Arquivo da tag: Religião

Religião, ciência e política: as várias “mutações” de um vírus pandêmico (UOL)

bernardomachado.blogosfera.uol.com.br

Bernardo Machado

18/04/2020 04h00 12-16 minutes


Fusão de imagem de microscópio mostra o novo coronavírus em paciente infectado com foto de altar com diversas referências religiosas (National Institutes of Health / AFP)

“As dores humanas podem ter sentido, mesmo quando não têm solução”, pontuou o professor João Décio Passos, do programa de pós-graduação de ciência da religião da PUC-SP. Diante dos desafios transbordantes, pessoas católicas, evangélicas, esotéricas e das religiões de matrizes africanas têm mobilizado tanto recursos simbólicos de suas crenças como bússolas para navegar no amplo emaranhado de incertezas quanto se informado por fontes científicas para definir suas ações.

As singularidades

De um lado, uma parte da classe média urbana escolarizada – não necessariamente adepta de uma igreja em particular – tem apelado para uma noção ampla de “espiritualidade”, destaca Rodrigo Toniol, professor de antropologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Há o imaginário de que a quarentena é um momento propício para olhar para si mesmo e suas idiossincrasias. Nesse caso, pondera o antropólogo, o próprio sujeito produziria a relação com o sagrado, descartando qualquer mediador (sacerdotal ou institucional). Abundam as “tecnologias da espiritualidade” – os aplicativos de meditação, de mindfulness, de yoga – imersas num referencial de terapias alternativas.

Por sinal, Toniol recebeu recentemente a informação de que, em um hospital de referência em São Paulo, uma paciente diagnosticada com Covid-19 foi orientada por uma terapeuta a desenhar mandalas como estratégia para cura. Após aderir à proposta, a paciente teria sentido melhoras físicas e aumentado o índice de saturação de oxigênio em seu corpo.

Há de se notar, em paralelo, a emergência de leituras esotéricas sobre a pandemia. Segundo essas narrativas, a espécie humana estaria passando por uma “purificação natural e necessária”, constata Passos. As respostas defendem uma lógica de crises predeterminadas, como uma crise sanitária a cada 100 anos.  Nesses casos, a pandemia teria uma origem fora da História (do contexto biológico e social) e adviria de forças externas ou sobrenaturais. A solução dependeria de unções com óleo, colocação de crucifixo nas portas, correntes de oração etc. “A religião teria uma solução ritual (mágica) para a pandemia. Deus é quem estaria no comando, e não as ciências”, comenta o professor da PUC.

Desde a virada do milênio, os discursos sobre o apocalipse andavam desaparecidos no vocabulário evangélico, relembra Jacqueline Moraes Teixeira, pesquisadora e professora da USP. Nos anos 1980 e 1990, o fim dos tempos era dado como certo, com abundantes sinais de calamidade: a ausência de carne na mesa, as altas taxa de desemprego, a queda do muro de Berlim. Entretanto, recentemente, período que coincide com a produção da novela “Apocalipse”, que foi ao ar na Record entre 2017 e 2018 (e que será reprisada pela mesma emissora durante a quarentena), a narrativa voltou a ganhar fôlego, destaca a antropóloga. Nesse sentido, o Sars-CoV-2 emergiu como um novo sinal do apocalipse.

Para devotos do candomblé ou da umbanda, tal postura não faz sentido, pondera Vagner Gonçalves da Silva, do departamento de antropologia da USP. Isso porque, nessas religiões, as divindades podem trazer a doença com o objetivo de punição e, simultaneamente, de purificação. Isto é, a doença não é entendida como algo somente negativo, afinal, ao adoecer se aprende a cura e se valoriza a saúde. Nesse sentido, o vírus não é entendido na chave do demoníaco, mas como uma oportunidade para pensar no equilíbrio com a natureza, uma forma de valorizar o axé dos lugares e na força do sagrado. Ao contrário das cosmologias cristãs de expiação, no caso das religiões de matrizes africanas, as divindades não são aprisionadas no binômio maniqueísta de bem e mal.

De toda forma, parece haver um elemento comum de partilha no cenário contemporâneo, apesar das diferentes respostas religiosas.

A gramática científica

“Até o século 17 e 18, os agentes biológicos globais que matavam muita gente eram chamados de praga, afinal, o que organizava a experiência era a Igreja e a religião”, explicou Rodrigo Toniol. Com as revoluções científicas e a ascensão do Estado como princípios organizadores da vida social, os modelos explicativos se alteraram e fenômenos antes denominados como “pragas” passaram a ser compreendidos como “pandemias”.

No debate público recente, termos como “cloroquina”, “achatar a curva”, “isolamento” e “quarentena” tornaram-se comuns no vocabulário da população brasileira. “Por mais variadas que estejam sendo as experiências e interpretações sobre o que está acontecendo agora, a gramática tornou-se científica-estatal”, analisa Toniol.

O papa Francisco, por exemplo, adotou o isolamento social e, em seus discursos, demonstrou estar em sintonia com as orientações dos especialistas e entidades de saúde, conforme explica João Décio Passos. As fundamentações científicas orientaram o pontífice a adotar uma postura inédita: a suspensão das atividades religiosas, inclusive aquelas relacionadas à Semana Santa, essenciais na tradição católica. Ainda nesse sentido, pondera Passos, Francisco “não expressou em nenhum momento qualquer explicação religiosa sobre a origem da doença, bem como ofereceu rituais de cura para a mesma. Suas atitudes respeitaram a distinção entre o que é da ciência e o que é da fé”.

No caso de religiões de matrizes africanas, “houve uma transformação muito grande em relação ao que foi a epidemia da Aids no começo dos anos 1980”, comenta Vagner Gonçalves. Na época, uma parcela de pais e mães de santo defendia que a doença não iria afetar as pessoas em seu terreiro pela proteção do Orixá Obaluaiê. Décadas depois, a postura, ao menos entre os terreiros nos quais o pesquisador tem contato, mudou: terreiros suspenderam as festividades religiosas em consonância com as orientações da OMS e do Ministério da Saúde.

Mesmo quem deseja negar o conhecimento epidemiológico e as posturas de entidades governamentais parece mobilizar a gramática científica e estatal para vociferar suas convicções, afirma Toniol. A Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, tem recorrido ao vocabulário científico para defender suas posições, salienta Jacqueline Moraes Teixeira. Logo após o governo estadual paulista decretar a quarentena e impedir as igrejas de várias orientações a realizar cultos com aglomeração de pessoas, Renato Cardoso – genro de Edir Macedo e bispo principal da IURD – fez uma live reclamando a necessidade de procurar outras bases científicas para garantir que, de um lado, o vírus não se espalhasse e, de outro, a produtividade econômica fosse mantida.

Nas redes sociais evangélicas, “há uma disputa acirrada sobre o conhecimento científico”, descreve Teixeira. Mesmo o que é fake news se traduz em formato que emula a ciência. Além disso, a antropóloga nota entre fiéis uma tentativa de procurar um conhecimento “puro”, “despido de um discurso político”. Segundo o diagnóstico dessas pessoas, “a esquerda defenderia o isolamento social, a direita defenderia o fim do isolamento” e, por isso, seria necessário acessar uma ciência pura que estaria despida de qualquer política ou posicionamento.

A política

Apesar dessa vontade, é notável como interesses políticos calculam os passos munidos de referenciais científicos e como o campo religioso municia as ações públicas para as decisões sanitárias.

O papa Francisco tem assumido, por exemplo, um papel de global player, avalia Toniol: “Ele tem produzido uma estética da política ao apresentar o Vaticano vazio e com uma iluminação calculada para que ele caminhasse no meio da chuva. Isso resultou na foto do início do século 21”. A imagem, desse modo, fazia uma defesa do isolamento endossado pelo Vaticano.

Decisões científicas também afetam as práticas religiosas. Nos terreiros com os quais mantém contato, Vagner Gonçalves relata o impacto do isolamento nas festividades. Afinal, nessas religiões, o contato é mediado pelo corpo: “quando o Orixá incorpora uma pessoa, ele abraça outras e faz transferência do axé nesse contato corpo a corpo. As ‘emanações’ do corpo como saliva, suor, sopro são fontes de axé…”. Para atender as orientações governamentais e, simultaneamente, manter viva a relação com o sagrado, os terreiros não deixaram de fazer os rituais privadamente. Por exemplo, as oferendas a Obaluaiê – a divindade associada às epidemias – passaram a ser fotografadas e enviadas nas listas dos terreiros. Mesmo assim, o isolamento tem impactado a sobrevivência material das pessoas, “são comunidades, no geral, de poucos recursos financeiros. O sacerdote vive do jogo de búzios, dos ebós (oferendas), dos rituais de limpeza espiritual e tudo isso cessou”, relata Gonçalves. Como alternativa, as comunidades têm pedido contribuição de seus filhos para manutenção e sustento das pessoas.

Posições políticas e religiosas também disputam os significados da ciência. Segundo pesquisa do Datafolha, houve uma divisão significativa na base de apoio ao presidente Bolsonaro, sobretudo entre católicos e evangélicos. Jacqueline Moraes Teixeira pondera que, mesmo nos segmentos protestantes no Brasil, notou-se uma divisão entre aqueles que desacreditaram inicialmente o vírus e aqueles que adotaram prontamente o isolamento social – como algumas denominações batistas que, em 2018, apoiaram o então candidato Bolsonaro.

