Arquivo da tag: Capitalismo

SBPC critica projeto sobre biodiversidade (Fapesp)

Texto aprovado na Câmara dos Deputados facilita o acesso ao patrimônio genético e conhecimentos associados, mas ignora os direitos das comunidades indígenas e tradicionais, diz presidente da entidade

BRUNO DE PIERRO | Edição Online 11:00 20 de fevereiro de 2015

dsadsada

A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que representa 120 associações científicas, divulgou esta semana uma carta em que sugere modificações no projeto de lei sobre biodiversidade e recursos genéticos, aprovado na Câmara dos Deputados no dia 10 de fevereiro e que será agora apreciado pelo Senado. No documento, a entidade critica a prerrogativa do Estado de ignorar direitos de comunidades indígenas e tradicionais na repartição de benefícios resultantes do acesso ao conhecimento associado ao patrimônio genético. Prevista no Protocolo de Nagoya, assinado por 91 países – entre eles o Brasil – a repartição de benefícios envolve o compromisso de compensar financeiramente países e comunidades pelo uso de seus recursos genéticos e conhecimentos tradicionais. O protocolo foi aprovado pela 10aConferência das Partes em 2010, e ainda não foi ratificado pelo Congresso brasileiro.

Outro aspecto destacado na carta é que a repartição dos benefícios só será aplicada sobre a comercialização de produtos acabados, que chegarão ao mercado. “Isso fere o direito do povo e da comunidade de participar da tomada de decisão quanto à repartição de benefícios oriundos do acesso ao conhecimento tradicional associado”, escreve no documento Helena Nader, professora titular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da SBPC. Também é questionado um tópico da lei que permite a instituições estrangeiras acessarem a biodiversidade brasileira, para fins de pesquisa e desenvolvimento, sem precisar se associar a uma instituição nacional, como estabelece a legislação vigente. Na carta, a SBPC reconhece avanços no projeto aprovado, entre eles a retirada da necessidade de autorização prévia para a realização de pesquisas com recursos genéticos.

Em junho do ano passado, o governo federal enviou para o Congresso Nacional o PL 7.735, em caráter de urgência. O projeto simplifica o acesso e exploração do patrimônio genético em pesquisas com plantas e animais nativos e facilita a utilização de conhecimentos tradicionais e indígenas associados à biodiversidade. Um dos principais avanços da proposta é que o acesso aos recursos genéticos para fins de pesquisa e desenvolvimento tecnológico dependerá apenas de um cadastro eletrônico e não mais de uma solicitação a órgãos como o Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), do Ministério do Meio Ambiente (MMA), e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A medida atende a um pleito antigo da comunidade científica e de setores industriais, que nos últimos tempos levaram adiante seus estudos sem seguir a legislação à risca e foram multados.

No entanto, após a votação na Câmara, a comunidade científica, representada pela SBPC, criticou alguns pontos da lei. “O projeto de lei reconhece o direito de populações indígenas, comunidades tradicionais e pequenos agricultores de participar da tomada de decisões, mas isenta, em muitos casos, as empresas e pesquisadores da obrigação de repartir os benefícios, que é a compensação econômica do detentor do conhecimento tradicional associado à biodiversidade”, explica Helena Nader.

O projeto aprovado estabelece que o pagamento desses benefícios à comunidade que detém o conhecimento associado seja estabelecido em um Acordo de Repartição de Benefícios, no qual esteja a definição do montante negociado a título de repartição de benefícios. O usuário também deverá depositar no Fundo Nacional de Repartição de Benefícios (FNRB) 0,5% da receita líquida anual obtida por meio da exploração do material reprodutivo, como sementes ou sêmen, decorrentes do acesso ao conhecimento tradicional para beneficiar os codetentores do mesmo conhecimento.

Se a exploração envolver algum componente do patrimônio genético, a repartição monetária de benefícios será de 1% da receita líquida anual das vendas do produto acabado ou material reprodutivo, a ser depositada no FNRB. Há ainda a previsão de se estabelecer um acordo setorial, no qual a repartição de benefícios poderá ser reduzida até de 0,1% da receita líquida da comercialização do produto acabado ou material reprodutivo. É dada a possibilidade da repartição não ser feita em dinheiro, mas sim por transferência de tecnologia e outras formas de cooperação entre as partes envolvidas, como o intercâmbio de recursos humanos e materiais entre instituições nacionais e participação na pesquisa. Em algumas situações, no entanto, é impossível identificar a origem do conhecimento, que já está difundido na sociedade. Nesses casos, o pagamento de royalties será destinado ao FNRB, para, entre outras coisas, proteger a biodiversidade e os conhecimentos tradicionais.

sdadsas

Contudo, diz Helena Nader, a lei exclui da obrigação de repartir benefícios os fabricantes de produtos intermediários e desenvolvedores de processos oriundos de acesso ao patrimônio genético ou ao conhecimento tradicional associado ao longo da cadeia produtiva. Também isenta micro e pequenas empresas do dever de dividir os benefícios com as comunidades tradicionais. “Não é justo, nem ético, definir quando se dará a repartição de benefícios oriunda do acesso a conhecimentos tradicionais associados, sem antes consultar os detentores de tais conhecimentos”, diz ela.

Para Vanderlan Bolzani, professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e membro da coordenação do programa Biota-FAPESP, a nova legislação falha ao não exigir que a compensação econômica seja revertida em benefícios sociais para a comunidade local. “Muitas dessas populações vivem em situação precária e dependem unicamente do extrativismo como fonte de sobrevivência. Além do pagamento de royalties, são necessárias ações que promovam o desenvolvimento social e econômico dessas comunidades”, diz Vanderlan.

Entidades representantes das populações extrativistas e indígenas alegam que não foram convidadas para participar de reuniões com representantes do governo e da indústria. De acordo com o deputado federal Alceu Moreira (PMDB-RS), relator do projeto, as reuniões que antecederam a votação no Congresso contaram com a participação de membros da Fundação Nacional do Índio (Funai) e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), que segundo ele representam oficialmente os índios e outras comunidades tradicionais. “Não fizemos uma assembleia geral aberta por se tratar de um tema muito técnico”, disse Moreira.

Para o biólogo Braulio Ferreira de Souza Dias, secretário-executivo da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) da Organização das Nações Unidas (ONU), o Congresso Nacional deveria aproveitar o debate em torno da nova lei e considerar a ratificação do Protocolo de Nagoya, em vigor desde outubro do ano passado. “Trata-se do principal instrumento internacional sobre acesso a recursos genéticos”, afirma Dias. Segundo ele, o projeto aprovado na Câmara fere o Protocolo de Nagoya no que se refere ao direito do país provedor de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais de receber repartição dos benefícios. Isso porque, segundo um artigo do projeto aprovado na Câmara, a utilização do patrimônio genético de espécies introduzidas no país pela ação humana até a data de entrada em vigor da lei não estará sujeita à repartição de benefícios prevista em acordos internacionais dos quais o Brasil seja parte. “Isso poderá criar embaraços ao acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais de outros países necessários para o aprimoramento da agricultura brasileira, inclusive para promover sua adaptação às mudanças climáticas”, diz Dias.

Facilitação para estrangeiros
Hoje, para o pesquisador estrangeiro ou pessoa jurídica estrangeira vir ao Brasil realizar pesquisa que envolva coleta de dados, materiais, espécimes biológicas e minerais, peças integrantes da cultura nativa e cultura popular, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) deve autorizar, supervisionar a fiscalização e analisar os resultados obtidos. Somente são autorizadas as atividades em que haja a coparticipação de alguma instituição de pesquisa brasileira bem avaliada pelo CNPq. A nova proposta agora permite que entidades estrangeiras, não associadas a instituições nacionais, realizem pesquisa com a biodiversidade do país mediante uma autorização do CGen.

“Abriu-se a possibilidade da pessoa jurídica estrangeira ter autorização para acesso a componente do patrimônio genético do Brasil sem estar associada a uma instituição de ciência e tecnologia nacional, o que é preocupante”, diz Helena Nader. Isso, diz ela, pode ameaçar os interesses nacionais e colocar em risco o patrimônio brasileiro. Helena ressalta que, em outros países latino-americanos com biodiversidade muito rica, exige-se que instituições estrangeiras tenham vínculo com órgãos de pesquisa nacionais, de modo a proteger interesses do país provedor de recursos genéticos.  “Se proibirmos que instituições de outros países venham pesquisar aqui, perderemos a oportunidade de desenvolver ciência de qualidade no país”, argumenta o deputado Alceu Moreira. Helena Nader afirma que não se trata de proibir a vinda de estrangeiros. “Trata-se apenas de manter a instituição internacional comprometida com os interesses da pesquisa brasileira. É uma forma de cooperação científica em que os dois lados ganham”, diz ela.

fdsfdsfs

Avanços
O CGen atualmente é composto por 19 representantes de órgãos e de entidades da administração pública federal. A partir de 2003, passou a contar com representantes da sociedade na função de membros convidados permanentes, com direito a voz mas não a voto. A primeira versão do PL 7.735 não garantia a participação plena de representantes da sociedade civil.  Após negociações, o texto foi modificado e houve uma mudança na composição do CGen, com 60% de representantes do governo e 40% de membros da sociedade civil, entre eles representantes das comunidades indígenas e tradicionais, pesquisadores e agricultores tradicionais. “Esse foi um importante avanço obtido com a aprovação do projeto de lei. A comunidade científica e outros segmentos sociais demandam essa participação plena, com direito a voto, há muito tempo”, explica Helena Nader.

Outro avanço do projeto aprovado foi inserir em seu escopo os recursos genéticos para a alimentação e a agricultura. Antes, na proposta enviada pelo poder executivo, esses recursos estavam de fora e ficariam no âmbito da legislação antiga, de 2001. Segundo à nova proposta de lei, os royalties serão cobrados sobre a comercialização do material reprodutivo – a semente, por exemplo. Já a exploração econômica do produto acabado será isenta da compensação, com exceção das variedades cultivadas pelas comunidades tradicionais ou indígenas.

A não obrigação de se repartir os benefícios também vale para a pesquisa básica que, segundo Vanderlan Bolzani, se beneficiará da nova lei. “A ciência não acessa a biodiversidade apenas para dela retirar produtos. É importante estudar a estrutura molecular de plantas, por exemplo, para compreender como se desenvolve a vida em determinada região”, explica Vanderlan.  Segundo ela, a maioria dos cientistas que pesquisam a biodiversidade está hoje na ilegalidade. Nos últimos anos, as punições para quem não segue a legislação se tornaram mais severas. Dados do governo federal, divulgados pela Agência Câmara, mostram que as ações de um núcleo de combate ao acesso ilegal ao patrimônio genético, que atuou em 2010, resultaram em multas com valor total de aproximadamente R$ 220 milhões.

Um dos casos mais notórios ocorreu em novembro daquele ano, com a autuação, em R$ 21 milhões, da empresa de cosméticos Natura por uso da biodiversidade sem autorização. A empresa, que mantem parceria com universidades para pesquisas novas moléculas, não esperou os trâmites para liberar a permissão do chamado provedor (seja o governo ou uma comunidade tradicional ou indígena) e um contrato de repartição de benefícios. A Natura alegou que todos os seus produtos têm repartição de benefícios, mas reclamou que não poderia esperar dois anos por uma autorização de pesquisa do CGen (ver Pesquisa FAPESP nº 179).

Deeper Ties to Corporate Cash for Doubtful Climate Researcher (New York Times)

Wei-Hock Soon of the Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, whose articles have been tied to corporate funding. CreditPete Marovich 

For years, politicians wanting to block legislation on climate change have bolstered their arguments by pointing to the work of a handful of scientists who claim that greenhouse gases pose little risk to humanity.

One of the names they invoke most often is Wei-Hock Soon, known as Willie, a scientist at the Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics who claims that variations in the sun’s energy can largely explain recent global warming. He has often appeared on conservative news programs, testified before Congress and in state capitals, and starred at conferences of people who deny the risks of global warming.

But newly released documents show the extent to which Dr. Soon’s work has been tied to funding he received from corporate interests.

He has accepted more than $1.2 million in money from the fossil-fuel industry over the last decade while failing to disclose that conflict of interest in most of his scientific papers. At least 11 papers he has published since 2008 omitted such a disclosure, and in at least eight of those cases, he appears to have violated ethical guidelines of the journals that published his work.

The documents show that Dr. Soon, in correspondence with his corporate funders, described many of his scientific papers as “deliverables” that he completed in exchange for their money. He used the same term to describe testimony he prepared for Congress.

Though Dr. Soon did not respond to questions about the documents, he has long stated that his corporate funding has not influenced his scientific findings.

The documents were obtained by Greenpeace, the environmental group, under the Freedom of Information Act. Greenpeace and an allied group, the Climate Investigations Center, shared them with several news organizations last week.

The documents shed light on the role of scientists like Dr. Soon in fostering public debate over whether human activity is causing global warming. The vast majority of experts have concluded that it is and that greenhouse emissions pose long-term risks to civilization.

Historians and sociologists of science say that since the tobacco wars of the 1960s, corporations trying to block legislation that hurts their interests have employed a strategy of creating the appearance of scientific doubt, usually with the help of ostensibly independent researchers who accept industry funding.

Fossil-fuel interests have followed this approach for years, but the mechanics of their activities remained largely hidden.

“The whole doubt-mongering strategy relies on creating the impression of scientific debate,” said Naomi Oreskes, a historian of science at Harvard University and the co-author of “Merchants of Doubt,” a book about such campaigns. “Willie Soon is playing a role in a certain kind of political theater.”

Environmentalists have long questioned Dr. Soon’s work, and his acceptance of funding from the fossil-fuel industry was previously known. But the full extent of the links was not; the documents show that corporate contributions were tied to specific papers and were not disclosed, as required by modern standards of publishing.

“What it shows is the continuation of a long-term campaign by specific fossil-fuel companies and interests to undermine the scientific consensus on climate change,” said Kert Davies, executive director of the Climate Investigations Center, a group funded by foundations seeking to limit the risks of climate change.

Charles R. Alcock, director of the Harvard-Smithsonian Center, acknowledged on Friday that Dr. Soon had violated the disclosure standards of some journals.

“I think that’s inappropriate behavior,” Dr. Alcock said. “This frankly becomes a personnel matter, which we have to handle with Dr. Soon internally.”

Dr. Soon is employed by the Smithsonian Institution, which jointly sponsors the astrophysics center with Harvard.

“I am aware of the situation with Willie Soon, and I’m very concerned about it,” W. John Kress, interim under secretary for science at the Smithsonian in Washington, said on Friday. “We are checking into this ourselves.”

Dr. Soon rarely grants interviews to reporters, and he did not respond to multiple emails and phone calls last week; nor did he respond to an interview request conveyed to him by his employer. In past public appearances, he has reacted angrily to questions about his funding sources, but then acknowledged some corporate ties and said that they had not altered his scientific findings.

“I write proposals; I let them decide whether to fund me or not,” he said at an event in Madison, Wis., in 2013. “If they choose to fund me, I’m happy to receive it.” A moment later, he added, “I would never be motivated by money for anything.”

The newly disclosed documents, plus additional documents compiled by Greenpeace over the last four years, show that at least $409,000 of Dr. Soon’s funding in the past decade came from Southern Company Services, a subsidiary of the Southern Company, based in Atlanta.

Senator James M. Inhofe, Republican of Oklahoma, praising scientists like Dr. Soon. CreditCSPAN 

Southern is one of the largest utility holding companies in the country, with huge investments in coal-burning power plants. The company has spent heavily over many years to lobby against greenhouse-gas regulations in Washington. More recently, it has spent significant money to research ways to limit emissions.

“Southern Company funds a broad range of research on a number of topics that have potentially significant public-policy implications for our business,” said Jeannice M. Hall, a spokeswoman. The company declined to answer detailed questions about its funding of Dr. Soon’s research.

Dr. Soon also received at least $230,000 from the Charles G. Koch Charitable Foundation. (Mr. Koch’s fortune derives partly from oilrefining.) However, other companies and industry groups that once supported Dr. Soon, including Exxon Mobil and the American Petroleum Institute, appear to have eliminated their grants to him in recent years.

As the oil-industry contributions fell, Dr. Soon started receiving hundreds of thousands of dollars through DonorsTrust, an organization based in Alexandria, Va., that accepts money from donors who wish to remain anonymous, then funnels it to various conservative causes.

The Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, in Cambridge, Mass., is a joint venture between Harvard and the Smithsonian Institution, housing some 300 scientists from both institutions. Because the Smithsonian is a government agency, Greenpeace was able to request that Dr. Soon’s correspondence and grant agreements be released under the Freedom of Information Act.

Though often described on conservative news programs as a “Harvard astrophysicist,” Dr. Soon is not an astrophysicist and has never been employed by Harvard. He is a part-time employee of the Smithsonian Institution with a doctoral degree in aerospace engineering. He has received little federal research money over the past decade and is thus responsible for bringing in his own funds, including his salary.

Though he has little formal training in climatology, Dr. Soon has for years published papers trying to show that variations in the sun’s energy can explain most recent global warming. His thesis is that human activity has played a relatively small role in causing climate change.

Many experts in the field say that Dr. Soon uses out-of-date data, publishes spurious correlations between solar output and climate indicators, and does not take account of the evidence implicating emissions from human behavior in climate change.

Gavin A. Schmidt, head of the Goddard Institute for Space Studies in Manhattan, a NASA division that studies climate change, said that the sun had probably accounted for no more than 10 percent of recent global warming and that greenhouse gases produced by human activity explained most of it.

“The science that Willie Soon does is almost pointless,” Dr. Schmidt said.

The Harvard-Smithsonian Center for Astrophysics, whose scientists focus largely on understanding distant stars and galaxies, routinely distances itself from Dr. Soon’s findings. The Smithsonian has also published a statement accepting the scientific consensus on climate change.

Dr. Alcock said that, aside from the disclosure issue, he thought it was important to protect Dr. Soon’s academic freedom, even if most of his colleagues disagreed with his findings.

Dr. Soon has found a warm welcome among politicians in Washington and state capitals who try to block climate action. United States Senator James M. Inhofe, an Oklahoma Republican who claims that climate change is a global scientific hoax, has repeatedly cited Dr. Soon’s work over the years.

In a Senate debate last month, Mr. Inhofe pointed to a poster with photos of scientists questioning the climate-change consensus, including Dr. Soon. “These are scientists that cannot be challenged,” the senator said. A spokeswoman for the senator said Friday that he was traveling and could not be reached for comment.

As of late last week, most of the journals in which Dr. Soon’s work had appeared were not aware of the newly disclosed documents. The Climate Investigations Center is planning to notify them over the coming week. Several journals advised of the situation by The New York Times said they would look into the matter.

Robert J. Strangeway, the editor of a journal that published three of Dr. Soon’s papers, said that editors relied on authors to be candid about any conflicts of interest. “We assume that when people put stuff in a paper, or anywhere else, they’re basically being honest,” said Dr. Strangeway, editor of the Journal of Atmospheric and Solar-Terrestrial Physics.

Dr. Oreskes, the Harvard science historian, said that academic institutions and scientific journals had been too lax in recent decades in ferreting out dubious research created to serve a corporate agenda.

“I think universities desperately need to look more closely at this issue,” Dr. Oreskes said. She added that Dr. Soon’s papers omitting disclosure of his corporate funding should be retracted by the journals that published them.

When aid brings conflict, not relief (Science Daily)

[If economists and agronomists read sociological and anthropological assessments of development programs, this would not be a novelty to them]

Date: January 28, 2015

Source: University of Illinois College of Agricultural, Consumer and Environmental Sciences (ACES)

Summary: Although you might expect that providing aid to impoverished villages in the Philippines could only bring them relief, a study found that the villages that qualified for some forms of aid actually saw an increase in violent conflict.


Although you might expect that providing aid to impoverished villages in the Philippines could only bring them relief, a University of Illinois study found that the villages that qualified for some forms of aid actually saw an increase in violent conflict.

“Interestingly, those municipalities that were eligible to receive aid but didn’t accept it saw the largest increase in violence,” said U of I economist Ben Crost. “During what’s called the social preparation phase, it becomes known that the village is eligible for aid. Insurgent forces from the communist New People’s Army or a Muslim separatist group attack and then the village drops out of the program because they are intimidated. That’s why the places that didn’t participate saw the most violence.”

Between 2003 and 2008, more than 4,000 villages received aid through a flagship community-driven development program in the Philippines. The program used an arbitrary threshold of 25 percent to determine the poverty level at which communities qualified to receive aid.

“Only the 25 percent of the poorest municipalities qualified to receive aid,” Crost explained. “Those above the threshold are barely too rich to get it, and the others are just poor enough to get it. That means that these places should be comparable in all respects with the one exception that these slightly poorer places were much more likely to receive aid than the slightly richer places. So they were almost the same in poverty levels and in background levels of violence.” The same, until they became eligible for aid, that is.

“The way they targeted it with this arbitrary 25 percent cutoff allowed us to compare places that were just below the cutoff to places that were just above it,” Crost said.

Aid data from the World Bank were analyzed with data on conflict in the Philippines that was provided by his co-author from Stanford University, Joe Felter.

Ironically, projects anticipated to be most appreciated by the people receiving them may place them at a higher risk of being attacked. “We think that one mechanism that explains our results is that the insurgents actually tried to derail the project,” Crost said. “They didn’t want it to succeed. The insurgents had an incentive to strike and try to sabotage the program before it ever took off because its success would weaken their support in the population. We know that some of the municipalities actually dropped out of the program for this reason — because they were worried about insurgent attacks.”

Crost’s recent research is looking for ways to provide aid to those who need it that doesn’t also make them visible targets that are easy to attack. He said that because of the very public participation component in the community-driven development program, it was easier to derail.

“The aid in this case was given for improvements in infrastructure,” Crost said. “We need to find a more hidden way to give aid. One program we’re looking at now is conditional cash transfers, in which poor families get money if they do things like send their kids to school or have them vaccinated. These programs are popular in many developing countries. We have found some suggestive evidence that this kind of aid led to a decrease in violence — or at least we don’t find any evidence that it leads to an increase like we saw in this study.”

Crost said that, unfortunately, most of the evidence that has come out since this paper was published points in the same direction. “There’s evidence on U.S. food aid and on the national rural employment guarantee scheme in India, which is a huge anti-poverty program. Both of these studies found the same effect — that conflict increases in the places that get aid.”

“Aid Under Fire: Development Projects and Civil Conflict” was published in a recent issue of American Economic Review and written by Benjamin Crost, Joseph Felter, and Patrick Johnston.


Journal Reference:

  1. Benjamin Crost, Joseph Felter, Patrick Johnston. Aid Under Fire: Development Projects and Civil Conflict†American Economic Review, 2014; 104 (6): 1833 DOI: 10.1257/aer.104.6.1833

O que se pode fazer para vencer a crise da água? (A Conta d’Água)

26 de janeiro de 2015

Especialistas acreditam que medidas tomadas pela Sabesp e pelo governo do estado são insuficientes para resolver o problema do abastecimento, além de mascararem uma escassez que existe em diversas regiões do estado

Texto: Guilherme Franco e Vinicius Gomes da Revista Fórum

Fotos: Mídia NINJA

Na primeira segunda-feira (5) do ano, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) lançou mais uma de suas ações para combater a crise de saneamento de água: a distribuição de dispositivos de torneira para economizar água, com o mote “Se usar bem, ninguém fica sem”.

Como se ainda estivesse em 2014, a estratégia adotada para contornar o problema hídrico continuou sendo a mesma. Apelar para a boa vontade da população, atribuindo a ela, de forma direta ou indireta, parte da culpa pela crise. Há exatamente um ano, diversas cidades do litoral sul de São Paulo ficaram sem água próximo à época do Reveillon e, na ocasião, o governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) afirmou que a falta d´água havia ocorrido por conta de um “consumo inesperado” dos turistas que desceram a serra para as festas. Afinal, por que alguém esperaria aumento de consumo em períodos de forte calor, não é mesmo?

Ao longo de todo o ano passado, enquanto os paulistas incluíam as palavras “Sistema Cantareira” e “volume morto” em seu vocabulário diário, cada vez mais regiões da capital e do interior paulista passavam a sofrer com a falta sistemática de água. A cidade de Itu, na região metropolitana de Sorocaba, foi um dos casos mais simbólicos (Veja o vídeo).

Mesmo assim, o governador sempre foi resoluto em afirmar que não faltava água no estado. No último debate entre os postulantes ao governo paulista, no início de outubro passado, Alckmin, ainda candidato à reeleição, foi taxativo: “Não falta e nem vai faltar água em São Paulo”. Porém, neste novo ano que começa a notícia é velha. Para evitar o caos no abastecimento de água, o governo tucano decidiu impor uma sobretaxa para forçar a redução do consumo da população.

Se usar bem, ninguém fica sem?

“É importante que fique claro que a responsabilidade pela crise d´água não é da população”, afirma Edson Aparecido da Silva, sociólogo e coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental.

O especialista é um dos muitos que não possuem dúvida alguma de que o verdadeiro motivo para a crise hídrica em São Paulo não é a falta de consciência da população no uso d’água — que de fato existe — , mas sim porque os sucessivos governadores que passaram pelo Palácio dos Bandeirantes não tomaram as medidas necessárias. “Estamos enfrentando essa crise porque o governo não fez no tempo certo as obras que deveriam ter sido feitas. Ele não iniciou uma campanha de redução de consumo com a antecedência devida”, acrescenta.

Dona Rute, moradora do Jardim Umuarama, vive um racionamento não oficializado pelo governo, que pode durar até 9 dias sem água na torneira. Foto: Sarah Pabst

Na mesma linha de Aparecido, o diretor de base do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), José Mairton, afirma que o cenário atual poderia ser outro, caso o governador de São Paulo tivesse decretado o racionamento no início de 2014. “A estiagem prolongada previu a falta de água. Hoje poderíamos ter uma situação menos preocupante. A coordenação da campanha eleitoral do atual governador do PSDB não queria passar uma falha gravíssima de sua gestão anterior, sendo assim, persistiram em um erro que considero um dos maiores golpes políticos já visto”, avalia.

Mas, na contramão dos fatos, Alckmin nunca assumiu a necessidade de decretar racionamento, pelo menos assim o fez durante todo o ano de 2014 — um ano eleitoral.

De acordo com Edson Aparecido, apesar de o racionamento não ter sido decretado oficialmente, ele já existe desde que a Sabesp começou a fazer redução na pressão da rede durante o período noturno. “Quando uma pessoa chega em casa do trabalho, vai tomar banho, abre a torneira e descobre que a água só virá no dia seguinte, é um racionamento.”

Depoimentos que desmentem o discurso do governador são abundantes. “Aqui falta água faz tempo já, não é verdade que não tem racionamento em São Paulo”, relata o poeta Binho, fundador do Sarau que leva seu nome e morador do Campo Limpo, vizinho ao terminal de ônibus da região. “A gente tem que ficar de plantão o dia inteiro, esperando a água chegar. Aí corre pra encher balde, panela e guardar tudo”, conta a carroceira Dona Rute de Carvalho na favela Godoi, Jardim Umuarama — ambos na capital paulista.

Com o nível do segundo volume morte ora se estabilizando ora caindo, mas raramente subindo significativamente, e com o período de chuvas se aproximando do seu final, existe algum motivo para que o governador não decrete o racionamento?

Primeira solução para a crise: assumir que há uma crise

Pode parecer óbvio para muitos que, para se resolver um problema, precisa-se, primeiro, reconhecer que ele existe. Mas nem sempre o óbvio é assim tão evidente. “Em momentos de crise como esse, o governo estadual deveria fazer duas coisas — além de decretar oficialmente o racionamento : apresentar um “pacotão” de medidas — um plano de contingência para enfrentar essa crise que tende a se aprofundar ao fim do período de chuvas (final de março), e que esse pacote fosse precedido de um diálogo com as prefeituras diretamente envolvidas com a crise”, afirma Aparecido que cita as prefeituras das regiões metropolitanas da capital paulista e de Campinas, junto com os comitês de bacias hidrográficas do Alto Tietê e do PCJ (Piracicapa-Capivari-Jundiaí). “[Mas] o governo do Estado continua em uma linha de ação individual, autoritária, sem transparência e isso tem sido péssimo”, lamenta.

Fluxo de água na primeira cota do Volume Morto, inaugurado pelo governador Geraldo Alckmin. Foto: Mídia NINJA

Para ele, era necessária uma conversa com todas as prefeituras — com a ajuda do governo do estado e da Sabesp — para desenvolver um plano para a redução do consumo excessivo de água, além da adoção de algumas das medidas como: mapear todas as possibilidades de poços artesianos nas regiões e requisitar que o DAEE (Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo), que é o responsável pela outorga de utilização de poços, apresentasse, com as respectivas prefeituras envolvidas, uma lista com tais possibilidades, tendo como prioridade o abastecimento humano.

Outras medidas deveriam envolver também dois grandes consumidores de água no estado: os setores agrícola e industrial. Aparecido entende que o governo deveria negociar com ambos a busca por novas tecnologias para utilizar menos água em suas produções, inclusive com incentivos fiscais. “Partindo do princípio que a água tem que usar usada prioritariamente para o abastecimento humano, o governo também tinha que chamar a Fiesp [Federação das Indústrias de São Paulo] e fazer um plano de redução de consumo desse setor”, sugere o especialista.

Continuar pedindo o sacrifício da população é insuficiente

Perguntado se um, até o momento, hipotético decreto de racionamento residencial seria suficiente para aplacar a crise, Aparecido Silva é direto: não.

Segundo dados oficiais do DAEE, o setor industrial utiliza 40% de toda água disponível para abastecimento em rios, poços e reservatórios da Grande São Paulo e Baixada Santista e, como afirmou o geógrafo Wagner Ribeiro, professor titular da Universidade de São Paulo (USP), outras medidas futuras podem começar a ser discutidas, como a presença de indústrias nas regiões metropolitanas, que são áreas de escassez hídrica. “É fundamental reavaliar a conveniência de manter indústrias funcionando aqui”, acredita.

E quanto aos empregos na área industrial? O estudo mais recente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, feito entre os dias 12 e 26 de maio de 2014 com 229 empresas de micro e pequeno porte (até 99 empregados), 140 de médio porte (de 100 a 499 empregados) e 44 de grande porte (500 ou mais empregados), revelou que já foram fechados mais de 3 mil postos de trabalho devido à falta de água. As demissões decorrem da redução do ritmo da produção e da queda da produtividade das indústrias pela falta do recurso hídrico. A tendência, segundo a Fiesp, é que o quadro se agrave nos próximos meses.

“A situação já estava muito ruim no que diz respeito ao crescimento econômico”, declarou Anicia Pio, gerente de meio ambiente da Fiesp. “Naturalmente, que a falta d’água teve uma parcela importante nessas demissões. A escassez de água está levando à redução da produtividade e toda vez que isso acontece é necessário cortar custos, ou seja, demitir o funcionário. A nossa perspectiva é que a nova equipe que vai assumir decrete medidas amargas, mas necessárias para que cause o mínimo de sofrimento a todos os setores”, ponderou.

O estudo ainda apontou que, em cada três empresas, duas estão preocupadas com a possível interrupção no fornecimento de água na região. A possibilidade de racionamento ainda neste ano é um fator de preocupação para 67,6% das 413 indústrias entrevistadas pelo Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depecon) da Fiesp.

Calamidade Privada — A crise da água em Itu from A conta da Agua on Vimeo.

Anicia defende que o racionamento deveria ser decretado em todos os setores, inclusive para as empresas. “O correto é que a redução seja para todo mundo. As indústrias têm feito a lição de casa nesse sentido. Desde 2007, as empresas que captam água direto dos mananciais tiveram uma redução de mais de 50%. O setor industrial, na região metropolitana, responde por 10,6% de toda a água utilizada em termos de uso direto (rios, águas subterrâneas)”, afirma.

Além do plano de contingência, ela sugere incentivos fiscais para empresas que atuam no segmento de produtos químicos. “Quanto menos água, mais caro fica o tratamento. O governo poderia diminuir ou dar incentivo para a redução dos impostos de produtos químicos, evitando assim que a população seja obrigada a pagar mais caro pela água”, conclui.

De acordo com Aparecido, o governo do estado deveria enviar à Assembleia Legislativa de São Paulo uma lei reduzindo ou isentando de impostos da esfera estadual, como ICMS, equipamentos hidráulicos que possam reduzir o consumo de água para incentivar a indústria e o comércio — com os usuários domésticos substituindo seus equipamentos por outros de baixo consumo.

Outras medidas sugeridas pelo especialista seriam revisão de calendário de eventos nesses períodos de muito calor, onde se consome muita água; rever o calendário escolar — como campeonatos esportivos, feiras, congressos, a extensão do período de férias de verão e o cancelamento das férias de inverno, além de um controle maior para que todas as administrações, tanto estadual quanto municipal, reduzissem o uso de água na lavagem de equipamentos públicos e rega de jardins, por exemplo.

E a Sabesp?

Em 1994, a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) se tornou uma empresa de capital misto com o argumento de que vendendo parte de suas ações seria possível arrecadar mais recursos para investir na sua função: saneamento básico e abastecimento de água.

Passados 20 anos, a empresa viu seu faturamento saltar de R$ 6 bilhões para R$ 17,1 bilhões entre 2002 e 2012. A quantia nada modesta seria mais do que o suficiente para a ampliar a rede de captação e saneamento, evitando assim qualquer problema relacionado à escassez de água. Enquanto parte da população da região metropolitana vê as torneiras secas há meses, os acionistas da Sabesp têm um faturamento nada escasso.

Festa em Nova York, seca em São Paulo: ao som de “Oh Happy Day”, diretores da Sabeps comemoraram o lucro de R$ 4,3 bilhões em 2012 Foto: Sabesp

Diante da lógica da maximização dos lucros, a companhia não tomou as medidas necessárias para conter a crise já em 2013, quando o nível dos reservatórios estava baixando. Políticas de racionamento, com penalização de quem desperdiçasse água, e de informação não foram feitas, como explica Anderson Guahy, técnico em gestão da Sabesp e diretor de formação do Sintaema.

“Em vez da empresa buscar a universalização do saneamento, levar saneamento e saúde para toda a população do estado, ter feito a manutenção das redes de água, ela vem atuando no sentido de garantir lucros cada vez maiores para seus acionistas. No que diz respeito à Sabesp, a responsabilidade pela crise deve ser direcionada à alta gestão e não aos trabalhadores concursados que vêm sendo perseguidos nos últimos meses”, diz Guahy.

Seguindo uma linha de raciocínio semelhante, Anicia Pio sugere que dois blocos de ações que deveriam ter sido executados mas não foram: obras e transparência. “Desde 2004 o governo sabia da necessidade de investir no sistema de abastecimento da Grande São Paulo, mas nada foi feito. Ao mesmo tempo, faltou autoridade e competência para chegar na população através da mídia e explicar a gravidade da situação”, afirma. O caso de 2004 a qual ela se refere é a outorga que autorizava a Sabesp a retirar água do Sistema Cantareira e fornecê-la para oito milhões de pessoas na capital paulista e na região metropolitana, ação que já constava entre as diretrizes para reduzir a demanda, pois o sistema poderia não suportar uma situação como a atual.

“E a Sabesp ainda não apresentou nenhum plano para a redução da perda de água, quer dizer continua perdendo um terço da água ainda na distribuição”, argumenta Aparecido. O especialista afirma que seria importante que ela interrompesse o pagamento de dividendos ou de juros sobre o capital próprio para os seus acionistas.

Em meio a pior crise enfrentada pelo Estado mais rico do Brasil, que possui a maior cidade da América Latina em um país que diferente de muitos outros, foi “abençoado” por inúmeros recursos hídricos disponíveis em seu território, os acionistas podem comemorar o ano que passou: somente em 2014, a Sabesp captou aproximadamente R$ 800 milhões. A população paga a conta.

Eliane Brum: “Belo Monte: a anatomia de um etnocídio” (El País)

A procuradora da República Thais Santi conta como a terceira maior hidrelétrica do mundo vai se tornando fato consumado numa operação de suspensão da ordem jurídica, misturando o público e o privado e causando uma catástrofe indígena e ambiental de proporções amazônicas

 1 DIC 2014 – 10:40 BRST

Quando alguém passa num concurso do Ministério Público Federal, costuma estrear no que se considera os piores postos, aqueles para onde os procuradores em geral não levam a família e saem na primeira oportunidade. Um destes que são descritos como um “inferno na Terra” nos corredores da instituição é Altamira, no Pará, uma coleção de conflitos amazônicos à beira do monumental rio Xingu. Em 2012, Thais Santi – nascida em São Bernardo do Campo e criada em Curitiba, com breve passagem por Brasília nos primeiros anos de vida – foi despachada para Altamira. Ao ver o nome da cidade, ela sorriu. Estava tão encantada com a possibilidade de atuar na região que, no meio do curso de formação, pegou um avião e foi garantir apartamento, já que as obras da hidrelétrica de Belo Monte tinham inflacionado o mercado e sumido com as poucas opções existentes. Thais iniciava ali a sua inscrição na tradição dos grandes procuradores da República que atuaram na Amazônia e fizeram História.

