Depois que a seca do ano passado deixou São Paulo à beira de um racionamento severo de água, as chuvas do final do verão deram à Sabesp – a grande culpada pela crise, segundo autoridades municipais – uma segunda chance para aumentar investimentos em infraestrutura.
Com o início da estação seca, há uma corrida contra o tempo para desviar rios e conectar sistemas antes que os já prejudicados reservatórios de água fiquem baixos novamente.
A corrida contra o tempo ressalta a situação precária da maior metrópole da América do Sul após duas décadas sem nenhum grande projeto hídrico.
Os reservatórios ainda não se recuperaram da seca do ano passado e os meteorologistas estão prevendo meses mais quentes à frente por causa do fenômeno climático El Niño.
“A infraestrutura não foi a prioridade da Sabesp nos últimos anos. Eles não adotaram medidas para evitar a crise”, disse Pedro Caetano Mancuso, diretor do Centro de Referência em Segurança da Água da Universidade de São Paulo.
“Embora a Sabesp esteja disposta a fazer a lição de casa agora, a questão é se ela será concluída ou não a tempo de evitar um problema ainda maior”.
A Sabesp – empresa sob controle estatal -,disse que foi a severidade da seca do ano passado, e não a falta de investimentos em infraestrutura, a causa da crise.
“Nós estávamos preparados para uma seca tão ruim ou pior que a de 1953”, quando a Sabesp enfrentou uma crise similar, disse o presidente Jerson Kelman a vereadores, em uma audiência no dia 13 de maio.
“O que aconteceu em 2014 foi que tivemos metade do volume de chuva daquele ano. Para isso, nós não estávamos preparados”.
‘Previsível’
Em um relatório, em 10 de junho, a Câmara de Vereadores de São Paulo culpou a Sabesp pela crise que cortou o abastecimento em alguns bairros, dizendo que a seca já era previsível.
“Se a Sabesp tivesse investido os dividendos distribuídos na Bolsa de Nova York em obras para modernizar os sistemas que abastecem a capital e na manutenção da rede, não estaríamos enfrentando o racionamento travestido de redução de pressão”, disse Laércio Benko, vereador que liderou a comissão criada para investigar a escassez no abastecimento de água em São Paulo.
O maior dos projetos de infraestrutura que a Sabesp necessita neste ano para garantir o fornecimento de água potável está atrasado.
O projeto para conectar o Rio Pequeno ao reservatório da Billings, originalmente programado para ser concluído em maio, não será terminado até agosto devido a atrasos nas licenças ambientais e de uso da terra, disse a assessoria de imprensa da Sabesp em uma resposta a perguntas por e-mail. Se concluído neste ano, o pacote de cinco obras de emergência em que a Sabesp está investindo seria suficiente para evitar o racionamento, segundo a empresa.
Reservatório principal
Sem os projetos, e se as chuvas ficarem no nível do ano passado ou abaixo dele, a Sabesp projeta que seu reservatório principal – conhecido como Cantareira – poderá secar até agosto, segundo projeções internas obtidas pela Bloomberg News.
No pior cenário previsto pela empresa, poderá haver cortes no abastecimento de água na maior parte da área metropolitana de São Paulo cinco dias por semana, segundo o documento, que foi preparado como parte de um plano de contingência para São Paulo.
A Sabesp disse no e-mail que as chuvas, até agora, têm sido positivas. Para acelerar os investimentos de emergência agora, a Sabesp está cortando gastos e aumentando os preços da água. A empresa reduzirá os gastos com coleta e tratamento de esgoto pela metade neste ano, disseram executivos em uma teleconferência com investidores em abril. O aumento de tarifa reflete o “estresse financeiro” da Sabesp, disse o diretor financeiro Rui Affonso na conferência.
Queda das ações
As ações da Sabesp caíram 4,8 por cento na segunda-feira, pior desempenho das negociações em São Paulo, depois que a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) afirmou ter entrado com uma liminar para impedir o aumento de tarifa.
“A seca do ano passado será totalmente sentida nos resultados deste ano”, disse Alexandre Montes, analista de ações da Lopes Filho Associados Consultores de Investimentos, em entrevista por telefone, do Rio. “Mesmo se a seca diminuir agora, e mesmo se tudo sair bem, os resultados da Sabesp vão cair”.
Até o fim deste ano, a Sabesp terá repassado R$ 12,5 milhões sem ter feito uma licitação (Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo)
Enquanto alega necessidade de “garantir o equilíbrio econômico-financeiro” para justificar a alta na conta de água, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) mantém um negócio de mais de R$ 8 milhões com a ModClima, uma empresa que oferece uma técnica de indução de chuvas artificiais. Especialistas ouvidos pelo UOL dizem, porém, que o método não é eficaz.
De acordo com documentos da Sabesp obtidos via Lei de Acesso à Informação, a companhia já fechou quatro contratos com a empresa. Nos dois mais recentes, assinados no ano passado, a Sabesp já pagou R$ 2,4 milhões de um total de R$ 8,1 milhões previstos para fazer chover nos sistemas Cantareira e Alto Tietê, os mais afetados pela crise da água na região metropolitana de São Paulo.
Nos dois anteriores, com vigência 2007/2008 e 2009/2013, respectivamente, foram repassados R$ 4,3 milhões — já somados os reajustes. Desde 2007, portanto, a ModClima recebeu quase R$ 7 milhões da Sabesp.
Até o fim deste ano, a Sabesp terá repassado R$ 12,5 milhões sem ter feito nenhum tipo de contrato de licitação. A empresa alega que não era necessário abrir esse processo, pois a ModClima possui “patente de tecnologia utilizada”. Ou seja, ela seria a única empresa detentora desse tipo de tecnologia e, consequentemente, a única capaz de prestar o serviço.
Para o professor livre-docente do IAG-USP (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo) Augusto Jose Pereira Filho, a Sabesp contratou a empresa para não ser acusada de não fazer nada diante da crise de abastecimento de água.
“Foi dinheiro jogado fora. Era melhor utilizar essa verba para outros objetivos, como campanhas de conscientização e redução de perda de água, do que usar em técnicas que ainda não têm comprovação científica”, afirma.
A técnica
A tecnologia, utilizada pela ModClima, é chamada de semeadura e é realizada com um avião que lança gotículas de água dentro da nuvem para acelerar sua precipitação.
As gotas ganham volume e, quando estão pesadas o suficiente, a chuva localizada acontece. Segundo a empresa, chove de 5 a 40 milímetros. O tempo de semeadura dura entre 20 e 40 minutos.
“A semeadura consiste em imitar o processo de crescimento dos hidrometeoros [meteoros aquosos] que, quando atingem o tamanho correto dentro da nuvem, provocam a precipitação. Um avião lança dentro da nuvem gotículas de gelo, cristais ou outra partícula – de acordo com o tipo desta nuvem [quente ou fria] – para acelerar o início da chuva, mas para isso é necessário estar no lugar certo e na hora certa”, explica o professor Carlos Augusto Morales Rodriguez, do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG-USP.
A nuvem deve ter uma densidade adequada para que ocorra a precipitação, mas, segundo Rodriguez, a meteorologia tem dificuldades para identificar as nuvens em condições para a efetivação do processo.
“O radar meteorológico usado pela empresa contratada pela Sabesp não é capaz de identificar a nuvem que está em processo de precipitação, mas, sim, as nuvens que já estão chovendo. Portanto a técnica da empresa é ineficaz, já que, quando o avião entra na nuvem, ela já está chovendo”, explica Rodriguez.
Rodriguez afirma ainda que a empresa fez a semeadura no sistema Cantareira como se o local tivesse nuvens do tipo quente. “O Estado de São Paulo é composto por nuvens frias e, para acelerar a precipitação, era necessário uma técnica adequada para esta região, como o uso de iodeto de prata e gelo seco”, explica.
Tanto Rodriguez quanto Pereira Filho fizeram avaliações independentes do trabalho da empresa e concluíram que a técnica não tinha a eficácia desejada.
“Em uma avaliação de 2003/2004 constatamos que a técnica não funcionou, mas mesmo assim a Sabesp contratou a empresa novamente”, diz Filho. “Fui convidado pelo diretor da Sabesp para conversar com os representantes da ModClima e, durante a reunião, os relatos eram descabidos do ponto de vista científico.”
Ele também questiona os resultados da técnica no ano passado. De acordo com o documento da Sabesp obtido via Lei de Acesso à Informação, só no ano passado a técnica induziu precipitação de 25 hm³ (hectômetro cúbico, o equivalente a 25 bilhões de litros) no sistema Cantareira e 6 hm³ no sistema Alto Tietê (equivalente a 6 bilhões de litros).
“Relatos da Sabesp diziam que houve aumento de 30% de chuvas nos sistemas por causa da técnica, mas a porcentagem e os resultados são duvidosos, pois não é fácil medir de que maneira a semeadura contribuiu de fato para aumentar a precipitação local”, argumenta Filho.
Procurada, a empresa ModClima informou que sua comunicação atual está concentrada na Sabesp e que não responderia as perguntas da reportagem.
A Sabesp não indicou nenhum representante para explicar a contratação dos serviços para provocar chuvas artificiais nem respondeu questões complementares enviadas pelo UOL. *Com colaboração de Wellington Ramalhoso
11.mai.2015 – Carroceria de veículo fica visível na margem da represa Jaguari-Jacareí, no interior de São Paulo, devido ao baixo nível das águas. Pablo Schettini/Futura Press/Futura Press/Estadão Conteúdo
O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Sabesp na Câmara Municipal de São Paulo, vereador Laércio Benko (PHS), afirmou nesta quarta (13) que a comissão defenderá uma posição mais efetiva da prefeitura de São Paulo em relação à aplicação de multas contra a Sabesp. A companhia de saneamento comandada pelo governo paulista cortou o fornecimento sem aviso prévio, enfrenta dificuldades na atividade de recapeamento de ruas após obras realizadas e ainda despeja esgoto em mananciais, segundo ele.
“Temos que fazer com que Sabesp devolva à Prefeitura, através de multas, aquilo que ela não praticou. Temos que propor penalidades ao prefeito, e também cobrar dele que a prefeitura realize a regularização dos nossos mananciais onde há ocupação indevida”, afirmou Benko, após o encerramento da sessão de hoje da CPI da Sabesp.
O relatório que está sendo elaborado pelo vereador Nelo Rodolfo (PMDB) também cita outra medida importante que deve ser levada à avaliação dos vereadores que compõem a CPI. Ele defende a criação de uma agência reguladora municipal, nos mesmos moldes da Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), esta estadual. “Mas ainda quero pensar mais sobre essa questão, para não estarmos apenas criando mais uma autarquia”, disse.
Benko reforçou, após a sessão da CPI, a contrariedade em relação ao fato de a Sabesp ser uma empresa listada em Bolsa. Durante a sessão, que contou com a presença do presidente da Sabesp, Jerson Kelman, o vereador criticou a distribuição de dividendos em um momento no qual a companhia precisa fazer investimentos para garantir o abastecimento de água.
Kelman rebateu a afirmação alegando que a Sabesp, por ser uma empresa aberta, deve respeitar a legislação e distribuir o equivalente a 25% do lucro líquido anual, o que foi proposto para 2015. Benko classificou com um “tapa na cara do cidadão paulistano” a distribuição de dividendos em um momento como o atual.
O vereador chegou a propor que a Sabesp fizesse provisões para recursos a serem destinados a obras, mas a possibilidade foi descartada pelo presidente da companhia de saneamento. “A provisão é um detalhe contábil. Para garantirmos investimentos em nosso planejamento plurianual, é preciso que tenhamos lucro para poder investir”, disse Kelman após a sessão.
O relatório do vereador Rodolfo também deve levantar a possibilidade de o contrato entre Sabesp e a prefeitura de São Paulo ser reavaliado. Nesse caso, pondera Benko, a grande dúvida estaria em quem assumiria o trabalho de saneamento feito pela Sabesp. O presidente da CPI afirmou que ainda não há convergência em relação ao pré-relatório elaborado pelo colega do PMDB. As atividades da CPI serão encerradas no próximo dia 29 de maio e o relator tem um prazo de até 15 dias, após essa data, para a conclusão do documento.
Responsabilidade
Questionado sobre a não convocação do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, à CPI da Sabesp, Benko ressaltou que a comissão convocou aqueles que eram considerados os principais envolvidos no processo: Kelman e a ex-presidente da Sabesp, Dilma Pena. “Acredito que o governador estava muito mal assessorado pela antiga presidência da Sabesp, e que agora chegou uma pessoa que abriu os olhos de todos”, disse Benko, que disputou a eleição a governador de São Paulo em 2014 contra o governador reeleito Alckmin. O governo de São Paulo é controlador da Sabesp e, como tal, indica o maior número de membros do conselho de administração da companhia de saneamento.
“Após o início do trabalho da CPI, em que nós desmascaramos a Dilma Pena, mostramos que ela estava administrando a Sabesp de uma forma péssima e foi trocada a presidência da Sabesp, as coisas começaram a funcionar”, disse. “Mas não estou dizendo que o governador não tenha responsabilidade, nem que ele tenha”, complementou. Benko disse que os vereadores podem entrar com ação popular, medida que pode ser feita por qualquer cidadão, e criticou a ausência do procurador geral do Estado às sessões da CPI.
Em relação à situação de abastecimento da cidade neste momento, o presidente da CPI destacou que não há um rodízio, mas sim a redução da pressão, o que afeta o abastecimento principalmente na região Norte do município, atendida pelo sistema Cantareira. “Precisamos torcer para a chuva. Rodízio eu acredito que não vai haver, mas a falta de água vai se agravar”, previu Benko.
Torneiras secam em São Paulo. Nível baixo do reservatório Atibainha, do sistema Cantareira, é percebido pela marca de água na ponte; desmatamento do Rio Amazonas, a centenas de quilômetros de São Paulo, pode estar contribuindo para a seca. Ao se cortar a floresta, sua capacidade de liberar umidade no ar é reduzida, diminuindo as chuvas no Sudeste Mauricio Lima/The New York Times
‘Painel sobre defesa’ organizado pelo Comando Militar do Sudeste tratou possibilidade de capital paulista ficar sem água a partir de julho deste ano como assunto de segurança nacional
Volume morto na represa Jaguari-Jacareí, no Sistema Cantareira, em janeiro desse ano (Mídia Ninja)
Por que o Comando Militar do Sudeste (CMSE) está interessado na crise da falta de água em São Paulo?
A resposta veio na tarde da última terça-feira, 28 de abril, durante o painel organizado pelo Exército, que ocorreu dentro de seu quartel-general no Ibirapuera, zona sul da capital paulista.
Durante mais de três horas de debate, destinado a oficiais, soldados e alguns professores universitários e simpatizantes dos militares que lotaram o auditório da sede do comando em São Paulo, foi se delineando o real motivo do alto generalato brasileiro estar preocupado com um assunto que aparentemente está fora dos padrões de atuação militar.
A senha foi dada pelo diretor da Sabesp, Paulo Massato, que ao lado de Anicia Pio, da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), e do professor de engenharia da Unicamp, Antonio Carlos Zuffo, traçaram um panorama sobre como a crise hídrica está impactando o Estado paulista.
