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A internet e o “orgasmo democrático” (Outras Palavras)

06/11/2013 – 10h05

por Marcos Nunes Carreiro, do Outras Palavras

rede A internet e o “orgasmo democrático”

A emergente participação em rede não produzirá novas ideologias unitárias ou revoluções, mas poderá destruir o velho jogo da governança representativa.

Muito se fala de como as redes sociais vêm modificando o pensamento social e ampliando a capacidade de reflexão, sobretudo dos jovens, em razão da participação fundamental da internet nas manifestações e protestos que tomaram o Brasil nos últimos meses. As mani­festações já viraram pauta nas escolas e com certeza serão conhecidas das próximas gerações. Mas, afinal, qual é o papel político-social das redes sociais e da internet?

Há quem diga que o momento atual do Brasil é de orgasmo democrático, ao ver milhares de pessoas saindo às ruas em razão da situação político-econômica do país. E é realmente instigante acompanhar a efervescência da sociedade, até para quem não tem ânimo de participar. Todavia, há discordância quanto ao termo “orgasmo democrático”. O professor da Faculdade de Comu­nicação da Universidade Federal de Goiás (UFG), Magno Medeiros, por exemplo, diz que orgasmo é um fenômeno fugaz e de satisfação imediata, ao contrário do que vive o Brasil atualmente.

Para ele, o que ocorre, na verdade, é a erupção de uma dor crônica, sedimentada há várias décadas em torno da insatisfação em relação aos direitos de cidadania. “Direitos básicos, como ter um transporte urbano decente, como ter o direito de ser bem tratado na rede pública de saúde, como ter uma educação de qualidade e de acesso democrático a todos. O Brasil experimentou, nos últimos anos, avanços consideráveis no campo da redução das desigualdades sociais e da minimização dos bolsões de pobreza, mas os setores sociais pobres e miseráveis, que emergiram para a classe C, querem mais do que apenas consumir bens básicos como geladeira, fogão, computador, celular, etc. Eles querem ser tratados com dignidade”, diz.

Ideologia social

O autor da expressão que titula a matéria é o italiano Massimo Di Felice, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP) e PHD em sociologia pela Universidade Paris Descartes V, Sorbonne. Di Felice é professor da Escola de Comu­nica­ção e Artes da USP, onde fundou o Centro de Pesquisa Atopos e coordena as pesquisas “Redes digitais e sustentabilidade” e “Net-ativismo: ações colaborativas em redes digitais”.

O termo “orgasmo democrático” surgiu quando o professor foi questionado sobre como, antes, o que reunia milhares de pessoas eram ideologias políticas, e hoje já não é assim. Seria então possível afirmar que vivemos a época de um processo de criação democrática de ideologia social? Segundo Di Felice, a razão política ocidental moderna europeia, positivista e portadora de uma concepção unitária da história, criou as democracias nacionais representativas, que se articulavam pelo agenciamento da conflitualidade através dos partidos políticos e dos sindicatos. E a estrutura comunicativa dessas instituições, correspondente aos fluxos comunicativos da mídia analógica – imprensa, TV e jornais –, é centralizada e vertical, além de maniqueísta, isto é, divide e organiza o mundo em mocinhos e vilões, direita e esquerda, revolucionários e reacionários etc.

Contudo, as redes digitais criaram outros tipos de fluxo comunicativo, descentralizados, que permitem o acesso às informações e a participação de todos na construção de significados. “A razão política moderna é fálica e cristã, busca dominar o mundo, rotula pensamentos enquanto os simplifica, necessita de inimigos e promete a salvação. Já a lógica virtual é plural, se alimenta do presente e não possui ideologia, além de viver o presente ato impulsivo”, analisa.

Ele diz ser normal que a sociedade queira identificar e julgar os movimentos, rotulando-os por exemplo de “fascistas”, pois, segundo ele, a razão ordenadora odeia o novo e o que não compreende. “Porém, julgar os diversos não-movimentos que nasceram pelas redes (espontâneos e não unitários) é como julgar a emoção e a conectividade orgiástica (‘orghia’ em grego significa “sentir com”). A democracia do Brasil está passando de sua dimensão pública televisiva, eleitoral e representativa, para a dimensão digital-conectiva. O país está experimentando um orgasmo democrático. A lógica é, como diria Michel Maffesoli, dionisíaca e não ideológica.”

Segundo Di Felice, do ponto de vista sociopolítico, as arquiteturas informativas digitais e as redes sociais estão trazendo, no mundo inteiro, alterações qualitativas que podem ser classificadas em dez pontos: 1. A possibilidade técnica do acesso de todos a todas as informações; 2. O debate coletivo em rede sobre a questões de interesse público; 3. O fim do monopólio do controle e do agenciamento das informações por parte dos monopólios econômicos e políticos das empresas de comunicação; 4. O fim dos pontos de vista centrais e das ideologias políticas modernas (seja de esquerda ou direita) que tinham a pretensão de controlar e agenciar a conflitualidade social; 5. O fim dos partidos políticos e da cultura representativa de massa que ordenavam e controlavam a participação dos cidadãos, limitando-a ao voto a cada quatro anos.

A partir do sexto ponto, o professor classifica aquilo que trata da evolução sistêmica: 6. O advento de uma lógica social conectiva que se expressa na capacidade que as redes sociais digitais têm de reunir, em tempo real, uma grande quantidade de setores diversos e heterogêneos da população em torno de temáticas de interesse comum; 7. A passagem de um tipo de imaginário político baseado na representação identitária e dialética (esquerda-direita; progressistas-reacionários, etc.) para uma lógica experiencial, conectiva e tecno-colaborativa, que se articula não mais através das ideologias, mas através da experiência entre indivíduos, informações e territórios; 8. O advento de um novo tipo de gestão pública e de democracia; 9. A transformação da relação entre político e cidadão e do papel dos eleitos, que passam a ser considerados não mais como representantes do poder absoluto, mas porta-vozes e meros executores da vontade popular que os vigia a cada decisão; 10. A passagem de um imaginário político, baseado em uma esfera pública na qual a participação dos cidadãos era apenas opinativa, para formas de deliberação coletiva e práticas de decisão colaborativas que se articulam autonomamente nas redes. Acompanhe a entrevista:

Massimo Di Felice 350x200 A internet e o “orgasmo democrático”

Massimo Di Felice

Os protestos são organizados nas redes, mas nota-se que há líderes surgindo nas ruas. Como o senhor vê isso?

Os movimentos nascem nas redes, atuam em ruas, mas não em ruas comuns. Eles atuam em “ruas conectadas” e reproduzindo em tempo real, nas redes, os acontecimentos das manifestações. Através da computação móvel, debatem e buscam soluções continuamente, expressando uma original forma de relação tecno-humana e inaugurando o advento de uma dimensão meta-geográfica e atópica (do greco a-topos: lugar indescritível, lugar estranho, fora do comum). Embora o sociólogo espanhol Manuel Castells defenda que os movimentos sociais contemporâneos nascem nas redes e que somente depois, nas ruas, ganham maior visibilidade, não me parece ser esta a sua descrição mais apropriada. Ao contrário: o que está acontecendo em todas as ruas, em diversos países do mundo, é o advento de uma dimensão imersiva e informativa do conflito, que se exprime numa espacialidade plural, conectiva e informativa. Os manifestantes habitam espaços estendidos, decidem suas estratégias e seus movimentos nas ruas através da interação contínua nas “social networks” e da troca instantânea de informações. Não somente se deslocam conectados, mas a manifestação é tal e acontece de fato somente se é postada na rede, tornando-se novamente digital, isto é, informação. Não é mais possível pensar em espaços físicos versus espaços informativos. Os conflitos são informativos. Jogos de trocas entre corpos e circuitos informativos, experimentações do surgimento de uma carne informatizada, que experimenta as suas múltiplas dimensões: a informativa digital e a sangrenta material, golpeada e machucada. Ambas são reais e nenhuma é separada da outra, mas cada uma ganha a sua “veracidade” no seu agenciamento com a outra.

Todos esses dias de junho, em São Paulo, e em muitas outras capitais, jogamos games coletivos – todos fomos conectados a circuitos de informações, espaços e curtos-circuitos que alteravam nossos movimentos segundo as imagens e as interações dos demais membros do jogo. Todos experimentamos a nossa plural e interativa condição habitativa. O sangue dos manifestantes, golpeados pelos policiais, não caía apenas no chão das ruas, mas se derramava em espacialidades informativas. A polícia, através da computação móvel e das conexões instantâneas, tornou-se mídia, cúmplice de um ato informativo, e os manifestantes experimentaram o prazer de transformar seus corpos em informação. Transformar a polícia em mídia foi uma das grandes contribuições destes movimentos, que não possuem líderes nem direção única. Todas as tentativas oportunistas de direcionar e organizar os conjuntos de movimentos serão desmascaradas. Estamos falando da sociedade civil conectada e não deste ou daquele movimento social. Os atores destes movimentos, portanto, não são apenas os humanos, menos ainda alguns líderes. Não estamos falando de movimentos tradicionais que aconteciam nos espaços urbanos e industriais. Estamos, de fato, já em outro mundo.

Fora das redes, ainda há muita gente sem entender o que as manifestações significam, ou como elas surgiram. No ambiente virtual, há maior entendimento sobre o tema?

As manifestações do Brasil são expressões de uma transformação qualitativa que desde o advento da internet altera a forma de participação e o significado da ação social. O Centro de Pesquisa Atopos, da Universidade de São Paulo, está finalizando uma pesquisa internacional sobre o tema, com o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

A pesquisa analisou as principais formas de net- ativismo em quatro países (Brasil, França, Itália e Portugal). Os resultados são interessantes e mostram claramente alguns elementos comuns que, mesmo em contextos diferentes, se reproduzem e aparecem como caraterísticas parecidas. Isso sublinha, mais uma vez, a importância das redes de conectividade e as caraterísticas tecno-informativas dessas expressões de conflitualidade que surgem na origem, na organização e nas formas de atuação destes movimentos. Em síntese, as principais caraterísticas comuns a todos eles são as seguintes: 1. O net-ativismo se coloca fora da tradição política moderna, pois expressa um novo tipo de conflitualidade que não tem como objetivo a disputa pelo poder. Todos os movimentos que marcam as diversas formas de conflitualidade contemporânea (os Zapatistas, os Indignados, Occupy Wall Street, Anonymous, M15 etc.) não têm como objetivo tornar-se partidos políticos e concorrer nas eleições. São todos explicitamente apartidários e contra a classe política. Reúnem-se todos contra a corrupção, os abusos e a incapacidade dessas mesmas classes políticas e de seus representantes; 2. São movimentos e ações que não estão organizados de forma tradicional, isto é, não são homogêneos, compostos por pessoas que se reconhecem na mesma ideologia ou em torno do mesmo projeto político. Ao contrário: são formas de protesto compostas por diversos atores e nos quais, como numa arquitetura reticular, as contraposições não são dialéticas e não inviabilizam a ação; 3. Possuem uma forma organizativa informal e, sobretudo, sem líderes e sem hierarquias; 4. O anonimato é um valor, não somente porque permite a defesa perante ações repressivas, mas porque é a forma através da qual é defendida a não-identidade, coletiva ou individual, de seus membros e das ações. Na tradição das ações net-ativistas, a ausência de identidade e a não visibilidade é o meio através do qual a conflitualidade não se institucionaliza, tornando-se, assim, irreconhecível, não identificável e capaz de conservar a sua própria eficácia conflitiva; 5. São movimentos ou ações temporários e, portanto, não duradouros, cujas finalidades e ambições máximas são o próprio desaparecimento.

Estes e outros elementos que encontramos em todas as ações net-ativistas são parte, já, de uma tradição que possui textos e reflexões que vão desde o cyberpunk até as contribuições de Hakim Bey, a guerrilha midiática de Luther Blisset, até a conflitualidade informativa zapatista. Os Anonymous e os Indignados e as diversas formas de conflitualidade digital contemporâneas são, na sua especificidade, a continuação disso. Não há uniformidade, nem pertença de nenhum tipo, mas inspiração.

A questão informativa é a grande façanha da tecnologia?

Na teoria da opinião pública, estamos assistindo a uma grande passagem do líder de opinião para o empreendedor cognitivo. O líder de opinião ganhava seu poder de persuasão através do poder midiático que lhe permitia, de forma privilegiada, através da TV ou das páginas de um jornal, alcançar grande parte da população de um país. Esta figura, geralmente um comentarista, um cientista político, um profissional da comunicação, um político ou uma personalidade pública, é hoje substituído no interior das novas dinâmicas dos fluxos informativos por outro tipo de informante e de mediador. Este é aquele que, por ter vivenciado ou por ter sido o próprio protagonista de um acontecimento, distribui, através das mídias digitais, diretamente, sem mediações, o acontecimento.

É o caso dos manifestantes que postaram tudo o que aconteceu nas ruas durante as manifestações. Nenhum comentarista ou líder de opinião conseguiu competir e disputar com eles outra versão dos acontecimentos. Eles, os manifestantes, fizeram a cobertura do evento com seus celulares, suas câmeras baratas, a partir do próprio lugar dos acontecimentos, ao vivo. A maioria das informações que circulavam foi produzida por eles. Isso foi possível porque existe uma tecnologia que permite que isso seja possível. Isto é, também um fato político que quebra em pedaços décadas de estudos sociológicos sobre a relação entre mídia e política, entre mídia e poder. A grande transformação que as redes digitais produzem é a interatividade. As pessoas conectadas buscam suas informações, as ordenam, obtêm mais fontes e elementos para avaliá-las. Digamos que, tendencialmente, a população é mais consciente, pois tem acesso direto a uma quantidade infinita de informações sobre qualquer tipo de assunto, tornando-se eles mesmos editores e criadores de conteúdo. Da mesma maneira, pelos mesmos dinamismos informativos, eles se tornam políticos, administradores e transformadores de suas cidades ou de suas localidades.

O senhor é europeu, mas vive há muitos anos na América Latina. Como difere o processo de expressão massiva entre os dois continentes?

Absolutamente não se distingue. Os movimentos possuem todos eles as mesmas características. Em cada país temos situações específicas e atores diferentes, mas que atuam de maneira análoga: através das redes digitais. Possuem a mesma específica forma de organização coletiva: não institucionalizada e sem hierarquia. Expressam as mesmas reivindicações: contra a corrupção dos partidos políticos, por maior transparência e eficiência, melhor qualidade dos serviços públicos. Desconfiam todos de seus representantes e querem decidir diretamente sobre os assuntos que lhes interessam.