Ela já teve a oportunidade de deixar Altamira três vezes, a primeira antes mesmo de chegar lá. Recusou todas. Junto com outros procuradores do MPF, Thais Santi está escrevendo a narrativa de Belo Monte. Ou melhor: a narrativa de como a mais controversa obra do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento dos governos Lula-Dilma, um empreendimento com custo em torno de R$ 30 bilhões, poderá ser julgada pela História como uma operação em que a Lei foi suspensa. E também como o símbolo da mistura explosiva entre o público e o privado, dada pela confusão sobre o que é o Estado e o que é a Norte Energia S.A., a empresa que ganhou o polêmico leilão da hidrelétrica. Fascinante do ponto de vista teórico, uma catástrofe na concretude da vida humana e de um dos patrimônios estratégicos para o futuro do planeta, a floresta amazônica.

A jovem procuradora, hoje com 36 anos, conta que levou quase um ano para ver e compreender o que viu – e outro ano para saber o que fazer diante da enormidade do que viu e compreendeu. Ela se prepara agora para entrar com uma ação denunciando que Belo Monte, antes mesmo de sua conclusão, já causou o pior: um etnocídio indígena.

Nesta entrevista, Thais Santi revela a anatomia de Belo Monte. Desvelamos o ovo da serpente junto com ela. Ao acompanhar seu olhar e suas descobertas, roçamos as franjas de uma obra que ainda precisa ser desnudada em todo o seu significado, uma operação que talvez seja o símbolo do momento histórico vivido pelo Brasil. Compreendemos também por que a maioria dos brasileiros prefere se omitir do debate sobre a intervenção nos rios da Amazônia, assumindo como natural a destruição da floresta e a morte cultural de povos inteiros, apenas porque são diferentes. O testemunho da procuradora ganha ainda uma outra dimensão no momento em que o atual governo, reeleito para mais um mandato, já viola os direitos indígenas previstos na Constituição para implantar usinas em mais uma bacia hidrográfica da Amazônia, desta vez a do Tapajós.

Thais Santi, que antes de se tornar procuradora da República era professora universitária de filosofia do Direito, descobriu em Belo Monte a expressão concreta, prática, do que estudou na obra da filósofa alemã Hannah Arendt sobre os totalitarismos. O que ela chama de “um mundo em que tudo é possível”. Um mundo aterrorizante em que, à margem da legalidade, Belo Monte vai se tornando um fato consumado. E a morte cultural dos indígenas é naturalizada por parte dos brasileiros como foi o genocídio judeu por parte da sociedade alemã.

A entrevista a seguir foi feita em duas etapas. As primeiras três horas no gabinete da procuradora no prédio do Ministério Público Federal de Altamira. Sua sala é decorada com peças de artesanato trazidas de suas andanças por aldeias indígenas e reservas extrativistas. Na mesa, vários livros sobre a temática de sua atuação: índios e populações tradicionais. Entre eles, autores como os antropólogos Eduardo Viveiros de Castro e Manuela Carneiro da Cunha. A sala é cheirosa, porque as funcionárias do MPF costumam tratar Thais com mimos. Carismática, ela costuma produzir esse efeito nas pessoas ao redor. Dias antes da entrevista, participou da comemoração dos 10 anos da Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio, na Terra do Meio. Thais dormiu numa rede na porta do posto de saúde que sua ação ajudou a implantar, a alguns metros de onde acontecia um forró que durou a noite inteira. O sono era interrompido ora por casais mais animados em sua ênfase amorosa, ora por um atendimento de emergência no posto de saúde. Impassível, Thais acordou no dia seguinte parecendo tão encantada com todos, como todos com ela. “Noite interessante”, limitou-se a comentar.

A entrevista é interrompida pela chegada afetuosa de uma funcionária trazendo primeiro café e água, depois peras. É bastante notável, nas respostas de Thais, o conhecimento teórico e a consistência de seus argumentos jurídicos. Embora visivelmente apaixonada pelo que faz, em sua atuação ela se destaca por ser conceitualmente rigorosa e cerebral. Mas, na medida em que Thais vai explicando Belo Monte, sua voz vai ganhando um tom indignado. “Como ousam?”, ela às vezes esboça, referindo-se ou à Norte Energia ou ao governo. Como ao contar que, ao votar na última eleição, deparou-se com uma escola com paredes de contêiner, piso de chão batido, as janelas de ferro enferrujado, as pontas para fora, a porta sem pintura, nenhum espaço de recreação e nem sequer uma árvore em plena Amazônia. Uma escola construída para não durar, quando o que deveria ter sido feito era ampliar o acesso à educação na região de impacto da hidrelétrica.

A segunda parte da entrevista, outras três horas, foi feita por Skype. Reservada na sua vida pessoal, quando Thais deixa escapar alguma informação sobre seu cotidiano, suas relações e seus gostos, de imediato pede off. “Não tenho nem Facebook”, justifica-se. Dela me limito a dizer que acorda por volta das 5h30 da manhã, que faz yoga e que todo dia vai admirar o Xingu. Em seu celular, há uma sequência de fotos do rio. Uma a cada dia.

A procuradora Thais Santi, em sua sala no Ministério Público Federal de Altamira, no Pará / LILO CLARETO (DIVULGAÇÃO)

A senhora chegou em Altamira no processo de implantação de Belo Monte. O que encontrou?

Thais Santi – Encontrei aqui a continuação do que eu estudei no meu mestrado a partir da (filósofa alemã) Hannah Arendt. Belo Monte é o caso perfeito para se estudar o mundo em que tudo é possível. A Hannah Arendt lia os estados totalitários. Ela lia o mundo do genocídio judeu. E eu acho que é possível ler Belo Monte da mesma maneira.

O que significa um mundo em que tudo é possível?

Santi – Existem duas compreensões de Belo Monte. De um lado você tem uma opção governamental, uma opção política do governo por construir grandes empreendimentos, enormes, brutais, na Amazônia. Uma opção do governo por usar os rios amazônicos, o recurso mais precioso, aquele que estará escasso no futuro, para produzir energia. Essa opção pode ser questionada pela academia, pela população, pelos movimentos sociais. Mas é uma opção que se sustenta na legitimidade do governo. Podemos discutir longamente sobre se essa legitimidade se constrói a partir do medo, a partir de um falso debate. Quanto a esta escolha, existe um espaço político de discussão. Mas, de qualquer maneira, ela se sustenta na legitimidade. Pelo apoio popular, pelo suposto apoio democrático que esse governo tem, embora tenha sido reeleito com uma diferença muito pequena de votos. Agora, uma vez adotada essa política, feita essa escolha governamental, o respeito à Lei não é mais uma opção do governo. O que aconteceu e está acontecendo em Belo Monte é que, feita a escolha governamental, que já é questionável, o caminho para se implementar essa opção é trilhado pelo governo como se também fosse uma escolha, como se o governo pudesse optar entre respeitar ou não as regras do licenciamento. Isso é brutal.

O Ministério Público Federal já entrou com 22 ações nesse sentido. Por que a Justiça Federal não barra essa sequência de ilegalidades?

O Governo pode escolher fazer Belo Monte, mas não pode escolher desrespeitar a Lei no processo de implantação da hidrelétrica

Santi – Lembro que, quando eu trabalhava com meus alunos, discutíamos que há um conflito entre dois discursos. De um lado, há um discurso fundado na Lei, preso à Lei, e do outro lado o discurso de um Direito mais flexível, mais volátil, em que o operador tem a possibilidade de às vezes não aplicar a Lei. Eu dizia a eles que esses discursos têm de estar equilibrados, nem para o extremo de um legalismo completo, nem para o outro, a ponto de o Direito perder a função, de a Lei perder a função. Hoje, se eu desse aula, Belo Monte é o exemplo perfeito. Perfeito. Eu nunca imaginei que eu viria para o Pará, para Altamira, e encontraria aqui o exemplo perfeito. Por quê? Quando eu peço para o juiz aplicar regra, digo a ele que essa regra sustenta a anuência e a autorização para a obra e que, se a regra não foi cumprida, o empreendimento não tem sustentação jurídica. E o juiz me diz: “Eu não posso interferir nas opções governamentais” ou “Eu não posso interferir nas escolhas políticas”. É isso o que os juízes têm dito. Portanto, ele está falando da Belo Monte da legitimidade e não da Belo Monte que se sustenta na legalidade. Assim, Belo Monte é o extremo de um Direito flexível. É o mundo em que a obra se sustenta nela mesma. Porque a defesa do empreendedor é: o quanto já foi gasto, o tanto de trabalhadores que não podem perder o emprego. Mas, isso tudo não é Direito, isso tudo é Fato. A gente se depara com a realidade de uma obra que caminha, a cada dia com mais força, se autoalimentando. A sustentação de Belo Monte não é jurídica. É no Fato, que a cada dia se consuma mais. O mundo do tudo é possível é um mundo aterrorizante, em que o Direito não põe limite. O mundo do tudo possível é Belo Monte.

O mundo do tudo é possível é um mundo aterrorizante, onde o Direito não põe limites

E como a senhora chegou a essa conclusão?

Santi – Eu levei quase um ano para entender o que estava acontecendo com os indígenas no processo de Belo Monte. Só fui entender quando compreendi o que era o Plano Emergencial de Belo Monte. Eu cheguei em Altamira em julho de 2012 e fui para uma aldeia dos Arara em março, quase abril, de 2013. Eu sabia que lideranças indígenas pegavam a gasolina que ganhavam aqui e vendiam ali, trocavam por bebida, isso eu já sabia. Mas só fui sentir o impacto de Belo Monte numa aldeia que fica a quase 300 quilômetros daqui. Brutal. Só compreendi quando fui até as aldeias, porque isso não se compreende recebendo as lideranças indígenas no gabinete. Eu vi.

O que a senhora viu?

Santi – O Plano Emergencial tinha como objetivo criar programas específicos para cada etnia, para que os indígenas estivessem fortalecidos na relação com Belo Monte. A ideia é que os índios se empoderassem, para não ficar vulneráveis diante do empreendimento. E posso falar com toda a tranquilidade: houve um desvio de recursos nesse Plano Emergencial. Eu vi os índios fazendo fila num balcão da Norte Energia, um balcão imaginário, quando no plano estava dito que eles deveriam permanecer nas aldeias. Comecei a perceber o que estava acontecendo quando fiz essa visita à terra indígena de Cachoeira Seca e conheci os Arara, um grupo de recente contato. E foi um choque. Eu vi a quantidade de lixo que tinha naquela aldeia, eu vi as casas destruídas, com os telhados furados, chovendo dentro. E eles dormiam ali. As índias, na beira do rio, as crianças, as meninas, totalmente vulneráveis diante do pescador que passava. Quando Belo Monte começou, esse povo de recente contato ficou sem chefe do posto. Então, os índios não só se depararam com Belo Monte, como eles estavam sem a Funai dentro da aldeia. De um dia para o outro ficaram sozinhos. Os Arara estavam revoltados, porque eles tinham pedido 60 bolas de futebol, e só tinham recebido uma. Eles tinham pedido colchão boxe para colocar naquelas casas que estavam com telhado furado e eles não conseguiram. Esse grupo de recente contato estava comendo bolachas e tomando refrigerantes, estava com problemas de diabetes e hipertensão. Mas o meu impacto mais brutal foi quando eu estava tentando fazer uma reunião com os Arara, e uma senhora, talvez das mais antigas, me trouxe uma batata-doce para eu comer. Na verdade, era uma mini batata-doce. Parecia um feijão. Eu a peguei, olhei para a menina da Funai, e ela falou: “É só isso que eles têm plantado. Eles não têm nada além disso”. Esse era o grau de atropelo e de desestruturação que aquele plano tinha gerado. Era estarrecedor.

Qual era a cena?

Santi – Era como se fosse um pós-guerra, um holocausto. Os índios não se mexiam. Ficavam parados, esperando, querendo bolacha, pedindo comida, pedindo para construir as casas. Não existia mais medicina tradicional. Eles ficavam pedindo. E eles não conversavam mais entre si, não se reuniam. O único momento em que eles se reuniam era à noite para assistir à novela numa TV de plasma. Então foi brutal. E o lixo na aldeia, a quantidade de lixo era impressionante. Era cabeça de boneca, carrinho de brinquedo jogado, pacote de bolacha, garrafa pet de refrigerante.

A cena na aldeia dos Arara de Cachoeira Seca, índios de recente contato, era a de um pós-guerra, um holocausto, com lixo para todo lado

Isso foi o que eles ganharam da Norte Energia?

Santi – Tudo o que eles tinham recebido do Plano Emergencial.

Era esse o Plano Emergencial, o que deveria fortalecer os indígenas para que pudessem resistir ao impacto de Belo Monte?

Santi – Tudo o que eles tinham recebido do Plano Emergencial. O Plano Emergencial gerou uma dependência absoluta do empreendedor. Absoluta. E o empreendedor se posicionou nesse processo como provedor universal de bens infinitos, o que só seria tolhido se a Funai dissesse não. A Norte Energia criou essa dependência, e isso foi proposital. E se somou à incapacidade da Funai de estar presente, porque o órgão deveria ter sido fortalecido para esse processo e, em vez disso, se enfraqueceu cada vez mais. Os índios desacreditavam da Funai e criavam uma dependência do empreendedor. Virou um assistencialismo.

Como a senhora voltou dessa experiência?

Santi – Eu dizia: “Gente, o que é isso? E o que fazer?”. Eu estava com a perspectiva de ir embora de Altamira, mas me dei conta que, se fosse, o próximo procurador ia demorar mais um ano para entender o que acontecia. Então fiquei.

O Plano Emergencial foi usado para silenciar os indígenas, únicos agentes que ainda tinham voz e visibilidade na resistência à hidrelétrica

E o que a senhora fez?

Santi – Eu não sabia entender o que estava acontecendo. Pedi apoio na 6ª Câmara (do Ministério Público Federal, que atua com povos indígenas e populações tradicionais), e fizemos uma reunião em Brasília. Chamamos os antropólogos que tinham participado do processo de Belo Monte na época de elaboração do EIA (Estudo de Impacto Ambiental), para que pudessem falar sobre como esses índios viviam antes, porque eu só sei como eles vivem hoje. Um antropólogo que trabalha com os Araweté contou como esse grupo via Belo Monte e não teve ninguém sem nó na garganta. Os Araweté receberam muitos barcos, mas muitos mesmo. O Plano Emergencial foi isso. Ganharam um monte de voadeiras (o barco a motor mais rápido da Amazônia), e eles continuavam fazendo canoas. Para os Araweté eles teriam de sobreviver naqueles barcos, esta era a sua visão do fim do mundo. E até agora eles não sabem o que é Belo Monte, ainda acham que vai alagar suas aldeias. A Norte Energia é um provedor de bens que eles não sabem para que serve. Outra antropóloga contou que estava nos Araweté quando o Plano Emergencial chegou. Todas as aldeias mandavam suas listas, pedindo o que elas queriam, e os Araweté não tinham feito isso, porque não havia coisas que eles quisessem. Eles ficavam confusos, porque podiam querer tudo, mas não sabiam o que querer. E aí as coisas começaram a chegar. Houve até um cacique Xikrin que contou para mim como foi. Ligaram para ele de Altamira dizendo: “Pode pedir tudo o que você quiser”. Ele respondeu: “Como assim? Tudo o que me der na telha?”. E a resposta foi: “Tudo”. O cacique contou que pediram tudo, mas não estavam acreditando que iriam receber. De repente, chegou. Ele fazia gestos largos ao contar: “Chegou aquele mooonte de quinquilharias”. Tonéis de refrigerante, açúcar em quantidade. Foi assim que aconteceu. Este era o Plano Emergencial.

E o que aconteceu com os índios depois dessa intervenção?

Santi – As aldeias se fragmentaram. Primeiro, você coloca na mão de uma liderança, que não foi preparada para isso, o poder de dividir recursos com a comunidade. A casa do cacique com uma TV de plasma, as lideranças se deslegitimando perante a comunidade. Ganhava uma voadeira que valia 30, vendia por oito. Fora o mercado negro que se criou em Altamira com as próprias empresas. O índio ficou com dinheiro na mão e trocou por bebida. O alcoolismo, que já era um problema em muitas aldeias, que era algo para se precaver, aumentou muito. Acabou iniciando um conflito de índios com índios, e aumentando o preconceito na cidade entre os não índios. O pescador, para conseguir uma voadeira, precisa trabalhar muito. E a comunidade passou a ver o índio andando de carro zero, de caminhonetes caríssimas, bebendo, houve casos de acidentes de trânsito e atropelamento. Então, como é possível? Acho que nem se a gente se sentasse para fazer exatamente isso conseguiria obter um efeito tão contrário. Os índios se enfraqueceram, se fragmentaram socialmente, a capacidade produtiva deles chegou a zero, os conflitos e o preconceito aumentaram.

Belo Monte é um etnocídio indígena

A senhora acha que essa condução do processo, por parte da Norte Energia, com a omissão do governo, foi proposital?

Santi – Um dos antropólogos da 6ª Câmara tem uma conclusão muito interessante. No contexto de Belo Monte, o Plano Emergencial foi estratégico para silenciar os únicos que tinham voz e visibilidade: os indígenas. Porque houve um processo de silenciamento da sociedade civil. Tenho muito respeito pelos movimentos sociais de Altamira. Eles são uma marca que faz Altamira única e Belo Monte um caso paradigmático. Mas hoje os movimentos sociais não podem nem se aproximar do canteiro de Belo Monte. Há uma ordem judicial para não chegar perto. Naquele momento, os indígenas surgiram como talvez a única voz que ainda tinha condição de ser ouvida e que tinha alguma possibilidade de interferência, já que qualquer não índio receberia ordem de prisão. E o Plano Emergencial foi uma maneira de silenciar essa voz. A cada momento que os indígenas vinham se manifestar contra Belo Monte, com ocupação de canteiro, essa organização era, de maneira muito rápida, desconstituída pela prática de oferecer para as lideranças uma série de benefícios e de bens de consumo. Porque os indígenas têm uma visibilidade que a sociedade civil não consegue ter. Vou dar um exemplo. Houve uma ocupação em que os pescadores ficaram 40 dias no rio, na frente do canteiro, debaixo de chuva, e não tiveram uma resposta. Aquele sofrimento passava despercebido. E de repente os indígenas resolvem apoiar a reivindicação dos pescadores, trazendo as suas demandas também. E, de um dia para o outro, a imprensa apareceu. Os indígenas eram a voz que ainda poderia ser ouvida e foram silenciados.

Com as listas de voadeiras, TV de plasma, bolachas, Coca-Cola?

Santi – No caso das ocupações de canteiro não eram nem as listas. No caso da ocupação que aconteceu em 2012, até hoje eu não entendo qual é o lastro legal que justificou o acordo feito. As lideranças saíram da ocupação e vieram para Altamira, onde negociaram a portas fechadas com a Norte Energia. Cada uma voltou com um carro, com uma caminhonete. E isso também para aldeias que sequer têm acesso por via terrestre. Então eu acho que não tem como entender o Plano Emergencial sem dizer que foi um empreendimento estratégico no sentido de afastar o agente que tinha capacidade de organização e condições de ser ouvido. É preciso deixar clara essa marca do Plano Emergencial de silenciar os indígenas.

A mistura entre o empreendedor e o Estado é uma das marcas de Belo Monte

O que é Belo Monte para os povos indígenas do Xingu?

Santi – Um etnocício. Essa é a conclusão a que cheguei com o Inquérito Civil que investigou o Plano Emergencial. Belo Monte é um etnocídio num mundo em que tudo é possível.

E o Ministério Público Federal vai levar à Justiça o etnocídio indígena perpetrado por Belo Monte?

Santi – Certamente. É necessário reavaliar a viabilidade da usina no contexto gerado pelo Plano Emergencial e pelas condicionantes não cumpridas.

A ditadura militar massacrou vários povos indígenas, na década de 70 do século 20, para tirá-los do caminho de obras megalômanas, como a Transamazônica. Aquilo que a História chama de “os elefantes brancos da ditadura”. Agora, como é possível acontecer um etnocídio em pleno século 21 e na democracia? Por que não se consegue fazer com que a lei se aplique em Belo Monte?

Thais – Eu virei uma leitora dos Estudos de Impacto Ambiental (EIAs). E os estudos mostraram uma região historicamente negligenciada pelo Estado, com povos indígenas extremamente vulneráveis por conta de abertura de estradas e de povoamentos. Então, Belo Monte não iria se instalar num mundo perfeito, mas num mundo de conflitos agrários, na região em que foi assassinada a Irmã Dorothy Stang, com povos indígenas violentados pela política estatal e com diagnóstico de vulnerabilidade crescente. É isso o que os estudos dizem. O diagnóstico, então, mostra que Belo Monte seria um acelerador, Belo Monte aceleraria esse processo a um ritmo insuportável e os indígenas não poderiam mais se adaptar. Ou seja, Belo Monte foi diagnosticado para os indígenas como uma obra de altíssimo risco. Isso no EIA. Não é de alto impacto, é de altíssimo risco à sua sobrevivência étnica. Com base nesse diagnóstico, os estudos indicam uma série de medidas mitigatórias indispensáveis para a viabilidade de Belo Monte. A Funai avaliou esses estudos, fez um parecer e falou a mesma coisa: Belo Monte é viável desde que aquelas condições sejam implementadas.

E o que aconteceu?

Santi – Para explicar, precisamos falar daquela que talvez seja a questão mais grave de Belo Monte. Para Belo Monte se instalar numa região dessas, o Estado teve que assumir um compromisso. Você não pode transferir para o empreendedor toda a responsabilidade de um empreendimento que vai se instalar numa região em que está constatada a ausência histórica do Estado. Existe um parecer do Tribunal de Contas dizendo que a obra só seria viável se, no mínimo, a Funai, os órgãos de controle ambiental, o Estado, se fizessem presentes na região. Belo Monte é uma obra prioritária do governo federal. Se o Ministério Público Federal entra com ações para cobrar a implementação de alguma condicionante ou para questionar o processo, mesmo que seja contra a Norte Energia, a União participa ao lado do empreendedor. A Advocacia Geral da União defende Belo Monte como uma obra governamental. Só que Belo Monte se apresentou como uma empresa com formação de S.A., como empresa privada. E na hora de cobrar a aplicação de políticas públicas que surgem como condicionantes do licenciamento? De quem é a responsabilidade? Então, na hora de desapropriar, a Norte Energia se apresenta como uma empresa concessionária, que tem essa autorização, e litiga na Justiça Federal. Na hora de implementar uma condicionante, ela se apresenta como uma empresa privada e transfere a responsabilidade para o Estado. Essa mistura entre o empreendedor e o Estado é uma das marcas mais interessantes de Belo Monte. E não só isso. Há as instâncias de decisão. O Ministério do Meio Ambiente define a presidência do Ibama. A presidência da República define o Ministério do Meio Ambiente. Da Funai, a mesma coisa. Então é muito difícil entender Belo Monte, porque a gente tem um empreendimento que é prioritário e ao mesmo tempo a empresa é privada. Ser privada significa contratar o Consórcio Construtor Belo Monte (Andrade Gutierrez, Odebrecht, Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, OAS e outras construtoras com participações menores) sem licitar. Ela diz que não vai fazer, que não cabe a ela fazer. E ninguém manda fazer. Então, a gente tem uma situação em que o empreendedor se coloca como soberano, reescrevendo a sua obrigação. Por exemplo: entre as condicionantes, estava a compra de terra, pela Norte Energia, para ampliação da área dos Juruna do KM 17, porque eles ficariam muito expostos com a obra. A Norte Energia fez a escolha da área. Mas quando a Funai disse para a Norte Energia que comprasse a área, a empresa respondeu: “Não, já cumpri a condicionante. Já fiz a escolha da área, é responsabilidade do governo comprar a área”. E a Funai silenciou. E o Ibama nem tomou conhecimento. Houve uma reunião, e eu perguntei à Funai: “Vocês não cobraram a Norte Energia para que cumprisse a condicionante? Quem tem que dizer o que está escrito é a Funai e não a Norte Energia”. E se a Norte Energia diz “não”, a Funai tem que dizer “faça”, porque existem regras. Conseguimos que a Norte Energia comprasse a área por ação judicial. Mas este é um exemplo do processo de Belo Monte, marcado por uma inversão de papéis. A Norte Energia reescreve as obrigações se eximindo do que está previsto no licenciamento. Quem dá as regras em Belo Monte? O empreendedor tem poder para dizer “não faço”? Veja, até tem. Todo mundo pode se negar a cumprir uma obrigação, desde que use os mecanismos legais para isso. Se você não quer pagar pelo aluguel, porque o considera indevido, e eu quero que você pague, o que você faz? Você vai conseguir lá em juízo, você vai recorrer da decisão. Mas não aqui. Aqui a Norte Energia diz: “Não faço”.

As empreiteiras que fizeram os estudos de viabilidade são hoje meras contratadas da Norte Energia, sem nenhuma responsabilidade socioambiental

E o governo se omite por quê?

Santi – Não cabe a mim dizer. Há em Belo Monte questões difíceis de entender. O que justifica uma prioridade tão grande do governo para uma obra com impacto gigantesco e com um potencial de gerar energia nada extraordinário, já que o rio não tem vazão em parte do ano? O que que justifica Belo Monte? É inegável que há uma zona nebulosa. Veja o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte, veja quem assina. (Aponta os nomes das empresas: Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa, Odebrecht…). E, na hora do leilão, eles não participaram do leilão. Surge uma empresa criada às pressas para disputar o leilão. Essa empresa, a Norte Energia, constituída como S.A., portanto uma empresa privada, é que ganha o leilão, que ganha a concessão. E as empreiteiras que participaram dos estudos de viabilidade? Formaram o Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM), que é um contratado da Norte Energia. E a Norte Energia, por sua vez, mudou totalmente a composição que ela tinha na época do leilão. Hoje, com muito mais aporte de capital público. Então, as empreiteiras que fizeram os estudos de viabilidade e de impacto ambiental hoje são meras contratadas, sem nenhuma responsabilidade socioambiental no licenciamento. Os ofícios que enviamos para a CCBM nunca são para cobrar nada, porque não há nenhuma condicionante para elas, nenhuma responsabilidade socioambiental. Com essa estrutura, os recursos de Belo Monte não passam por licitação. O que é Belo Monte? Eu realmente não sei. Não é fácil entender Belo Monte. É a História que vai nos mostrar. E, quem sabe, as operações já em curso (da “Lava Jato”, pela Polícia Federal, que investigam a atuação das empreiteiras no escândalo de corrupção da Petrobrás) tragam algo para esclarecer essa nebulosidade.

No caso dos indígenas, estava previsto o fortalecimento da Funai, para que o órgão pudesse acompanhar o processo. Em vez disso, a Funai passou por um processo de enfraquecimento, articulado também no Congresso, pela bancada ruralista, que continua até hoje….

O Plano Emergencial foi transformado num balcão de negócios em que os indígenas foram jogados no consumismo dos piores bens

Santi – Eu visitei a aldeia Parakanã, na terra indígena Apyterewa. Quando eu cheguei lá, eu não acreditei nas casas que estavam sendo construídas. Meia-água, de telha de Brasilit. Uma do lado da outra, naquele calor. Eu perguntei para o funcionário da Funai como eles permitiram, porque os Parakanã também são índios de recente contato. E eles não ficavam nas casas, ficavam num canto da aldeia. Aí a gente foi para os Araweté, também construindo. A aldeia estava cheio de trabalhadores. Aquelas meninas andando nuas. Os pedreiros ouvindo música naqueles radinhos de celular. Eu perguntei à Funai: “Como que vocês permitem?”. A Funai não estava acompanhando as obras, não sabia quem estava na aldeia nem de onde tinha vindo aquele projeto de casa. A Funai tinha que acompanhar os programas e ela não está acompanhando. Estava previsto o fortalecimento da Funai e aconteceu o contrário. No Plano de Proteção Territorial estava prevista uma espécie de orquestra para proteger as terras indígenas. Haveria 32 bases, se não me engano, em locais estratégicos, já que proteger o território é condição para proteger os indígenas. Esse plano é uma das condicionantes mais importantes de Belo Monte. Na verdade, Belo Monte seria impensável sem a proteção dos territórios indígenas. E protegeria também as unidades de conservação, freando o desmatamento, porque teria ali Polícia Federal, Ibama, ICMBio, Funai, todos juntos. E isso com previsão de contratação de 120 funcionários para atuar nessa proteção. E isso tinha que anteceder a obra. Daí, em 2011 vem o pedido de Licença de Instalação, já, e o plano não tinha começado. A Funai anuiu com a Licença de Instalação desde que o plano fosse implementado em 40 dias. E diz: “Enfatizamos que o descumprimento das condicionantes expressas nesse ofício implicará a suspensão compulsória da anuência da Funai para o licenciamento ambiental do empreendimento”. É com isso que eu me deparo. No final de 2012, os indígenas cobraram a implementação desse plano em uma ocupação dos canteiros de obra, e ficou claro que sequer havia iniciado a construção das bases. A partir daí, a Norte Energia passou a simplificar e reescrever o plano. A Funai não tinha força para cobrar a implantação da condicionante, mas não anui com o que a Norte Energia passa a fazer. Propusemos uma ação no dia 19 de abril de 2013, que era Dia do Índio, para que cumprissem a condicionante. E que se aplicasse o que estava escrito: que o não cumprimento implicará a suspensão compulsória da anuência da Funai para o licenciamento. O juiz deferiu a liminar quase um ano depois, já em 2014. Mas qual a resposta do Judiciário? Que suspender a anuência da Funai ao licenciamento seria interferir nas opções políticas do governo. Resultado: hoje a gente está virando 2014 para 2015 e a Proteção Territorial não está em execução. Foi a última informação que eu recebi da Funai. O plano ainda não iniciou.

Essa é a situação hoje?

Santi – O Plano Emergencial era um conjunto de medidas antecipatórias indispensáveis à viabilidade de Belo Monte. Envolvia o fortalecimento da Funai, um plano robusto de proteção territorial e o programa de etnodesenvolvimento. O fortalecimento da Funai não foi feito. O plano de proteção não iniciou. E o plano de etnodesenvolvimento? Foi substituído por ações do empreendedor à margem do licenciamento, por meio das quais os indígenas foram atraídos para Altamira, para disputar nos balcões da Norte Energia toda a sorte de mercadoria, com os recursos destinados aos programas de fortalecimento.

Como é possível?

Santi – Eu realmente acho que existe uma tragédia acontecendo aqui, que é a invasão das terras indígenas, é a desproteção. A gente vê a madeira saindo. As denúncias que recebemos aqui de extração de madeira na terra indígena Cachoeira Seca, na terra indígena Trincheira Bacajá, elas são assustadoras. E eu realmente me pergunto: como? A pergunta que eu tinha feito para o juiz nesse processo era isso: “Belo Monte se sustenta no quê, se essa condicionante, que era a primeira, não foi implementada?”. Belo Monte se sustenta no fato consumado. E numa visão equivocada de que, em política, não se interfere. Como se aquela opção política fosse também uma opção por desrespeitar a Lei. O fato é que Belo Monte, hoje, às vésperas da Licença de Operação, caminha sem a primeira condicionante indígena. Eu te digo: é estarrecedor.

Belo Monte caminha, portanto, à margem da Lei?

Santi – Essa ação da Norte Energia se deu à margem do licenciamento. Se os estudos previram que Belo Monte seria de altíssimo risco, e trouxeram uma série de medidas necessárias, e o que o empreendedor fez foi isso… A que conclusão podemos chegar? Se existiam medidas para mitigar o altíssimo risco que Belo Monte trazia para os indígenas, e essas políticas não foram feitas, e em substituição a elas o que foi feito foi uma política marginal de instigação de consumo, de ruptura de vínculo social, de desprezo à tradição, de forma que os indígenas fossem atraídos para o núcleo urbano pelo empreendedor e jogados no pior da nossa cultura, que é o consumismo. E no consumismo dos piores bens, que é a Coca-Cola, que é o óleo… Ou seja: todos os estudos foram feitos para quê? Tanto antropólogo participando para, na hora de implementar a política, o empreendedor criar um balcão direto com o indígena, fornecendo o que lhe der na telha? O que aconteceu em Belo Monte: o impacto do Plano Emergencial, que ainda não foi avaliado, até esse momento, foi maior do que o próprio impacto do empreendimento. A ação do empreendedor foi avassaladora. Então, de novo, qual é o impacto de Belo Monte? O etnocídio indígena.

E o que fazer agora?

A Defensoria Pública da União não estava presente em Altamira, enquanto milhares de atingidos eram reassentados sem nenhuma assistência jurídica

Santi – Hoje Belo Monte é uma catástrofe. Eu demorei um ano para ver, um ano para conseguir compreender e agora eu vou te dizer o que eu acho. Se a Lei se aplicasse em Belo Monte, teria que ser suspensa qualquer anuência de viabilidade desse empreendimento até que se realizasse um novo estudo e fosse feito um novo atestado de viabilidade, com novas ações mitigatórias, para um novo contexto, em que aconteceu tudo o que não podia acontecer.

É possível afirmar que a Norte Energia agiu e age como se estivesse acima do Estado?

Santi – A empresa se comporta como se ela fosse soberana. E é por isso que eu acho que a ideia aqui é como se a Lei estivesse suspensa. É uma prioridade tão grande do governo, uma obra que tem que ser feita a qualquer custo, que a ordem jurídica foi suspensa. E você não consegue frear isso no poder judiciário, porque o Judiciário já tem essa interpretação de que não cabe a ele interferir nas políticas governamentais. Só que o poder judiciário está confundindo legitimidade com legalidade. Política se sustenta na legitimidade e, feita uma opção, o respeito à Lei não é mais uma escolha, não é opcional. E aqui virou. E quem vai dizer para o empreendedor o que ele tem que fazer?

Além da questão indígena, há também a questão dos reassentamentos. Em novembro, o Ministério Público Federal de Altamira fez uma audiência pública para discutir o reassentamento de moradores da cidade, que foi muito impactante. Qual é a situação dessa população urbana com relação à Belo Monte?

Santi – De novo, como no caso dos indígenas, nós temos uma obra de um impacto enorme, numa região historicamente negligenciada, e o Estado tinha que estar instrumentalizado para que Belo Monte acontecesse. E quando nós nos demos conta, a obra está no seu pico – e sem a presença de Defensoria Pública em Altamira. Até 2013, havia uma pessoa na Defensoria Pública do Estado, que acompanhava a questão agrária, uma defensora atuante com relação à Belo Monte, mas que precisava construir uma teoria jurídica para atuar, porque ela era uma defensora pública do Estado e as ações de Belo Monte eram na Justiça Federal. Depois, todos foram removidos e não veio ninguém substituir.

Isso na Defensoria Pública Estadual. Mas e a federal?

Santi – A Defensoria Pública da União nunca esteve presente em Altamira.

Nunca? Em nenhum momento?

Santi – Não. E a Defensoria Pública do Estado também não estava mais.

A população estava sendo removida por Belo Monte sem nenhuma assistência jurídica? As pessoas estavam sozinhas?