Massato foi claro. Se as obras emergenciais que estão sendo feitas pela companhia não derem resultado e se chover pouco, São Paulo ficará sem água a partir de julho deste ano. O cenário descrito pelo dirigente da Sabesp é catastrófico e digno de roteiro de filme de terror.
“Vai ser o terror. Não vai ter alimentação, não vai ter energia elétrica… Será um cenário de fim de mundo. São milhares de pessoas e o caos social pode se deflagrar. Não será só um problema de desabastecimento de água. Vai ser bem mais sério do que isso…”, enfatiza durante sua intervenção, para na sequência lançar uma súplica de esperança: “Mas espero que isso não aconteça”.
Ele destaca que na região metropolitana de São Paulo vivem 20 milhões de pessoas, quando o ideal seriam quatro milhões. Destas, segundo Massato, três milhões seriam faveladas que furtariam água. “Furtam água ou pegam sem pagar”, conta, arrancando risos da platéia.
Blindagem
Nenhuma crítica, no entanto, foi dirigida ao governador Geraldo Alckmin (PSDB) pelos presentes durante todo o evento. Apenas uma pessoa se manifestou durante a fala de Massato, afirmando que faltou planejamento estatal. Mas foi interrompido por uma espécie de mestre de cerimônias do comando militar que ciceroneava o evento, pedindo que ele deixasse a questão para as perguntas a serem dirigidas aos debatedores. A pergunta não voltou a ser apresentada.
Mas o resultado pela falta de investimento e planejamento do governo paulista já provoca calafrios na cervical do establishment do Estado. As cenas de Itu podem se reproduzir em escala exponencial na região metropolitana de São Paulo. E é contra isso que o Exército quer se precaver.
O dirigente da Sabesp citou um caso que ocorreu na região do Butantã, zona oeste da capital. De acordo com ele, houve uma reação violenta porque a água não chegou em pontos mais altos do bairro. “Não chegou na casa do ‘chefe’, e aí ele mandou incendiar três ônibus. Aqui o pessoal é mais organizado…”
Em sua intervenção, a dirigente da Fiesp, Anícia Pio, frisa que muito se tem falado sobre a crise de abastecimento da população, mas que não se pode desconsiderar o impacto sobre a indústria paulista. “A crise só não foi maior, porque a crise econômica chegou (para desacelerar a produção).”
De acordo com ela, o emprego de milhares de pessoas que trabalham no setor está em risco se houver o agravamento da crise hídrica.
Se depender das projeções apresentadas pelo professor Zuffo, da Unicamp, a situação vai se complicar. Segundo ele, o ciclo de escassez de água pode durar 20, 30 anos.
Moradores do Jardim Umuarama, em rodízio não oficializado pelo governo de SP (Sarah Pabst)
A empresária destaca ainda que não se produz água em fábricas e que, por isso, é preciso investir no reuso e em novas tecnologias de sustentabilidade. E critica o excesso de leis para o setor, que de acordo com ela é superior a mil.
O comandante militar do Sudeste, general João Camilo Pires de Campos, anfitrião do evento, se sensibilizou com as criticas da representante da Fiesp e prometeu conversar pessoalmente com o presidente da Assembléia Legislativa de São Paulo, deputado Fernando Capez (PSDB), sobre o excesso de legislação que atrapalha o empresariado.
Ele também enfatiza que é preciso conscientizar a população sobre a falta de água e lamenta a grande concentração populacional na região. “Era preciso quatro milhões e temos 20 milhões…”, afirma se referindo aos números apresentados por Massato.
O general Campos destaca a importância da realização de obras, mas adverte que “não se faz engenharia para amanhã”. E cita para a plateia uma expressão do ex-presidente, e também general do Exército, Ernesto Geisel, para definir o que precisa ser feito. “O presidente Geisel dizia que na época de vacas magras é preciso amarrar o bezerro.”
“Não há solução fácil, o problema é sério”, conclui o comandante.
Sério e, por isso, tratado como assunto de segurança nacional pelo Exército. O crachá distribuído aos presentes pelo Comando Militar do Sudeste trazia a inscrição: Painel sobre defesa.
FABRÍCIO LOBEL GUSTAVO URIBE
DE SÃO PAULO EDUARDO SCOLESE
EDITOR DE “COTIDIANO”
30/03/2015 03h00
Em meio à pior crise de abastecimento enfrentada pela Grande SP, o secretário estadual Benedito Braga (Recursos Hídricos) diz que a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) teve de escolher: levar água para a população no período de seca ou respeitar o rito ambiental tradicional para dar andamento a obras emergenciais.
Foi escolhida a primeira opção, de acordo com ele.
“Se fossem respeitados os ritos, não teríamos condições de prover essa água à população em julho [de 2015]”, afirma o secretário, que diz que deverão ser usados “atalhos” para cumprir as exigências.
Em entrevista à Folha, o secretário, que assumiu a pasta em janeiro em meio à crise de abastecimento, avaliou como muito reduzidas as chances de um rodízio de água neste ano.
Para Braga, que é professor de engenharia hidráulica da USP e presidente do Conselho Mundial da Água, as pessoas que torcem pelo rodízio querem ver uma “situação realmente ruim” em SP.
Entre as principais obras emergenciais previstas para este ano está a ligação entre dois mananciais, o Rio Grande e o Alto Tietê. Outras deverão reverter rios da Serra do Mar, alguns em área de Mata Atlântica, para abastecer os reservatórios da Grande SP.
Karime Xavier/Folhapress
O secretário estadual de Recursos Hídricos, Benedito Braga, durante entrevista à Folha
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Folha – Um rodízio neste ano está completamente descartado em São Paulo?
Benedito Braga – Em função das condições que prevalecem nos nossos sistemas de armazenamento, as chances de termos um rodízio são bastante baixas –e nós estamos trabalhando da forma mais conservadora possível, não fazendo hipóteses de que vamos ter grandes chuvas daqui para frente.
É importante observar que, depois dessa crise, não temos uma condição de previsibilidade [de chuvas] muito boa, como tínhamos antes.
Então, não podemos garantir que não vamos ter rodízio. Temos tudo preparado para tomar as decisões dependendo da condição do clima que prevalecer neste ano. Tudo vai depender de como vem a estação seca [de abril a setembro].
Qual deve ser o custo da crise neste ano para a população?
O custo não será diferente do que está sendo agora. Durante este ano, nós teremos ainda que adotar medidas de redução de pressão que incomodam as pessoas, porque é uma situação fora do normal.
É muito importante termos em conta que a situação que vivemos é muito melhor do que uma situação de rodízio.
Haverá um custo muito menor do que aquele que teríamos se implantássemos o rodízio [interrupção completa do fornecimento de água].
O balanço financeiro da Sabesp relativo a 2014 mostrou que o lucro da empresa caiu pela metade. Essa queda será repassada ao consumidor?
O que houve foi uma queda no lucro [de R$ 1,9 bilhão para R$ 903 milhões]. A redução do lucro era esperada, em função da redução do consumo e da concessão de bônus.
Não tem como repassar para a população, isso é um resultado que tivemos em função da crise da água.
Mas essa queda poderá impactar as obras programadas para este ano?
Não. O custo dessas obras não é exagerado. Há previsão orçamentária e não há atraso nenhum nas obras sob o ponto de vista físico e financeiro.
Pela urgência das obras, a questão ambiental não está sendo atropelada?
Nós temos uma situação em que, se fossem seguidos os ritos tradicionais do setor ambiental, nós não teríamos condições de prover essa água à população em julho.
Então, a questão é uma escolha. O que vocês preferem: seguir o rito ambiental ou trazer água para a população?
O governo fez a escolha?
Fez a escolha de seguir o rito dentro da emergência. E, dentro da emergência, você tem atalhos para o setor ambiental. Tudo está sendo feito dentro da mais absoluta regra da lei e da ordem.
A única coisa é que isso teve que ser feito de uma forma mais rápida. E o rito, dentro dessa forma mais rápida, é diferente das obras tradicionais, em que você tem o relatório de impacto ambiental, audiência pública e assim por diante.
Mas a Cetesb faz todas as análises, (…) e o governo não está fazendo nada fora da lei.
Está sendo feita uma obra de emergência, mas dentro de todos os ritos da lei de licitações e da lei ambiental.
As chuvas recentes fizeram com que o governo estadual recuasse na transparência em relação à crise, como não informar o real risco de um rodízio? Não são os mesmos erros do ano passado?
Não, não há erros nem em 2014 nem em 2015 e não haverá erros em 2016. Trabalhamos com uma boa expectativa de passar este ano, mas nos preparando para o pior, que é um plano de contingência.
Estamos fazendo tudo dentro da mais absoluta técnica. Não existe falta de transparência, porque informamos diariamente a situação dos reservatórios da região metropolitana. Não há nenhuma falta de transparência.
Como o senhor classifica a atual situação?
Nós estamos caminhando para ocupar minimamente o volume morto, o que significa que ainda é uma situação muito difícil. Nós gostaríamos que o reservatório estivesse praticamente cheio.
Mas, com essa reserva que estamos acumulando e com as obras que estamos trazendo, temos a possibilidade de superar a crise, mas não é ainda uma situação confortável.
O sr. disse que não houve erros em 2014. Como eleitor, mesmo fora do cargo, o sr. se sentiu atendido pelas declarações do governo sobre a crise?
As decisões tomadas foram corretas. Em 2014, ainda havia o final do ano como uma época em que normalmente há as chuvas e os reservatórios enchem.
Então, tomar uma medida como o rodízio, como muita gente queria, eu sempre fui publicamente contra. Entraram com o incentivo econômico [bônus para quem economizar], depois com as válvulas redutoras de pressão. E foi tudo muito lógico.
Mas a sobretaxa veio só depois da eleição…
Não quero entrar nesse detalhe de sobretaxa [pagamento adicional para quem extrapolar o consumo médio]. O que estou dizendo é que o que foi feito em 2014 foi certo.
Esse negócio de dizer que o governo errou não está certo. Talvez, as pessoas que insistiram muito em rodízio queriam ver uma situação realmente ruim. Seria fácil fazer o rodízio, é só fechar a manivela. O duro é fazer o que a Sabesp fez: colocar válvulas e sofrer o impacto econômico de colocar o bônus.
Então o sr. acha que ter negado que haveria desabastecimento e que seriam usados os dois volumes mortos foram medidas acertadas?
O resultado foi muito bom. Não tivemos desabastecimento, tivemos 1% da população impactada com as medidas. Portanto não tenho crítica.
Mas há problemas de desabastecimento em alguns bairros na periferia de São Paulo…
Não se pode negar que haja uma crise hídrica. É como em uma guerra dizer: “Você vai me matar com uma uma [arma calibre] 45 ou com uma 22?”. É querer colocar regra em meio a uma situação muito complicada. É querer que todo mundo tenha água quando tivemos um ano de 2014 que teve 50% menos água que a mínima de 1953.
A tarifa hoje é muito barata?
São Paulo tem uma das menores tarifas do Brasil. Tem 21 Estados que praticam tarifas acima da tarifa da Sabesp.
Acho que o custo da água, em função da dificuldade de encontrar novos mananciais e dos custos operacionais… Acho que a tarifa hoje no Estado é aquém do necessário.
A crise traz algum benefício?
Acho que sim. O pessoal no Sudeste não sabia que tinha que fazer a barba abrindo e fechando a torneira. O nordestino já sabia disso há muito tempo. A crise trouxe essa consciência.
Trabalhadores contestam as demissões que estão ocorrendo na empresa e vão parar as atividades no dia 19 de março. “Os trabalhadores e a população não podem ser penalizados enquanto a Sabesp quer agradar e atender a demanda dos acionistas”, diz presidente do Sintaema
Os funcionários da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp) convocaram, na noite de ontem (10), greve geral a partir do dia 19 de março, por tempo indeterminado. A decisão foi tomada em assembleia no Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema).
Foto: Sintame. Em assembléia, centenas de trabalhadores da Sabesp aprovaram greve a partir do dia 19 de março.
O sindicato exige a readmissão dos 400 funcionários pensados pela companhia somente neste ano. “A Sabesp já demitiu 400 e pretende chegar aos 600, não podemos admitir isso. Os trabalhadores são essenciais em todas as situações, e principalmente em um momento como este de crise hídrica”, disse o presidente do Sintaema, Rene Vicente, durante o encontro.
“Somos totalmente contra qualquer demissão. Os trabalhadores e a população não podem ser penalizados enquanto a Sabesp quer agradar e atender a demanda dos acionistas”, concluiu.
Na última semana, a Sabesp iniciou um plano de reestruturação em seu quadro pessoal. De acordo com o Sintaema, 300 dispensas já haviam sido homologadas em todo o estado, sendo 70% na área operacional da empresa.
Hoje assistimos e ouvimos nos noticiários sobre mais uma elevação no nível do Sistema Cantareira. Finalmente — e só no fim de Fevereiro — saímos da Reserva Técnica 2 (Volume Morto 2) e atingimos a “cota zero” da Reserva Técnica 1. Mas o que isso quer dizer na prática? Já é possível respirarmos um pouco mais aliviados com relação a segurança do nosso abastecimento de água? Infelizmente e definitivamente, não!
Como podemos ver no gráfico, estamos muito abaixo dos níveis registrados nos últimos quatro anos para esta mesma data. Ainda são necessários mais 182 bilhões de litros apenas para encher a Reserva Técnica 1 e atingir a “cota zero” do chamado Volume Útil. Tivemos um Fevereiro bem chuvoso na Cantareira (ninguém pode culpar S. Pedro este mês), já são quase 70mm acima da média histórica. Mas, a partir de agora as médias mensais tendem a diminuir continuamente — e drasticamente — até o final do inverno. Não vai bastar rezar, com certeza.
A SABESP divulgou no seu boletim de hoje que atingimos 10,7% do volume total do sistema. Essa informação não ajuda — na verdade confunde — o entendimento da realidade nos reservatórios. E cremos que essa confusão se dá por duas características desse índice:
1. O cálculo é feito a partir da soma do Volume Útil (antes de maio/2014) + Reserva Técnica 1 (após maio/2014) + Reserva Técnica 2 (após outubro/2014);
2. Mesmo utilizando esse total, o cálculo está simplesmente errado.
No primeiro caso, ao optar por utilizar o volume total de água disponível para calcular a porcentagem, a SABESP parece querer que esqueçamos que na verdade estamos utilizando as Reservas Técnicas, que só podem ser utilizadas em caráter extraordinário. Melhor seria que ela separasse e deixasse explícito o que é Reserva Técnica do que é Volume Útil no seu índice. Por exemplo, como fizemos no gráfico, colocando as porcentagens como negativas enquanto não ultrapassarmos as cotas das Reservas Técnicas.
No segundo caso é ainda mais grave e básico: um erro matemático. Uma vez que a SABESP está considerando a soma total (Volume Útil + Reservas Técnicas) no cálculo do índice, tinha de utilizar o volume somado para calcular as porcentagens, mas está usando apenas o valor do Volume Útil [!]. Resultado: um índice com valor nominal maior do que o correto. No índice de hoje, por exemplo, o resultado correto é de 8,3% e não 10,7% [!!]. Em se mantendo o procedimento e caso atinjamos a cota máxima do sistema em algum momento futuro — tomara! — o índice que representará o sistema “cheio” será de absurdos 129,2% [!].
