Children who experienced compassionate parenting were more generous than peers
Date: December 1, 2020
Source: University of California – Davis
Summary: Young children who have experienced compassionate love and empathy from their mothers may be more willing to turn thoughts into action by being generous to others, a University of California, Davis, study suggests. Lab studies were done of children at ages 4 and 6.
Young children who have experienced compassionate love and empathy from their mothers may be more willing to turn thoughts into action by being generous to others, a University of California, Davis, study suggests.
In lab studies, children tested at ages 4 and 6 showed more willingness to give up the tokens they had earned to fictional children in need when two conditions were present — if they showed bodily changes when given the opportunity to share and had experienced positive parenting that modeled such kindness. The study initially included 74 preschool-age children and their mothers. They were invited back two years later, resulting in 54 mother-child pairs whose behaviors and reactions were analyzed when the children were 6.
“At both ages, children with better physiological regulation and with mothers who expressed stronger compassionate love were likely to donate more of their earnings,” said Paul Hastings, UC Davis professor of psychology and the mentor of the doctoral student who led the study. “Compassionate mothers likely develop emotionally close relationships with their children while also providing an early example of prosocial orientation toward the needs of others,” researchers said in the study.
The study was published in November in Frontiers in Psychology: Emotion Science. Co-authors were Jonas G. Miller, Department of Psychiatry and Behavioral Sciences, Stanford University (who was a UC Davis doctoral student when the study was written); Sarah Kahle of the Department of Psychiatry and Behavioral Sciences, UC Davis; and Natalie R. Troxel, now at Facebook.
In each lab exercise, after attaching a monitor to record children’s heart-rate activity, the examiner told the children they would be earning tokens for a variety of activities, and that the tokens could be turned in for a prize. The tokens were put into a box, and each child eventually earned 20 prize tokens. Then before the session ended, children were told they could donate all or part of their tokens to other children (in the first instance, they were told these were for sick children who couldn’t come and play the game, and in the second instance, they were told the children were experiencing a hardship.)
At the same time, mothers answered questions about their compassionate love for their children and for others in general. The mothers selected phrases in a survey such as:
“I would rather engage in actions that help my child than engage in actions that would help me.”
“Those whom I encounter through my work and public life can assume that I will be there if they need me.”
“I would rather suffer myself than see someone else (a stranger) suffer.”
Taken together, the findings showed that children’s generosity is supported by the combination of their socialization experiences — their mothers’ compassionate love — and their physiological regulation, and that these work like “internal and external supports for the capacity to act prosocially that build on each other.”
The results were similar at ages 4 and 6.
In addition to observing the children’s propensity to donate their game earnings, the researchers observed that being more generous also seemed to benefit the children. At both ages 4 and 6, the physiological recording showed that children who donated more tokens were calmer after the activity, compared to the children who donated no or few tokens. They wrote that “prosocial behaviors may be intrinsically effective for soothing one’s own arousal.” Hastings suggested that “being in a calmer state after sharing could reinforce the generous behavior that produced that good feeling.”
This work was supported by the Fetzer Institute, Mindfulness Connections, and the National Institute of Mental Health.
Jonas G. Miller, Sarah Kahle, Natalie R. Troxel, Paul D. Hastings. The Development of Generosity From 4 to 6 Years: Examining Stability and the Biopsychosocial Contributions of Children’s Vagal Flexibility and Mothers’ Compassion. Frontiers in Psychology, 2020; 11 DOI: 10.3389/fpsyg.2020.590384
Tradição intelectual da Modernidade dá valor e poder à Crítica, mas esquece uma forma de compreensão do mundo tão potente quanto ela. É mundana, feminina e transformadora. Inventa complexidades. Resiste a ser mercantilizada
O coronavírus tem nos ensinado muitas coisas — algumas delas, vamos demorar para esquecer. Porém, poucas foram tão inesperadas como a aproximação entre a cultura crítica e a cultura dos cuidados. Pareciam pertencer a planetas diferentes: uma, ligada à busca de certeza, metodologias conflitantes e gestos públicos; a outra, vizinha da dor, inclinada pelo tácito e reclusa no âmbito privado. Ambas, muito seguras de sua importância, mas muito diferentes em seus reconhecimentos. Para o espírito crítico, sempre existiu um posto de honra entre os inteligentes, os poderosos, os administradores. Os críticos possuem a chave que abre as portas do mundo, desde a empresa e a academia, até o conselho ou comitê. Ser crítico é uma qualidade característica dos que conseguem enxergar além das aparências, dos que sabem ler as entrelinhas e dos que não se deixam levar pelo refrão. Quem não é crítico está sujeito a ser doutrinado, manipulado e menosprezado.