Quais as consequências dessa posição que as manifestações assumem?

A rede é o “Além do Homem” do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Não é fácil, no seu interior, construir éticas coletivas, nem majoritárias, pois o seu dinamismo é emergente e sua forma, temporária. A participação em rede não irá produzir novas ideologias unitárias, menos ainda revoluções, pois sua razão não é abstrata e universal, mas particular e conectiva, mutante e incoerente. Apenas poderá destruir o velho jogo vampiresco da governança representativa e partidária, pois esta não é mais representativa e gera um sistema baseado na corrupção, em que a corrupção não é exceção, mas regra e norma do jogo.

As ideologias políticas que prometiam a igualdade e a salvação do mundo fracassaram, não apenas em seu intento socioeconômico igualitário, mas naquele mais importante: de produzir um novo imaginário social e cultural que nos tornasse parte de uma sociedade mais justa, na qual pudéssemos nos tornar melhores do que somos. A não-ética coletiva das redes não será um decálogo de normas e uma visão de mundo organizada e proferida pela boca das vanguardas, ou dos líderes iluminados, sempre prontos a surfar uma nova onda, mas será muito mais humildemente particular. Não mudará o mundo, mas resolverá através da conectividade problemas concretos e específicos, que têm a ver com a qualidade do ar, o direito à informação, o preço do transporte público, a qualidade do atendimento nos hospitais, a qualidade da educação. Isto é: tudo aquilo que partido nenhum jamais conseguiu fazer.

Para certa esquerda, está em marcha o acirramento de um fascismo nas manifestações, cujo sintoma é a rejeição de partidos nas passeatas. Uma ala da direita, com o apoio da imprensa, também contesta as manifestações como sendo “armação” da esquerda.

É visível para todos o oportunismo e o desespero de uma cultura política da modernidade que se descobriu, de repente, obsoleta e fora da história. Nenhum partido de esquerda consegue hoje representar os anseios e as utopias sequer de uma parte significativa da população. Eles se encontram na singular e cômica situação do menino escoteiro que, para cumprir sua boa ação, tenta convencer a velhinha a atravessar a rua para poder ajudá-la. Só que a velhinha não quer cruzar a rua, mas deseja ir em outra direção. A lógica dialética, eurocêntrica e cristã, baseada na contraposição entre o bem e o mal, marca toda a cultura política da esquerda – que hoje se configura como uma religião laica, não mais racional nem propositiva, mas histérica.

O advento dos movimentos e das manifestações expressou com clareza o desaparecimento do papel de vanguarda, e a incapacidade histórica de análise e de abertura à diversidade e ao livre debate dos partidos. Como na lógica da salvação religiosa, o bom e o justo existem e justificam a sua função somente enquanto existe o mal. A caça às bruxas é uma exigência, a última tentativa de justificar sua função, e uma necessidade ainda de sua presença em defesa dos mais “fracos” e “necessitados”. Não excluo que, em casos não representativos, tenhamos tido a presença de grupos de alguns poucos e isolados indivíduos de direita. Mas a reação e a caça às bruxas que foi gerada é de natureza histérica e a-racional, a última tentativa de voltar no tempo e na história – um passado ameaçador em que havia necessidade de uma ordem, de uma ideologia e de uma vanguarda que representasse o confortador papel da figura paterna.

* Massimo Di Felice estará presente esta semana no I Congresso Internacional de Net-Ativismo, na USP, ao lado de outros pesquisadores renomados: Pierre Lévy, Michel Maffesoli, José Bragança de Miranda e Alberto Abruzzese. 

** Publicado originalmente no site Outras Palavras.

Black Bloc: “Fazemos o que os outros não têm coragem de fazer” (Revista Fórum)

Eles afirmam não temer o confronto com a polícia e defendem a destruição de “alvos capitalistas”. Conheça a história e a forma de luta que se popularizou com o movimento antiglobalização e ganha destaque no Brasil

Esta matéria faz parte da edição 125 da revista Fórum.

Por Paulo Cezar Monteiro

20/08/2013 7:20 pm

“Os ativistas Black Bloc não são manifestantes, eles não estão lá para protestar. Eles estão lá para promover uma intervenção direta contra os mecanismos de opressão, suas ações são concebidas para causar danos às instituições opressivas.” É dessa forma que a estratégia de ação do grupo que vem ganhando notoriedade devido às manifestações no País é definida por um vídeo, divulgado pela página do Facebook “Black Bloc Brasil”, que explica parte das motivações e forma de pensar dos seus adeptos.

A ação, ou estratégia de luta, pode ser reconhecida em grupos de pessoas vestidas de preto, com máscaras ou faixas cobrindo os rostos. Durante os protestos, eles andam sempre juntos e, usualmente, atacam de maneira agressiva bancos, grandes corporações ou qualquer outro símbolo das instituições Eles afirmam não temer o confronto com a polícia e defendem a destruição de “alvos capitalistas”. Conheça a história e a forma de luta que se popularizou com o movimento antiglobalização e ganha destaque no Brasil “capitalistas e opressoras”, além de, caso julguem necessário, resistirem ou contra-atacarem intervenções policiais.

Devido ao atual ciclo de protestos de rua, o Black Bloc entrou no centro do debate político nacional. Parte das análises e opiniões classifica as suas ações como “vandalismo” ou “violência gratuita”, e também são recorrentes as críticas ao anonimato produzido pelas máscaras ou panos cobrindo a face dos adeptos. Mas o Black Bloc não é uma organização ou entidade. Leo Vinicius, autor do livro Urgência das ruas – Black Bloc, Reclaim the Streets e os Dias de Ação Global, da Conrad, (sob o pseudônimo Ned Ludd), a define o como uma forma de agir, orientada por procedimentos e táticas, que podem ser usados para defesa ou ataque em uma manifestação pública.

(Flickr.com/nofutureface)

Zuleide Silva (nome fictício), anarquista e adepta do Black Bloc no Ceará, frisa que eles têm como alvo as “instituições corporativas” e tentam defender os manifestantes fora do alcance das ações repressoras da polícia. “Fazemos o que os manifestantes não têm coragem de fazer. Botamos nossa cara a tapa por todo mundo”, afirma.

O jornalista e estudioso de movimentos anarquistas, Jairo Costa, no artigo “A tática Black Bloc”, publicado na Revista Mortal, lembra que o Black Bloc surgiu na Alemanha, na década de 1980, como uma forma utilizada por autonomistas e anarquistas para defenderem os squats (ocupações) e as universidades de ações da polícia e ataques de grupos nazistas e fascistas. “O Black Bloc foi resultado da busca emergencial por novas táticas de combate urbano contra as forças policiais e grupos nazifascistas. Diferentemente do que muitos pensam, o Black Bloc não é um tipo de organização anarquista, ONG libertária ou coisa parecida, é uma ação de guerrilha urbana”, contextualiza Costa.

De acordo com um dos “documentos informativos” disponíveis na página do Facebook, alguns dos elementos que os caracterizam são a horizontalidade interna, a ausência de lideranças, a autonomia para decidir onde e como agir, além da solidariedade entre os integrantes. Atualmente, há registros, por exemplo, de forças de ação Black Bloc nas recentes manifestações e levantes populares no Egito.

Manifestantes se reúnem em rua do Leblon, no Rio de Janeiro, próximos à casa do governador Sérgio Cabral (Foto: Mídia Ninja)

Black Bloc no Brasil

Para Leo Vinicius, é um “pouco surpreendente” que essa estratégia de manifestação urbana, bastante difundida ao redor do mundo, tenha demorado a chegar por aqui. “Essa forma de agir em protestos e manifestações ganhou muito destaque dentro dos movimentos antiglobalização, na virada da década de 1990 para 2000. Não é uma forma de ação política realmente nova”. No Brasil, existem páginas do movimento de quase todas as capitais e grandes cidades, a maior parte delas criadas durante o período de proliferação dos protestos. A maior é a Black Bloc Brasil, com quase 35 mil seguidores, seguida pela Black Bloc–RJ, com quase 20 mil membros.

A respeito da relação com o anarquismo, Vinicius faz uma ressalva. É preciso deixar claro que a noção de que “toda ação Black Bloc é feita por anarquistas e que todos anarquistas fazem Black Bloc” é falsa. “A história do Black Bloc tem uma ligação com o anarquismo, mas outras correntes como os autonomistas, comunistas e mesmo independentes também participavam. Nunca foi algo exclusivo do anarquismo. Na prática, o Black Bloc, por se tratar de uma estratégia de operação, pode ser utilizado até por movimentos da direita”, explica o escritor.

Para alguns ativistas, o processo de aceitação das manifestações de rua, feito pela grande mídia e por parte do público, de certa forma impôs que, para serem considerados legítimos, os protestos deveriam seguir um padrão: pacífico, organizado, com cartazes e faixas bem feitas e em perfeito acordo com as leis. Vinicius demonstra certa preocupação com a possibilidade do fortalecimento da ideia de que essa forma “pacífica” seja vista como o único meio possível ou legítimo de protestar. Ele afirma que não entende como violenta a ação Black Bloc de quebrar uma vidraça ou se defender de uma ação policial excessiva. “A violência é um conceito bastante subjetivo. Por isso, não dá pra taxar qualquer ato como violento, é preciso contextualizá-lo, entender as motivações por trás de cada gesto”, avalia.

Para ele, a eficácia de uma manifestação está em saber articular bem formas de ação “pacíficas” e “não pacíficas”. Foi esse equilíbrio, analisa, que fez com que o Movimento Passe Livre – São Paulo (MPL-SP) barrasse o aumento da tarifa na capital paulista. “Só com faixas e cartazes a tarifa não teria caído”, atesta. “Quem tem o poder político nas mãos só cede a uma reivindicação pelo medo, por sentir que as coisas podem sair da rotina, de que ele pode perder o controle do Estado”, sentencia.

Por outro lado, Vinicius alerta que é preciso perceber os limites para evitar que as ações mais “radicais” façam com que o movimento seja criminalizado ou se isole da sociedade e, com isso, perca o potencial de realizar qualquer mudança. Em sua obra, faz a seguinte definição daqueles que adotam a estratégia Black Bloc: “Eles praticam uma desobediência civil ativa e ação direta, afastando assim a política do teatro virtual perfeitamente doméstico, dentro do qual [a manifestação política tradicional] permanece encerrada. Os BB não se contentam com simples desfiles contestatórios, certamente importantes pela sua carga simbólica, mas incapazes de verdadeiramente sacudir a ordem das coisas”, aponta.

Outra crítica recorrente é o fato de os BB usarem máscaras ou panos para cobrirem os rostos. Os adeptos da ação explicam que as máscaras são um meio de proteger suas identidades para “evitar a perseguição policial” e outras formas de criminalização, como também criar um “sentimento de unidade” e impedir o surgimento de um “líder carismático”.

Luta antiglobalização

Com o passar do tempo, segundo Jairo Costa, as táticas Black Bloc passaram a ser reconhecidas como um meio de expressar a ira anticapitalista. Ele explica que geralmente as ações são planejadas para acontecer durante grandes manifestações de movimentos de esquerda.

O estudioso destaca como um dos momentos mais significativos da história Black Bloc a chamada “Batalha de Seattle”, em 1999, contra uma rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC). Em 30 de novembro daquele ano, após uma tarde de confrontos com as forças policiais, uma frente móvel de black blockers conseguiu quebrar o isolamento criado entre os manifestantes e o centro comercial da cidade. Após vencer o cerco policial, os manifestantes promoveram a destruição de várias propriedades, limusines e viaturas policiais, e fizeram várias pichações com a mensagem “Zona Autônoma Temporária”. Estimativas apontam prejuízos de 10 milhões de dólares, além de centenas de feridos e 68 prisões.

Para Costa, um dos episódios mais impactantes – e duros – da história Black Bloc foi o assassinato de Carlo Giuliani, jovem anarquista de 23 anos, durante a realização simultânea do Fórum Social de Gênova e a reunião do G8 (Grupo dos oito países mais ricos), na Itália, em julho de 2001. Ele lembra que, após vários confrontos violentos – alguns deles vencidos pelos manifestantes, que chegaram a provocar a fuga dos policiais, que deixaram carros blindados para trás –, ocorreu o episódio que levou à morte de Giuliani.
“Ele partiu para cima de um carro de polícia tentando atirar nele um extintor de incêndio. Muitos fotógrafos estavam por lá e seus registros falam por si. Ao se aproximar do carro, Giuliani é atingido por dois tiros, um na cabeça. E, numa cena macabra, o carro da polícia dá marcha a ré e atropela-o várias vezes”, narra. Os assassinos de Carlo Giuliani não foram condenados. Dois anos após o fato, a Justiça italiana considerou que a ação policial se deu como “reação legítima” ao comportamento do militante.

Alvos capitalistas

Entre as formas de ação direta do Black Bloc destacam-se os ataques aos chamados “alvos simbólicos do capital”, que incluem joalherias, lanchonetes norte-americanas ou ainda a depredação de instituições oficiais e empresas multinacionais. Costa explica que essas ações “não têm como objetivo atingir pessoas, mas bens de capital”.

Zuleide justifica a destruição praticada contra multinacionais ou outros símbolos capitalistas, porque elas seriam mecanismo de “exploração e exclusão das pessoas”. “Queremos que esses meios que oprimem e desrespeitam um ser humano se explodam, vão embora, morram. Trabalhar dez horas por dia para não ganhar nada, isso é o que nos enfurece. Por isso, nossas ações diretas a eles, porque queremos causar prejuízos, para que percebam que há pessoas que rejeitam aquilo e que lutam pela população”, explica.

Ela reconhece que essas ações diretas podem deixá-los “mal vistos” na sociedade, já que há pessoas que pensam: “Droga, não vou poder mais comer no ***** porque destruíram tudo”. Porém, Zuleide afirma que o trabalhador, explorado por essas corporações, “adoraria fazer o que nós fazemos”, mas, por ter família para sustentar e contas a pagar, não faz. “Esse é mais um dos motivos que nos fazem do jeito que somos”, pontua.

Vinicius explica que, nas “ações diretas”, os black blockers atacam bens particulares por considerarem que “a propriedade privada – principalmente a propriedade privada corporativa – é em si própria muito mais violenta do que qualquer ação que possa ser tomada contra ela”. Quebrar vitrines de lojas, por exemplo, teria como função destruir “feitiços” criados pela ideologia capitalista. Esses “feitiços” seriam meios de “embalar o esquecimento” de todas as violências cometidas “em nome do direito de propriedade privada” e de “todo o potencial de uma sociedade sem ela [as vitrines]”.