Diante desse impasse, o presidente e líderes evangélicos ligados ao governo procuraram uma estratégia religiosa capaz de fazer frente à orientação científica do isolamento. O jejum emergiu como uma alternativa. Isso porque, afirma Teixeira, no imaginário cristão, o jejum é um momento de sacrifício individual em que se intensifica a relação com Deus. “Ninguém faz jejum em aglomeração, em templo”, destaca Teixeira, “Esse jejum foi uma tentativa de trazer para perto do governo essa gama de evangélicos que defendem as políticas de isolamento social”. Dessa maneira, o jejum produziria uma nova narrativa, lastreada em uma política teológica, para o governo se conectar com uma base política que se desfazia e acenar para um tipo de isolamento religioso.

Simultaneamente, nas redes de fiéis começaram a circular as imagens dos templos evangélicos com as portas fechadas e as pessoas ajoelhadas do lado de fora. “Isso traz um peso histórico. Essas igrejas quase nunca estão fechadas, desde as 6h da manhã até a madrugada elas ficam abertas”, relembra Teixeira. Essa foi uma postura política adotada por igrejas como a IURD para se contrapor ao decreto do governo estadual paulista que impede aglomerações. Na regra, os edifícios poderiam manter as portas abertas para prestar atendimentos individuais, por isso a decisão de trancar as igrejas produziu um efeito simbólico e político. Afinal, templos cerrados sugerem o caos e a proximidade com o apocalipse.

Sob essa imagem, a articulação entre política e religião ganhou novas dimensões, afinal, essa narrativa “consegue colocar a gestão do governo Bolsonaro numa posição que faz sentido para algumas pessoas – embora não seja unânime”, comenta Teixeira. “O governo passa a ser lido por segmentos evangélicos como um governo do fim do mundo. Ele não vai ser coerente – não precisa ser coerente –, não vai resolver os problemas, ele não vai tirar as pessoas do seu sofrimento… ele é um governo apocalíptico”. Por esse motivo, para alguns segmentos da população, a forma de administração da doença não geraria incômodo ou preocupação, afinal, estaria afinada com essa leitura cosmológica cristã.

Nesse universo de referências intrincadas e emaranhadas, o que se pode inferir é a articulação entre religião, ciência e política. Apesar de imaginarmos essas esferas como campos separados, nota-se, na prática, universos mutuamente constituídos e repletos de interpelações.

Leia também:

Religiosos que vivem enclausurados dão dicas para sobreviver à quarentena

Fé e oração viram tábua de salvação e equilíbrio para enfrentar pandemia

Em meio à pandemia, rituais como Páscoa, aniversários e funerais já mudaram

Depoimentos de fé (Estadão)

Artigo original

19 de abril de 2020

Praticantes de diversas religiões relatam sua rotina e líderes refletem sobre a pandemia

Há os que estão rezando sozinhos, em pequenos altares em casa. E os que vão até as janelas fazer orações em voz alta, para si e para a vizinhança. Missas e reuniões online também ajudam, assim como mensagens de fé que chegam em grupos de WhatsApp. Em tempos difíceis, ter uma crença é ainda mais importante, garantem pessoas de diferentes religiões.

E como os líderes religiosos estão avaliando esse momento de pandemia? Ouvimos nove deles, que falam que essa época ensina a valorizar o que há de mais imprescindível: o amor e a solidariedade. Abaixo, você encontra depoimentos de Dom Odilo Scherer, do rabino Michel Schlesinger e do lama Segyu Choepel Rinpoche, entre outros.

Na sacada de casa ou em reuniões virtuais, o estímulo da fé

Morador da Vila Mariana, por exemplo, faz orações que chegam a vários condomínios da vizinhança

Maria Fernanda Rodrigues

Tem sido assim todos os dias desde o fim de fevereiro, quando o coronavírus se tornou uma ameaça mais real aos brasileiros: ao meio-dia e às 21 horas, o desembargador aposentado Luiz Sabbato, de 76 anos, sai na sacada de seu apartamento na Rua Maestro Callia, na Vila Mariana, para fazer uma oração. Ele começou sendo acompanhado apenas pelos vizinhos de condomínio, que convidou pelo grupo de WhatsApp. Com o silêncio das ruas desertas, no entanto, sua voz foi se espalhando pelas redondezas.

Claudia Lopes mora no prédio ao lado e consegue ouvir bem o Pai Nosso e a Ave-Maria. Quando Sabbato faz algum outro comentário, fica mais difícil de entender. “Tenho vontade de ir para a rua, assistir à oração mais de perto, mas é hora de ficar em casa e rezar junto a distância”, diz a fonoaudióloga que faz, com o marido, também todos os dias, o Evangelho no Lar. “É reconfortante essa rotina: todos os dias depois do panelaço vem um silêncio e, então, as orações. No fim, ouvimos os vizinhos se despedindo uns dos outros e voltamos todos para o silência das nossas casas.”

Moradores da Rua Pelotas também querem poder acompanhar mais de perto e mandaram um apelo para Sabbato. “Eu bem gostaria de poder atender e comprar um megafone, mas com todas as lojas fechadas fica difícil. O que tenho feito é treinar a minha voz para eu poder falar mais alto”, disse.

Luiz Sabbato é um dos elos de uma corrente que tem levado mensagem de esperança para as pessoas que estão vivendo sob o medo do coronavírus e estão isoladas em suas casas. Diariamente, ele recebe de um amigo um vídeo ou um áudio com alguma mensagem de fé, enviada por um padre. Ele, então, começou a repassar esse conteúdo aos seus contatos, não sem antes deixar um comentário próprio. O grupo foi crescendo e o desembargador aposentado do Superior Tribunal de Justiça de São Paulo calcula que suas palavras estejam chegando, por meio dessas mensagens ou da oração compartilhada na sacada, a cerca de 30 condomínios da região.

Para que mais vizinhos consigam ouvir as orações, desembargador treina a voz para falar mais alto: “Eu bem gostaria de poder atender e comprar um megafone”Nilton Fukuda/Estadão

“Nós passamos por diversas crises e sempre houve uma esperança de vencer. Coisas como essa que estamos vivendo são sinais que vêm mostrar para a humanidade que é preciso ter mais solidariedade e compaixão. E você acredita em alguma coisa e tem um consolo ou não acredita em nada e vive em desespero”, comentou Sabbato.

Um pouco distante dali, no Jardim Paulista, Lucy de Araújo também se apoia na fé, que ela sempre teve, para superar este momento. Às vésperas de completar 79 anos e muito ativa, ela não parava em casa antes do confinamento. Era coral, clube, ginástica, trabalho voluntário e missa aos domingos. Se dava certo de estar casa às 18 horas, na hora do terço da Rede Vida, ela fazia. Agora, ela reza o terço todos os dias com o padre Lúcio.

“A religiosidade não ficou mais forte para mim neste momento porque ela sempre foi assim, mas ela está mais presente. O fato de ter uma fé, uma religião, algo em que acreditar, nos fortalece e isso está sendo muito importante para mim neste momento de crise, de quarentena, quando estou sozinha resolvendo as minhas coisas”, diz a aposentada, diante de seu pequeno altar, enquanto se acostuma com as novidades: a missa de Páscoa na TV, o banco no celular e o cafezinho com as amigas pelo Skype.

“O fato de ter uma fé está sendo muito importante para mim neste momento de crise, de quarentena”, diz LucyArquivo pessoal

Na casa de Amanda Castro, no Jardim Guedala, o momento é desafiador. A designer de 34 anos tinha acabado de voltar ao mercado de trabalho agora que seu filho mais novo – são quatro crianças entre 3 e 11 anos – havia entrado na escola. Há dois meses ela iniciou o novo trabalho, fazendo home office desde o começo. No primeiro mês tudo correu bem, porque os filhos estavam indo ao colégio. Mas a situação complicou muito com a interrupção das aulas.

“Tem sido muito difícil. São quatro crianças num apartamento, que virou também a escola. Um desafio que nunca pensei que fosse passar. Além de tudo o que desempenhamos no dia-a-dia, estamos sendo obrigados a fazer coisas que não sabíamos fazer antes”, disse Amanda. “Um dia desses, minha filha se estressou porque não conseguia realizar a tarefa e pedi ajuda ao Pai para que ela e os irmãos consigam entender o que está acontecendo.”

A família de Amanda é muito religiosa e frequentar a Igreja de Jesus Cristo dos Últimos Dias fazia parte da rotina de todos. Era como se a igreja fosse a continuação de suas vidas, segundo ela. “A igreja fechou por causa do coronavírus, mas está aberta em nossa casa.”

E não falta criatividade para ensinar a religião para as crianças. Dia desses, enquanto ela contava a história do rei Benjamim, do Livro do Mórmon, os filhos construíam uma montanha de palitos e uma coroa de E.V.A. para ele. Na Páscoa, Amanda recortou figuras e colou no pufe da sala para explicar a ressurreição. “Tento fazer com que cada história que conto fique interessante. As crianças aprendem brincando.”

Isso tudo deixou a designer ainda mais perto de sua fé? Ela diz que sim. “Tenho me aproximado mais de Deus sim. Sinto que preciso mais da ajuda dele porque sozinha eu não conseguiria.”

Amanda conta ainda que a família fez os dois jejuns sugeridos pelo líder da igreja como forma de pedir pela “cura física e espiritual”, neste momento em que a humanidade enfrenta o coronavírus. “Eu tenho visto o caos no mundo, as previsões, e acredito do fundo do meu coração que as pessoas não estão contando com um milagre. Tenho certeza que vai haver um milagre e vamos sair disso.”

