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Sem chuvas, Brasil pode ter estagnação econômica e inflação, diz analista (Folha de S.Paulo)

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Crise de energia pode derrubar o PIB e aumentar a inflação no ano que vem, aponta relatório da RPS Capital

Douglas Gavras – 19 de agosto de 2021


O Brasil pode entrar em um quadro de estagflação (combinação de fraqueza econômica e preços em alta), caso não volte a chover no quarto trimestre do ano, segundo avaliação dos analistas da RPS Capital.

Na visão deles, a economia brasileira tem absorvido vários choques ao longo do ano, com desorganização de cadeias produtivas globais e, mais recentemente, aumento do custo do frete, com um novo surto de Covid na China.

“Se o período úmido for ruim, a gente pode ter complicações e o risco não é pequeno. O cenário de estiagem precisa passar até outubro, quando ocorre a transição desse período mais chuvoso”, diz Gabriel Barros, da RPS.

Para o analista, o governo tem adotado algumas medidas, que vão na direção correta, mas não são suficientes para evitar um cenário preocupante nos reservatórios das usinas.

“O que o governo tem anunciado é mais focado em grandes consumidores, ao deslocar o pico de carga da indústria para suavizar a curva”, diz. Como a situação é dramática, no entanto, deveria ser adotado um plano mais amplo de economia de energia.

Ele lembra que a inflação de alimentos ainda deve pesar no bolso, combinada com o aumento de preços da energia.

A inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) subiu 0,96% em julho, o maior resultado para o mês desde 2002, quando a alta foi de 1,19%.

No ano, o indicador acumula alta de 4,76% e, em 12 meses, 8,99%. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), oito dos nove grupos pesquisados apresentaram alta no mês. A maior pressão veio do aumento de 3,10% na habitação, pela alta de 7,88% na energia elétrica.

Além disso, a economia se beneficiou de um avanço na vacinação, o que deve movimentar o setor de serviços no segundo semestre. “Esses negócios estão em um momento de recompor preços e a inflação de serviços mostrou que está viva”, diz o analista.

Conforme o setor for reabrindo, a inflação como um todo também deve ficar mais alta. “São vários choques sequenciais e acontecendo ao mesmo tempo, criando uma tempestade perfeita para o BC”, diz o economista.

Diante desse quadro, caso o período de seca seja prolongado e não tenha chuva no fim do ano, cresce a possibilidade de que a economia não aguente mais um choque, explica Barros. “Uma seca mais aguda poderia gerar um cenário de estagflação.”

A geração hidrelétrica continua representando a maior parcela do parque gerador do país, que já representou 90% durante o apagão de 2001 e está em torno de 70%. Com a seca histórica, os reservatórios atingiram nível crítico e o governo precisou acionar térmicas (mais caras) para manter a geração.

“A reabertura da economia ajuda, mas tem de ter energia. Sem energia, isso vai derrubar o PIB (Produto Interno Bruto) e aumentar a inflação no ano que vem.”

O crescimento de 2022, que está sendo revisto para baixo, pode ficar ainda mais fraco sem chuvas. Uma redução compulsória de carga vai reduzir o crescimento, isso afeta diretamente o PIB.

Segundo o mais recente Boletim Focus, do Banco Central, a perspectiva de crescimento da economia é de 2,04% —sendo que já foi de 2,1% há um mês e de 2,5% no começo do ano.

Ruínas que estavam debaixo d’água há décadas agora podem ser vistas no interior de SP (G1)

g1.globo.com

6 de novembro de 2020


Lago formado durante a inundação para a construção de uma usina hidrelétrica secou devido à forte estiagem.
Estiagem revela construções que estavam submersas há décadas no interior de São Paulo

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Estiagem revela construções que estavam submersas há décadas no interior de São Paulo

A estiagem prolongada no interior de São Paulo secou o lago de uma usina hidrelétrica. E revelou uma história encoberta há décadas.