Sem violência?

Em praticamente todas as manifestações, independentemente das causas e dos organizadores, tornou-se comum o grito: “Sem violência! Sem violência!”, que tinha como destinatários os policiais que, teoricamente, entenderiam o caráter “pacifista” do ato. Também seria uma tentativa de coibir a ação de “vândalos” ou “baderneiros”, que perceberiam não contar com o apoio do restante da massa.

Zuleide reconhece que, inicialmente, a ação Black Bloc era alvo desses gritos, mas, segundo ela, quando as pessoas entendem a forma como eles atuam, isso muda. “Os manifestantes perceberam que o Estado não iria nos deixar falar, nos deixar reivindicar algo, e começaram a nos reprimir. Quando há confronto [com a polícia], nós os ajudamos retardando a movimentação policial ou tirando eles de situações que ofereçam perigo, e alguns perceberam isso”, afirma.

Apesar de os confrontos com policiais não serem uma novidade durante as suas ações, os adeptos afirmam não ter como objetivo atacar policiais. Contudo, outro documento intitulado “Manifesto Black Bloc” deixa claro que, caso a polícia assuma um caráter “opressor ou repressor”, ela se torna, automaticamente, uma “inimiga”.

No “Manual de Ação Direta – Black Bloc”, também disponível na internet, a desobediência civil é definida como “a não aceitação” de uma regra, lei ou decisão imposta, “que não faça sentido e para não se curvar a quem a impõe. É este o princípio da desobediência civil, violenta ou não”. Entre as possibilidades de desobediência civil são citadas, por exemplo, a não aceitação da proibição da polícia que a manifestação siga por determinado caminho, a resistência à captura de algum manifestante ou, ainda, a tentativa de resgatar alguém detido pelos policiais.

Também são ensinadas táticas para resistir a gás lacrimogêneo, sprays de pimenta e outras formas de ação policial, além de dicas de primeiros socorros e direitos legais dos manifestantes. De acordo com o documento, as orientações desse manual tratam apenas da desobediência civil “não violenta”.

Outra orientação é que seja definido, antes da manifestação, se a desobediência civil será “violenta” ou “não violenta”. Caso se opte pela ação ‘não violenta’, essa decisão deve ser respeitada por todos, visto que não cumprir o combinado pode pôr “em risco” outros companheiros, além de ser um sinal de “desrespeito”.

Contudo, o mesmo manual deixa claro que o que “eles fazem conosco” todos os dias é uma violência, sendo assim, “a desobediência violenta é uma reação a isso e, portanto, não é gratuita, como eles tentam fazer parecer”.

Uma breve história

1980: O termo Black Bloc (Schwarzer Block) é usado pela primeira vez pela polícia alemã, como
forma de identificar grupos de esquerda na época denominados “autônomos, ou autonomistas”, que lutavam contra a repressão policial aos squats (ocupações).

1986: Fundada, em Hamburgo (Alemanha), a liga autonomista Black Bloc 1500, para defender o Hafenstrasse Squat.

1987: Anarquistas vestidos com roupas pretas protestam em Berlim Ocidental, por ocasião da presença de Ronald Reagan, então presidente dos EUA, na cidade.

1988: Em Berlim Ocidental, o Black Bloc confronta-se com a polícia durante uma manifestação
contra a reunião do Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

1992: Em São Francisco (EUA), na ocasião do 500º aniversário da descoberta da América por Cristóvão Colombo, o Black Bloc manifesta-se contra o genocídio de povos nativos das Américas.

1999: Seattle contra a Organização Mundial do Comércio (OMC). Estima-se em 500 o número de integrantes do Black Bloc que destruíram o centro econômico da cidade.

2000: Em Washington, durante reunião do FMI e Banco Mundial, cerca de mil black blockers anticapitalistas saíram às ruas e enfrentaram a polícia.

2000: Em Praga (República Tcheca), forma-se um dos maiores Black Blocs que se tem notícia, durante a reunião do FMI. Cerca de 3 mil anarquistas lutam contra a polícia tcheca.

2001: Quebec (Canadá). Membros do Black Bloc
são acusados de agredir um policial durante uma marcha pela paz nas ruas de Quebec. Após esse evento, a população local e vários manifestantes de esquerda distanciaram-se da tática Black Bloc e de seus métodos extremos.

2001: A cidade de Gênova (Itália), ao mesmo tempo, recebeu a cúpula do G8 e realizou o Fórum Social de Gênova, com um grande número de Black blockers, além de aproximadamente de 200 mil ativistas. A ação ficou marcada pela violenta morte do jovem Carlo Giuliani, de 23 anos.

2007: Em Heiligendamm (Alemanha), reunião do G8 foi alvo de uma ação com a participação de cerca de 5 mil blackblockers . Mobilização Black Bloc de cerca de 5.000 pessoas

2010: Toronto (Canadá), na reunião do G20. Neste confronto, mais de 500 manifestantes foram presos e dezenas de outros ativistas foram parar em hospitais com inúmeras fraturas.

2013: Cairo (Egito). O Black Bloc aparece com forte atuação nos protestos da Praça Tahir, no combate e resistência ao exército do então presidente Hosni Mubarak.

Fonte: Artigo “A Tática Black Bloc”, escrito por Jairo Costa, na Revista Mortal, 2010

Peter Pál Pelbart: “Anota aí: eu sou ninguém” (Folha de S.Paulo)

19/07/2013 – 03h30

Slavoj Zizek reconheceu no “Roda Viva” que é mais fácil saber o que quer uma mulher, brincando com a “boutade” freudiana, do que entender o Occupy Wall Street.

Não é diferente conosco. Em vez de perguntar o que “eles”, os manifestantes brasileiros, querem, talvez fosse o caso de perguntar o que a nova cena política pode desencadear. Pois não se trata apenas de um deslocamento de palco –do palácio para a rua–, mas de afeto, de contaminação, de potência coletiva. A imaginação política se destravou e produziu um corte no tempo político.

A melhor maneira de matar um acontecimento que provocou inflexão na sensibilidade coletiva é reinseri-lo no cálculo das causas e efeitos. Tudo será tachado de ingenuidade ou espontaneismo, a menos que dê “resultados concretos”.

Como se a vivência de milhões de pessoas ocupando as ruas, afetadas no corpo a corpo por outros milhões, atravessados todos pela energia multitudinária, enfrentando embates concretos com a truculência policial e militar, inventando uma nova coreografia, recusando os carros de som, os líderes, mas ao mesmo tempo acuando o Congresso, colocando de joelhos as prefeituras, embaralhando o roteiro dos partidos –como se tudo isso não fosse “concreto” e não pudesse incitar processos inauditos, instituintes!

Como supor que tal movimentação não reata a multidão com sua capacidade de sondar possibilidades? É um fenômeno de vidência coletiva –enxerga-se o que antes parecia opaco ou impossível.

E a pergunta retorna: afinal, o que quer a multidão? Mais saúde e educação? Ou isso e algo ainda mais radical: um outro modo de pensar a própria relação entre a libido social e o poder, numa chave da horizontalidade, em consonância com a forma mesma dos protestos?

O Movimento Passe Livre, com sua pauta restrita, teve uma sabedoria política inigualável. Soube até como driblar as ciladas policialescas de repórteres que queriam escarafunchar a identidade pessoal de seus membros (“Anota aí: eu sou ninguém”, dizia uma militante, com a malícia de Odisseu, mostrando como certa dessubjetivação é condição para a política hoje. Agamben já o dizia, os poderes não sabem o que fazer com a “singularidade qualquer”).

Mas quando arrombaram a porteira da rua, muitos outros desejos se manifestaram. Falamos de desejos e não de reivindicações, porque estas podem ser satisfeitas. O desejo coletivo implica imenso prazer em descer à rua, sentir a pulsação multitudinária, cruzar a diversidade de vozes e corpos, sexos e tipos e apreender um “comum” que tem a ver com as redes, com as redes sociais, com a inteligência coletiva.

Tem a ver com a certeza de que o transporte deveria ser um bem comum, assim como o verde da praça Taksim, assim como a água, a terra, a internet, os códigos, os saberes, a cidade, e de que toda espécie de “enclosure” é um atentado às condições da produção contemporânea, que requer cada vez mais o livre compartilhamento do comum.

Tornar cada vez mais comum o que é comum –outrora chamaram isso de comunismo. Um comunismo do desejo. A expressão soa hoje como um atentado ao pudor. Mas é a expropriação do comum pelos mecanismos de poder que ataca e depaupera capilarmente aquilo que é a fonte e a matéria mesma do contemporâneo –a vida (em) comum.

Talvez uma outra subjetividade política e coletiva esteja (re)nascendo, aqui e em outros pontos do planeta, para a qual carecemos de categorias. Mais insurreta, de movimento mais do que de partido, de fluxo mais do que de disciplina, de impulso mais do que de finalidades, com um poder de convocação incomum, sem que isso garanta nada, muito menos que ela se torne o novo sujeito da história.

Mas não se deve subestimar a potência psicopolítica da multidão, que se dá o direito de não saber de antemão tudo o que quer, mesmo quando enxameia o país e ocupa os jardins do palácio, pois suspeita que não temos fórmulas para saciar nosso desejo ou apaziguar nossa aflição.

Como diz Deleuze, falam sempre do futuro da revolução, mas ignoram o devir revolucionário das pessoas.

PETER PÁL PELBART, 57, filósofo húngaro, é professor titular de filosofia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tradutor de Deleuze e autor de “Vida Capital”

Armadilhas para Dilma (Folha de S.Paulo)

JC e-mail 4768, de 15 de Julho de 2013.

Folha publica artigo assinado pela professora Maria Sylvia Carvalho Franco

Os atuais movimentos de massa no Brasil não se devem apenas a recentes demandas sociais, econômicas ou políticas. Essa atribuição toma o resultado pela gênese dos eventos. Estes determinam-se no interior de um arraigado sistema produzido em nossa história.

Destaca-se na origem da sociedade brasileira a ex­ploração de riquezas baseadas na escravidão moderna, instituição constitutiva do capitalismo, articulada às mudanças socioeconômicas, inclusive o trabalho livre, em curso na Europa. Não por acaso, J. Locke deu forma teórica às práticas capitalistas, fundamentou o pensamento liberal e legitimou a escravidão moderna, alicerçando-os no direito natural e individual à propriedade: só o proprietário pertence ao gênero humano. Os sem posses convertem-se em inferiores, justificando-se o seu jugo e a pena de morte para quem atenta contra a propriedade, “ipso facto”, contra a vida e a liberdade.

A violência do estado de natureza permeia a sociedade civil, garantindo –pela recusa de sua humanidade– a exploração do trabalhador livre e do escravo. Na vertente moderna e cristã exposta por Locke, o escravo está expulso do estado de natureza, segregado da religião, excluído da sociedade civil.

Entre nós, esse elenco articulou-se ao absolutismo português gerando, em nossa concretização do capitalismo, ampla rede de controle social arbitrário e economia espoliativa. Por séculos, mudanças decisivas ocorreram entre dominantes e dominados, mas subsiste a essência dessa ordem: a produção de lucro. Distraída desse fato, Dilma caiu em ciladas, algumas embutidas em sua própria ideologia.

A primeira delas foi acatar o esquema de poder construído por seu antecessor, que esbanjou ardis retribuindo os provedores de suas campanhas políticas e produziu, com astuciosa propaganda, o mito do herói em um país próspero e venturoso. Com essa herança, Dilma caminhou para o inferno ao cortar benesses. Perturbou o setor financeiro ao baixar juros e introduzir impostos para o capital externo, provocando fuga desses bens, elevação do câmbio, desequilíbrio no mercado.

Crente no “papel histórico da burguesia nacional”, cortou impostos, concedeu crédito copioso, subsidiou o consumo, supondo que os ganhos acrescidos se transformariam em produtividade. E veio a desaceleração industrial, o “pibinho”, as aventuras com recursos do BNDES e a volumosa remessa de lucros. Jogou com a inflação visando lastrear o desenvolvimento, mas conseguiu carestia e queda no consumo, suposto lastro para a ascensão social, produtor de nova classe média, na verdade inexistente.

Classes não se formam com artifícios de propaganda e participação rapsódica no mercado. Exemplar dessa falácia é o Minha Casa, Minha Vida. O banco oficial não empresta os recursos iniciais para construção, apenas ressarce o montante previamente aplicado pelo candidato, quantia que lhe é impossível amealhar; as prestações excedem os bolsos da família e é exorbitante o preço final do imóvel. Diante do impasse, o bancário aconselha o cliente a procurar um construtor “acostumado a trabalhar com a Caixa”, vale dizer, com a empreiteira favorecida pelo governo.

Dilma tropeçou no rijo sistema de privilégios e troca de favores. Nessa faina, o empresariado conta com lobbies operando no Congresso, influenciando os partidos oligarquizados e a burocracia estatal, com apropriação privilegiada e uso irresponsável dos dinheiros públicos.

Contra esses interesses destrutivos da imensa riqueza nacional, ergue-se a massa dela despojada. A revolta contra as tarifas de transporte não é a gota d’água, o estopim que acendeu o povo, mas parte importante da experiência diuturna de pessoas roubadas de seus direitos. Elas têm consciência de que preços maiores visam favorecer os concessionários que financiam eleições e ocupam cargos chaves na administração pública.

Aqui, é nulo o perigo de populismo tarifário e é inválida a alegação de que a estabilidade dos preços possa bloquear investimentos e, “ipso facto”, piorar o serviço. Esse automatismo não existe; o alvo é o lucro fácil, isento de contrapartida.

O peso desse arcabouço torna irrisória a assertiva de que a atual rebelião seria difusa, alheia a partidos, carente de alvos precisos. Nebulosa apolítica, seria a expressão do fortalecimento (“empowerment”) do indivíduo, sujeito da consciência e dos atos sociais, gerado no bojo da internet.

Trata-se de versão requentada da secular ideologia liberal, em que o indivíduo é constitutivo do universo. O poder de seres isolados –hoje como antes– anula-se diante dos monopólios estatais da força física, da norma jurídica e dos impostos. As massas assustam e um recurso para aplacá-las seria dissolvê-las em seus átomos. Mais vale compreender o sentido desses movimentos.