Nosso mundo sempre reservou lugares especiais para a crítica. O espírito crítico nos protege dos farsantes, dos malandros e dos vigaristas. E, como nunca faltam aqueles que querem tirar proveito de nossa ingenuidade, desconhecimento ou incapacidade, fazemos bem em confiar na nobreza daqueles que se dispõem por nós a depurar as ideias, comparar informações e destrinchar propostas. Os debates públicos nos são apresentados muitas vezes como um duelo de espadachins, como um exercício de virtuosismo retórico, como uma amostra do dandismo entre “filhos de alguém”, tão inúteis quando desprezíveis. Isso não tem nada a ver com a crítica, está mais para um produto da vaidade pretensiosa: um embuste entre bobos. Já a crítica, é necessária e urgente. Uma das ferramentas mais valiosasas de que dispomos para navegar entre as tormentas ou para nos guiar entre as brumas. Sem ela, não existiria a civilização.
Os cuidados transitam em outro tipo de abundâncias invisíveis. Eles têm a ver com todas as práticas que levam à reparação ou à manutenção da vida. Possuem relação com o que há de mais simples e comum: dar comida, fornecer aconchego, produzir bem-estar, manter a conversa, ouvir o incabível ou inusitado, oferecer esmero, sentir o futuro, experimentar com os outros, fazer coisas juntos, desfrutar as nuances, acompanhar processos e criar espaços seguros. No mundo, não há nada mais abundante do que a dor, o desconsolo, o desabamento. Nada é mais necessário do que oferecer confiança, paz ou tempo. Seja para descobrir suas (novas) vulnerabilidades, seja ao se encontrar (novamente) estagnado, o que você vai querer por perto não é um cérebro privilegiado capaz de performar uma capacidade de análise impecável. Nesses momentos, precisamos de outro tipo de talento: o de alguém que saiba se colocar em sua situação, em seu lugar, conter a ansiedade de aconselhar, ficar em silêncio, saber ouvir, deixar fluir e acompanhar, enquanto, aos poucos, você se reencontra com a vida que merece ou a resposta que procura.
Não quero dizer que os que pensam não cuidam, nem que os que cuidam não pensam. Isso seria uma simplificação inaceitável e ofensiva. Todos nós podemos passear pelos dois mundos. Podemos utilizar a crítica para reparar aquilo que ouvimos e fazê-lo crescer. Podemos renunciar a usar nossas habilidades para ganhar vantagem e competir melhor. Nada nos obriga a querer sempre ganhar. Não é necessário demonstrar que estamos por cima dos outros, nem temos que tratar nossos adversários como inimigos, traidores ou estúpidos. Na crítica, pode existir um quê de sadismo. É normal que exista, e que toda vez que numa conversa alguém cite um especialista, um fato ou uma prova, para nos dar um soco e calar a boca. Esses críticos são pessoas perigosas das quais é bom se proteger, porque costumam ser implacáveis.
A ciência é um dos terrenos da crítica. Não é o único, nem o mais visível. Os que se gabam de ser críticos são aquelas pessoas da literatura, das artes, das ciências humanas e também, portanto, das ciências sociais. O que eles chamam de “espírito crítico” é muitas vezes percebido como arrogância banal. E é por isso que nós desconfiamos dessa forma de nos desenganarem, que, do outro lado do espelho, é percebida como uma maneira de nos deixar nus. Justamente o oposto daquilo que esperávamos: alguém que nos ajudasse a encontrar as roupas para não nos deixar na intempérie. Abandonados ao acaso, novamente, sem redenção.
A cultura do cuidado não é só compaixão. Precisamos dela, também, para criar outros mundos possíveis e dar espaço às diferentes práticas cognitivas de que precisamos aprender a apreciar. Se o crítico é quem vê mais e melhor, quem cuida possui como ferramenta fundamental de trabalho o tato. Se a simbologia reservou para os inteligentes a figura da coruja, do livro e dos óculos de armação grossa, aqueles que cuidam são representados como pessoas que acariciam com os olhos, com os gestos e com as mãos. As mãos alcançam lugares que os olhos nem conseguem imaginar. O tato é a chave que abre a porta que nos permite imaginar outros mundos possíveis, baseados em cumplicidade, empatia e vulnerabilidade. Nos cuidados, explora-se sem propósitos e sem condicionantes, se avança entre suspeitas e desconfianças, até chegarmos ao lugar onde experimentaremos a companhia como uma bênção. Ou uma epifania.
Se a visão gera a distância entre o sujeito e o objeto, o tato mistura esses dois mundos. A visão cria outros espaços, enquanto o tato inventa a complexidade. Tudo fica interligado e se torna próximo, entrelaçado. A visão quer fazer do mundo um objeto, enquanto o tato torna mundano o objeto. Mundano quer dizer comum, cotidiano, semelhante. Quiçá, também, barato, jovial e compartilhado.