Dada esta inusitada situação, com o objetivo de contribuir para o melhor entendimento da realidade e para a maior transparência dos dados, o Rios e Ruas decidiu atualizar e publicar diariamente o gráfico de comparação do volume do Sistema Cantareira de 2011 a 2015 na mesma data de cada ano, utilizando as duas formas de representá-los.
Fonte dos Dados: SABESP
Para saber mais sobre o erro no cálculo: Guia Rápido
O racionamento de água no estado de São Paulo já está consolidado e não é novidade para ninguém. Independente da região, não é difícil encontrar casas ou estabelecimentos que fiquem um ou mais dias sem água, todas as semanas. Os que não ficam só conseguem se segurar graças aos caminhões pipa. Ainda que essa situação seja um consenso, o governador Geraldo Alckmin e a Sabesp seguem negando o rodízio, negligenciando informação e adiando medidas para conter, de fato, a crise pela qual eles mesmos são os responsáveis.
Diante da inércia do poder público, a população vem se organizando para encontrar maneiras de adiar o pior ou mesmo pressionar os governantes para que se mude a lógica de como a água é administrada no estado. Do final do ano passado para o início deste ano, uma série de atos, atividades e aulas públicas relacionadas à crise hídrica vêm acontecendo independentemente da ação do poder público.
Para esta quinta-feira (26), por exemplo, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) convocou um grande ato — a Marcha pela Água — com o intuito de cobrar do governo transparência na gestão da crise e o direito universal à água.
Outros coletivos, entidades e movimentos pautados pela crise da água vêm nascendo e alguns deles, inclusive, atuando já há algum tempo. Com o objetivo em comum — o de garantir o acesso à água para todos — cada um desses grupos propõe diferentes métodos, caminhos e soluções.
Saiba quem é quem nessa nova configuração de lutas nascida no solo seco do estado de São Paulo.
Coletivo de Luta pela Água
O Coletivo de Luta pela Água publicou seu manifesto em janeiro deste ano diante do acirramento da crise no abastecimento no estado de São Paulo. Trata-se de um coletivo composto por movimentos sociais, sindicatos, gestores municipais e ONG’s que busca articular a sociedade civil na luta pelo direito à água. Como solução para a crise, a entidade propõe que o governo apresente imediatamente um Plano de Emergência que explicite de forma clara os próximos passos que serão tomados a partir de um amplo diálogo com a sociedade e representantes dos municípios.
Aliança pela Água
A Aliança pela Água reúne uma série de entidades com diferentes áreas de atuação, mas principalmente as ligadas à questão ambiental. A ideia é construir, junto à sociedade — diante da inércia do governo estadual para com a crise no abastecimento — soluções para a segurança hídrica através de várias iniciativas.
Para isso, o coletivo tem realizado uma série de mapeamentos, aulas públicas, atos e consultas com especialistas para traçar caminhos, o que já levou à divulgação de uma Agenda Mínima, com 10 ações urgentes e 10 ações a médio e a longo prazo. Entre as propostas, estão a criação de um comitê de gestão da crise, a divulgação aberta de informações para a população, ação diferenciada das agências reguladoras para grandes consumidores (indústrias e agronegócio), incentivo às novas tecnologias, implantação de políticas de reuso, recuperação e proteção dos mananciais, transcrição de um novo modelo para a gestão da água, entre outras.
Assembleia Estadual da Água
A Assembleia Estadual da Água surgiu a partir de entidades, como o coletivo Juntos!, do PSOL, que desde o ano passado vem realizando mobilizações contra a crise no abastecimento. No final do ano, a entidade teve contato com o movimento Itu Vai Parar, que lutava contra a calamidade ocorrida em Itu, uma das primeiras cidades a sentir mais intensamente os efeitos da crise. A partir do diálogo, diversas outras entidades decidiram se reunir para, em dezembro, realizar oficialmente a Assembleia Estadual da Água, em Itu, que contou com a participação de mais de 70 coletivos, entidades e movimentos. A Assembleia vem realizando uma série de atividades para mobilizar a população em torno do tema, inclusive em parceria com outros movimentos, como a Aliança pela Água.
MTST
O Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) também resolveu abraçar a causa da água. O movimento, que conta com milhares de militantes e com o apoio de dezenas de entidades, vai realizar o ato Marcha pela Água, no próximo dia 26. Eles exigem transparência do governo estadual para com a situação, a elaboração urgente de um plano de emergência e o fim da sobre taxa em relação ao consumo.
Lute pela água
O coletivo Lute pela Água busca fazer reuniões de bairro para articular a população na luta pelo direito à água e já realizou, desde o ano passado, três protestos contra a crise no abastecimento. Formado por membros do coletivo Território Livre e da Frente Independente Popular (FIP), o movimento defende a estatização da Sabesp e a gestão popular da companhia.
Conta D’água
O Conta D’água é um coletivo de comunicação, que reúne diversos veículos de mídia independente, bem como movimentos e entidades, com o intuito de fazer um contraponto à narrativa da mídia tradicional, que insiste em blindar o governo estadual e a Sabesp pela crise no abastecimento. Com matérias, reportagens, informes, entrevistas e eventos, o Conta D’água vem, desde o ano passado, participando das principais mobilizações em torno do tema e pautando o assunto com o viés e as demandas da população.
Agenda das mobilizações
26/2 (quinta-feira) — Marcha pela Água em São Paulo Local: Largo da Batata, Pinheiros Horário: 17h
20/03 (sexta-feira) — Dia de Luta pela Água Realização: Coletivo de Luta pela Água Local: Vão livre do MASP Horário: 14h30
27/03 (sexta-feira) — 4º Ato Sem Água São Paulo vai Parar Realização: Lute pela Água Local: Largo da Batata, Pinheiros Horário: 18h00
Você vem tomando banho de gato para economizar água? Não descarrega a privada se ela estiver apenas com xixi? Usa a água da lavadora de roupas para limpar o quintal? Sua casa está cheia de caixas d’água e baldes para armazenar chuva?
Oi! Estamos falando com você porque estamos na mesma situação.
O governador Geraldo Alckmin e a Sabesp — que vivem no reino da fantasia — dizem que não há racionamento, que não há falta de água na cidade.
Mas –na vida real– ou falta água todo dia, ou falta durante muitos dias seguidos, como já vem acontecendo na zona leste da capital.
Agora, o governador e a Sabesp dizem que os mananciais estão se recuperando com as chuvas de verão.
Eles querem nos tranquilizar porque têm medo do povo na rua.
A verdade é que os reservatórios de água, as represas e os rios que abastecem a região metropolitana de São Paulo estão nos níveis mais baixos da história.
As chuvas que têm desabado sobre a cidade são como uns caraminguás entrando numa conta que já está estourada no cheque especial. Sim, porque explorar o volume morto do sistema Cantareira (como ainda está acontecendo) é como entrar no cheque especial: fácil entrar, difícil sair.
Quando começar a estiagem, a partir de abril, aí é que a coisa vai ficar feia:
Seca climática sem reserva de água é o mesmo que aumento de doenças, fechamento de fábricas, comércio e escolas, desemprego.
Em uma palavra: sofrimento.
O pior de tudo é que enquanto nós fazemos uma economia danada e enfrentamos a interrupção no fornecimento de água, a Sabesp premiou 500 empresas privilegiadas com o direito de receber todo santo dia milhões de litros de água potável — e elas pagam uma tarifa camarada, bem mais baixa do que a dos cidadãos comuns.
É justo isso?
A reponsabilidade por tanto desmando é do governo do Estado, que não fez os investimentos necessários para reduzir os vazamentos nos canos de água da rede de abastecimento; que privatizou parte da Sabesp e distribuiu gordas fatias dos lucros para acionistas na bolsa de valores de Nova York; que preferiu culpar São Pedro a tomar providências; que presenteia com agrados os amigos da empresa.
E eles ainda querem aumentar a tarifa da água em abril!
Porque não queremos mais ser enganados; porque a população exige a elaboração de um plano de emergência para lidar com a seca; porque não queremos pagar nem um centavo a mais pela água que a Sabesp não entrega, porque não aceitamos privilégios no acesso à água, vamos fazer um grande ato público nesta quinta-feira (26 de fevereiro).
A iniciativa, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), já conseguiu a adesão de vários movimentos sociais e de ambientalistas. A concentração será às 17h no Largo da Batata, em Pinheiros. De lá sairemos em passeata para o Palácio dos Bandeirantes, mansão onde vive o governador Geraldo Alckmin.
Vamos dizer bem alto para ele que não aceitamos pagar o pato pela crise que não criamos;
Que exigimos água boa, limpa e cristalina para todos (e não só para os mais ricos e privilegiados);
Chega de irresponsabilidade com a vida da população!
Pedro Venceslau e Fabio Leite – O Estado de S. Paulo
26 Fevereiro 2015 | 03h 00
Diretor disse em CPI que problema não colocaria usuário em risco; empresa também afirmou que pressão está fora da norma
SÃO PAULO – O risco de contaminação da água admitido nesta quarta-feira, 25, pelo diretor metropolitano da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Paulo Massato, em caso de rodízio oficial já é realidade em algumas regiões altas da Grande São Paulo. São locais onde a rede fica despressurizada após o fechamento manual dos registros na rua, conforme um alto dirigente da empresa admitiu ao Estado no início do mês.
“Se implementado o rodízio, a rede fica despressurizada, principalmente em regiões de topografia acidentada, nos pontos em que a tubulação está em declive. Se o lençol freático está contaminado, isso aumenta o risco de contaminação (da água na rede)”, afirmou Massato, nesta quarta, durante sessão da CPI da Sabesp na Câmara Municipal.
O resultado desse contágio, segundo ele, não colocaria a vida dos consumidores em risco, mas poderia causar disenteria, por exemplo. “Nós temos hoje medicina suficiente para minimizar risco de vida para a população. Uma disenteria pode ser mais grave ou menos grave, mas é um risco (implementar o rodízio) que nós queremos evitar ”, completou. Apesar do alerta, ele disse que a estatal poderia “descontaminar” rapidamente a água afetada.
‘Estamos em uma situação de anormalidade. Nós não conseguiríamos abastecer 6 milhões de habitantes se mantivéssemos a normalidade’, disse Massato
No início do mês, um dirigente da Sabesp admitiu ao Estado que em 40% da rede onde não há válvulas redutoras de pressão (VRPs) instaladas, o racionamento de água é feito por meio do fechamento manual, flagrado pela reportagem na Vila Brasilândia, zona norte da capital. Segundo ele, a manobra “não esvazia totalmente” a rede, mas “despressuriza pontos mais altos”.
“A zona baixa fica com água. Se não houver consumo excessivo, a maior parte da rede fica com água. Acaba despressurizando zonas altas, isso acontece mesmo. Tanto é que quando abre (o registro) para encher de novo, as zonas mais altas e distantes acabam sofrendo mais, ficando mais tempo sem água”, afirmou.
Para o engenheiro Antonio Giansante, professor de Engenharia Hídrica do Mackenzie, é grande o risco de contaminação em caso de fechamento da rede. “Em uma eventualidade de o tubo estar seco, pode ser que entre água de qualidade não controlada, em geral, contaminada por causa das redes coletoras de esgoto, para dentro da rede da Sabesp.”
Segundo interlocutores do governador Geraldo Alckmin (PSDB), a declaração desagradou o tucano, uma vez que o rodízio não está descartado. Massato já havia causado constrangimento ao governo ao dizer, em 27 de janeiro, que São Paulo poderia ficar até cinco dias sem água por semana em caso de racionamento.
Fora da norma. Massato e o presidente da Sabesp, Jerson Kelman, que também prestou depoimento à CPI, admitiram aos vereadores que a empresa mantém a pressão da água na rede abaixo do recomendado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), conforme o Estado revelou no início do mês. Segundo o órgão, são necessários ao menos 10 metros de coluna de água para encher todas as caixas.
“Nós estamos garantindo 1 metro da coluna de água, preservando a rede de distribuição. Mas não tem pressão suficiente para chegar na caixa d’água”, admitiu Massato. “Estamos abaixo dos 10 metros de coluna de água, principalmente nas zonas mais altas e mais distantes dos reservatórios.”
“Essa é uma medida mitigadora para evitar algo muito pior para a população, que é o rodízio”, afirmou Kelman. “São poucos pontos na rede em que não se tem a pressão exigida pela ABNT para condições normais. Isso não é uma opção da Sabesp. Não estamos em condições normais”, completou.
Em dezembro, Alckmin disse que a Sabesp cumpria “rigorosamente” a norma técnica. A Sabesp foi notificada pela Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) e respondeu na terça-feira aos questionamentos feitos sobre as manobras na rede. O órgão fiscalizador, contudo, ainda não se pronunciou.
Ar encanado. Questionados sobre a investigação do Ministério Público Estadual que apura suposta cobrança por “ar encanado” pela Sabesp, revelada pelo Estado, os dirigentes da empresa disseram que a prática atingiu apenas 2% dos clientes. Das 22 mil reclamações registradas em fevereiro sobre aumento indevido da conta, 500 culpavam o ar encanado. O problema ocorre quando a água retorna na rede e empurra o ar de volta para as ligações das casas, podendo adulterar a medição do hidrômetro. / COLABOROU RICARDO CHAPOLA
Se a comissão temporária for mesmo criada, o trabalho será feito em parceria com a Agência Nacional de Águas
O senador Jorge Viana (PT-AC) anunciou nesta terça-feira (10) que vai propor a criação de uma comissão temporária do Senado para acompanhar a precariedade no abastecimento de água aos habitantes da Região Sudeste. Para Viana, há uma soma de duas situações: uma seca sem precedentes e a ocupação desordenada do solo, com a destruição de nascentes.
— Toda a floresta protetora ao longo de riachos e rios nessa região foi danificada. Não restaram mais de 6% da Mata Atlântica. Eu entendo que é como se o Brasil estivesse buscando essa situação há muitas décadas, afirmou.
Jorge Viana acentuou que a falta d’água atinge mais de 50 milhões de pessoas. Corresponde, segundo ele, a um quarto da população nacional e afeta 70% do produto interno bruto (PIB). Nesta terça, o sistema Cantareira, que abastece quase toda a capital paulista, operava com 6,1% da capacidade.
Se a comissão temporária for mesmo criada, o trabalho será feito, conforme explicou Jorge Viana, em parceria com a Agência Nacional de Águas (ANA) e com o Centro de Monitoramento de Cachoeira Paulista.
— Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais estão passando por um gravíssimo problema. Eu, como engenheiro florestal e como senador da Amazônia e do Acre, quero dar minha contribuição me aprofundando nesse tema. É preciso por o dedo nessa ferida de ausência de investimentos e de políticas públicas adequadas — concluiu o senador.
O volume de chuvas no início de fevereiro, que já se aproxima da média para o mês, levou o governo Geraldo Alckmin (PSDB) a adiar a decisão sobre a implantação de um rodízio de água na Grande SP.
