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Jamil Chade – Como diplomatas tentaram, de dentro do Itamaraty, conter atos de Bolsonaro (UOL)

noticias.uol.com.br

REPORTAGEM

Jamil Chade

Colunista do UOL

07/12/2022 04h00 – Atualizada em 07/12/2022 14h06


Dois diplomatas entram em um café em uma capital europeia. Um deles é brasileiro e carrega informações ultrassecretas. Sua missão é desarmar uma bomba. Parece filme de espionagem, mas a cena é real e se repetiu no governo Bolsonaro.

Uma rede de resistência clandestina foi criada no Itamaraty para conter a política externa bolsonarista.

Temas como mudanças climáticas, direitos humanos, a questão palestina ou mesmo a Guerra da Ucrânia foram tratados nesses encontros sigilosos, confirmados pelo UOL com 13 funcionários do Itamaraty, incluindo embaixadores e servidores administrativos, e em um amplo e ainda inédito estudo de pesquisadoras da FGV e de Oxford. A rede não envolveria apenas alguns poucos nomes e, de fato, teria se espalhado por alguns dos principais departamentos da chancelaria.

Os objetivos da rede clandestina eram:

  • Permitir que o outro país tivesse tempo para reagir a mudanças na política externa do Brasil, sem que uma crise fosse estabelecida
  • Preservar a credibilidade do Brasil no exterior e salvar décadas de uma construção da diplomacia nacional

Para diplomatas, a palavra correta seria resistência, que existiu “em nome da democracia e da soberania”, e sempre ocorreu dentro de parâmetros da legalidade. No fundo, tais atos não eram nada mais que uma tentativa de “equalizar posições” diante daqueles que estavam destruindo as estruturas do Estado. A verdadeira sabotagem, neste sentido, era o que estava ocorrendo com o sequestro de décadas da diplomacia brasileira para atender aos objetivos da extrema direita.

Os encontros clandestinos eram apenas uma das táticas da resistência, que também:

  1. Montou um esquema de contatos diretos com governos estrangeiros, sem ter de passar pela cúpula do Itamaraty e com o objetivo de desarmar crises diplomáticas.
  2. Limitou-se a ler “a instrução que chegou de Brasília”, em reuniões na ONU, OMS ou OEA, sem uma atuação de empenho para convencer os demais países a seguir o Brasil em suas posições.
  3. Copiou documentos que poderiam ser usados para defender um diplomata contra acusações e registrar a ilegalidade de certos atos do Planalto.
  4. Gravou reuniões de forma clandestina nas quais a cúpula bolsonarista ordenou a suspensão de termos de documentos ou o veto a determinadas resoluções que citassem a palavra “gênero” ou outros temas delicados.
  5. Vazou informações para a sociedade civil sobre o posicionamento do Brasil na esperança de que uma pressão pública fosse feita para impedir que um determinado ato fosse concretizado.
  6. Publicou artigos sob o nome de outra pessoa ou de um acadêmico.
  7. “Arrastou o pé”, diminuindo o ritmo de trabalho na implementação de instruções estabelecidas pela cúpula bolsonarista.
  8. Enganou a chefia ou informou o que era absolutamente necessário, ocultando da cúpula situações ou posições por parte de outros governos.
  9. Realizou reuniões sem registros na agenda oficial, impedindo que certos temas ou debates entrassem no radar da direção.
Itamaraty - tradição - Arte/UOL - Arte/UOL
Itamaraty – Diplomacia Brasileira Imagem: Arte/UOL

Um clima de medo, represálias e perseguição se instalou no Itamaraty nos quatro anos do governo de Jair Bolsonaro.

Saíram de cena a tradição e as nomeações técnicas, que sempre guiaram de forma explícita desde a promoção de diplomatas até as posições do Brasil no exterior, e entraram as indicações políticas e o alinhamento ideológico compulsório ao núcleo bolsonarista.

As mesmas condições foram identificadas na pesquisa coordenada pela professora da FGV Gabriela Lotta, em parceria com Izabela Corrêa, de Oxford, e Mariana Costa, também da FGV.

As pesquisadoras entrevistaram diplomatas em diferentes posições na carreira e que estão alocados em distintos países e setores do Itamaraty.

Todo o levantamento é feito de forma sigilosa e anônima, para preservar a identidade dos entrevistados.