A crise do coronavírus aproximou esses dois mundos para nos ajudar a entendê-los melhor, para descobrirmos que ambos são imprescindíveis e que os dois são deste planeta. Que ambos pertencem ao âmbito público e são duas potências cognitivas que deveriam parar de brigar e se unir num longo abraço. Sim, isso mesmo: um abraço em tempos de coronavírus pode parecer uma transgressão, mas não é, não, não se trata de uma pegadinha: esperamos muito desse atrito, pois não nos conformamos com apenas sobreviver — que é o que nos prometem os cientistas e seus porta-vozes. Não nos conformamos com apenas continuar vivos, pois queremos imaginar mundos mais ousados. A pandemia demonstrou que, em termos cognitivos, é imprescindível que se estruturem adequadamente três epistemes que se destacam: o mundo dos dados, dos modelos de previsão e da inteligência artificial; o mundo da virologia, da epidemiologia, das vacinas e do laboratório; e, por último, mas não menos importante, os territórios da clínica, dos profissionais da saúde e das práticas de cuidados.
Curar corpos nos forçou a cuidar de mundos. De repente, descobrimos que inconsistências estatísticas, causadas por uma coleta de dados ruim, poderiam levar a medidas que nos ameaçariam a todos. Dados não são números, mas coisas que precisam ser produzidas do mesmo jeito que são produzidas as bolas de sinuca: se elas não possuírem as características necessárias, não funcionam, não servem pra nada, não deslizam corretamente e não transmitem os efeitos esperados. Os dados precisam ser interoperáveis. Você precisa projetá-los com precisão, coletá-los com cuidado e transmiti-los a tempo. Podemos ter os melhores matemáticos, construindo os modelos mais sofisticados, porém, fazendo propostas mal-sucedidas porque os coletores de dados se desentenderam ou ficaram desmotivados ou deprimidos. Porque eles pararam de se projetar em seu trabalho com amor e orgulho. Não estavam atentos o suficiente para detectar algo suspeito, uma variação imprópria, um viés inesperado ou, finalmente, uma prática inconsistente. Talvez ninguém os fez acreditar na importância do que estavam fazendo. Talvez eles tenham se cansado de ser invisíveis, ou talvez se convenceram de que eram seres descartáveis, secundários ou irrelevantes.
Fazer vacinas ou, em termos mais gerais, projetar e realizar experimentos não é uma tarefa mecânica. Quem faz experimentos precisa improvisar o tempo todo — ou seja, precisa enfrentar um montão de imprevistos que exigem habilidades que não são ensinadas nos livros, mas que, entretanto, foram aprendidas com os colegas. Experimentar é uma atividade que possui muitas semelhanças com o trabalho dos artesãos. Todos os cientistas experimentais são uma espécie de faz-tudo, pessoas que sabem consertar coisas, que encontram soluções: são próprios bricoleurs. Ou, em outras palavras, pessoas que conseguem trabalhar sem um manual de instruções, e que, principalmente, tornaram-se muito tolerantes à incerteza. Sabem andar às cegas, guiando-se pelas paredes para não bater e mantendo-se conectados a tudo o que acontece para poder ser sensíveis às pequenas diferenças, às nuances esquecidas ou aos tons imperceptíveis.
Não é ficar observando o seu objeto, mas sim estar abertos a se deixar afetar por qualquer sinal que vier de seu universo ou do ambiente que os cerca para decidir, em tempo real, se essa coisa, ainda não identificada, possui algum significado ou contém alguma mensagem. A relação que os cientistas mantêm com seus objetos, aquilo que não deixa de interpelá-los e que não conseguem parar de olhar, é muito menos objetiva, distante ou abstrata do que nos contaram. É uma relação muito menos crítica do que afetiva, e tem muito mais a ver com as virtudes de quem cuida de alguém ou de algo, do que com os estereótipos de quem observa, aponta e dispara — quero dizer, com as qualidades de um bom crítico.
Ao falarmos da clínica tudo parece mais fácil, porque pouquíssimas pessoas já visitaram um laboratório na vida e a maioria nunca ouviu falar da nova profissão de curador de dados. Mas todos ou já cuidamos, ou já fomos cuidados. Entretanto, reside nessa simplicidade a maior dificuldade — porque corremos o risco de psicologizar os cuidados e de transformá-los em habilidades mentais livres de materialidade. Não será preciso insistir, agora, na importância das máscaras, dos testes, dos termômetros, dos sabonetes, da história clínica e dos aplausos. A maior parte do trabalho possui maior relação com gerir espaços, decidir dosagens, administrar alimentos, conhecer lamentos, identificar sinais, comparar respostas, contrastar experiências, aprender de erros, retificar protocolos, pular algumas normas, enfim: improvisar, corrigir, deixar-se afetar, escutar — tudo isso sem um manual.