Estamos assistindo diariamente ao impacto brutal de Belo Monte no Xingu, e o governo já se lança numa nova empreitada no Tapajós

Santi – Sim. É incompreensível que, em uma obra que cause um impacto socioambiental como Belo Monte, a população esteja desassistida. Num mundo responsável, isso é impensável. E acho que para qualquer pessoa com um raciocínio médio isso é impensável. Então fizemos uma audiência pública para que todos pudessem realmente ser escutados. Porque um dia chegou na minha sala uma senhora muito humilde. Poucas vezes eu tinha me deparado com uma pessoa assim, por que ela veio sozinha e já era uma senhora de idade. E eu não conseguia entender o que ela falava. Eu não conseguia. Ela estava desacompanhada, desesperada, e eu falei pra ela assim: “A senhora espera lá fora, que eu vou resolver algumas coisas aqui, e eu vou com a senhora pessoalmente na empresa”. Porque o reassentamento, como ele é feito? A Norte Energia contratou uma empresa que faz o papel de intermediária entre a Norte Energia e as pessoas. Chama-se Diagonal. Então cheguei na empresa com ela. É uma casa, as pessoas ficam do lado de fora, naquele calor de 40 graus, esperando para entrar. E, uma a uma, vão sendo chamada para negociar. Essa senhora foi lá negociar a situação dela. E ofereceram para ela uma indenização. E ela não queria uma indenização, ela queria uma casa. E ela diz: “Eu não quero a indenização, eu quero uma casa!”. Neste momento, ela está falando com um assistente social da empresa. E aí, se ela não concorda com o que está sendo oferecido, o advogado da empresa vai explicar a ela por que ela não tem direito a uma casa. E se ela continuar não concordando, esse processo vai para a Norte Energia. Para mim, isso já foi uma coisa completamente estranha. A palavra não é estranha… Eu diria, foi uma coisa interessante. Porque a Norte Energia funciona como uma instância recursal, da indignação da pessoa contra uma empresa que é uma empresa contratada por ela. Então a revolta das pessoas é contra a empresa Diagonal. Aí o caso da pessoa vai para a Norte Energia, e a Norte Energia vai com seu corpo de advogados – 26 advogados contratados só para esse programa – fazer uma avaliação e explicar para a pessoa as regras que são aplicadas. E que, se essa pessoa não aceitar, ela tem um prazo para se manifestar. E, se ela não se manifestar nesse prazo, ou se ela não concordar, o processo vai ser levado para a Justiça, e a Norte Energia vai pedir a emissão da posse. A senhora vai ter que sair de qualquer jeito e discutir em juízo esses valores. Veja a situação com que eu me deparei. Primeiro: a senhora não tinha nenhuma condição nem de explicar a história dela, ela tinha dificuldades de falar. Porque o tempo deles é outro, a compreensão de tudo é outra. A gente está falando de pessoas desse mundo aqui, que não é o mundo de lá, é o mundo de cá. E que eu mesma não tinha capacidade de entender. Então, essa pessoa, que tem dificuldade para se expressar, como ela vai dialogar sozinha, na mesa do empreendedor, com advogados e pessoas que estão do lado de lá? Naquele momento eu tive a compreensão de que, primeiro, existia uma confusão de papéis ali, porque a Norte Energia se apresentava como instância recursal, mas fazia o papel dela. A outra empresa também fazia o papel dela. Quem estava ausente era o Estado. Quem estava ausente era quem tinha que acompanhar essa pessoa. Então, quem estava se omitindo ali era o Estado. Para mim era inadmissível que aquela senhora estivesse sozinha negociando na mesa do empreendedor. Na audiência pública apareceu outra senhora que assinou, mas contou chorando que não sabia ler. Assinou com o dedo. Assinou uma indenização, mas queria uma casa. Isso resume a violência desse processo. Há muitos casos. Muitos. E tudo isso estava acontecendo porque a Defensoria Pública da União não estava aqui. Uma das funções da audiência pública foi chamar o Estado. A Defensoria Pública é uma instituição que está crescendo, que se fortalece, e eu acho que ela não pode deixar à margem uma realidade com risco de grande violação de direitos humanos, como é Belo Monte.

Como se explica um empreendimento desse tamanho, com milhares de remoções, sem a presença da Defensoria Pública da União?

Santi – Como você imagina uma obra com o impacto de Belo Monte sobre 11 terras indígenas, com o impacto que já ficou claro, com alto risco de destruição cultural, sem a Funai estruturada? Como a Funai está em Altamira com o mesmo número de servidores que ela tinha em 2009? Como não foi feita uma nova sede da Funai? Como não foi contratado um servidor para a Funai? E o ICMBio? Temos aqui seis unidades de conservação na área de impacto do empreendimento. Entre essas unidades, só a Estação Ecológica da Terra do Meio tem três milhões de hectares. Se você me perguntar hoje quantos gestores o ICMBio tem nessas unidades eu vou te dizer: a unidade da (Reserva Extrativista) Verde para Sempre está sem gestor. A unidade do Iriri está sem gestor, foi contratado um cargo em comissão. Ou seja, não existe servidor do ICMBio pra cuidar dessa unidade do Iriri. Para a resex Riozinho do Anfrísio também foi contratado um servidor extraquadro. Para o Parque Nacional da Serra do Padre também. A gente tem Belo Monte com um impacto no seu ápice, no momento da maior pressão antrópica já prevista, com as unidades de conservação sem gestor. E o impacto, o desmatamento, é uma prova disso. Na Resex Riozinho do Anfrísio a extração ilegal de madeira já atravessou a unidade e chegou nos ribeirinhos. É uma região que está numa efervescência de impacto. E o concurso público realizado para o ICMBio só previu a contratação de analistas para o Tapajós, onde o ICMBio precisa hoje fazer uma avaliação positiva para que sejam autorizados os empreendimentos das hidrelétricas lá. Eu não consigo entender como o Estado se lança a outro empreendimento sem responder pelo que está acontecendo aqui. Eu te falo isso porque você me pergunta como é possível a Defensoria Pública não estar aqui. Para mim, isso não é um susto, porque eu estou acompanhando outras instituições absolutamente indispensáveis no licenciamento de Belo Monte e totalmente defasadas. E o ICMBio é uma prova disso. E os gestores que têm aqui do ICMBio são extremamente atuantes. Mas, sozinhos, eles não dão conta. Como é possível uma pessoa responder pelos três milhões de hectares da estação ecológica? E sem nenhum apoio? O que eu posso dizer é que, nas investigações que fizemos aqui com relação à Belo Monte, a realidade é a ausência do Estado. Num mundo em que tudo é possível, a gente consegue viver com uma realidade em que 8 mil famílias vão ser reassentadas sem que a Defensoria Pública da União tivesse sido acionada para vir para Altamira. Belo Monte é o mundo em que o inacreditável é possível.

Voltando ao início dessa entrevista, qual é a analogia que a senhora faz entre os estudos de Hannah Arendt sobre os totalitarismos e essa descrição que a senhora fez até aqui sobre o processo de Belo Monte?

A mineradora canadense Belo Sun prenuncia um ciclo de exploração dos recursos naturais da Amazônia em escala industrial, sobrepondo impactos na região

Santi – Vai ficando mais claro, né? Quando eu coloquei para você que a Lei está suspensa, ou seja, as regras, os compromissos assumidos, as obrigações do licenciamento, na verdade eu pensava no Estado de Exceção. Eu entendo que essa realidade que eu descrevo é a realidade de um Estado de Exceção.

Mas, como é possível que tudo seja possível?

Santi – Quando você assiste ao governo se lançar a um novo empreendimento, desta vez no Tapajós, com outro impacto brutal, sem responder pelo passivo de Belo Monte, o que vem à mente? E a gente, nesse dia a dia de Belo Monte, assistindo a esse impacto, assistindo ao desmatamento, assistindo à questão dos indígenas, ao sofrimento da população local, assistindo às pessoas morrendo porque o hospital está superlotado, assistindo aos indígenas completamente perdidos… E então a gente vê o governo se lançar a um novo empreendimento. A pergunta que vem é essa: como é possível? Belo Monte não acabou. Quando, um ano atrás, a então presidente da Funai (Maria Augusta Assirati) deu uma entrevista (à BBC Brasil) falando de Belo Monte, ela disse a seguinte frase: “Nenhum dos atores envolvidos estava preparado para a complexidade social, étnica e de relações públicas que foi Belo Monte”. Quando eu leio uma frase como essa, e a gente assiste ao governo brasileiro usar Belo Monte como campanha política na época das eleições, e se lançar a um novo empreendimento, eu me pergunto: o que dizer a um governo que diz que não estava preparado para Belo Monte? Belo Monte não acabou. Se você tem responsabilidade, a sua responsabilidade não acaba porque a tragédia aconteceu. Ou seja, o passivo de Belo Monte, no Xingu, fica, e o governo vai começar uma nova empreitada no Tapajós? E qual é a prova de que essa nova empreitada não vai causar um passivo como este? A prova tem que ser feita aqui em Belo Monte. A Funai tem que estar estruturada aqui. As terras têm que estar protegidas aqui. A população tem que ter sido removida com dignidade aqui. Então, quando você me pergunta de Hannah Arendt, eu lembro dessa frase da presidente da Funai. Quando Arendt conclui o julgamento do nazista (em seu livro “Eichmann em Jerusalém”), ela diz o seguinte: “Política não é um jardim de infância”. E ela estava analisando o genocídio. Eu não tenho dúvida de dizer que aqui a gente está analisando um etnocídio, e política não é um jardim de infância. Então, a ação do Ministério Público aqui é a de responsabilizar, até onde for possível. Um dia essas ações vão ser julgadas. Belo Monte um dia será julgada.

A maioria das ações que o Ministério Público Federal está propondo, há anos, esbarram nos presidentes dos tribunais. Por quê? Qual é a sua hipótese?

Santi – Belo Monte é uma obra “sub judice”. Vai ser julgada pelo Supremo Tribunal Federal. São 22 ações, com conteúdos extremamente diversificados. A postura do Poder Judiciário de que o fundamento jurídico, o mérito da ação, fique suspenso de análise com base na decisão política, que é a suspensão de segurança, é uma decisão que não precisa de respaldo na Lei, ela busca respaldo nos fatos. A suspensão de segurança é um mecanismo extremamente complicado, porque ele abre o Direito.

Acho que é importante aqui fazer um parêntese para explicar aos leitores que o mecanismo jurídico de “suspensão de segurança” é um resquício da ditadura. Ele impede qualquer julgamento antecipado de uma ação, que poderia ser pedido por conta da urgência, da relevância e da qualidade das provas apresentadas. É concedido pela presidência de um tribunal, que não analisa o mérito da questão, apenas se limita a mencionar razões como “segurança nacional”. Assim, quando o mérito da ação é finalmente julgado, o que em geral leva anos, uma obra como Belo Monte já se tornou fato consumado. Quais são as justificativas para o uso de suspensão de segurança em Belo Monte?

Numa sociedade de consumo, desde que se preserve o eu hegemônico de cada um, a morte cultural de um povo não dói

Santi – Em Belo Monte as justificativas são a necessidade da obra, o prazo, o cronograma, os valores, o quanto custa um dia de obra parada ou a quantidade de trabalhadores que dependem do empreendimento. Com esses fundamentos muito mais fáticos, empíricos e políticos, o mecanismo da suspensão de segurança permite a suspensão da decisão jurídica liminar que se obtém nas ações judiciais. E, com isso, as decisões acabam perdendo a capacidade de transformação. Com uma ressalva com relação à Belo Monte: as pessoas de direito privado não podem requerer a suspensão de segurança. A Norte Energia não poderia pedir. Quem faz isso, então, é a Advocacia Geral da União, que atua ao lado da Norte Energia nas ações judiciais. Ainda, a interpretação desse mecanismo vem permitindo que ele se sobreponha a todas as decisões – e não apenas as liminares – até o julgamento pela instância final. É um mecanismo que tem previsão legal, mas é um mecanismo extremamente complicado, porque pode se sustentar em fatos. E o Direito que se sustenta em fatos é o Direito que se abre ao mundo em que tudo é possível. O Ministério Público Federal não questiona a opção política do governo por Belo Monte, mas questiona o devido processo de licenciamento. A gente questiona a legalidade, não a legitimidade dessa opção. Mas o fato é que essa legitimidade é obtida sem o espaço de diálogo. E hoje eu realmente acho que a sociedade deveria refletir e discutir essa opção de interferência nos rios da Amazônia. Nós já sabemos o impacto que o desmatamento vem causando, a gente sabe o valor da água, a gente sabe o valor da Amazônia. Por isso, entendo que essas decisões que podem se sustentar em fatos são perigosas para o Estado democrático de Direito, já que os fatos nem sempre têm respaldo democrático.

Na sua opinião, com tudo o que a senhora tem testemunhado, qual será o julgamento de Belo Monte no futuro?

Santi – Ah, eu acho que essa pergunta é um pouco complicada. Sinceramente, eu acho que essa questão da legitimidade de Belo Monte tem que ser discutida num debate público. Eu me coloco como procuradora da República. Estou falando da minha leitura jurídica desse processo. Agora, se perguntar para a Thais, pessoa, o que ela acha que vai acontecer com Belo Monte, eu te diria que há perguntas que precisam ser feitas. Será que o modo de vida dessa região poderia ser suportado por outras fontes de energia? Eu não tenho dúvida que sim. Na região, quem precisa de Belo Monte são as indústrias siderúrgicas, e uma mineradora canadense (Belo Sun) que vai se instalar e extrair ouro em escala industrial, na região de maior impacto de Belo Monte. Então, quem depende dessa energia é essa empresa e outras que virão. E isso é uma coisa que tem me assustado muito com relação à Belo Monte. Uma das consequências de Belo Monte é essa possibilidade de extração de recursos minerais em escala industrial na Amazônia. E a disputa por esses recursos já começou. Fico extremamente preocupada com a possibilidade de instalação de um empreendimento minerário desse porte na região do epicentro de impacto de Belo Monte, sem que tenha sido feito o estudo do componente indígena e sem a avaliação do Ibama. Vai haver ali uma sobreposição de impactos.

É bem séria e controversa, para dizer o mínimo, a instalação dessa grande mineradora canadense, Belo Sun. Qual é a situação hoje?

Santi – Esse projeto minerário prenuncia um ciclo de exploração dos recursos naturais da Amazônia em escala industrial, que se tornará viável com Belo Monte. É também o prenúncio de um grave risco. De que grandes empreendimentos venham sobrepor seus impactos aos da hidrelétrica, sem a devida e competente avaliação. Com isso, os impactos de Belo Monte acabam por se potencializar a uma dimensão extraordinária. E o pior, as ações mitigatórias indispensáveis ao atestado de viabilidade da hidrelétrica perigam perder a eficácia, caso não haja um cauteloso controle de sobreposição de impactos. Se a geração de energia por Belo Monte depende do desvio do curso do rio Xingu, e a viabilidade da hidrelétrica para os povos indígenas da região depende de um robusto monitoramento para que se garanta a reprodução da vida no local, como um projeto de alto impacto localizado no coração do trecho de vazão reduzida do rio Xingu pode obter atestado de viabilidade sem estudos de impacto sobre os povos indígenas? E, se quem licencia Belo Monte é o Ibama, que é o órgão federal, e quem tem atribuição constitucional de proteger os povos indígenas é a União, como esse licenciamento poderia tramitar perante o órgão estadual? São essas questões que o Ministério Público Federal levou ao Poder Judiciário, sendo que hoje há uma sentença anulando a licença emitida, até que se concluam os estudos sobre os indígenas. Decisão que está suspensa até que seja julgado o recurso da Belo Sun pelo Tribunal Regional Federal em Brasília. Há também uma decisão recente impondo ao Ibama que participe de todos os atos desse licenciamento perante o órgão estadual. Mas, quando você me pergunta o que vai ser Belo Monte no futuro, acho que a grande questão de Belo Monte vai ser: para quem Belo Monte? Por que Belo Monte?

Há uma caixa preta em Belo Monte?

Hannah Arendt lia os estados totalitários. Ela lia o mundo do genocídio judeu. É possível ler Belo Monte da mesma maneira

Santi – As questões nebulosas de Belo Monte, o fato de a obra ser uma prioridade absoluta, são questões que a História vai contar, e eu espero que conte rápido.

Como é viver em Altamira, no meio de todos esses superlativos?

Santi – Na verdade, a realidade me encanta. Mesmo trágica. Entende? Por mais que a gente tenha vontade de chorar, ela é impressionante. Eu me surpreendo a cada dia com as coisas que acontecem aqui, seja pelo tamanho das áreas, já que estamos falando de milhões de hectares, de grilagem de terra de 200 mil hectares, de desmatamento de 1 mil hectares. Tudo é da ordem do inimaginável. Então eu acabo tendo muito essa posição de uma intérprete da realidade. Quando eu decidi ficar em Altamira, algumas pessoas falaram: “Nossa, parabéns pelo ato de desprendimento!”. Mas, para mim, ficar em Altamira é um privilégio. Conhecer as populações tradicionais é um privilégio. Poder receber um cacique, aqui, é um privilégio. Então, a minha relação com Altamira é de que cada dia eu me curvo mais. Quando eu falo “eu me curvo mais” é no sentido de ficar mais humilde diante das pessoas daqui. Há um momento do dia em que o sol provoca uma espécie de aura dourada na Volta Grande do Xingu. Eu vou ao rio porque eu quero ver isso. E cada dia é diferente. Ele nunca está igual. Quando eu vejo o rio, eu só tenho a agradecer a possibilidade de ele existir. É como esses índios, como esses ribeirinhos. Obrigada por serem diferentes, por me mostrar um mundo diferente do que eu estava acostumada em Curitiba. Eu acho tão bonito o menino que toma banho no barril, aí a mãe penteia o cabelinho dele pro lado, coloca ele na garupa da bicicleta, e leva ele na bicicleta. Eu adoro ver… Eu adoro observar. No meu dia a dia eu vivo esse encantamento pela região, sabendo que daqui pra lá a gente tem uma floresta que atravessa a fronteira do Brasil e que é maravilhosa. E que é o que, no futuro, vai ser a coisa mais valiosa. Como eu trabalho com a questão de Belo Monte, me vem no fundo esse sentimento de tristeza por conhecer a audácia do homem de mexer naquilo, de desviar esse rio.

Quando a encontrei numa reserva extrativista, dias atrás, a senhora brincou que sentia um pouco de inveja dos ribeirinhos. Como é isso?

Santi – É que eu acho que o trabalho deles é mais importante do que o meu. Eu realmente acho. Se você tem um olhar para o outro como se ele fosse um pobre, como se fosse um desprovido, a nossa atuação é muito limitada. Hoje eu tenho um olhar para eles de que eu tenho o direito de que eles continuem vivendo assim. Porque eles conhecem uma alternativa. Então, eu hoje sinto que é um direito nosso, do mundo de cá, e não só deles. É essa a dimensão que eu te falo. Eu agora reescrevo e recompreendo o meu trabalho, porque ele ganha uma outra dimensão sob essa perspectiva. Ou seja: o Ministério Público protege as populações indígenas e tradicionais não só porque elas têm direitos, mas também porque é importante para o conjunto da sociedade que o modo de vida delas continue existindo. Elas têm o direito de se desenvolver a partir delas mesmas, e não segundo o que a gente acha que é bonito. E nós, nossos filhos, precisamos desse outro modo de vida, precisamos que vivam assim. Por isso, também, o processo de Belo Monte com relação aos indígenas é tão doloroso.

A senhora mencionou que seria importante que a sociedade fizesse um debate público sobre a interferência do Estado nos rios da Amazônia. Por que a senhora acha que a sociedade não está fazendo? Ou, dito de outro modo: por que as pessoas não se importam?

Santi – Essa é a pergunta mais difícil. Acho que a Amazônia não interessa só ao Brasil, interessa para o mundo todo. E esse impacto tem que ser discutido até a última possibilidade das fontes alternativas. O que eu quero dizer é: se a política do governo se sustenta numa legitimidade que depende da aceitação popular com relação à utilização dos rios da Amazônia como fonte geradora de energia, esse debate tem que ser feito. E hoje eu acredito que é um momento importante, porque o Brasil está vivendo a falta de água. E essa falta de água está sendo relacionada ao desmatamento da Amazônia. E o desmatamento da Amazônia aumentou, a gente sabe disso. As pessoas vêm aqui relatar o que está saindo de caminhão com madeira. É um relato que já é público, e o Brasil tem hoje, talvez, o bem mais precioso do mundo, que é a Amazônia. É por isso que esse debate é importante, porque tem que ser dada à população o espaço mais livre possível de debate, de diálogo, sobre o que se pretende fazer com seu bem mais precioso. Com o risco, inclusive, de que seja tirado dela. Por isso que é realmente importante que se discuta isso. Acho que quando eu não vivia aqui, eu não tinha a dimensão. A gente sabe de longe, mas eu não tinha a dimensão do que estava acontecendo. É muito grande. Primeiro tira a madeira mais nobre, aí desmata, aí vem o gado. Inclusive a carne… Eu não como carne há muitos anos. Eu já tinha uma opção por ser vegetariana. Mas, agora, depois que eu vejo o que precisa para criar um boi, e o quanto isso interfere na região amazônica, eu não tenho coragem de comer carne. Carne, para mim, vem com a imagem daquele tronco que está saindo daqui. Eu sofro por ver o tamanho das toras de madeira que saem daqui. Sofro. Dói ver. Eu sofro de deixar o meu lixo aqui. Porque eu sei que Altamira não tem reciclagem. Eu levo meu lixo embora, eu não deixo o meu lixo aqui.

Leva de avião?

Santi – Eu levo meu lixo para ser reciclado em Curitiba. Porque a gente vive na fronteira da Amazônia, numa região em que a questão do lixo é extremamente complicada, e realmente tem que ter coragem para jogar, eu não consigo. Uma vez eu li um livro que se chama “Os Cidadãos Servos”, de Juan Ramón Capella. E eu lembro que esse livro falava o seguinte: que as pessoas apertam a descarga do banheiro e têm a sensação de que estão limpando a sua casa. E, quando você aperta a descarga, na verdade você está sujando o mundo. Então, eu tenho essa sensação muito forte de que, quando eu coloco o meu saco de lixo na rua, em vez de fazer uma composteira, eu estou sujando o mundo, eu estou sujando a minha casa, porque a minha casa é o mundo. Acho que o debate em torno da Amazônia passa por isso. Por um debate em torno desse individualismo, da forma como as pessoas vivem centradas no consumismo, no que as pessoas buscam, que está desconectado do outro e está desconectado do mundo. Para mim é muito claro que a minha casa não acaba na porta da minha casa, a minha responsabilidade pelo mundo não acaba na porta do meu universo individual. Não é razão, é um sentimento de que a casa das pessoas está aqui, também. Nesse contexto em que a gente vive, as pessoas têm uma preocupação com o eu, com a beleza, com a estética, com o consumo. Então é muito difícil ter um debate público em torno das questões ambientais. É uma marca de uma época, mesmo. E há outra questão que eu acho mais forte ainda, e que me assusta mais em Belo Monte. Daí eu vou te explicar com um pouquinho de calma… Não vai acabar nunca a entrevista!

Fica tranquila…

Santi – Eu acho o seguinte. Eu já falei que vejo Belo Monte como um etnocídio. Quando a Hannah Arendt estuda os regimes totalitários, ela faz uma descrição do nazismo, ela faz uma descrição da política de Hitler que é muito interessante. O Hitler afirmava que tinha descoberto uma lei natural, e que essa lei natural era uma lei da sobreposição de uma raça, de um povo sobre o outro. Os judeus seriam um obstáculo que naturalmente seria superado por essa lei natural. Quando eu digo que os estudos de Belo Monte identificaram um processo de desestruturação dos povos indígenas da região, que já tinha começado com a Transamazônica, e que Belo Monte só acelera esse processo, me vem essa imagem de Hannah Arendt dizendo que Hitler apenas descobriu uma forma de acelerar o processo de uma lei natural que ele afirmava ter descoberto. E aqui, o que Belo Monte faz a esse processo de desestruturação iniciado com a Transamazônica é acelerá-lo a um ritmo insustentável para os indígenas. E talvez seja essa a justificativa para as suspensões das decisões judiciais, e de a Lei não se aplicar aqui. O que me assusta é a forma como a sociedade naturaliza esse processo com uma visão de que é inevitável que os indígenas venham a ser assimilados pela sociedade circundante, pela sociedade hegemônica. E aceitar que Belo Monte vai gerar a perda de referências e conhecimentos tradicionais com relação à Amazônia, a perda de outras formas de ver o mundo que poderiam ser formas de salvação, mesmo, do futuro. Então, esse processo de etnocídio é naturalizado e, por ser naturalizado, não dói para as pessoas. Não dói o fato de os índios estarem morrendo. Numa sociedade de consumo, desde que não se perca o eu hegemônico de cada um, a morte cultural de um povo não dói. Então, o que eu sinto é isso: é extremamente assustador a forma como a sociedade aceita esse processo.

É por isso, afinal, porque a maioria da população brasileira não se importa com a morte cultural dos povos indígenas, e mesmo com a morte física, nem se importa com a morte da floresta, que Belo Monte é possível apesar de atropelar a Lei?

Santi – Em última instância, as decisões judiciais também têm o respaldo da sociedade. Se essas suspensões de segurança causassem uma reação muito forte, elas não teriam legitimidade. Por que o silêncio? Como a sociedade aceita a não garantia dos direitos dos povos indígenas? Aceita porque naturaliza esse processo, que é um processo totalitário. É um processo em que o eu único, o todo, prevalece sobre o diferente. E que você não é capaz de olhar o diferente com respeito, como algo que é diferente de você, do seu eu. Isso é uma realidade, mesmo, que a gente está vivendo, de dificuldade para os povos indígenas, para as populações tradicionais, para essas culturas diferentes se manterem. Mesmo que hoje exista uma série de garantias fundamentais, de ordem internacional, na Constituição Federal, é muito difícil. E é por isso que aqui, no Brasil, quem dá a palavra sobre isso é o Supremo Tribunal Federal. E o Supremo tem que fazer isso, pela leitura da Constituição. Então um dia isso vai ser julgado. Um dia o Plano Emergencial vai ser julgado pelo Supremo. Um dia a forma como os índios não foram ouvidos nesse processo vai ser julgada pelo Supremo.

Mas aí o fato já está consumado.

Santi – É, esse é o problema. É o fato que a cada dia se consuma.

A senhora se sente impotente diante de Belo Monte, desse fato que se consuma apesar de todo o esforço, de todas as ações, e sem o apoio da sociedade, que se omite?

Santi – Acho que o Ministério Público Federal não é impotente. Mas eu penso que hoje, sozinho, apenas pela via do poder judiciário, o Ministério Público Federal não consegue fazer com que a Lei se aplique aqui. Belo Monte é um desafio ao Estado de Direito. Acima de tudo, acredito que a história tem que ser contada. E o que o Ministério Público Federal vem fazendo aqui em Altamira é a história viva de Belo Monte. E aí, eu diria: o Ministério Público não silencia. Não sei o que a História vai dizer de Belo Monte. Mas, o que eu posso dizer é que o Ministério Público Federal não silenciou.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes – o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da RuaA Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: elianebrum.com  Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum

Risk analysis for a complex world (Science Daily)

Date: November 18, 2014

Source: International Institute for Applied Systems Analysis

Summary: Developing adaptable systems for finance and international relations could help reduce the risk of major systemic collapses such as the 2008 financial crisis, according to a new analysis.


Developing adaptable systems for finance and international relations could help reduce the risk of major systemic collapses such as the 2008 financial crisis, according to a new analysis.

The increasing complexity and interconnection of socioeconomic and environmental systems leaves them more vulnerable to seemingly small risks that can spiral out of control, according to the new study, published in the journal Proceedings of the National Academy of Sciences.

The study examines risks are perceived as extremely unlikely or small, but because of interconnections or changes in systems, can lead to major collapses or crises. These risks, which the researchers term “femtorisks,” can include individuals such as terrorists, dissidents, or rogue traders, or factors like climate change, technologies, or globalization.

“A femtorisk is a seemingly small-scale event that can trigger, often through complex chains of events, consequences at much higher levels of organization,” says Princeton University professor and IIASA Distinguished Visiting Fellow Simon Levin, who adopted the term (originally suggested by co-organizer Joshua Ramo) together with an international group of experts during a 2011 IIASA conference on risk modeling in complex adaptive systems.

Levin explains, “A complex adaptive system is a system made up of individual agents that interact locally, with consequences at much higher levels of organization, which feed back in turn to affect individual behaviors. The individual agents can be anything from cells and molecules, to birds in a flock, to traders in a market, to each and every one of us in the global environment.”

The complexity of such systems makes it difficult or even impossible to model the outcomes of specific changes or risks, particularly very small or seemingly insignificant ones. The study examines several examples of such femtorisks that set off major crises, including the credit default swaps that led to the 2008 financial crisis, the recent protests in the Middle East and Ukraine that led to the broad upheavals in both regions’ political systems, and the warming temperatures in the Arctic that have led to massive international interest in the region for mining and economic development.

Risk management for an unpredictable world 

In light of such unpredictable risks, the researchers say, the most resilient management systems are those that can adapt to sudden threats that have not been explicitly foreseen. In particular, the researchers suggest a model drawing on biological systems such as the vertebrate immune system, which have evolved to respond to unpredictable threats and adapt to new situations.

“In practice it is generally impossible to identify which of these risks will end up being the important ones,” says Levin. “That is why flexible and adaptive governance is essential.”

The general principles of such management include: effective surveillance, generalized and immediate initial responses, learning and adaptive responses, and memory, say the researchers. Levin says, “We need to design systems to automatically limit the potential for catastrophic contagious spread of damage, and to complement that with effective and flexible adaptive responses.”


Journal Reference:

  1. Aaron Benjamin Frank, Margaret Goud Collins, Simon A. Levin, Andrew W. Lo, Joshua Ramo, Ulf Dieckmann, Victor Kremenyuk, Arkady Kryazhimskiy, JoAnne Linnerooth-Bayer, Ben Ramalingam, J. Stapleton Roy, Donald G. Saari, Stefan Thurner, Detlof von Winterfeldt. Dealing with femtorisks in international relationsProceedings of the National Academy of Sciences, 2014; 201400229 DOI: 10.1073/pnas.1400229111

A profecia da Crise (Medium)

Margem do Rio Tietê, na altura da cidade de Itu, interior paulista. Foto: Mídia NINJA

Em 2003, quando a Sabesp teve seu capital aberto ao mercado, parlamentares e movimentos sociais já se preocupavam com a priorização de interesses privados sobre a universalização do acesso à água.

Por Felipe Bianchi do Barão de Itararé

19 nov 2014


Apesar de atingir seu estopim em 2014, as razões para a grave crise hídrica pela qual passa o estado de São Paulo remetem a episódios que pouco têm a ver com falta de chuva ou caprichos da natureza. Um deles nos leva de volta a 2003, quando a Assembleia de São Paulo (Alesp) aprovou — na calada da noite — o Projeto de Lei 410/2003, de autoria do PSDB e responsável por abrir o capital da Sabesp ao mercado financeiro. Foram 55 votos contra 22, em sessão iniciada às 4h30 da madrugada do dia 27 de agosto.

Com a mudança na forma de gestão da empresa, 50,3% do seu capital encontra-se mãos do Governo do Estado de São Paulo, enquanto a bolsa de Nova Iorque (NYSE) detem 24,9% e a BM&F Bovespa abocanha 24,8% das ações. Ao longo desse período, a empresa atingiu números impressionantes: sua valorização bateu a marca de 601% e seu valor de mercado passou de R$ 6 bilhões a mais de R$ 17,1 bilhões.

Em 2012, os expressivos resultados foram comemorados no ‘Sabesp Day’, em plena Big Apple, com uma série de atividades especiais na bolsa nova-iorquina. Durante as festividades, a presidente da empresa, Dilma Pena, reafirmou o compromisso de “oferecer 100% de água tratada, 100% de coleta de esgoto e 100% de tratamento de esgoto em todo o interior do Estado de São Paulo até 2014”. Celebrada pelos acionistas, a dirigente argumentou que “a cada novo ano, a Sabesp mostra ter condições de executar seu objetivo com eficiência, de maneira sólida, dinâmica, inovadora e sustentável em termos financeiros, ambientais e sociais”.

Ou faltou combinar com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ou trata-se de uma realidade paralela. A conta da água não fecha. Apesar do sucesso da Sabesp na bolsa de valores, São Paulo sofre com a falta de abastecimento — o sistema da Cantareira, por exemplo, opera com 11% de sua capacidade e já utiliza a segunda cota do volume morto, levantando a seguinte questão: o modelo de gestão da Sabesp é o mais adequado para garantir a universalização do direito básico que é o acesso à água?

Sobre política e profecias

Na ocasião da votação que selou a entrada da Sabesp no mundo financeiro, a então deputada estadual Maria Lúcia Prandi fez uma declaração ‘profética’ sobre o tema, indagando se a empresa seria capaz de manter seu caráter público e priorizar os interesses da população ou se voltaria suas atenções aos desejos dos acionistas.


“Na prática, é uma quase privatização da Sabesp, que poderá perder seu caráter de empresa pública, abrindo espaço para os interesses privados, que visam lucros e não o benefício comum (…). Quem comprar as ações da Sabesp terá grande poder na gestão da empresa. Como ficará a questão das tarifas? Até que ponto a empresa vai querer investir em áreas carentes ou de difícil atendimento, como os morros? Como conseguir que as redes de esgoto e de distribuição de água cheguem a comunidades mais distantes?”


10 anos depois, ela comenta que “não se trata de profecia, mas de visão de mundo e de Estado”. Para a deputada federal, sua fala em 2003 foi uma “demonstração de que, a médio ou longo prazo, a população poderia pagar caro pela escolha que o governo estava prestes a fazer”.

Prandi recorda que, enquanto o PL 410/2003 estava em pauta, houve uma grande resistência na Alesp por parte de partidos à esquerda, que chegaram a realizar longos estudos sobre o tema para embasar o posicionamento contrário à matéria. “A Sabesp, à época, estava muito endividada. Tanto que havia forte pressão sobre os municípios não-conveniados. A capitalização foi uma das ferramentas que o governo lançou mão para sanar a situação e, na votação, foram vitoriosos”.

A tese de Prandi, no entanto, parece jogar luz sobre as origens de uma crise tratada de forma obscura pelo poder público paulista. “Ao vender ações, você sofre pressão de acionistas para aumentar o lucro, colocando os interesses dos donos das ações em primeiro lugar”, argumenta. “O acesso a um serviço essencial como o abastecimento de água nunca poderia ter sido relegado ao segundo plano”.

De acordo com ela, o governo poderia ter feitos ótimos investimentos que prevenissem crises como essa, já que há uma seca história no estado e o governo federal destina um significativo aporte financeiro para essa finalidade. “Mas a prioridade”, sugere, “parece ser agradar os acionistas”.

Primeira cota do Voume Morto, no sistema cantareira, São Paulo. Foto: Mídia NINJA

Governo optou por tratar água como negócio

Para Edson Aparecido da Silva, sociólogo e coordenador da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental, a opção feita 10 anos atrás pelo governo estadual foi de tratar a gestão da água como negócio. “Na época, a justificativa foi de que era preciso captar recursos em agências financeiras e bancos internacionais. Aderir à bolsa daria segurança aos que emprestassem dinheiro à Sabesp”, explica.

“Uma empresa pública com gestão privada”. Assim o sociólogo define a Sabesp, desde que passou a operar segundo a lógica de ampliação do lucro e de distribuição dos dividendos aos acionistas.

O principal problema, na avaliação de Silva, é a absoluta falta de transparência no modelo de gestão vigente. “Ainda que a quantidade de recursos investidos seja significativa — cerca de R$ 2 bilhões anuais -, não se tem a menor ideia de como é empregado. Os relatórios dizem apenas se foram feitos na região metropolitana, no interior ou no litoral, sem maiores detalhes, sendo que dentro desse valor podem estar embutidos, por exemplo, pagamentos a empresas terceirizadas que prestam serviço de má qualidade. A crise prova que os investimentos da Sabesp nos últimos anos podem ter sido péssimos”.

Ele repudia a postura de Geraldo Alckmin em não reconhecer publicamente a dimensão da crise e a responsabilidade que cabe à sua gestão, mesmo depois de pedir R$ 3,5 bilhões ao governo federal para bancar um pacote de medidas emergenciais. “Alckmin nsiste em negar que há redução da pressão da água durante certos períodos do dia, sendo que boa parte da população das periferias de São Paulo enfrenta o problema quase que diariamente. O governo poderia optar por uma política transparente, informando o cidadão das faixas de horário de racionamento a fim de reduzir, inclusive, o desperdício”.

Uma marca de cerveja nunca dirá ao seu consumidor ‘não compre cerveja’. É essa regra de mercado que a Sabesp tem seguido, mas seu produto é um serviço público, direito de todos”, afirma Edson Aparecido da Silva


Os números da Sabesp: declínio iminente?

O estatuto da Sabesp prevê que os acionistas podem receber até 25% do lucro líquido anual da empresa, mas desde a aprovação da regulamentação, o índice nunca foi menor que 26,1%. Em 2003, por exemplo, logo após a vitória de Geraldo Alckmin nas urnas de São Paulo, a porção que morreu nas mãos do capital privado atingiu obscenos 60,5% do montante total. Estima-se, ainda, que um terço do lucro líquido total da Sabesp já foi repassado aos acionistas, o que significa aproximadamente R$ 4,13 bilhões — o dobro do que a Sabesp investe anualmente em saneamento básico, segundo os cálculos do Jornal GGN

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente (Sintaema) entre 1988 e 1994 e atual vice-presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Nivaldo Santana ressalta que a antes vigorosa taxa de lucro da Sabesp já tem acusado o golpe da crise: “A diminuição da receita tarifária, por conta da menor oferta de água, faz com que a empresa torne-se pouco atraente para os acionistas, até porque o investidor de Nova Iorque, por exemplo, não está preocupado se falta água para a população de São Paulo, mas sim com o retorno de seu investimento. Por isso, a tendência é que a queda nos números se acentue cada vez mais”.

Segundo ele, “o que se vê na Sabesp é uma administração privatista, que segue a lógica privada mesmo tendo uma gestão, ao menos em tese, mista”. “No curto prazo, a aprovação do PL 410/2003 visava fazer caixa para a Sabesp, mas a longo prazo, é parte de um projeto de redução do papel do Estado nos serviços públicos”, assinala.

Por fim, Santana destaca o fator ‘mídia’ como um grande empecilho para a discussão do problema: os grandes meios de comunicação não abordam a dimensão política da crise, em sua opinião, “dando enfoque excessivo ao problema da seca, ao fenômeno natural, como se nos restasse apenas torcer para que chova muito”. Para ele, “trata-se de uma cortina de fumaça sobre os investimentos insuficientes e ruins feitos pela Sabesp, poupando o governo estadual de críticas por parte da opinião pública”.

