pessoas que poderiam me ajudar que aquilo era “normal” e que “fazia parte do processo”… Isso não aconteceu apenas comigo, mas com vários colegas de pós-graduação. Acho que para fazer ciência bem feita, como todo trabalho, tem que ser prazeroso, e acredito que avaliações mais frequentes podem evitar o estresse ao final do trabalho.

3 – Prazos pouco flexíveis

Cada vez mais me é claro que a ciência não é linear, e previsões geralmente são equivocadas. Dessa forma, acredito que não deveria haver nem mestrado nem doutorado com prazo fixo. O pós-graduando deveria ter bolsa por cinco anos para desenvolver sua pesquisa, e a cada ano elaboraria um relatório sobre suas atividades e resultados. Uma comissão deveria julgar esse relatório para ver se o estudante merece continuar. Como cada caso é um caso, em alguns casos, dois anos já seriam suficientes para ter um resultado que possa ser publicado num jornal científico de reputação. Isso daria ao cientista a possibilidade de bolsa por mais cinco anos, por exemplo, para ele continuar sua pesquisa. Em outros casos, cinco anos de trabalho não é suficiente, o que pode ser por causa da própria complexidade da pesquisa, ou outros motivos como atraso na importação de material etc. Nesse caso, acho que o estudante deveria ter pelo menos mais três anos de tolerância para poder concluir sua pesquisa, caso os relatórios anuais sejam aprovados, e o estudante comprove que não é por sua culpa que a pesquisa está demorando mais que o previsto.

Senti falta no texto uma discussão com relação ao fato de que para os futuros cientistas que ainda não tem um emprego definitivo, a ausência de estabilidade financeira é também um fator que contribui para o estado de humor dessa classe tão específica e especial de seres humanos.

Sugestão de Leitura:

Gewin, V. (2012) Under a cloud: Depression is rife among graduate students and postdocs. Universities are working to get them the help they need. Nature 490, 299-301