Cada quarto de hospital carrega um universo: todos os dias são percorridos todos os climas: o dos bacanas, o dos espertos, o dos exigentes, o dos egoístas, o dos intrigantes, o dos desconfiados, o dos pessimistas, o dos amorosos… todos os universos cabem num só dia. Não é preciso viajar, basta mudar de quarto. Existe um forte desgaste emocional, cuja origem varia. A televisão, sempre apressada e sempre resumindo e generalizando, fala do impacto que a dor do ambiente causa aos profissionais da saúde. É verdade, mas não se resume a isso: essa é só a parte mais midiática. Há muito mais. Existe a vontade de aprender, o desejo de entender, a necessidade de corrigir e a obrigação de curar; tudo isso, ao mesmo tempo e de forma rápida, representa um esforço de intelecção cansativo e infinito, porque os corpos são todos diferentes e o que vale para um pode ser contraproducente para outro.
Assim funciona o saber experiencial: está nos corpos e não nos livros. Pode-se aprender, mas não numa aula. É um saber contrastado, eficiente, tácito e imprescindível. A clínica é a interface entre esses dois mundos, que com tanta frequência negam-se a chegar a um entendimento: o mundo da crítica e o mundo dos cuidados. É tanto uma interface como uma fronteira que precisamos aprender a contrabandear todo dia. Nessa fronteira, somos todos iguais, não há regras claras, não há normas específicas — e nem podem existir. Esse é o interesse das fronteiras que servem para experimentarmos outros mundos possíveis e necessários. Nas fronteiras, há sempre conflitos que, quando são de curto prazo, resolvemos com astúcia, dando um jeito; mas, se pensarmos em formas de convivência relativamente estáveis, precisaremos das ferramentas da diplomacia.
Às vezes, não precisamos de uma demonstração, e sim de uma conversa. Os diplomatas sabem disso melhor do que ninguém, como costumam saber aqueles que fazem parte do mundo dos cuidados. O diplomata compreende que não pode convencer seu interlocutor. E, portanto, precisa renunciar às ferramentas da crítica e admitir que a solução não vai ser imposta por um exercício de depuração de dados, de citação de fontes ou de ampliação dos fatos comprobatórios. Entre os diplomatas, a conversa tem a finalidade de encontrar um relato, um acordo, um espaço de convivência mais complexo que o anterior, onde caibam igualmente os dois pontos de vista, mesmo quando enfrentados. A questão é evitar a guerra, e reiniciar a convivência. E é disso que precisamos agora: uma negociação que torne possível não só a convivência de epistemes. Os mundos dos dados, dos fatos e das experiências precisam um do outro e têm de aprender a conviver sem se censurarem. Nenhum deles é mais coerente ou necessário do que os outros.
Atualmente, fala-se muito em abrir a ciência. Mas não ficou claro o que queremos dizer com isso. Evidentemente, abrir a ciência significa abrir os conteúdos e os dados: dar acesso ao conhecimento disponível, mais ainda quando a maior parte dele é produzida com dinheiro público. Também parece lógico que as infraestruturas que suportam e fazem com que esses dados se tornem operacionais deveriam estar nas mãos dos próprios cientistas, o que equivale a reivindicar soberania para os hardwares e softwares que suportam todo o acervo da ciência aberta. Se a prática da ciência depende de decisões políticas arquitetadas em comitês que definem prioridades, destinam recursos, validam méritos e constroem reputações, parece imprescindível que, também, todas essas operações tenham muita transparência e disponibilização. Tudo isso já foi dito e está na agenda de muitas organizações nacionais e internacionais, não é novidade. Tomara que o coronavírus acelere esses processos em curso.
Além disso, porém, abrir a ciência requer abrir suas ontologias. Não tem a ver apenas com transformar as práticas para que sejam mais operativas, ou, em outras palavras, os “como”, as epistemes. Temos de aprender a escutar aqueles que falam desde outras formas de se aproximar da realidade. É evidente que o respeito às metodologias acreditadas continua de pé. Ninguém aqui falou em fazer tábula rasa. Pelo contrário: os tempos de coronavírus exigem que nenhum conhecimento seja desperdiçado e que demos a todos eles a visibilidade e o mérito que merecem e que precisamos. Cuidar é uma forma de conhecer, envolve outra maneira de se aproximar dos problemas e de encontrar respostas adaptadas para eles. Envolve mobilizar saberes tácitos e afetivos: saberes que, consequentemente, não podem ser codificados. Saberes que não podem ser desvinculados e que são estreitamente ligados às circunstâncias concretas nas quais foram gerados. São saberes dos quais a Modernidade nos ensinou (e até forçou) a desconfiar. Saberes que desde Descartes consideramos contaminados pelas emoções, pelos preconceitos, pelos contextos, ideologias e fragilidades dos corpos envolvidos, já que nem sempre eles enxergam bem, estão atentos ou com as faculdades plenas.