Segundo os funcionários ouvidos a gestão Bolsonaro promoveu:

  • Monitoramento de diplomatas sobre o que curtiam nas redes sociais, se eram membros de partidos políticos ou até com quem eram casados. Uma funcionária relatou que não foi promovida depois que “foi descoberto” que seu marido trabalhou em um governo anterior.
  • Substituição de funcionários que se dedicavam a estudos de temas contrários à agenda de Bolsonaro como clima, meio ambiente, gênero e direitos humanos, por pessoas leais ao governo.
  • Promoções e transferências para o exterior foram transformadas em moeda de troca e instrumento de ameaça.
  • Palavras como “gênero”, “Cuba” e “mudanças climáticas” foram vetadas, evitadas ou até apagadas de documentos oficiais do passado. Uma servidora admitiu que teve como função modificar portarias, discursos, informações no site oficial e telegramas.

Mulheres e homossexuais foram especialmente alvo dessa nova fase. “Há uma masculinização e a volta de certas práticas, como piadas no corredor”, contou Gabriela Lotta, a pesquisadora da FGV.

O que mais escutava nas entrevistas era: O tio da Sukita se normalizou

O que diz o Itamaraty sobre as denúncias?

Nada. Procurado para comentar a reportagem, o Ministério das Relações Exteriores se manteve em silêncio.

O número de pessoas removidas de seus cargos chegou a tal ponto que consolidou-se o apelido informal usado para designar diplomatas loteados em locais onde não faziam nada: “Departamento de Escadas e Corredores”.

Um exemplo emblemático aconteceu logo nos primeiros meses da gestão do ex-chanceler Ernesto Araújo, que decidiu isolar e deixar sem função o diplomata Audo Faleiro. A justificativa: ele teria trabalhado para os governos do PT.

Itamaraty - Clima de medo e represálias - Arte/UOL - Arte/UOL
Itamaraty – represálias Imagem: Arte/UOL

Em meados de 2019, Faleiro deixou seu posto em Paris para voltar ao Itamaraty. Foi nomeado como chefe da Divisão da Europa e, dois dias depois, o gabinete de Araújo informou que o cargo teria de ser retirado.

O diplomata ficou por seis meses na biblioteca do Itamaraty, aguardando um novo cargo. Foi apenas em março de 2020 que ele foi colocado no Departamento Financeiro. Ainda assim, sem o direito de ir a algumas reuniões e com o compromisso de que, na ausência da chefia, não assumiria o departamento.

Para muitos, Faleiro foi usado como exemplo:

Olha o que pode ocorrer contigo. Não faça isso se não quiser virar o próximo Audo

O tamanho do estrago

Os relatos coincidem com quatro anos que transformaram o Brasil em um pária internacional.

Para a professora da FGV Gabriela Lotta, o impacto não se limitou aos muros do Palácio do Itamaraty.

“A diplomacia brasileira tem sua moral e influência construídas na tradição e expertise. O governo negou isso, prejudicou a política externa e enfraqueceu a diplomacia e a imagem do Brasil.”

Na opinião da pesquisadora e dos embaixadores e diplomatas ouvidos pelo UOL, resistir foi a saída encontrada para sobreviver a um dos momentos mais tenebrosos da democracia brasileira.

Muitos, porém, pagaram um preço elevado, tanto profissionalmente como em relação à saúde mental.

O uso de tarja preta foi disseminado.

Brasil vacila em ratificar protocolo sobre biodiversidade (Greenpeace)

16/7/2014 – 12h07

por Redação do Greenpeace

indigenas Brasil vacila em ratificar protocolo sobre biodiversidade

 

A demora do Congresso Nacional em votar a ratificação do Protocolo de Nagoya, assinado pelo País em 2010, pode custar a cadeira brasileira na mesa de discussões da COP-12

O Brasil foi um dos primeiros países a assinar o Protocolo de Nagoya, proposto na 10ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP-10), em 2010, como alternativa para regulamentação do uso de recursos da biodiversidade do planeta.

Depois de quatro anos, no entanto, o País acaba de perder a chance de participar ativamente da discussão sobre o assunto. As propostas contidas no protocolo não foram ratificadas pelo Congresso Nacional. Para entrar em vigor, 50 dos 92 signatários da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) precisavam confirmar sua validade, incorporando-o a legislação, até junho deste ano. O que aconteceu nesta segunda-feira 11, sem a participação do Brasil.