Depois de quase 50 anos embaixo d’água, a ponte da antiga estrada Boiadeira reapareceu no meio do Rio Grande, interior de São Paulo. A estrutura construída com cascalho e madeira na década de 1950 era usada pelas comitivas para levar gado de Minas Gerais até Barretos. Mas em 1975 toda a área em volta foi alagada para a construção do reservatório da usina hidrelétrica de Marimbondo. Desde então, a ponte não foi mais vista.

“Eu não estou vendo o canal do rio, do córrego, dois, três córregos que descem e passam pela ponte. Nós pescávamos ali, pegava peixe grande que vinha do rio, hoje só vê areia”, conta o aposentado Cláudio Geraldelli.

O nível do reservatório chegou a 6,72% no último fim de semana, o pior dos últimos 17 anos e um dos mais críticos do país. Seu Cláudio mostra as redes de pesca que ficaram presas em troncos, até pouco tempo escondidos embaixo d´água.

Por causa do longo período de estiagem a margem do rio recuou mais de um quilômetro. Com isso, ruínas de casas antigas começaram a aparecer no meio da paisagem. Uma era a piscina de uma fazenda que também foi completamente alagada pelo reservatório da usina hidrelétrica, e estava submersa. No chão, muitos tijolos e partes da construção que resistiram a tanto tempo embaixo d’água.

Por toda a margem do rio, são encontradas fundações de casas, paredes, chaminé, blocos de concreto. Restos de construções que faziam parte do município de Guaraci, que está entre as oito cidades que tiveram áreas alagadas pelo Reservatório de Marimbondo, um dos maiores do estado de São Paulo, com quase 500km2 de extensão.

Além de fazer ressurgir um pedaço dessa história, a seca tem trazido prejuízo para quem vive do rio. As embarcações flutuantes usadas por pescadores, que até pouco tempo boiavam no Rio Grande, agora estão em terra seca.

“Depois que inundou isso aqui, é a primeira vez que tem essa seca. Se esse rio continuar como está, provavelmente a gente vai ter que ir embora daqui, porque você não consegue nada, não tem renda do rio”, lamenta o pescador José Antônio Siqueira.

Quem gosta tanto de navegar por essas águas espera que a natureza possa trazer de volta aquela paisagem bonita do Rio Grande.

“A esperança é chuva. Tem que chover bastante para que a represa volte ao normal dela. Aí fica bom para todo mundo”, diz Devaldo Mathias de Menezes, pescador.

Sabesp faz investimento milionário em questionada técnica para fazer chover (UOL)

Thamires Andrade*

Do UOL, em São Paulo

28/05/201512h09

Até o fim deste ano, a Sabesp terá repassado R$ 12,5 milhões sem ter feito uma licitação

Até o fim deste ano, a Sabesp terá repassado R$ 12,5 milhões sem ter feito uma licitação (Lucas Lacaz Ruiz/Estadão Conteúdo)

Enquanto alega necessidade de “garantir o equilíbrio econômico-financeiro” para justificar a alta na conta de água, a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) mantém um negócio de mais de R$ 8 milhões com a ModClima, uma empresa que oferece uma técnica de indução de chuvas artificiais. Especialistas ouvidos pelo UOL dizem, porém, que o método não é eficaz.

De acordo com documentos da Sabesp obtidos via Lei de Acesso à Informação, a companhia já fechou quatro contratos com a empresa. Nos dois mais recentes, assinados no ano passado, a Sabesp já pagou R$ 2,4 milhões de um total de R$ 8,1 milhões previstos para fazer chover nos sistemas Cantareira e Alto Tietê, os mais afetados pela crise da água na região metropolitana de São Paulo.

Nos dois anteriores, com vigência 2007/2008 e 2009/2013, respectivamente, foram repassados R$ 4,3 milhões — já somados os reajustes. Desde 2007, portanto, a ModClima recebeu quase R$ 7 milhões da Sabesp.