Nas palavras de um assessor do governo, “a Sabesp não jogou a toalha” e, diante de um cenário com chuvas até o final de março e o avanço simultâneo de algumas obras, será até mesmo possível atravessar o período de seca, de maio a setembro, sem rodízio.
A Folha teve acesso a esse “plano antirrodízio”, o mais atualizado da Sabesp, a estatal da água. Ele envolve três pontos-chaves, todos interdependentes, sendo que o primeiro nada mais é do que uma ‘torcida meteorológica’:
1) O ritmo de chuvas de fevereiro, que já superou a metade do esperado para o mês e fez aumentar a entrada de água no sistema Cantareira, tem de ao menos permanecer como está até o fim de março;
2) A ligação da represa Billings com o sistema Alto Tietê precisa ser concluída; a obra prevê 11 km de dutos entre os dois mananciais e, segundo o governo de SP, deverá ficar pronta até maio;
3) A capacidade de interligação entre sistemas terá de ser ampliada. Dessa forma, águas do Guarapiranga e do Alto Tietê, por exemplo, poderão atender moradores hoje abastecidos pelo Cantareira em áreas de Guarulhos, na Vila Maria (zona norte), Mooca (zona leste) e Brás (centro).
Editoria de arte/Folhapress
Com tudo isso, aliado principalmente à política de racionamento por meio da redução da pressão na rede de abastecimento, a Sabesp acredita que poderá manter uma vazão de no mínimo 10 mil litros de água por segundo no Cantareira ao longo de 2015, o suficiente, segundo a estatal, para evitar o início do rodízio –a vazão atual é de 14 mil l/seg.
Qualquer falha em um desses três pontos, porém, provocará a reavaliação desse planejamento. O final de fevereiro, por ora, é o prazo tratado internamente como limite para definir o rodízio.
Questionado ontem (10/02) sobre o tema, Alckmin afirmou que não existe nada definido. “É uma decisão técnica, da Sabesp, que faz o monitoramento diário”.
NOVO ÂNIMO
Até o final de janeiro, quando o volume de chuvas seguia bem abaixo da média histórica e o Cantareira caminhava para um colapso completo, o governo paulista tratava o rodízio apenas como uma questão de tempo.
Foi nesse contexto, por exemplo, que um dirigente da Sabesp falou na possibilidade de um rodízio “pesado”, com cinco dias sem água e apenas dois com na semana.
As chuvas de fevereiro não tiraram o Cantareira de uma situação crítica, mas deram uma leve trégua ao governo.
O sistema operou nesta terça (10) com 6,1% de sua capacidade, após mais uma alta. Esse percentual já inclui duas cotas do volume morto, que são as reservas de água abaixo do nível original de captação.
Para evitar um rodízio em 2015, o governo espera que o sistema chegue ao final de março entre 10% e 12% –com o solo úmido após as recentes chuvas, foram reduzidos os danos do chamado “efeito esponja”, que impede o armazenamento da água da chuva.
No Brasil, 16,8% dos municípios estão, oficialmente, em situação de desastre, que inclui os estágios de calamidade pública e emergência, por conta da estiagem. Os dados são do Ministério da Integração Nacional, que centraliza e reconhece decretos do gênero registrados por municípios e Estados em todo o país. O Nordeste lidera a lista dos municípios afetados pela estiagem. No Ceará, por exemplo, 95% dos municípios estão oficialmente em situação de desastre por conta da seca.
De acordo com dados do ministério, dos 5.570 municípios brasileiros, 936 tinham decretos de situação de emergência ou calamidade pública em vigência. Os dados são de 2 de fevereiro, data em que o órgão fez a última atualização das informações. A partir do reconhecimento federal, municípios e Estados em situação de desastre ficam autorizados a contratar serviços e comprar mantimentos em regime emergencial sem precisar fazer licitação.
Segundo o ministério, não é possível fazer uma comparação entre os dados atuais e os da mesma época do ano passado porque as informações não são compiladas diariamente. Ainda de acordo com o ministério, em 2014, 1.265 municípios tiveram seus decretos de situação de emergência ou calamidade pública reconhecidos pelo governo federal. Em 2013, foram 1.514.
A assessoria de imprensa do ministério informa, no entanto, que não é possível afirmar que a estiagem neste início de ano é mais amena que as dos anos anteriores, pois os dados referentes a 2013 e 2014 só foram contabilizados ao final de cada ano.
Situação no Nordeste
Dos 936 municípios brasileiros oficialmente em situação de desastre, 843 estão no Nordeste, o equivalente a 90%. A região Sudeste é a segunda mais afetada, com 94 municípios em situação de desastre. As demais regiões (Norte, Centro-Oeste e Sul) não têm nenhum município com decreto de desastre reconhecido pelo governo federal.
Todos os nove Estados do Nordeste têm municípios com situação de desastre reconhecida pelo governo federal. A Paraíba lidera o “ranking” da estiagem com 197 decretos. Logo depois vem o Ceará, com 176. Em termos percentuais, no entanto, o Estado mais afetado foi o Ceará, onde 95% dos municípios estão, oficialmente, em situação de desastre.
De acordo com a Defesa Civil do Estado do Rio Grande do Norte, onde 91% dos municípios têm decretos de desastre reconhecidos pelo governo federal, algumas cidades estão em “colapso” — sem condições de atender à população.
Segundo o órgão, o governo tenta colocar em atividade 1.700 poços artesianos para minimizar os efeitos da estiagem. Pelo menos três cidades já enfrentam rodízio de água em regime 24/48 (um dia com água para cada dois sem).
Situação no Sudeste
Apesar de a crise hídrica estar afetando o abastecimento de água em municípios da região Sudeste, especialmente no Estado de São Paulo, apenas três municípios paulistas estão na lista do Ministério da Integração Nacional: Cristais Paulistas, Santa Rita do Passa Quatro e Tambaú.
Segundo o Ministério da Integração Nacional, “não há pedidos de reconhecimento federal dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo” esperando por análise dos técnicos do governo federal.
No Sudeste, o Estado mais afetado é Minas Gerais, com 90 municípios em situação de emergência ou calamidade pública. Segundo o ministério, Minas Gerais ainda tem 25 pedidos em análise.
Entenda a diferença entre situação de emergência e calamidade pública:
Situação de emergência
Situação anormal provocada por desastres (chuvas, estiagem, incêndio etc) que causam danos e prejuízos que comprometam apenas parcialmente a capacidade do Estado ou do município afetado de responder à situação
Calamidade pública
Situação anormal provocada por desastres (chuvas, estiagem, incêndio etc) que comprometem substancialmente a capacidade do Estado ou do município afetado responder à situação. Normalmente, quando um Estado ou Município decreta calamidade pública, o governo federal intercede com ações de socorro e transferência de recursos
Estiagem: imagens aéreas exibem seca nas represas brasileiras
3.fev.2015 – Vista aérea da represa de Jaguari, em Jacareí, no interior de São Paulo. Após fortes chuvas que caíram no Estado de São Paulo, o nível do reservatório registrou aumento e passou de 1,61% para 1,72% da capacidade Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo
Massato admite que medida pode ocorrer em SP e aumenta redução de pressão; para Alckmin, outros políticos tiram ‘casquinha’ da crise
27.01.2015 | 12:47
Ana Fernandes e Stefânia Akel – O Estado de S. Paulo
Atualizado às 14h25
SUZANO – O diretor metropolitano da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Paulo Massato, admitiu na manhã desta terça-feira, 27, que a Região Metropolitano de São Paulo pode ter rodízio de água no qual haveria até cinco dias sem abastecimento e dois com. Segundo ele, esse racionamento seria “drástico”.
“Para fazer rodízio, teria que ser muito pesado, muito drástico. Para ganhar mais do que já economizamos hoje, seriam necessários dois dias com água e cinco dias sem água”, afirmou em Suzano, na Grande São Paulo, durante o anúncio da ampliação da Adutora Guaratuba para o Sistema Alto Tietê.
Massato afirmou que o rodízio pode ocorrer se os órgãos reguladores acharem necessário e “se não chover”. “Nossa engenharia está correndo contra o relógio. Estamos batendo novos recordes de baixas precipitações”, disse.
‘Nossa engenharia está correndo contra o relógio. Estamos batendo novos recordes de baixas precipitações’, diz Paulo Massato JF Diório/Estadão
Segundo ele, a Sabesp não pretende usar a terceira cota do volume morto do Sistema Cantareira. “Pretendemos não usar, vamos correr com as obras”, disse.
Redução de pressão no período diurno. Massato declarou ainda que a Sabesp está ampliando o período de queda de pressão nas tubulações que atendem a Região Metropolitana de São Paulo. “Estamos deixando de fazer operação só noturna para fazer também a diurna. Isso atinge toda a região metropolitana”, afirmou. Segundo ele, “nunca foi necessário” informar a população da redução de pressão, mas agora, com a ampliação do período, a Sabesp informa os horários em seu site.
Massato explicou que a redução é diferente para cada área da região metropolitana. “A redução hoje é variável, cada setor tem uma regra diferente”, disse.
No mesmo evento, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), afirmou que a válvula redutora de pressão da Sabesp existe há pelo menos 15 anos. “O mundo inteiro tem, para evitar perdas. Mas o período de redução da pressão era mínimo”, afirmou. Segundo ele, a medida, tomada há um ano, evita contaminação, canos estourados e perdas maiores.
‘Tirar casquinha’. Alckmin (PSDB) disse que existem políticos tentando “tirar casquinha” da crise hídrica, que atinge principalmente o Sudeste do País. Questionado sobre o pedido de manifestantes nesta segunda-feira, 26, em frente ao Palácio dos Bandeirantes, na zona sul de São Paulo, para o governador falar da gravidade da falta de água, ele repetiu que o governo paulista tem trabalhado ininterruptamente há mais de um ano para mitigar os efeitos da estiagem.
“Não há ninguém que tenha falado mais sobre esse tema do que eu. Tem muita gente tentando tirar casquinha política, tentando levar uma vantagenzinha”, queixou-se, sem mencionar nomes.
Alckmin afirmou ainda que, através da política de bônus, São Paulo tem hoje o menor consumo per capita de água e criticou outros prefeitos e governadores que não adotaram políticas semelhantes. “Não tem nenhum governo do Brasil que tenha feito bônus, engraçado, né? Ninguém critica ninguém. Ninguém fez.”
A falta d’água afeta a dignidade humana, tem implicações de saúde pública, desespera, paralisa a atividade econômica. Pois prepare-se: 2015 começou sob a sombra da crise hídrica. O cenário que se está montando é gravíssimo.
Já quase terminado janeiro, contata-se que choveu muito menos do que era esperado. No Sistema Cantareira, choveu 35% da média histórica. No Sistema Alto Tietê, meros 26% da média histórica. E o quadro não encontra alívio nos demais mananciais, também deficitários.
A própria Sabesp admite que o que existe de água em todos os sistemas, considerando o padrão de consumo atual, vai dar pra 50 dias, ou seja, março. E daí? Aí, acabou. Não é que vai faltar um pouco de água. É que não tem água; não tem para onde correr.
Entrevista realizada coletivamente por Barão de Itararé, Brasil de Fato, Fórum, Outras Palavras, Mídia Ninja, Ponte e SpressoSP. Fotos: Mídia NINJA
Para entender melhor as dimensões humanas, sociais, econômicas e ambientais dessa crise, o projeto Conta D’Água procurou uma das maiores especialistas do tema, a ambientalista Marussia Whately, dirigente do projeto Água São Paulo, do Instituto Socioambiental (ISA), e uma das principais protagonistas da Aliança pela Água, uma iniciativa reunindo 30 ONGs, visando propor soluções e cobrar providências do poder público.
Distribuição de água em praça pública, Itu, dezembro de 2014. Foto: Mídia NINJA
A crise na vida real
MARUSSIA WHATELY: Tornou-se séria a perspectiva de o Sistema Alto Tietê, que abastece a zona leste de São Paulo, entrar em colapso. Isso quer dizer que quatro milhões de pessoas deixarão de ter água pra beber. Hoje, o nível do reservatório está em 10,4%, o que é extremamente crítico porque se trata de um reservatório com apenas metade da capacidade do sistema Cantareira. E está baixando.
Como você vai fazer pra manejar essa região? Onde as pessoas vão pegar água? Uma das possibilidades é levar água potável com caminhões-pipa provenientes de Ubatuba, São José. Quantos litros serão necessários para abastecer a zona leste todos os dias? Qual a qualidade da água que chegará aos consumidores?
Nessa região, você tem reservatórios de distribuição, as caixas d’água da Sabesp, como a que existe na avenida Consolação, ou no Paraíso. Esses reservatórios, logicamente, estarão vazios. Mas eles têm de ser o lugar para onde os caminhões-pipas serão levados.
Não se pode deixar caminhão-pipa no mercado. A partir de agora, será preciso que se mapeiem todos os poços que estão autorizados a captar água mineral. Num plano de contingência, todos esses 50 mil poços têm de ter sua outorga suspensa e a exploração será de uso exclusivo do Estado.
Agora, a Sabesp vai fazer isso? Não. Esta é uma responsabilidade do governo do Estado, com as prefeituras. É uma agenda que temos que trabalhar para que se torne realidade.
Vamos um pouco mais em frente com esse cenário.
“Os caminhões-pipas foram captar a água. E como essa frota chegará à zona leste? Será necessário organizar uma grande operação de logística durante as madrugadas, com menos trânsito, para transportar toda essa água. Porque serão centenas de caminhões-pipas.”
Os caminhões encherão o reservatório e amanhã, das 10h às 12h, a população de Ferraz de Vasconcelos, com seu comprovante de residência em mãos, vai poder retirar uma quantidade de água por pessoa. Das 12h a tal hora, vai ser a população da zona leste…
Coleta de água em postos improvisados na cidade de Itu, interior de SP. Foto: Mídia NINJA
Isso é um plano de contingência numa situação de estresse grave. Água pra escovar os dentes, tomar banho e cozinhar. Para outros fins —como dar descarga, lavar roupa, limpar a casa—, a saída será a água da chuva. Para isso, postos de saúde, escolas, creches, unidades de serviço público, precisarão se equipar com caixas para captar água da chuva, com filtro, tudo direitinho.
É preciso que a cidade se prepare. É preciso que o poder público se organize. A possibilidade de implantação de um racionamento de cinco dias sem água é bem concreta. Mas uma coisa é viver cinco dias sem água em uma situação organizada. Outra coisa, bem diferente, é ter o racionamento em uma área como a zona leste da Capital, com uma rede toda remendada, com áreas inteiras de ocupação irregular. O resultado torna-se muito mais imprevisível.
Para dar um exemplo. Ontem, a partir das 16h30, não tinha mais água da rua em minha casa. Mas se trata de uma casa com apenas dois moradores. Manejando o consumo, conseguimos ficar até cinco dias sem água da rua. Vamos ter restrição? Claro, mas dá para garantir as necessidades básicas. Essa situação é totalmente diferente da que é vivida em uma comunidade com poucas caixas d’água, com casas habitadas por um número muito maior de moradores.
Mas fica pior quando se considera que essas pessoas funcionam em horários difíceis –gente chegando muito tarde em casa, por causa do transporte deficiente (quando a água já foi fechada), e que sai muito cedo de casa, também por causa do transporte deficiente (e a água ainda não voltou).