“O Brasil perdeu uma grande chance deixando de votar este projeto, uma vez que o País foi protagonista da proposta, junto com o próprio Japão. Mas se em casa a gente não consegue aprovar o que sugerimos internacionalmente, isso mostra que fomos muito bons de papo e pouco eficientes na ação”, avalia Marcio Astrini, coordenador da Campanha da Amazônia do Greenpeace Brasil. “De certa maneira isso é um reflexo da visão ambiental do atual governo, que ao invés de ver no Meio Ambiente uma oportunidade, vê nele um empecilho”, completa Astrini.

Parado desde 2012 no Congresso Nacional, o projeto foi designado para uma comissão especial, que nunca foi criada. O assunto sofre forte resistência por parte da bancada ruralista, que acredita que a ratificação da proposta poderia aumentar os custos do agronegócio no Brasil.

Um dos pontos mais polêmicos refere-se ao pagamento de royalties a países pela repartição de benefícios aos detentores de conhecimentos tradicionais associado ao uso de recursos genéticos oriundos da biodiversidade, como povos indígenas e comunidades tradicionais. “O objetivo central do protocolo é aumentar a proteção sobre as reservas naturais do planeta e, para isso, deve criar uma série de regras para controlar a utilização dos recursos, estabelecendo, inclusive regras econômicas. Isso vai no caminho do que precisa ser feito no mundo todo e precisamos participar desta discussão”, observa Astrini.

O Brasil concentra aproximadamente 20% de toda a biodiversidade do planeta. A regulação contribuiria para o combate a biopirataria, com ganhos no campo da ciência e também para as populações tradicionais, que teriam seus saberes reconhecidos e valorizados.

Outro ponto importante do protocolo é o plano estratégico de preservação, que aumenta as áreas terrestres e marítimas a serem protegidas no planeta. As regiões terrestres protegidas passariam de 10% para 17% e as zonas marítimas de proteção ambiental passaria de 1% para 10% de seu total. O próximo encontro dos signatários da CDB será na 12ª Conferência das Partes (COP-12) da CDB, em Pyeongchang, República da Coréia, de 6 a 17 de outubro deste ano.

* Publicado originalmente no site Greenpeace.

O Brasil na COP-19: mais do mesmo? (O Estado de S.Paulo)

JC e-mail 4872, de 10 de dezembro de 2013

Estadão publica artigo assinado por Pedro Motta Veiga e Sandra Polonia Rios

Nas negociações climáticas multilaterais, o Brasil é um ator central, mas que opera aquém de suas potencialidades, em razão de suas opções de política e estratégia negociadora. Exemplo disso foi a estratégia adotada pelo País na COP 19, de Varsóvia, realizada na segunda quinzena de novembro.

O País tem condições naturais e físicas que o colocam entre os principais atores na definição da governança global do clima. Mas as oportunidades que derivam da disponibilidade de capital físico e natural para uma estratégia de crescimento econômico sustentável não são capturadas pelas políticas públicas brasileiras. Esse déficit na incorporação da dimensão ambiental à formulação das políticas de desenvolvimento, combinado a uma histórica resistência a assumir compromissos internacionais que restringiriam a liberdade para implementar políticas públicas, leva a uma postura defensiva e pouco compatível com a posição que o Brasil pode ocupar nos foros multilaterais de negociação do clima.

O Brasil levou para essa COP duas propostas principais: 1) que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) crie uma metodologia que calcule a “culpa histórica” de cada nação no aumento da temperatura do planeta; e 2) que os governos façam consultas internas com setores da sociedade civil sobre as metas de redução de emissões de gases-estufa.

Não há nada de errado com o estímulo a que os países façam consultas públicas internas, mas a estratégia negociadora brasileira continua ancorada na defesa do princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas, acordado em Kyoto e que levou ao estabelecimento de metas de redução de emissões de gases de efeito estufa apenas para os países desenvolvidos. É para apoiar a manutenção desse princípio que o Brasil defende a ideia de um levantamento da “culpa histórica” de cada nação no aumento de temperatura do planeta – levantamento cuja função seria servir de base para os compromissos que os países terão de assumir em 2015 para entrar em vigor em 2020. A ideia é de que os países desenvolvidos teriam produzido um estoque muito maior de emissões do que os países em desenvolvimento porque largaram na frente no processo de industrialização.

O tiro pode sair pela culatra. Um cálculo já realizado por um consórcio de respeitadas instituições internacionais – PBL Netherlands Environmental AssessmentAgency, Ecofys e EuropeanCommission’s Joint Research Centre1 (www.pbl.nl) – mostrou que a contribuição relativa dos países em desenvolvimento para as emissões acumuladas durante o período 1850-2010 foi de 48%. Para 2020, a previsão é de que a participação dos países em desenvolvimento ultrapasse a dos desenvolvidos, chegando a 51%.