O conhecimento experiencial era desprezado pela sua alta contaminação por todo tipo de aderência local, corporal e cultural. Não foi sequer considerado um ativo a valorizar. Temos museus de etnografia, onde as realidades locais são mostradas como parte de um exotismo turistificável — e, agora, identitário. Justamente o oposto do que consideramos necessário por aqui. Nos interessa o comum e interdisciplinar, como forma de conhecimentos opositores — e não como curiosidades excêntricas e arbitrárias. Não são fruto do capricho, são consequência de uma adaptação secular. O fato de terem sido desvalorizadas fala muito sobre a nossa insensibilidade e, assim, da nossa facilidade em desprezar aquilo que ignoramos. O fato de serem não-codificáveis, tácitos, quer dizer que estamos frente a um saberes que não podem ser coisificados, alienados e mercantilizados. Mas isso não significa que sejam inúteis. Talvez por isso a imensa maioria das pessoas que trabalham com enfermagem e serviços sociais são mulheres. Nada a ver com falta de talento, mas sim com utilizá-lo em outras coisas. As quais, como sabemos, às vezes são as mais importantes. Mas nossa intenção não era fazer uma competição entre a cultura crítica e a cultura dos cuidados, e sim tentar suscitar uma conversa, mais ontológica do que epistêmica, que abrisse o mundo do conhecimento a novas perguntas, diversas soluções e novas formas de convivência. Não é que a gente precise de menos ciência, mas de mais atores: abrir a ciência a conversas difíceis, porém, urgentes. O coronavírus nos pede também uma cura de humildade.
Covid-19 is killing off the myth that we are the greatest country on earth.
By Viet Thanh Nguyen
April 10, 2020
Credit: Demetrius Freeman for The New York Times
This article is part of “The America We Need,” a Times Opinion series exploring how the nation can emerge from this crisis stronger, fairer and more free. Read the introductory editorial and the editor’s letter.
Sometimes people ask me what it takes to be a writer. The only things you have to do, I tell them, are read constantly; write for thousands of hours; and have the masochistic ability to absorb a great deal of rejection and isolation. As it turns out, these qualities have prepared me well to deal with life in the time of the coronavirus.
The fact that I am almost enjoying this period of isolation — except for bouts of paranoia about imminent death and rage at the incompetence of our nation’s leadership — makes me sharply aware of my privilege. It is only through my social media feeds that I can see the devastation wreaked on people who have lost their jobs and are worried about paying the rent. Horror stories are surfacing from doctors and nurses, people afflicted with Covid-19, and those who have lost loved ones to the disease.
Many of us are getting a glimpse of dystopia. Others are living it.
If anything good emerges out of this period, it might be an awakening to the pre-existing conditions of our body politic. We were not as healthy as we thought we were. The biological virus afflicting individuals is also a social virus. Its symptoms — inequality, callousness, selfishness and a profit motive that undervalues human life and overvalues commodities — were for too long masked by the hearty good cheer of American exceptionalism, the ruddiness of someone a few steps away from a heart attack.
Even if America as we know it survives the coronavirus, it can hardly emerge unscathed. If the illusion of invincibility is shredded for any patient who survives a near-fatal experience, then what might die after Covid-19 is the myth that we are the best country on earth, a belief common even among the poor, the marginal, the precariat, who must believe in their own Americanness if in nothing else.
Perhaps the sensation of imprisonment during quarantine might make us imagine what real imprisonment feels like. There are, of course, actual prisons where we have warehoused human beings who have no relief from the threat of the coronavirus. There are refugee camps and detention centers that are de facto prisons. There is the economic imprisonment of poverty and precariousness, where a missing paycheck can mean homelessness, where illness without health insurance can mean death.Debatable: Agree to disagree, or disagree better? Broaden your perspective with sharp arguments on the most pressing issues of the week.
But at the same time, prisons and camps have often served as places where new consciousnesses are born, where prisoners become radicalized, become activists and even revolutionaries. Is it too much to hope that the forced isolation of many Americans, and the forced labor of others, might compel radical acts of self-reflection, self-assessment and, eventually, solidarity?
A crisis often induces fear and hatred. Already we are seeing a racist blowback against Asians and Asian-Americans for the “Chinese virus.” But we have a choice: Will we accept a world of division and scarcity, where we must fight over insufficient resources and opportunities, or imagine a future when our society is measured by how well it takes care of the ill, the poor, the aged and the different?
As a writer, I know that such a choice exists in the middle of a story. It is the turning point. A hero — in this case, the American body politic, not to mention the president — is faced with a crucial decision that will reveal who he or she fundamentally is.