Eles não poderiam conjugar-se a partidos, por serem fonte da corrupção que recusam; a liderança não poderia ser hierárquica, pois são contra a oligarquização da política; suas demandas são exatas, referentes a direitos que lhes são roubados e pelos quais pagam tributos; não querem “mais”, como reza a propaganda, querem o imprescin­­dível. Nem são amorfos: as redes sociais ensejam a organização dos grupos e atividades.

Como toda técnica, ela é meio para ações cujo sentido define-se por seus atores e por seus fins.

Maria Sylvia Carvalho Franco é professora titular aposentada de filosofia da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2013/07/1311127-maria-sylvia-carvalho-franco-armadilhas-para-dilma.shtml

Muito além de uma resposta do poder público (Canal Ibase)

Renzo Taddei, Colunista do Canal Ibase

Link original: http://www.canalibase.org.br/muito-alem-de-uma-resposta-do-poder-publico/

15/07/2013

Na quarta-feira, dia 10 de julho, o Juca Kfouri afirmou em entrevista à Agência Pública que “se não houver respostas, as manifestações serão maiores em 2014”. Na sexta (12) a Deutsche Welle publicou entrevista com Marina Silva, onde ela afirma que a reação do Congresso Nacional e da Presidência da República está “aquém da grandeza dos protestos”. Acredito que a imensa maioria dos analistas concorda com esse ponto: o governo não foi capaz, até o momento, de dar respostas à altura do que pede a ocasião. Nesse texto, no entanto, eu gostaria de discutir dimensões dos acontecimentos que estamos vivenciando que transcendem a resposta do estado.

Inicialmente, eu gostaria de colocar em questão até que ponto o fazer-se ouvir é o sentido último do que estamos vivendo. Isso me parece redutor, porque coloca o estado no centro de tudo. Sou da opinião de que não se deve medir o que está ocorrendo, em seu sucesso ou fracasso, apenas em função da resposta do poder público. Não me parece que as pessoas saem às ruas apenas para provocar uma resposta do poder público. Talvez muitos o façam, ou seja essa a forma que dão sentido ao fato de saírem às ruas. No entanto, o que está ocorrendo é o fortalecimento de redes de organização, de articulação social, cultural e política; redes essas que existem de forma independente ao estado. A assembleia popular horizontal que ocorreu sábado (13) em Belo Horizonte, transmitida ao vivo na Internet pela PósTV/mídia NINJA, é um exemplo disso. Não estou aqui dizendo que as manifestações são anti-estado – ainda que certos grupos certamente o sejam, estes parecem ser uma minoria. O que estou dizendo é que, para que sejam capazes de organizar suas ações e veicular suas mensagens, novas formas de associação entre grupos surgem, inclusive novas formas de pensamento sobre a vida coletiva e sobre o mundo, que não tem o estado como mediador perpétuo de tudo. A política das redes sociais e das ruas é a política que não se resume a fazer referência direta ao que ocorre no Congresso Nacional, no Palácio do Planalto ou nos muitos palácios-sedes de governo estadual. Em uma palavra, o que esses movimentos têm como fundamento de ação é a afirmação de que o mundo é maior do que o sistema político; o sistema político deve trabalhar para a plenitude da vida no mundo, e não o contrário.

Foto: Mídia Ninja

É em função disso que a tentativa de encontrar uma causa fundamental ou mais urgente, que dê uma identidade ao movimento das ruas, é tarefa vã. Trata-se da tentativa de negar a dimensão múltipla das manifestações, e, ao mesmo tempo, de não enxergar as transformações estruturais, de fundo, que estão ocorrendo. Isso se dá porque falar em “demandas” sugere que o problema é conjuntural, enquanto há uma dimensão estrutural em jogo.

Que dimensão é essa? Em sua última coluna na Carta Capital, Vladimir Safatle afirma que além da crise de representação política, há o esgotamento do ciclo de desenvolvimento com distribuição de renda da época de Lula. A solução para isso é impossível no governo Dilma, diz Safatle, porque requer uma reforma fiscal que seja verdadeiramente de esquerda, algo impossibilitado pelo modelo de alianças partidárias que caracteriza o lulismo. Safatle tem razão, mas essa é apenas metade da história. A outra metade é exógena ao sistema político; está ligada a uma transformação maior em curso, que nos afasta das práticas de organização da sociedade ao redor de hierarquias verticais, onde há um esforço de homogeneização da população em pensamento e ação, de modo que seja mais fácil impor a todos uma visão daquilo que é “mais importante”. A nova realidade social parece estar se configurando de modo que grupos distintos, cada qual com suas agendas específicas, se juntam e separam o tempo todo, formando redes de colaboração que, apesar de eficazes, são mais ou menos instáveis.

Ou seja, Safatle faz referência a um modelo de governabilidade em crise; eu diria que essa é apenas a ponta do iceberg: o que está em crise é o sistema todo; mais que o governo, é o próprio estado que se mostra incapaz de responder às demandas políticas da população. Isso se dá no contexto da crise do modelo republicano francês – crise que afeta a França há décadas e que se faz visível agora no Brasil. Aqui estou fazendo referência a como nosso sistema político, como o francês, depende do esforço do estado na criação de uma certa subjetividade política nos cidadãos; subjetividade essa que, em escala populacional, faz com que o país seja administrável à distância, quase que por controle remoto. Falando em bom português: há um esforço do estado e das instituições (escolas, mídia, tribunais, hospitais) no sentido de produzirem os brasileiros de forma que estes sejam politicamente passivos; o Brasil é mais administrável se todo mundo pensar de forma semelhante, e mais ainda se todo mundo ficar em casa, vendo o mundo pela TV, anestesiados. Esse é o contexto da democracia representativa no Brasil, aquele que reduz a participação política da população às eleições, e onde grande parte das pessoas sequer consegue lembrar em quem votou para os cargos legislativos.

É esse modelo de estado que está em crise, e que nem a reforma política, nem a tributária, irá resolver. A crise da representatividade não se resume à falta de confiança na classe política; há também, e fundamentalmente, uma nova consciência do direito à diferença; para além de ser ineficiente e corrupto, o estado é entendido como fascista porque cala (com o apoio da FIFA, do COB e de empresários do petróleo) qualquer forma de diferença que se mostre inadministrável. Os ataques à imprensa corporativa, e em especial à Rede Globo, tem essa questão como pano de fundo, e não a questão da corrupção. A emergência de mídias abertas, descentralizadas, como a NINJA e a PósTV, são parte desse movimento. Resulta disso tudo a recusa a qualquer forma de representação, e a participação direta, nas ruas e na Internet, é seu principal sintoma.

Sendo assim, não vejo possibilidade de avanço no país que não passe pela transformação das instituições políticas, algumas vezes de forma radical (como a desmilitarização das polícias), de modo que estas sejam mais participativas, mais transparentes e mais flexíveis, para que o bom funcionamento do sistema não seja dependente da homogeneização e da alienação das massas, mas que o sistema possa, ao invés disso, se alimentar da energia e da sinergia produzida pela diversidade de formas de existir. Nesse contexto, não se trata do povo pedir e do governo atender. Ao invés disso, povo e governo tem a difícil missão de transformarem, juntos ou não, o estado em outra coisa, diferente do que ele é na atualidade.

A disputa dos sentidos associados à violência

Existe uma clara disputa pelos sentidos do que está ocorrendo, envolvendo governos, mídias, partidos, movimentos sociais. É importante notar que nem sempre essa disputa tem como objetivo o fazer-se ouvir. Muitas vezes, é fruto de uma vontade de fazer com que o outro não seja ouvido. O uso de adjetivos como “vândalos” e “baderneiros”, por exemplo, é uma tentativa de sequestrar os sentidos associados a algumas das ações de grupos participantes nas manifestações, esvaziando a sua dimensão política. Infelizmente, os governos, e em maior escala a grande imprensa nacional, tem feito um uso estúpido e estupidificante destes adjetivos. As ações violentas, de ataque a automóveis e edifícios, não são aleatórias, como a imprensa faz crer. Podem ser reprováveis, mas não são aleatórias, e em não o sendo comunicam algo. Na Argentina em 2001, depredaram-se os bancos. Porque não houve ataque a bancos aqui? Houve manifestações em outros países onde lojas do McDonalds foram depredadas. Novamente, aqui no Brasil, neste momento, há certa constância em ataque a edifícios e automóveis ligados ao poder público e às corporações de imprensa. Isso é, obviamente, uma forma de comunicação. A questão então é: o que faz com que setores da população adotem esse tipo de prática como estratégia comunicativa?

Como resposta possível a essa questão, não faltam evidências, tanto na produção das ciências sociais como no discurso de ativistas dos movimentos sociais, de que a comunicação através da violência é um padrão usado pelo próprio estado na sua relação com setores marginalizados da população. Ou seja, há certas arenas da vida social em que o contexto se organiza em torno de práticas violentas, e impõe a violência como estratégia de ação comunicativa. Não é por acaso que os grupos que se envolvem em ações violentas são aqueles que não se reconhecem no discurso do estado ou da imprensa, acham que sua voz nunca é ouvida. Em minhas próprias pesquisas, vi muito isso entre lideranças de torcidas organizadas. Quando é que a imprensa dá espaço a tais lideranças? Nunca.

Como dizem alguns autores, a violência não é um fato, mas uma acusação: a polícia tem o poder autorizado de dizer o que e quem é violento, e fazer com que a sua própria violência fique invisível, não constando nos relatórios oficiais, nem em grande parte da cobertura da imprensa, que tem na própria polícia uma de suas mais importantes fontes de informação. Infelizmente, muitos dos nossos jornalistas são ventríloquos da polícia. Por isso a violência policial que temos visto é tão chocante e assustadora para a classe média, em especial para quem aprendeu a pensar o mundo através da televisão. A circulação livre e intensa de imagens e vídeos, e a ação de mídias alternativas, comprometidas com as causas dos movimentos sociais, estão rompendo esse regime visual ao qual estávamos submetidos. A polícia e o poder público não são mais capazes de regimentar a visualidade das violências e só mostrar a violência dos outros. A polícia mostra que tem consciência de que está numa guerra de imagens: um sem número de policiais tem atuado na repressão às manifestações sem suas identificações; quando convém, no entanto, a polícia filma as próprias ações e distribui o vídeo à imprensa.

pm Manifestações– continuação

Foto: Movimento Passe Livre

O que não se pode ignorar, no entanto, é que existe uma dimensão pedagógica na violência policial. Para um bocado de gente, as balas de borracha e o gás lacrimogêneo estão servido como uma espécie de rito de passagem de retorno, com muita energia, ao mundo da política. Um jornalista gastronômico inglês que participou das manifestações de ontem (11 de julho) no Rio de Janeiro, e sofreu na pele a brutalidade policial, escreveu em seu site: “agora entendo como eventos como esse podem radicalizar as pessoas”. Tais acontecimentos estão ensinando a população a respeito do fascismo do estado; está fazendo parte da classe média experimentar o gosto da repressão policial que só as classes mais baixas vivem cotidianamente. Enfim, isso pode dar muito errado; mas pode ser também o início de um processo de repolitização da juventude. Ou as duas coisas. Eu tenho a impressão de que essa repolitização está acontecendo. Por isso as eleições do ano que vem serão extraordinariamente interessantes.

E o que é que pode dar errado? Há um outro lado dessa dimensão constitutiva da violência: a ação policial, não mediada por lideranças políticas responsáveis e capazes (e está claro a ausência disso em cidades como o Rio de Janeiro), pode criar uma realidade política inexistente no Brasil: grupos organizados de guerrilha urbana, que se armam para enfrentar a polícia. Recentemente, em debate sobre as manifestações no Instituto de Estudos Avançados da USP, Massimo Canevacci, antropólogo italiano, mencionou o conceito de mimese como algo importante na compreensão do que está ocorrendo no Brasil, em sua relação com eventos internacionais, como o que ocorre na Turquia, por exemplo. Isso imediatamente me trouxe à mente algo que vi em minha pesquisa de campo na periferia de Buenos Aires, junto a torcidas organizadas de futebol. Encontrei uma correlação entre o momento em que a polícia militar instalou delegacias nos bairros de periferia e começou uma história de conflito com as torcidas locais, e o início do uso de armas de fogo pelas mesmas torcidas (coisa que anteriormente era vista como sinal de covardia). Obviamente é difícil afirmar que existe uma relação causal entre uma coisa e outra; de qualquer forma, a ideia de equilíbrio de forças é parte fundamental do discurso dos líderes de torcidas mais velhos. Minha hipótese é que a polícia, que obviamente não tem qualquer interesse em igualar forças, mas sim de subjugar o outro, ao inserir uma desigualdade nesse panorama de busca do equilíbrio de forças, acabou fazendo com que as torcidas buscassem as mesmas armas de combate, o que resultou na adoção de armas de fogo pelas mesmas. Novamente, trata-se apenas de uma hipótese. Mas vejamos o que está ocorrendo no Brasil: nas primeiras manifestações de junho, não havia qualquer intenção, por parte dos manifestantes, de entrar em combate com a polícia. Foram brutalizados; e a brutalização tem se repetido, por várias semanas consecutivas, no país todo. Como resultado, o que temos visto é a disposição crescente, por parte de grupos específicos (e cada vez maiores), em preparar-se para o combate com a polícia: do uso de vinagre como instrumento de resistência, nas manifestações de junho, passamos a ver o uso de rojões e coquetéis molotov, como na última quinta (11), no Rio de Janeiro. Esses grupos estão mimetizando a ação da polícia, e isso se dá porque as lideranças políticas estão com suas cabeças enterradas, como avestruzes, e deixaram à polícia a responsabilidade de fazer política pública de segurança. Ou seja, não há interlocução; a polícia impõe a violência como única forma de comunicação. O Brasil pode estar a caminho de criar o seu Weather Underground, e isso é tudo o que a polícia precisa para justificar níveis ainda mais altos de violência contra a população civil, em razão do fortalecimento de agendas da direita. É essencial que as novas lideranças políticas, dos movimentos sociais, busquem atuar para desarticular essa guerrilha urbana nascente, de modo que o movimento todo não caia nisso que é, claramente, uma armadilha.

Foto: Manifestações Brasil 24h (Facebook)

Protestos podem voltar mais fortes e incontroláveis, diz sociólogo (Deutsche Welle)

Boaventura de Sousa Santos aponta a insatisfação popular como fruto da expansão da classe média brasileira, que ficou mais exigente. Para ele, só uma reforma política profunda pode evitar que povo volte às ruas.