“Uma creche que não abre porque não tem água gera um efeito cascata. Se as crianças não podem ir para a creche, a mãe tem de faltar no emprego.”
Tomemos o caso de uma diarista. Quantos dias ela poderá faltar no emprego? Será que ela vai poder levar os filhos ao emprego? E isso impacta a vida da patroa dela também. Assim, começa um efeito de instabilidade grande na sociedade. Esse é um dos efeitos que ainda não estão devidamente dimensionados. Os governantes estão desatentos a essa questão.
E há a situação crítica das populações mais sensíveis, que precisam ser levadas em consideração. Sabe-se que a população da terceira idade, mais de 60 anos, e as crianças até 7 anos têm uma vulnerabilidade maior à desidratação. E há ainda os acamados, com deficiência de mobilidade e idosos, aos quais é preciso garantir o suprimento básico de água no próprio domicílio. Em suma, há uma série de desdobramentos éticos envolvida na gestão da crise.
Já se esperam protestos. Em Itu, vizinho de São Paulo, até donas de casa colocaram fogo nas ruas. Aqui em São Paulo, vai haver um escalonamento de manifestações e de violência porque a água mexe com a questão da dignidade. Quantos dias nós aguentamos sem poder dar descarga?
Dona Rute e sua família vivem em cinco pessoas em uma casa que recebe água apenas seis horas por dia no Capão Redondo, periferia de São Paulo. Foto: Sarah Pabs
É preciso instalar um Comitê de Crise. Temos de falar e explicar que se trata de uma crise sem precedentes. O mais natural seria o governador do Estado de São Paulo [Geraldo Alckmin] puxar isso, mas se ele não puxar, a sociedade civil tem de fazê-lo.
O Comitê é fundamental no sentido de começar a desenhar as linhas de ação de um Plano de Contingência. A população precisará de referências públicas em relação à água. Também é importante o acesso à informação.
Nós lançaremos em fevereiro um copilado de propostas de especialistas para a gestão dessa crise. Um dos itens importantes, por exemplo, é a questão da qualidade da água oferecida pelos caminhões-pipa. Teria haver em cada subprefeitura uma lista de caminhões-pipas autorizados a operar. E informações claras do tipo: “Aqui, na área desta Subprefeitura, faltará água nos próximos cinco dias; água potável poderá ser encontrada nesses endereços, de tal hora a tal hora”. Isso tem que ser feito e não é responsabilidade da Sabesp.
Em última instância, quem vai ter de decretar os estados de emergência são as prefeituras, mas elas estão receosas de assumir o protagonismo da crise. Pela lei de saneamento, as prefeituras são os titulares do saneamento. Teoricamente, seriam as prefeituras que deveriam mandar nessa confusão. O contrato de prestação de serviços da Sabesp é assinado com a prefeitura, que delega a regulação para a Arsesp, Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo.
Eu acredito que tem um canal, que vai ser começado pelo município de SP, que está revendo o contrato com a Sabesp, e está percebendo que os moradores do município vão ficar sem água, enquanto a empresa recebe uma grana incrível em cima e não reinveste.
Um acionista da Sabesp que eu acho que está sendo pouco questionado é o próprio governo do Estado, que detém 51% da empresa. Quando são pagos os dividendos, 51% voltam para o governo do Estado, e não necessariamente o governo tem reinvestido na Sabesp.
(Grande parte do investimento em infraestrutura que a Sabesp fez nos últimos anos foi com financiamento da Caixa, financiamento do Banco Mundial, várias fontes).
Plano de contingência
MARUSSIA WHATELY: O plano de contingência é a principal reivindicação da Aliança pela Água. Em final de outubro do ano passado, fizemos um processo rápido de escuta de mais ou menos 280 especialistas de diferentes áreas. E o plano de contingência apareceu como uma das principais reivindicações desses especialistas.
Volume morto na represa Jaguari-Jacareí, no Sistema Cantareira. Foto: Mídia NINJA
Naquela ocasião, a idéia predominante era que se adotasse um plano de contingência que permitisse que chegássemos a abril deste ano com um nível de reservação de água nas represas, que desse para aguentar o período da estiagem. Infelizmente, esse plano não foi elaborado e muito menos realizado.
O que aconteceu na prática foi uma negação da crise hídrica por parte do governo do Estado até dezembro de 2014 —uma negação que vai levar para outras instâncias de responsabilização.
O governador terminou o ano dizendo que não teríamos racionamento e que não haveria falta d’água. E começou 2015 dizendo que existe o racionamento e que pode ser que falte água.
Se fosse um novo governador, a gente até poderia aceitar, mas se trata do mesmo cara. Então tem uma questão aí: a forma como a crise foi conduzida nos fez perder muito tempo em termos de ações para chegar a um nível seguro em abril.
Realmente, existe um componente de clima na crise que não dá para negar. Já está confirmado que 2014 foi o ano mais quente da história. O que já seria um quadro de extrema gravidade, entretanto, tem sido agravado porque desde 2011 a Sabesp está super-explorando as represas. Ou seja, tirando delas mais água do que entra.
O governo do Estado deveria ter assumido a liderança em relação à crise da água em São Paulo. No caso do sistema Cantareira, essa liderança deveria ser dividida com o governo federal, por intermédio da Agência Nacional de Águas e do Ministério do Meio Ambiente, a quem compete organizar a Política Nacional de Recursos Hídricos. O problema é que muitos dos nossos instrumentos de gestão vem sendo desmantelados em escala federal, estadual e municipal.
“O Ministério do Meio Ambiente está omisso em relação aos recursos hídricos. A Agência Nacional de Águas transformou-se num mero órgão que faz a outorga, já que ficou enfraquecido nesse processo de construção de Belo Monte.”
A síntese é a seguinte: “Já basta a licença ambiental, não me venham inventar mais uma licença de recursos hídricos, pra empacar a hidrelétrica”.
É preciso recuperar as represas. O Sistema Cantareira está com o nível em torno dos 5%. Não dá mais! Não vai encher. Vai ter que ter racionamento.
A perspectiva com a qual a Aliança da Água trabalha é a de união entre diferentes setores (especialistas na pauta do meio ambiente e sociedade) para a elaboração de um Plano de Contingência mais sólido. Ficar refém, à espera de um plano elaborado pela Sabesp, além de não ser propositivo também não é eficaz. É fundamental que os movimentos sociais e as universidades debatam esse tema com profundidade e urgência.
Quem é o responsável?
MARUSSIA WHATELY: O padrão de chuvas, repito, foi aquém da média histórica, mas houve o acúmulo de infelicidades. Uma que é certamente muito grave foi a ausência de visão estratégica mínima do responsável, que é o governo estadual paulista. Ele deveria ter liderado a gestão da água, mas perdeu um ano negando a existência da crise, afirmando para a população que não faltaria água, criando uma medida que foi o bônus, apresentado como uma alternativa ao racionamento. Só que o bônus ele é muito questionável porque descapitaliza a empresa. Diminui a capacidade de investimento da Sabesp. Do ponto de vista econômico, no momento de escassez de um produto, você baixar o preço dele, é um contrassenso.
Durante os nove meses de campanha, não se conseguiu mudar o padrão de consumo. Metade dos consumidores aderiu e reduziu 20% o gasto de água. Um em cada quatro reduziu, mas não atingiu a meta. E um em quatro aumentou o consumo. A verdade é que junto com o bônus teria de ter a sobretaxa para o excesso de consumo e uma série de ações.
“O bônus foi apenas uma ação paliativa, tentando substituir uma ação mais
radical que seria o racionamento. “
Ao mesmo tempo, de um ponto de vista mais técnico e operacional, só isso não gerou a redução do consumo de água que seria necessário.
Represa Jaguari–Jacareí, no sistema cantareira. Foto: Mídia NINJA
Desde o início do ano passado, falava-se em reduzir pela metade a retirada de água do sistema Cantareira. Ou seja, sair de 31 metros cúbicos por segundo para 16. Mas isso só está sendo atingido agora. Eles foram baixando de 31 para 27, para 24…
No total do abastecimento de água de São Paulo, conseguiu-se reduzir o consumo de 69 metros cúbicos por segundo para 55. Ou seja, todas as medidas adotadas –bônus, redução da pressão, ampliação de captação, melhoria no índice de vazamentos — lograram uma economia de 20%. É pouco em termos de redução da retirada de água dos mananciais. Precisaria ser no mínimo 50%.
Em janeiro de 2014 houve um primeiro plano de contingência, que previa um plano de racionamento no sistema Cantareira. Esse primeiro plano simplesmente sumiu. Ele não está mais disponível. A proposta era que o Cantareira, que em janeiro de 2014 estava com 24% de reservação, sem contar o volume morto, já começasse a fazer um racionamento brando. Veja que esses 24% de reservação (sem contar o volume morto) equivaliam a 46% da capacidade total do sistema –e mesmo assim, já soou o alarme e se propôs o racionamento.
Hoje, o Cantareira está com um nível de reservação em 5,6%, já considerando o uso do segundo volume morto.
Corremos o risco de ter de decretar agora um racionamento de cinco dias sem água.
Quem deve ser o responsável pela gestão da crise?
MARUSSIA WHATELY: A questão das responsabilidades é essencial para estabelecer um plano de contingência. Qual é a grade de responsabilidades e atribuições? Quem tem de fazer o quê?
Obras do canal de escoamento do volume morto em represa do Sistema Cantareira. Foto: Mídia NINJA
A Sabesp é uma companhia prestadora de serviço. E, como prestadora de serviço tem de ter constância, indicador, desempenho, eficiência, meta… A Sabesp não é a gestora da política. Não é ela quem deve decidir onde é melhor investir, quem vai ficar sem água. Quem tem que decidir isso é a Arsesp, a agência reguladora. A gente tem feito cobranças equivocadas em cima da Sabesp, quando a cobrança tem de ser em cima da regulação.
É muito fácil colocar a Sabesp na linha de tiro. E ninguém fala nada sobre as responsabilidades da Secretaria de Recursos Hídricos, da Arsesp, da Secretaria de Meio Ambiente, que dá licenças, como a de uso do volume morto. Alguém viu o licenciamento ambiental desse uso extremo do Cantareira? Quais foram as condicionantes, os compromissos de mitigação? Foi uma licença emergencial?
Bacia do cantareira durante a seca. Foto: Mídia NINJA
Não é só que a água não está mais atingindo suas margens normais. É que, por centenas de quilômetros, o solo ficará ressecado, com impactos substanciais sobre todo o meio ambiente em torno.
Construir soluções para a crise vai depender de um plano de contingência que não é um plano da Sabesp, é um plano do governo federal, estadual, prefeituras e com a sociedade. Vai ter que entrar defesa civil, vigilância sanitária, secretaria de segurança…
Como resolver a crise
MARUSSIA WHATELY: O governo do Estado apostou alto que ia chover. E, na outra mão, ele veio com um conjunto de obras que conseguirão criar —daqui a cinco anos— mais 20 mil litros. A gente não precisa de mais 20 mil litros. A gente precisa consumir melhor a água que tem.
Obras durante a construção do segundo Volume Morto, no sistema Cantareira. Foto: Mídia NINJA
Daqui a cinco anos, eu terei feito a transposição de águas do rio Paraíba do Sul para cá, o Paraíba do Sul, aliás, que agora está com apenas 5% de água. Então, veja, eu faço uma mega-obra para trazer água e, de repente, pode não haver água pra ser trazida para cá.
E se, em vez disso, houvesse a recuperação da represa Billings, que está aqui ao lado? Nela, cabe a mesma quantidade de água do que a Cantareira é capaz de produzir. Ela não produz a mesma quantidade, mas ela pode guardar. Ou seja, eu posso trazer de outros lugares a água para a Billings em quantidades menores; posso interligar algumas represas do Alto Tietê; ou mesmo pensar em pequenos reservatórios no topo da serra do Mar, que seria uma água de altíssima qualidade, e trazer para Billings…
São várias idéias que nem chegaram a serem discutidas, a respeito de uma represa que está aqui, mais perto do que as alternativas de abastecimento colocadas na mesa. A Billings, como se sabe, é o destino do esgoto que a Sabesp não consegue tratar, que é jogado no Tamanduateí, no Anhangabaú, no Pinheiros, no Tietê, em todos os rios que a gente colocou avenidas em cima.
Depois, tem a drenagem urbana que é esquizofrênica porque uma parte quem cuida e o Estado, outra são as prefeituras. Só aí haveria uma capacidade de geração de água de chuva que seria mais ou menos o equivalente à vazão do rio São Lourenço, 4 metros cúbicos por segundo. O novo sistema São Lourenço, que deve ficar pronto em 2017, custará R$ 2 bi só em obras, terá custo operacional de mais R$ 6 bi em cima. Trata-se de uma mega-obra para trazer água lá de longe do rio Ribeira, sem pagar devidamente os encargos ambientais que serão gerados naquela região, sem que aquilo gere prosperidade naquela região.
Os ensinamentos da crise
MARUSSIA WHATELY: Com a água acontece uma coisa curiosa: como cai do céu, é difícil acreditar que vá faltar. Acaba a água da torneira, mas está tudo alagado lá fora. Isso, imagino, gera uma confusão pra muita gente… Mas ao mesmo tempo gera um aumento de consciência. Essa água que está alagando as ruas, será que ela não poderia ser usada?
Estoque de água doméstico em Itu, no interior paulista. Foto: Mídia NINJA
Essa água é própria para o consumo?, alguém poderia perguntar. Há controvérsias. Há pessoas filtrando e fazendo testes, dizendo que é melhor do que a água da Sabesp. Cada vez mais, eu acredito que, quanto mais a gente tornar as pessoas autônomas em relação a garantir o seu básico, mais a gente estará caminhando para um mundo sustentável. Ensinar a garantir o mínimo da sua água, o mínimo da sua comida, pode ser um caminho.
A gente está tendo falta de água, apagão de energia, enchentes. Todos esses eles problemas estão ligados à gestão da água. Todo esse processo é muito didático e deve induzir mudanças de atitude. Como continuar aceitando como normal descarregar a privada com água potável? O baixo nível dos reservatórios está mostrando o baixo nível das nossas políticas em relação a isso. Se não for didático, então a única saída é o êxodo.
Especialistas acreditam que medidas tomadas pela Sabesp e pelo governo do estado são insuficientes para resolver o problema do abastecimento, além de mascararem uma escassez que existe em diversas regiões do estado
Texto: Guilherme Franco e Vinicius Gomes da Revista Fórum
Fotos: Mídia NINJA
Na primeira segunda-feira (5) do ano, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) lançou mais uma de suas ações para combater a crise de saneamento de água: a distribuição de dispositivos de torneira para economizar água, com o mote “Se usar bem, ninguém fica sem”.
Como se ainda estivesse em 2014, a estratégia adotada para contornar o problema hídrico continuou sendo a mesma. Apelar para a boa vontade da população, atribuindo a ela, de forma direta ou indireta, parte da culpa pela crise. Há exatamente um ano, diversas cidades do litoral sul de São Paulo ficaram sem água próximo à época do Reveillon e, na ocasião, o governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou que a falta d´água havia ocorrido por conta de um “consumo inesperado” dos turistas que desceram a serra para as festas. Afinal, por que alguém esperaria aumento de consumo em períodos de forte calor, não é mesmo?