São Pedro não tem ações da Sabesp (Medium)

19 Nov 2014

Reserva da Represa Jaguari/Jacarei no sistema Cantareira, em São Paulo. Foto: Mídia NINJA

No meio de uma crise sem precedentes no abastecimento de água de São Paulo, empresa deve chegar ao fim de 2014 com lucro perto de R$ 1,9 bilhão

por Arnaldo Pagano, especial para a Ponte

Diz a máxima que o capitalismo privatiza os lucros e socializa os prejuízos. No caso da Sabesp, a frase é ainda mais verdadeira: a privatização dos lucros e a socialização dos prejuízos ocorre simultaneamente.

No ano de 2014, marcado por uma crise sem precedentes no abastecimento de água no Estado de São Paulo, a Sabesp apresentou no segundo trimestre um lucro líquido de R$ 302,4 milhões e deve chegar ao fim do ano com um montante próximo do R$ 1,9 bilhão de lucro de 2013.

Isso mesmo! Enquanto parte da população da região metropolitana vê as torneiras secas há meses (como mostra o site colaborativo faltouagua.com), os acionistas da Sabesp têm um faturamento nada escasso. Diante desse quadro, o governo estadual tenta convencer a população de que a culpa é da falta de chuvas. Não é!

Culpar São Pedro pela crise hídrica em São Paulo é brigar com os fatos e desconhecer — ou querer esconder — a ineficiência da gestão da Sabesp, em grande parte provocada pela forma como a empresa é constituída economicamente e pelos interesses que tem de atender.

Dentre alguns pontos discordantes aqui e ali, pode-se tomar essa conclusão do debate realizado na USP na terça-feira (11/11) com acadêmicos especializados em urbanismo e gestão de recursos hídricos. No encontro promovido pelo CENEDIC (Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania), discutiram o tema Gabriel Kogan, arquiteto mestre em gerenciamento hídrico no IHE (Institute for Water Education), Antonio Carlos Zuffo, professor do Departamento de Recursos Hídricos da Unicamp, Luis Antonio Venturi, professor da USP na área de Geografia dos Recursos Naturais, e Nabil Bonduki, professor na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, vereador pelo PT e membro da CPI da Sabesp.

A questão político-econômica

Para entender a crise da água em 2014 é preciso voltar 20 anos no tempo. Em 1994, a Sabesp deixou de ser 100% estatal, tornando-se uma empresa de economia mista e capital aberto. Até 1997, ela era negociada no mercado de ações de balcão, com o governo dono de 95% da empresa.

Foto: Vagner Magalhães/Terra

Em 1997, as ações foram transferidas à Bovespa e, em 2002, passam a ser negociadas também na Bolsa de Valores de Nova York. Hoje, o Governo de São Paulo detém 50,3% das ações. O restante, 49,7%, é negociado nos mercados financeiros brasileiro e norte-americano.

Para Gabriel Kogan, essa configuração já é um problema. “Água é algo muito estratégico para ser gerido de maneira privada”, analisa. Para ele, o que ocorreu desde a abertura do capital foi uma maximização dos lucros dos acionistas ao mesmo tempo em que os investimentos que poderiam ter evitado a crise atual, como ampliação da rede de captação e saneamento, foram minimizados.

Agora, a crise é enfrentada com a externalização dos custos. O governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) pediu ao Governo Federal uma verba de R$ 3,5 bilhões para combater a crise hídrica com projetos a longo e médio prazo. Gabriel Kogan lembra que a quantia equivale a dois anos de lucros dos acionistas.

Ou seja, a Sabesp terá mais dinheiro público, agora da União, sendo que seus acionistas têm esse dinheiro. Mas a externalização de custos pode ser ainda mais cruel. Nós estaremos financiando a Sabesp e seus acionistas, mas e o prejuízo do dono de restaurante da região periférica, que fecha as portas porque falta água quase diariamente porque a Sabesp não investiu no passado? Quem o indenizará?

Para Nabil Bonduki, esse tipo de gestão da Sabesp é totalmente incompatível com o uso sustentável da água. “A água virou objeto de lucro. A Sabesp vive de vender água. Quanto mais água usarmos, maior vai ser a lucratividade da empresa”, comentou.

Dona Rute, moradora do Capão Redondo, vive um racionamento não declarado que pode durar até 9 dias sem água na torneira. A redução do consumo não interessa à lucratividade da empresa. Foto: Sarah Pabst

Para o vereador, a conscientização sobre o uso racional deve ocorrer, inclusive na época de abundância da água, para que os reservatórios estejam sempre cheios, já que, uma vez que eles estejam vazios, a recuperação torna-se muito mais difícil, devido ao chamado “efeito esponja” (com as represas esvaziadas, parte do solo argiloso que antes ficava submersa fica exposta e seca. Quando a chuva acontece, o solo absorve a água como uma esponja, antes de ser capaz de armazenar o líquido precioso).

Diante da lógica da maximização dos lucros, a Sabesp não tomou as medidas necessárias para conter a crise já em 2013, quando o nível dos reservatórios estava baixando. Políticas de racionamento, com penalização de quem desperdiçasse água, e de informação não foram feitas.

Ao contrário, o governo decidiu dar um bônus a quem economizasse. Para Nabil, essa foi a única medida séria, mas totalmente ineficiente, já que gerou uma economia “pífia” de 5%. Muito mais poderia ser obtido se houvesse um investimento da Sabesp na redução de perdas com vazamentos.

Integrante da CPI da Sabesp na Câmara Municipal de São Paulo, Nabil Bonduki diz que é preciso investigar como a redução de perdas de 2009 a 2014 foi de 0,6% (de 20,4% para 19,8%) sendo que o contrato estabelecia um investimento nada modesto de R$ 1,1 bilhão — um investimento bilionário para um resultado insignificante.

Mas a Sabesp não teve apenas um ano para tomar medidas que evitassem o problema atual. O esgotamento do sistema Cantareira já era previsto no ano de 2001 por Aldo Rebouças, professor emérito do Instituto de Geociências da USP, falecido em 2011. À época, Aldo Rebouças disse que o problema era seriíssimo, porque o nível estava perto do limite do sistema.

A Sabesp poderia ter feito um planejamento para “salvar” o Cantareira, mas optou por outra medida, como mostra a reportagem “Sabesp maquia crise no sistema Cantareira”, de Mariana Viveiros, da “Folha de S.Paulo”, em 29 de março de 2001. A repórter obteve um documento interno produzido pela Superintendência de Comunicação da empresa. A orientação era esconder a crise.

Propaganda da Sabesp veiculada no site da Revista Veja na semana de 17 de Novembro de 2014.

E não é de hoje que a influência do capital prejudica o abastecimento sustentável da Grande São Paulo. Em uma entrevista à Agência Fapesp em 2012, a geógrafa Vanderli Custódio, do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, disse que a vazão do Tietê quando atravessa a região metropolitana é de 82 metros cúbicos por segundo. A Sabesp, com todos os seus sistemas em capacidade máxima, produz aproximadamente 67 metros cúbicos de água por segundo.

O Tietê, portanto, abasteceria São Paulo inteira e ainda sobraria água, mas isso hoje é totalmente inviável dada a poluição do rio, que tem origem na concessão feita na década de 1920 pelo governo paulista à Light, quando se permitiu a inversão do curso do Rio Pinheiros visando à exploração dos recursos hídricos da Bacia do Alto Tietê para a geração de energia.

Tais problemas levam à questão central pela qual passam as possíveis soluções para a crise: a reestatização da Sabesp. Como uma empresa sem controle público e sob a lógica do capital poderia gerir um recurso essencial à vida? Para Gabriel Kogan, essa mudança será impossível “sem o povo nas ruas”.

Protesto contra a falta de água e má gestão hídrica em frente a sede da Sabesp, em São Paulo. Foto: Mídia NINJA

A questão natural

Só a água do Aquífero Alter do Chão, na Amazônia, abasteceria a humanidade inteira por três séculos. A água do Aquífero Guarani, mais 150 anos. O dado impressionante foi um dos exemplos utilizados pelo professor Luis Antônio Venturi para ilustrar o fato de que a água é, numa perspectiva geográfica dos recursos naturais em escala planetária, o recurso mais abundante do planeta. É praticamente inesgotável.

Tendo em vista que a fonte das águas continentais são os oceanos, enquanto eles existirem, enquanto o sol aquecê-los, enquanto a Terra girar para levar a umidade aos continentes e enquanto a lei da gravidade permitir as precipitações – o que deve acontecer “por um certo tempo”-, não é possível pensar na finitude da água.

Mas, e numa escala local? Segundo Venturi, o mapa hidrográfico de São Paulo é de dar inveja a qualquer região. Por que estamos nessa crise, então? Venturi estabelece sete motivos:

1- Os sistemas não são equilibrados em relação à oferta e demanda. O sistema Rio Grande estava com o dobro de água do Cantareira para atender uma população cinco vezes menor.

2- Os sistemas não estão eficientemente articulados em rede. Deste modo, toda a água que temos não está disponível para todos.

3- Problemas de perdas na rede de distribuição. A média mundial de perdas é de 11%, enquanto em São Paulo é de 19,8% (segundo os dados oficiais, embora especialistas acreditem que essa porcentagem seja maior; na Holanda é de 0%).

4- Algumas represas, como Atibainha, são em formato de pires, com grande superfície de evaporação e baixo armazenamento (o formato ideal seria de uma xícara, por exemplo).

5- Os sistemas só estão sendo equipados agora para usar o volume morto, necessário em planos emergenciais. Sem planejamento, estamos correndo atrás do prejuízo.

6- Você já reparou que a água que bebemos é a mesma água limpíssima que usamos para dar descarga? Sem a utilização da água de reúso, ocorre uma perda qualitativa da água. Metade da água usada em casa poderia ser não-potável.

7- Estiagem natural.

Governador Geraldo Alckmin. Foto: Autoria desconhecida

De acordo com Luis Antônio Venturi, o governo de São Paulo, ao falar com a população sobre a crise, inverte a ordem, colocando a estiagem natural como primeira causa, sem assumir as outras causas, que refletem erros da Sabesp. E mais: essa estiagem não é a maior, já que a falta de chuvas foi mais grave nos anos de 1963 e 1984. Além disso, a estiagem era previsível. São Paulo possui uma ampla base estatística que permite saber quando haverá períodos de mais ou menos chuva.

O professor Antônio Carlos Zuffo revelou alguns fatos que mostram que o atual período não é excepcionalmente seco em São Paulo. Vemos em 2014 seca em São Paulo e na Califórnia, e enchentes na Amazônia e na Europa (na Croácia é a pior da história).

No ano de 1953 o quadro foi rigorosamente o mesmo, com direito a grave estiagem em São Paulo e a maior enchente do Amazonas. Zuffo ainda recordou uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo de 27/11/1953, com o título “Mudanças Climáticas ameaçam a produção de café no Brasil”.

O curioso, segundo Zuffo, é que em 53 não havia nem Transamazônica. Para o professor, a ação humana (antrópica) é ínfima perto da influência dos ciclos solares no clima global. Esse assunto ainda gera mais discussão entre os especialistas, mas o fato mostra que a estiagem em São Paulo não é sem precedentes e que era previsível.

“Como São Paulo fica à mercê de chuva como as sociedades primitivas?”, questiona Luis Antônio Venturi. O professor ainda nota que o governo de São Paulo pode ficar em uma situação desconfortável em breve.

Morador da cidade de Itu, no interior de São Paulo, toma banho de chuva depois de meses de estiagem e racionamento de água. Foto: Itu Vai Parar

Quando começar a chover, o problema da água não será resolvido, dada a situação dramática do Cantareira. Haverá alagamentos, como já houve há algumas semanas. O governo certamente colocará a culpa das inundações na chuva, não no assoreamento ou impermeabilização do solo.

Surgirá, então, a incômoda questão: Como é possível faltar água pela escassez de chuvas e ao mesmo tempo haver enchente pelo excesso de chuvas?

São Pedro merece ser poupado dessa. Ele não está no mercado de ações.

Kelman: ‘A solução para a crise hídrica no país passa pela iniciativa privada’ (Brasil Econômico)

17/11/2014 | 08:40 – Atualizado em: 17/11/2014 | 08:43

Responsável pela implementação da Agência Nacional de Águas (ANA), o engenheiro Jerson Kelman, hoje na UFRJ, defende as Parcerias Público-Privadas para ampliar a segurança hídrica no país

Nicola Pamplona e Octávio Costa

Com passagens pelo comando da Agência Nacional de Águas (ANA) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o engenheiro Jerson Kelman defende o modelo de Parcerias Público-Privadas para ampliar a segurança hídrica no país. Segundo ele, investimentos em saneamento e novas fontes de captação de água serão mais eficientes se forem contratados como prestação de serviços, e não como obras públicas. “Esse conceito de contratação pelo resultado, e não pela obra, é um salto qualitativo”, afirma. Para Kelman, que também passou pela presidência da Light, o poder público está amarrado pelo “excessivo” sistema de controle, pelo lobby das empreiteiras e por circunstâncias políticas, responsáveis pela falta de transparência sobre a dimensão das crises de água e de energia no período pré-eleitoral.

“Faltou, em São Paulo, dizer claramente à população que a situação era grave. Mas isso vale também para o governo federal na energia”, comenta o especialista (hoje de volta à Coppe/UFRJ), que não acredita, porém, em um cenário de desabastecimento. “A minha visão é de que, mesmo a longuíssimo prazo, tem água para todos. Mas a questão é tratada com um componente emocional muito forte”, afirma, defendendo a posição de São Paulo na briga pela captação de água do Rio Paraíba do Sul. Responsável pelo relatório que identificou as causas do racionamento de 2001, que levou seu nome, Kelman diz que o diagnóstico da crise energética atual é o mesmo da época: falta de garantias físicas das hidrelétricas.

O que nos trouxe a esse cenário de crise hídrica?

A hidrologia este ano, de fato, ali na região do Piracicaba, que abastece o Sistema Cantareira, não é só a pior da história, é disparada a pior da história. Nenhum hidrólogo poderia imaginar que isso pudesse acontecer. Se a afluência média no verão é 100, o pior ano histórico até então era metade disso. E este ano é metade da metade. É metade do pior. No São Francisco é também a pior do histórico. Não é uma seca trivial, é barra pesada.

É uma situação que costumava acontecer apenas no Nordeste…

São Paulo, em condições normais, já tem baixa disponibilidade de recursos hídricos, porque fica na cabeceira dos rios. Se dividir a disponibilidade hídrica pela população, o Nordeste terá uma taxa maior, porque a população de São Paulo é brutal, 20 milhões de habitantes. Por isso, São Paulo já depende, há muito tempo, de água das bacias vizinhas. E este ano teve uma seca tão intensa, que toda a análise hidrológica anterior terá que ser refeita, ninguém imaginava a possibilidade de ter tão pouca chuva. Quer dizer, São Paulo sempre esteve mais inseguro do que imaginávamos, porque nós não sabíamos que poderia acontecer um ano tão seco.

E como ampliar a segurança hídrica?

São Paulo já tinha feito um plano de macro metrópole, procurando fontes de abastecimento de água, porque não tem outra fonte local. E não tem também porque a água é muito poluída. Se o esgoto estivesse sendo coletado e tratado, os rios Pinheiros e Tietê seriam fontes de abastecimento. Então, antes mesmo da crise, ficou pronto um plano sobre onde buscar água para São Paulo. Mas aquilo era para ser visto a longo ou médio prazo, hoje é urgente, porque São Paulo não pode mais viver sem reforço. E aí há três possíveis locais. Uma possibilidade é tirar água do Alto Paraíba do Sul, mais especificamente da Represa de Jaguari. O problema é que se tirar dali, a água deixa de correr para cidades paulistas como São José dos Campos, Taubaté, e depois para as cidades fluminenses até Campos. E para complicar mais, em 1950, foi feita a transposição do Paraíba do Sul para o Guandu.

Mas o Rio quer impedir a retirada, alegando que pode faltar água aos cariocas…

Hoje, em uma situação crítica, a Cedae está retirando 110 metros cúbicos por segundo do Paraíba do Sul. Mas só usa 50. Abaixo do Guandu, tem umas indústrias, que tiram outros 10, mais ou menos. O Alckmin quer tirar cinco e diz que só vai afetar produção de energia. E ele tem razão. Somando a Cedae e as indústrias, mais uma projeção de crescimento, a demanda máxima no futuro seriam uns 80 metros cúbicos por segundo. Se está passando hoje 110, no mínimo sobram uns 30. O que falta dizer é que, vergonhosamente, o Rio Guandu recebe dejetos de pequenos rios que cortam a Baixada Fluminense. Então, os 110 metros cúbicos por segundo são usados para diluir a carga de poluição. Nos anos 80, fizemos um projetinho simples de desviar essa água poluída para depois da captação. A obra nunca foi feita.

Qual o investimento?

É de R$ 75 milhões. Não é nada. E até a Cedae economizaria. Mas ainda tem outro problema. Se reduzir a vazão do Guandu, lá perto de Sepetiba, o mar invade um pouco mais e tem uma intrusão salina no local de captação dessas indústrias. Esse é um problema de facílima solução, é só mudar a tomada de água das indústrias e trazer por uma tubulação. Resumindo, a ideia de captar água do Paraíba do Sul é perfeitamente exequível. Não há porque ter guerra d’água, desde que se faça o dever de casa no Guandu e no Paraíba do Sul. No fundo, é investimento em saneamento. Se tratar da qualidade da água, sobra quantidade.

Cinco metros cúbicos por segundo resolvem o problema de São Paulo?

Melhora muito, porque, com cinco metros cúbicos por segundo, São Paulo volta a ter a confiabilidade que imaginávamos ter. E pode tirar até mais. São Paulo vai crescer e não pode ficar fazendo obrinha. Mas, enquanto isso for visto como uma obra pública, vamos cair nessas armadilhas relacionadas à origem do dinheiro, e se o Estado do Rio deixa ou não deixa. Uma alternativa seria fazer desse problema uma oportunidade para uma PPP (Parceria Público-Privada). Em vez de obra pública, com dinheiro do PAC, imagine fazer uma licitação para colocar água no Cantareira, vencendo quem oferecer o menor preço por metro cúbico. Essa empresa privada teria que fazer todas as obras necessárias para viabilizar a captação, não só a adutora: resolveria o problema da poluição no Guandu e faria a nova captação de água para as indústrias. Seria uma solução em que ninguém perde. Quem oferecer o melhor preço, leva um contrato para vender água por 30 anos.

A legislação tem instrumentos para permitir isso?

Tem, é uma PPP. Esse modelo se ajusta a quase todas as obras do PAC. Algumas já são assim, como o Minha Casa Minha Vida, por exemplo. O governo paga pelo resultado, não fica pagando por ferro, tijolo. Quando eu estava na ANA, fiz um projeto piloto disso, para a construção de estações de tratamento de esgoto. É normal, no saneamento, ter dinheiro público, porque o beneficiário é o cidadão, e não o consumidor — é a comunidade. No mundo inteiro tem subsídio para saneamento. Ou faz uma obra pública, que é o que se fez aqui sempre, mas não funciona, porque toda a ênfase está na obra; ou se cria um modelo de PPP. O que se fez na ANA foi garantir o recebível. Quer dizer, não quero saber da tecnologia, qual o seu projeto. Quero saber quanto esgoto chega na estação e quanto é tratado. Se trata no padrão combinado, recebe o valor por metro cúbico. Então, o cara não tem risco. E tudo que ele tem que fazer é demonstrar que é capaz de coletar e tratar o esgoto. Esse conceito de pagamento pelo resultado, e não pela obra, é um salto qualitativo.

E as outras alternativas?

Uma é tirar água ao Sul, do Rio Juquiá, que tem várias usinas hidrelétricas. É uma obra cara, porque é longe, e o Juquiá está mais baixo que São Paulo, teria que subir uns 300 metros. Nessa alternativa também pode ser uma PPP, mas como o bombeamento é muito grande, o esquema devia ser um backup: continua tirando água do Sistema Cantareira e, em uma situação parecida com 2014, bombeia a água para lá. Nesse caso, teria que desligar as hidrelétricas, que são da CBA (Companhia Brasileira de Alumínio, do grupo Votorantim), e cuja concessão vence em 2016. Pode ser fazer uma nova licitação prevendo a parada das usinas nos anos críticos. E a terceira fonte é mais longínqua, é lá no Paranapanema, na divisa com o Paraná, na Represa Jurumirim, a 200 km da região metropolitana. Mas tem a vantagem de resolver uma série de problemas de abastecimento de cidades pelo caminho.

Qual a melhor alternativa?

Acho que o Paraíba do Sul, que custa uns R$ 500 milhões. Mas, pode ser que tirar da Votorantim seja melhor. O problema é que os projetistas sempre imaginaram obras públicas, com as restrições políticas que existem. Quer dizer, já foi uma ousadia imaginar tirar 5 m³ por segundo do Paraíba do Sul porque o Rio ia chiar. É um falso problema, que só existe porque não se resolveu o saneamento. Se resolver, o problema não existe. A minha visão é que, mesmo a longuíssimo prazo, tem água para todos. Mas a questão é tratada com um componente emocional muito forte.

São Paulo e Rio têm perdas enormes nas redes de água. Como resolver isso?

As duas empresas são estatais e a regulação e a fiscalização são muito mais tênues quando se trata de estatais. A Aneel, por exemplo, tem centenas de empresas para fiscalizar, o poder de fiscalização dela é bem maior. Em São Paulo, é uma agência para fiscalizar um monstro que é a Sabesp. E no Rio de Janeiro, a agência não tem nenhum peso, é para inglês ver. No médio prazo, precisamos fazer duas coisas diferentes. A primeira é investir em saneamento. Se compararmos os índices de saneamento básico brasileiro com países análogos, vemos que estamos atrasados. Enquanto 99,3% das casas têm energia elétrica, apenas 60% têm conexões e redes de tratamento de esgoto. E, em tratamento, é pior ainda. E temos que investir também em perdas. A Cedae trata 47 m³ por segundo, mas fatura muito menos do que isso. Deve faturar 60% disso. E essa diferença tem duas origens: uma é vazamento físico, outra são as perdas comerciais. É gato, água roubada, não medida… Tem que trabalhar nas duas frentes. Mas isso tudo são programas de décadas que não deveriam ser feitos com obras públicas, e sim no modelo PPP.

O fato de as empresas de saneamento serem estatais é um obstáculo?

Não. O problema é que o motor que move o saneamento é o lobby da construção civil; não é o lobby da operação do sistema. Quem está no Congresso fazendo emenda ao orçamento está preocupado em construir, em inaugurar obra. Aí, depois de dois anos, se a obra estiver funcionando ou não, não tem problema. Temos um sistema perverso, porque o lobby é para construção, para maximização do custo, para inauguração e para o não funcionamento. Quando ouço na campanha política o cara dizer “Gastei tanto, vou gastar tanto”, penso: e daí? Não interessa quanto gasta; interessa é quando ficará pronto, se funciona ou não. E o segredo disso é a PPP, botar a iniciativa privada na história.

No curto prazo, o Brasil corre risco de desabastecimento?

Nenhuma das obras sobre as quais falamos é para 2015. Olhando para trás, o governo fez a melhor política em relação à água? Claro que não. Porque era ano eleitoral. Não teve transparência, não teve a franqueza com a população que teve, por exemplo, o governo Fernando Henrique Cardoso em 2001. Lá, o governo disse que havia um problema grave. Fui coordenador de uma comissão em 2001 para explicar porque tinha havido o racionamento. Foi feito um relatório, que o setor elétrico chamou de relatório Kelman, que concluía que houve problema de governança. Eu fui entregar o relatório ao presidente e disse que, infelizmente, o governo não saía bem na fotografia. Mas o presidente determinou que comunicássemos à população que a situação era grave e que precisávamos adotar medidas. Uma coisa o governo de São Paulo fez: bônus para quem economizar. Mas não basta, quem usa mais água tem que levar uma pancada. Cerca de 50% da população de São Paulo diminuiu o consumo, cerca de um quarto ficou na mesma e um quarto aumentou. São os espertos. Esse pessoal tem comportamento antissocial e precisa ser penalizado. No racionamento em 2001, quem consumia mais do que a meta pagava uma multa. Em São Paulo, só teve a cenoura, não teve o tacape. Faltou também dizer claramente à população que a situação estava grave. Mas isso vale para o governo federal também na energia. Foi uma infelicidade que 2014 fosse um ano eleitoral, porque não se aplicou a mesma transparência, a mesma clareza de informações que tivemos em 2001. O Alckmin deve ter tido suas razões, porque em 2002 quem ganhou as eleições foi o Lula, e não o Serra. Esse deve ter sido o raciocínio dele. Mas sob o ponto de vista de governo, de interesse público, a atuação não foi a melhor, desperdiçou-se água e os reservatórios estão mais vazios do que deveriam.

Essa atitude ampliou o risco?

A população olha os últimos seis meses e, baseada na experiência de não ter chovido nada, entra em pânico achando que não vai chover nos próximos seis meses. É errado. As pessoas não se lembram que as chuvas são muito sazonais, elas caem no verão. Então, não tem dúvida de que vai chover no verão, e não tem dúvida de que os reservatórios vão se recuperar no verão. A dúvida é se vai chover o suficiente. Se chover a média, os reservatórios da Cantareira vão chegar em abril, no final da estação chuvosa, com 25%. O que está longe do estoque confortável, que é de 65%. Se chegarem a 65%, estamos com a vida ganha. Mas não vão chegar. O mais provável é que saiam do negativo, recuperem um pouquinho, mas de forma insuficiente para dar conforto em 2015. E tem, claro, um cenário péssimo, que não encha nada, e aí é uma tragédia, pode ter caos em São Paulo. Mas é pouco provável. Os dois extremos são improváveis. Então, 2015 será parecido com 2014. Não é o caos, mas as pessoas vão sofrer, como hoje.

Não seria melhor fazer um racionamento compulsório?

Em energia elétrica é possível fazer, já foi feito no Rio nos anos 50, porque pode programar e ter baterias nos hospitais, pode de alguma forma se organizar. Em água, é um pouco mais complicado. Porque as tubulações estão sempre sob pressão e vazando água para o terreno. Quando esvazia o tubo, o terreno está encharcado de água poluída que passa a entrar pelos buracos da tubulação. Então, tem um risco de saúde pública. Têm razão aqueles que dizem para ter cuidado com racionamento. Então o prognóstico para 2015 é preocupante. A obra que está aí na pauta, de uso de água do Paraíba do Sul, já deveria estar sendo feita em regime emergencial, o mais rápido possível. Mas o Brasil caiu em uma armadilha de excesso de controle. A cada novo escândalo, a tendência da população é clamar por mais controle. No setor público, o mecanismo de controle de corrupção, de mau gasto, não tem a medida de eficiência, de qual é o custo do controle versus o custo de eficiência. A não ser na Receita Federal, que é um exemplo positivo. Então, o que tem acontecido é cada vez mais controle, mais burocracia. Na tentativa de inibir o comportamento deletério dos desonestos ou incompetentes, cria-se um monte de regras que restringe a capacidade de operar do honesto e do capaz. Na realidade, todo o incentivo para a administração pública é para não fazer nada. Se não fizer nada, não corre o risco.

A crise energética é grave?

Não falta energia. O que acontece é que a energia está muito cara. Eu fiz uma conta grosseira: de acordo com o TCU, consumidores e contribuintes pagaram extraordinariamente, ou seja, a mais do que seria normal, R$ 60 bilhões nos últimos anos, por conta da hidrologia desfavorável. Para onde foi esse dinheiro externo ao setor elétrico brasileiro? Pagar combustível, porque nós tivemos que ligar as térmicas. Quanto se pagou? R$ 50 bilhões. Então, R$ 10 bilhões foi dinheiro que mudou de bolso dentro do setor elétrico. Geradora que estava com excesso de energia e ganhou bastante dinheiro, por exemplo. De fato, isso não é muito salutar. Em dois anos, um volume tão grande de dinheiro mudar de mãos é porque alguma coisa entre as regras está mal. Mas o fundamental é que R$ 50 bilhões de gasto com térmicas é demais.

Qual o diagnóstico?

A PSR (consultoria especializada), desde 2010, descobriu o que ela chama de fator de ficção. 2013 não foi um ano de hidrologia muito ruim. Pelo contrário, essa energia afluente no sistema, que neste ano está em 80%, foi de 98% em 2013. Foi um ano na média. No entanto, os reservatórios chegaram ao final do ano vazios. Em 2013, foram ligadas todas as térmicas, foi um ano de hidrologia normal e os reservatórios chegaram vazios. A que atribuir isso? A primeira coisa é atraso. O setor conta com a entrada de um monte de usinas e esse cronograma, sistematicamente, atrasa. E muito mais do que atribuir ao Ibama, à Funai, é atribuir às sentenças judiciais tomadas sem que o juiz tenha uma percepção das consequências — na economia, em nossa competitividade, no nível de emprego, no preço da energia.

Como resolver esse problema?

Com planejamento. No Brasil, estamos aprovando, ou desaprovando, empreendimentos individualmente. A análise dos empreendimentos é assim: “Devo construir a usina X, seja hidrelétrica termelétrica ou solar?”. Faz-se uma audiência pública. Quem vai à audiência são os que serão prejudicados localmente, um legítimo direito, e alguns que têm ideologia contrária. Agora, os beneficiários de uma resposta positiva somos todos nós espalhados pelo Brasil inteiro, que não vamos à audiência pública, nem sabemos que existe isso. Hoje, sou favorável a uma discussão política sobre a matriz elétrica que precisamos. O planejamento do país tem que sair de uma esfera puramente tecnocrata para uma esfera política, em que se faça um pacto sobre qual matriz precisamos. Isso foi feito, por exemplo, no trabalho Plataformas dos Cenários Energéticos, realizado por uma ONG, que chamou o Greenpeace, a Coppe, o pessoal de carvão e o ITA. O Greenpeace disse que queria tudo solar. É possível? É. Agora, vai precisar de bateria, porque de noite não tem sol. A energia vai custar tanto, e aí o Brasil não fica competitivo. É isso mesmo? Quem quer o Brasil competitivo ou não gosta de bateria vai se opor. Ou seja, muda de patamar a discussão, em vez de ser “não, não, não”.

Como se daria essa discussão no âmbito político?

Poderia ser no âmbito do Conselho Nacional de Política Energética. Uma discussão da matriz elétrica que passasse a ser mandatória para os órgãos. Em vez de Ibama, ICMBio, Funai examinarem item a item, você reúne o presidente desses órgãos com o ministro de Minas e Energia para chegar a um acordo sobre uma lista de empreendimentos que atenda às necessidades do país. Não será uma lista ótima do ponto de vista ambiental, econômico, energético ou social, mas será uma lista possível. Hoje, temos uma Torre de Babel.

Que nos trouxe a essa situação…

Além dos atrasos nas obras, há uma questão técnica. As decisões tomadas no setor elétrico seguem modelos matemáticos e de otimização muito sofisticados. Mas como qualquer modelo, os dados de entrada têm de estar corretos. Percebeu-se que temos garantia física de usinas que não condiz à realidade. A PSR percebeu uma divergência entre o mundo real e o que o modelo está vendo. No real, está se usando mais água para se produzir energia do que o modelo imaginava. E aí tem uma série de hipóteses que ninguém sabe ao certo o que é. A primeira é uma mudança do regime hidrológico. Outra hipótese é que a relação entre a quantidade de água que passa na turbina e a quantidade de energia produzida esteja errada. Além disso, os reservatórios são como se fossem bacias e, depois de 30 anos que aquilo foi alagado, já mudou completamente a topografia, com o acúmulo de sedimentos no fundo.

Temos um estoque de energia menor do que imaginamos?

Isso. É tão importante conhecer a real capacidade que eu até prefiro que se faça uma anistia: “Olha meus amigos, me contem a verdade, e eu não vou lhes punir”. Uma espécie de delação premiada. Permitiria fazer uma energia de reserva maior.

E as perspectivas para 2015?

Acho que a energia vai continuar cara. Vai ter um grande salto de custo de energia e o cenário mais provável é que continue acumulando isso, porque as térmicas continuarão ligadas.

Pode vir uma chuva e resolver?

Sim, eventualmente, pode chover. Mas eu prefiro esperar, porque é precoce falar de tragédia em novembro, início da estação chuvosa, seja em água, seja em energia. Mas, imaginando um verão que não chova nada, o que não é comum, nós vamos ter racionamento de energia e água em 2015. Porque vamos chegar a abril com estoque perto de zero.

No relatório Kelman, de 2001, o diagnóstico foi de governança…

(Interrompendo) Não, o problema principal é que havia energia garantida falsa na praça.

Ou seja, se houvesse um relatório Kelman agora, o diagnóstico seria o mesmo…

(Risos) É verdade, o problema é parecido.

Mundo deverá quadruplicar energias renováveis até 2050 para conter mudanças climáticas (O Globo)

PUBLICADO 04 NOVEMBRO 2014.

9620

Novo relatório do IPCC afirma também que combustíveis fósseis precisarão ser ‘extintos’ até 2100. Combustíveis fósseis deveriam ser ‘extintos’ até 2100, segundo o IPCC

Copenhague – No capítulo final de uma pesquisa iniciada 13 meses atrás, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) desfilou uma saraivada de números que refletem o caótico aquecimento global. Segundo o estudo, divulgado ontem em Copenhague, a temperatura média na superfície da Terra aumentou 0,85 grau Celsius entre 1880 e 2012. A concentração de gases-estufa na atmosfera é a maior dos últimos 800 mil anos. As ondas de calor vão se tornar cada vez mais intensas e comuns, especialmente no Hemisfério Norte.

Se o mundo quiser evitar que as mudanças climáticas se tornem irreversíveis, o uso de combustíveis fósseis — o principal motor da economia mundial — deve ser zerado em 2100. Para isso, os países precisam quadruplicar o uso de energias renováveis até 2050. Ignorar este ultimato provocará danos “graves, generalizados e irreversíveis”.

Atualmente, os governos gastam cerca de US$ 600 bilhões por ano no subsídio ao consumo de carvão. Ao mesmo tempo, menos de US$ 400 bilhões são investidos por ano no mundo em políticas de redução de emissões ou em outra forma de enfrentar as mudanças climáticas. Segundo o “New York Times”, esta quantia é menor do que a receita de apenas uma petrolífera americana.

De acordo com o presidente do IPCC, Rajendra Pachauri, os projetos de mitigação contra as mudanças climáticas custariam cerca de 0,06% do PIB mundial por ano até o fim do século. Estima-se que, no mesmo período, a economia internacional crescerá 300%.

— O custo da inércia será horrivelmente maior — assegura Rachauri. — Temos pouco tempo pela frente antes que passe a janela de oportunidade para o aumento de temperatura permanecer abaixo de 2 graus Celsius. Manter o atual modelo de crescimento não é uma opção para nós.

GOLPE NA ECONOMIA

Copresidente de um dos três grupos de trabalho do IPCC, Youba Sokona ressalta que há, no mínimo, 66% de chances de a temperatura global aumentar mais de 2 graus Celsius até 2100, caso a queima de combustíveis fósseis continue no ritmo atual.

— A transição para uma economia com baixo teor de carbono é tecnicamente viável — destaca. — Mas faltam políticas e instituições apropriadas. Quanto mais esperarmos para agir, maior será o custo para mitigação e adaptação.

A liberação de gases-estufa segue em escalada nas últimas décadas. Cerca de metade das emissões de CO2 da era industrial ocorreu nos últimos 40 anos. Com isso, o cenário mais provável é que a temperatura média global ultrapasse os 4 graus Celsius até 2100. Atingir esta marca significa “dificultar a redução da pobreza (…) e corroer a segurança alimentar”, diz o estudo.

Entre 1901 e 2010, o nível do mar aumentou 0,19 centímetro — um valor maior do que nos 2 mil anos anteriores. Se os termômetros continuarem crescendo, em 2050 o gelo do Oceano Ártico terá praticamente desaparecido nos meses de setembro. Até o fim do século, o nível do mar pode aumentar 82 centímetros. Há previsões de grandes enchentes e desaparecimento de países insulares e cidades costeiras.

A mudança do regime de chuvas, a absorção de gases-estufa pelo oceano e o derretimento de geleiras vão afetar a disponibilidade de alimentos para as espécies marinhas. Sua migração também prejudicará a indústria pesqueira.

O calor também afetará o rendimento de safras de trigo, arroz, milho e soja. Estes recursos são a base da economia de países em desenvolvimento. Suas populações, as mais atingidas por eventos extremos, devem migrar para outras regiões. A chegada dos refugiados climáticos aumentará a desigualdade social e a possibilidade de conflitos violentos.

Esta descrição foi atenuada na redação final do relatório. O documento original, editado durante a semana, afirmava que a migração em massa de populações provocaria conflitos violentos “na forma de guerra civil”.

Segundo o Banco Mundial, a comunidade internacional precisará investir entre US$ 1 trilhão e US$ 1,5 trilhão por ano para ajustar sua infraestrutura ao perigo representado pelas mudanças climáticas.