We are not yet at the halfway point of our drama. We have barely made it to the end of the first act, when we slowly awaken to the threat coming our way and realize we must take some kind of action. That action, for now, is simply doing what we must to fight off Covid-19 and survive as a country, weakened but alive.
The halfway point comes only when the hero meets a worthy opponent — not one who is weak or marginal or different, but someone or something that is truly monstrous. Covid-19, however terrible, is only a movie villain. Our real enemy does not come from the outside, but from within. Our real enemy is not the virus but our response to the virus — a response that has been degraded and deformed by the structural inequalities of our society.
America has a history of settler colonization and capitalism that ruthlessly exploited natural resources and people, typically the poor, the migratory, the black and the brown. That history manifests today in our impulse to hoard, knowing that we live in an economy of self-reliance and scarcity; in our dependence on the cheap labor of women and racial minorities; and in our lack of sufficient systems of health care, welfare, universal basic income and education to take care of the neediest among us.
What this crisis has revealed is that, while almost all of us can become vulnerable — even corporations and the wealthy — our government prioritizes the protection of the least vulnerable.
If this was a classic Hollywood narrative, the exceptionally American superhero, reluctant and wavering in the first act, would make the right choice at this turning point. The evil Covid-19 would be conquered, and order would be restored to a society that would look just as it did before the villain emerged.
But if our society looks the same after the defeat of Covid-19, it will be a Pyrrhic victory. We can expect a sequel, and not just one sequel, but many, until we reach the finale: climate catastrophe. If our fumbling of the coronavirus is a preview of how the United States will handle that disaster, then we are doomed.
But amid the bumbling, there are signs of hope and courage: laborers striking over their exploitation; people donating masks, money and time; medical workers and patients expressing outrage over our gutted health care system; a Navy captain sacrificing his career to protect his sailors; even strangers saying hello to other strangers on the street, which in my city, Los Angeles, constitutes a nearly radical act of solidarity.
I know I am not the only one thinking these thoughts. Perhaps this isolation will finally give people the chance to do what writers do: imagine, empathize, dream. To have the time and luxury to do these things is already to live on the edge of utopia, even if what writers often do from there is to imagine the dystopic. I write not only because it brings me pleasure, but also out of fear — fear that if I do not tell a new story, I cannot truly live.
Americans will eventually emerge from isolation and take stock of the fallen, both the people and the ideas that did not make it through the crisis. And then we will have to decide which story will let the survivors truly live.
Em artigo publicado na imprensa internacional, a alta-comissária da ONU para direitos humanos, Michelle Bachelet, e o alto-comissário da ONU para refugiados, Filippo Grandi, afirmam que a doença provocada pelo novo coronavírus, a Covid-19, é um teste não apenas de nossos sistemas e mecanismos de assistência médica para responder a doenças infecciosas, mas também de nossa capacidade de trabalharmos juntos como uma comunidade de nações diante de um desafio comum.
“É um teste da cobertura dos benefícios de décadas de progresso social e econômico em relação aqueles que vivem à margem de nossas sociedades, mais distantes das alavancas do poder.”
Um jovem refugiado lava as mãos em Mafraq, na Jordânia, onde um sistema de aquecimento movido a energia solar, instalado com o apoio da IKEA Foundation e da Practical Action, ajuda a fornecer água quente. Foto: ACNUR/Hannah Maule-ffinch
Por Michelle Bachelet e Filippo Grandi*
Se nós precisávamos lembrar que vivemos em um mundo interconectado, o novo coronavírus tornou isso mais claro do que nunca.
Nenhum país pode resolver esse problema sozinho, e nenhuma parcela de nossa sociedade pode ser desconsiderada se quisermos efetivamente enfrentar este desafio global.
O Covid-19 é um teste não apenas de nossos sistemas e mecanismos de assistência médica para responder a doenças infecciosas, mas também de nossa capacidade de trabalharmos juntos como uma comunidade de nações diante de um desafio comum.
É um teste da cobertura dos benefícios de décadas de progresso social e econômico em relação aqueles que vivem à margem de nossas sociedades, mais distantes das alavancas do poder.
As próximas semanas e meses desafiarão o planejamento nacional de crises e os sistemas de proteção civil — e certamente irão expor deficiências em saneamento, habitação e outros fatores que moldam os resultados de saúde.
Nossa resposta a essa epidemia deve abranger e focar, de fato, naqueles a quem a sociedade negligencia ou rebaixa a um status menor. Caso contrário, ela falhará.
A saúde de todas as pessoas está ligada à saúde dos membros mais marginalizados da comunidade. Prevenir a disseminação desse vírus requer alcance a todos e garantia de acesso equitativo ao tratamento.
Isso significa superar as barreiras existentes para cuidados de saúde acessíveis e combater o tratamento diferenciado há muito tempo baseado em renda, gênero, geografia, raça e etnia, religião ou status social.