Data 09.07.2013

Autoria Fernando Caulyt

Edição Renate Krieger / Rafael Plaisant

Os protestos no Brasil perderam intensidade, mas, se o governo não der uma resposta rápida às reivindicações do povo, podem voltar ainda mais fortes – e de forma incontrolável. O alerta é do português Boaventura de Sousa Santos, doutor em sociologia pela Universidade de Yale (EUA) e diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal).

Autor de estudos sobre emancipação social, direitos coletivos e democracia participativa, ele vê a onda de indignação que tomou as ruas do país como fruto das mudanças vividas pela sociedade brasileira nas últimas décadas. A classe média, afirma, cresceu e com ela as demandas dos cidadãos por melhores serviços públicos ganharam força.

Para Boaventura, o Congresso está “divorciado das prioridades dos cidadãos” e, por isso, uma reforma política se faz necessária. “Há medidas de emergência que têm de ser tomadas, mas nada disso é possível se não houver uma reforma política profunda. Neste momento todo o sistema político tende a perverter e a inverter as suas prioridades”, afirma em entrevista à DW Brasil.

Deutsche Welle: Como o senhor avalia a onda de protestos?

Boaventura de Sousa Santos: As manifestações foram uma surpresa tanto no plano interno como no plano internacional. Tudo levava a crer que tudo no Brasil estava indo bem. Internamente, os próprios partidos, especialmente o do governo, foram apanhados de surpresa. O que foi surpresa foi o motivo para que a explosão ocorresse. Havia um mal-estar, e ele resulta do êxito das políticas que foram instituídas no Brasil a partir de 2003 [quando Lula assumiu o poder] e que fizeram com que 40 milhões de pessoas entrassem para a classe média.

Protestos foram realizados em cidades brasileiras e no exterior

Elas criaram expectativas não só no que diz respeito à sua vida, mas também ao modo como se posicionam na sociedade, ao modo como usam os serviços públicos. E esses 40 milhões começaram a ver que, nos últimos tempos, pelo menos, havia uma certa estagnação dessas políticas. Os serviços públicos não acompanharam as transformações sociais.

A chamada “classe C” ficou mais exigente?

Eu penso que sim, pois as políticas de inclusão realizadas nos últimos dez anos atingiram seu limite e as formas de participação não são hoje tão eficazes quanto eram. Além disso, o serviço público não se desenvolveu como deveria. O caso da saúde é significativo. Por outro lado, num país que tem uma tradição de movimentos sociais fortes, eles viram suas atividades nos últimos tempos se tornarem bastante restringidas. Por isso começou a haver uma certa frustração quanto às prioridades do governo e, naturalmente, um desgaste.

Que medidas o governo Dilma deveria tomar para atender às exigências da população?

A medida fundamental é uma reforma política. Fica evidente que há medidas de emergência que têm de ser tomadas, mas nada disso é possível se não houver uma reforma política profunda, porque neste momento todo o sistema político tende a perverter e a inverter as suas prioridades. Dilma tomou essa medida corajosa, de propor uma revisão constitucional, mas o Congresso não tem grande vontade política para uma reforma política profunda.

As respostas que o governo e o Congresso deram até agora não são satisfatórias?

Como é que o Congresso é capaz de aprovar num prazo de uma semana tantas leis e questões importantes, como a [tipificação da] corrupção como crime hediondo? Essa correria tem um lado positivo e um lado negativo. Isso mostra que o Congresso só se move se houver pressão popular. Portanto, esse é o lado negativo: o Congresso está divorciado das prioridades dos cidadãos e só acorda quando os cidadãos o obrigam a acordar. É por isso que é necessária uma reforma política.

Sousa Santos diz que existe uma crise de representatividade no sistema político brasileiro e de outros países

Para o senhor, quem são os manifestantes?

As manifestações são muito importantes para pressionar as instituições, os partidos e os governos, mas elas não fazem propriamente uma formulação política. O que elas fazem é pressão para que haja formulação política. Vimos no Brasil como as agendas eram tão diversas quanto a composição das classes presentes nos protestos. Houve uma forte presença da juventude. As manifestações têm uma composição e, misturadas nelas, há forças aproveitadoras que tentaram tirar dividendos contra o PT. Mas elas são uma minoria. É uma insatisfação popular, sobretudo das camadas mais jovens, contra uma política que não responde aos seus anseios.

É possível manter uma mobilização de massa a longo prazo?

Mesmo nos casos dos países que ela se mantém durante mais tempo, como durante o Occupy, nos EUA, e agora no Egito, tudo acontece por etapas. Portanto, há momentos de refluxo. E eu penso que, no caso brasileiro, ela não se aguenta neste momento, embora possa vir a explodir mais tarde. Neste momento há uma certa espera, uma espera com esperança de que alguma coisa se faça. Se ela não se fizer, a situação pode voltar, pode até, aliás, ser mais incontrolável. Se não houver uma reposta rápida a estas reivindicações, o refluxo atual voltará eventualmente mais incontrolável e mais forte.

Muitos manifestantes nas ruas levantaram uma bandeira antipartidarista. Existe atualmente uma crise de representatividade no sistema político brasileiro?

Acho que sim. E neste momento não só no [sistema político] brasileiro, mas também no europeu. E ocorre fundamentalmente do fato de que os governos hoje estão capturados pelo capital financeiro internacional, se ver bem, em função das exigências do capital financeiro. O próprio Brasil compromete uma parte significativa de sua arrecadação para o pagamento do serviço da dívida. E este também é o caso da Europa. No fundo, é isso que está criando essa crise de representação, na medida em que os cidadãos não se sentem representados pelos seus representantes e é isso que faz com que as pessoas venham para a rua.

Para Sousa Santos, o Congresso Nacional está divorciado das prioridades dos cidadãos

As manifestações foram, de certa forma, uma demonstração de decepção com o governo. Esse governo do PT, apesar das medidas de inclusão social, perdeu a credibilidade?

Não. O problema é que, enfim, é um governo de esquerda que, no entanto, tem uma coligação problemática, dada a organização partidária no Brasil. O problema é que os brasileiros conhecem muito bem o que foram as políticas de direita [dos governos] anteriores, nenhum deles realizou as políticas de inclusão social que agora têm lugar. E, portanto, há um certo descrédito na política em seu conjunto. O PT e o governo da presidente Dilma têm uma crise de legitimidade a resolver. E só podem resolver com mais democracia, com mais políticas de inclusão, com mais dinheiro para os cidadãos e menos para as grandes empreiteiras e para o grande capital financeiro internacional.

Levante Popular da Juventude quer renovar práticas da esquerda (Carta Maior)

Fonte: Carta Maior, 22 de outubro de 2012

Porto Alegre – O ano de 2012 viu nascer uma novidade no cenário político brasileiro. Um grupo de jovens, organizado em torno do Levante Popular da Juventude, realizou uma série de atos denominados “escrachos” em frente às residências ou locais de trabalho de acusados de praticar crimes durante a ditadura. Em várias cidades do país, centenas de jovens saíram às ruas para denunciar esses crimes e defender a instalação da Comissão Nacional da Verdade para restaurar a memória, a verdade e a justiça desse período. Os atos contra os agentes da ditadura deram visibilidade nacional a esse movimento cujas origens remontam a 2005, no Rio Grande do Sul, a partir de militantes ligados à Via Campesina e à Consulta Popular. Em entrevista à Carta Maior, concedida na sede da organização em Porto Alegre, Lucio Centeno, Janaita Hartmann e Lauro Almeida Duvoisin falam sobre esse novo movimento social que tem como objetivo estratégico maior a construção de um projeto popular para o Brasil numa perspectiva socialista.

O marco da nacionalização do movimento ocorreu em fevereiro de 2012, durante um acampamento nacional em Santa Cruz do Sul (RS) que reuniu em torno de mil jovens de dezessete estados. Reunindo estudantes universitários e secundaristas, jovens das periferias das cidades e também do campo, o Levante se propõe a resgatar práticas relegadas a um segundo plano pela esquerda partidária, como o trabalho de base organizado a partir de células de militância, e defende a unidade dos movimentos sociais e dos partidos de esquerda em torno de alguns objetivos comuns: derrotar a direita e o projeto neoliberal no Brasil e conquistar uma ampla maioria na sociedade para um processo de transformação social, política e econômica no país.

O que é o Levante Popular da Juventude? Quando nasceu?

Lucio Centeno: Nenhum de nós aqui iniciou essa construção do Levante. Ela foi fruto de um trabalho de mobilização e da iniciativa que alguns companheiros tiveram no final de 2005, quando movimentos ligados à Via Campesina, incentivados pela Consulta Popular, identificaram que era necessário naquele momento fortalecer o processo de organização da juventude, em especial da juventude urbana. No campo já havia um processo relativo de organização com os movimentos da Via, mas muito pouco no meio urbano. A partir dessa leitura, alguns companheiros assumiram a tarefa de construir o que viria a ser o Levante Popular da Juventude. E o Levante nasce com a característica de ser uma ferramenta da juventude e não apenas de um segmento desse setor. Desde o início, se tinha a leitura da necessidade de se organizar não apenas os jovens estudantes universitários, mas também os jovens das periferias urbanas e, principalmente, articular essa juventude que não tinha um referencial de organização como tinha a juventude camponesa, organizada em torno da Via. O Levante nasce, então, com essa característica de aglutinar diferentes segmentos da juventude a partir de diferentes meios de inserção.

Neste sentido, é um movimento original. Normalmente o que há são movimentos de juventude ligados a partidos e a alguns segmentos específicos, como é o caso do movimento estudantil…

Lucio Centeno: Sim, o Levante nasce com esse referencial da esquerda social, do campo dos movimentos sociais. Ele se propõe a ser um movimento social e não uma juventude partidária, com esse recorte de querer articular jovens estudantes universitários, secundaristas e jovens da periferia urbana.

Lauro Duvoisin: Essa iniciativa surgiu também com base numa leitura que identifica, nos anos 2000, uma mudança nos setores mais dinâmicos da luta social. Embora exista ainda uma dinâmica grande lutas do MST, por exemplo, que foi uma referência nos anos 90, já ficava claro neste período que, sozinho, o MST não conseguiria seguir adiante. Neste período havia também uma crítica muito grande ao trabalho urbano sindical mais clássico da esquerda. Então, o Levante surge nesse contexto com o objetivo de renovar as práticas da esquerda e de resgatar uma prática que foi sendo negligenciada, que é o trabalho de base, aquilo que as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) faziam nos anos 70 e 80 e que sustentou boa parte do acúmulo que a esquerda teve neste período.

A ideia é que a juventude pode ser o setor dinâmico para voltar a impulsionar a luta. Daí a decisão de não segmentar a juventude como uma categoria no sentido econômico-corporativo, e fazer com que ela irradie sua força e sua prática para outros setores da sociedade, seja da classe trabalhadora urbana, do meio camponês ou do meio popular urbano. O objetivo é que ela forme novas referências e novos militantes para que o movimento cresça em todas essas frentes.

Qual é o horizonte estratégico do trabalho do Levante que transita em um espaço comum ao dos partidos de esquerda e ao dos movimentos sociais? Qual é o objetivo das lutas e das mobilizações?

Lucio Centeno: Esse é outro aspecto diferencial do Levante na medida em que ele não tem uma bandeira econômica setorial definida. O MST, por exemplo, tem claramente um horizonte que é a construção de uma reforma agrária popular. Já o Levante, por aglutinar diferentes setores da juventude e, principalmente, por ter uma perspectiva de luta política por um projeto de sociedade, e não só por demandas específicas, desenvolve um conjunto de lutas a partir daquilo que entendemos como um projeto popular para o Brasil. Então, embora não tenhamos uma bandeira claramente definida, pretendemos fortalecer e contribuir para a construção de um conjunto de bandeiras que apontam para esse projeto popular para o Brasil, para o fortalecimento de um projeto democrático e popular, que passa pela reforma agrária, pela descentralização dos meios de comunicação, pela garantia dos direitos básicos de educação, saúde, moradia, transporte.

Dentro desse guarda-chuva maior do projeto popular, os militantes do Levante, conforme sua inserção em um meio específico, trabalham contradições que envolvem esses jovens, relacionando esses problemas com a construção de um projeto maior para o país.

Lauro Duvoisin: A gente fala muitas vezes que o Levante não nasceu para dar conta de uma demanda específica, mas para buscar qual é a pauta capaz de levantar a juventude. E como o Lúcio afirmou, o Levante também se insere em uma estratégia que é maior do que ele, que é a construção, pelo campo da esquerda popular, de um projeto para o Brasil. Temos clareza que esse projeto não será construído só pela juventude. O Levante é uma parte de todo esse movimento. Sua tarefa é organizar a juventude por demandas específicas e por um projeto político maior, procurando também formar militantes para todas as outras frentes que compõem essa estratégia.

Nos últimos meses, o Levante ganhou maior visibilidade nacional com os escrachos contra agentes da ditadura realizados em várias cidades do país. Como surgiu essa ideia e qual o lugar desse tema na agenda da organização, no momento em que a Comissão da Verdade investiga crimes praticados por agentes do Estado naquele período?

Lucio Centeno: O Levante nasceu no Rio Grande do Sul em 2006, como um movimento estadual. Em outros estados, já havia mobilizações com a juventude que eram chamadas de juventude do campo com a cidade, mas ainda não havia uma proposta organizativa. Aqui no Rio Grande do Sul conseguimos transformar essa mobilização em um movimento social autônomo da juventude. Passaram-se cerca de cinco anos até que, em 2011, iniciou um processo de nacionalização do Levante, juntando experiências parecidas do mesmo campo político. Assim, o Levante se constituiu em dezessete estados. O marco de lançamento dessa nacionalização ocorreu agora em fevereiro de 2012, quando realizamos um acampamento nacional em Santa Cruz do Sul que reuniu em torno de mil jovens desses dezessete estados.

A partir dessa nacionalização, se constituiu uma organicidade nacional, com uma coordenação representativa desses estados e desses movimentos. Essa coordenação nacional começou a elaborar a estratégia da organização e, naquele momento, se identificou na conjuntura que essa bandeira da memória, verdade e justiça não estava sendo efetivamente empunhada com a devida importância por praticamente nenhum setor, para fazer um contraponto a movimentação que os militares vinham fazendo para tentar desconstituir a Comissão Nacional da Verdade. Então, naquele momento tínhamos os militares atuando nos bastidores, o governo acuado e a imprensa de alguma forma sendo conivente com esse processo de ocultação dos crimes da ditadura. Concluímos então que seria necessário uma mobilização da sociedade para que a Comissão da Verdade fosse efetivada.

