Água: crise e colapso em São Paulo (Revista Greenpeace)

Reportagem: Luciano Dantas

Fotografia: Carol Quintanilha

Edição 1, 2014

Desde o início do ano os moradores de São Paulo têm ido dormir sem saber se haverá água pela manhã em suas casas. Por meio de diferentes fontes, reunimos informações para levantar as causas, consequências e soluções para a crise hídrica que atinge o Estado.

Omissão e descaso: a falta d’água era prevista

Marussia Whately, coordenadora do Instituto Socioambiental (ISA) e uma das maiores especialistas em recursos hídricos de São Paulo, dá o seu diagnóstico. Assista:

“O uso do volume morto não é uma solução. Ele seca a represa, os lençóis freáticos e a capacidade do sistema em se recompor. Isso mostra a falta de preparo do governo do Estado para a crise.”

Marussia Whately

Dias difíceis

Desde maio deste ano a Sabesp se utiliza da água proveniente do chamado volume morto do Sistema Cantareira, principal manancial abastecedor da Grande São Paulo, para nutrir a capital.

“…Não há medida que consiga reverter esta situação em menos de cinco anos.”

Antonio Carlos Zuffo

Para o professor Antonio Carlos Zuffo, da área de Hidrologia e Gestão de Recursos Ambientais da Unicamp, o prognóstico é de dias difíceis. Segundo ele, além de enfrentar a escassez, os paulistas terão de lidar com a impureza da pouca água do reservatório. “Os peixes já vêm sofrendo com a falta de oxigênio dos rios e represas, e isso tende a piorar. Com um volume menor de água para a diluição de impurezas, a saída será o tratamento com maiores quantidades de cloro, o que compromete a qualidade da água que abastece residências, a produção agropecuária e industrial do Estado”, explica.

Zuffo acredita que a estiagem dure entre três e quatro décadas, e que a única saída para minimizar os prejuízos a curto-prazo é conscientizar a população. “A água economizada hoje será responsável pelo abastecimento de amanhã”, diz. E garante: não há medida que consiga reverter esta situação em menos de cinco anos.

A seca vira arte

Foto: Marcelo Delduque

Foto: Marcelo Delduque

Na contramão do que pensa a maioria dos moradores do Estado, Marcelo Delduque, morador de Bragança Paulista, não enxerga com tanta estranheza a seca que toma conta da represa que passa por sua propriedade, a Fazenda da Serrinha, já que a barragem foi construída artificialmente na década de 1970 para compor o Sistema Cantareira.

“Quando nasci, a represa não existia. Acompanhei durante a infância o povoado sendo alagado por ela. Por isso, para mim não é estranho ver tudo seco novamente”, conta.

É na centenária fazenda da família que há 13 anos acontece o Festival de Arte da Serrinha, produzido por Marcelo e seu irmão, Fábio Delduque, curador-responsável do evento. O festival propõe uma reocupação poética da paisagem rural por meio da arte contemporânea. É lá que artistas, estilistas, apaixonados e curiosos pela arte se embrenham, a cada ano, em produções artísticas livres e muito criativas.

Hoje a paisagem no entorno da fazenda é completamente diferente de quando a represa comportava seu nível normal de água. Assim, o que Marcelo pode acompanhar é o movimento contrário do qual vivenciou quando criança: o resgate das condições naturais do local, a retomada das raízes da Serrinha.

Curiosamente, o tema do Festival de 2014 foi justamente “Raízes”, e a paisagem do chão de barro rachado, que antes dava lugar à represa, tornou-se protagonista do evento.

O festival de arte da Serrinha propõe uma reocupação poética da paisagem rural por meio da arte contemporânea. (Foto: Carol Quintanilha)

Performance artística na paisagem lamacenta que transformou a represa. Fazenda da Serrinha. (Foto: Carol Quintanilha)

Antes da seca: a represa da fazenda Serrinha é parte do Sistema Cantareira (Foto: Marcelo Delduque)

O festival de arte da Serrinha propõe uma reocupação poética da paisagem rural por meio da arte contemporânea. (Foto: Marcelo Delduque)

Performance artística na paisagem árida que antes dava lugar às águas da represa. Fazenda da Serrinha. (Foto: Marcelo Delduque)

Sistema Cantareira – vista geral do reservatório Cachoeira em sua capacidade normal. (Foto: Instituto Socioambiental)

A represa de Vargem, componente do sistema Cantareira com sua capacidade hídrica já bastante reduzida. (Foto: Luiz Augusto Daidone/ Prefeitura de Vargem)

Racionamento velado

  • Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit. Aenean euismod bibendum laoreet. (Foto: Fabio Nascimento/Greenpeace)

    Falta de transparência: João exibe a quantidade de cloro contida na água após horas sem abastecimento. (Foto: acervo pessoal)

Morador do Mandaqui, zona norte da cidade de São Paulo, o estudante de jornalismo João Tiago Soares, 32, se queixa da falta de transparência praticada pela Sabesp. “Inacreditável. Até a Copa, tudo correu bem. Dias depois da final do campeonato, sem aviso prévio, o racionamento começou” – relata.

João afirma que no início faltava água por quatro horas durante a tarde e que depois foi faltando água cada vez mais tarde e por mais tempo. “Fechavam os reservatórios por volta das 22h, quando as pessoas se preparavam para dormir. Só abriam lá pelas 04h, quando estavam prestes a acordar”, conta. João diz que sempre que ele ou algum vizinho telefonam para a Sabesp, a resposta é a mesma: estão realizando uma “adequação” no sistema hídrico.

“Os recursos naturais de transformação da água em água potável são lentos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipulada com racionalidade, precaução e parcimônia.”

Declaração Universal dos Direitos da Água

No último dia nove de setembro, Catarina de Albuquerque, relatora da ONU (Organização das Nações Unidas), declarou que a crise da água não pode ser justificada pela estiagem: cabe ao Estado prever e prevenir a população de circunstâncias como esta. Diante da crise, o recém-eleito governador Geraldo Alckmin continua negando a interrupção do abastecimento – praticada há pelo menos três meses – e descartou a necessidade de racionamento em 2014. Com mais quatro anos de mandato, veremos que medidas ele tomará para tirar a população do sufoco. Nem o cantor Chico Science seria capaz de prever lama e caos tão próximos um do outro.