Espírita, a jornalista Ivani Cardoso também tem fé e todos os dias, ao acordar, ela faz o autopasse de proteção e, uma vez por semana, o Evangelho no Lar. “São ferramentas que trazem mais tranquilidade e você se sente mais protegida e integrada a um grupo que está vibrando pela saúde, pela humanidade, pela paz”, disse Ivani. “A palavra do momento é confiança. Confiança que há um plano espiritual fazendo o melhor.”

Ela costumava frequentar um centro espírita em Pinheiros. Hoje, as reuniões estão sendo feitas pelo aplicativo  Zoom. Na terça-feira, 14 de abril, nada menos do que 80 pessoas participaram virtualmente. Mas seu ritual não para por aí. Todas as noites, ela faz uma mediação de futuro: inspira e expira, imagina cenas alegres do futuro, pensa nas netas, nos amigos e em coisas boas. “Tem me feito um bem enorme me imaginar fazendo as coisas que são importantes no futuro.” Ela conclui dizendo que ouviu uma frase na reunião do centro desta semana que, em sua opinião, devia ser o nosso mantra: “O medo e a esperança não podem conviver no mesmo espaço.”

Para Bernardo Tanis, presidente da Sociedade Brasileira de Psicanálise, um momento como o que estamos vivendo, evoca situações vividas quando éramos pequenos: o desamparo. “Nós chegamos no mundo com muita fragilidade e precisamos de alguém que nos proteja. Quando crescemos, percebemos que isso não ficou no passado e que somos frágeis diante da natureza e dos nossos desejos e conflitos”, explica Tanis. “Mas vamos criando recursos, de personalidade, de ego, nos vínculo com os outros, que nos dão o sentimento de segurança e, com isso, vamos enfrentando a vida.”

Tudo muda quando acontecem situações com um potencial traumático muito grande e nos encontramos face a face com esse desamparo, de acordo com o especialista. “E o que fazer nesses momentos? Cada indivíduo tem um repertório muito próprio. Alguns podem pintar, escrever, procurar outras pessoas e dialogar”, diz Tanis. “Outras se reencontram com coisas mais voltadas à ideia de transcendência, com a crença de que existem outras forças desconhecidas e buscam nisso uma proteção e uma sensação de segurança ante a incerteza.”

O psicanalista vai além em sua análise. “Nós também precisamos poder confiar não só em Deus, na transcendência, mas nas autoridades que estão conduzindo a situação. Se elas nos mostrarem, com atos concretos, que estão cuidando de tudo e se importando com as pessoas, nos sentiremos bem mais amparados e confiantes”, acredita. “Se isso não acontecer, o sentimento de desamparo aumenta e buscamos na salvação, na religião, em algum lugar, a possibilidade de nos sentirmos mais cuidados.”


O momento atual, na palavra e na visão de nove líderes religiosos

Uma das mensagens comuns é a necessidade de cuidar e si e dos outros; entrevistados também ressaltam a oportunidade para promover mudanças

Giovanna Wolf e Maria Fernanda Rodrigues

Como as diversas religiões estão vendo este momento de pandemia? Quais são as grandes mensagens trazidas pela crise global provocada pelo coronavírus – e os aprendizados que devemos ter a partir dela? Ouvimos nove líderes religiosos sobre esses temas. Em comum, eles falam da necessidade de amor e solidariedade, e dos cuidados que precisamos ter conosco e com os outros. Também ressaltam que este período é uma oportunidade de refletir e promover mudanças. Confira, abaixo, o que eles disseram:

DEPOIMENTOS

Dom Odilo Pedro Scherer
Cardeal-Arcebispo de São Paulo

“Como vamos sair dessa pandemia? Antes de tudo, espero sairmos vivos e com muitas lições aprendidas”, diz Dom Odilo Scherer – JF Diorio/Estadão

‘A pandemia nos dá a ocasião de revermos valores e prioridades na vida’

“Já tive a ocasião de me manifestar sobre a pandemia do novo coronavírus num artigo publicado no Estado, em 11 de abril passado. Esse artigo, de alguma maneira, já responde às questões levantadas no pedido recebido para esta manifestação.

As reflexões feitas em nome da Igreja Católica são numerosas e aquelas do papa Francisco são as mais expressivas e representativas. Ele fala pela Igreja Católica como um todo.

Pessoalmente, vivo como a maioria das pessoas a apreensão diante dos riscos de contágio com o vírus e me preocupo com a saúde de todo o povo. Faço votos e rezo para que os pesquisadores e cientistas encontrem o quanto antes uma vacina para a prevenção contra o vírus e uma medicação eficaz para combater os efeitos dessa virose. Enquanto isso não acontece, uno minha voz à das autoridades sanitárias que recomendam medidas e comportamentos que ajudem a evitar o contágio.

Em relação às ações da própria Igreja, nós suspendemos temporariamente as celebrações da liturgia católica e outros encontros e reuniões das nossas comunidades e paróquias, para evitar aglomerações e o risco do contágio. Enquanto isso, fazemos as celebrações religiosas com um mínimo indispensável de pessoas presentes e as transmitimos aos fiéis pelos meios de comunicação e das mais variadas mídias sociais. Mantemos também uma rede de organizações de ajuda solidária às pessoas doentes ou necessitadas de alimento e outras ajudas, como aos pobres, de maneira geral. Muitas iniciativas estão sendo organizadas pelos meios virtuais.

Nossa preocupação também é alimentar a fé religiosa das pessoas, pois ela tem grande importância nessas horas difíceis. Quando experimentamos e reconhecemos nosso limite, nós damos espaço para que Deus possa agir em nós e através de nós. A fé religiosa não é mera resignação diante dos fatos e situações, mas uma luz que dá um sentido mais profundo às realidades que vivemos.

Como refleti no citado artigo, a pandemia do coronavírus nos traz muitos questionamentos. Antes de tudo, devemos reconhecer que, apesar de todos os recursos de segurança pessoal e coletiva que possamos ter (dinheiro, poder, boa organização econômica e social), continuamos frágeis e expostos a riscos imprevisíveis e, aparentemente, insignificantes, como no caso de um vírus. Isso nos deve levar a ser humildes e a renunciar a qualquer delírio de onipotência ou superioridade.

Penso que a pandemia nos dá a ocasião de revermos valores e prioridades na vida e nossas atitudes diante desses valores e prioridades. A vida e a saúde, a família, cada pessoa e a companhia das pessoas, a sensibilidade diante do sofrimento alheio e a solidariedade, o afeto, o amor gratuito e a ternura, a natureza, nossa ‘casa comum’, a arte e a cultura, como construção de nosso convívio… Todos esses valores ajudam a expressar o melhor que trazemos dentro de nós: nossa humanidade.

Por outro lado, a pandemia nos obriga a rever os modos de vida muito acelerados que levamos, arrastados por uma economia que visa ao acúmulo mais que à satisfação das necessidades básicas. A pandemia oferece uma boa ocasião para refletirmos juntos sobre questões cruciais que movem imensas somas de dinheiro e, ao mesmo tempo, causam imensos sofrimentos pelo mundo: as guerras, as ideologias que semeiam o ódio e a divisão, o consumo desenfreado e o acúmulo de riquezas, que colocam em risco até mesmo a sustentabilidade da vida no nosso planeta. Existe algo de muito errado em tudo isso! Em vez de investir em armamentos, bens supérfluos e consumo de vaidades, por que não investir mais em saúde,  educação, moradia, saneamento básico e bem-estar essencial para todos? Por que não sentar em torno de uma mesa e tomar decisões eficazes para erradicar doenças endêmicas, miséria e fome, que ainda existem e matam milhões de pessoas no mundo a cada ano? Por que duvidar em fazer isso, quando existem os recursos para fazê-lo?

Como vamos sair dessa pandemia? Antes de tudo, espero sairmos vivos e com muitas lições aprendidas. E que essas lições não sejam logo esquecidas. Sinceramente, espero sairmos mais solidários e atenciosos uns para com os outros; mais humildes e gratos por tantos bens da natureza e da cultura, que temos à nossa disposição. E que também saiamos com a fé religiosa reencontrada, ou renovada, dando graças a Deus todos os dias por termos a oportunidade de participar do banquete da vida, que é a coisa mais importante desta vida!”


Roberto Watanabe
Presidente da Federação Espírita do Estado de São Paulo

“Muito já progredimos em matéria de solidariedade e fraternidade. Mas ainda há muito o que fazer”, afirma Watanabe – Arquivo Pessoal

‘Que neste momento possamos refletir sobre o que é perene e que nos traz paz’

“A Doutrina Espírita revela-nos Deus como a inteligência suprema do Universo, que atua como nosso Pai, infinitamente justo, misericordioso e bom. Um Pai que não pune e não castiga, mas que submete toda a Criação às Leis da Natureza, divinas, perfeitas e imutáveis, e que se sobrepõem à vontade e à ação do homem. Uma dessas leis é justamente a Lei do Progresso, que proporciona a todos os seres da natureza evoluir, progredir e alcançar a perfeição intelectual e moral que estas leis possibilitam.

Temos em Jesus o modelo, o guia seguro para esta conquista e que, quando de sua presença entre nós, revelou e viveu as atitudes e os comportamentos que asseguram a conquista deste progresso.