— O impacto das mudanças climáticas será muito diferente em cada país. Por isso é tão difícil estimá-lo — admite a economista Stéphane Hallegatte, coautora do relatório do IPCC. — Eles precisam de dinheiro para desenvolver a tecnologia ecológica, defesa costeira, planos de mitigação e adaptação e gestão de risco de desastres.

Pachauri lembra que as nações mais vulneráveis contribuem pouco para as emissões de gases-estufa. Por isso, atacar o problema torna-se responsabilidade de todos os governos:

— Enfrentar o aquecimento global não será possível se cada agente pensar apenas em seu plano. Precisamos de cooperação entre os países para alcançar nossos objetivos.

FALTA DE ACORDO GLOBAL

O relatório do IPCC, que está em sua quinta edição, deve servir como base para as discussões da Conferência do Clima de Lima, em dezembro deste ano. As esperanças, porém, estão concentradas na edição do ano que vem do encontro, em Paris. Espera-se que este fórum resulte em um acordo global contra as mudanças climáticas. Havia a mesma expectativa em Copenhague, em 2009, quando o debate foi pautado pelo quarto documento do IPCC.

— Tivemos uma conversa extensa há cinco anos, mas, olhando para trás, talvez os líderes mundiais não estivessem tão preparados para discutir o clima — admite o secretário-geral da ONU, Ban ki-Moon. — Eles precisam agir. O tempo não está ao nosso lado.

Não é tão simples assim. O combate às mudanças climáticas é marcado por desentendimentos. Países em desenvolvimento se recusam a aceitar metas para reduzir emissões de CO2 — exigência imposta pelas nações desenvolvidas.

Em setembro, Ban ki-Moon organizou uma Cúpula do Clima na ONU, em uma tentativa de antecipar as discussões previstas para os fóruns ambientais. No encontro foi apresentada a Declaração de Nova York, um documento que propunha a redução pela metade do corte de florestas até 2020 e zerá-lo na década seguinte. Com esta medida, entre 4,5 bilhões e 8,8 bilhões de toneladas de CO2 deixariam de ser liberadas para a atmosfera — o equivalente à remoção de um bilhão de carros das ruas até 2030. Brasil, Índia e China, que estão entre os maiores desmatadores do mundo, recusaram-se a assinar o acordo.

A China, maior poluidora do planeta, comprometeu-se apenas a divulgar quando atingirá o pico de suas emissões — o que deve ocorrer antes de 2030. Os EUA limitam-se a cobrar projetos da potência asiática. A União Europeia e o Brasil estabeleceram metas voluntárias — ou seja, sem valor legal. A Índia, que será a nação mais populosa do mundo daqui a menos de 20 anos, luta para ser definida como país em desenvolvimento, um sinal de que não pretende assumir objetivos.

DISCUSSÕES MADRUGADA ADENTRO

Pachauri, porém, acredita que o novo relatório pode virar o jogo. De acordo com ele, o documento apresentado ontem é “o mais forte e robusto” já produzido pelo IPCC. Para especialistas, o maior objetivo foi cumprido: enfatizar como a ação humana interfere na temperatura do planeta, tese muito contestada poucos anos atrás.

Vice-presidente do IPCC, Suzana Kahn avalia que o relatório final foi mais “claro e objetivo” do que os documentos escritos nos últimos meses pelos grupos de trabalho. Suzana, porém, acredita que os números do IPCC não mudarão facilmente o posicionamento dos governos nas negociações internacionais.

— Os países permanecem com suas posições históricas já consolidadas — afirma Suzana, uma das responsáveis por resumir o relatório original, que tinha 175 páginas, no divulgado ontem, com 40 páginas. — Para fazer isso, foi uma dificuldade. Imagine, então, na negociação propriamente dita. Tanto que, em vez de encerrarmos as discussões na sexta-feira, às 18h, elas só foram fechadas no sábado, às 16h, e precisamos debater todas as madrugadas. Ou seja, tudo foi marcado por pouca disposição de cooperação.

Os climatologistas ressaltam que, mesmo se todas as medidas de mitigação e adaptação forem tomadas, os estragos provocados pelo homem no clima serão visíveis no próximo século, já que as alterações feitas em biomas, geleiras e o acúmulo de carbono nos oceanos não serão remediadas imediatamente. O meio ambiente tem seu próprio tempo. E, para assegurá-lo, o ser humano corre contra o relógio.

Fonte: GVces / O Globo.

A bolha global de carbono (Eco21)

06/11/2014 – 12h25

por Ricardo Abramovay*

carbono1 A bolha global de carbonoOs combustíveis fósseis são fortes candidatos a ocupar o epicentro de uma nova crise financeira global. A avaliação do jornalista Ambrose Evans-Pritchard está baseada em uma série de entrevistas com influentes protagonistas do setor de energia e em dois relatórios recentes sobre os impactos das negociações climáticas sobre estes mercados. Tendo em vista que, do trilhão de reais que, segundo o BNDES, devem ser investidos em infraestrutura no Brasil até 2017, quase metade vai para o setor de óleo e gás, o tema é de interesse estratégico para o País.

O primeiro relatório é o da Carbon Track Initiative, um grupo de trabalho dirigido pelo empresário, pesquisador e ativista Jeremy Leggett e que ganhou imenso prestígio internacional mostrando a existência de uma bolha de carbono (carbon bubble) no mercado global de energia. A expressão tem um duplo sentido, físico e financeiro. A bolha física está relacionada, evidentemente, à mudança climática. Para cumprir o objetivo de limitar a elevação da temperatura global média a, no máximo, 2°C, até o final do Século 21, a quantidade de fósseis a ser queimada pelo sistema econômico não pode ultrapassar o que corresponde à emissão de algo entre 900 e 1.000 gigatoneladas de Gases de Efeito Estufa entre 2010 e 2050. Ocorre que o patrimônio fóssil em mãos das empresas (em petróleo, carvão e gás) é quase três vezes superior a esse limite.

É nesse sentido que há uma bolha de carbono: este patrimônio só se converterá em riqueza se destruir o sistema climático. Em tese, seria possível capturar e armazenar o carbono lançado na atmosfera: mas, até hoje, os custos dessas operações são exorbitantes e não há indicações de que estejam prestes a se tornar economicamente viáveis. Portanto, não há terceiro caminho: ou se deixa sob o solo dois terços das reservas fósseis em poder dos gigantes da energia ou a elevação da temperatura global média chegará a um patamar em que consequências como a seca atual na Califórnia e os furacões Katrina e Sandy são apenas pálidas expressões.

É aí que ganha importância a dimensão financeira da bolha de carbono: apesar das evidências crescentes reunidas pelos cientistas e do acordo internacional (aprovado em 2010, em Cancún, México) de manter a elevação da temperatura aquém de 2°C, grandes empresas e seus financiadores continuam enxergando nos fósseis uma extraordinária fonte potencial de ganhos.

A Agência Internacional de Energia mostra que, globalmente, os investimentos em combustíveis fósseis dobraram entre 2000 e 2008, quando se estabilizaram em um patamar de US$ 950 bilhões por ano. Isso representa, segundo recente relatório da organização Ceres, 3,3 vezes mais do que os investimentos em renováveis realizados em 2012. Nos últimos seis anos, os gastos globais na busca de fósseis foram de US$ 5,4 trilhões. Praticamente todo esse investimento é feito em fontes não convencionais: areias betuminosas (sobretudo no Canadá), exploração no Ártico, gás de xisto e busca em águas profundas no Brasil e no Golfo do México. Essas fontes não convencionais exigem um esforço (e, portanto, têm um custo) muito maior que as convencionais. Elas só se viabilizam se o preço global do petróleo superar um patamar em torno de US$ 75 o barril.

Mas, se houver um acordo internacional para impedir a ruptura do sistema climático, a consequência será a queda na demanda e, portanto, nos preços dos fósseis. O crescimento exponencial das energias renováveis (a China dobrou sua geração solar nos primeiros seis meses de 2014, relativamente ao mesmo período do ano anterior) também deve resultar em menor demanda por fósseis. Portanto, o risco financeiro em torno dessa corrida à produção de fósseis é imenso.

O segundo relatório citado por Ambrose Evans-Pritchard e no qual se apoia a hipótese de crise financeira global, vem da consultoria Kepler Cheuvreux. Ele calcula as perdas financeiras dos gigantes da energia, caso um acordo para preservar o sistema climático seja alcançado. Nos próximos 20 anos, o prejuízo seria de US$ 28 trilhões, dos quais US$ 19,3 trilhões no setor de petróleo.

Os segmentos mais suscetíveis são justamente os não convencionais: Ártico, areias betuminosas e águas profundas. De que maneira esses números se relacionam com nosso pré-sal é um tema cuja discussão não pode ficar apenas entre especialistas.

* Ricardo Abramovay é professor Titular do Departamento de Economia da FEA/USP.

** Publicado originalmente no site Eco21.

(Eco21)

The IPCC is stern on climate change – but it still underestimates the situation (The Guardian)

UN body’s warning on carbon emissions is hard to ignore, but breaking the power of the fossil fuel industry won’t be easy

The Guardian, Sunday 2 November 2014 10.59 GMT

Bangkok's skyline blanketed in a hazeBangkok’s skyline blanketed in a haze. The IPCC report says climate change has increased the risk of severe heatwaves and other extreme weather. Photograph: Adrees Latif/Reuters

At this point, the scientists who run the Intergovernmental Panel on Climate Change must feel like it’s time to trade their satellites, their carefully calibrated thermometers and spectrometers, their finely tuned computer models – all of them for a thesaurus. Surely, somewhere, there must be words that will prompt the world’s leaders to act.

This week, with the release of their new synthesis report, they are trying the words “severe, widespread, and irreversible” to describe the effects of climate change – which for scientists, conservative by nature, falls just short of announcing that climate change will produce a zombie apocalypse plus random beheadings plus Ebola. It’s hard to imagine how they will up the language in time for the next big global confab in Paris.

But even with all that, this new document – actually a synthesis of three big working group reports released over the last year – almost certainly underestimates the actual severity of the situation. As the Washington Post pointed out this week, past reports have always tried to err on the side of understatement; it’s a particular problem with sea level rise, since the current IPCC document does not even include the finding in May that the great Antarctic ice sheets have begun to melt. (The studies were published after the IPCC’s cutoff date.)

But when you get right down to it, who cares? The scientists have done their job; no sentient person, including Republican Senate candidates, can any longer believe in their heart of hearts that there’s not a problem here. The scientific method has triumphed: over a quarter of a century, researchers have reached astonishing consensus on a basic problem in chemistry and physics.

And the engineers have done just as well. The price of a solar panel has dropped by more than 90% over the last 25 years, and continues to plummet. In the few places they have actually been deployed at scale, the results are astonishing: there were days this summer when Germany generated 75% of its power from the wind and the sun.

That, of course, is not because Germany is so richly endowed with sunlight (it’s a rare person who books a North Sea beach holiday). It’s because the Germans have produced a remarkable quantity of political will, and put it to good use.

As opposed to the rest of the world, where the fossil fuel industry has produced an enormous amount of fear in the political class, and kept things from changing. Their vast piles of money have so far weighed more in the political balance than the vast piles of data accumulated by the scientists. In fact, the IPCC can calculate the size of the gap with great exactness. To get on the right track, they estimate, the world would have to cut fossil fuel investments annually between now and 2029, and use the money instead to push the pace of renewables.

That is a hard task, but not an impossible one. Indeed, the people’s movement symbolised by September’s mammoth climate march in New York, has begun to make an impact in dollars and cents. A new report this week shows that by delaying the Keystone pipeline in North America protesters have prevented at least $17bn (£10.6bn) in new investments in the tar sands of Canada – investments that would have produced carbon equivalent to 735 coal-fired power plants. That’s pretty good work.

Our political leaders could do much more, of course. If they put a serious price on carbon, we would move quickly out of the fossil fuel age and into the renewable future. But that won’t happen until we break the power of the fossil fuel industry. That’s why it’s very good news that divestment campaigners have been winning victories on one continent after another, as universities from Stanford to Sydney to Glasgow start selling their fossil fuel stocks in protest – hey, even the Rockefeller Brothers fund, heir to the greatest oil fortune ever, have joined in the fight.

Breaking the power of the fossil fuel industry won’t be easy, especially since it has to happen fast. It has to happen, in fact, before the carbon we’ve unleashed into the atmosphere breaks the planet. I’m not certain we’ll win this fight – but, thanks to the IPCC, no one will ever be able to say they weren’t warned.

Projeto da biodiversidade vai à comissão geral com polêmicas em aberto (Agência Câmara)

JC 5061, 7 de novembro de 2014

Agronegócio não aceita fiscalização pelo Ibama. Agricultura familiar quer receber pelo cultivo de sementes crioulas. Cientistas criticam regras sobre royalties

A comissão geral que vai discutir na próxima terça-feira as novas regras para exploração do patrimônio genético da biodiversidade brasileira (PL 7735/14) terá o desafio de buscar uma solução para vários impasses que ainda persistem na negociação do texto. Deputados ambientalistas, ligados ao agronegócio e à pesquisa científica continuarão em rodadas de negociação até a terça-feira na busca do projeto mais consensual.

Parte das polêmicas são demandas dos deputados ligados ao agronegócio, que conseguiram incluir as pesquisas da agropecuária no texto substitutivo. A proposta enviada pelo governo excluía a agricultura, que continuaria sendo regulamentada pela Medida Provisória 2.186-16/01. Agora, o texto em discussão já inclui a pesquisa com produção de sementes e melhoramento de raças e revoga de vez a MP de 2001.

O governo já realizou várias reuniões entre parlamentares e técnicos do governo. Até o momento, foram apresentadas três versões diferentes de relatórios.

Fiscalização
O deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), que está à frente das negociações, defende que o Ministério da Agricultura seja o responsável pela fiscalização das pesquisas para produção de novas sementes e novas raças. Já o governo quer repassar essa atribuição ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Esse item deverá ser decidido no voto.

“Não vamos permitir que o Ibama, que tem um distanciamento longo da cadeia produtiva, seja o responsável pela fiscalização das pesquisas com agricultura, pecuária e florestas. Terá de ser o Ministério da Agricultura”, afirmou o deputado.

Royalties
O agronegócio também conseguiu incluir no texto tratamento diferenciado para pesquisas com sementes e raças. O pagamento de repartição de benefícios – uma espécie de cobrança deroyalties – só será aplicado para espécies nativas brasileiras. Ficam de fora da cobrança pesquisa com espécies de outros países que são o foco do agronegócio: soja, cana-de açúcar, café.

E quando houver cobrança de royalties, isso incidirá apenas sobre o material reprodutivo – sementes, talos, animais reprodutores ou sêmen – excluindo a cobrança sobre o produto final. “Não pode ter cobrança na origem, que é a semente, e depois outra cobrança no produto final. Se vai ter no produto final, não pode ter na pesquisa”, disse Alceu.

A limitação do pagamento de royalties na agricultura desagradou integrantes da agricultura familiar, que cobram acesso e remuneração pelo cultivo de sementes crioulas, aquelas em que não há alteração genética.

Conselho paritário
Outra demanda do agronegócio é uma composição paritária do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (Cgen) entre representantes do governo federal, da indústria, da academia e da sociedade civil. A intenção é dar mais voz ao agronegócio nesse conselho, que hoje tem apenas representantes do Ministério da Agricultura e da Embrapa.

Cientistas
Já a comunidade científica, segundo a deputada Luciana Santos (PCdoB-PE), que também tem conduzido as negociações, critica o percentual baixo de royalties que será cobrado do fabricante de produto final oriundo de pesquisa com biodiversidade.

O texto prevê o pagamento de 1% da receita líquida anual com o produto, mas esse valor poderá ser reduzido até 0,1%. Também prevê isenção para microempresas, empresas de pequeno porte e microempreendedores individuais.

Os cientistas discordam, ainda, do fato de o projeto escolher apenas a última etapa da cadeia para a cobrança da repartição de benefícios. “Eles acham que é injusto e precisa ser considerado a repartição de benefícios de etapas do processo porque, às vezes, ao final não se comercializa apenas um produto acabado, mas um intermediário”, disse.

Ambientalistas
Os ambientalistas também não decidiram se apoiarão ou não o texto. A decisão será tomada na semana que vem, mas o líder do partido, deputado Sarney Filho (MA), saiu da reunião da última terça-feira (4) insatisfeito com o texto apresentado.

O líder do governo, deputado Henrique Fontana (PT-RS), disse que a intenção é chegar a um texto de consenso após a comissão geral e colocar o tema em votação na quarta-feira (12). Luciana Santos admitiu que, por mais que os deputados tentem chegar a um acordo, vários dispositivos só serão decididos no voto.

Íntegra da proposta:

(Agência Câmara) 

http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/POLITICA/477144-PROJETO-DA-BIODIVERSIDADE-VAI-A-COMISSAO-GERAL-COM-VARIAS-POLEMICAS-EM-ABERTO.html

Crash and burn: debating accelerationism (3:AM Magazine)

Alexander Galloway in conversation with Benjamin Noys.

Cover image of Malign Velocities, courtesy of Dean Kenning

Accelerationism emerged as the latest theoretical trend with the publication of Nick Srnicek and Alex Williams’ #Accelerate Manifesto for an Accelerationist Politics in 2013. The book was quickly translated into at least seventeen languages, including German, French, Portuguese, Russian, Turkish and Korean. In 2014 came the publication of #Accelerate: The Accelerationist Reader, edited by Robin Mackay and Arman Avanessian, and during this period a series of public events, seminars and discussions on accelerationism took place, including in Paris, New York, Berlin and London. This appropriately accelerated discussion has often taken place in relation to the art world, including a special issue of the journal e-flux, and has been characterized by heated polemic.

This interview brings together one of the leading critics of accelerationism, Benjamin Noys, who coined the concept as an object of criticism and has just published his critique Malign Velocities (Zero, 2014), with Alexander R. Galloway, an author and programmer working on media theory and contemporary French philosophy. In the discussion they explore the battles over the definition of accelerationism, the role of the negative, questions of abstraction, and the appeal and perils of fantasies of acceleration. The interview was conducted by email and in person between 23 October 2014 and 3 November 2014.

AG: You have a new book titled Malign Velocities: Accelerationism & Capitalism. This is an occasion to celebrate, in any event. And I wonder, even in the spirit of recapitulation, if you might simply define “accelerationism” for us and explain why you decided to return to this concept from your previous book, only now as an “enemy”?

BN: One of the difficult issues in discussing “accelerationism” is that so much of the debate has turned on what exactly that term means. I would say in light of the most recent articulations a simple one-line definition might be: “Accelerationism is the engagement and reworking of forces of abstraction and reason to punch through the limits of an inertial and stagnant capitalism.” Whereas previously much of what I called “accelerationism”, especially in the early 1970s work of Gilles Deleuze and Félix Guattari, Jean-François Lyotard, and Jean Baudrillard, involved a qualified playing with the “accelerated” forces of capitalist production, the current forms stress the need to find new forces that can act against a capitalism that no longer seems to deliver on the “promise” of acceleration. The key figure here is Nick Land, once an academic at the University of Warwick and now a journalist in China. Land’s work in the 1990s provided the most extreme statement of an endorsement of capitalism, or tendencies in capitalism, as mechanisms of acceleration and disintegration. In many ways contemporary accelerationism defines itself against Land, although he still exerts a certain fascination. His recent interest in neo-reactionary thoughtmakes this fascination problematic, to put it mildly.

In terms of my new book I should say I have always been highly skeptical about “accelerationist” strategies, of whatever variety. It was the fact that what I had coined as a term of criticism – although I later found the word occurs in Roger Zelazny’s 1967 novelLord of Light, which I had read – was now being celebrated that was one of the drivers for the new book. The return of interest in strategies of acceleration at a time of capitalist crisis is not surprising, especially when that crisis is taking a long-drawn out and often highly uneven form. In the face of calls for austerity, which almost always fall on the victims of the crisis, signaled in the popularity of the “Keep Calm and Carry On” meme in the UK, a counter-reaction is obvious. While I share the hostility to demands for sacrifice and austerity I think that accelerationist strategies too often feedback into a desire for a return to a, supposedly, productive capitalism. This is what I have called “capitalist Ostalgie.” If “Ostalgie” was nostalgia for the lived experience of “actually-existing socialism”, capitalist Ostalgie is a nostalgia for the images of capitalist dynamism, especially that of the new technologies during the 1990s.

AG: Today’s intellectual current seems to be forking in two distinct directions. The dominant fork is, as you suggest, a kind of technophilic, network affirmationism. But there is an alternative path evident in some of your writings, a path that leads through the negative. Curiously, that erstwhile paragon of progressive theory, Gilles Deleuze, appears now as something of a villain. I recall you use the term “Deleuzian Thatcherism” at a certain point. Can you describe your interest in the negative? Why are you calling for a return to the negative? And what might it offer for the future?

BN: I used “Deleuzian Thatcherism” in the ’90s to describe Nick Land’s work and what I saw as the convergence between his work and certain hyper-Thatcherite currents, which someone referred to at the time as “Thatcherism in its Maoist Phase”. I think, now, a more accurate but inelegant characterization would have been “Lyotardian Thatcherism”, as Land seems to take a lot more from Lyotard’s 1974 book Libidinal Economy, with its argument that there is only one libidinal economy and that this is capitalist. While it’s true that the work of Deleuze, and especially that of Deleuze and Guattari, has never been to my taste, when I wrote on him for my book The Persistence of the Negative I found more appreciation for his work. There is, if we like, a “negative Deleuze”. Also, I think the debate about accelerationism has sharpened positions and I’ve had interesting and supportive responses to my critique from those who are sympathetic both to Deleuze and to Guattari.

In terms of the negative my interest really emerged out of noticing how easily it was being dismissed and how much of contemporary thought defined itself as affirmative or positive, which is what I called, borrowing from Badiou, “Affirmationism”. Obviously we could include accelerationism, with its positive attitude to technology, reason and abstraction, within this broad category. At the same time, despite misunderstandings, this turn to the negative was not simply a matter of miserabilism or “negativity”, in the common use of the word, on my part. I’m not sure whether I qualify as a “happy person”, but my aim wasn’t to celebrate the virtues of depression. Instead, negativity interests me as a way to define a practice of contestation and rupture, and not least to disrupt all the calls to embrace the positive, to embrace “things as they are”, as William Godwin put it. So, a return to the negative is a return to rethinking the negative, not as a “pure” state, but as intertwined with affirmative moments and as a means of thinking change. It is actually the case that “affirmative” thinking is often accompanied by a celebration of hyperbolic and extreme negativity, by a stress on suffering and misery, but only as moment subordinate to a sudden transformation.

Accelerationism stakes a lot on its ability to imagine the future, especially with the acid test of accepting the future need for space travel (with moon gulags, in the joke, for dissidents). Within the provocation and technological utopianism I think there is something to the accelerationists’ stress on not imagining a future communist society as merely ameliorating capitalist barbarism with what Marx called a “barracks communism”. What concerns me, which is another reason I turn to negativity, is not the difficulty in imagining the future, but the difficulty imagining how we might get there. For this reason I have stressed negativity as a form of struggle that operates within a horizon of past struggles, which must be affirmed, in the attempt to decommodify the world, as well as to break with other forms of state power and other forms of oppression and violence.

AG: Along those lines, what is the connection, if any, between negation and nihilism, a philosophical tendency that has rebounded in recent years? I’m thinking of the “wider field” of speculative realism stretching from Ray Brassier to Eugene Thacker. We seem to be in the middle of a kind of Existentialist Revival.

BN: What’s interesting in the recent articulations of nihilism is that they tend to evacuate or even annihilate the subject, unlike classical existentialism. While I have some interest in nihilist thinking, dating back to readings of Re/Search as a teenager and then through my work on Bataille, I think this hyperbolic nihilism often ends up circling back to affirmation – in this case the affirmation of a universe which has no need of subjects. In my terms, thinking of negation, I would like to distinguish negativity from any hyperbolic negativity or nihilism, by stressing that negativity is a practice that engages with points of contradiction and violence. My view of negation is a deflationary one, trying to shift out of the desire to contemplate or even wallow in some collapse of all values, to consider the tensions of negation.

In terms of accelerationism nihilism carries different values. It was obviously crucial to Nick Land, who deployed a nihilism developed from Bataille and Schopenhauer to annihilate the ego. In this vision, we embrace what Nietzsche called “European nihilism”, embodied in the nihilist drive of capital to reduce everything to value, as the means to overcome humanism and to become fully disenchanted. Contemporary accelerationism sometimes tries to weaponize nihilism as almost a therapeutic device, while other currents stress the need to reinvent norms out of an “inhumanism” that can recreate and take the human beyond itself. I’m skeptical of the invocation of a “hard-edged” nihilism, which seems to me to abandon a lot of crucial questions by invoking a “levelling” of values that is, at best, highly uneven. It may even be, ironically, that a radical nihilism is consolatory – giving us a weird sense of security by reaffirming our pointlessness. In this there is a risk of the return of the subject as the one who is able to proclaim the nihilist “bad news” and so remain somehow superior or immune – a kind of cult of non-personality.

AG: One of the classic debates in leftist theory is that of orthodoxy. Lukács famously asked: What is orthodox Marxism? And his unorthodox answer ironically helped solidify a new kind of cultural Marxist orthodoxy in the decades since. Reza Negarestani has labeled this a form of “kitsch” Marxism, suggesting the need for a renewed critique of orthodoxy. How best can we square the necessarily dialectical movement of history with certain foundational categories like justice, democracy, or the people?

BN: I would almost certainly fail any test of Marxist orthodoxy, or even unorthodoxy. This is not because I regard myself as original or dissident, but due to my lack of thorough knowledge of Marx and Marxism and my own formation, which owes something to anarchism, a lot to the Situationists, and more than a little to my maternal grandfather’s straightforward socialism and his stories of his life as a union representative while working on the railways in London (I perhaps also owe something to my paternal grandfather’s ad hoc practice of the “refusal of work”). The result is that my “Marxism” is probably more suspicious of a belief in the productive forces than some of the classical forms and more geared to a suspicion of the category of labor.

In terms of Reza’s characterization there is a truth to the claim that certain forms of postwar Marxism tended to an extreme pessimism, as every undergraduate who does cultural studies usually learns. I have more sympathy for this trend – I think Adorno’s Minima Moralia is a brilliant book. But, of course, a characterization of capitalism as completely dominant, a characterization of all life and culture as completely determined by capital, leaves little to do (and I think very few actually said this). On the other hand, the accelerationists’ critique seems to me to bend the stick too far in the other direction, implying too much acceptance of contemporary technological and cultural forms that does not really consider how they are shaped by capitalism. Presenting capitalism as a parasite (I always think of Futurama’s brain slugs) implies that we simply shrug off the parasite to get back to a neutral technological or cultural possibility. I think capitalism shapes our context and existence in subtler ways than that, although it is always a contradictory social formation. While I would say there is no simple “outside” to capitalism, I don’t think this is a counsel of despair because I’d attend to the contradictions and struggle that always and everywhere exist within this social relation.

AG: Let’s talk in particular about abstraction. Abstraction has always presented something of a problem within critical theory. Yet today many on the left are taking up the question of abstraction again with renewed energy. How do you understand the role of abstraction today? Do you think of abstraction in philosophical terms or in, shall we say, strictly material terms?

BN: I think the crucial category here is Marx’s “real abstraction”, or more precisely Alfred Sohn-Rethel’s formalization of Marx’s comments to define this concept. The paradox of “Real Abstraction” is crucial, in that abstractions, notably “abstract labor”, are very real and very abstract at the same time. In this way abstraction is brutally material in the way, for example, it violently homogenizes all forms of labor into the category of abstract labor, which is geared to value production. Keston Sutherland (pdf here) has written very nicely on how Marx’s German word “Gallerte”, usually translated as “congealed”, refers to boiled down animal products (blood, bone, connective tissue, etc.). When our labor is congealed into abstract labor we become mere “ingredients” and, as Sutherland says, we are processed into abstract “stuff”. I think this usefully expresses how the usual oppositions of abstract and concrete or abstract and material don’t quite capture this process. The abstract is concrete or pseudo-concrete.

This is why, in what’s becoming a theme of this conversation, I think accelerationists are right, but for the wrong reasons. They are right to draw attention to abstraction as a crucial process, but they disengage it too rapidly from this horizon. This is why I think there is a tendency in their work to fetishize abstraction by choosing its most extreme forms to focus on, such as High-Frequency Trading. While this form of algorithmic trading expresses, almost too perfectly, a kind of terminal point of commodity fetishism, in which all we have are ghostly circulations of value, it too requires a brutal series of interventions into “material” forms (as Alberto Toscano has explained). I’d add that this attention to the extreme forms of abstraction also risks missing the more prevalent global forms of real abstraction that, as with abstract labor, dominate and pervade our experience.

It’s for this reason that I also suggest we need to traverse abstraction and can’t simply leap out of abstraction into some “good” alternative. The very search for such alternatives, such as the valorization of the concept of “life” as an excessive force, seems to me to create another abstraction. My problem with accelerationism is that it embraces and then abandons this ground of abstraction. Certainly it does not seek an outside point, a cozy “warm abstraction”, but in its embrace of “cold abstraction” as a global force it neglects these effects of “processing” and the material becomes disembodied in the fantasy of full integration with the abstract.

AG: From abstraction to culture: you also have a keen interest in art and culture. But culture is so unfashionable today! The Linguistic Turn, with its focus on culture and ideology, has been targeted by a number of new schools of thought, including speculative realism and new materialism. Hermeneutics and other interpretive methods, once so dominant, are suffering in the academy at the hands of “distant reading” and other positivistic approaches. What is your relationship to those once stalwart critical methods? I’m thinking of allegory in particular, which you also deploy.

BN: I think this is also a question about the abstract and the material. It seems to me that the general “turn” in the humanities to the material – and my day job is teaching literature – is part of a longer historicist turn that goes back to the 1980s. While everyone tends to think of the humanities as dominated by a “linguistic” post-structuralism (a false image, in fact), the reality I find is a common historicism that constantly invokes the density of “materiality”. This I call a “pop Burkeanism”, as it repeats Edmund Burke’s counter-revolutionary stress on the social as a “dense medium”, but now translated into the form of material artefacts – everything from book covers to letters, from publisher’s offices to architecture, to “material culture”.

This drift is not only politically problematic, but also the general invocation of the “material” often seems fatally abstract. It seems to me that the new materialisms and the various forms of “distant reading” share a paradoxical structure in which the attention to material specificity is coupled with the capacity to skim over or pick and choose between “objects” treated as equal. In what is perhaps a crass allegory I see this as symptomatic of the omission of the commodity-form, which is a form that at once equalizes all commodities as measurable by value and insists on their specific value within this frame. That’s why I have generally tried to explore the continuing possibilities of critique and question this turn to a “post-critical” way of thinking. Critique, I hope, can attend better to the constant processes of transformation of the material to the abstract and vice versa.

In terms of accelerationism I think culture is a central element, which can’t simply be wished away. I often say I think we should have all debates about accelerationism in terms of dance music, and this isn’t a (probably bad) joke. The role of dance music and electronic music in shaping accelerationism goes back to the work of Nick Land and the Cybernetic Culture Research Unit (CCRU) at Warwick, which drew heavily on jungle and drum and bass. These forms of post-rave dance music, which deployed sped-up breakbeats, were taken as aesthetic examples of the power of accelerationism. I was also an avid follower of this music, combined with my ongoing interest in Techno. I belong to the same generation as many of the original accelerationists and so we share, to some degree, a common cultural formation. The crucial role of music in the formation of accelerationism, along with a related visual culture, means that the “aesthetic” reception of accelerationism isn’t simply a category error. In my work, while I don’t deny the energy and acceleration of these forms I’m also interested in how they reflect on elements of friction, both to generate this sense of acceleration and in the way this friction incarnates attempts to transcend or leave behind the body and its labors. The body on the dance floor is both detached from labor, but also experiences a new form of labor, or the repetitions that at once mimic and take to an extreme the repetitions of work.

The logo of the “Metalheads” music label

To treat accelerationism aesthetically is often seen as dismissive, but I think it has to be placed in the context of various avant-garde attempts to instantiate what Badiou calls “the passion for the real”: this is the attempt to not only represent social forms, but to intervene or create something by cutting into those forms. The modernist impulses of accelerationism make it heir to this task. The problem I find, again!, is this misplacing of this problem and a collapsing of the difficulty of representation. This is why I also think the psychoanalytic category of fantasy is crucial, as a social or ideological fantasy, to grasping the accelerationist desire. In terms of accelerationism this is a fantasy we could have done with fantasy, which I think is the final fantasy.

Accelerationism turns on fantasies of integration and immersion, with capitalism, with the machinic, and with the abstract. While these fantasies register our experience of the pains of labor and the threats of unemployment, they also transform them into the dream of ecstatic enjoyment – jouissance. I think the task today is to resist this sort of pleasure, which also involves pain, in a kind of masochism, but not through the dismissal of enjoyment. Instead of a new asceticism I think the task is to articulate and politicize pleasures that resist and interrupt our immersion in contemporary capitalism. This requires neither the appeal to a “pure” outside nor the demand for complete immersion, but a practice that engages with the contradictions and violence we confront.

ABOUT THE INTERVIEWEE
Benjamin Noys teaches at the University of Chichester and his recent publications includeThe Persistence of the Negative: A Critique of Contemporary Theory (Edinburgh, 2010) and Malign Velocities: Accelerationism & Capitalism (Zero Books, 2014). He is currently writing a critique of vitalism in contemporary theory.

ABOUT THE INTERVIEWER
Alexander R. Galloway teaches at New York University. His latest book is Laruelle: Against the Digital (Minnesota, 2014).

First published in 3:AM Magazine: Tuesday, November 4th, 2014.

*   *   *

JC 5060, 6 de novembro de 2014

Acelerar inovação é urgente, afirma CNI (Valor Econômico)

Fórum sobre o tema reuniu 250 empresários, representantes do setor público e pesquisadores ontem em Porto Alegre

Acelerar o passo da inovação é uma necessidade urgente, caso contrário o Brasil ficará para trás no contexto internacional. O alerta é da diretora de Inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Gianna Sagazio, uma das palestrantes do Fórum Inovação Social, Eficiência e Produtividade Empresarial, realizado ontem pelo Valor na capital gaúcha.

Leia a matéria na íntegra em: http://www.valor.com.br/empresas/3768914/acelerar-inovacao-e-urgente-afirma-cni

(Dauro Veras / Valor Econômico)

Metade da riqueza mundial pertence a 1% da população, diz relatório (Portal do Meio Ambiente)

PUBLICADO 27 OUTUBRO 2014

9586

O 1% mais rico da população detém mais de 48% da riqueza mundial, que cresceu 8,3% de meados do ano passado a meados deste ano.

De acordo com relatório do Credit Suisse sobre o assunto, em 2014 o total da riqueza no mundo bateu um novo recorde, alcançando US$ 263 trilhões.

No documento, o banco diz que o valor já é o dobro do registrado em 2000, “apesar do ambiente econômico desafiador”, marcado pela crise econômica e pela lenta recuperação dos países.

A criação de recursos foi particularmente forte na América do Norte, com um crescimento de 11,4% entre meados de 2013 e meados de 2014, e na Europa, onde a alta foi de 10,6%. Nas duas regiões, o mercado de capitais foi o principal impulsionador.

Nos mercados emergentes, a Ásia –com destaque para a China– foi a principal responsável pelo aumento de riquezas, assim como no ano passado.

“No entanto, achamos que o crescimento das riquezas no mercados emergentes não foi capaz de manter o seu momento pré-crise, entre 2000 e 2008. Isso não deve nos distrair do fato de que a riqueza pessoal na Índia e na China cresceu pelo fator de 3,1 e 4,6 desde 2000.”

DESIGUALDADE

Segundo o relatório, uma pessoa precisa de US$ 3.650 para estar na metade mais rica do mundo. Para ser membro dos 10% mais ricos são necessários US$ 77 mil. Já para fazer parte do 1% mais rico é preciso ter US$ 798 mil.

O mínimo de recursos para pertencer ao 1% mais rico cresceu desde a crise de 2008. Naquele ano, eram necessários US$ 635 mil, contra US$ 798 mil hoje.
Por sua vez, a riqueza média global tem diminuído desde 2010.

“Esses achados indicam um aumento da desigualdade global nos anos recentes. No entanto, nossos resultados sugerem que a tendência inversa ocorreu no período que antecedeu à crise financeira.”

Coping with water scarcity: Effectiveness of water policies aimed at reducing consumption evaluated (Science Daily)

Date: October 23, 2014

Source: University of California, Riverside

Summary: Southern California water agencies have turned to new pricing structures, expanded rebate programs and implemented other means to encourage their customers to reduce consumption. Some of those policies have greatly reduced per capita consumption, while others have produced mixed results.


As California enters its fourth year of severe drought, Southern California water agencies have turned to new pricing structures, expanded rebate programs and implemented other means to encourage their customers to reduce consumption.