Ao longo de todo o ano passado, enquanto os paulistas incluíam as palavras “Sistema Cantareira” e “volume morto” em seu vocabulário diário, cada vez mais regiões da capital e do interior paulista passavam a sofrer com a falta sistemática de água. A cidade de Itu, na região metropolitana de Sorocaba, foi um dos casos mais simbólicos (Veja o vídeo).
Mesmo assim, o governador sempre foi resoluto em afirmar que não faltava água no estado. No último debate entre os postulantes ao governo paulista, no início de outubro passado, Alckmin, ainda candidato à reeleição, foi taxativo: “Não falta e nem vai faltar água em São Paulo”. Porém, neste novo ano que começa a notícia é velha. Para evitar o caos no abastecimento de água, o governo tucano decidiu impor uma sobretaxa para forçar a redução do consumo da população.
Se usar bem, ninguém fica sem?
“É importante que fique claro que a responsabilidade pela crise d´água não é da população”, afirma Edson Aparecido da Silva, sociólogo e coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental.
O especialista é um dos muitos que não possuem dúvida alguma de que o verdadeiro motivo para a crise hídrica em São Paulo não é a falta de consciência da população no uso d’água — que de fato existe — , mas sim porque os sucessivos governadores que passaram pelo Palácio dos Bandeirantes não tomaram as medidas necessárias. “Estamos enfrentando essa crise porque o governo não fez no tempo certo as obras que deveriam ter sido feitas. Ele não iniciou uma campanha de redução de consumo com a antecedência devida”, acrescenta.
Dona Rute, moradora do Jardim Umuarama, vive um racionamento não oficializado pelo governo, que pode durar até 9 dias sem água na torneira. Foto: Sarah Pabst
Na mesma linha de Aparecido, o diretor de base do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), José Mairton, afirma que o cenário atual poderia ser outro, caso o governador de São Paulo tivesse decretado o racionamento no início de 2014. “A estiagem prolongada previu a falta de água. Hoje poderíamos ter uma situação menos preocupante. A coordenação da campanha eleitoral do atual governador do PSDB não queria passar uma falha gravíssima de sua gestão anterior, sendo assim, persistiram em um erro que considero um dos maiores golpes políticos já visto”, avalia.
Mas, na contramão dos fatos, Alckmin nunca assumiu a necessidade de decretar racionamento, pelo menos assim o fez durante todo o ano de 2014 — um ano eleitoral.
De acordo com Edson Aparecido, apesar de o racionamento não ter sido decretado oficialmente, ele já existe desde que a Sabesp começou a fazer redução na pressão da rede durante o período noturno. “Quando uma pessoa chega em casa do trabalho, vai tomar banho, abre a torneira e descobre que a água só virá no dia seguinte, é um racionamento.”
Depoimentos que desmentem o discurso do governador são abundantes. “Aqui falta água faz tempo já, não é verdade que não tem racionamento em São Paulo”, relata o poeta Binho, fundador do Sarau que leva seu nome e morador do Campo Limpo, vizinho ao terminal de ônibus da região. “A gente tem que ficar de plantão o dia inteiro, esperando a água chegar. Aí corre pra encher balde, panela e guardar tudo”, conta a carroceira Dona Rute de Carvalho na favela Godoi, Jardim Umuarama — ambos na capital paulista.
Com o nível do segundo volume morte ora se estabilizando ora caindo, mas raramente subindo significativamente, e com o período de chuvas se aproximando do seu final, existe algum motivo para que o governador não decrete o racionamento?
Primeira solução para a crise: assumir que há uma crise
Pode parecer óbvio para muitos que, para se resolver um problema, precisa-se, primeiro, reconhecer que ele existe. Mas nem sempre o óbvio é assim tão evidente. “Em momentos de crise como esse, o governo estadual deveria fazer duas coisas — além de decretar oficialmente o racionamento : apresentar um “pacotão” de medidas — um plano de contingência para enfrentar essa crise que tende a se aprofundar ao fim do período de chuvas (final de março), e que esse pacote fosse precedido de um diálogo com as prefeituras diretamente envolvidas com a crise”, afirma Aparecido que cita as prefeituras das regiões metropolitanas da capital paulista e de Campinas, junto com os comitês de bacias hidrográficas do Alto Tietê e do PCJ (Piracicapa-Capivari-Jundiaí). “[Mas] o governo do Estado continua em uma linha de ação individual, autoritária, sem transparência e isso tem sido péssimo”, lamenta.
Fluxo de água na primeira cota do Volume Morto, inaugurado pelo governador Geraldo Alckmin. Foto: Mídia NINJA
Para ele, era necessária uma conversa com todas as prefeituras — com a ajuda do governo do estado e da Sabesp — para desenvolver um plano para a redução do consumo excessivo de água, além da adoção de algumas das medidas como: mapear todas as possibilidades de poços artesianos nas regiões e requisitar que o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo), que é o responsável pela outorga de utilização de poços, apresentasse, com as respectivas prefeituras envolvidas, uma lista com tais possibilidades, tendo como prioridade o abastecimento humano.
Outras medidas deveriam envolver também dois grandes consumidores de água no estado: os setores agrícola e industrial. Aparecido entende que o governo deveria negociar com ambos a busca por novas tecnologias para utilizar menos água em suas produções, inclusive com incentivos fiscais. “Partindo do princípio que a água tem que usar usada prioritariamente para o abastecimento humano, o governo também tinha que chamar a Fiesp [Federação das Indústrias de São Paulo] e fazer um plano de redução de consumo desse setor”, sugere o especialista.
Continuar pedindo o sacrifício da população é insuficiente
Perguntado se um, até o momento, hipotético decreto de racionamento residencial seria suficiente para aplacar a crise, Aparecido Silva é direto: não.
Segundo dados oficiais do DAEE, o setor industrial utiliza 40% de toda água disponível para abastecimento em rios, poços e reservatórios da Grande São Paulo e Baixada Santista e, como afirmou o geógrafo Wagner Ribeiro, professor titular da Universidade de São Paulo (USP), outras medidas futuras podem começar a ser discutidas, como a presença de indústrias nas regiões metropolitanas, que são áreas de escassez hídrica. “É fundamental reavaliar a conveniência de manter indústrias funcionando aqui”, acredita.
E quanto aos empregos na área industrial? O estudo mais recente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, feito entre os dias 12 e 26 de maio de 2014 com 229 empresas de micro e pequeno porte (até 99 empregados), 140 de médio porte (de 100 a 499 empregados) e 44 de grande porte (500 ou mais empregados), revelou que já foram fechados mais de 3 mil postos de trabalho devido à falta de água. As demissões decorrem da redução do ritmo da produção e da queda da produtividade das indústrias pela falta do recurso hídrico. A tendência, segundo a Fiesp, é que o quadro se agrave nos próximos meses.
“A situação já estava muito ruim no que diz respeito ao crescimento econômico”, declarou Anicia Pio, gerente de meio ambiente da Fiesp. “Naturalmente, que a falta d’água teve uma parcela importante nessas demissões. A escassez de água está levando à redução da produtividade e toda vez que isso acontece é necessário cortar custos, ou seja, demitir o funcionário. A nossa perspectiva é que a nova equipe que vai assumir decrete medidas amargas, mas necessárias para que cause o mínimo de sofrimento a todos os setores”, ponderou.
O estudo ainda apontou que, em cada três empresas, duas estão preocupadas com a possível interrupção no fornecimento de água na região. A possibilidade de racionamento ainda neste ano é um fator de preocupação para 67,6% das 413 indústrias entrevistadas pelo Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depecon) da Fiesp.
Anicia defende que o racionamento deveria ser decretado em todos os setores, inclusive para as empresas. “O correto é que a redução seja para todo mundo. As indústrias têm feito a lição de casa nesse sentido. Desde 2007, as empresas que captam água direto dos mananciais tiveram uma redução de mais de 50%. O setor industrial, na região metropolitana, responde por 10,6% de toda a água utilizada em termos de uso direto (rios, águas subterrâneas)”, afirma.
Além do plano de contingência, ela sugere incentivos fiscais para empresas que atuam no segmento de produtos químicos. “Quanto menos água, mais caro fica o tratamento. O governo poderia diminuir ou dar incentivo para a redução dos impostos de produtos químicos, evitando assim que a população seja obrigada a pagar mais caro pela água”, conclui.
De acordo com Aparecido, o governo do estado deveria enviar à Assembleia Legislativa de São Paulo uma lei reduzindo ou isentando de impostos da esfera estadual, como ICMS, equipamentos hidráulicos que possam reduzir o consumo de água para incentivar a indústria e o comércio — com os usuários domésticos substituindo seus equipamentos por outros de baixo consumo.
Outras medidas sugeridas pelo especialista seriam revisão de calendário de eventos nesses períodos de muito calor, onde se consome muita água; rever o calendário escolar — como campeonatos esportivos, feiras, congressos, a extensão do período de férias de verão e o cancelamento das férias de inverno, além de um controle maior para que todas as administrações, tanto estadual quanto municipal, reduzissem o uso de água na lavagem de equipamentos públicos e rega de jardins, por exemplo.
E a Sabesp?
Em 1994, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) se tornou uma empresa de capital misto com o argumento de que vendendo parte de suas ações seria possível arrecadar mais recursos para investir na sua função: saneamento básico e abastecimento de água.
Passados 20 anos, a empresa viu seu faturamento saltar de R$ 6 bilhões para R$ 17,1 bilhões entre 2002 e 2012. A quantia nada modesta seria mais do que o suficiente para a ampliar a rede de captação e saneamento, evitando assim qualquer problema relacionado à escassez de água. Enquanto parte da população da região metropolitana vê as torneiras secas há meses, os acionistas da Sabesp têm um faturamento nada escasso.
Festa em Nova York, seca em São Paulo: ao som de “Oh Happy Day”, diretores da Sabeps comemoraram o lucro de R$ 4,3 bilhões em 2012 Foto: Sabesp
Diante da lógica da maximização dos lucros, a companhia não tomou as medidas necessárias para conter a crise já em 2013, quando o nível dos reservatórios estava baixando. Políticas de racionamento, com penalização de quem desperdiçasse água, e de informação não foram feitas, como explica Anderson Guahy, técnico em gestão da Sabesp e diretor de formação do Sintaema.
“Em vez da empresa buscar a universalização do saneamento, levar saneamento e saúde para toda a população do estado, ter feito a manutenção das redes de água, ela vem atuando no sentido de garantir lucros cada vez maiores para seus acionistas. No que diz respeito à Sabesp, a responsabilidade pela crise deve ser direcionada à alta gestão e não aos trabalhadores concursados que vêm sendo perseguidos nos últimos meses”, diz Guahy.
Seguindo uma linha de raciocínio semelhante, Anicia Pio sugere que dois blocos de ações que deveriam ter sido executados mas não foram: obras e transparência. “Desde 2004 o governo sabia da necessidade de investir no sistema de abastecimento da Grande São Paulo, mas nada foi feito. Ao mesmo tempo, faltou autoridade e competência para chegar na população através da mídia e explicar a gravidade da situação”, afirma. O caso de 2004 a qual ela se refere é a outorga que autorizava a Sabesp a retirar água do Sistema Cantareira e fornecê-la para oito milhões de pessoas na capital paulista e na região metropolitana, ação que já constava entre as diretrizes para reduzir a demanda, pois o sistema poderia não suportar uma situação como a atual.
“E a Sabesp ainda não apresentou nenhum plano para a redução da perda de água, quer dizer continua perdendo um terço da água ainda na distribuição”, argumenta Aparecido. O especialista afirma que seria importante que ela interrompesse o pagamento de dividendos ou de juros sobre o capital próprio para os seus acionistas.
Em meio a pior crise enfrentada pelo Estado mais rico do Brasil, que possui a maior cidade da América Latina em um país que diferente de muitos outros, foi “abençoado” por inúmeros recursos hídricos disponíveis em seu território, os acionistas podem comemorar o ano que passou: somente em 2014, a Sabesp captou aproximadamente R$ 800 milhões. A população paga a conta.
Os pontos no gráfico mostram 4040 intervalos de 1 ano para o acumulado de chuva e a variação no estoque total de água (do dia 1º de janeiro de 2003/2004 até hoje). O padrão mostra que mais chuva faz o estoque variar para cima e menos chuva para baixo, como seria de se esperar.
Este e os demais gráficos desta página consideram sempre a capacidade total de armazenamento de água em São Paulo (2,24 trilhões de litros), isto é, a soma dos reservatórios dos Sistemas Cantareira, Alto Tietê, Guarapiranga, Cotia, Rio Grande e Rio Claro. Quer explorar os dados?
A região de chuva acumulada de 1.400 mm a 1.600 mm ao ano concentra a maioria dos pontos observados de 2003 para cá. É para esse padrão usual de chuvas que o sistema foi projetado. Nessa região, o sistema opera sem grandes desvios de seu equilíbrio: máximo de 15% para cima ou para baixo em um ano. Por usar como referência a variação em 1 ano, esse modo de ver os dados elimina a oscilação sazonal de chuvas e destaca as variações climáticas de maior amplitude. Ver padrões ano a ano.
Uma segunda camada de informação no mesmo gráfico são as zonas de risco. A zona vermelha é delimitada pelo estoque atual de água em %. Todos os pontos dentro dessa área (com frequência indicada à direita) representam, portanto, situações que se repetidas levarão ao colapso do sistema em menos de 1 ano. A zona amarela mostra a incidência de casos que se repetidos levarão à diminuição do estoque. Só haverá recuperação efetiva do sistema se ocorrerem novos pontos acima da faixa amarela.
Para contextualizar o momento atual e dar uma ideia de tendência, pontos interligados em azul destacam a leitura adicionada hoje (acumulado de chuva e variação entre hoje e mesmo dia do ano passado) e as leituras de 30, 60 e 90 atrás (em tons progressivamente mais claros).
Discussão a partir de um modelo simples
O ajuste de um modelo linear aos casos observados mostra que existe uma razoável correlação entre o acumulado de chuva e a variação no estoque hídrico, como o esperado.
Ao mesmo tempo, fica clara a grande dispersão de comportamento do sistema, especialmente na faixa de chuvas entre 1.400 mm e 1.500 mm. Acima de 1.600 mm há dois caminhos bem separados, o inferior corresponde ao perído entre 2009 e 2010 quando os reservatórios ficaram cheios e não foi possível estocar a chuva excedente.
Além de uma gestão deliberadamente mais ou menos eficiente da água disponível, podem contribuir para as flutuações observadas as variações combinadas no consumo, nas perdas e na efetividade da captação de água. Entretanto, não há dados para examinarmos separadamente o efeito de cada uma dessas variáveis.
Simulação 1: Efeito do aumento do estoque de água
Nesta simulação foi hipoteticamente incluído no sistema de abastecimento a reserva adicional da represa Billings, com volume de 998 bilhões de litros (já descontados o braço “potável” do reservatório Rio Grande).