Vimos, a partir da experiência de organizações parceiras da América Latina, a metodologia dos escrachos como a melhor forma de fazer ecoar essa bandeira. Mapeamos então quais Estados poderiam fazer essa ação e trabalhamos de forma coordenada nacionalmente para que tivéssemos um dia de ação nacional denunciando os torturadores e a impunidade dos crimes da ditadura. A partir disso, conseguimos uma grande adesão de vários setores da sociedade que impulsionaram o governo para garantir a instalação da Comissão da Verdade.

Lauro Duvoisin: Foi a junção de um momento, de uma oportunidade, com a condição que tínhamos alcançado. Se não tivéssemos uma organização de âmbito nacional naquele momento, talvez não conseguíssemos fazer uma intervenção daquela dimensão. A oportunidade estava ali. Conseguimos fazer uma leitura que se demonstrou correta no sentido de que aquela pauta (Comissão da Verdade) atingia o centro da conjuntura nacional. Pela primeira vez, o Levante conseguiu influenciar a conjuntura nacional efetivamente, embora já estivéssemos envolvidos em outras lutas locais.

Outra coisa importante nessas ações tem a ver com a questão do método que empregamos, que diz um pouco do que o Levante quer fazer, que é renovar os métodos de luta. Acreditamos que a luta que precisamos fazer é uma luta de massas. No entanto, no atual período, uma forma de luta como os escrachos se mostrou de grande valia para criar um impacto público sobre o tema da ditadura. É isso que queremos fazer, renovar os métodos de luta. A gente carece disso na esquerda.

Uma coisa que chamou muita atenção com os escrachos foi a grande participação da juventude nesses atos, algo que até bem pouco tempo não acontecia. Até então, o tema da ditadura não mobilizava a juventude. O que mudou?

Janaita Hartmann: Acho que isso tem muito a ver com a recuperação que o Levante faz da tradição de agitação e propaganda da esquerda. Desde 2008, a gente faz intervenções para lembrar os mortos do massacre de Eldorado de Carajás, com um teatro em lugar público. Então já temos uma história de ações desse tipo. Nós acertamos ao juntar esse trabalho de agitação que a gente já vinha fazendo com um tema da conjuntura que há muito tempo não era resgatado dessa forma, e por uma geração que não passou pela ditadura.

Lauro Duvoisin: Parece que houve uma quebra de continuidade geracional no Brasil. Na Argentina, desde muito tempo há a luta das Madres que se tornou um símbolo continental. No Brasil, embora exista a luta dos familiares, essa luta teve muito menos projeção social do que no caso da Argentina ou do próprio Chile. Então, parece que houve um atraso um pouco maior no Brasil. Mas essa pauta está viva na sociedade e não se esconde a história dessa forma. Isso mostra também que a questão da anistia, tal como foi conduzida pelos militares no final da ditadura, não está resolvida no Brasil.

Lucio Centeno: As intervenções do Levante conseguiram gerar adesões em diferentes setores da sociedade, que até então não estavam se posicionando muito sobre esse tema. A partir dos nossos atos, todo um campo se configurou em defesa dessa bandeira e isolou quem defendia a ocultação da verdade e a manutenção da impunidade. Essa é uma questão muito importante para nós: desenvolver lutas que dê sustentação para um projeto popular para o país.

Esse projeto popular a que vocês se referem é um projeto de poder? Se é, em algum momento, o Levante terá que se colocar a questão do partido. Vocês fazem esse debate, tem a pretensão de, em algum momento, se constituir como partido?

Lauro Duvoisin: A gente acredita que o projeto popular passa, sim, por um projeto de poder. Mas o grande desafio no momento é conseguir retomar as grandes lutas de massa no Brasil para que esse projeto se torne uma necessidade da sociedade. Um projeto de poder não é um projeto de um pequeno grupo ou de uma vanguarda isolada. Ele tem que se precedido de um processo que questione a organização social e a estrutura econômica da sociedade. É com esse espírito que o Levante entra na história. É evidente que os partidos e outras organizações têm uma grande contribuição a dar nesse processo. Mas sem a retomada das mobilizações de massa nenhuma organização conseguirá levar adiante esse projeto.

Considerando a grande participação nos escrachos promovidos pelo Levante e outras mobilizações de juventude, como essa que ocorreu em Porto Alegre recentemente contra a privatização de espaços públicos, parece haver uma ebulição de demandas na juventude que não está encontrando expressão nos partidos de esquerda…

Lucio Centeno: Quando começamos a fazer os escrachos fomos questionados sobre as mobilizações espontâneas da juventude na Europa e nos Estados Unidos. É evidente que são protestos importantes e que expressam uma inconformidade com o sistema, mas, enquanto movimento social, acreditamos que esses processos de mobilização requerem organização. Existe um certo fetiche em torno dessa ideia da capacidade das redes sociais e de novas ferramentas tecnológicas serem grandes atores mobilizadores no próximo período. Consideramos esses atores importantes, mas é imprescindível o processo organizativo na sociedade, que as pessoas tenham uma referência de organização, que não fiquem refém de vontades individuais ou de ativistas que atuam pontualmente.

Lauro Duvoisin: É por isso também que a gente preza a unidade tanto dos movimentos sociais como dos partidos de esquerda. Acreditamos que todas as organizações que tenham referência num projeto de democratização, de ampliação dos direitos, de resgate da liberdade na sociedade e na perspectiva do socialismo, devem fazer um esforço de unidade que hoje, muitas vezes, parece ser um esforço de fragmentação, seja no campo eleitoral, seja em torno de disputas menores e elementos táticos secundários que não são estratégicos. Para isso, é preciso também dar exemplos de unidade. O Levante procura dar esse exemplo.

Como é que o Levante se posiciona frente a períodos eleitorais. Qual foi a posição nestas eleições municipais?

Lauro Duvoisin: A nossa linha é de combate à direita, não só nas eleições, mas em todos os espaços da sociedade.

O que é a direita hoje no Brasil?

Lauro Duvoisin: Existe mais ou menos um consenso sobre o que é a direita no Brasil. Há um bloco político-partidário formado por PSDB, DEM e alguns partidos menores, que aglutina as forças defensoras do projeto neoliberal. Para nós, quem se opõem ao neoliberalismo não é direita. Mas o Levante é um movimento social autônomo que não tem vinculação partidária.

Janaita Hartmann: O Levante nasce da Via Campesina e da Consulta Popular, como uma organização autônoma de jovens. Essas organizações ajudaram a criar o Levante, mas ele é autônomo e passou a ter vida própria, tem uma organicidade própria. Ele permite a presença de militantes que tenham vinculação partidária desde que se respeite a autonomia do movimento.

Quais são os planos do Levante para os próximos meses. O tema da ditadura e da Comissão da Verdade seguirá ocupando um lugar central na agenda do movimento?

Lucio Centeno: O Levante se engaja num conjunto bastante diverso de lutas. Nós nos organizamos a partir de células, grupos de jovens militantes que estão inseridos em algum território, seja uma universidade, um assentamento, um bairro ou uma comunidade. Essa célula tem a tarefa de fazer trabalho de base e estimular as lutas nestes locais procurando mobilizar os jovens destes espaços. Temos uma célula, por exemplo, na região da Cruzeiro, aqui em Porto Alegre, que está sendo atingida pela duplicação da avenida Tronco, que é uma das chamadas obras da Copa.
Nesta região, temos uma atuação prioritariamente voltada para organizar os jovens e suas famílias e pressionar a prefeitura para que garanta o direito à moradia dessas pessoas. É uma luta local, específica, mas que está associada a um projeto mais amplo. Assim, cada célula está envolvida em alguma luta específica. Mas entendemos que há a necessidade de convergência dessas lutas específicas para lutas mais gerais, como essa em defesa da memória, da verdade e da justiça, que terá continuidade, agora juntamente com os comitês populares que se multiplicaram em vários Estados. O Levante não vai atuar isolado neste processo.

Uma segunda pauta que estamos começando a desenvolver é a defesa da construção de um projeto popular de educação. O Brasil sofreu durante muitos anos a implementação de uma educação neoliberal. A partir das gestões do PT tivemos um relativo avanço nesta área, com a criação de novas universidades e escolas técnicas. Em comparação ao paradigma neoliberal foi um avanço, mas em comparação com as demandas históricas da juventude em termos de acesso à educação, ainda há muito que avançar.

O sentido das manifestações não se resume à demanda por uma resposta do Estado. O mundo é muito maior que o sistema político.

Entrevista com Renzo Taddei, professor de sociologia da Universidade Federal de São Paulo, sobre as manifestações no Brasil.

Por Marcos Nepomuceno, do blog do Templo.

Como os protestos brasileiros se relacionam com as manifestações turcas, a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street nos EUA, o movimento 15M na Espanha e as revoltas das periferias em Paris e Londres, em 2005 e 2011? Há uma interseção comum de causas entre eles?

Em minha opinião, há três pontos de interseção que vale a pena mencionar. Em primeiro lugar, as instituições políticas formais sofrem de uma aguda crise de legitimidade, e em todos os contextos mencionados, ainda que por razões estruturais e conjunturais diferentes em cada um dos casos, essa crise cruzou a fronteira da estabilidade do convívio social cotidiano; as sociedades entraram em uma espécie de ebulição. Em segundo lugar, há a existência da Internet, da telefonia celular e das redes sociais como uma dimensão da vida coletiva que possibilita formas novas de relação entre pessoas, entre pessoas e ideias, e em especial entre as pessoas e a política. E, em terceiro lugar, o grande ator social em todos esses casos é a juventude. Essas são três coisas inter-relacionadas, e a relação entre elas está em franca transformação. O que vejo nas redes sociais, e o que escuto dos jovens sobre sua relação com a política, é diferente hoje do que era há apenas um mês.

Mas, ainda que pareça haver alguns pontos de interseção, é preciso ter cuidado para que não se esvazie as coisas que cada um destes eventos tem de peculiar. Há muitas e importantes diferenças entre eles. O Occupy Wall Street tem um foco muito claro na crítica à concentração de renda promovida pelo capitalismo liberal norte-americano, com o consequente empobrecimento de grande parte da população, e no fato de que o governo trabalha para a manutenção desse sistema concentrador. Não há referências à corrupção, como aqui – pelo menos não na forma como nós comumente entendemos corrupção. A agenda coletiva era bastante mais clara, e não houve destruição de equipamentos públicos; o caráter da manifestação foi, em geral, mais pacífico. Essa diferença de agendas pode explicar porque, por exemplo, uma coisa ocorreu em Wall Street, no coração financeiro do capitalismo mundial, e outra resultou na depredação de edifícios do governo, como ocorreu em Brasília há duas semanas.

Por outro lado, em Nova York, na Espanha, na Turquia e no Brasil há a participação de gente de todas as classes sociais, com especial participação das classes médias urbanas, enquanto os eventos de Paris e Londres são caracterizados pela presença majoritária de jovens oriundos de comunidades de imigrantes e de minorias étnicas empobrecidas. A questão da exclusão social é relevante aqui, porque enquanto isso parece ser um elemento claro dos eventos de Paris e Londres, há analistas que sugerem que parte do que está ocorrendo no Brasil está relacionado com a ascensão social de segmentos da população brasileira; estes, ao sentirem-se economicamente integrados, agora demandam integração política. Ou seja, o problema da exclusão estaria relacionado às manifestações de forma inversa em cada um dos casos. Essa hipótese, no entanto, me parece algo extravagante, carente de embasamento sociológico.

De todas as causas apresentadas, ou não, qual a mais urgente no caso brasileiro?

O Brasil é um país heterogêneo, com muita diversidade social e cultural, e o sentido de urgência está ligado ao lugar de onde se fala e se vive. Não se pode apresentar uma perspectiva como sendo universalmente mais urgente. Veja, por exemplo, a forma como Davi Kopenawa, líder yanomami, pensa as manifestações e as demandas sociais a elas vinculadas. Ainda que existam pontos de convergência com as demandas que vemos nas ruas, elas não se resumem à mesma coisa. Não há razão pra pensar que a causa é a mesma, nos diversos cantos do Brasil.

Além disso, as manifestações são fenômenos complexos, com diversos níveis de ação e interpretação possíveis. Há coisas não ditas verbalmente, mas materializadas na ação da multidão, que geralmente não são levadas em consideração. Por exemplo, na minha percepção, uma coisa não dita explicitamente nos cartazes e gritos da multidão, mas que é variável fundamental nisso tudo, é a emergência de novas formas de associação política, frente à incapacidade das instituições políticas em dar conta de novas formas de participação e novas demandas sociais. Os problemas causados pela natureza das polícias, e sua péssima relação com a população, é um sintoma disso. Trata-se de colocar em pauta as relações entre a população e o estado, relações que estão em franca transformação. Este é um processo que o estado tenta, sem sucesso, conter. São necessárias mudanças não apenas nas práticas de governo, mas no próprio desenho institucional do estado, e a desmilitarização das polícias é parte fundamental disso.

Desta forma, tentar encontrar uma causa fundamental ou mais urgente é negar a dimensão múltipla das manifestações, e é, ao mesmo tempo, não enxergar as transformações estruturais, de fundo, que estão ocorrendo. Isso se dá porque falar em “demandas” sugere que o problema é conjuntural, enquanto há uma dimensão estrutural em jogo. Essa transformação maior que está em curso está nos afastando das práticas de organização da sociedade ao redor de hierarquias verticais, onde há um esforço de homogeneização da população em pensamento e ação, de modo que seja mais fácil impor a todos uma visão daquilo que é “mais importante”. A nova realidade social parece estar se configurando de modo que grupos distintos, cada qual com suas agendas específicas, se juntam e separam o tempo todo, formando redes de colaboração que, apesar de eficazes, são mais ou menos instáveis. Nosso sistema político formal, ainda que fruto de mudanças recentes, de algumas décadas apenas, se mostra demasiado engessado para dar conta do dinamismo das transformações sociais que estão em curso. Há uma marcada assincronia entre estado e setores mais dinâmicos da população, e essa assincronia só parece crescer com o tempo.

Sendo assim, se há algo urgente no Brasil, esse algo é a transformação das instituições políticas de modo que estas sejam mais participativas, mais transparentes e mais flexíveis, para que o bom funcionamento do sistema não seja dependente da homogeneização e da alienação das massas, mas que o sistema possa, ao invés disso, se alimentar da energia e da sinergia produzida pela diversidade de formas de existir.