Some of those policies have greatly reduced per capita consumption, while others have produced mixed results, according to a report published in the UC Riverside School of Public Policy journal Policy Matters. The journal is published quarterly by the School of Public Policy, and provides timely research and guidance on issues that are of concern to policymakers at the local, state, and national levels.

Water policy experts Kurt Schwabe, Ken Baerenklau and Ariel Dinar reviewed some of their recent research that was presented at a UCR workshop on urban water management in June 2014. Schwabe and Baerenklau are associate professors and Dinar is professor of environmental economics and policy. The workshop highlighted efforts by Southern California water agencies to promote water conservation, relevant research findings by UC faculty, and challenges that remain to further reduce water demand.

“California is a water-scarce state and needs to have policy tools to deal with scarcity whether in drought years or otherwise,” Dinar said. Water policy research in the School of Public Policy focuses on strategies that agencies and California can take to help reduce vulnerability to drought.

Water utilities throughout California are working to satisfy a 2010 state mandate to reduce per capita urban water demand 20 percent by 2020. Reducing residential water demand is an appealing response to water scarcity as approaches such as building more storage and conveyance systems have become increasingly expensive, the authors wrote in “Coping with Water Scarcity: The Effectiveness of Allocation-Based Pricing and Conservation Rebate Programs in California’s Urban Sector.”

“Reducing residential water demand is also attractive given it is a local solution to relieving water stress with seemingly much recent success,” they wrote.

Efforts to reduce water demand by changing behavior fall into two categories: price and non-price, the researchers said. Price-based approaches focus on adjusting the price of water while non-price approaches include other demand-management strategies such as the use of water-conserving technologies and conversion of lawns to drought-tolerant landscape, often promoted with rebates, and mandatory restrictions.

“Price-based instruments for water management … have proven to be very effective when compared to non-price instruments,” the researchers found.

One such instrument is the “water budget,” which has been adopted by more than 25 Southern California water agencies in recent years. Water budgets typically are defined as an indoor allocation based on the number of people in the house and an outdoor allocation based on the amount of irrigable land, special needs, and local weather conditions, according to the report. The sum of the indoor and outdoor allocations is a household’s water budget. Staying within that budget is deemed efficient use. Water use that exceeds a household’s budget is considered inefficient, and is priced at a higher rate to encourage conservation.

“Recent empirical evidence within southern California suggests that this sort of pricing structure can be very effective for reducing residential water demand while securing the financial cash-flow of the water utility,” the researchers reported.

Non-price efforts to reduce water consumption have not been as effective, however. For example, the researchers refer to a study of 13 groundwater-dependent California cities in which modest water price increases were more effective and more cost-effective than promoting technology standards to curb water consumption.

Some studies have found that rebate programs, in particular, have shown smaller-than-expected water savings, the researchers said in the report. For example, studies show that low-flow showerheads tend to result in longer showers and frontloading washing machines result in more cycles.

“This does not mean that such measures should be abandoned, but rather suggests that achieving real water savings in a cost-effective manner requires more research and partnerships between agencies and the research community to find an optimal mix between these two approaches,” the researchers said.


Journal Reference:

  1. Kurt Schwabe, Ben Baerenklau, and Ariel Dinar. Coping With Water Scarcity: The Effectiveness of Allocation-Based Pricing and Conservation Rebate Program in California’s Urban Sector.. Policy Matters, Volume 6, Issue 1, 2014 [link]

What were they thinking? Study examines federal reserve prior to 2008 financial crisis (Science Daily)

Date: September 15, 2014

Source: Swarthmore College

Summary: A new study illustrates how the Federal Reserve was aware of potential problems in the financial markets prior to 2008, but did not take the threats seriously.


Six years after the start of the Great Recession, a new study from three Swarthmore College professors illustrates how the Federal Reserve was aware of potential problems in the financial markets, but did not take the threats seriously.

Published in the Review of International Political Economy, the study is the result of a collaboration between Swarthmore College economist Stephen Golub, political scientist Ayse Kaya, and sociologist Michael Reay.

The team looked at pre-crisis Federal Reserve documents to come to its conclusion, focusing particularly on the transcripts of meetings of the Federal Open Market Committee. The meeting transcripts indicate that policymakers and staff were aware of troubling developments but remained largely unconcerned.

Drawing on literatures in economics, political science and sociology, the study demonstrates that the Federal Reserve’s intellectual paradigm in the years before the crisis focused on ‘post hoc interventionism’ — the institution’s ability to limit the fallout should a problem arise. Additionally, the study argues that institutional routines and a “silo mentality” contributed to the Federal Reserve’s lack of attention to the serious warning signals in the pre-crisis period.

To speak with Professors Golub, Kaya, or Reay, please contact Mark Anskis (manskis1@swarthmore.edu / 570-274-0471) in the Swarthmore College communications office.


Journal Reference:

  1. Stephen Golub, Ayse Kaya, Michael Reay. What were they thinking? The Federal Reserve in the run-up to the 2008 financial crisis. Review of International Political Economy, 2014; 1 DOI: 10.1080/09692290.2014.932829

Once a Symbol of Power, Farming Now an Economic Drag in China (New York Times)

 

Li Haiwen, 47, grows medicinal plants, rather than grain, on the plot of land he rents from the local government in Yangling. “The more grain you plant,” he said, “the poorer you get.” Credit Gilles Sabrie for The New York Times

YANGLING, China — For about 4,000 years, farming in this region has been a touchstone of Chinese civilization. It was here that the mythic hero Hou Ji is said to have taught Chinese how to grow grain, and the area’s rich harvests underpinned China’s first dynasties, feeding officials and soldiers in the nearby imperial capital.

But nowadays, Yangling’s fields are in disarray. Frustrated by how little they earn, the ablest farmers have migrated to cities, hollowing out this rural district in the Chinese heartland. Left behind are people like Hui Zongchang, 74, who grows wheat and corn on a half-acre plot while his son works as a day laborer in the metropolis of Xi’an to the east.

Mr. Hui, still vigorous despite a stoop, said he makes next to no money from farming. He tills the earth as a kind of insurance. “What land will they farm if I don’t keep this going?” he said of his children. “Not everyone makes it in the city.”

Farm output remains high. But rural living standards have stagnated compared with the cities, and few in the countryside see their future there.The most recent figures show a threefold gap between urban and rural incomes, fueling discontent and helping to make China one of the most unequal societies in the world.

The nation’s Communist leaders have declared that fixing the countryside is crucial to maintaining social stability. Last year, they unveiled a new blueprint for economic reform with agricultural policy as a centerpiece. But the challenge confronting them resembles a tangled knot.

It begins with the fact that farms in China are too small to generate large profits, about 1.6 acres on average, compared with 400 acres in the United States. Yet it is difficult to consolidate these farms into larger, more efficient operations because Chinese farmers do not own their plots — they lease them from the government.

Privatizing farmland would allow market forces to create bigger farms. But that would be a political minefield for the Communist Party. It would also risk exacerbating inequality, by concentrating land ownership in the hands of a few while leaving many rural families without farms to fall back on if they hit hard times in the cities.

“All of these issues are interlocked and require a series of reforms to be solved,” said Luo Jianchao, a professor at Northwest A & F University in Yangling, and a government adviser. “There’s no magic bullet.”

In late September, President Xi Jinping endorsed an experiment underway in Yangling and other parts of China to untangle this knot. The measure, called liuzhuan, stops short of privatization but gives farmers land-use rights that they can transfer to others in exchange for a rental fee.

The goal is to simulate a private land market and allow China’s family-run, labor-intensive farms to change hands and be amalgamated into large-scale, industrialized businesses. In theory, liuzhuan allows this to happen without cutting ties between rural families and the land, because they collect rental fees as a safety net.

Mr. Xi has presented the policy as critical to China’s next phase of economic reform. Skeptics, however, say it shows the government remains unwilling to consider a bold measure that has worked in many countries: giving farmers full ownership of their land.

“Privatization of land is a key issue but it’s completely taboo,” said Tao Ran, an agricultural expert at Renmin University in Beijing. The party leadership, he said, “cannot countenance it.”

More is at stake than the socialist credentials of the Communist Party, which came to power in a peasant revolution in 1949 and immediately collectivized farmland. State ownership of land is also a major source of government revenue. In areas near cities, local officials often rezone agricultural land and flip it to developers at a huge premium, sometimes setting off violent protests by residents who are left out.

Others see the system of political control of the countryside at stake. “The rural system they’ve had since the 1950s is based on the state ownership of land,” said Fred Gale, who writes an influential blog on China’s agricultural sector called Dim Sums. “If this unravels, then the bureaucrats would be at a loss as to how to manage the countryside.”

In Yangling, a district of 155,000 people that has been a center for agricultural sciences since the 1930s, several problems with the government’s attempt to sidestep privatization are apparent.

Because farmers do not own their land, they cannot sell it and get a large, lump sum payment that could be used to make a new start. Nor can they mortgage land for funds that could be reinvested in their farms or in other businesses.

Yang Tewang, a branch manager of the state-run Yangling Rural Commercial Bank, said he has made about $3 million in mortgage-style loans since the liuzhuan experiment began. But he said they were not true mortgages since the banks cannot repossess land if the farmer defaults — the state owns the land, not the farmer. As a result, Mr. Yang said he minimizes risk by lending only to large-scale vegetable and fruit farmers.

“The rest don’t pay,” he said. A grain farmer, for example, could never get a loan, he said.

Another problem has been figuring out how to set the rental fees that rural families collect if they transfer their land-use rights.

Yangling set up a land bank that took over land-use rights in an area of 36 square miles, then set an annual rental fee of at least $750 per acre of land. Farmers could choose between giving up their land and collecting that rent, or leasing their land back from the state and continuing to farm.

But the fees can distort the market. For example, they have discouraged production of grain, which does not sell for enough of a margin over the cost of renting the land. Grain pays only about $1,250 per acre, for an annual profit of about $500, said one resident, Li Haiwen.

“The more grain you plant,” he said, “the poorer you get.”

Mr. Li grows magnolia bushes used in traditional Chinese medicine instead. But he said farming is just a sideline for him. His main source of income is in professional landscaping. “I think our minds are opening up and we realize there are other ways to make money,” he said.

Exactly why rental prices are so high is open to debate. In some parts of China, rents are even higher than in Yangling, topping $1,200 per acre. By contrast, the average acre of farmland in the United States rented for $136 in 2013, according to the United States Department of Agriculture. Some experts say the rental fees have been driven up by the same sort of speculation that has made apartments so exorbitantly expensive in Chinese cities. Even in a remote area like Yangling, an apartment of 1,000 square feet sells for $50,000, and in cities like Beijing the price can easily be 10 times that.

In recent months, banks like the China International Trust and Investment Corporation have been buying rural land-use rights at high prices. Li Ping, an agricultural expert at Landesa, a nongovernmental organization focused on rural issues, said he believed the purchases have been made with an eye toward rezoning land for housing or industrial use.

“It’s like the housing prices here being higher than in most parts of the U.S.,” Mr. Li said. “It’s not sustainable.”

One of the success stories in Yangling has been the case of Zhang Hongli, who took over 197 acres once farmed by three villages and pays about $150,000 per year in rental fees.

Mr. Yang, the banker, described it as a win-win exchange. Mr. Zhang uses the land to grow watermelons, which sell for a nice profit in Xi’an. Meanwhile, the families who gave up their land are collecting about $500 per year on average, and almost all received free apartments from the government as well.

Government planners hope that more farmers will be moved to the cities so the countryside gradually depopulates and ever-larger-scale farming takes over. For farmers with a job already lined up in the city, this system is attractive. But for people still wanting to work the land, like Zhou Yuansheng, 66, it is an example of how little say he has.

“The big decisions are made by the government,” he said. “No one asked me what I wanted to do with my land.”

Diálogos sobre o fim do mundo (El País)

Do Antropoceno à Idade da Terra, de Dilma Rousseff a Marina Silva, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro e a filósofa Déborah Danowski pensam o planeta e o Brasil a partir da degradação da vida causada pela mudança climática 

29 SEP 2014 – 11:18 BRT

Se alguns, entre os milhares que passaram pela calçada da Casa de Rui Barbosa, na semana de 15 a 19 de setembro, por um momento tivessem o ímpeto de entrar, talvez levassem um susto. Ou até se desesperassem. Durante cinco dias, debateu-se ali, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, algo que, apesar dos sinais cada vez mais evidentes, ainda parece distante das preocupações da maioria: a progressiva e cada vez mais rápida degradação da vida a partir da mudança climática. Pensadores de diversas áreas e de diferentes regiões do mundo discutiram o conceito de Antropoceno – o momento em que o homem deixa de ser agente biológico para se tornar uma força geológica, capaz de alterar a paisagem do planeta e comprometer sua própria sobrevivência como espécie e a dos outros seres vivos. Ou, dito de outro modo, o ponto de virada em que os humanos deixam de apenas temer a catástrofe para se tornar a catástrofe.

Com o título “Os mil nomes de Gaia – do Antropoceno à Idade da Terra”, o encontro foi concebido pelo francês Bruno Latour, uma das estrelas internacionais desse debate, e dois dos pensadores mais originais do Brasil atual, Eduardo Viveiros de Castro e Déborah Danowski. Na mesma semana, Eduardo e Déborah lançaram o livro que escreveram juntos: Há mundo por vir? – ensaio sobre os medos e os fins (Editora Cultura e Barbárie).

Na obra, abordam as várias teorias, assim como as incursões da literatura e do cinema, sobre esse momento em que a arrogância e o otimismo da modernidade encontram uma barreira. O homem é então lançado no incontrolável e até na desesperança, no território de Gaia, o planeta ao mesmo tempo exíguo e implacável. Como escrevem logo no início do livro, com deliciosa ironia: “O fim do mundo é um tema aparentemente interminável – pelo menos, é claro, até que ele aconteça”.

Déborah é filósofa, professora da pós-graduação da PUC do Rio de Janeiro. Pesquisa a metafísica moderna e, ultimamente, o pensamento ecológico. Eduardo é etnólogo, professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autor do “perspectivismo ameríndio”, contribuição que impactou a antropologia e o colocou entre os maiores antropólogos do mundo. Como disse Latour, Déborah é uma “filósofa meio ecologista”, Eduardo um “antropólogo meio filósofo”.

Eduardo e Déborah são marido e mulher e pais de Irene, a quem o livro é dedicado. Além da casa, os dois compartilham a capacidade bastante rara de dialogar com os vários campos de conhecimento e da cultura sem escapar de refletir também sobre a política – para muito além de partidos e eleições, mas também sobre partidos e eleições. Ambos têm uma ação bastante ativa nas redes sociais. Como diz Eduardo, o Twitter é onde ele pensa.

A entrevista a seguir contém alguns dos momentos mais interessantes de cinco horas de conversa – três horas e meia no apartamento deles, em Botafogo, no sábado após o colóquio, e uma hora e meia por Skype, dias depois. Entre os dois encontros, 400.000 pessoas, segundo os organizadores, participaram da Marcha dos Povos pelo Clima, em Nova York, e 4.000 no Rio de Janeiro; Barack Obama afirmou que “o clima está mudando mais rápido do que as ações para lidar com a questão” e que nenhum país ficará imune; e o Brasil recusou-se a assinar o compromisso de desmatamento zero até 2030.

Ainda que tenham sido dias intensos, é possível afirmar que para muitos parece mais fácil aderir a ameaças de fim de mundo, como a suposta profecia maia, de 21 de dezembro de 2012, do que acreditar que a deterioração da vida que sentem (e como sentem!), objetiva e subjetivamente, no seu cotidiano – e que em São Paulo chega a níveis inéditos com a seca e a ameaça de faltar água para milhões – é resultado da ação do homem sobre o planeta. É mais fácil crer na ficção, que ao final se revela como ficção, salvando a todos, do que enfrentar o abismo da realidade, em que nosso primeiro pé já encontrou o nada.

É sobre isso que se fala nesta entrevista. Mas também sobre pobres e sobre índios, e sobre índios convertidos em pobres; sobre esquerda e sobre direita; sobre capitalismo e sobre o fim do capitalismo; sobre Lula, Dilma Rousseff e Marina Silva. Sobre como nos tornamos “drones”, ao dissociar ação e consequência. E como todos estes são temas da mudança climática – e não estão distantes, mas perto, bem perto de nós. Mais próximos do que a mesa de cabeceira onde desligamos o despertador que nos acorda para uma vida que nos escapa. O problema é que o que nos acorda nem sempre nos desperta. Talvez seja hora de aprender, como fazem diferentes povos indígenas, a dançar para que o céu não caia sobre a nossa cabeça.

A antropóloga sul-africana Lesley Green referiu-se, em sua exposição no colóquio, ao momento de países como África do Sul e Brasil, países em que uma parcela da população que historicamente estava fora do mundo do consumo passa a ter acesso ao mundo do consumo. No Brasil, estamos falando da chamada Classe C ou “nova classe média”. Me parece que esse é quase um dogma no Brasil de hoje, algo que poucos têm a coragem de confrontar. Como dar essa má notícia, a de que agora que podem consumir, de fato não podem, porque as elites exauriram o planeta nos últimos séculos? E como dizer isso no Brasil, em que todo o processo de inclusão passa pelo consumo?

“O capitalismo está fundado no princípio da produção de riqueza, mas a questão num planeta finito é redistribuir a riqueza”

Eduardo Viveiros de Castro – Essa é uma grande questão em países como o Brasil. E totalmente legítima. O que está em jogo aí é a questão da igualdade. Até certo ponto é muito mais fácil você dar um carro para o pobre do que tirar o carro do rico. E talvez fosse muito mais fácil para o pobre aceitar que ele não pode ter um carro se o rico parasse de ter carro também. Dizendo, de fato: “Olha, lamento, você não pode mais usar, mas eu também não”. É claro que enquanto você ficar dizendo para o pobre – “Você não pode ter e eu tenho” – não dá. Ele vai dizer: “Por que vocês podem continuar a consumir seis planetas Terra e eu não posso comprar o meu carrinho?”. É preciso dissociar crescimento de igualdade, como afirma o Rodrigo Nunes (professor do Departamento de Filosofia da PUC-Rio). E sobretudo você tem que parar de superdesenvolver os países superdesenvolvidos. E a palavra tem que ser “superdesenvolvido”. Porque a gente fala muito em sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas, como antigamente – países subdesenvolvidos, países em vias de desenvolvimento, países desenvolvidos. Nunca ninguém falou que existem países superdesenvolvidos, isto é, excessivamente desenvolvidos. É o caso dos Estados Unidos, onde um cidadão americano médio gasta o equivalente a 32 cidadãos do Quênia ou da Etiópia. A relação que sempre se faz é que, para tirar as populações da pobreza, é preciso crescer economicamente. E aí você tem um dilema: se você cresce economicamente, com uso crescente de energia fortemente poluente, como petróleo e carvão, nós vamos destruir o planeta. Assim, a luta pela igualdade não pode depender do nosso modelo de crescimento econômico mundial, do qual o Brasil, Índia e China são só as pontas mais histéricas, porque querem crescer muito rápido. O jeito como o mundo está andando não pode continuar porque se baseia numa ideia de que o crescimento pode ser infinito, quando a gente sabe que mora num mundo finito, com recursos finitos. Entretanto, eu nunca vi ninguém falar: “O crescimento vai ter que parar aqui”. Você vai ser preso se você disser isso em qualquer lugar do mundo. Eu não acho que o Brasil tenha que parar de crescer, no sentido de crescimento zero. O que o Brasil precisa, como o mundo precisa, é de uma redistribuição radical da riqueza. Quanto mais você redistribui, menos precisa crescer, no sentido de aumentar a produção. A economia capitalista está fundada no princípio de que viver economicamente é produzir riqueza, quando a questão realmente crítica é redistribuir a riqueza existente.

Mas aí você toca na parte mais difícil, os privilégios… E a mudança parece ainda mais distante, quase impossível.

Eduardo – É verdade. Os grandes produtores de petróleo têm todo interesse em tirar até a última gota de petróleo do chão, mas eles também não são completamente imbecis. E estão se preparando para monopolizar outras riquezas no futuro que possam vir a ser a mercadoria realmente importante. Por exemplo, água. Eu não tenho a menor dúvida de que existem planos estratégicos das grandes companhias petrolíferas para a passagem de produtoras de petróleo a produtoras de água, que será a mercadoria escassa. Você pode viver sem petróleo, você pode viver sem luz, inclusive, mas você não pode sobreviver sem água. A minha impressão é que, assim que passar a eleição, São Paulo vai entrar numa vida de science fiction. O que é uma megalópole sem água?

Acho que saberemos em breve…

“São Paulo é uma espécie de laboratório do mundo. Tudo está acontecendo de maneira acelerada”

Eduardo – É mais fácil você dizer que a culpa é do (Geraldo) Alckmin (governador de São Paulo, pelo PSDB), que não tomou as medidas necessárias. É mais fácil do que dizer: isso aí é o efeito de São Paulo ter cimentado todo o seu território, se transformado num captor térmico gigantesco, só com cimento, asfalto e carro jogando gás carbônico. Desapareceu a garoa, não existe mais a garoa em São Paulo. A Amazônia foi e está sendo desmatada por empresários paulistas. São Paulo é uma metáfora, mas não é só uma metáfora. São Paulo está destruindo a Amazônia e está sofrendo as consequências disso. Acho que São Paulo é um laboratório espetacular, no sentido não positivo da palavra. É como se estivesse passando em fast forward, acelerado, tudo o que está acontecendo no mundo. Explodiu a quantidade de carros, explodiu a poluição, explodiu a falta de água, explodiu a violência, explodiu a desigualdade. Em suma, São Paulo é uma espécie de laboratório do mundo, neste sentido. Não só São Paulo, há outras cidades iguais, mas São Paulo é a mais próxima de nós, e estamos vendo o que está acontecendo.

E por que as pessoas não conseguem fazer a conexão, por exemplo, entre a seca em São Paulo e o desmatamento na Amazônia?

Eduardo – Porque é muito grande a coisa. Há um pensador alemão, o Günther Anders, que foi o primeiro marido da Hannah Arendt. Ele fugiu do nazismo e virou um militante antinuclear, especialmente entre o fim da década de 40 e os anos 70. Ele diz que a arma nuclear é uma prova de que aconteceu alguma coisa com a humanidade, na medida em que ela se tornou incapaz de imaginar o que é capaz de fazer. É uma situação antiutópica. O que é um utopista? Um utopista é uma pessoa que consegue imaginar um mundo melhor, mas não consegue fazer, não conhece os meios nem sabe como. E nós estamos virando o contrário. Nós somos capazes tecnicamente de fazer coisas que não somos nem capazes de imaginar. A gente sabe fazer a bomba atômica, mas não sabe pensar a bomba atômica. O Günther Anders usa uma imagem interessante, a de que existe essa ideia em biologia da percepção de fenômenos subliminares, abaixo da linha de percepção. Tem aquela coisa que é tão baixinha, que você ouve mas não sabe que ouviu; você vê, mas não sabe que viu; como pequenas distinções de cores. São fenômenos literalmente subliminares, abaixo do limite da sua percepção. Nós, segundo ele, estamos criando uma outra coisa agora que não existia, o supraliminar. Ou seja, é tão grande, que você não consegue ver nem imaginar. A crise climática é uma dessas coisas. Como é que você vai imaginar um troço que depende de milhares de parâmetros, que é um transatlântico que está andando e tem uma massa inercial gigantesca? As pessoas ficam paralisadas. Dá uma espécie de paralisia cognitiva. Então as pessoas falam: “Não posso pensar nisso. Se eu pensar nisso, como é que eu vou dar conta? Você está dizendo que o mundo vai aquecer quatro graus… E o que vai acontecer? Então é melhor não pensar”. Bem, a gente acha que tem que pensar.

Déborah Danowski – Os indígenas, os pequenos agricultores, eles estão percebendo no contato com as plantas, com os animais, que algo está acontecendo. Eles têm uma percepção muito mais apurada do que a gente.

Eduardo – Como eles veem que o clima está mudando? No calendário agrícola de uma tribo indígena você sabe que está na hora de plantar porque há vários sinais da natureza. Por exemplo, o rio chegou até tal nível, o passarinho tal começou a cantar, a árvore tal começou a dar flor. E a formiga tal começou a fazer não-sei-o-quê. O que eles estão dizendo agora é que esses sinais dessincronizaram. O rio está chegando a um nível antes de o passarinho começar a cantar. E o passarinho está cantando muito antes de aquela árvore dar flor. É como se a natureza tivesse saído de eixo. E isso todos eles estão dizendo. As espécies estão se extinguindo, e a humanidade parece que continua andando para um abismo. O mundo vai, de fato, piorar para muita gente, para todo mundo. Só o que vai melhorar é a taxa de lucro de algumas empresas, e mesmo os acionistas delas vão ter que talvez tirar a casa de luxo que eles têm na Califórnia e jogar para outro lugar, porque ali vai ter pegado fogo. Se houver uma epidemia, um vírus, uma pandemia letal, violenta, tipo ebola, pode pegar todo mundo. Enquanto os sujeitos têm corpo de carne e osso, ninguém está realmente livre, por mais rico que seja, do que vai acontecer. Mas é evidente que quem vai primeiro soçobrar serão os pobres, os danados da Terra, os condenados da Terra. Algumas pessoas estão começando a se preocupar, mas não conseguem fazer parar, porque todas as outras estão empurrando. E você diz: “para, para, para!”. E você não consegue. Mas há muitas iniciativas pelo mundo de gente que percebeu que os estados nacionais, ou que as grandes tecnologias gigantescas, heroicas e épicas, não vão nos salvar. E que está nas nossas mãos nos salvarmos. Não está nas mãos dos nossos responsáveis. Não temos responsáveis. A ideia de que o governo é responsável por nós, a gente já viu que não é. Ele é irresponsável. Ele toma decisões irresponsáveis, destrói riquezas que ele não pode substituir, e, portanto, há um descrédito fortíssimo nas formas de representação.

Como os protestos de junho de 2013…

Eduardo – As crises de junho são crises de “não nos representa”. Isso não é só no Brasil. É como se tivesse havido uma espécie de fissura. É uma outra geração. Não deixa de ser parecido com 68, de certa maneira. Só que agora não é em torno de novas lutas, como gênero, sexualidade, etnia. Tudo isso continua, mas há uma outra coisa muito maior por cima: o que estamos fazendo com a Terra onde a gente vive? Vamos continuar comendo transgênico? Vamos continuar nos envenenando? Vamos continuar destruindo o planeta? Vamos continuar mudando a temperatura?

Pegando como gancho a nossa situação aqui no Brasil, com um governo desenvolvimentista, com grandes obras na Amazônia, transposição do rio São Francisco etc, gostaria que vocês falassem sobre a questão do pobre. Você afirma, de uma maneira muito original, Eduardo, que o pobre é um “nós” de segunda classe. A grande promessa seria tirá-lo da pobreza para ficar mais parecido com a única forma desejável de ser, a nossa. E o índio problematiza isso e, portanto, se torna um problema. O índio não se interessa em ser “nós”. Então eu queria que vocês explicassem melhor essa ideia e a situassem na política do atual governo para os pobres e para os índios.

“A história do Brasil é um processo de conversão do índio em pobre. É o que está acontecendo na Amazônia agora”

Eduardo – O capitalismo é uma máquina de fazer pobres. Inclusive na Europa. Os pobres não estão aqui, só. O pobre é parte integrante do sistema de crescimento. As pessoas acham que o crescimento diminui a pobreza. O crescimento, na verdade, produz e reproduz a pobreza. Na medida em que ele tira gente da pobreza, ele tem que criar outros pobres no lugar. O capitalismo conseguiu melhorar a condição de vida do operariado europeu porque jogou para o Terceiro Mundo as condições miseráveis. Então, era o operário daqui sendo explorado para que os pobres operários de lá fossem menos explorados. Essa oposição que eu fiz entre índio e pobre é, na verdade, uma crítica direta, explícita, a uma boa parte da esquerda, a esquerda tradicional, a velha esquerda que está no poder, que divide o poder por concessão da direita, dos militares e tal, e é muito voltada para a ideia de desenvolvimento. Uma coisa era o desenvolvimentismo do Celso Furtado, naquela época. Acho, inclusive, um insulto à memória dele. O Celso Furtado estava vivendo uma outra época, um outro mundo, um outro modelo. E as pessoas hoje continuam a falar essas palavras de ordem que têm 40, 50, 60 anos, como se fosse a mesma coisa. Mas, qual é o problema? O problema é que a esquerda de classe média, o intelectual de esquerda, vê o seu Outro essencialmente como um pobre. Pobre é uma categoria negativa, né? Pobre é alguém que se define pelo que não tem. Não tem dinheiro, não tem educação, não tem oportunidade. Então, a atitude natural em relação ao pobre, e isso não é uma crítica, é o ver natural, é que o pobre tem que deixar de ser aquilo. Para ele poder ser alguma coisa, ele tem que deixar de ser pobre. Então a atitude natural é você libertar o pobre, emancipar o pobre das suas condições. Tirá-lo do trabalho escravo, dar a ele educação, moradia digna. Mas, invariavelmente, esse movimento tem você mesmo como padrão. Você não se modifica, você modifica o pobre. Você traz o pobre para a sua altura, o que já sugere que você está por cima do pobre. Ao mesmo tempo, você torna o pobre homogêneo. Sim, porque se o pobre é definido por alguém que não tem algo, então é todo mundo igual.

E o que é um índio?

Eduardo – O índio, ao contrário, é uma palavra que acho que só existe no plural. Índio, para mim, é índios. É justamente o contrário do pobre. Eles se definem pelo que têm de diferente, uns dos outros e eles todos de nós, e por alguém cuja razão de ser é continuar sendo o que é. Mesmo que adotando coisas da gente, mesmo que querendo também a sua motocicleta, o seu rádio, o seu Ipad, seja o que for, ele quer isso sem que lhe tirem o que ele já tem e sempre teve. E alguns não querem isso, não estão interessados. Não é todo mundo que quer ser igual ao branco. O que aconteceu com a história do Brasil é que foi um processo circular de transformação de índio em pobre. Tira a terra, tira a língua, tira a religião. Aí o cara fica com o quê? Com a força de trabalho. Virou pobre. Qual foi sempre o truque da mestiçagem brasileira? Tiravam tudo, convertiam e diziam: agora, se vocês se comportarem bem, daqui a 200, 300, 400 anos, vocês vão virar brancos. Eles deixam de ser índios, mas não conseguem chegar a ser brancos. Pessoal, vocês precisam misturar para virar branco. Se vocês se esforçarem, melhorarem a raça, melhorarem o sangue, vai virar branco. O que chamam de mestiçagem é uma fraude. O nome é branqueamento. E é o que estão fazendo na Amazônia. É re-colonização. O Brasil está sendo recolonizado por ele mesmo com esse modelo sulista/europeu/americano. Essa cultura country que está invadindo a Amazônia junto com a soja, junto com o boi. E ao mesmo tempo transformando quem mora ali em pobre. E produzindo a pobreza. O ribeirinho vira pobre, o quilombola vira pobre, o índio vai virando pobre. Atrás da colheitadeira, atrás do boi, vem o programa de governo, vem o Bolsa Família, vem tudo para ir reciclando esse lixo humano que vai sendo pisoteado pela boiada. Reciclando ele em “pobre bom cidadão”. E aí a Amazônica fica liberada…

Como enfrentar isso?

“Qual foi a grande carta de alforria que o governo Dilma deu ao pobre? O cartão de crédito”

Eduardo – Se você olhar a composição étnica, cultural, da pobreza brasileira, você vai ver quem é o pobre. Basicamente índios, negros. O que eu chamo de índios inclui africanos. Inclui os imigrantes que não deram certo. Esse pessoal é essa mistura: é índio, é negro, é imigrante pobre, é brasileiro livre, é o caboclo, é o mestiço, é o filho da empregada com o patrão, filho da escrava com o patrão. O inconsciente cultural destes pobres brasileiros é índio, em larga medida. Tem um componente não branco. É aquela frase que eu inventei: no Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é. Então, em vez de fazer o pobre ficar mais parecido com você, você tem que ajudar o pobre a ficar mais parecido com ele mesmo. O que é o pobre positivado? Não mais transformado em algo parecido comigo, mas transformado em algo que ele sempre foi, mas que impedem ele de ser ao torná-lo pobre. O quê? Índio. Temos de ajudá-los a lutar para que eles mesmos definam seu próprio rumo, em vez de nos colocarmos na posição governamental de: “Olha, eu vou tirar vocês da pobreza”. E fazendo o quê? Dando para eles consumo, consumo, consumo.

Déborah – Fora a dívida, né.

Eduardo – Endividando, no cartão de crédito. Qual foi a grande carta de alforria que o governo Dilma deu ao pobre? O cartão de crédito. Hoje pobre tem cartão de crédito. Legal? Muito legal, sobretudo para as firmas que vendem as mercadorias que os pobres compram no cartão de crédito. Porque a Brastemp está adorando o cartão de crédito para pobre. As Casas Bahia estão nas nuvens. Porque o pobre agora pode se endividar.

E aí vêm os elogios à honestidade do pobre…

Eduardo – Eles, sim, pagam as dívidas, porque rico não paga. Eike Batista não paga dívida, mas a empregada morre de trabalhar para pagar o cartão de crédito. Eu provocava a esquerda, dizendo: “O que vocês não estão entendendo é o seguinte. Enquanto vocês tratarem o Outro como pobre, e portanto como alguém que tem que ser melhorado, educado, civilizado – porque no fundo é isso, civilizar o pobre! –, vocês vão estar sendo cúmplices de todo esse sistema de destruição do planeta que permitiu aos ricos serem ricos”.

Vocês afirmam que os índios são especialistas em fim do mundo. E que vamos precisar aprender com eles. No livro, há até uma analogia com o filme de Lars Von Trier, no qual um planeta chamado Melancolia atinge a Terra. Vocês dizem que, em 1492, o Velho Mundo atingiu o Novo Mundo, como um planeta que vocês chamam ironicamente de Mercadoria. O que os índios podem nos ensinar sobre sobreviver ao fim do mundo?

Eduardo – Eles podem nos ensinar a viver num mundo que foi invadido, saqueado, devastado pelos homens. Isto é, ironicamente, num mundo destruído por nós mesmos, cidadãos do mundo globalizado, padronizado, saturado de objetos inúteis, alimentado à custa de pesticidas e agrotóxicos e da miséria alheia. Nós, cidadãos obesos de tanto consumir lixo e sufocados de tanto produzir lixo. A gente invadiu a nós mesmos como se tivéssemos nos travestidos de alienígenas que trataram todo o planeta como nós, europeus, tratamos o Novo Mundo a partir de 1492. Digo “nós”, porque eu acho que a classe média brasileira, os brancos, no sentido social da palavra, não são europeus para os europeus, mas são europeus para dentro do Brasil. Nós, então, nos vemos como alienígenas em relação ao mundo. Como se a gente tivesse uma relação com o mundo diferente da relação dos outros seres vivos, como se os humanos fossem especiais. Não deixa de ser uma coisa importante na tradição do catolicismo e do cristianismo. O homem tem um lado que não é mundano, um destino fora do mundo. Isso faz com que ele trate o mundo como se fosse feito para ser pilhado, saqueado, apropriado. E a gente acaba tratando a nós mesmos como nós tratamos os povos que habitavam aqui no Novo Mundo. Ou seja, como gente a explorar, a escravizar, a catequizar e a reduzir. Esta é a primeira coisa que eu acho que os índios podem nos ensinar: a viver num mundo que foi de alguma maneira roubado por nós mesmos de nós.

E a segunda?

“Os índios são especialistas em fim do mundo, eles podem nos ensinar a viver melhor num mundo pior”

Eduardo – Acho que os índios podem nos ensinar a repensar a relação com o mundo material, uma relação que seja menos fortemente mediada por um sistema econômico baseado na obsolescência planejada e, portanto, na acumulação de lixo como principal produto. Eles podem nos ensinar a voltar à Terra como lugar do qual depende toda a autonomia política, econômica e existencial. Em outras palavras: os índios podem nos ensinar a viver melhor em um mundo pior. Porque o mundo vai piorar. E os índios podem nos ensinar a viver com pouco, a viver portátil, e a ser tecnologicamente polivalente e flexível, em vez de depender de megamáquinas de produção de energia e de consumo de energia como nós. Quando eu falo índio é índio aqui, na Austrália, o pessoal da Nova Guiné, esquimó… Para mim, índio são todas as grandes minorias que estão fora, de alguma maneira, dessa megamáquina do capitalismo, do consumo, da produção, do trabalho 24 horas por dia, sete dias por semana. Esses índios planetários nos ensinam a dispensar a existência das gigantescas máquinas de transcendência que são o Estado, de um lado, e o sistema do espetáculo do outro, o mercado transformado em imagem. Eu acho que os índios podem também nos ensinar a aceitar os imponderáveis, os imprevistos e os desastres da vida com o “pessimismo alegre” (expressão usada originalmente pelo filósofo francês François Zourabichvili, com relação a Deleuze, mas que aqui ganha outros sentidos). O pessimismo alegre caracteriza a atitude vital dos índios e demais povos que vivem à margem da civilização bipolar que é a nossa, que está sempre oscilando entre um otimismo maníaco e um desespero melancólico. Os índios aceitam que nós somos mortais e que do mundo nada se leva. Em muitos povos indígenas do Brasil, e em outras partes do mundo, os bens do defunto são inclusive queimados, são destruídos no funeral. A pessoa morre e tudo o que ela tem é destruído para que a memória dela não cause dor aos sobreviventes. Acho que essas são as coisas que os índios poderiam nos ensinar, mas que eu resumiria nesta frase: os índios podem nos ensinar a viver melhor num mundo pior.