Aumentar o estoque disponível não muda o ponto de equilíbrio, mas altera a inclinação da reta que representa a relação entre a chuva e a variação no estoque. A diferença de inclinação entre a linha azul (simulada) e a vermelha (real) mostra o efeito da ampliação do estoque.
Se a Billings não fosse hoje um depósito gigante de esgotos, poderíamos estar fora da situação crítica. Entretanto, vale enfatizar que o simples aumento de estoque não é capaz de evitar indefinidamente a escassez se a quantidade de chuva persistir abaixo do ponto de equilíbrio.
Simulação 2: Efeito da melhoria na eficiência
O único modo de manter o estoque estável quando as chuvas se tornam mais escassas é mudar a ‘curva de eficiência’ do sistema. Em outras palavras, é preciso consumir menos e se adaptar a uma menor entrada de água no sistema.
A linha azul no gráfico ao lado indica o eixo ao redor do qual os pontos precisariam flutuar para que o sistema se equilibrasse com uma oferta anual de 1.200 mm de chuva.
A melhoria da eficiência pode ser alcançada por redução no consumo, redução nas perdas e melhoria na tecnologia de captação de água (por exemplo pela recuperação das matas ciliares e nascentes em torno dos mananciais).
Se persistir a situação desenhada de 2013 a 2015, com chuvas em torno de 1.000 mm será necessário atingir uma curva de eficiência que está muito distante do que já se conseguiu praticar, acima mesmo dos melhores casos já observados.
Com o equilíbrio de “projeto” em torno de 1.500 mm, a conta é mais ou menos assim: a Sabesp perde 500 mm (33% da água distribuída), a população consume 1.000 mm. Para chegar rapidamente ao equilíbrio em 1.000 mm, o consumo deveria ser de 500 mm, uma vez que as perdas não poderão ser rapidamente evitadas e acontecem antes do consumo.
Se 1/3 da água distribuída não fosse sistematicamente perdida não haveria crise. Os 500 mm de chuva disperdiçados anualmente pela precariedade do sistema de distribução não fazem falta quando chove 1.500 mm, mas com 1.000 mm cada litro jogado fora de um lado é um litro que terá de ser economizado do outro.
Simulação 3: Eficiência corrente e economia necessária
Para estimar a eficiência corrente são usadas as últimas 120 observações do comportamento do sistema.
A curva de eficiência corrente permite estimar o ponto de equilíbrio atual do sistema (ponto vermelho em destaque).
O ponto azul indica a última observação do acumulado anual de chuvas. A diferença entre os dois mede o tamanho do desequilíbrio.
Apenas para estancar a perda de água do sistema, é preciso reduzir em 49% o fluxo de retirada. Como esse fluxo inclui todas as perdas, se depender apenas da redução no consumo, a economia precisa ser de 66% se as perdas forem de 33%, ou de 56% se as perdas forem de 17%.
Parece incrível que a eficiência do sistema esteja tão baixa em meio a uma crise tão grave. A tentativa de contenção no consumo está aumentando o consumo? Volumes menores e mais rasos evaporam mais? As pessoas ainda não perceberam a tamanho do desastre?
Supondo que novos estoques de água não serão incorporados no curto prazo, o prognóstico sobre se e quando a água vai acabar depende da quantidade de chuva e da eficiência do sistema.
O gráfico mostra quantos dias restam de água em função do acumulado de chuva, considerando duas curvas de eficiência: a média e a corrente (estimada a partir dos últimos 120 dias).
O ponto em destaque considera a observação mais recente de chuva acumulada no ano e mostra quantos dias restam de água se persistirem as condições atuais de chuva e de eficiência.
O prognóstico é uma referência que varia de acordo com as novas observações e não tem probabilidade definida. Trata-se de uma projeção para melhor visualizar as condições necessárias para escapar do colapso.
Porém, há duas importantes limitações nesses dados que podem distorcer a interpretação da realidade: 1) a Sabesp usa somente porcentagens para se referir a reservatórios com volumes totais muito diferentes; 2) a entrada de novos volumes não altera a base-de-cálculo sobre o qual essa porcentagem é medida.
Por isso, foi necessário corrigir as porcentagens da série de dados original em relação ao volume total atual, uma vez que os volumes que não eram acessíveis se tornaram acessíveis e, convenhamos, sempre estiveram lá nas represas. A série corrigida pode ser obtida aqui. Ela contém uma coluna adicional com os dados dos volumes reais (em bilhões de litros: hm3)
Além disso, decidimos tratar os dados de forma consolidada, como se toda a água estivesse em um único grande reservatório. A série de dados usada para gerar os gráficos desta página contém apenas a soma ponderada do estoque (%) e da chuva (mm) diários e também está disponível.
As correções realizadas eliminam os picos causados pelas entradas dos volumes mortos e permitem ver com mais clareza o padrão de queda do estoque em 2014.
Padrões ano a ano
Média e quartis do estoque durante o ano
Sobre este estudo
Preocupado com a escassez de água, comecei a estudar o problema ao final de 2014. Busquei uma abordagem concisa e consistente de apresentar os dados, dando destaque para as três variáveis que realmente importam: a chuva, o estoque total e a eficiência do sistema. O site entrou no ar em 16 de janeiro de 2015. Todos os dias, os modelos e os gráficos são refeitos com as novas informações.
Espero que esta página ajude a informar a real dimensão da crise da água em São Paulo e estimule mais ações para o seu enfrentamento.
DE SALVADOR
DE CAMPINAS
DE PORTO ALEGRE
DO RIO
DE SÃO PAULO
25/01/2015 02h00
Racionamento, problemas de abastecimento ou reservatórios em níveis de alerta já são realidade em cinco das dez maiores regiões metropolitanas do país: as de Belo Horizonte, Campinas, Recife, Rio e São Paulo. Juntas, elas abrigam 48 milhões de pessoas, quase um quarto da população do país.
Na Grande São Paulo, os principais reservatórios se esgotarão em cerca de cinco meses caso seja mantido o ritmo de chuvas e consumo das primeiras três semanas do ano.
Diante da situação, o Estado instituiu uma sobretaxa sobre o aumento de consumo, e o presidente da Sabesp, Jerson Kelman, admitiu a possibilidade de racionamento “se continuar a não chover nos lugares certos e nas quantidades necessárias”.
Na região de Campinas (interior de SP), cinco municípios já fazem racionamento e outros enfrentam cortes de água frequentes desde 2014. A situação deve se agravar. Nesta semana, a vazão dos reservatórios do sistema Cantareira para a região foi ainda mais reduzida. Empresas de saneamento, indústrias e agricultores terão de reduzir a captação de 20% a 30% quando a vazão dos rios cair.
Editoria de arte/Folhapress
Em Pernambuco, segundo o governo do Estado, 40% da região metropolitana do Recife enfrenta rodízio no abastecimento de água, incluindo cidades como Olinda, a menos de um mês do Carnaval. No Rio, o principal reservatório atingiu pela primeira vez o volume morto.
Cidades do interior, por enquanto, são as mais afetadas pela seca, mas já há relatos de problemas na capital fluminense e em municípios na região metropolitana.
Em bairros como Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, na zona oeste carioca, tem havido falta de água pontual, e alguns hotéis e condomínios já contratam caminhões-pipa.
A Cedae, a companhia de águas e esgoto do Rio, afirma que nenhum dos bairros da capital tem registrado problemas de abastecimento. Na Baixada Fluminense, moradores relatam que a frequência com que falta água na região aumentou nos últimos meses do ano passado.
Minas também enfrenta problemas, com reservatórios em nível crítico. Nesta semana, a companhia de saneamento do Estado pediu economia à população e anunciou que será preciso reduzir o consumo em 30% na região metropolitana para que as torneiras não sequem em quatro meses. Não está descartada sobretaxa sobre aumento de consumo.
View of the bed of Jacarei river dam, in Piracaia, during a drought affecting Sao Paulo state, Brazil on November 19, 2014. The Jacarei river dam is part of the Sao Paulo’s Cantareira system of dams, which supplies water to 45% of the metropolitan region of Sao Paulo –20 million people– and is now at historic low. NELSON ALMEIDA/AFP/Getty Images
Water cuts and blackouts have spread across large areas of south-east Brazil as a result of the worst drought in the country since 1930. The drought has hit Brazil’s three most populous states: São Paulo, Rio de Janeiro, and Minas Gerais.
More than four million people have been affected by water rationing and power cuts. In the Madureira district of Rio residents have mounted demonstrations, beating empty buckets and cans to express their frustration. The district has been without tap water since before Christmas. Other cities have seen similar demonstrations.
The drought first hit in São Paulo, where hundreds of thousands of residents have had water supplies cut. The region should normally be experiencing its rainy season.
São Paulo state suffered similar serious drought problems last year. At an emergency meeting of five government ministers in the country’s capital, Brasilia, Environment Minister Izabella Teixeira says that the three states must save water.
“Since records for Brazil’s south-eastern region began 84 years ago we have never seen such a delicate and worrying situation,” said Teixeira.
The water shortage will inevitably affect industry and agriculture. There will also be reductions in energy supplies, given reduced output from hydroelectric dams. The latter is a particular problem because there is extra demand for energy to power air conditioning during the summer months.
São Paulo Governor Geraldo Alckmin has increased charges for high water consumption and offered discounts for reduced usage. He has also capped the quantities extracted by companies and farmers from rivers. Nevertheless, critics blame poor planning and politics for the worsening situation.
Meanwhile, in Rio de Janeiro state, the BBC reports that reserves in the main water reservoir are exhausted, for the first time since its construction.
Environment Secretary Andre Correa said that the state was experiencing “the worst water crisis in its history”.
He stated there was sufficient water in other reservoirs to avoid rationing in Rio for at least six months. Even so, Rio and Minas Gerais are requesting asking residents and companies to reduce water consumption by up to 30 percent.
Promessa de campanha do governador Geraldo Alckmin (PSDB), a falta de água em São Paulo é uma realidade há meses em diversos pontos do Estado. Na semana passada, ele admitiu que há sim racionamento (diante da repercussão, tentou voltar atrás), algo que a população – sobretudo a dos bairros mais carentes – já sabia. O que também já se sabe é que, sim, a água vai mesmo acabar. Se não chegar a zerar, terá níveis baixíssimos que afetarão a vida de todos, a partir de março.
Os especialistas ouvidos pelo Brasil Post viram com bons olhos o fato de que o governo paulista, com atraso, reconheceu o racionamento. Também aprovaram a aplicação de multa contra aqueles que consomem muita água – embora a medida, tardia, devesse ser uma política sempre presente, e não para ‘apagar incêndios’ como agora. Contudo, o cenário que se colocará com a chegada do período de estiagem, entre o fim de março e começo de abril, se estendendo até outubro, vai requerer novos hábitos, seja dos gestores ou da população.
“Quando acabar a água serão interrompidas atividades que não são consideradas essenciais, com cortes para o comércio, para a indústria e o fechamento de locais com muito uso de água, como shoppings, escolas e universidades”, analisou o professor Antonio Carlos Zuffo, especialista na área de recursos hídricos na Unicamp. Parece exagerado, mas não é. Segundo o jornal O Estado de S. Paulo desta quarta-feira (21), os seis mananciais que abastecem 20 milhões de pessoas na Grande São Paulo têm registrado déficit de 2,5 bilhões de litros por dia em pleno período no qual deveriam encher para suprir os meses de seca.
Já em 2002, a Saneas, revista da Associação dos Engenheiros da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (AESabesp), publicava um texto no qual apontava “uma inegável situação de estresse hídrico”, a qual podia “ter um final trágico, com previsões de escassez crônica em 15 anos”. A Agência Nacional de Águas (ANA) apontava, na outorga de uso do Sistema Cantareirade 2004, que era preciso diminuir a dependência desse sistema. Em plena crise, na tentativa de renovação em 2014, havia uma tentativa de aumentar, e não diminuir, o uso do Cantareira. Ou seja, algo impraticável e ignorando as previsões. Não, a culpa não é de São Pedro.
“Hoje a situação é muito pior que no ano passado. Em janeiro de 2014 tínhamos 27,2% positivos no Cantareira, hoje temos 23,5% negativos. Ou seja, consumimos 50% do volume nesse período. Mantida a média de consumo, a água acaba no fim de março. É preciso lembrar que janeiro é o mês com maior incidência de chuva em SP, seguido por dezembro. No mês passado, choveu 25% a menos do que a média. Esse mês só choveu 22%, 23% da média. A equação é simples: não vai ter água para todo mundo”, completou Zuffo.
Informação e transparência
Para a ambientalista Malu Ribeiro, da ONG SOS Mata Atlântica, a demora em admitir o óbvio por parte das autoridades trouxe mais prejuízos do que benefícios ao longo dos últimos 13 meses. “A sociedade precisa ter a noção clara da gravidade dessa crise. Quando as autoridades passam certa confiança, como era o caso do governo Alckmin, a tendência é que não se alerte da forma necessária e as pessoas se mantenham em uma situação confortável. Muita gente não acredita na proporção dessa crise, muito se agravou e agora é preciso cautela”, avaliou.
As mudanças na Secretaria de Recursos Hídricos e na presidência da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), com as entradas de Benedito Braga e Jerson Kelman, respectivamente, também foram benéficas, já que colocam em posições estratégicas dois especialistas no tema. Entretanto, isso não basta. A necessidade de discutir a gestão da água sob o âmbito estratégico, algo muito teórico e pouco prático no Brasil, é vista como fundamental em tempos de crise.
“Há ainda muita ocupação em áreas de mananciais, por exemplo. Então vemos que o comportamento, apesar da crise não ser nova, não mudou. Veja em Itu, onde eu moro, onde a crise foi muito pior e, agora que choveu um pouco, as pessoas acham que não precisam mais poupar, que tudo voltou ao normal. O combate ao desperdício deve ser permanente e temos de ter prevenção. É preciso doer no bolso, por isso a multa deve ser permanente”, disse Malu.
“A falta de informação resultou em uma insegurança, sem informar à população sobre o seu papel na crise. A ONU já apontava que a década entre 2010 e 2020 seria da água, e não por acaso, mas no Brasil há uma timidez nesse sentido. É preciso mudar essa cultura de abundância que se tem no Sudeste e desenvolver um plano estratégico, com mais poder aos comitês de bacia. É absurdo o desperdício de água na agricultura, e isso não é discutido. É hora de acordar”, completou a ambientalista.
‘Água cara’ veio para ficar
De acordo com os especialistas, a crise da água expõe também um cenário já esperado, já que a Terra passa por ciclos alternados entre seca e chuvas a cada 30 anos. O atual, iniciado em 2010 e que segue até 2040, será recheado de períodos de seca em regiões populosas, quadro a se inverter apenas daqui a 25 anos. Assim, é preciso mudar hábitos, antes de mais nada. Mesmo em tempos de calor excessivo, há quem ainda não tenha se dado conta disso.
“Muita gente se vê alheia ao problema e, com o calor, acaba correndo para compras piscininhas e usa a água para o lazer. O Carnaval que está chegando também ajuda a tirar o cidadão comum do foco, como ocorreu durante as eleições. Isso não é mais possível. Há a responsabilidade dos gestores, mas também é preciso que o cidadão se atente ao seu papel, sob pena de termos novas ‘cidades mortas’, como no Vale do Paraíba ou no Vale do Jequitinhonha, onde os recursos naturais foram exauridos”, afirmou Malu.