Superar paradigmas sistêmicos que ignoram os direitos e as necessidades de mulheres e meninas ou, por exemplo, limitar o acesso e a participação de grupos minoritários será crucial para a prevenção e tratamento eficazes do COVID-19.
As pessoas que vivem em instituições — idosos ou detidos — provavelmente são mais vulneráveis à infecção e devem ser especificamente incluídas no planejamento e resposta à crise.
Migrantes e refugiados — independentemente de seu status formal — devem ser plenamente incluídos nos sistemas e planos nacionais de combate ao vírus. Muitas dessas mulheres, homens e crianças se encontram em locais onde os serviços de saúde estão sobrecarregados ou inacessíveis.
Eles podem estar confinados em abrigos, assentamentos, ou vivendo em favelas urbanas onde a superlotação e o saneamento com poucos recursos aumentam o risco de exposição.
O apoio internacional é urgentemente necessário para ajudar os países anfitriões a intensificar os serviços — tanto para refugiados e migrantes quanto para as comunidades locais — e incluí-los nos acordos nacionais de vigilância, prevenção e resposta. Não fazer isso colocará em risco a saúde de todos — e o risco de aumentar a hostilidade e o estigma.
Também é vital que qualquer restrição nos controles das fronteiras, restrições de viagem ou limitações à liberdade de movimento não impeça as pessoas que possam estar fugindo da guerra ou perseguição de acessar a segurança e proteção.
Além desses desafios muito imediatos, o coronavírus também testará, sem dúvida, nossos princípios, valores e humanidade compartilhada.
Espalhando-se rapidamente pelo mundo, com a incerteza em torno do número de infecções e com uma vacina ainda a muitos meses de distância, o vírus está provocando ansiedade e medos profundos em indivíduos e sociedades.
Sem dúvida, algumas pessoas sem escrúpulos procurarão tirar vantagem disso, manipulando medos genuínos e aumentando as preocupações.
Quando o medo e a incerteza surgem, os bodes expiatórios nunca estão longe. Já vimos raiva e hostilidade dirigidas a algumas pessoas de origem do leste asiático.
Se continuar assim, o desejo de culpar e excluir poderá em breve se estender a outros grupos — minorias, marginalizados ou qualquer pessoa rotulada como “estrangeira”.
As pessoas em deslocamento, incluindo refugiados, podem ser particularmente alvo. No entanto, o próprio coronavírus não discrimina; os infectados até o momento incluem turistas, empresários internacionais e até ministros nacionais, que estão localizados em dezenas de países, abrangendo todos os continentes.
O pânico e a discriminação nunca resolveram uma crise. Os líderes políticos devem assumir a liderança, conquistando confiança através de informações transparentes e oportunas, trabalhando juntos para o bem comum e capacitando as pessoas a participar na proteção da saúde.
Ceder espaço a boatos, medos e histeria não apenas prejudicará a resposta, mas poderá ter implicações mais amplas para os direitos humanos e para o funcionamento de instituições democráticas responsáveis.
Atualmente, nenhum país pode se isolar do impacto do coronavírus, tanto no sentido literal quanto econômico e social, como demonstram as bolsas de valores e as escolas fechadas.
Uma resposta internacional que garanta que os países em desenvolvimento estejam equipados para diagnosticar, tratar e prevenir esta doença será crucial para proteger a saúde de bilhões de pessoas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) está fornecendo experiência, vigilância, sistemas, investigação de casos, rastreamento de contatos, pesquisa e desenvolvimento de vacinas. É a prova de que a solidariedade internacional e os sistemas multilaterais são mais vitais do que nunca.
A longo prazo, devemos acelerar o trabalho de construção de serviços de saúde pública equitativos e acessíveis. E a maneira como reagimos a essa crise agora, sem dúvida, moldará esses esforços nas próximas décadas.
Se nossa resposta ao coronavírus estiver fundamentada nos princípios de confiança pública, transparência, respeito e empatia pelos mais vulneráveis, não apenas defenderemos os direitos intrínsecos de todo ser humano; usaremos e criaremos as ferramentas mais eficazes para garantir que possamos superar essa crise e aprender lições para o futuro.
*Michelle Bachelet é a alta-comissária da ONU para direitos humanos. Filippo Grandi é o alto-comissário da ONU para refugiados. Este artigo foi originalmente publicado no site The Telegraph.
Somente quando o vírus nos encerra em nossas casas e limita nossos movimentos percebemos como é triste a solidão forçada. Quando nos privam da cotidianidade nos sentimos escravos, porque o homem nasceu para ser livre
“Tudo ficará bem”, diz um cartaz na varanda de um prédio de Torino ( Nicolò Campo/LightRocket via Getty Images).