Evidentemente, esses estudos envolvem decisões quanto a parâmetros e variáveis a serem incluídas. Assim, quando se desconta o progresso tecnológico das emissões históricas, para levar em consideração o fato de que os países em desenvolvimento se beneficiaram de tecnologias que foram desenvolvidas anteriormente pelos já industrializados, a contribuição histórica dos países em desenvolvimento para as emissões acumuladas sobe para 52%.

O fato é que a proposta de medir responsabilidades históricas acumuladas não parece contribuir em nada para superar o atual estado de impasse em que se encontram as negociações climáticas. Como se viu, essa proposta pode acabar contribuindo para reforçar a ideia de que, por causa de seu desempenho recente, os países em desenvolvimento serão em breve os maiores responsáveis – mesmo em termos acumulados – pelo aquecimento global.

Melhor fariam as autoridades brasileiras se buscassem adequar as políticas domésticas aos compromissos já assumidos na Política Nacional sobre Mudança do Clima, que é lei aprovada pelo Congresso Nacional (Lei n.º 12.187/2009). Isso permitiria ao País assumir o papel que lhe cabe na governança global do clima e aproveitar as oportunidades que essa agenda traz para o crescimento econômico.

Pedro Motta Veiga e Sandra Polonia Rio são diretores do Cindes

http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,o-brasil-na-cop-19-mais-do-mesmo-,1106505,0.htm

Um balanço da primeira semana da COP19 (Vitae Civilis)

Ambiente
18/11/2013 – 09h10

por Délcio Rodrigues e Silvia Dias*

cop19 ecod 300x183 Um balanço da primeira semana da COP19

Ao fim da primeira semana da CoP19, a sensação de dejá vú é inevitável. Mais uma vez, o negociador filipino foi o responsável pelo discurso mais emocionante. Mais uma vez, o Germanwatch divulga que os países pobres são os mais vulneráveis aos eventos climáticos extremos. Mais uma vez, aliás, temos um evento climático vitimando milhares de pessoas enquanto acontece a conferência. Mais uma vez, temos a divulgação de que estamos vivendo os anos mais quentes da história recente do planeta, de que a quantidade de gases causadores do efeito estufa na atmosfera já está em níveis alarmantes, de que o certo seria deixar as reservas de combustíveis fósseis intocadas…

Mesmo o novo relatório do IPCC chega com um certo gosto de notícia velha. Pois apesar da maior gama de detalhes e da maior certeza científica, basicamente o AR5 confirma que estamos seguindo em uma trajetória que esgotará já em 2030 todo o carbono que poderemos queimar neste século sem alterar perigosamente o clima do planeta. Da mesma forma, a Agência Internacional de Energia (IEA) confirma o exposto por uma forte campanha feita na CoP18 contra os subsídios aos combustíveis fósseis. Segundo a IEA, os governos gastaram US$ 523 bilhões em subsídios aos combustíveis fósseis em 2011 – uma completa inversão de prioridades, do ponto de vista da mudança climática: para cada US$ 1 em apoio às energias renováveis​​, outros US$ 6 estão promovendo combustíveis intensivos em carbono. Parte dos subsídios aos combustíveis fósseis estão acontecendo em países emergentes e em desenvolvimento, haja vista os subsídios à gasolina impostos pelo governo brasileiro à Petrobrás. Mas talvez sejam mais importantes nos países ricos. Pesquisa do Overseas Development Institute, do Reino Unido, mostrou que os subsídios ao consumo de combustíveis fósseis em 11 países da OCDE alcançam o total de US$ 72 bilhões dólares, ou cerca de US$ 112 por habitante adulto destes países.

Essa perversidade econômica estrangula, no nascimento, as inovações tecnológicas que podem contribuir para evitarmos a colisão iminente entre a economia global (e o seu sistema energético) e os limites ecológicos do nosso planeta. Os recentes desenvolvimentos em energia eólica, solar, bio-combustíveis , geotermia, marés, células de combustível e eficiência energética estão aumentando as possibilidades de construção de um cenário energético de baixo carbono. Além de poderem afastar a crise climática, estas tecnologias poderiam abrir novas oportunidades de investimento, fornecer energia a preços acessíveis e sustentar o crescimento. Mas este potencial somente será realizado se os governos perseguirem ativamente políticas industriais sustentáveis. É necessário alinhar o objetivo de mitigação da crise climática com desincentivos para as fontes de energia intensivas em carbono por meio de impostos e apoio a alternativas sustentáveis.