Diante destes conceitos, as dores e dificuldades que nos alcançam precisam ser analisadas por meio de uma visão transcendente da vida, pois em nossa condição de espíritos imortais, que já vivemos várias vidas e viveremos outras, infelizmente, ainda necessitamos do auxílio das dores para despertar para a conquista de valores morais que vão proporcionar a convivência fraterna, o respeito, a paz e a solidariedade entre toda a humanidade, exterminando os conflitos e a acentuada desigualdade social que existe em nosso planeta.

Muito já progredimos em matéria de solidariedade e fraternidade. Mas ainda há muito o que fazer. Grande parte de nós ainda não vê a todos como irmãos, criando barreiras e levantando muros de discórdia e separação.

Periodicamente, a Terra vivencia grandes desafios, sejam os provocados pelo homem ou aqueles que independem de nossa vontade, como as epidemias e os flagelos naturais. E que sem dúvida trazem muita dor. Pandemias como esta, deste momento, revelam a fragilidade do homem diante da própria natureza, servem de doloroso auxílio para o despertamento consciencial e o consequente exercício da solidariedade, da oração, da busca de Deus e da revisão de nossa escala de valores.

Diante da nossa impotência, temporária, no controle e combate deste vírus, façamos o possível para ser úteis na construção de uma atmosfera psíquica mais saudável no planeta, utilizando os recursos poderosos da prece, que nos coloca em sintonia com Deus e nos proporciona sustentação, coragem e esperança, orarmos pelos nossos irmãos que partem para a Pátria Espiritual e seus familiares, pelas equipes médicas e pesquisadores que se empenham na busca de soluções para este inimigo invisível, valorizarmos a convivência fraterna dentro do lar, o exercício dos bons pensamentos, da confiança de que tudo está sob absoluto controle de Deus e das Leis Divinas e da certeza de dias melhores, que sempre chegam.

Que saibamos aproveitar o momento para rever nossos conceitos sobre a vida, sobre as pessoas, auxiliar nossos irmãos em necessidade, dentro de nossas possibilidades, respeitando as orientações da ciência e das autoridades sanitárias, ter contato com bons livros e atividades que nos estimulem na elevação de nossos pensamentos, enfim, refletir sobre aquilo que realmente é perene e que nos traz a tão almejada paz.”


Michel Schlesinger
Rabino da Congregação Israelita Paulista e representante da Confederação Israelita do Brasil para o diálogo inter-religioso

“Se conseguirmos identificar essa oportunidade de amadurecimento e crescimento, sairemos da crise mais rápido e melhor”, diz Schlesinger – Daniel Teixeira/Estadão

‘Único caminho para superar essa crise é darmos as mãos uns aos outros’

“Vivemos um momento de inflexão, muito especial, repleto de desafios e com oportunidades proporcionais a esses desafios. Minha esperança como religioso é que possamos identificar as oportunidades que existem em meio a esses desafios e nos fortalecermos como indivíduo e como sociedade. Se existe uma coisa que o coronavírus ensinou de forma inequívoca é que estamos todos no mesmo barco. O coronavírus não escolheu nacionalidade, idioma, religião, cor de pele, preferência sexual. O coronavírus ameaça a todos da mesma forma. Isso significa que a solução também deverá ser coletiva e a partir da cooperação entre todos. Não existe outro caminho para superar essa crise que não seja darmos as mãos uns aos outros e fazermos juntos essa travessia.

Falo de travessia porque estamos justamente na festa da nossa travessia do Mar Vermelho, o Pessach, quando os judeus lembram o momento de terem saído do Egito e da escravidão, atravessado o Mar Vermelho e conquistado a liberdade. Penso que essa liberdade ainda não é absoluta. A liberdade absoluta só vai acontecer quando ela for para todo mundo, universal, para todos os homens e mulheres. Os que se sentem mais livres estão equivocados. Eles precisam olhar para trás e ver que a travessia ainda não foi realizada por todos e estender a mão para que todos possam fazer essa travessia. E o coronavírus acentua esse sentimento de que estamos todos no mesmo barco, de que somos afetados da mesma forma e que, portanto, temos de buscar coletivamente uma solução.

Se apenas esse aprendizado for conquistado, já vejo uma enorme evolução. Quando olho por uma perspectiva histórica mais recente, depois da Segunda Guerra Mundial, quando 6 milhões de judeus e tantos outros milhões de não judeus foram assassinados, o mundo parecia ter aprendido alguma lição. Foi criada a Organização das Nações Unidas, foi feita a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Havia um sentimento de que nossos destinos estão interligados e que nós temos de cooperar e trabalhar em conjunto. Nos últimos anos, eu identifico um retrocesso nesse processo. Voltou a existir no mundo um discurso ultranacionalista e xenófobo, e o coronavírus é a oportunidade de interrompermos esse processo e voltarmos a entender o quanto somos parte da mesma raça, que é a raça humana, antes de qualquer coisa – antes de religião, de nacionalidade -, e como humanos temos de defender uns aos outros, respeitar uns aos outros, e temos de ver na nossa diversidade a oportunidade de aprendizado e de crescimento. Essa lição é muito poderosa e muito importante. Se no meio dessa crise conseguirmos identificar essa oportunidade de amadurecimento e crescimento, sairemos dela mais rápido e melhor.”


Pastor Marcos Botelho
Igreja Presbiteriana Comunidade da Vila

“Deus ensinou os filhos a serem corajosos e a enfrentarem as situações”, explica o pastor – Marcos BotelhoArquivo Pessoal

‘Aproveite o momento para olhar para onde estamos caminhando’

“A pandemia é um tempo para a humanidade dar dois passos para trás e repensar atitudes em relação ao consumismo desenfreado, à religião e à família. É uma oportunidade para olharmos para a sociedade doentia em que vivemos e para onde estamos caminhando. Também para os pais e as mães darem mais atenção aos filhos e para os cônjuges estarem mais juntos.

Do ponto de vista bíblico, Deus não perde o controle de nada. Mas isso não quer dizer que Ele mandou fazer a pandemia. É uma consequência do que a gente está fazendo na natureza nos últimos anos. As coisas erradas vão ter consequências, o que a gente planta, a gente colhe. Porém, Deus ensinou os filhos a serem corajosos e a enfrentarem as situações.

É uma chance para agirmos de forma diferente, mas isso não significa que realmente as pessoas vão mudar. Muitas vezes, os seres humanos não aprendem: estamos vendo por aí lutas por máscaras e respiradores, que evidenciam o egoísmo. Mas há sempre a opção também de agir pensando no próximo, com amor e solidariedade.

É um momento em que Deus nos colocou para pensar obrigatoriamente. É hora de mudar. O que você quer da sua vida? É um xeque-mate.

Não se isole. Fique em casa, mas não isole a alma. Aproveite o momento para olhar para sua casa, para a família, para a sociedade e para onde estamos encaminhando.”


Pai Guimarães de Ogum
Diretor da Associação Brasileira dos Templos de Umbanda e Candomblé (Abratu)

“As pessoas estão ficando mais próximas da família, estão sentindo falta umas das outras e sendo solidárias”, acredita Pai Guimarães de Ogum – Arquivo Pessoal

‘Espiritualmente, é um momento de recolhimento para acolhimento’

“A humanidade sempre vai colher os resultados das suas escolhas. Não tem sagrado e fé que mude aquilo que é uma escolha da humanidade. A humanidade não respeita a natureza, não toma os cuidados necessários e não respeita limites. As escolhas do homem fazem com que de tempos em tempos vivenciemos essa realidade de tristeza e perda de vida.

Não há uma explicação teológica. É um castigo, mas não é proveniente de Deus, é um castigo da própria conduta que o homem escolheu. É até contraditório Deus, que me abençoa e quer o melhor para mim, resolver castigar pessoas no planeta e punir a humanidade na figura de pessoas inocentes.

Que esse momento possa servir de aprendizado, para que a gente aprenda a cuidar de si e do próximo. A pandemia já está deixando uma mensagem: as pessoas estão ficando mais próximas da família, estão sentindo falta umas das outras e sendo solidárias. Que possamos manter tudo isso quando a doença acabar, e que não precisemos mais de uma pandemia para ser solidário, ser amigo e se preocupar.

Talvez a humanidade aprenda a valorizar coisas a que não está atenta mais. Talvez haja a reflexão de que existe algo maior e mais valioso que o materialismo.

É uma situação oportuna para quem está em família, para cada um dentro da sua fé fazer uma oração, para as pessoas conversarem. Espiritualmente, é um momento de recolhimento para acolhimento, para se aproximar dos parentes. Perdeu-se o costume do almoço em família. As pessoas estão interiorizadas em seus mundos e em suas interligações. Tem muito filho que não conhece a história do próprio pai.

Não podemos perder a crença de que o ser humano quer evoluir. Precisamos dar um jeito de ficar em casa e cuidar da família. Vamos nos amar. E para amar não precisa estar próximo, tem de respeitar.”


Babalaô Ronaldo Antonio Linares
Sacerdote Umbandista, criador do Santuário Nacional da Umbanda

“Nós, umbandistas, acreditamos em um Deus de amor, que ama, compreende e não pune todos por alguns”, explica o babalaôMaria Aparecida Linares/Santuário Nacional da Umbanda

‘Vivemos tempos em que a fé e a ciência precisam andar de mãos dadas’

“A pandemia é um recado à humanidade, qualquer que seja o credo, se o Deus é de amor.  Devemos parar de discutir o que Ele disse e fazer o que Ele mandou: ‘Amai-vos uns aos outros’.

Vivemos tempos em que a fé e a ciência precisam andar de mãos dadas. Portanto, a melhor postura agora é fazer o que diz a ciência, como ficar em casa, evitar contato físico e manter a higiene. Tudo isso sem deixar de lado a fé, porque é sempre um desafio fazer uma coisa com que não estamos habituados, que está além de nossos conhecimentos.