A imagem mais dramática e terna, que simboliza ao mesmo tempo a tristeza e a solidão do isolamento ao qual a loucura do coronavírus está nos arrastando, é a dos italianos, habitantes de um país da arte, do tato e da comunicação, que hoje cantam nas janelas das casas diante de ruas e praças vazias. Cantam para consolar os vizinhos encerrados em suas casas. Os lamentos de suas vozes são o símbolo da dor evocada pelos tristes tempos das guerras e dos refúgios contra os bombardeios.
Mas é às vezes nos tempos das catástrofes e do desalento, das perdas que nos angustiam, que descobrimos que, como dizia o Nobel de literatura José Saramago, “somos cegos que, vendo, não veem”. Descobrimos, como uma luz que acende em nossa vida, que éramos cegos, incapazes de apreciar a beleza do natural, os gestos cotidianos que tecem nossa existência e dão sentido à vida.
A pandemia do novo vírus, por mais paradoxal que pareça, poderia servir para abrir nossos olhos e percebermos que o que hoje vemos como uma perda, como passear livres pela rua, dar um beijo ou um abraço, ir ao cinema ou ao bar para tomar uma cerveja com os amigos, ou ao futebol, eram gestos de nosso cotidiano que fazíamos muitas vezes sem descobrir a força de poder agir em liberdade, sem imposições do poder.
Descobri essa sensação quando, dias atrás, fui dar a mão a um amigo e ele retirou a sua. Tinha me esquecido do vírus e pensei que meu amigo poderia estar ofendido comigo. Foi como um calafrio de tristeza.
Às vezes abraçamos, beijamos e nos movemos em liberdade sem saber o valor desses gestos que realizamos quase de forma mecânica. Quando os pais sentem às vezes, no dia a dia, o peso de terem que levar as crianças ao colégio e as deixam lá com um beijo apressado e correndo, mecânico, apreciam, depois do coronavírus, a emoção de que seu filho te peça um beijo ou segure a sua mão. E apreciamos a força de um abraço, do tato, de estarmos juntos apenas quando nos negam essa possibilidade.
Somente quando o vírus nos encerra em nossas casas e limita nossos movimentos percebemos como é triste a solidão forçada, e entendemos melhor o abandono dos presos e dos excluídos. Somente quando nos impedem de nos aproximarmos dos nossos animais de estimação é que descobrimos a maravilha que é poder acariciá-los e abraçá-los.
Se, como dizia Saramago, no cotidiano somos cegos quando não apreciamos a força da liberdade, também, muitas vezes, amando não amamos e livres nos sentimos escravos. O que nos parece cansaço e castigo da rotina revela-se como o maior valor. Quando nos privam dessa cotidianidade nos sentimos escravos, porque o homem nasceu para ser livre.
Na obra Ensaio Sobre a Cegueira (Companhia das Letras), de Saramago, tão recordada nestes momentos de trevas mundiais, na qual uma cidade inteira fica cega e as pessoas enclausuradas, descobre-se melhor nossa insolidariedade e nosso egoísmo. O escritor é duro em seu romance ao fazer daqueles cegos a metáfora de uma sociedade onde cada um, nos momentos de perigo e angústia, pensa apenas em si mesmo.
A única que redime aquela situação perversa dos cegos é uma mulher, a esposa do médico, a única que não perdeu a visão e que se faz passar por cega para ajudar os que de fato são. Aquela mulher é representada hoje pelos italianos que usam suas vozes para, com suas notas doloridas, aliviar a solidão dos vizinhos.
Nestes momentos vividos por boa parte das pessoas do mundo, enclausuradas e presas pelo rigor do poder que as condena negando-lhes a liberdade de movimento, que a dor coletiva nos ajude a vencer nosso atávico egoísmo cotidiano, ao contrário dos cegos egoístas do romance de Saramago.
Que a tragédia do coronavírus consiga nos transformar no futuro em guias e ajuda amorosa dos novos cegos de uma sociedade que muitas vezes parece não saber onde caminhar e que, quando goza de liberdade, anseia pela escravidão.
Que a dor de hoje se transforme em tomada de consciência de que vale mais a liberdade das aves do céu que a escravidão que nos impomos quando somos livres. Que o mundo não caia na tentação dos escravos que Moisés havia tirado da escravidão do Egito, que, enquanto eram conduzidos pelo deserto rumo à liberdade, continuavam preferindo as cebolas e os alhos do tempo da escravidão ao maná que Deus lhes enviava do céu. Não existe maior bem neste planeta do que a liberdade que nos permite amar e sofrer sem sucumbir.
E ante a catástrofe do coronavírus, que poderia nos alcançar a todos, que se rompam neste país as trincheiras entre bolsonaristas e lulistas para nos sentirmos solidários numa mesma preocupação.
Na dor e na calamidade coletiva, sentimos que somos menos desiguais do que pensamos. E que, no fim das contas, as lágrimas não têm ideologia.
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