A horizontalidade na liderança dos movimentos abre espaço para sua descaracterização?

Para que ocorra uma descaracterização, é preciso que exista o reconhecimento de características previamente percebidas e entendidas. Mas isso não existe no momento atual. Muitas reuniões estão sendo organizadas, no meio acadêmico e no âmbito dos movimentos sociais, para que se construa um diagnóstico a respeito do que está ocorrendo. E esse diagnóstico é difícil porque o que está se passando não é uma coisa, mas muitas ao mesmo tempo, algumas vezes de forma inter-relacionada, outras de forma independente. Qualquer diagnóstico é parcial, e desconfio que a maioria tenha – em especial os que a mídia e o poder público se apressam em produzir -, na verdade, o objetivo de tentar colocar as coisas sob controle, de forma conservadora, mais do que efetivamente produzir uma descrição das coisas como estas estão ocorrendo. Os fenômenos que estamos observando desafiam nossos recursos linguísticos e narrativos. Isso sempre foi assim no que diz respeito aos fenômenos de multidão, e por isso mesmo é que há tanta ansiedade, tanto naqueles que tem no controle público seu trabalho, os gestores públicos, como naqueles que tem como trabalho o controle das ideias, dentre os quais estão os acadêmicos.

Como são muitas coisas ocorrendo ao mesmo tempo, e não uma massa homogênea de gente demandando a mesma coisa, não se pode esperar que exista apenas uma liderança, definida claramente. Isso faz o trabalho da mídia mais difícil, porque não se enquadra nos seus modelos limitados de análise da ação política. No entanto, devido ao fato de que a energia da multidão é, ao mesmo tempo, algo perigoso e também um recurso valioso para a transformação política, muitos tentam apoderar-se dela de alguma forma. Ou seja, é de se esperar que existam disputas pelo controle dessa energia. Em minha opinião, no entanto, a emergência de uma liderança é que descaracterizaria o movimento, porque seria a negação de sua multiplicidade, e o sinal de que essa multiplicidade foi sequestrada.

Isso não significa a ausência de liderança, mas essa liderança se constrói de outras formas, num padrão de redes de associações dinâmicas. São muitos líderes, com protagonismos variáveis, em função das formas como as redes se configuram a cada momento. Certamente se dirá que a ausência de liderança claramente identificável fará com que as manifestações se enfraqueçam, ou que uma parte da coisa toda descambe para o caos destrutivo. Ainda que existam riscos nisso tudo que estamos vivendo, grande parte dos analistas da mídia e do poder público não entende os novos padrões de liderança desses processos de associação e ação em rede. As manifestações vão cessar em algum momento, mas não em função de falta de liderança, nem porque a energia do movimento tenha deixado de existir. As associações em rede parecem ser capazes de manter essa energia em estado “latente” por tempo indeterminado, e então de provocar uma ação rápida e explosiva, através de padrões virais de comunicação distribuída. Líderes políticos (e jornalistas) que não dedicam parte do seu tempo a monitorar as redes sociais, e a Internet, de forma mais ampla, mostram não terem entendido esse aspecto das transformações sociais em curso.

Muitos grupos surgiram na disputa de sentidos do movimento após a emergência dos protestos. Como essa vontade social de se fazer ouvir pode ser aproveitada? Os conflitos internos e cisões fazem parte do amadurecimento do processo para mudanças efetivas?

Inicialmente, é preciso que se diga que as ações na disputa pelos sentidos nem sempre têm como objetivo vontades específicas de se fazer ouvir. Muitas vezes, é fruto de uma vontade de fazer com que o outro não seja ouvido. O uso de adjetivos como “vândalos” e “baderneiros”, por exemplo, é uma tentativa de sequestrar os sentidos associados a algumas das ações de grupos participantes nas manifestações, esvaziando a sua dimensão política. Infelizmente, os governos, e em maior escala a grande imprensa nacional, tem feito um uso estúpido e estupidificante destes adjetivos. As ações violentas, de ataque a automóveis e edifícios, não são aleatórias, como a imprensa faz crer. Podem ser reprováveis, mas não são aleatórias, e em não o sendo comunicam algo. Na Argentina em 2001, depredaram-se os bancos. Porque não houve ataque a bancos aqui? Houve manifestações em outros países onde lojas do McDonalds foram depredadas. Novamente, aqui no Brasil, neste momento, há certa constância em ataque a edifícios e automóveis ligados ao poder público e às corporações de imprensa. Isso é, obviamente, uma forma de comunicação. A questão então é: o que faz com que setores da população adotem esse tipo de prática como estratégia comunicativa?

Por outro lado, não faltam evidências, tanto na produção das ciências sociais como no discurso de ativistas dos movimentos sociais, de que a comunicação através da violência é um padrão usado pelo próprio estado na sua relação com setores marginalizados da população. Ou seja, há certas arenas da vida social em que o contexto se organiza em torno de práticas violentas, e impõe a violência como estratégia de ação comunicativa. Não é por acaso que os grupos que se envolvem em ações violentas são aqueles que não se reconhecem no discurso do estado ou da imprensa, acham que sua voz nunca é ouvida. Em minhas próprias pesquisas, vi muito isso entre lideranças de torcidas organizadas. Quando é que a imprensa dá espaço a tais lideranças? Nunca.

Como dizem alguns autores, a violência não é um fato, mas uma acusação: a polícia tem o poder autorizado de dizer o que e quem é violento, e fazer com que a sua própria violência fique invisível, não conste nos relatórios oficiais, nem em grande parte da cobertura da imprensa, que tem na própria polícia uma de suas mais importantes fontes de informação. Infelizmente, muitos dos nossos jornalistas são ventríloquos da polícia. Por isso a violência policial que temos visto é tão chocante e assustadora para a classe média, em especial para quem aprendeu a pensar o mundo através da televisão. A circulação livre e intensa de imagens e vídeos, e a ação de mídias alternativas, comprometidas com as causas dos movimentos sociais, estão rompendo esse regime visual ao qual estávamos submetidos. A polícia e o poder público não são mais capazes de regimentar a visualidade das violências e só mostrar a violência dos outros. A própria polícia percebeu isso: quando convém, a polícia filma as próprias ações e distribui o vídeo à imprensa; nas ações de repressão violenta às manifestações, por outro lado, um sem número de policiais escondeu suas identificações.

Há também os casos de violência entre manifestantes, o que tem assustado muitos analistas. Nas grandes manifestações em São Paulo, havia gente de todo o espectro político, da extrema direita (neonazistas) à extrema esquerda. O convívio entre esses grupos é muito difícil; não se pode esperar grandes alianças que consigam costurar todas as incompatibilidades; a lógica agora é mais molecular. O rechaço às bandeiras acabou tomando uma dimensão maior do que era de se imaginar, e minha opinião a esse respeito é que isso se dá em função dos níveis alarmantes de analfabetismo político no Brasil. Uma amiga, declaradamente anarquista, foi agredida por manifestantes porque caminhava ao lado de pessoas com camisetas do PT; segundo ela, qualquer um que usasse roupas vermelhas corria o risco de apanhar na Avenida Paulista. Pessoas dos movimentos sociais e das centrais sindicais também foram hostilizadas. O clima é de rejeição ao sistema político, mas a classe média politicamente analfabeta (ou politicamente analfabetizada) não consegue identificar com clareza quem é ou não integrante da parte podre do sistema, e acaba hostilizando tudo que seja minimamente institucionalizado. O próprio governo é agora vítima do conservadorismo dessa classe média politicamente analfabeta. No entanto, a atual situação de analfabetismo político é sistêmica e estrutural, e não apenas mérito ou culpa de alguém especificamente.

O que não se pode ignorar, no entanto, é a dimensão pedagógica disso tudo. Pra um bocado de gente que saiu às ruas, as balas de borracha ou gás lacrimogêneo serviram como rito de passagem de retorno, com muita energia, ao mundo da política. A classe média vive por experiência própria o fascismo do estado, experimenta o gosto da repressão policial que só as classes mais baixas vivem cotidianamente. Enfim, isso pode dar muito errado; mas pode ser também o início de um processo de repolitização da juventude. Eu tenho a impressão de que é isso que está acontecendo. Por isso as eleições do ano que vem serão extraordinariamente interessantes.

Por fim, a questão indaga sobre a vontade de se fazer ouvir. Antes de responder a isso, eu gostaria de colocar em questão até que ponto o fazer-se ouvir é o sentido disso tudo. Isso me parece redutor e perigoso, porque coloca o estado novamente no centro de tudo, e me parece que uma das coisas que está ocorrendo é exatamente o oposto disso. Ou seja, o que eu estou dizendo é que não se deve medir o que está ocorrendo, em seu sucesso ou fracasso, apenas em função da resposta do poder público. Não me parece que as pessoas saem às ruas apenas para provocar uma resposta do poder público. Talvez muitos o façam, ou seja essa a forma que dão sentido ao fato de saírem às ruas. No entanto, o que está ocorrendo é a formação de redes de organização, de articulação social, cultural e política, de forma independente do estado. Não estou aqui dizendo que as manifestações são anti-estado – ainda que certos grupos certamente o sejam, estes parecem ser uma minoria. O que estou dizendo é que, para que sejam capazes de organizar suas ações e veicular suas mensagens, novas formas de associação entre grupos surgem, inclusive novas formas de pensamento sobre a vida coletiva e sobre o mundo, que não tem o estado como mediador de tudo, o tempo todo. A política das redes sociais e das ruas é a política que não se resume a fazer referência direta ao que ocorre no Congresso Nacional ou nos muitos palácios-sedes de governo estadual. O mundo é muito maior do que o sistema político; o sistema político deve trabalhar para a plenitude da vida no mundo, e não o contrário.

Os protestos que se alastraram pelo país, e no resto do mundo, tem na internet seu epicentro de força e disseminação. Lá também reside sua fraqueza? Qual seria ela?

Não se sabe exatamente, de antemão, quais são as forças e fraquezas dos protestos. Essas coisas, força e fraqueza, se constroem à medida que os protestos ocorrem, que a coisa toda vai se desenrolando, nos tempos e nos espaços, físicos e virtuais. O que estamos vivendo mostra que a Internet é uma plataforma poderosíssima, em sua capacidade de coagular energia política em ações materiais; no entanto, ainda é possível que corporações e governos exerçam controle censor sobre ela, como vemos no Facebook e na China. O fato de que tanta atividade política ocorra dentro do Facebook faz com que esta atividade seja vulnerável a censura, em geral justificada em função das normas obscuras e obtusas da corporação. Me parece fundamental que uma versão aberta e colaborativa do Facebook seja criada. Outra vulnerabilidade é que a existência da Internet exige investimentos em infraestrutura muito altos, o que tende a colocar o controle físico do funcionamento da rede na mão dos governos. De qualquer forma, me parece que a tendência inexorável de desenvolvimento tecnológico aponta para padrões descentralizados de comunicação, o que tende a dificultar essas ações de censura.

Como você vê a emergência de novas formas de narrativa e cobertura de mídias alternativas, como a NINJA, no contexto virtual?

Em certo sentido, trata-se de uma das novidades mais revolucionárias dentro de tudo o que está ocorrendo, porque pode gerar transformações reais nas comunidades imaginadas nas quais nos encontramos. Ninguém nasce brasileiro ou paulista; nós aprendemos a nos sentirmos essas coisas e a agir no mundo em função disso. Há um esforço do estado e das instituições (escola, mídia, tribunais, hospitais) no sentido de produzirem os brasileiros de formas específicas. De maneira geral, o brasileiro é produzido para ser politicamente passivo: o Brasil é mais administrável se todo mundo ficar em casa, vendo o mundo pela TV – em especial se for futebol -, anestesiados. Vivemos a cidadania como zumbis do capitalismo: vivemos para trabalhar, trabalhamos para pagar contas, educamos nossos filhos para que eles trabalhem, como se isso fosse um fim em si. O sucesso é o sucesso no trabalho, o valor de cada um se reduz ao seu potencial de produtor de bens econômicos.

As manifestações, a multidão, operam em outra lógica; a emergência de mídias abertas, descentralizadas, como a NINJA e a PósTV, também. Isso é um pesadelo para o status quo. Há uma ansiedade geral, hoje, no sentido de entender o que está acontecendo. Para grande parte da população, isso é sintoma da passividade mental à qual somos induzidos: imaginamos o mundo como estando fora dele. A lógica das manifestações é diferente: as coisas não estão acontecendo, nós é que as estamos fazendo acontecer. E mídias como a NINJA e a PósTV são capazes de traduzir isso em novas formas de linguagem midiática.

Redes sociais são apontadas por especialistas como fundamentais nas mobilizações populares (Jornal da Ciência)

JC e-mail 4763, de 08 de Julho de 2013.

Por Paloma Barreto / Jornal da Ciência

Antropóloga, filósofo e comunicadora analisam o papel dessa forma de comunicação nos protestos que ocorrem no país

O que há em comum entre a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street, a revolta na Turquia e as manifestações que estão acontecendo no Brasil? Além de perturbarem o sistema político estabelecido e buscarem mudanças, estes movimentos sociais do século XXI utilizam as redes sociais como principal ferramenta de articulação e mobilização. Ana Lúcia Enne, antropóloga e professora do curso de Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense (UFF), analisou o papel das novas mídias nos protestos que pararam dezenas de cidades brasileiras nas últimas semanas. “Elas são fundamentais no contexto contemporâneo por oferecerem caminhos contra-hegemônicos de divulgação de informações e posições”, afirmou.

As hashtags – palavras-chave antecedidas pelo símbolo “#”, que designam o assunto que se deseja discutir em tempo real nas redes sociais – verásqueumfilhoteunãofogeàluta, #ogiganteacordou e #primaverabrasileira tomaram as páginas do facebook e twitter de milhares de brasileiros. A convocação dos internautas chegou a levar mais de um milhão de pessoas às ruas de todo o Brasil na noite do dia 20 de junho. “Como ficou claro neste momento histórico, as redes precisam das ruas para construir um movimento realmente ativo e capaz de gerar mudanças sociais. As mobilizações virtuais e físicas são complementares e servem a propósitos distintos”, observou Ana.

A antropóloga critica a atuação da grande mídia, e acredita que hoje a internet disputa espaço com os antigos veículos de comunicação na cobertura de acontecimentos. “Principalmente entre os jovens, que utilizam as ferramentas das novas tecnologias de comunicação e informação diariamente, em larga escala, ficou evidente o caráter manipulador, por vezes mentiroso, simplificador e atrelado aos interesses políticos e econômicos da grande mídia. Isso evidenciou o descrédito com essas instituições e a busca permanente por outras formas de expressão e visibilidade”.