Nessas ocasiões, mais do que nunca, aqueles que creem recorrem a Deus para o conforto que só a religião proporciona. É quando então nos socorremos na fé.

As pandemias são cíclicas e parece que a cada século enfrentamos uma. Há uma grande tendência de culpar alguém nessas ocasiões e quase sempre culpa-se a humanidade, alegando que é um castigo de Deus. Nós umbandistas acreditamos em um Deus de amor, que ama, compreende e não pune todos por alguns.

Rogo a Oxalá que mantenha acesa no coração dos homens a chama da espiritualidade, que afasta as trevas da incerteza.”


Monge Sato
Regente do Templo Shin-Budista de Brasília

“As pessoas estão ficando irritadas e ansiosas, mas é um momento importante de reflexão”, diz o Monge Sato – Valdegran Oliveira Rodrigues

‘Não devemos voltar à realidade da mesma forma que saímos’

“A crise é um perigo mas também uma oportunidade. Se mal tratada, pode nos levar ao buraco. Porém, pode ser um ensejo para sermos melhores. É um momento de aprendizagem, de pensar em quem somos nós como humanidade. Somos a humanidade que cria desigualdades e que trata a natureza como inimiga? Será que é esse tipo de vida que queremos?

Não devemos voltar à realidade normal, depois da pandemia, da mesma forma que saímos. É o momento de pensar o que é uma vida humanitária normal. É competição ou solidariedade? Se nós podemos ser solidários nesta crise, por que não podemos ser solidários em tempos normais?

Essa crise é muito especial. Normalmente, em outras crises, as pessoas que tinham posses se sentiam defendidas. Nesta pandemia ninguém está imune. É hora de rever o privilégio. A terra pertence a todos, mas no sistema que estamos vivendo algumas camadas têm privilégios. Será que todo esse avanço científico e tecnológico está beneficiando todos ou apenas os poderosos?

Será preciso muita serenidade e calma. As pessoas estão ficando irritadas e ansiosas, mas é um momento importante de reflexão, para refletirmos quem nós somos. Essa irritação é porque nós não estamos acostumados a entrar fundo em nós próprios.

É um tempo de autoconhecimento, de prestar atenção não só em si, mas nas relações com as pessoas. Queremos sempre mais, e talvez possa ser um aviso de que o planeta tem seus limites. O grande avanço científico e tecnológico nos promete abundância material mas não o amor, a solidariedade e a equidade.

De repente percebemos a importância do ar. As pessoas ficam sem ar com essa doença, elas morrem porque falta ar. Colocamo-nos todos iguais perante ao ar, que é um bem-comum e universal. E a espiritualidade é tão valiosa quanto o ar.”


Lama Segyu Choepel Rinpoche
Brasileiro, fundador da Fundação Juniper, centro de meditação localizado na Califórnia, nos Estados Unidos

“Nesta hora é preciso ter um sistema que me conduz a ter uma paz interior,” afirma Rinpoche – Galen Stolee/Fundação Juniper

‘Momento atual é uma tragédia, mas também grande oportunidade para transformação interior’

“O mundo está passando por uma transformação e existe muita dor pela perda. É um momento em que a morte está na nossa casa, está na nossa visão o tempo todo. É uma tragédia, sim, mas também uma grande oportunidade para transformação interior.

Um dos ensinamentos do Budismo é que a morte é certa: todos nós vamos morrer, só não sabemos quando. E a morte chega sem aviso. Muitas pessoas vivem como se nunca pensassem que fossem morrer, e morrem como se nunca tivessem vivido. Quando a morte chegar e eu tiver um minuto ou um segundo para fazer um panorama da minha vida, como é que eu vivi? Como é que foi minha vivência? A vida em certo ponto é respirar, comer, beber, defecar e urinar. Mas a vivência depende da mente.

A vida tem problemas, eles estão aí. Ela é como se fosse uma bolha d’água: a morte chega sem aviso em uma situação como essa que estamos vivendo. Mas como eu reajo a esses problemas? Como eu posso aproveitar esse momento para fortalecer meu pensamento e para mudar os meus padrões internos negativos em padrões que sejam de felicidade, alegria e bem-estar? É por isso que nesta hora é preciso ter um sistema que me conduz a ter uma paz interior, uma serenidade interior, uma harmonia interior. Isso vai ajudar nesses momentos difíceis.

É como diz um provérbio budista: ‘A felicidade e o sofrimento dependem da nossa mente e da nossa interpretação. Ela não vem de fora, nem tampouco dos outros. Toda felicidade e todo sofrimento são criados por nós mesmos, pela nossa própria mente’. Já parou para pensar por que tem gente que tem ojeriza a barata? Muitas pessoas dizem que é nojento, mas quantos animais são nojentos e a gente gosta? Então de onde vem o nojento, da barata ou da cabeça? A barata pode remeter a enfermidades por causa de onde ela anda, mas não é preciso ter pânico dela. A barata não é o problema, o problema é meu estado mental: a barata simplesmente é um gatilho para esse estado mental que eu tenho.

A pandemia nos alerta que precisamos trabalhar nossa mente para situações como essa. Esse vírus não tem uma explicação, tudo acontece, as coisas estão aí. Tem muita teoria em volta disso, mas é uma coisa que acontece no mundo como muitas outras coisas já aconteceram. Perdemos muito tempo criando histórias. Não gosto de dogmas. É um grande momento para a humanidade porque afetou a todos: não é só um país, é o planeta Terra. O mundo todo está afetado e condicionado ao tratamento dessa enfermidade. Se a humanidade encarar esses dois meses em casa não como sacrifício mas como oportunidade de crescimento, acredito que muitas pessoas vão mudar. Não sei se será uma medicina mental para todos, mas acredito que muitas pessoas vão começar a ter uma visão melhor da própria vivência.

É o momento ideal para essa transformação, porque as pessoas estão em reclusão, não têm para onde ir, não há desculpas. Estou em casa há sete semanas aqui na Califórnia, nos Estados Unidos. Para mim é normal ficar recluso, porque eu faço muito retiro. Aqui está lindo, não tem barulho de carro, os passarinhos estão falando melhor. Isso não é maravilhoso? A humanidade poderia aproveitar esse tempo de silêncio não só como um silêncio externo, mas como um silêncio interior. Desse silêncio interior você vai trazer mais amor, mais carinho, mais tranquilidade e mais compaixão para você e para os outros.

Quatro meditações são importantes para as pessoas aproveitarem neste momento: a de acalmar a mente, a de pensamentos positivos, a de cura (fortalecimento do sistema imunológico), e a de compaixão (comigo e com os demais). Toda as sexta-feiras, às 19 horas, estou disponibilizando meditações online para os brasileiros, transmitindo também algumas mensagens.”


Ali Zoghbi
Vice-presidente da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil

“A pandemia demonstrou o quanto somos insignificantes, é uma lição de humildade”, acredita Ali Zoghbi – Adriano Cardos/FAMBRAS

‘‘Essa doença uniformizou a diferença de classe: todos estamos sofrendo’

“Neste momento devemos agir para preservar a vida, porque ela é essencial e prioritária. O Islã é uma religião que acredita e aceita a ciência, e sempre a teve como um suporte e um sinal da misericórdia divina.

A visão do Islã é de que Deus é onisciente: nenhuma folha cai de uma árvore sem a ciência do criador. Acreditamos no livre arbítrio, e também que a sociedade cria suas próprias armadilhas no decorrer da história. Como muçulmano, entendo que nós somos responsáveis por esse tipo de epidemia que está nos assolando, por conta da maneira como estamos lidando com o alimento, com o meio ambiente, com uma série de fatores da nossa trajetória.

Entendemos essa pandemia com súplicas de que esse momento, tão difícil e delicado, que tem provocado mortes de seres humanos, possa ser um prenúncio de uma sociedade mais adequada, mais harmoniosa e mais justa no futuro. A pandemia vem no sentido de demonstrar que os caminhos que estão sendo adotados estão provocando sofrimento e morte e, portanto, precisam ser revistos.

Em tudo na história, quando estamos no meio do processo, não conseguimos fazer uma avaliação precisa, nem do que está acontecendo nem do que está por vir. O tempo vai mostrar para nós com mais clareza quais serão os resultados. Imagino que nada será como antes. Teremos reflexões muito profundas em diversos setores, desde o sistema econômico até o de relacionamento humano. Essa doença praticamente uniformizou a diferença de classe: todos somos seres humanos que estão sofrendo com a situação.

A pandemia demonstrou o quanto somos insignificantes, é uma lição de humildade. Existe uma arrogância do ser humano em entender que talvez ele poderia suplantar as coisas da natureza e suplantar um pequeno vírus como esse. Mas essa doença deixou os seres humanos de joelhos.”

The coronavirus pandemic has exposed fissures within religions (The Economist)

Original article

Apr 11th 2020

Worshippers are suspending rites hitherto regarded as vital

Editor’s note: The Economist is making some of its most important coverage of the covid-19 pandemic freely available to readers of The Economist Today, our daily newsletter. To receive it, register here. For our coronavirus tracker and more coverage, see our hub

IN THE 2,000 years since the story of Jesus was first told in Rome, his followers have never seen an Easter like this. In Catholicism’s home, the most poignant moment in the Paschal drama comes on Good Friday when the pope leads worshippers on a walk, with 14 stops, enacting the progress of Jesus towards his execution.