O fim dos subsídios aos combustíveis fósseis precisa ser acompanhado por políticas que favoreçam a transferência de tecnologias limpas. Não podemos deixar de lado o exemplo da China, da Índia e também do Brasil, para onde multinacionais historicamente enviam plataformas de produção sujas e energo-intensivas. Infelizmente, as negociações sobre tecnologia estão entre as mais emperradas – tanto no formato anterior, estabelecido pelo Caminho de Bali, como agora, na chamada Plataforma Durban. Simultaneamente, tomamos conhecimento, pelo WikiLeaks, da Parceria Trans-Pacífica (TPP) referente a patentes e proteção intelectual – acordo que vem sendo negociado secretamente entre líderes de 12 países que concentram 40% do PIB e um terço do comércio global e que visa impor medidas mais agressivas para coibir a quebra de propriedade intelectual.

A discrepância entre o que a ciência recomenda e o que os governos estão promovendo permanece, independente do formato das negociações climáticas. Saímos dos dois trilhos estabelecidos em Bali para a Plataforma Durban, mas os compromissos financeiros ou metas mais agressivas de mitigação não vieram. Na primeira semana da CoP19, os discursos dos negociadores reviveram posicionamentos arcaicos e obstrutivos ao processo. Sim, é certo que já sabíamos que esta não seria uma conferência de grandes resultados. Mas o fato é que os bad guys resolveram ser realmente bad sob a condução complacente de uma presidência que não se constrange em explicitar sua conduta em prol do carvão e demais combustíveis fósseis. Tanto que a Rússia abriu mão de atravancar o processo, guardando suas queixas sobre o processo da UNFCCC para outra ocasião.

Esta outra ocasião pode ser a CoP20, no Peru, para onde as esperanças de negociações mais produtivas se voltam. Antes, porém, haverá a cúpula de Ban Ki Moon, para a qual as lideranças dos países estão convidadas. O objetivo é gerar a sensibilidade política que faltou em Copenhague e tentar definir metas antes da reta derradeira do acordo, em Paris. Esse encontro deve ser precedido e seguido de várias reuniões interseccionais para que os delegados avancem na costura do acordo e para que os itens críticos, como metas de mitigação e financiamento, comecem a adquirir contornos mais concretos.

Em outras palavras, uma agenda consistente de reuniões e o compromisso para apresentar metas no ano que vem são o melhor resultado que podemos esperar de uma conferência que corre o risco de entrar para a História como a CoP do carvão.

Délcio Rodrigues é especialista em Mudanças Climáticas do Vitae Civilis. Silvia Dias, membro do Conselho Deliberativo do Vitae Civilis, acompanha as negociações climáticas desde 2009.

País ‘concorre’ a troféu por travar negociações na COP 11 (O Estado de São Paulo)

JC e-mail 4605, de 17 de Outubro de 2012

Brasil é indicado pela segunda vez, durante a Convenção da Diversidade Biológica, a prêmio organizado por rede internacional de ONGs.

Pela segunda edição seguida da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), o Brasil figura hoje entre os indicados para o Troféu Dodô, que “premia” os países que menos têm evoluído nas negociações durante o encontro para evitar perdas de biodiversidade. Canadá, China, Paraguai e a Grã-Bretanha são os outros indicados pela CBD Alliance, uma rede internacional de ONGs que participa da convenção.

O pássaro dodô é o escolhido para dar nome ao prêmio por estar extinto há cerca de quatro séculos – a espécie vivia na costa leste da África, na Ilha Maurício. Nas convenções do clima, o equivalente é o Troféu Fóssil do Dia – o País foi “agraciado” em Durban, há quase um ano.

Entre as razões para a presença do País na lista está a falta de preocupação do governo com a biodiversidade na negociação de mecanismos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd+) – sistema de compensação financeira para atividades que diminuam a emissão de carbono.

Na 11ª conferência das partes (COP-11) da CBD em Hyderabad, na Índia, o Brasil quer evitar a definição de salvaguardas de biodiversidade nos textos, fazendo pressão para que haja diferenças claras entre os acordos da CBD e os estabelecidos nas Convenções sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC).