E que ninguém se anime com a promessa da Sabesp de que ainda há uma terceira cota de 41 bilhões de litros do volume morto do Cantareira, cujo uso deve ser solicitado pelo governo paulista junto à ANA nos próximos dias. “Sabemos que 45% do Cantareira que não é captado é volume morto. A terceira cota restante não é toda ela captável. Teríamos com ela mais uns 10%, suficiente só para mais algumas semanas”, comentou Zuffo.
Medidas sugeridas ao longo da crise, o reuso da água e a dessalinização são medidas caras e que dependem de outros aspectos para serem implementadas – e, com o possível racionamento de energia elétrica, podem não sair do papel. Ou seja, não são a solução a curto prazo. O uso de mais água de represas como a Billings (com sua notória poluição) também dependem de obras – outro entrave para quem gostaria de não ver a falta de água por dias seguidos se tornar uma realidade por meses a fio. Sem chuva, só há um caminho a seguir.
“Há uma variabilidade cíclica natural, que nada tem a ver com o aquecimento global, mas não temos engenharia para resolver a questão no curto prazo. Temos é que ter inteligência para nos adaptar e reduzir de 250 litros para 150 litros, ou ainda menos, o consumo de água por cada pessoa. Há países europeus em que o uso não passa de 60 litros/pessoa. É preciso usar menos e tratar a água de maneira que ela possa ser reutilizada. Tudo depende de tecnologia e novos hábitos”, concluiu Zuffo.
Diante da crise da água em São Paulo, o coordenador geral da Rede Nossa São Paulo e do Programa Cidades Sustentáveis faz um apelo às autoridades e aos cidadãos para que assumam as devidas responsabilidades. Confira:
A cidade de São Paulo está diante de uma catástrofe social, econômica e ambiental sem precedentes. O nível do sistema Cantareira está em cerca de 6% e segue baixando por volta de 0,1% ao dia. O que significa que, em aproximadamente 60 dias, o sistema pode secar COMPLETAMENTE!
O presidente da Sabesp declarou que o sistema pode ZERAR em março ou, na melhor das hipóteses, em junho deste ano. E NÃO HÁ UM PLANO B em curto prazo. Isto significa que seis milhões de pessoas ficarão praticamente SEM UMA GOTA DE ÁGUA ou com enorme escassez. Não é que haverá apenas racionamento ou restrição. Poderá haver ZERO de água, NEM UMA GOTA.
Você já se deu conta do que isto significa em termos sociais, econômicos (milhares de estabelecimentos inviabilizados e enorme desemprego) e ambientais? Você já se deu conta de que no primeiro momento a catástrofe atingirá os mais vulneráveis (pobres, crianças e idosos) e depois todos nós?
O que nos espanta é a passividade da sociedade e das autoridades diante da iminência desta monumental catástrofe. Todas as medidas tomadas pelas autoridades e o comportamento da sociedade são absolutamente insuficientes para enfrentar este verdadeiro cataclismo.
Parece que estamos todos anestesiados e impotentes para agir, para reagir, para pressionar, para alertar, para se mobilizar em torno de propostas e, principalmente, em ações e planos de emergência de curto prazo e políticas e comportamentos que levem a uma drástica transformação da nossa relação com o meio ambiente e os recursos hídricos.
Há uma unanimidade de que esta é uma crise de LONGUÍSSIMA DURAÇÃO por termos deixado, permitido, que se chegasse a esta dramática situação. Agora, o que mais parece é que estamos acomodados e tranquilos num Titanic sem nos dar conta do iceberg que está se aproximando.
Nosso intuito, nosso apelo, nosso objetivo com este alarme é conclamar as autoridades, os formadores de opinião, as lideranças e os cidadãos a se conscientizarem urgentemente da gravíssima situação que vive a cidade, da dimensão da catástrofe que se aproxima a passos largos.
Precisamos parar de nos enganar. É fundamental que haja uma grande mobilização de todos para que se tomem ações e medidas à altura da dramática situação que vivemos. Deixar de lado rivalidades e interesses políticos, eleitorais, desavenças ideológicas. Não faltam conhecimentos, não faltam ideias, não faltam propostas (o Conselho da Cidade de São Paulo aprovou um grande conjunto delas). Mas faltam mobilização e liderança para enfrentar este imenso desafio.
Todos precisamos assumir nossa responsabilidade à altura do nosso poder, de nossa competência e de nossa consciência. O tempo está se esgotando a cada dia.
* Oded Grajew é empresário, coordenador da secretaria executiva da Rede Nossa São Paulo, presidente emérito do Instituto Ethos e idealizador do Fórum Social Mundial.
Escolhido pela gestão de Geraldo Alckmin para dirigir a Sabesp, o ex-presidente da ANA (Agência Nacional de Águas) Jerson Kelman afirma que o Estado tem de estar “preparado para o pior”.
“A situação é preocupante, é grave, e nós temos que torcer pelo melhor, mas estar preparados para o pior”, disse à Folha.
Em novembro, em entrevista ao jornal “Brasil Econômico”, ele havia dito que o governo não atuou da melhor maneira possível e não foi transparente como a gestão Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 2001, época do racionamento de energia. Kelman foi presidente da ANA entre 2001 e 2004.
“O Alckmin deve ter tido suas razões, porque em 2002 quem ganhou as eleições foi o Lula, não o Serra. Esse deve ter sido o raciocínio dele. Mas do ponto de vista de governo, de interesse público, a atuação não foi a melhor, desperdiçou-se água e os reservatórios estão mais vazios que deveriam”, disse na entrevista.
Após ser reeleito, Alckmin passou a adotar medidas mais duras para diminuir o consumo, como a sobretaxa para quem aumentar o consumo.
O novo secretário de Saneamento e Recursos Hídricos, Benedito Braga, afirma que vai avaliar o resultado da taxa extra e cogita até adotar medidas adicionais.
Os nomes de Kelman e de Ricardo Borsari, como superintendente do Daee (Departamento de Águas e Energia Elétrica), foram anunciados nesta quinta (1º) por Braga.
A nova equipe vai enfrentar a maior crise hídrica da história do sistema Cantareira. Nesta quinta, o sistema permaneceu estável, com 7,2% de sua capacidade.
Oficiamente, o nome de Kelman ainda tem de passar por um conselho da Sabesp antes de ele assumir o cargo.
Ele deve ser o substituto de Dilma Pena, que se desgastou com a crise.
Kelman é professor de Recursos Hídricos da COPPE-UFRJ. Também foi presidente do grupo Light e diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
A seguir, a conversa dele com a Folha.
Folha – Em uma entrevista anterior, o senhor falou da necessidade de se dar mais transparência à questão da crise hídrica. Jorge Kelman – O conceito de transparência é um conceito universal, que eu sempre defendo, não vai aí nenhuma crítica. Eu penso que a população do Estado de São Paulo sabe compreender as condições hidrológicas do momento. A melhor política é de absoluta transparência, de compartilhar com a população da forma mais clara possível.
O senhor também disse que talvez pudesse ter sido melhor a condução da crise pelo governo, que a questão eleitoral atrapalhou.
Eu estou aceitando esse cargo olhando para a frente, não quero ficar aqui atirando pedras para o passado. Olhando para a frente, a situação de São Paulo é preocupante, é grave, e temos que torcer pelo melhor, mas estar preparados para o pior.
O senhor chega no período de chuva, mas se preparando para a estiagem. Como vamos chegar a esse período?
Nesse período de chuvas agora, que às vezes tem tempestades muito fortes, é preciso deixar claro para manter sempre esclarecida a população de que essas chuvas intensas e curtas não resolvem o problema.
O abastecimento depende do estoque de água do sistema Cantareira.
O que poderia acontecer de ruim é você ter uma enchente, carros boiarem, essas coisas que acontecem no verão, e ter um efeito colateral indesejável que seria a população imaginar que o problema está resolvido e relaxar na postura que está tendo de uso econômico da água.
Funcionário da Sabesp e diretor do Sintaema alerta para a contínua queda dos reservatórios e recomenda, ao governo de São Paulo e Sabesp, medida imediata para tentar evitar o colapso. “Declarar um racionamento que falte água para pobre e rico, ao invés de fazer um rodízio nas periferias”
Por Igor Carvalho
Nesta segunda-feira (24), o Sistema Cantareira amanheceu com 9,4% de sua capacidade. Já são dez dias de quedas sucessivas, que colocam o abastecimento de São Paulo em risco. Anderson Guahy, técnico em gestão da Sabesp e diretor de formação do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente de São Paulo (Sintaema), demonstrou preocupação sobre a crise hídrica paulista e alerta a população.
“A situação é alarmante, estamos em perigo. Vai virar calamidade, se não forem tomadas medidas imediatas pelo alto comando da Sabesp e pelo governo de São Paulo”, alerta o técnico.
Guahy explicou que os constantes cortes no fornecimento de água nas regiões periféricas é de conhecimento da Sabesp e poderia ser evitado. “A Sabesp tem que declarar um racionamento que falte água para pobre e rico, ao invés de fazer um rodízio nas periferias”
Uma previsão para o fim dos recursos hídricos no Cantareira ainda é “precipitado”, explica o técnico da Sabesp. “O nível de utilização vem caindo muito, mas não é o único fator, se fizer muito calor, por exemplo, a água pode evaporar mais rápido.”
A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e o governo estadual estão se comportando como médicos do século passado. Sabendo que a doença é séria, se recusam a discutir o futuro com o paciente. Fazem o que podem para curar o doente, mas o poupam da angústia de enfrentar a realidade. Hoje, os médicos são educados para contar a verdade. Isso causa angústia, mas ao menos não priva o doente da liberdade de decidir como e onde quer viver enquanto espera o desfecho.
O Sistema Cantareira está se aproximando rapidamente do colapso. Quando não for possível retirar mais água das represas, 6 milhões de pessoas ficarão literalmente sem uma gota de água. É a parte da população de São Paulo que só pode ser abastecida pelo Cantareira. Esta é uma possibilidade real, cuja probabilidade é difícil de calcular. É por isso que vou tentar descrever de maneira objetiva a realidade hoje, deixando para os leitores as especulações sobre o futuro. Todos as informações foram extraídas de documentos oficiais da Agencia Nacional de Águas (ANA), do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) e da Sabesp.
O Sistema Cantareira é composto por três represas. As duas maiores, Jaguari/Jacareí e Atibainha, representam 92% do sistema. Quando cheia até a borda, a Represa Jaguari/Jacareí (acompanhe pelo quadro nesta página) atinge a conta 844 (ou seja, 844 metros acima do nível do mar), armazena 1,047 bilhão de m3 de água (um m3 são 1.000 litros) e cobre uma área de 50 km2 (cada km2 corresponde a 100 quarteirões). No último dia 18, ela estava na cota 815,5, tendo baixado 28,5 metros, e continha somente 140 milhões de m3 de água (13,3% do máximo). Sua superfície cobria somente uma área de 16 km2, deixando 34 km2 de terra e lama expostos (é o que você pode ver nas fotografias publicadas diariamente).
Neste dia, foi iniciada a retirada da segunda fração da reserva técnica – também chamada de volume morto -, o que vai reduzir o volume para 42 milhões de m3 (4% do máximo) e reduzir a área coberta por água para 8 km2. O barro vai cobrir 84% da área da represa (o quadro mostra os mesmos números para a Represa do Atibainha).
É muito difícil acreditar que seja possível extrair dessas represas uma reserva técnica 3. Se ela existir, será muito pequena. A reserva técnica 1, de 182,5 milhões de m3, já foi consumida. A reserva técnica 2, de 106 milhões de m3, já começou a ser retirada da Represa de Jaguari/Jacareí e praticamente já foi toda retirada da Represa do Atibainha.
Os dados mostram que ainda restam 232 milhões de m3 nessas duas represas, sendo possível retirar 99 milhões de m3. Grande parte do restante não será possível utilizar.
Quando o nível da água baixou para 820, a água deixou de fluir por gravidade para o túnel. Para evitar a interrupção do fornecimento, foi construído um dique em volta do túnel. Grandes bombas flutuantes transportam a água para o interior do dique, de onde ela flui pelo túnel. Dessa maneira, foi possível retirar a chamada reserva técnica 1. Quando a água da parte de fora do dique acabou, um segundo dique foi construído, isolando um grande braço da represa para permitir a retirada da reserva técnica 2. Nesse segundo dique foi instalado um outro grupo de bombas. Hoje, as bombas do segundo dique transportam a água para esse braço isolado da represa e a água chega no primeiro dique, onde é bombeada novamente para poder alcançar a entrada do túnel. Como os locais em que a Sabesp decidiu instalar esses dois grupos de bombas não têm energia elétrica, grandes geradores movidos a diesel foram transportados até a proximidade das bombas. Caminhões-tanque levam o diesel por estradas precárias para manter os geradores ligados 24 horas. É desse esquema improvisado que agora dependem os 6 milhões de pessoas que recebem água do Sistema Cantareira.
O sistema de bombas é capaz de retirar até 20 m3 por segundo da represa (20 pequenas caixas de água por segundo). Mas o problema é que, atualmente, só chegam às represas, trazidos pelos rios, 6 m3 por segundo de água. Assim, a cada segundo, 14 m3 a mais do que chega são retirados da represa. A rápida velocidade de perda das reservas significa que a, cada dia, a represa perde 1,2 milhão de m3 de água.
Mantido esse ritmo de perdas, é fácil calcular que a duração das reservas atuais é de 79 dias até o término da reserva técnica 2 e de 6 meses até que toda a água existente na represa se esgote.
Para que esse prazo seja estendido é necessário que a entrada de água na represa aumente. Se os atuais 6 m3 por segundo aumentarem para um número menor do que 20 m3 por segundo, a represa vai continuar a ser delapidada, mais lentamente. Se ela chegar a 20 m3 por segundo (o mesmo que as bombas retiram hoje), a represa vai parar de esvaziar. Mas são necessários mais de 20 m3 por segundo, um aumento constante de 4 vezes no fluxo atual dos rios, para que a represa volte a encher.
O problema é que isso não está ocorrendo nestes dois primeiros meses de chuva deste final de ano (outubro e novembro) e não ocorreu nenhuma vez nos meses de chuva do início de 2014 (janeiro, fevereiro, março e abril).
É claro que pode chover, e espero que chova muito, mas se o futuro próximo se comportar como o passado próximo, 6 milhões de pessoas ficarão sem água. E, infelizmente, é impossível abastecer 6 milhões com caminhões-pipa. Como e onde essas pessoas vão viver até que o Cantareira se recupere ou outras represas tomem seu lugar? É isso que eu gostaria de saber.
MAIS INFORMAÇÕES: BOLETIM ANA/DAEE DE MONITORAMENTO DO SISTEMA CANTAREIRA (18/11/2014). PROJEÇÃO DE DEMANDA DO SISTEMA CANTAREIRA, SABESP, 2014, E DADOS DE REFERÊNCIA ACERCA DA OUTORGA DO SISTEMA CANTAREIRA ANA/DAEE, 2013
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