This year that has proved impossible. It was announced that instead, Pope Francis would move about in an empty St Peter’s square. Two days later, on April 12th, instead of proclaiming the resurrection of Jesus to a multitude, he would officiate almost alone in its vast basilica. Millions could observe, but only electronically.

Past emergencies, from recessions to wars, have galvanised people to find new meaning in old rituals. But nothing prepared believers for the world of covid-19, in which those rituals, the gestures and gatherings at the heart of their identity, have become a public danger. For innovative religious types who already use technology with confidence (see article), the crisis will accelerate a trend. But for more established faiths, reactions have ranged from meek compliance to truculent defiance.

Covid-19 has not generally widened fissures between faiths. Rather, it has widened those within the ranks of all great religions. They were already squabbling over how far old beliefs could live with modern views of Earth’s origin. The pandemic exacerbates the rift between science-defiers and those who respect the laboratory.

For some, the bafflement is palpable. Russian Orthodoxy’s Patriarch Kirill declared on March 29th: “I have been preaching for 51 years…I hope you understand how difficult it is for me to say today, refrain from visiting churches.” Among eastern Christianity’s followers, many will not: clerics in Georgia, for example, continued to offer the faithful consecrated bread and wine, by which it is impossible, they insist, to be harmed.

Pope Francis has sounded surer: “Thick darkness has gathered over our squares, our streets and our cities; it has taken over our lives, filling everything with a deafening silence and a distressing void.” But the broader response of Western faith has been unimpressive, argues Marco Ventura of Siena University. “Even for many believers, medical officers are the new prophets.”

Not all Christians agree. Some American evangelicals, including vocal supporters of Donald Trump, have been reckless denialists of covid-19. A preacher in Florida, Rodney Howard-Browne, was briefly arrested on March 30th after busing people to worship, insisting he could neutralise the virus. Some politicians seem half-sympathetic. Two days later the state’s governor, Ron DeSantis, listed religious activities among “essential services” that could continue (without crowds) despite a lockdown. In at least a dozen other states, such activities were left unimpeded.

Secularist rage has been rising since early surges in the epidemic were traced to religious recklessness. In South Korea hundreds of members of the secretive Shincheonji Church of Jesus contracted the virus at packed services and spread it. The government complained that the church was not co-operating in tracing them. Its leader later apologised. An Islamic gathering in Malaysia in February helped spread the virus to neighbouring countries.

Elsewhere, liberal clergymen, rabbis and imams have heeded calls to suspend gatherings. But among ordinary people, the order to stop their cherished rituals feels like a dark conspiracy. “Not even the communists completely forbade Easter services” is a refrain in eastern Europe.

Within Judaism, many have reacted creatively, accepting, for instance, that a minyan, the ten-strong quorum for worship, might assemble electronically. The ultra-Orthodox, or Haredim, however, have dug their heels in. In Israel the Haredi stronghold of Bnei Brak has been a covid-19 hotspot. People have insisted on gathering for prayers, weddings and funerals, defying a lockdown and exacerbating chronic tensions between the Haredim and the state.

Elsewhere zealots already at odds with the state or with established religious powers have found in the virus a fresh battleground. In Iraq Muqtada al-Sadr, a fiery cleric, has challenged Grand Ayatollah Ali al-Sistani, a Shia leader who has denounced those who spread the virus as murderers. On March 5th Mr Sadr prayed at the entrance to the Imam Ali shrine in Najaf until caretakers opened the teak doors. It remained open, and mourners carry their dead around the shrine in coffins. The radical preacher has called coronavirus a punishment for gay marriage, as have some fundamentalist Christians.

Where the state broadly controls Islam, as it does in the Gulf monarchies, orders to suspend Friday prayers have been obeyed. The Saudis have told pilgrims to defer any plans to make the haj in July. But when Ramadan begins around April 23rd, authorities in all Islamic lands will struggle to restrain communal meals to break the fast.

In Iran, one of the first- and worst-hit countries, the religious authorities wield ultimate power. Their decision on March 16th to suspend pilgrimages to holy places, including those in the city of Qom from which infection had spread to other countries, was criticised as too late by secular liberals, too harsh by the ultra-devout.

India is one of many places where politicians must collaborate with religious forces. In Ayodhya, claimed as the birthplace of Rama, officials tried with mixed results to limit celebrations of the Hindu god. It was left up to the Hindu organisers to encourage restraint; they obeyed reluctantly.

On the spectrum of reactions, the Catholic one stands out as respectful of science. Today’s Holy See differs from the one which in centuries past persecuted astronomers. But some critics, including conservative American Catholics, see in its meek response the church’s broader weakness.

The contrast between cautious Catholics and gung-ho evangelicals has been sharp in Brazil. Catholic bishops and politicians have co-operated with the suspension of services, while President Jair Bolsonaro, an evangelical who has called the virus “just a sniffle”, has joined co-religionists in legal battles to keep churches open.

In the end, the survival of religions may depend on their finding a way of explaining to followers, in their own terms, why their spiritual duty now lies in suspending rites hitherto regarded as vital. As Shadi Hamid of the Brookings Institution, a think-tank, notes, Muslim jurisprudence has accepted that human survival can trump other norms: a Muslim can eat forbidden pork rather than starve. For liberal-minded Jews, the ideal of tikkun olam, or repairing the world, is higher than rules governing prayer or diet.

Communion, during which Christians consume bread and wine which some believe to have been transformed into the body and blood of Jesus, throws up particular challenges. Rule-minded Christians find an electronic Eucharist untenable: the ritual has to be physical.

And yet traditional Christian teaching may also have hygienically helpful things to say. It affirms that the entire world is mysteriously blessed every time bread and wine are sanctified, regardless of how many are present. That helps explain the determination of Greece’s bishops to celebrate “behind closed doors” this month the services leading to Orthodox Easter.

James Alison, a radical Catholic priest, proposes a solution both revolutionary and traditionalist. He is encouraging households to practise “Eucharistic worship” at home: to bless bread and wine and invoke the presence of Jesus. His approach, he says, affirms the intimacy and mystery of classical worship but challenges the idea of a caste of celebrants. As he points out, a lack of manpower in some parts of Christendom is already prompting a rethink of the role of priests: the virus could be the coup de grâce. Pope Francis has called the pandemic “a time to separate that which is necessary from that which is not”. Some may take him at his word.

Pandemia de coronavírus expõe as fissuras nas religiões (Estadão)

Artigo original em português

The Economist, 12 de abril de 2020

Nos dois mil anos desde que a história de Jesus começou a ser contada em Roma, os seus seguidores nunca viram uma Páscoa como esta. Na sede do catolicismo, o momento mais pungente do drama pascoal ocorre na Sexta-feira Santa, quando o papa conduz os fiéis em uma caminhada, com 14 estações, que representa o caminho percorrido por Jesus até a sua execução.

Este ano, isto se tornou impossível. Foi anunciado que em vez disso, o Papa Francisco andaria pela Praça de São Pedro vazia. Dois dias depois, no dia 12 de abril, em lugar de proclamar a ressurreição de Jesus a uma multidão, ele oficiará praticamente só em sua vasta basílica. Milhões de pessoas poderão observá-lo, mas apenas eletronicamente.

Emergências passadas, desde recessões até guerras, estimularam as pessoas a encontrar um novo significado em antigos rituais. Mas nada preparou os fiéis para o mundo do coronavírus, em que esses rituais, os gestos, a reunião que fazem parte de sua identidade, se tornaram um perigo público. Para as religiões inovadoras que já usam a tecnologia com segurança, a crise simplesmente vai acelerar uma tendência. Mas para os credos mais antigos, as reações variaram do dócil cumprimento ao desafio truculento.

A covid-19 não ampliou em geral as fraturas existentes entre os credos. Mas ampliou as que existem entre os seguidores de todas as grandes religiões. Eles já discutiam até quando durariam as antigas crenças com as modernas visões da origem da Terra. A pandemia exacerba a fratura entre os que desafiam a ciência e os que respeitam o laboratório.

Para alguns, a perplexidade é palpável. O Patriarca Kirilli da Ortodoxia russa, declarou no dia 29 de março: “Rezo há 51 anos… Espero que vocês compreendam como é difícil para mim dizer hoje: não visitem as igrejas”. Entre os seguidores do cristianismo oriental, muitos não o farão: os clérigos da Georgia, por exemplo, continuaram a oferecer aos fiéis o pão e o vinho consagrados, pelos quais, insistem é impossível sermos prejudicados.

O Papa Francisco se mostrou mais seguro: “Uma escuridão profunda se adensou sobre as nossas praças, as nossas ruas, as nossas cidades; levou as nossas vidas, preenchendo tudo de um silêncio ensurdecedor e de um vazio angustiante”. Mas a resposta da fé ocidental como um todo não chegou a impressionar, afirma Marco Ventura, da Universidade de Siena. “Até mesmo para muitos fiéis, os médicos são os novos profetas”.

Nem todos os cristãos concordam. Alguns evangélicos americanos, como os ruidosos seguidores de Donald Trump, negaram temerariamente a covid-19. Um pregador da Flórida, Rodney Howard-Browne, foi preso por pouco tempo no dia 30 de março por levar pessoas de ônibus para a igreja, insistindo que ele neutralizaria o vírus. Alguns políticos aparentemente mostram até simpatizar com esta atitude. Dois dias mais tarde, o governador do estado, Ron DeSantis, incluiu as atividades religiosas entre “os serviços essenciais” que poderiam continuar (sem multidões) apesar do fechamento. Em pelo menos dez estados, estas atividades foram liberadas.