O governo brasileiro se alinhou a outros países descontentes, como Colômbia e Argentina, para criticar o texto que está sendo trabalhado na conferência da Índia. Em nota, o bloco afirmou que o documento está atrasado e não leva em conta as resoluções alcançadas nas Conferências do Clima de Cancún e de Durban.

“Muitas das recomendações que estamos vendo na COP-11 ou são redundantes ou colocam barreiras para a implementação dessa importante ferramenta (de Redd+)”, dizem os países. Além disso, o Brasil foi indicado ao troféu pelo fato de o governo não ter, segundo a rede de ONGs, uma boa relação com comunidades locais e tribos indígenas que vivem em áreas de relevância ecológica e biológica.

Nova indicação – Há dois anos, o País havia sido indicado por outro motivo: durante o encontro na cidade japonesa de Nagoya, os representantes brasileiros promoveram de forma escancarada os biocombustíveis e foram criticados por tentar abafar os possíveis impactos sobre a biodiversidade e as populações.

Os vencedores de 2010, porém, foram o Canadá e a União Europeia. O Canadá voltou a ser indicado neste ano, também acusado de tentar evitar a discussão sobre os biocombustíveis.

De acordo com as ONGs, a China tem desencorajado o desenvolvimento de áreas marinhas em países vizinhos, enquanto o Paraguai tem bloqueado qualquer progresso em assuntos socioeconômicos nas questões de biossegurança. Já a Grã-Bretanha estaria trabalhando para evitar discussões sobre biologia sintética e geoengenharia.

 

País ‘concorre’ a troféu por travar negociações na COP 11 (OESP)

JC e-mail 4605, de 17 de Outubro de 2012

Brasil é indicado pela segunda vez, durante a Convenção da Diversidade Biológica, a prêmio organizado por rede internacional de ONGs.

Pela segunda edição seguida da Convenção da Diversidade Biológica (CDB), o Brasil figura hoje entre os indicados para o Troféu Dodô, que “premia” os países que menos têm evoluído nas negociações durante o encontro para evitar perdas de biodiversidade. Canadá, China, Paraguai e a Grã-Bretanha são os outros indicados pela CBD Alliance, uma rede internacional de ONGs que participa da convenção.

O pássaro dodô é o escolhido para dar nome ao prêmio por estar extinto há cerca de quatro séculos – a espécie vivia na costa leste da África, na Ilha Maurício. Nas convenções do clima, o equivalente é o Troféu Fóssil do Dia – o País foi “agraciado” em Durban, há quase um ano.

Entre as razões para a presença do País na lista está a falta de preocupação do governo com a biodiversidade na negociação de mecanismos de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (Redd+) – sistema de compensação financeira para atividades que diminuam a emissão de carbono.

Na 11ª conferência das partes (COP-11) da CBD em Hyderabad, na Índia, o Brasil quer evitar a definição de salvaguardas de biodiversidade nos textos, fazendo pressão para que haja diferenças claras entre os acordos da CBD e os estabelecidos nas Convenções sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC).

O governo brasileiro se alinhou a outros países descontentes, como Colômbia e Argentina, para criticar o texto que está sendo trabalhado na conferência da Índia. Em nota, o bloco afirmou que o documento está atrasado e não leva em conta as resoluções alcançadas nas Conferências do Clima de Cancún e de Durban.

“Muitas das recomendações que estamos vendo na COP-11 ou são redundantes ou colocam barreiras para a implementação dessa importante ferramenta (de Redd+)”, dizem os países. Além disso, o Brasil foi indicado ao troféu pelo fato de o governo não ter, segundo a rede de ONGs, uma boa relação com comunidades locais e tribos indígenas que vivem em áreas de relevância ecológica e biológica.

Nova indicação – Há dois anos, o País havia sido indicado por outro motivo: durante o encontro na cidade japonesa de Nagoya, os representantes brasileiros promoveram de forma escancarada os biocombustíveis e foram criticados por tentar abafar os possíveis impactos sobre a biodiversidade e as populações.

Os vencedores de 2010, porém, foram o Canadá e a União Europeia. O Canadá voltou a ser indicado neste ano, também acusado de tentar evitar a discussão sobre os biocombustíveis.

De acordo com as ONGs, a China tem desencorajado o desenvolvimento de áreas marinhas em países vizinhos, enquanto o Paraguai tem bloqueado qualquer progresso em assuntos socioeconômicos nas questões de biossegurança. Já a Grã-Bretanha estaria trabalhando para evitar discussões sobre biologia sintética e geoengenharia.

(O Estado de São Paulo)