Como é um “pessimismo alegre”?

Eduardo – Acho que o pessimismo alegre é o que você encontra na favela carioca. É o que você encontra no meio das populações que vivem no semiárido brasileiro. É a mesma coisa que você encontra, em geral, nas camadas mais pobres da população. O fato de que você vive em condições que qualquer um de nós, da classe média para cima, consideraria materialmente intoleráveis. Mas isso não os torna seres desesperados, tristes, melancólicos, etc. Muito pelo contrário. É claro que eu não estou falando de situações dramáticas, de gente morrendo de fome. Isso aí não há ninguém que aguente. Mas, se você perguntar para o índio, ele vai dizer: estamos todos fritos, um dia o mundo vai acabar caindo na nossa cabeça, mas isso não impede que você se distraia, que se divirta, que ria um pouco dessa condição meio patética que é a de todo ser humano, em que ele vive como se fosse imortal e ao mesmo tempo sabe que vai morrer. Os índios não acham que o futuro vai ser melhor do que o presente, como nós, e portanto não se desesperam porque o futuro não vai ser melhor do que o presente, como a gente está descobrindo. Eles acham que o futuro vai ser ou igual ou pior do que agora, mas isso não impede que eles considerem isso com pessimismo alegre, que é o contrário do otimismo desencantado, que é um pouco o nosso. Do tipo estamos mal, mas vai dar tudo certo, a tecnologia vai nos salvar, ou o homem vai finalmente chegar ao socialismo. Os índios acham que tudo vai para as cucuias, mesmo. Mas isso não lhes tira o sono, porque viver é uma coisa que você tem que fazer de minuto a minuto, tem que viver o presente. E nós temos um problema, que é a dificuldade imensa em viver o presente. Os índios são pessoas que de fato vivem no presente no melhor sentido possível. Vamos tratar de viver o presente tal como ele é, enfrentando as dificuldades que ele apresenta, mas sem imaginar que a gente tem poderes messiânicos, demiúrgicos de salvar o planeta. Essa é um pouco a minha sensação. O pessimismo alegre é uma atitude que eu sinto como característica de quem tem que viver, e não simplesmente gente que acha que é a palmatória do mundo, que tem que pensar pelo mundo todo.

“Como é que a Dilma Rousseff pode dar Bolsa Família e ao mesmo tempo tornar a vida da Kátia Abreu cada vez mais fácil? Porque o dinheiro não sai do bolso dos ricos, mas da natureza”

Déborah – Acho que sobretudo depende da criação de relações com as outras pessoas. Em vez de você confiar na acumulação, que nos torna sempre tristes, porque está sempre faltando alguma coisa, precisamos sempre obter mais, acumular mais, etc, nós criamos relações com as pessoas que estão à nossa volta, com os outros seres, no meio dos quais nós vivemos.

Parece que há uma cegueira de parte do que se denomina esquerda, hoje, para compreender outras formas de estar no mundo, assim como para compreender desafios como os impostos pela mudança climática, como vemos no Brasil, mas não só no Brasil. Aqui, estamos num momento bem sensível do país, com Belo Monte e as grandes barragens previstas para o Tapajós. Supostamente, teríamos hoje duas candidatas de esquerda (Dilma Rousseff e Marina Silva) nos primeiros lugares da disputa eleitoral para a presidência, mas as questões socioambientais pouco são tocadas. Qual é a dificuldade?

Eduardo – Você tem pelo menos duas esquerdas, como se vê até pelas candidaturas. Só que, infelizmente, uma esquerda muito bem caracterizada, que é a da Dilma, e outra esquerda, representada pela Marina, em que falta capacidade para formular com clareza o que diferencia ela da outra. Essas duas esquerdas, de certa maneira, sempre existiram. Lá no início, na Primeira Internacional, essa fratura correspondeu à distinção entre os anarquistas e os comunistas. Mas hoje eu diria que você tem duas posições dentro da esquerda. Uma posição que a gente poderia chamar de “crescimentista”, centralista, que acha que a solução é tomar o controle do aparelho do Estado para implementar uma política de despauperização do povo brasileiro, dentro da qual a questão do meio ambiente não tem nenhuma importância. A Dilma chegou a cometer aquele famoso ato falho lá em Copenhagen (em 12/2009, quando era ministra-chefe da Casa Civil do governo Lula), ao dizer: “O meio ambiente é, sem dúvida nenhuma, uma ameaça ao desenvolvimento sustentável”. Ato falho. Não era isso o que ela queria dizer, mas disse. Essa esquerda tem zero de sensibilidade ambiental. Ela poderia perceber que uma outra maneira de falar “ambiente” é falar “condições materiais de existência”. Falta de esgoto na favela é problema ambiental do mesmo jeito que desmatamento na Amazônia é problema ambiental. Não é de outro jeito, é do mesmo jeito. Mas, para essa esquerda, ar, água, planta, bicho não faz parte do mundo. São pessoas completamente antropocêntricas, que veem o mundo à disposição dos homens, para ser dominado, controlado e escravizado. Essa esquerda, que é a esquerda da Dilma, é uma esquerda velha, no sentido de que é uma esquerda que, na verdade, pensa como se 1968 não tivesse acontecido. É alguém com uma espécie de nostalgia da União Soviética…

Déborah – Com nostalgia do que nunca aconteceu.

Eduardo – Soviet mais eletricidade, a famosa fórmula do Lenin. O que é o comunismo? O comunismo são os soviets, que são os conselhos operários, mais eletricidade, isto é, mais tecnologia. Aí eu brincava, quando a Dilma tomou o poder: “A Dilma é isso, só que sem o soviet”. É só eletricidade… Ou seja, capitalismo. O que distinguia o socialismo comunista do Lenin era a tecnologia moderna mais a organização social comunista. Se você tira a organização comunista só sobra o capitalismo. Então essa esquerda é uma esquerda sócia do capitalismo. Acha que é preciso levar o capitalismo até o fim, para que ele se complete, para que a industrialização se complete, para que a transformação de todos os índios do mundo em pobres se complete. Para que você então transforme o pobre em proletário, o proletário em classe revolucionária, ou seja, é uma historinha de fadas. Como se pudesse separar a parte boa da parte ruim do capitalismo. Como se fosse possível: isso aqui eu quero, isso aqui eu não quero. Outra coisa, essa esquerda fez um pacto satânico com a direita, que é o seguinte: a gente gosta dos pobres, quer melhorar a vida deles, quer melhorar o nível de renda deles, mas não vai tocar no bolso de vocês, fiquem tranquilos. É o que está dito na Carta ao Povo Brasileiro (documento escrito por Lula na campanha eleitoral de 2002). Pode deixar, que a gente não vai fazer a revolução, não vai ser Robin Hood, ao contrário. E foi exatamente isso o que aconteceu. Ou seja, os bancos nunca lucraram tanto. O Brasil optou por se transformar num exportador de commodities e virar uma verdadeira plantation, como ele era desde o começo. Era exportador de matéria-prima para o centro do império, agora para a China. Mas o pacto foi esse: a gente governa se, primeiro, não prender os militares, não acertar as contas com a ditadura; e, segundo, não mexer no bolso dos ricos, não tocar na estrutura do capital. Veja o tamanho das algemas que a esquerda se pôs. De onde é que vai vir, então, a grana para melhorar a vida dos pobres? Só tem um lugar. Da natureza. Então você superexplora, você queima os móveis da casa. Aumentou o dinheiro disponível para dar umas migalhas para os pobres, o bolo cresceu. Não é por acaso que o Delfim Netto (ministro da Fazenda no período do chamado “Milagre Econômico Brasileiro”, na ditadura civil-militar) é um grande conselheiro do Lula. Primeiro é preciso crescer para depois distribuir. Está crescendo, está dando renda para os pobres, mas esse dinheiro não está saindo do bolso dos ricos. Está saindo da natureza, da floresta destruída. É da água que a gente está exportando para a China sob a forma de boi, de carne e de soja. Estamos comendo o principal para não tocar no bolso dos ricos. E assim a Dilma sai passeando com a Kátia Abreu (senadora pelo PMDB, representante do agronegócio e a principal líder da bancada ruralista do Congresso) e dá Bolsa Família. Como é que a Dilma consegue ao mesmo tempo dar Bolsa Família e tornar a vida da Kátia Abreu cada vez mais fácil? O dinheiro tem que sair de algum lugar. Não está saindo de empréstimo internacional, mas está saindo de empréstimo natural. Esse empréstimo não dá para pagar. Quando a natureza vier cobrar, estaremos fritos. E a natureza está cobrando de que forma? Seca, tufão, furacão, enchente… E no Brasil ainda não chegou a barra pesada. Outro problema desta esquerda é que ela não tem nenhuma noção de mundo, de planeta. Ela pensa o Brasil. Ela é nacionalista em todos os sentidos. Vê curto. Ela vê o Brasil no mundo quando se trata do mercado. Agora, quando se trata do planeta, enquanto casa das espécies, lugar onde nós moramos, ela não está nem aí. O fato de que o Ártico está derretendo não é um problema para o Brasil. Pré-Sal ser um problema para o planeta? Não queremos saber. É uma esquerda xenófoba, neste sentido. Ela não percebe que o Brasil é grande, mas o mundo é pequeno. A Dilma, para mim, é um fóssil. Tem pensamento fossilizado. Ela não está nem no século 20, ela está no século 19.

E a esquerda que a Marina representaria?

“A Marina Silva representaria uma esquerda pós-68, mais democrática e menos vertical, mas ela perdeu o rumo”

Eduardo – Essa é uma esquerda pós-68, que incorporou aquilo que apareceu em 1968, de que dentro da luta de classes há muitas outras lutas. Há a luta das mulheres, a luta dos índios, a luta dos homossexuais… Enfim, todas essas outras formas de pensar as diferenças sociais que não se reduz à questão dos ricos e dos pobres. A pobreza não é uma categoria econômica, mas uma categoria existencial que envolve justiça. E a justiça não é só dar dinheiro para o pobre, mas reconhecer todas essas diferenças que são ignoradas e que explodiram em 1968. A política mudou porque, primeiro, em 68 o socialismo começou a se desacreditar. Não esqueçamos que o Partido Comunista Francês foi contra 1968. Apoiou a repressão policial exatamente como a esquerda oficial apoiou baixar a porrada nos manifestantes de junho de 2013. Ela apoiou a repressão policial à revolta de 68, que não foi francesa, foi mundial. Em 1968 foi a Marcha dos 100.000 aqui, foi a revolta contra a guerra do Vietnã nos Estados Unidos, foi a revolta propriamente dita na França, na Itália e em outros países. Ou seja, foi uma revolução mundial. E nós estamos vivendo, de lá até hoje, a contrarrevolução mundial. A direita retomou o poder e falou: “Temos que impedir que isso aconteça de novo”.

E como a Marina representaria essa esquerda pós-68?

Eduardo – É uma esquerda em que o pobre urbano operário não é mais o personagem típico. Mas é quem? É o índio, o seringueiro, é a mulher, é o negro. A Marina acumula várias identidades…

Déborah – Como você escreveu, Eliane, no seu artigo sobre as diferenças entre os Silvas

Eduardo – Isso. O Lula é o representante do sonho brasileiro de ser como o norte do planeta, os Estados Unidos. Como diz o (antropólogo) Beto Ricardo (um dos fundadores do Instituto Socioambiental), o Brasil é como se fosse dividido entre uma grande São Bernardo e uma grande Barretos. Quer dizer, a zona rural vai ser como Barretos (cidade do interior paulista onde se faz a maior festa country do país): gado, rodeio, bota, chapéu e 4X4. E a parte urbana vai ser uma grande São Bernardo (cidade do chamado ABC Paulista, onde Lula se tornou líder sindical metalúrgico nas grandes greves da virada dos anos 70 para os 80): fábricas, metalurgia, motores, carros. A Marina representaria o outro lado. Essa outra esquerda, muito mais democrática, que aposta menos na organização vertical, autoritária, centralista, clássica dos partidos de esquerda comunista. Embora o PT não seja um partido comunista, nem de longe, é um partido que incorporou vários ex-comunistas, várias pessoas que têm a concepção de que é preciso tomar o Estado, o poder central, para instalar o socialismo, digamos.

E a Marina consegue representar essa outra esquerda?

“O centro do Brasil não é São Paulo, mas a Amazônia”

Eduardo – A Marina está numa posição equívoca, porque ela representa um tipo de pensamento que deveria estar nas ruas, e não no Estado. Deveria estar mobilizando a população, a chamada sociedade civil, e não disputando a presidência num sistema político corrupto, que é praticamente impossível de mexer. Acho que estamos num sistema político com um nó cego e só sairíamos disso aí, literalmente, com uma insurreição popular que forçasse o poder a se auto-reformar. Nestas condições, o governo da Marina é um governo impossível, sob certo ponto de vista. Na minha opinião, depois que ela saiu daquela primeira eleição em 2010 com 20 milhões de votos, tinha que ter saído da lógica da política partidária e se transformado numa líder de movimento social. Uma pessoa capaz de exprimir todo esse jogo de diferenças que tem no Brasil. Ela era líder seringueira, do povo da floresta. Estava lutando pelo ambiente. Essas questões foram sumindo e, quando houve a tentativa de pendurar na campanha dela essas outras lutas para as quais ela pessoalmente não estava preparada – aborto, direitos da mulher, direitos dos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Transgêneros) –, aí ela ficou travada por toda a outra composição dela, que é com o eleitorado evangélico. Então ela também tem o seu problema por ali. Mas o problema principal não é esse. Eu acho que a Marina representa a outra esquerda, a esquerda horizontalista, localista, ambientalista, que entende que é de baixo para cima que as coisas se organizam, mas ela está envolvida num processo eleitoral que é todo o contrário disso. Eleição é um momento de lazer, no sentido de que a população pensa que tem poder, porque pode escolher seus governantes, e depois da eleição volta à posição passiva. Se você tenta sair da posição passiva fora do período eleitoral, a polícia vem e bate em você. Você só pode se manifestar durante as eleições, o povo só pode ser político durante as eleições. Hoje só há dois tipos de cidadão no Brasil: o eleitor e o vândalo. O eleitor só tem uma vez a cada dois, quatro anos, e o resto do tempo você tem que ser vândalo. Ou ficar quietinho em casa, pegando propaganda, sonhando com seu carro e juntando dinheiro para ir para Miami. Acho que a Marina perdeu o rumo. Tenho uma admiração imensa por ela, pessoal, coisa que eu não tenho por nenhum outro. Tenho uma admiração pelo Lula, em outro sentido. Esse cara é incrível, tem um carisma político, mas não o conheço pessoalmente. A Marina, que eu conheço pessoalmente, é uma pessoa fantástica. Inteligentíssima. E é uma pessoa de enorme elegância, no amplo sentido da palavra. Mas ela tem que agradar todo mundo, o que é impossível. Se ela for presidente, espero que ela tenha contado a mentira certa. Isto é, que ela engane, que ela traia, quem merece ser traído. E não, como fez a Dilma, trair quem não merecia ser traído. A Marina não aproveitou a oportunidade para se colocar como uma candidata realmente alternativa. Eu não entendi ainda o que ela está dizendo que seja diferente da Dilma. Não entendi.

Déborah, em sua exposição no colóquio, você falou sobre a esquerda e a direita, a partir de (Gilles) Deleuze (filósofo francês), de uma forma muito interessante….

Déborah – Na verdade, isso é uma definição dele num vídeo que se chama Abecedário. Ele tem outras definições de esquerda, como, por exemplo, que o papel da esquerda é pensar; e que a esquerda coloca questões que a direita quer a todo custo esconder. Essa da percepção é uma que gosto especialmente porque me ajuda a reconhecer posições de direita ou de esquerda. Ser de esquerda é até mais uma questão de percepção do que de conceito. O ser de direita é sempre perceber as coisas a partir de si mesmo, como num endereço postal. Assim: eu, aqui, neste lugar, na minha casa, na rua tal, na praia de Botafogo, Flamengo, Rio de Janeiro, América do Sul. E você pensa o mundo, ali, como uma extensão de si mesmo. E cada vez que você se afasta, vai perdendo interesse, a coisa vai decaindo de valor. E ser de esquerda é o contrário: vai do horizonte até a casa.

Eduardo – Esse pensar a partir de si mesmo significa: como é que eu posso me manter onde estou e não perder nada? Como é que eu posso preservar os meus privilégios, mexer no mundo sem mexer em mim?

Déborah – Acho que a Dilma, o PT, têm sido de direita nesse sentido. O que importa é estender seus próprios privilégios aos outros, trazer os outros para si mesmo, mas pensando a partir de si mesmo. O que eu sou é o que eles devem ser também. Eu continuo a ser o que eu era e dou aos outros um pouco do que eu sou, e no melhor dos mundos eles vão acabar sendo iguais a mim. E a Marina é – ou seria – essa outra maneira de pensar, a partir da floresta, a partir desses outros povos, seria pensar nas outras possibilidades de ser diferente.

“Para imaginar o não fim do mundo é preciso imaginar o fim do capitalismo”

Eduardo – É pensar que o centro do Brasil é a Amazônia, e não São Paulo. No sentido de que é lá que está se decidindo o futuro do Brasil, não em São Paulo. É o que a gente fizer lá, com as pessoas de lá, que vai definir o que o Brasil vai ser. O Brasil vai ser todo São Paulo? Igual a São Paulo? É isso o que a gente quer? Uma grande São Paulo? Ou a gente quer, ao contrário, que o Brasil se “amazonize”, que o que resta de Amazônia no Brasil possa contaminar o Brasil que se “desamazonizou”. A Mata Atlântica sumiu. A gente não quer voltar tudo, mas a gente quer que a Amazônia nos ensine a voltar a ser Mata Atlântica. A gente quer que a Amazônia nos ensine como os pobres da cidade podem voltar a ser um pouco índios. E a gente sabe que, do ponto de vista geopolítico, histórico, a Amazônia é o centro do Brasil. É lá que está rolando tudo. E o pessoal fica discutindo a eleição em São Paulo. É bom que discuta. Tem que discutir a água de São Paulo, é claro. Mas como é que se discute a água de São Paulo? É por causa da Amazônia que está faltando água em São Paulo. É por causa do que estamos fazendo na Amazônia que estamos sofrendo falta de água aqui. Ah, mas a ligação não é direta. Claro que não é direta. Mas existe, e é por ela que a coisa passa. A plataforma da Dilma, no fundo, é isso. Você olha a partir de São Paulo, Brasília, Rio… Você olha a Amazônia a partir de onde você está e vê a Amazônia lá no fundo. Ou então você pode olhar o Brasil a partir da Amazônia e se perguntar o que isso significa. Isso é sair de onde eu estou, é mudar minha posição.

Acho que foi a Isabelle Stengers (filósofa belga) que disse que “o capitalismo pode não se preocupar com a atmosfera, mas é muito mais grave que a atmosfera não se preocupe com o capitalismo”. Você, Eduardo, afirma que é mais fácil imaginar o fim do capitalismo do que o fim do mundo, mas que teremos de imaginar os dois. Mas quem fala no fim do capitalismo é visto como alguém que está viajando, que está fora da realidade. Se essa é também uma crise de imaginação, como fazer isso, na medida em que seria imaginação contra poder?

Eduardo – O ambiente, o clima, a atmosfera estão mudando mais depressa do que o capitalismo, do que a sociedade. O Obama falou isso agora. A gente sempre imaginou a sociedade mudando num ritmo muito mais rápido do que a natureza, que era um pano de fundo imóvel para a história do homem. O fato de que o capitalismo não acaba é a razão pela qual o mundo está acabando, vamos dizer assim. O capitalismo – esse sistema socioeconômico e técnico, instalado desde o começo da modernidade, com a invasão da América, alterações no sistema de propriedade, mudanças técnicas que sobrevieram na Europa ali no começo do século 16, acentuando-se de maneira dramática com a industrialização e o uso de combustíveis fósseis no século 18 – é o responsável pelo estado presente do mundo. Ou seja, para imaginar o não fim do mundo, nós temos que imaginar o fim do capitalismo. E isso é extremamente difícil. Porque a questão do capitalismo nunca foi substituir, mas somar, sobrepor. Então nós temos hoje o quê? Nunca se consumiu tanto carvão quanto se consome agora. Então essa coisa de que o petróleo iria substituir o carvão, porque o petróleo é menos poluente do que o carvão, não é verdade. Está se consumindo mais carvão do que petróleo. Agora está se usando energia nuclear, energia eólica, energia solar. Isso não baixou o consumo de petróleo. O que está acontecendo é que nós estamos acrescentando fontes de energia, ou seja, não para nunca. Quanto mais melhor.

E como se imaginaria o fim do capitalismo?

Eduardo – O fim do capitalismo, provavelmente, não virá do esgotamento das fontes energéticas. Ele virá de outro lugar. Ele virá, provavelmente, de catástrofes climáticas, sociais, políticas. Aí já me permito sonhar um pouco. Com uma certa capacidade de a população planetária pouco a pouco ir criando pequenos bolsões alternativos de deserção. Enfim, uma certa “indianização” da população, na tentativa de se tornar independente das fontes globais de mercadoria, dos sistemas globais de transporte e de energia e lutar pelo mínimo de autossuficiência local, como já vem acontecendo em muitos lugares do planeta. Com ênfase no município, na comunidade, nos governos locais, nos arranjos locais, no transporte de curta distância, no consumo de produtos produzidos não muito longe de casa. Acho que vai haver uma certa contração da economia, porque é muito possível que essas crises afetem os sistemas mundiais de distribuição de energia. Veja essa seca de São Paulo. O que é isso? Isso significa que, enfim, essas cidades gigantescas que dependem de redes gigantescas de aprovisionamento de energia, de água, de eletricidade, etc, vão se tornar inviáveis. Acho que nós tendemos a um mundo de bairros, mais do que a um mundo de megalópoles. A tendência vai ser você criar um mundo onde as relações de vizinhança, a usina solar local, as hortas comunitárias, os governos de vereança local vão se tornar cada vez mais importantes. Acho que vai haver uma inversão da política, cada vez mais de baixo para cima do que de cima para baixo. Ou, pelo menos, a pressão de baixo para cima vai tender a contrabalançar a pressão de cima para baixo exercida pelas grandes companhias de petróleo, pelos governos nacionais, pelos grandes tomadores de decisão do mundo. Eles vão começar a se defrontar com uma multiplicação de ações locais, uma multiplicação de iniciativas cidadãs, se você quiser, que vão se parecer mais com o índio do que com o turista globetrotter que atravessa o planeta como se tivesse sempre no mesmo lugar em toda a parte. Acho que essa é uma maneira de imaginar o fim do capitalismo.

Déborah – Mas acho que isso não basta, porque será necessário um enfrentamento. Senão fica parecendo que cada um saindo para por em prática sua ação local seria o suficiente…

Eduardo – Vai haver sangue, como se diz. Lembremos que a Primavera Árabe teve como um dos fatores fundamentais uma crise brutal de abastecimento alimentar. De pão, particularmente. De trigo. O governo chinês tem tomado medidas dramáticas de redução da poluição e de tentativa de baixar um pouco a bola, porque está havendo uma grande quantidade de revoltas populares, de motins, dessas coisas que a gente não sabe, porque a Muralha na China é altíssima em termos de censura. Mas está havendo uma reação das populações locais, que estão brigando com os governos e pressionando para que ele tome medidas. O futuro nos reserva grandes acontecimentos ruins em termos de catástrofes climáticas, de fome, de seca…

Para vocês, qualquer saída, se há saída, passa pela recusa do excepcionalismo humano. Apareceu várias vezes no colóquio esse mundo de humanos e não humanos horizontalizados. Como seria esse mundo e como mudar uma forma de funcionar, na qual a visão de si mesmo como centro está confundida com a própria identidade do que é ser um humano?

“O símbolo de nossa relação com o mundo é o drone. Somos todosdrones

Eduardo – Tem uma frase que o Lévi-Strauss escreveu certa vez, que é muito bonita. Ele diz que nós começamos por nos considerarmos especiais em relação aos outros seres vivos. Isso foi só o primeiro passo para, em seguida, alguns de nós começar a se achar melhores do que os outros seres humanos. E nisso começou uma história maldita em que você vai cada vez excluindo mais. Você começou por excluir os outros seres vivos da esfera do mundo moral, tornando-os seres em relação aos quais você pode fazer qualquer coisa, porque eles não teriam alma. Esse é o primeiro passo para você achar que alguns seres humanos não eram tão humanos assim. O excepcionalismo humano é um processo de monopolização do valor. É o excepcionalismo humano, depois o excepcionalismo dos brancos, dos cristãos, dos ocidentais… Você vai excluindo, excluindo, excluindo… Até acabar sozinho, se olhando no espelho da sua casa. O verdadeiro humanismo, para Lévi-Strauss, seria aquele no qual você estende a toda a esfera do vivente um valor intrínseco. Não quer dizer que são todos iguais a você. São todos diferentes, como você. Restituir o valor significa restituir a capacidade de diferir, de ser diferente, sem ser desigual. É não confundir nunca diferença e desigualdade. Não é por acaso que todas as minorias exigem respeito. Respeitar significa reconhecer a distância, aceitar a diferença, e não simplesmente ir lá, tirar os pobrezinhos daquela miséria em que eles estão. Respeitar quer dizer: aceite que nem todo mundo quer viver como você vive.

O atual governo, por exemplo, assim como setores da sociedade brasileira, parecem ter dificuldade de reconhecer os índios, os ribeirinhos e os quilombolas no caminho das grandes obras como gente. Se isso é difícil quando se trata de humanos, é imensamente mais difícil respeitar as diferenças dos animais ou das árvores, que, nesse conceito de excepcionalidade que atravessa a nossa forma de enxergar o mundo – e nós no mundo – estão a serviço dos humanos…

Eduardo – Uma coisa é você dizer que os animais são humanos, no sentido de direitos humanos. Outra coisa é dizer que os animais são pessoas, isto é, são seres que têm valor intrínseco. É isso o que significa ser pessoa. Reconhecer direitos aos demais viventes não é reconhecer direitos humanos aos demais viventes. É reconhecer direitos característicos e próprios daquelas diferentes formas de vida. Os direitos de uma árvore não são os mesmos direitos de um cidadão brasileiro da espécie homo sapiens. O que não quer dizer, entretanto, que ela não tenha direitos. Por exemplo, o direito à existência, que só pode ser negado sob condições que exigem reflexão. Os índios não acham que as árvores são iguais a eles. O que eles acham simplesmente é que você não faz nada impunemente. Todo ser vivo, com exceção dos vegetais, tem que tirar a vida de um outro ser vivo para sobreviver. A diferença está no fato de que os índios sabem disso. E sabem que isso é algo sério. Nós estamos acostumados a fazer a nossa caça nos supermercados, não somos mais capazes de olhar de frente uma galinha antes de matá-la para comer. Assim, perdemos a consciência de que nós vivemos num mundo em que viver é perigoso e traz consequências. E que comer tem consequências. Os animais seriam pessoas no sentido de que eles possuem valor intrínseco, eles têm direito à vida, e só podemos tirar a vida deles quando a nossa vida depende disso. Isso é uma coisa que, para os índios, é absolutamente claro. Se você matar à toa, você vai ter problemas. Eles não estão dizendo que é tudo igual. Eles estão dizendo que tudo possui um valor intrínseco e que mexer com isso envolve você mesmo. Acho que o símbolo da nossa relação com o mundo, hoje, é o tipo de guerra que os Estados Unidos fazem com os drones, aqueles aviões não tripulados, ou apertando um botão. Ou seja, você nem vê a desgraça que você está produzindo. Nós todos, hoje, estamos numa relação com o mundo cujo símbolo seria o drone. A pessoa está lá nos Estados Unidos apertando um botão num computador, aquilo vai lá para o Paquistão, joga uma bomba em cima de uma escola, e a pessoa que apertou o botão não está nem sabendo o que está acontecendo. Ou seja, nós estamos distantes. As consequências de nossas ações estão cada vez mais separadas das nossas ações.

Perderam-se os sentidos e as conexões entre morrer e matar…

Eduardo – Exatamente. Ou seja, o índio que vai para o mato e tem que flechar o inimigo, ele tem que arcar com as consequências psicológicas, morais, simbólicas disso. Aquele soldadinho americano que está num quartel nos Estados Unidos, apertando um botão, ele nem sabe o que está fazendo. Porque ele está longe. Você cada vez mais distancia os efeitos das suas ações de você mesmo. Então nós somos todos dronesnesse sentido. A gente compra carne no supermercado quadradinha, bem embaladinha, refrigeradinha, sem cara de bicho. E você está o mais longe possível daquela coisa horrorosa que é o matadouro. Daquela coisa horrorosa que são as fazendas em que as galinhas estão enfiadas em gaiolas apertadas. Se o pessoal lembrar que 50% das galinhas que nascem são galos e que esses 50% que nascem são triturados ao nascer para virar ração animal porque não colocam ovos, talvez não conseguissem comer galinhas. Se você mostrasse que metade dos pintinhos vão todos vivos para uma máquina que tritura, talvez melhorasse um pouco. Mas as pessoas não querem saber disso. Nisso, nós somos iguaizinhos ao soldado americano que aperta o botão para matar inocentes no Paquistão. Nós fazemos a mesma coisa com as galinhas. Nós somos todos drones. Temos uma relação com o mundo igual à que os Estados Unidos tem com suas máquinas de guerra. Somos como os pilotos da bomba atômica que não sabiam bem o que estavam fazendo quando soltaram a bomba atômica em cima de Hiroshima. Dissociação mental. Essa coisa de não se dar conta do que a gente está fazendo, por um lado está aumentando. Mas, por outro lado, com a mudança climática, as pessoas estão começado a perceber que o que elas estão fazendo está influenciando o mundo. Estamos num momento crucial: por um lado o aumento brutal do modelo drone, com tudo cada vez mais distante, e, por outro, as catástrofes batendo na sua porta. O mar está subindo, o furacão está chegando, a seca está vindo.

Eu queria terminar perguntando o seguinte: vocês escrevem que tudo o que pode ser dito sobre a mudança climática se torna anacrônico e tudo o que se pode fazer a respeito é necessariamente pouco e tarde demais. Então, o que fazer? Como sonhar outros sonhos, como diz Isabelle Stengers? Ou como dançar para que o céu não caia na nossa cabeça, como fazem os índios?

Déborah – É tarde demais para algumas coisas, mas não para outras. Disso a gente não pode esquecer nunca. Por exemplo: nós não podemos fazer sumir em curto, médio ou longo prazo com esses gases de efeito estufa. E nem com o forte desequilíbrio energético que nós já causamos, já imprimimos ao sistema climático da Terra. E como as emissões continuam aumentando, acho que não seria razoável esperar, politicamente, que essas emissões sejam estancadas de uma hora para outra.

Eduardo – O mundo está esquentando e não vai parar de esquentar mesmo se a gente parar agora. Já começou um processo que é irreversível, até certo ponto.

Déborah – Então, uma parte do que vai acontecer não depende mais das nossas decisões e ações presentes. Já é passado. Mas existe uma diferença enorme entre um aquecimento de dois graus e um aquecimento de, sei lá, quatro e seis graus. Essa diferença é a diferença entre um mundo difícil e um mundo hostil à espécie humana e a várias outras espécies. Quer dizer, a diferença se traduz entre milhares de mortes por ano em virtude de eventos extremos e milhões de flagelados do clima, de vítimas fatais, talvez centenas de milhões, até, como alguns chegam a dizer. Isso sem contar as outras espécies. Então, não podemos nos dar ao luxo de nos desesperarmos, eu acho.

O desespero é um luxo?

Déborah – É, o desespero seria um luxo. Se a gente pensa em nós mesmos, nos nossos filhos, e nos outros viventes que existem e que vão existir, se desesperar não é uma opção. Então, por um lado a gente tem que fazer o que puder para mitigar essas emissões, para criar também condições de adaptação das diferentes populações, dos ecossistemas, aos efeitos do aquecimento global. Isso em relação ao que já foi e ao que ainda vai ser, que não poderemos evitar. E, por outro lado, nós temos que fazer, como diz Donna Haraway (filósofa americana), numa expressão que é muito boa, mas que não dá muito para traduzir em português: stay with the trouble. Ficar, viver com o problema. Aguentar. Não é só aguentar o tranco. É: sim, temos esse mundo empobrecido, mas nós vamos viver com ele. O que significa viver como a grande maioria das pessoas já vive. Pessoas que não podem se proteger desse mundo que a gente criou, ou acha que criou. Há uma porção de populações que stay with the trouble há muito tempo, e a gente vai ter que aprender com elas.

Eduardo – A gente vai ter que aprender a ter sociedades com capacidade de mudar de escala. Imagina uma aldeia indígena, numa ilha, em que o mar sobe um metro. Será necessário mudar a aldeia de lugar porque o mar subiu um metro. Vai ter que entrar mais para dentro da costa. É chato, tal, mas ela muda de lugar. Agora, imagina Nova York. Os caras não vão conseguir tirar o Empire State do lugar. Ou seja, tem modos de vida em que é muito mais fácil se adaptar ao que vem por aí. Por um lado, a gente fala: quem vai se dar mal primeiro? Quem vai se dar mal primeiro com as mudanças climáticas vão ser os pobres. Eles é que vão ser os primeiros a sofrer. É verdade. Por outro lado, eu desconfio que eles vão ser os primeiros a sofrer e os primeiros a se virar.

Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficçãoColuna Prestes – o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da Rua, A Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Site: elianebrum.com Email: elianebrum.coluna@gmail.com Twitter: @brumelianebrum

Naomi Klein on Cause of Climate Crisis: “Capitalism Is Stupid” (Truthout)

Wednesday, 24 September 2014 09:46

By Sarah Jaffe

2014 923 klein st

Naomi Klein (Photo: Ed Kashi). Naomi Klein, author of the groundbreaking books, No Logo and The Shock Doctrine, is back with a new groundbreaking work, This Changes Everything: Capitalism vs. The Climate. The book resets the debate over global warming by focusing on how it is integrally related to the current economic system that spans the globe. Contribute to Truthout and receive this vitally important work. Click here now.

Naomi Klein is out to change hearts and minds around climate change.

Her new book, This Changes Everything: Capitalism vs. the Climate out now from Simon & Schuster, is a broad challenge to those who want a livable planet: We need to come up with a livable economic system too. Deeply researched and personally reported, Klein’s third book takes us from the tar sands in Alberta (“Earth, skinned alive”) to the oil-soaked waters of the Gulf of Mexico (“a miscarriage”), from climate denier conferences to a meeting of would-be geoengineers, as she traces the path of destruction that capitalism and a mindset she terms “extractivism” – that is perhaps even older – have left on the Earth.

At one point, Klein concedes, it might have been possible to stop the climate crisis with a few regulations here, a carbon tax there. But we’re too far gone for that, and nothing but a full-on change in how humans relate to the Earth and to each other will save us now.

The good news is that Klein has written an immensely hopeful book, a book about people who believe they can make change and who are doing it in the face of a political and economic system that would seem to doom them to failure. She doesn’t define what comes after capitalism, leaving that to the social movements she describes being born all over the world, but sketches its broad outlines, letting us know what this new climate justice movement is against – but also what it is for – and making a case for a broad redistributive justice movement that would include already-existing movements for racial justice, feminism and decolonization.

The problem is, capitalism is stupid … in that it doesn’t actually think.

Truthout’s Sarah Jaffe caught up with Klein on the eve of the People’s Climate March and of the United Nations Climate Summit in New York to talk about why liberalism is not enough, why billionaires can’t save us, and what we need to do to save ourselves.

Sarah Jaffe for Truthout: You’ve written two other books, No Logo andThe Shock Doctrine, that helped to name and understand a particular historic moment. How was this book a direct outgrowth of your previous work, and how has your worldview changed in the years since those other books?

Naomi Klein: In many ways this is a direct continuation of The Shock Doctrine, in that that book begins and ends with Hurricane Katrina and a glimpse of a future in which our world becomes more and more disaster-prone, with an unstable climate and an unstable economy, and each shock pushes us further apart. It’s the vision of the future that I think we actually take so for granted that we just keep repeating that same vision in every sci-fi apocalyptic movie that gets produced. It’s a small group of winners and hordes of locked-out losers.