A revolta dos secularistas aumenta desde que as primeiras ondas da epidemia foram atribuídas à imprudência religiosa, Na Coreia do Sul, centenas de membros da Igreja secreta Shincheonji de Jesus contraíram o vírus em serviços celebrados com multidões de presentes, o espalharam. O governo lamentou que a igreja não tenha cooperado procurando-os. O seu líder posteriormente pediu desculpas. Uma reunião islâmica na Malásia, em fevereiro, ajudou a espalhar o vírus para os países vizinhos.

Em outras partes, clérigos, rabinos e imãs liberais atenderam aos apelos pela suspensão das reuniões. Mas as pessoas comuns, veem a ordem de pararem os seus rituais prediletos como uma obscura conspiração. “Nem os comunistas proibiram os serviços da Páscoa” é o refrão na Europa Oriental.

No judaísmo, muitos reagiram de maneira criativa, aceitando, por exemplo, que um minyan, o quorum de dez pessoas para as orações, possa reunir-se eletronicamente. Os ultra ortodoxos, ou Haredim, entretanto, bateram o pé. Em Israel, a fortaleza haredi de Bnei Brak é um dos pontos chave do covid-19. As pessoas insistiram em reunir-se para as orações, os casamentos e os funerais, desafiando o fechamento e exacerbando as tensões crônicas entre os haredim e o Estado.

Em outros países, os ortodoxos que costumam discordar do Estado ou dos poderes religiosos encontraram no vírus um novo motivo de enfrentamento. No Iraque, Muqtada al-Sadr, um clérigo inflamado, desafiou  o Grande Ayatollah Ali al-Sistami, o líder xiita que denunciou os que espalharam o vírus como assassinos. No dia 5 de março, Sadr orou na entrada do santuário do Imã Ali, em Najaf, até que os zeladores abriram o portão de teca. Ele permaneceu aberta, e os pranteadores carregam os seus mortos em torno do santuário nos caixões. O pregador radical definiu o coronavírus um castigo por causa do casamento gay, assim como fizeram cristãos fundamentalistas.

Onde o Estado controla amplamente o Islã, como nas monarquias do Golfo, as ordens para suspender as orações da sexta-feira foram obedecidas. Os sauditas disseram aos peregrinos que adiassem os planos de fazer a haj em julho. Mas quando o Ramadan começar, por volta de 23 de abril, as autoridades em todos os países islâmicos terão dificuldade para proibir as refeições comuns para quebrar o jejum.

No Irã, um dos primeiros países e o mais atingido, as autoridades religiosas detêm o poder último. Sua decisão, no dia 16 de março de suspender  as peregrinações aos lugares sagrados, inclusive para a cidade de Qom da qual o contágio se espalhou para outros países, foi criticada como excessivamente tardia  pelos liberais saculares, e demasiado rigorosa pelos ultra devotos.

A Índia é um dos vários países em que os políticos precisam colaborar  com as forças religiosas. Em Ayodhhya, supostamente o lugar de nascimento de Rama, as autoridades tentaram, com resultados desiguais, limitar as celebrações do deus hindu. Os organizadores hindus foram encarregados de encorajar as restrições; mas eles obedeceram com relutância.

Quanto às reações, o católico se destaca pelo respeito à ciência. A Santa Sé dos dias atuais é diferente daquela que nos séculos passados perseguiu os astrônomos. Mas alguns críticos, como os católicos americanos conservadores, consideram sua resposta submissa a grande fraqueza da igreja.

Negação

O contraste entre os cautelosos católicos e os evangélicos entusiastas é agudo no Brasil. Os bispos católicos e os políticos  cooperaram com a suspensão dos serviços, enquanto o presidente Jair Bolsonaro, evangélico, que chamou o vírus “uma gripezinha”, se uniu aos seus correligionários em batalhas legais para manter as igrejas abertas.

No final, a sobrevivência das religiões poderá depender  de descobrirem uma maneira de explicar aos seus seguidores, em seus próprios termos, por que o dever espiritual agora é suspender ritos até agora considerados  vitais. Como observa Shadi Hamid da Brookings Institution, um grupo de pesquisadores, a jurisprudência muçulmana aceitou que a sobrevivência humana pode se sobrepor a outras normas: um muçulmano pode comer a carne de porco, que é proibida, para não morrer de fome. Para os judeus liberais, o ideal do tikkun olam, ou reparação do mundo, é superior às  normas que governam a oração ou a dieta.

A comunhão, durante a qual os cristãos consomem o pão e o vinho que alguns acreditam tenha se transformado no corpo e no sangue de Jesus, introduz desafios particulares. Os cristãos que respeitam as regras consideram a eucaristia eletrônica indefensável: o ritual deve ser físico.

E no entanto, o ensinamento cristão tradicional pode também ter coisas úteis para dizer do ponto de vista da higiene: Ele afirma que misteriosamente o mundo todo é abençoado toda vez em que o pão e o vinho são consagrados, independentemente o número de pessoas presentes. Isto ajuda em parte a explicar a determinação dos bispos da Grécia de, este mês, celebrar “a portas fechadas” os serviços que antecedem a Páscoa Ortodoxa.

James Alison, um sacerdote católico radical, propõe uma solução ao mesmo tempo revolucionária e tradicionalista. Ele encoraja as famílias a praticarem “a adoração eucarística” em casa, abençoando o pão e o vinho e invocando a presença de Jesus.

Segundo ele, a sua abordagem afirma a intimidade e o mistério da adoração clássica, mas desafia a ideia de uma casta de celebrantes. Como ele ressalta, a falta de mão de obra em algumas partes da cristandade já está levando a reconsiderar o papel dos sacerdotes: o vírus poderia ser o golpe de graça. O Papa Francisco definiu a pandemia “uma época para separarmos o que é necessário do que não é”. É possível que alguns creiam plenamente em suas palavras. /TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

During coronavirus crisis, Congress’s first caucus for nonreligious belief seeks a larger role in promoting science (Washington Post)

By Julie Zauzmer April 9, 2020 at 4:53 p.m. GMT-3

When Rep. Jared Huffman (D-Calif.) found out that a Trump administration rule that restricts research using fetal tissue from elective abortions was hampering scientists seeking treatments for the novel coronavirus, he had a coterie of like-minded members of Congress ready to help him protest.

The group is called the Congressional Freethought Caucus — the first caucus for nonreligious members of Congress and those who advocate for keeping religion out of government. Huffman, the only avowed non-theist in Congress, and Rep. Jamie B. Raskin (D-Md.) founded the group in 2018.

The coronavirus struck just as the caucus’s dozen members were having discussions early this year about how they could play a more active role in policymaking. The crisis has provided an opportunity for them to loudly proclaim the importance of science as the grounding for laws.

“We urge you to prioritize science during an unprecedented global health emergency and remove all barriers to lifesaving research,” Huffman wrote in a public letter to Health and Human Services Secretary Alex Azar, asking HHS to remove its ban on government scientists using fetal tissue that women choose to donate to research after an abortion. Four fellow members of the Freethought Caucus added their names to the letter, and they got eight colleagues outside the caucus to sign on.

While the small band of lawmakers in the Freethought Caucus comes nowhere close to the powerful heft of the religious right, they say they hope to be a counterweight, pushing the balance back toward secularism.

These lawmakers are agitating for secularism within a legislature that has long been comfortable with some level of mixing faith with government — every session starts with a prayer from a congressional chaplain or an invited religious guest — and that skews far more religious than the country it represents. More than a quarter of Americans say they identify with no religious tradition, and almost 1 in 10 say they don’t believe in God or aren’t sure God exists. Huffman is the only one out of 535 members of Congress who says the same.

As the caucus members discussed ramping up their efforts in the early months of the year, they listed many goals: Passing a bill condemning the blasphemy laws that target nonbelievers and dissident believers in foreign countries. Securing government funding for secular sobriety programs that compete with the higher-power-focused Alcoholics Anonymous. Passing legislation that would make it harder for the president to disband scientific advisory committees.

In early March, before the coronavirus took precedence, Huffman said one of his main goals for the caucus was getting behind the No Ban Act, a bill that would put an end to President Trump’s travel ban (the one that started at the beginning of his presidency, not the new coronavirus-inspired bans). Huffman and many other Democratic lawmakers view the president’s ban as targeting Muslims specifically.

“It’s one of a zillion ways this administration is weaponizing religion in insidious ways,” he said. He said the Freethought Caucus was also working on a letter urging the House Appropriations Committee to defund many of the groups Trump has set up that bring religion into government: a religious liberty task force in the Justice Department that focuses on the rights of Christians; Trump’s White House Faith and Opportunity Initiative; the State Department’s controversial new Commission on Unalienable Rights.

Though a few well-known congressional caucuses have significant legislative clout, most caucuses exist simply as a way for members to sign up and show affiliation with a cause, not as active advocacy groups. Huffman and Raskin are trying to turn their two-year-old affiliate group into more of a mover and shaker.

Recently, Huffman set up a meeting on Capitol Hill on behalf of former Muslims from countries where being a nonbeliever might expose them to violence or prosecution. These former Muslims said that they had been conversing in secret Facebook groups, but that Facebook’s policies could allow their identities to be potentially exposed. Huffman got three Facebook employees to attend a meeting to discuss remedies to the problem.

When Dan Barker, the president of the Freedom From Religion Foundation, sued the House chaplain in an attempt to get permission to deliver a nonreligious invocation before the House like clergymen do, the Freethought Caucus filed a friend-of-the-court brief.