Até o fim deste ano, a Sabesp terá repassado R$ 12,5 milhões sem ter feito nenhum tipo de contrato de licitação. A empresa alega que não era necessário abrir esse processo, pois a ModClima possui “patente de tecnologia utilizada”. Ou seja, ela seria a única empresa detentora desse tipo de tecnologia e, consequentemente, a única capaz de prestar o serviço.

Para o professor livre-docente do IAG-USP (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo) Augusto Jose Pereira Filho, a Sabesp contratou a empresa para não ser acusada de não fazer nada diante da crise de abastecimento de água.

“Foi dinheiro jogado fora. Era melhor utilizar essa verba para outros objetivos, como campanhas de conscientização e redução de perda de água, do que usar em técnicas que ainda não têm comprovação científica”, afirma.

A técnica

A tecnologia, utilizada pela ModClima, é chamada de semeadura e é realizada com um avião que lança gotículas de água dentro da nuvem para acelerar sua precipitação.

As gotas ganham volume e, quando estão pesadas o suficiente, a chuva localizada acontece. Segundo a empresa, chove de 5 a 40 milímetros. O tempo de semeadura dura entre 20 e 40 minutos.

“A semeadura consiste em imitar o processo de crescimento dos hidrometeoros [meteoros aquosos] que, quando atingem o tamanho correto dentro da nuvem, provocam a precipitação. Um avião lança dentro da nuvem gotículas de gelo, cristais ou outra partícula – de acordo com o tipo desta nuvem [quente ou fria] – para acelerar o início da chuva, mas para isso é necessário estar no lugar certo e na hora certa”, explica o professor Carlos Augusto Morales Rodriguez, do Departamento de Ciências Atmosféricas do IAG-USP.

A nuvem deve ter uma densidade adequada para que ocorra a precipitação, mas, segundo Rodriguez, a meteorologia tem dificuldades para identificar as nuvens em condições para a efetivação do processo.

“O radar meteorológico usado pela empresa contratada pela Sabesp não é capaz de identificar a nuvem que está em processo de precipitação, mas, sim, as nuvens que já estão chovendo. Portanto a técnica da empresa é ineficaz, já que, quando o avião entra na nuvem, ela já está chovendo”, explica Rodriguez.

Rodriguez afirma ainda que a empresa fez a semeadura no sistema Cantareira como se o local tivesse nuvens do tipo quente. “O Estado de São Paulo é composto por nuvens frias e, para acelerar a precipitação, era necessário uma técnica adequada para esta região, como o uso de iodeto de prata e gelo seco”, explica.

Tanto Rodriguez quanto Pereira Filho fizeram avaliações independentes do trabalho da empresa e concluíram que a técnica não tinha a eficácia desejada.

“Em uma avaliação de 2003/2004 constatamos que a técnica não funcionou, mas mesmo assim a Sabesp contratou a empresa novamente”, diz Filho. “Fui convidado pelo diretor da Sabesp para conversar com os representantes da ModClima e, durante a reunião, os relatos eram descabidos do ponto de vista científico.”

Ele também questiona os resultados da técnica no ano passado. De acordo com o documento da Sabesp obtido via Lei de Acesso à Informação, só no ano passado a técnica induziu precipitação de 25 hm³ (hectômetro cúbico, o equivalente a 25 bilhões de litros) no sistema Cantareira e 6 hm³ no sistema Alto Tietê (equivalente a 6 bilhões de litros).

“Relatos da Sabesp diziam que houve aumento de 30% de chuvas nos sistemas por causa da técnica, mas a porcentagem e os resultados são duvidosos, pois não é fácil medir de que maneira a semeadura contribuiu de fato para aumentar a precipitação local”, argumenta Filho.

Procurada, a empresa ModClima informou que sua comunicação atual está concentrada na Sabesp e que não responderia as perguntas da reportagem.

A Sabesp não indicou nenhum representante para explicar a contratação dos serviços para provocar chuvas artificiais nem respondeu questões complementares enviadas pelo UOL. *Com colaboração de Wellington Ramalhoso