The Shock Doctrine was about the worst of humanity in crisis. A lot of people asked me, after it was published, whether or not there could be a progressive response. I remember the first event I did for The Shock Doctrine, before it actually came out, in New Orleans and Saket Soni, a fantastic organizer [with the National Guestworker Alliance and the New Orleans Workers’ Center for Racial Justice], stood up and he said, “OK, they have disaster capitalism, we need disaster collectivism!” I used to quote him all the time. I end that book talking about how there are progressive precedents for crisis being moments of tremendous progressive victory and indeed this is why the right learned how to get in there fast before that could happen, that’s what the Shock Doctrine is.

Going back to No Logo, which was more about tracking the rise of the global production chain, part of what [This Changes Everything] is saying is, we knew that they were combing the world for the cheapest possible labor, and we know the effects of that. I think what was less clear at the time is that there was a direct connection between cheap labor and dirty energy, because if you’re a corporation and all you care about is cutting your production costs, that’s all that matters, it’s going to be cheap, abused labor that doesn’t have the freedom to organize, and it’s going to be coal, the cheapest and dirtiest of the fossil fuels.

So the explosion of the so-called global economy has coincided with an emissions explosion, and why would we be surprised by that, in retrospect? But I think when we were fighting those free-trade deals, a lot of us didn’t understand the climate dimension of that battle. It’s all one long story.

In this book, you say what people just aren’t supposed to say: that fixing the climate is incompatible with capitalism. In particular, you point out the ways that the profit motive has proved corrupting, in some cases to green groups themselves, in other cases to the supposedly beneficent pledges made by the superrich. Can you talk a little bit about how profit hasn’t been able to, and won’t be able to, solve the crisis?

There’s a chapter in the book on why the billionaires won’t save us, and the point of that chapter is not to play gotcha with Michael Bloomberg and Richard Branson. It’s actually to say OK, let’s say that these are the most enlightened billionaires on the planet. And let’s say that they at various points have had the shit scared out of them about climate change. But locked within the imperatives of their model, it’s possible for Michael Bloomberg to simultaneously understand the medium-term risk of fossil fuels and to back reports like “Risky Business” that are all about warnings about the billions of dollars in costs that come with a destabilized climate, and Michael Bloomberg, as an investor, to choose, in a very short-term way, to put his billions in oil and gas, which is what he does.

There was this idea that it was just a process of convincing very wealthy people that this really was a problem, and that there really were costs down the road and that in the long term it would be better to prevent it from happening.

The problem is, capitalism is stupid. You know that cover of Bloomberg Businessweek, “It’s Global Warming, Stupid,” well, it is global warming, but capitalism is stupid in that it doesn’t actually think. It seeks the maximum short-term profit. I think people are mistaking the fact that there are billionaires out there that do get the extent of the problem and really do talk a good game about carbon bubbles and the economic risk, for the idea that that’s going to translate into action. Where that becomes really dangerous is that the UN believes this too. I keep getting press releases from the UN about how the best part of the summit is that it has unprecedented participation from multinationals and CEOs from Bank of America and Walmart and McDonald’s and Amoco. It’s still this same idea that getting people around the table with the right information and the right incentives in place will solve this from the top, and there won’t need to be any friction.

I think the real difference is that now there’s a movement on the outside that says no, that understands that the imperatives for the fossil fuel industry are fundamentally incompatible with a livable climate. That’s the point of the carbon tracker research that kicked off the fossil fuel divestment movement because students look at those numbers and go OK, my university is investing in companies that have made a bet against my future. You can debate fossil fuel divestment as a tactic, but I think that it’s important to understand what you’re up against, and I think there’s much more clarity in the movement now than there has been in decades.

You write about the elite background of the environmental movement, the people who would go hunting with Teddy Roosevelt to convince him to conserve something. Green groups have often seemed to forget the people and focus on saving animals, land, and, as you note in the book, are often taking money from polluters even as they profess to fight them. Do you think these problems are connected?

Yes. I think the environmental movement is not a social movement like we normally think of social movements. It’s not a movement of outsiders, and it never really was, except for the environmental justice movement, which has always from its birth been in a relationship of tension with the green NGOs.

I think it follows seamlessly from those early hunting trips to having BP on your board of directors. The real issue is that at earlier stages of capitalism I think it was easier to reconcile saving a river or saving a mountain with the overall imperatives of expansion and growth, but we’re now at a point where that’s not the case, we need to cut too much and too quickly.

Their model used to be “Sue the Bastards” and it became, . . . “Make Markets for the Bastards.”

The other real turning point, as I say in the book, was what happened in the 1980s. It was Nixon who introduced some of the best top-down environmental regulations. There is a Republican tradition in this country of regulating polluters. But that tradition long ago died. Nobody gets regulated anymore, including polluters. What happened in the ’80s is that it became clear that in order to hang on to that insider status that these green groups needed to change. Some groups decided forget it, we’re going to go on the outside, and there were breakaways and new groups formed that were more militant. And other groups changed with the times.

The Environmental Defense Fund is a really interesting example because they were inspired by Rachel Carson; they are the group that deserves a huge amount of the credit for why DDT was banned. Their model used to be “Sue the Bastards,” and it became, in Eric Pooley’s words, “Make Markets for the Bastards.” That’s the model that continues to this day, and that’s the model that we’re going to see at the UN [this] week.

Large parts of the environmental movement have always been part of the inside game, and when the inside changed, and neoliberalism took over, the movement changed along with it. That left it uniquely ill-equipped to deal with a crisis like climate change. So we wasted a lot of time with carbon trading and carbon offsetting and touting natural gas as a bridge fuel and basically doing anything but getting off fossil fuels.

There’s a growing movement to push foundations and universities to divest from fossil fuels, though critics have argued that this won’t change the behavior of fossil fuel companies. In the book, you argue for the value of this movement and also talk about the move to “reinvest” that money in cleaner technologies. Can you explain why you support the divestment movement and what is happening with reinvestment?

One of the things that has been most pronounced in the resurgence and emergence of these anti-extractive fights, anti-pipeline fights, is that more and more people are coming to the same conclusion, which is that we can’t just say no – we also have to be providing people with real economic alternatives.  We’re just going to be fighting against the worst possible ideas unless we can show people that there’s actually another economic model that will bring them jobs and a better way of life. I hear this again and again, see it again and again: frontline activists going, “We need to build an economic alternative right here.” Communities in England that are fighting fracking have decided to launch their own renewable energy co-ops. First Nations communities in Canada where they’re fighting the Tar Sands are simultaneously launching renewable energy projects because the extractive industries right now are the only ones offering jobs. It’s critical to show that there are these alternatives if we aren’t just going to be scrambling all the time.

I think renewable energy is threatening precisely because it lends itself to decentralization.

The problem is always funding. There’s no shortage of great alternatives out there that are justice-based. In building these alternatives, you’re also strengthening the resistance to fossil fuels. What we’re hearing from frontline communities is that this is what’s most important to embolden communities to fight back. I highlight something like the Black Mesa Water Coalition: They have shut down a coal power plant and are successfully fighting coal, but there’s limits to how much they can win, they say, unless they can show that there’s another way to bring resources to the communities. They have this great proposal to have a utility-scale solar project on Navajo land, land that used to be a coal mine, it’s been decommissioned. It’s a beautiful elegant plan. This is the kind of thing that needs to be funded. And it isn’t being funded by government.

So if we think about the capital that is being moved from fossil fuels right now – and it is being moved: A lot of schools are saying no, but a few have said yes; a lot of cities have said yes; a whole bunch of foundations are now on board. I’m really excited by the prospect of that capital going into investing in a just transition; that can really show how possible and inspiring this transition is.

But we can’t mistake that for the scale of action. We need the scale of action like we’re seeing in Germany, where you have a national feed-in tariff that is shifting that country with incredible speed to renewable energy. In the meantime, until we get there, we also need some really good examples of this working.

There are so many brilliant technologies that do exist to challenge the crisis, you note – just this week we heard that Burlington, Vermont is now getting all of its power from renewable sources. Yet the people who propose to save the earth with technology are more interested in terrifying types of geoengineering. Why do you think solar energy isn’t exciting enough for them?

I think renewable energy is threatening precisely because it lends itself to decentralization. It’s not that money can’t be made, but it lends itself to more people making less money. Some people have talked about fossil fuels as technologies of the 1%, or the 1% of the 1%, because as soon as you have an extractive-based technology – I’d include nuclear in that – the resource itself is concentrated in specific locations; it’s not available everywhere; it takes a lot of money to get it out; it takes a lot of money to refine it; it takes a lot of money to transport it. That means you’re only going to have a few big players who are going to profit a lot.

What we can have is more deliberate growth and that does mean valuing work that we currently don’t value at all.

So it’s not that you can’t have all kinds of economic opportunities in a renewables-based economy. But it is going to be a more level economy because you have so many players. That’s what’s worked best in Germany, the multiplication of these small-scale projects. You’ve got some big projects as well, but you have 900 new energy co-ops, hundreds of municipal-scale renewable energy utilities popping up. It’s not about whether you can make money off this. It’s about whether a few people are going to continue to make the kind of stupid money that is actually the barrier to progress. I think the answer is no, and that’s why they’re fighting tooth and nail to protect that model and are willing to entertain dimming the sun and fertilizing the seas before they entertain putting up solar panels on a mass scale.

Your subtitle is Capitalism vs. the Climate, but you actually go beyond capitalism and challenge the whole mindset of what you call “extractivism.” I kept finding myself thinking, at various times, that the book was also about “patriarchy vs. the climate” and “colonialism vs. the climate.” There’s a theme that runs through the book where you talk about the need to revalue caring work, women’s reproductive labor, even mention the Wages for Housework movement. I would love to hear you talk about what kind of work we need to value, what kinds of values we need to have in order to create a new system beyond capitalism.

It’s a great question. It is beyond – that’s why I talk about extractivism as a mindset. Some people talk about it as instrumentalism, which is really just about “I’m going to take from you and get whatever I can out of you.” That’s how we relate to each other, and that’s how we relate to the earth. It’s not a reciprocal relationship, it isn’t a regenerative relationship. We need to get at the core of how we got here in the first place, which was this mentality of this intense hierarchy between people who supposedly mattered and people who didn’t matter, places that supposedly mattered and places that didn’t matter and could therefore be sacrificed.

It is important to understand the clash between the kind of economic growth that we have and the constraints presented to us by atmospheric science. We can’t just keep growing our economy. But that said, there are low-carbon parts of our economy that we want to expand and can expand. What we can’t have is stupid growth in the same way that we can’t have stupid profits. What we can have is more deliberate growth, and that does mean valuing work that we currently don’t value at all.

When we do that work of valuing work that is now being belittled and mistreated, what we start doing is creating more economic options for people and for communities, and that in turn makes it less likely for people to make those impossible decisions that so many communities are being asked to make right now; whether to have water or whether to have a mine; or whether to have a refinery in their backyard.

That’s why I talk about basic income as well, that there has to be a stronger social safety net because when people don’t have options, they’re going to make bad choices. Let’s have better choices on the table.

You write about the hope that has come since you started work on this book, the new movements, the new attention. What more hopeful signs have you seen since you finished the book?

I’m excited about the energy of this moment where I see a lot of people engaging in climate change that I know weren’t engaged just a year ago. It’s really exciting to see a lot of people who were involved in Occupy Wall Street getting involved in Flood Wall Street. I think those connections are being made really fast by some really smart people who’ve already shown that they can change the debate.

Having spent a few weeks talking mostly to journalists about the book, a lot of mainstream journalists outside of the US, I think that the moment we’re in is essentially about whether or not we believe in social movements. It’s really striking to me. If somebody, a progressive person who has experience with social movements and believes in social movements reads the book, they tell me that they feel inspired and hopeful and excited. But a lot of the liberal journalists who I’ve been speaking to tell me that they read the book, and it just fills them with despair because they don’t believe in activism. I expected to be having arguments about the science; I expected to be having arguments about the policy: I’ve had basically none of those. I’m having arguments about whether or not there’s a reason to have any hope at all. That’s a hard thing to do all day!

I think there’s something about climate change – I’m realizing this more and more since finishing the book – that really demarcates the difference between liberals and radicals, liberals and leftists in the sense that if you are really committed to that sort of reasonable centrist reformist model, top-down model of change, and you also are willing to look at the science and look at the, be honest about the kind of economy we’re in, then you’re filled with despair. Look at Ezra Klein writing “7 reasons America will fail on climate change.” If you believe that the only way the world changes is through a combination of policy wonks and enlightened leaders, then you will be in despair because you will look at the aligned, entrenched interests in a dysfunctional democracy, and you will say “we’re cooked.”

If, however, you believe that social movements have grabbed the wheel of history before and might just do it again, if you’ve caught glimpses of that in your life, the moments when suddenly it seems that everything’s changing, then you still hold out that hope.

I’m looking forward to being around activists for a few days!

Heirs to Rockefeller oil fortune divest from fossil fuels over climate change (The Guardian)

Heirs to Standard Oil fortune join campaign that will withdraw a total of $50bn from fossil fuels, including from tar sands funds

US will not commit to climate change aid for poor nations

in New York

The Guardian, Monday 22 September 2014 17.19 BST

Peter O'Neill, head of the Rockefeller family and great-great-grandson of John D Rockefeller, along with Neva Rockefeller Goodwin (second from the right_, great-granddaughter of of John D. Rockefeller, and Stephen B Heintz, president of the Rockefeller Brothers Fund.

Peter O’Neill, head of the Rockefeller family and great-great-grandson of John D Rockefeller, along with Neva Rockefeller Goodwin (second from the right_, great-granddaughter of of John D. Rockefeller, and Stephen B Heintz, president of the Rockefeller Brothers Fund. Photograph: Brendan McDermid/Reuters

The heirs to the fabled Rockefeller oil fortune withdrew their funds from fossil fuel investments on Monday, lending a symbolic boost to a $50bn divestment campaign ahead of a United Nations summit on climate change.

The former vice-president, Al Gore, will present the divestment commitments to world leaders, making the case that investments in oil and coal have an uncertain future.

With Monday’s announcement, more than 800 global investors – including foundations such as the Rockefeller Brothers, religious groups, healthcare organisations, cities and universities – have pledged to withdraw a total of $50bn from fossil fuel investments over the next five years.

The Rockefeller Brothers Fund controls about $860m in assets, said Beth Dorsey, the chief executive of the Wallace Global Fund and the Divest-Invest movement, which has led the divestment campaign. About 7% are invested in fossil fuels.

But the Rockefellers’ decision to cut their ties with oil lends the divestment campaign huge symbolic importance because of their family history. The divestment move also helps bring a campaign launched by scrappy activists on college campuses into the financial mainstream.

But for oil, there may not have been a Rockefeller fortune. John and William Rockefeller were the co-founders of the Standard Oil Company, which at the time operated the world’s biggest refineries, and overtime spawned Exxon, Amoco and Chevron.

Now, after a year of deliberations, the descendants of those original Rockefellers had decided the time had come to move away from oil.

“John D Rockefeller, the founder of Standard Oil, moved America out of whale oil and into petroleum,” Stephen Heintz, president of the Rockefeller Brothers Fund, said in a statement. “We are quite convinced that if he were alive today, as an astute businessman looking out to the future, he would be moving out of fossil fuels and investing in clean, renewable energy.”

In addition to the Rockefellers, the World Council of Churches, which represents some 590 million people in 150 countries – also pulled its investments from fossil fuels on Monday. The move represented a turning point for a movement which began by demanding that universities purge their financial holdings of ties to the fossil fuel industry.

About 30 cities have also chosen to divest, including Santa Monica and Seattle.

“When you have the Rockefellers and the World Council of Churches and institutions with global reach coming together and divesting, then this movement which began just three short years ago has really reached a significant turning point,” Dorsey said.

In that time, supporters such as Archbishop Desmond Tutu have framed divestment from fossil fuels as a moral imperative – like the anti-apartheid movement of a generation ago.

“Climate change is the human rights challenge of our time. We can no longer continue feeding our addiction to fossil fuels as if there is no tomorrow, for there will be no tomorrow,” Tutu said in a video address.

The Rockefeller Brothers Fund over the years has been a big supporter of environmental causes, including to campaign groups opposed to fracking and the Keystone XL pipeline, which made for an awkward fit at times with its continued investment in oil and gas. The family plans to first divest from tar sands commitments.

A number of universities have also started to cut their ties with fossil fuel – with Stanford University dropping coal holdings from its $18bn endowment.

But divestment remains a hard sell. The University of California system said last week it would continue to hold on to fossil fuels. Harvard University has also resisted pressure from faculty and students to divest – although Yale has said it will look into whether renewable energy offers a better bet in the long run.

“In the last great divestment campaign, Harvard said no before it said yes. I think it’s just a matter of time,” Dorsey said. “Unlike with the anti-apartheid movement, this is not just an ethical issue. There is a powerful financial reason as well.”

Working Undercover in a Slaughterhouse: an interview with Timothy Pachirat (Medium)

Timothy Pachirat, is Assistant Professor of Political Science at the University of Massachusetts Amherst and the author of Every Twelve Seconds: Industrialized Slaughter and the Politics of Sight, an ethnographic account of his undercover job in a cattle slaughterhouse. Pachirat’s book reveals the timeless human pattern of hidden violence and reluctance to awaken to unpleasant realities that we are all implicated in by the very fact of living together in society. I interviewed him in 2012 as part of my MetaHack interview series .

 

Avi Solomon: Tell us a bit about yourself.

Timothy Pachirat: I was born and raised in northeastern Thailand in a Thai-American family. In high school, I spent a year in the high desert of rural Oregon as an exchange student where I worked on a cattle ranch, farmed alfalfa, and—improbably—became a running back for the school’s football team. Since then, I’ve lived in Illinois, Indiana, Connecticut, Alabama, Nebraska, and New York City working as a builder of housing trusses, a pizza deliverer, a behavioral therapist for children diagnosed with autism, a stay-at-home-dad, a graduate student, a slaughterhouse worker, and as an assistant professor of politics.

 

Timothy Pachirat

Avi: What alerted you to the importance of doing ethnographic fieldwork?

Timothy: Like many mixed-race, mixed-culture, and mixed-language kids, I developed something of an innate ethnographic sensibility by virtue of the complex cultural terrain I grew up in. Long before I’d ever heard the word ‘ethnography,’ for example, I spent my undergraduate fall and spring breaks sleeping alongside and getting to know unhoused men and women on Lower Wacker Drive in Chicago as a way of making some sense of the vast inequalities I perceived in American society and in the world. While pursuing a Ph.D. in political science at Yale University, it seemed natural to gravitate to a research orientation that would allow me to engage bodily—as participant and as observer—with the lived experiences of people I might not otherwise ever come into contact with. I was learning a lot of fancy theories that were thrilling on paper, and I was learning some powerful techniques of statistical analysis, but only ethnography allowed me to weigh those made-in-the-academy concepts and techniques against the situated, specific, and beautifully complex lived experiences of the actual social worlds those concepts and techniques purported to describe and explain.

 

Avi: Why did you choose to go undercover in a slaughterhouse?

Timothy: I wanted to understand how massive processes of violence become normalized in modern society, and I wanted to do so from the perspective of those who work in the slaughterhouse. My hunch was that close attention to how the work of industrialized killing is performed might illuminate not only how the realities of industrialized animal slaughter are made tolerable, but also the way distance and concealment operate in analogous social processes: war executed by volunteer armies; the subcontracting of organized terror to mercenaries; and the violence underlying the manufacturing of thousands of items and components we make contact with in our everyday lives. Like its more self-evidently political analogues—the prison, the hospital, the nursing home, the psychiatric ward, the refugee camp, the detention center, the interrogation room, and the execution chamber—the modern industrialized slaughterhouse is ‘zone of confinement,’ a ‘segregated and isolated territory,’ in the words of sociologist Zygmunt Bauman, ‘Invisible,’ and ‘on the whole inaccessible to ordinary members of society.’ I worked as an entry level worker on the kill floor of an industrialized slaughterhouse in order to understand, from the perspective of those who participate directly in them, how these zones of confinement operate.

Avi: Can you tell us about the slaughterhouse you worked in?

Timothy: Because my goal was not to write an expose of a particular place, I do not name the Nebraska slaughterhouse I worked in or use real names for the people I encountered there. The slaughterhouse employs nearly eight hundred nonunionized workers, the vast majority being immigrants from Central and South America, Southeast Asia, and East Africa. It generates over $820 million annually in sales to distributors within and outside of the United States and ranks among the top handful of cattle-slaughtering facilities worldwide in volume of production. The line speed on the kill floor is approximately three hundred cattle per hour, or one every twelve seconds. In a typical workday, between twenty-two and twenty-five hundred cattle are killed there, adding up to well over ten thousand cattle killed per five-day week, or more than half a million cattle slaughtered each year.

Avi: What jobs did you end up doing there?

Timothy: My first job was as a liver hanger in the cooler. For ten hours each day, I stood in 34 degrees cold and took freshly eviscerated livers off an overhead line and hung them on carts to be chilled for packing. I was then moved to the chutes, where I drove live cattle into the knocking box where they were shot in the head with a captive bolt gun. Finally, I was promoted to a quality-control position, a job that gave me access to every part of the kill floor and made me an intermediary between the USDA federal meat inspectors and the kill floor managers.

Avi: How did you acclimatize to the work?

Timothy: Slowly and painfully. Each job came with its own set of physical, psychological, and emotional challenges. Although it was physically demanding, my main battle hanging livers in the cooler was with the unbearable monotony. Pranks, jokes, and even physical pain became ways of negotiating that monotony. Working in the chutes took me out of the sterilized environment of the cooler and forced a confrontation with the pain and fear of each individual animal as they were driven up the serpentine line into the knocking box. Working as a quality control worker forced me to master a set of technical and bureaucratic requirements even as it made me complicit in surveillance and disciplining my former coworkers on the line. Although it’s been over seven years since I left the kill floor, I am still struck by the continued emotional and psychological impacts that come from direct participation in the routinized taking of life.

Avi: How did your coworkers treat you?

Timothy: I would never have lasted more than a few days in the slaughterhouse were it not for the kindness, acceptance, and, in some cases, friendship of my fellow line workers. They showed me how to do the work, bailed me out when I screwed up, and, more importantly, taught me how to survive the work. Still, there were divisions and tensions amongst the workers based on race, gender, and job responsibilities. In addition to showing the forms of solidarity amongst the workers, my book also details these tensions and how I navigated them.

 

“Knocking” Box

Avi: Who is a “knocker”?

Timothy: The knocker is the worker who stands at the knocking box and shoots each individual animal in the head with a captive bolt steel gun. Of 121 distinct kill floor jobs that I map and describe in the book, only the knocker both sees the cattle while sentient and delivers the blow that is supposed to render them insensible. On an average day, this lone worker shoots 2,500 individual animals at a rate of one every twelve seconds.

Avi: Who else is directly involved in killing each cow?

Timothy: After the knocker shoots the cattle, they fall onto a conveyor belt where they are shackled and hoisted onto an overhead line. Hanging upside down by their hind legs, they travel through a series of ninety degree turns that take them out of the knocker’s line of sight. There, a presticker and sticker sever the carotid arteries and jugular veins. The animals then bleed out as they travel further down the overhead chain to the tail ripper, who begins the process of removing their body parts and hides. Of over 800 workers on the kill floor, only four are directly involved in the killing of the cattle and less than 20 have a line of sight to the killing.

Avi: Were you able to interview any knockers?

Timothy: I was not able to directly interview the knocker, but I spoke with many other workers about their perceptions of the knocker. There is a kind of collective mythology built up around this particular worker, a mythology that allows for an implicit moral exchange in which the knocker alone performs the work of killing, while the work of the other 800 slaughterhouse workers is morally unrelated to that killing. It is a fiction, but a convincing one: of all the workers in the slaughterhouse, only the knocker delivers the blow that begins the irreversible process of transforming the live creatures into dead ones. If you listen carefully enough to the hundreds of workers performing the 120 other jobs on the kill floor, this might be the refrain you hear: ‘Only the knocker.’ It is simple moral math: the kill floor operates with 120+1 jobs. And as long as the 1 exists, as long as there is some plausible narrative that concentrates the heaviest weight of the dirtiest work on this 1, then the other 120 kill floor workers can say, and believe it, ‘I’m not going to take part in this.’

Avi: What are the main strategies used to hide violence in the slaughterhouse?

Timothy: The first and most obvious is that the violence of industrialized killing is hidden from society at large. Over 8.5 billion animals are killed for food each year in the United States, but this killing is carried out by a small minority of largely immigrant workers who labor behind opaque walls, most often in rural, isolated locations far from urban centers. Furthermore, laws supported by the meat and livestock industries are currently under consideration in six states that criminalize the publicizing of what happens in slaughterhouses and other animal facilities without the consent of the slaughterhouse owners. Iowa’s House of Representatives, for example, forwarded a bill to the Iowa Senate last year that would make it a felony to distribute or possess video, audio, or printed material gleaned through unauthorized access to a slaughterhouse or animal facility.

Second, the slaughterhouse as a whole is divided into compartmentalized departments. The front office is isolated from the fabrication department, which is in turn isolated from the cooler, which is in turn isolated from the kill floor. It is entirely possible to spend years working in the front office, fabrication department, or cooler of an industrialized slaughterhouse that slaughters over half a million cattle per year without ever once encountering a live animal much less witnessing one being killed.

 

Cattle Kill Floor Plan

But third and most importantly, the work of killing is hidden even at the site where one might expect it to be most visible: the kill floor itself. The complex division of labor and space acts to compartmentalize and neutralize the experience of “killing work” for each of the workers on the kill floor. I’ve already mentioned the division of labor in which only a handful of workers, out of a total workforce of over 800, are directly involved in or even have a line of sight to the killing of the animals. To give another example, the kill floor is divided spatially into a clean side and a dirty side. The dirty side refers to everything that happens while the cattle’s hides are still on them and the clean side to everything that happens after the hides have been removed. Workers from the clean side are segregated from workers on the dirty side, even during food and bathroom breaks. This translates into a kind of phenomenological compartmentalization where the minority of workers who deal with the “animals” while their hides are still on are kept separate from the majority of workers who deal with the *carcasses* after their hides have been removed. In this way, the violence of turning animal into carcass is quarantined amongst the dirty side workers, and even there it is further confined by finer divisions of labor and space.

In addition to spatial and labor divisions, the use of language is another way of concealing the violence of killing. From the moment cattle are unloaded from transport trucks into the slaughterhouse’s holding pens, managers and kill floor supervisors refer to them as ‘beef.’ Although they are living, breathing, sentient beings, they have already linguistically been reduced to inanimate flesh, to use-objects. Similarly, there is a slew of acronyms and technical language around the food safety inspection system that reduces the quality control worker’s job to a bureaucratic, technical regime rather than one that is forced to confront the truly massive taking of life. Although the quality control worker has full physical movement throughout the kill floor and sees every aspect of the killing, her interpretive frame is interdicted by the technical and bureaucratic requirements of the job. Temperatures, hydraulic pressures, acid concentrations, bacterial counts, and knife sanitization become the primary focus, rather than the massive, unceasing taking of life.

Avi: Is anyone working in the slaughterhouse consciously aware of these strategies?

Timothy: I don’t think anyone sat down and said, ‘Let’s design a slaughtering process that creates a maximal distance between each worker and the violence of killing and allows each worker to contribute without having to confront the violence directly.’ The division between clean and dirty side on the kill floor mentioned earlier, for example, is overtly motivated by a food-safety logic. The cattle come into the slaughterhouse caked in feces and vomit, and from a food-safety perspective the challenge is to remove the hides while minimizing the transfer of these contaminants to the flesh underneath. But what’s fascinating is that the effects of these organizations of space and labor are not just increased ‘efficiency’ or increased ‘food-safety’ but also the distancing and concealment of violent processes even from those participating directly in them. From a political point of view, from a point of view interested in understanding how relations of violent domination and exploitation are reproduced, it is precisely these effects that matter most.

 

Auschwitz Death Factory Plan by Sonderkommando survivor David Olere

Avi: Did the death factories of Auschwitz have the same mechanisms at work?

Timothy: I recommend Zygmunt Bauman’s superb book, Modernity and the Holocaust, for those interested in how parallel mechanisms of distance, concealment, and surveillance worked to neutralize the killing work taking place in Auschwitz and other concentration camps. The lesson here, of course, is not that slaughterhouses and genocides are morally or functionally equivalent, but rather that large-scale, routinized, and systematic violence is entirely consistent with the kinds of bureaucratic structures and mechanisms we typically associate with modern civilization. The French sociologist Norbert Elias argues—convincingly, in my view—that it is the “concealment” and “displacement” of violence, rather than its elimination or reduction, that is the hallmark of civilization. In my view, the contemporary industrialized slaughterhouse provides an exemplary case that highlights some of the most salient features of this phenomenon.

Avi: Violence is found hidden in even the most “normal” of lives. How can we spot this pervading presence in our daily life?

Timothy: We—the ‘we’ of the relatively affluent and powerful—live in a time and a spatial order in which the ‘normalcy’ of our lives requires our active complicity in forms of exploitation and violence that we would decry and disavow were the physical, social, and linguistic distances that separate us from them ever to be collapsed. This is true of the brutal and entirely unnecessary confinement and killing of billions of animals each year for food, of the exploitation and suffering of workers in Shenzhen, China who produce our iPads and cell phones, of the ‘enhanced interrogation techniques’ deployed in the name of our security, and of the ‘collateral damage’ created by the unmanned-aerial-vehicles that our taxes fund. Our complicity lies not in a direct infliction of violence but rather in our tacit agreement to look away and not to ask some very, very simple questions: Where does this meat come from and how did it get here? Who assembled the latest gadget that just arrived in the mail? What does it mean to create categories of torturable human beings? The mechanisms of distancing and concealment inherent in our divisions of space and labor and in our unthinking use of euphemistic language make it seductively easy to avoid pursuing the complex answers to these simple questions with any sort of determination.

Months after I left the slaughterhouse, I got in an argument with a brilliant friend over who was more morally responsible for the killing of the animals: those who ate meat or the 121 workers who did the killing. She maintained, passionately and with conviction, that the people who did the killing were more responsible because they were the ones performing the physical actions that took the animal’s lives. Meat eaters, she claimed, were only indirectly responsible. At the time, I took the opposite position, holding that those who benefited at a distance, delegating this terrible work to others while disclaiming responsibility for it, bore more moral responsibility, particularly in contexts like the slaughterhouse, where those with the fewest opportunities in society performed the dirty work.

I am now more inclined to think that it is the preoccupation with moral responsibility itself that serves as a deflection. In the words of philosopher John Lachs, ‘The responsibility for an act can be passed on, but its experience cannot.’ I’m keenly interested in asking what it might mean for those who benefit from physically and morally dirty work not only to assume some share of responsibility for it but also to directly experience it. What might it mean, in other words, to collapse some of the mechanisms of physical, social, and linguistic distances that separate our ‘normal’ lives from the violence and exploitation required to sustain and reproduce them? I explore some of these questions at greater length in the final chapter of my book.

 

Avi: Who was Cinci Freedom? What mythologizing purpose does she serve?

Timothy: I open the book with the story of a cow that escaped from a slaughterhouse up the street from the one I was working in. Omaha police chased the cow and cornered it in an alleyway that bordered my slaughterhouse. It happened to be during our ten minute afternoon break and many of the slaughterhouse workers witnessed the police opening fire on the animal with shotguns. The next day in the lunchroom, the anger, disgust, and horror at the police killing of the animal was palpable, as was the strong sense of identification with the animal’s treatment at the hands of the police. And yet, at the end of lunch break, workers returned to work on a kill floor that killed 2,500 animals each day.

Cinci Freedom was another Charolais cow that escaped from a Cincinnati slaughterhouse in 2002. She was recaptured after several days only with the help of thermal imaging equipment deployed from a police helicopter. Unlike the anoymous Omaha cow that was gunned down by the police, Cinci Freedom became an instant celebrity. The mayor gave her a key to the city and she was provided passage to The Farm Sanctuary in Watkins Glen, NY, where she lived until 2008.

Although at first glance the fates of the Omaha cow and of Cinci Freedom are very different, I think both responses are equally effective ways of neutralizing the threat posed by these animals. Their escapes from the slaughterhouse were not just physical escapes but also conceptual escapes, moments of rupture in an otherwise routine and normalized system of industrialized killing. Extermination and elevation to celebrity status (not unlike the ritual presidential pardoning of the Thanksgiving turkey) are both ways of containing the dangers posed by these moments of conceptual rupture. They also point to the promises and limitations of rupture as a political tactic, for example the digital ruptures that occur with the release of shocking undercover footage from slaughterhouses and other zones of confinement where the work of violence is routinely carried out on our behalf.

Money talks when it comes to acceptability of ‘sin’ companies, study reveals (Science Daily)

Date: July 30, 2014

Source: University of Toronto, Rotman School of Management

Summary: Companies who make their money in the ‘sin’ industries such as the tobacco, alcohol and gaming industries typically receive less attention from institutional investors and financial analysts. But new research shows social norms and attitudes towards these types of businesses are subject to compromise when their share price looks to be on the rise.


Companies who make their money in the “sin” industries such as the tobacco, alcohol and gaming industries typically receive less attention from institutional investors and financial analysts.

But new research shows social norms and attitudes towards these types of businesses are subject to compromise when their share price looks to be on the rise. A paper from the University of Toronto’s Rotman School of Management found that institutional shareholdings and analysts’ coverage of sin firms were low when firm performance was low but went up with rising performance expectations.

That suggests that market participants may ignore social norms and standards with the right financial reward.

“This is a way to test the trade-off between people’s non-financial and financial incentives. The boundary of people’s social norms is not a constant,” said researcher Hai Lu, an associate professor of accounting at the Rotman School. Prof. Lu co-wrote the paper with two former Rotman PhD students, McMaster University’s Kevin Veenstra and Yanju Liu, now with Singapore Management University.

The paper sheds light on why there can be a disconnect between the investment behaviour of Wall St. and the ethical expectations of ordinary people. It also suggests a worrisome implication that compromising one’s ethical values in the face of high financial rewards can become a social norm in itself.

On the brighter side, the paper also finds that strong social norms still have an influence over people’s behaviour. If social norms are strong enough and the price of ignoring them is high, this may act as a disincentive to disregard them in favour of other benefits.

This is the first study to examine whether the social acceptability of sin stocks can vary with financial performance. The researchers compared consumption and attitudinal data with information on sin firm stocks, analysts’ coverage and levels of institutional investment.

Journal Reference:

  1. Liu, Yanju and Lu, Hai and Veenstra, Kevin J. Is Sin Always a Sin? The Interaction Effect of Social Norms and Financial Incentives on Market Participants’ Behavior. Accounting, Organizations and Society, March 31, 2014 [link]

Luxury cruise line accused of offering ‘environmental disaster tourism’ with high-carbon footprint Arctic voyage (The Independent)

Cruise passengers will pay upwards of £12,000 to see polar bears and humpback whales in their natural habitat – before it disappears

ADAM WITHNALL
Tuesday 29 July 2014

A luxury cruise operator in the US has announced it will offer a “once-in-a-lifetime” trip to experience the environmental devastation of the Arctic – using a mode of transport that emits three times more CO2 per passenger per mile than a jumbo jet.

It will be the first ever leisure cruise through the Northwest Passage, only accessible now because of the melting of polar ice, and is being marketed at those with an interest in witnessing the effects of climate change first-hand.

Tickets for the trip, scheduled for 16 August 2016 and organised by Crystal Cruises, will cost between $20,000 (£12,000) and $44,000.

Yet there is no mention on Crystal Cruises’ promotion or FAQ for the journey of the boat’s own carbon footprint.

Up to 1,070 passengers will be taken on the 32-day expedition to see seals, walruses, humpback whales and musk-ox – though the company admits there is “no guarantee” of catching a glimpse of a polar bear.

The bulk of the voyage will take place on the Crystal Serenity, a 68,000-ton, 13-deck ship, though it will also be accompanied by an escort vessel and a helicopter.

Popular Science described the trip as “environmental disaster tourism”, and quoted research which suggests that the carbon footprint of a cruise ship, per passenger per mile covered, is triple that of a Boeing 747 flight.

The company said passengers may be able to see endangered polar bears while on the cruise

The company said passengers may be able to see endangered polar bears while on the cruise

The cruise promotion was criticised by social media users for giving people the opportunity to “see/help ruin the environment”, “watch the ravages of global warming in person and become a human vulture” and take a “high-carbon-footprint cruise to watch polar bears drown”.

World Ocean Observatory wrote: “Is no place safe from our intrusion, waste, and consumption?”

In an FAQ on its website, Crystal Cruises said 14 experts would be accompanying guests on the cruise to give lectures about the impacts on the environment around them of climate change, as well as the “historic” nature of their inaugural journey down the Northern Passage.

Company executive Thomas Mazloum told the website GCaptain: “During this voyage, speakers will enlighten guests on information regarding climate change, and how it has impacted this passage.

“With the recent retreat of polar ice, the time is right for us to lead the way within the travel industry, as Crystal has done throughout our 25-year history.”

Under the heading of “Environmental” on its FAQ, Crystal Cruises said both the main ship and escort vessel would “voluntarily use Marine Gas Oil, a low-sulphur fuel… well in excess of the existing environmental regulations”.