Barker said the caucus invited him and other leaders of secular organizations to a meeting in February, where they asked for ideas of issues to work on. The idea of supporting secular addiction recovery programs was a popular one.

“We’ve always known not all members of Congress are religious. … They thought it was politically dangerous. Now we’re learning that it’s not so dangerous anymore, especially with the demographics. The fastest-growing religious idea right now in the country is nonreligious,” Barker said. “It was really fun to sit around the table with our representatives talking about real secular values.”

The caucus’s dozen members are all Democrats. Three are Jewish — Raskin, Steve Cohen (Tenn.) and Susan Wild (Pa.); two are Catholic — Daniel Kildee (Mich.) and Jerry McNerney (Calif.); Zoe Lofgren (Calif.) is Lutheran; and Del. Eleanor Holmes Norton (D.C.) is Episcopalian. One of the two Buddhists in Congress, Hank Johnson (Ga.), is a member. Three members have not answered CQ Roll Call’s questionnaire asking every U.S. lawmaker’s religion — Sean Casten (Ill.), Pramila Jayapal (Wash.) and Mark Pocan (Wis.) — but have never identified themselves as nonreligious like Huffman.

In early March, Huffman went to a meeting of the far larger and more influential Progressive Caucus and made a pitch for members to join the Freethought Caucus. Some are thinking about it, he said.

The nation is growing increasingly nonreligious. Last year, the Pew Research Center reported that 26 percent of Americans now say they are not affiliated with any religious tradition, compared with 17 percent in 2009.

Many of those unaffiliated Americans still believe in God and incorporate spiritual practices into their lives. But the share of atheists has doubled, from 2 percent of Americans in 2009 to 4 percent in 2019. An additional 5 percent now call themselves agnostics, compared with 3 percent a decade earlier.

Nonreligious people are far less organized than religious groups, which have the advantage of gathering their believers together every week. But secular groups like the Secular Coalition for America and the American Humanist Association have lobby days where they take like-minded citizens to petition their members of Congress, and Huffman said his colleagues have taken notice.

“Their numbers are beginning to surprise people,” Huffman said. “This caucus is probably going to be more and more relevant. People are going to start demanding this kind of work in Congress.”

Jason Lemieux, who leads lobbying efforts for the secular Center for Inquiry, said it’s important for Americans to simply see this group exists in Congress.

“They consider it a very important goal to even have this place at all, where you can be a member of Congress and not believe in God, or explicitly support the rights of those who don’t believe in God,” he said.

Raskin said his advocacy for secularism sneaks into his unrelated work as a congressman. In his recent time in the spotlight as a member of the House Judiciary Committee during the impeachment hearings, Raskin said he tried to quote as often as possible from Thomas Paine — the pamphleteer of the American Revolution, who was outspokenly skeptical of religion.

House Speaker Nancy Pelosi (D-Calif.) asked him to change Paine’s most famous sentence, he said, in a nod to gender equality: “These are the times that try men’s and women’s souls.”

Raskin wants to get a statue of Paine put up somewhere in or near the Capitol. When he and Huffman first founded the Freethought Caucus, he suggested a different name for it: the Thomas Paine Caucus.

But the people they consulted told them that Paine’s ideas were still too radical, more than two centuries later.

Michael Shermer: A favor da razão (Pesquisa Fapesp)

Divulgador de ciência norte-americano combate irracionalismos e fundamentalismos em voga

MARCOS PIVETTA | ED. 261 | NOVEMBRO 2017

Escritor se dedica a divulgar explicações científicas para fenômenos supostamente extraordinários ou sobrenaturais. © LÉO RAMOS CHAVES

Colunista desde 2001 da edição norte-americana da revista Scientific American, o californiano Michael Shermer, 63 anos, dedica-se a divulgar explicações científicas que refutam a existência de fenômenos supostamente extraordinários ou sobrenaturais, como a possibilidade de ressurreição, e a combater ideias pseudocientíficas. Formado em psicologia, com doutorado em história da ciência, é autor de livros sobre ciência, moral e religião e editor da revista Skeptic. Também leciona um curso básico sobre ceticismo na Universidade Chapman, uma instituição regional de ensino superior do sul da Califórnia mantida pela denominação protestante Discípulos de Cristo. Shermer, que já foi religioso e hoje é ateu, esteve em São Paulo no início de outubro para participar de um evento sobre divulgação da ciência.

O senhor acredita que ser religioso e fazer ciência é incompatível?
Muitos cientistas profissionais são pessoas religiosas. Então, aparentemente, isso é possível. Mas é lógico proceder assim? Acho que na maioria das vezes não. Os cientistas que são religiosos adotam uma estratégia para lidar com ciência e religião: colocam esses temas em diferentes categorias mentais e não os deixam se sobrepor. A maioria das afirmações religiosas pode ser testada pela ciência. Se os religiosos dizem que a Terra tem 10 mil anos de idade e os geólogos, que ela tem 4,5 bilhões de anos, não se pode somar essas duas idades e dividir por dois para encontrar a verdade. Uma dessas afirmações está simplesmente errada. No caso, a dos religiosos. Mas, quando se trata de determinar valores morais, a espiritualidade, o sentido da vida, o que é certo e o que é errado, a maioria das pessoas acha que isso só pode ser obtido por meio da religião. Não concordo com isso. Acho que podemos usar o método científico para abordar esses temas. Devemos trabalhar e nos esforçar mais para proceder assim.

Como o método científico pode ajudar nesse tipo de questão?
Vou dar um exemplo. Podemos usar a ciência para determinar qual é o melhor sistema político para se viver. Há muitos dados sobre isso, acumulados ao longo de uns 500 anos. A democracia é melhor do que teocracias, ditaduras, monarquias e estados comunistas. Estes últimos são estados falidos. É possível medir as consequências dos sistemas políticos em termos dos níveis de sobrevivência da população e do desenvolvimento. Esse é um argumento utilitário. As sociedades em que foram implantados esses sistemas políticos são experimentos naturais que foram conduzidos pelo homem. Quando houve o desmembramento da Coreia em dois países [em 1948], o norte e o sul eram iguais. Hoje os dois países não são nem remotamente parecidos. Cada um tem um sistema político, legal e econômico diferente. Por que a antiga Alemanha Ocidental era mais desenvolvida do que a Oriental? Essas perguntas podem e devem ser respondidas por cientistas políticos e econômicos. Isso é ciência.

O senhor acha que a ciência social deve ser encarada da mesma forma que as chamadas ciências duras? Não é mais difícil fazer previsões no campo da ciência social do que em química ou na matemática?
Sim. Mas, na verdade, acho que as ciências duras, no sentido de que são mais difíceis de fazer, são as sociais. Nelas, há muito mais variáveis envolvidas. Átomos, moléculas, gases, rochas, planetas e estrelas, todos esses objetos de estudo apresentam um número limitado de variáveis. São sistemas mais previsíveis. Como disse, o comportamento dos seres humanos, da economia, envolve muito mais variáveis. Mas essa ciência pode ser feita. Aliás, tem sido feita há séculos. Adam Smith [1723-1790] fez isso no seu livro Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Ele é o Newton [1643-1727] da economia. Mas essa minha posição é minoritária entre os cientistas. Eles não sabem nada das “ciências moles”.

Por que as pessoas acreditam em poderes sobrenaturais e explicações religiosas para fenômenos naturais?
O cérebro humano está biologicamente preparado para acreditar nessas coisas. As pessoas podem encontrar padrões em certos eventos e tentam estabelecer causas e conexões entre eles. As pessoas acham que esses padrões não são aleatórios, inanimados. Os eventos ocorreriam por uma razão. Elas acreditam que há uma entidade por trás deles, um espírito, uma força, alguém manipulando as cordinhas. Daí é um passo para chamar essa força de Deus, espírito, fantasma, alienígena, anjo ou demônio. O mundo sempre viveu assim até o momento em que a ciência desbancou essas ideias. Não é que as pessoas sejam ignorantes ou pouco instruídas. Apenas é mais fácil seguir esse caminho. As teorias sobre conspirações modernas também se alimentam dessa lógica.

Por que o criacionismo é tão forte nos Estados Unidos?
Vejo duas razões. Somos, de longe, a nação mais religiosa entre as industrializadas do Ocidente. Nenhum país da Europa chega nem mesmo perto. E não se trata de qualquer tipo de religião. Os Estados Unidos são protestantes, batistas. A maioria dos católicos, até o papa, fez as pazes com Darwin [1809-1882] e a teoria da evolução. Para eles, a evolução foi a forma que Deus encontrou para criar as espécies. Newton também achava que a gravidade era o jeito de Deus criar planetas. Já os protestantes, sobretudo os fundamentalistas, precisam crer que a Bíblia está certa. Eles fazem uma leitura literal, não de forma metafórica, da Bíblia. Se a Bíblia fala em dias, entendem que se trata literalmente de dias – não de uma figura de linguagem que se refere a uma noção de tempo. Outra razão diz respeito a uma tensão entre religião e política na arena pública, a despeito da existência da divisão entre Igreja e Estado. Não há, por exemplo, um conselho geral que dite o currículo para todas as escolas públicas do país. Cada estado, cada condado, às vezes cada distrito, tem os seus próprios conselhos. Às vezes, há uma maioria de religiosos fundamentalistas nesses conselhos e eles decidem ensinar criacionismo ao lado da teoria da evolução, ou até no lugar dela.