Essa “batalha de sentidos” foi citada pela diretora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Eco/UFRJ), Ivana Bentes, em seu perfil no facebook. “A palavra de ordem das manifestações, o #vemprarua, é remix genial da publicidade da Fiat para a Copa. Ou seja, não tem nenhuma multidão amorfa ou acéfala, mas atravessada de singularidades e disputas. Temos mais é que perguntar quem fala e de onde fala. E faz todo o sentido disputar os sentidos do que está acontecendo”, publicou no dia 22 de junho.

Quando os protestos brasileiros tomaram grandes dimensões e alcançaram o noticiário internacional, especialistas se empenharam na busca de explicações para os acontecimentos. Entre eles, o filósofo francês Pierre Lévy classificou a revolta brasileira como o “experimento de uma nova forma de comunicação” em entrevista para o jornal O Globo. “Você não confia na mídia em geral, você confia em pessoas ou em instituições organizadas. Comunicação autônoma significa que sou eu que decido em quem confiar, e ninguém mais. Eu consigo distinguir a honestidade da manipulação, a opacidade da transparência”, afirmou o pesquisador de cibercultura.

Manifestações do século XXI

Em dezembro de 2010, um jovem ateou fogo ao próprio corpo como forma de manifestação contra as condições de vida na Tunísia. O ato desesperado culminou na Primavera Árabe, uma onda de revoltas em quase 20 países que já conseguiu derrubar quatro governos. Em maio deste ano, a ameaça de demolição do parque Taksim Gezi para a construção de um shopping deu início aos protestos na Turquia. No Brasil, em circunstâncias totalmente diferentes, a aumento de 20 centavos nas passagens de ônibus em São Paulo foi o estopim para que milhares de cidadãos de diversos municípios saíssem às ruas reivindicando melhorias nos serviços públicos e mudanças do sistema político.

“A adesão às manifestações está relacionada a algumas variáveis. Primeiro, uma sensação de insatisfação generalizada em relação a uma série de fatores que afetam o brasileiro diretamente, como saúde, educação, transporte, corrupção etc. A questão dos vinte centavos foi sentida como uma gota d’dágua, um transbordamento do copo, se transformando em uma pauta unificadora, capaz de aglutinar multidões insatisfeitas e com diversas outras causas para protestar”, considerou Ana Enne.

A professora acrescentou que a etapa mais difícil do processo é a catalisação dos manifestantes. Neste aspecto, ela acredita que as ações truculentas das forças de segurança, disseminadas na internet através de depoimentos e vídeos, foram fundamentais para sensibilizar outras pessoas. “A explicitação da violência policial, experiência dolorosa vivida cotidianamente por muitos brasileiros, contra manifestantes pacíficos em várias cidades brasileiras, também deu vida e impulsionou o movimento. Foi a partir das divulgações dessas imagens que as passeatas ganharam uma densidade numérica impressionante”.

Também nesta perspectiva, o movimento brasileiro se assemelha aos internacionais. Na Turquia, a repressão dos primeiros protestos por parte da polícia motivou uma maior adesão de pessoas à revolta. A foto de uma mulher de vermelho sendo atacada por um jato de gás lacrimogêneo em Istambul foi replicada nas redes sociais e causou ainda mais indignação nos internautas. No Brasil, dentre os conteúdos de violência policial disseminados, um dos que teve mais repercussão foi a imagem de Giuliana Vallone, repórter da Folha de S Paulo atingida no olho por uma bala de borracha no dia 13 de junho.

O sociólogo espanhol Manuel Castells, conhecido por ser um “intelectual conectado”, é um dos principais analistas do papel da internet nos movimentos sociais contemporâneos. No dia 11 de junho, durante o evento “Fronteiras do Pensamento”, em São Paulo, ele foi questionado sobre o protesto que ocorria na Avenida Paulista naquele momento contra o aumento das passagens de ônibus. “Todos os movimentos sociais na história, são, sobretudo, emocionais. Não são pontualmente reivindicativos. Não é o transporte. Em algum momento, há um fato que provoca a indignação. Ao sentir a possibilidade de estarem juntos, ao sentir que há muitas pessoas que pensam o mesmo fora do âmbito institucional, surge a esperança de fazer algo diferente. O quê? Não se sabe. Mas, com certeza não é o que está aí”, avaliou Castells.

Esta matéria está na página 8 do Jornal da Ciência impresso. As 12 páginas podem ser acessadas em PDF:
http://www.jornaldaciencia.org.br/impresso/JC740.pdf

Zizek: a caminho de uma ruptura global (Outras Palavras)

POR SLAVOJ ŽIŽEK – ON 30/06/2013

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Brasília, junho de 2013

Chegada dos Protestos ao Brasil e Turquia revela: há mal-estar generalizado contra lógicas e ideologia do capitalismo. Desafio é construir alternativas e nova democracia

Por Slavoj Žižek, no London Review of Books | Tradução Vila Vudu

Em seus primeiros escritos, Marx descreve a situação na Alemanha como uma daquelas na qual a única resposta a problemas particulares seria a solução universal: a revolução global. É expressão condensada da diferença entre período reformista e período revolucionário: em período reformista, a revolução global permanece como sonho que, se serve para alguma coisa, é apenas para dar peso às tentativas para mudar alguma coisa localmente; em período revolucionário, vê-se claramente que nada melhorará, sem mudança global radical. Nesse sentido puramente formal, 1990 foi ano revolucionário: as muitas reformas parciais nos estados comunistas jamais dariam conta do serviço; e era necessária uma quebra total, para resolver todos os problemas do dia a dia. Por exemplo, o problema de dar suficiente comida às pessoas.

Em que ponto estamos hoje, quanto a essa diferença? Os problemas e protestos dos últimos anos são sinais de que se aproxima uma crise global, ou não passam de pequenos obstáculos que pode enfrentar mediante intervenções locais? O mais notável nas erupções é que estão acontecendo não apenas, nem basicamente, nos pontos fracos do sistema, mas em pontos que, até aqui, eram percebidos como histórias de sucesso. Sabemos por que as pessoas protestam na Grécia ou na Espanha; mas por que há confusão em países prósperos e em rápido desenvolvimento como Turquia, Suécia ou Brasil?

Com algum distanciamento, pode-se ver que a revolução de Khomeini em 1979 foi o caso original de “dificuldades no paraíso”, dado que aconteceu em país que caminhava a passos largos para uma modernização pró-ocidente, e era o mais estável aliado do ocidente na região.

Antes da atual onda de protestos, a Turquia era quente: modelo ideal de estado estável, a combinar pujante economia liberal e islamismo moderado. Pronta para a Europa, um bem-vindo contraste com a Grécia mais “europeia”, colhida num labirinto ideológico e andando rumo à autodestruição econômica. Sim, é verdade: aqui e ali sempre viam-se alguns sinais péssimos (a Turquia, sempre a negar o holocausto dos armênios; prisão de jornalistas; o status não resolvido dos curdos; chamamentos a uma “grande Turquia” que ressuscitaria a tradição do Império Otomano; imposição, vez ou outra, de leis religiosas). Mas eram descartados como pequenas máculas que não comprometeriam o grande quadro.

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E então, explodiram os protestos na praça Taksim. Não há quem não saiba que os planos para transformar um parque em torno da praça Taksim no centro de Istambul em shopping-center não foram “o caso”, naqueles protestos; e que um mal-estar muito mais profundo ganhava força. O mesmo se deve dizer dos protestos de meados de junho no Brasil: foram desencadeados por um pequeno aumento na tarifa do transporte público, e prosseguiram mesmo depois de o aumento ter sido revogado. Também nesse caso, os protestos explodiram num país que – pelo menos segundo a mídia – estava em pleno boom econômico e com todos os motivos para sentir-se confiante quanto ao futuro. Nesse caso, os protestos foram aparentemente apoiados pela presidente Dilma Rousseff, que se declarou satisfeitíssima com eles.

O que une protestos em todo o mundo — por mais diversos que sejam, na aparência — é que todos reagem contra diferentes facetas da globalização capitalista

É crucialmente importante não vermos os protestos turcos meramente como sociedade civil secular que se levanta contra regime islamista autoritário, apoiado por uma maioria islamista silenciosa. O que complica o quadro é o ímpeto anticapitalista dos protestos. Os que protestam sentem intuitivamente que o fundamentalismo de mercado e o fundamentalismo islâmico não se excluem mutuamente.

A privatização do espaço público por ação de um governo islamista mostra que as duas modalidades de fundamentalismo podem trabalhar de mãos dadas. É sinal claro de que o casamento “por toda a eternidade” de democracia e capitalismo já caminha para o divórcio.

Também é importante reconhecer que os que protestam não visam a nenhum objetivo “real” identificável. Os protestos não são, “realmente”, contra o capitalismo global, nem “realmente” contra o fundamentalismo religioso, nem “realmente” a favor de liberdades civis e democracia, nem visam “realmente” qualquer outra coisa específica. O que a maioria dos que participaram dos protestos “sabem” é de um mal-estar, de um descontentamento fluido, que sustenta e une várias demandas específicas.

A luta para entender os protestos não é luta só epistemológica, com jornalistas e teóricos tentando explicar seu “real” conteúdo: é também luta ontológica pela própria coisa, o que esteja acontecendo dentro dos próprios protestos. É apenas luta contra governo corrupto? É luta contra governo islâmico autoritário? É luta contra a privatização do espaço público? A pergunta continua aberta. E de como seja respondida dependerá o resultado de um processo político em andamento.

Em 2011, quando irrompiam protestos por toda a Europa e todo o Oriente Médio, muitos insistiram que não fossem tratados como instâncias de um único movimento global. Em vez disso, argumentavam, haveria uma resposta específica para cada situação específica. No Egito, os que protestavam queriam o que em outros países era alvo das críticas do movimento Occupy: “liberdade” e “democracia”. Mesmo entre países muçulmanos, haveria diferenças cruciais: a Primavera Árabe no Egito seria contra um regime autoritário e corrupto aliado do ocidente; a Revolução Verde no Irã, que começou em 2009, seria contra o islamismo autoritário. É fácil ver o quanto essa particularização dos protestos serve bem aos defensores do status quo: não há nenhuma ameaça direta à ordem global como tal. Só uma série de problemas locais separados…

O capitalismo global é processo complexo que afeta diferentes países de diferentes modos. O que une todos os protestos, por mais multifacetados que sejam, é que todos reagem contra diferentes facetas da globalização capitalista. A tendência geral do capitalismo global é hoje expandir o mercado, invadir e cercar o espaço público, reduzir os serviços públicos (saúde, educação, cultura) e impor cada vez mais firmemente um poder político autoritário. Nesse contexto, os gregos protestam contra o governo do capital financeiro internacional e contra seu próprio estado ineficiente e corrupto, cada dia menos capaz de prover os serviços sociais básicos. Nesse contexto, os turcos protestam contra a comercialização do espaço público e contra o autoritarismo religioso. E os egípcios protestam contra um governo apoiado pelas potências ocidentais. E os iranianos protestam contra a corrupção e o fundamentalismo religioso. E assim por diante.

Nenhum desses protestos pode ser reduzido a uma única questão. Todos lidam com uma específica combinação de pelo menos dois problemas, um econômico (da corrupção à ineficiência do próprio capitalismo); o outro, político-ideológico (da demanda por democracia à demanda pelo fim da democracia convencional multipartidária). O mesmo se aplica ao movimento Occupy. Na profusão de declarações (muitas vezes confusas), o movimento manteve dois traços básicos: primeiro, o descontentamento com o capitalismo como sistema, não apenas contra um ou outro corrupto ou corrupções locais; segundo, a consciência de que a forma institucionalizada de democracia multipartidária não tem meios para combater os excessos capitalistas. Em outras palavras, é preciso reinventar a democracia.

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A causa subjacente dos protestos ser o capitalismo global não significa que a única solução seja “derrubar” o capitalismo. Nem é viável seguir a alternativa pragmática, que implica lidar com problemas individuais enquanto se espera por transformação radical. Essa ideia ignora o fato de que o capitalismo global é necessariamente contraditório e inconsistente: a liberdade de mercado anda de mãos dadas com os EUA protegerem seus próprios agronegócios e agronegociantes; pregar a democracia anda de mãos dadas com apoiar o governo da Arábia Saudita.

Essa inconsistência abre um espaço para a intervenção política: onde o capitalista global é forçado a violar suas próprias regras, ali há uma oportunidade para insistir em que ele obedeça àquelas regras. Exigir coerência e consistência em pontos estrategicamente selecionados nos quais o sistema não pode pagar para ser coerente e consistente é pressionar todo o sistema. A arte da política está em impor demandas específicas as quais, ao mesmo tempo em que são perfeitamente realistas, ferem o coração da ideologia hegemônica e implicam mudança muito mais radical. Essas demandas, por mais que sejam viáveis e legítimas, são, de fato, impossíveis. Caso exemplar é a proposta de Obama para prover assistência pública universal à saúde. Por isso as reações foram tão violentas.

Um movimento político começa com uma ideia, algo por que lutar, mas, no tempo, a ideia passa por transformação profunda – não apenas alguma acomodação tática, mas uma redefinição essencial –, porque a própria ideia passa a ser parte do processo: torna-se sobredeterminada.* Digamos que uma revolta comece com uma demanda por justiça, talvez sob a forma de demanda pela rejeição de uma determinada lei. Depois de o povo estar profundamente engajado na revolta, ele percebe que será preciso muito mais do que a demanda inicial, para que haja verdadeira justiça. O problema então é definir, precisamente, em que consiste esse “muito mais”.

A perspectiva liberal-pragmática entende que os problemas podem ser resolvidos gradualmente, um a um: “Há gente morrendo agora em Rwanda, então esqueçam a luta anti-imperialista e vamos impedir o massacre”. Ou: “Temos de combater a pobreza e o racismo já, aqui e agora, não esperar pelo colapso da ordem capitalista global”. John Caputo argumenta exatamente assim em After the Death of God (2007):

Eu ficaria perfeitamente feliz se os políticos da extrema-esquerda nos EUA fossem capazes de reformar o sistema oferecendo assistência universal à saúde, redistribuindo efetivamente a riqueza mais equitativamente com um sistema tributário [orig. Internal Revenue Code (IRC)] redefinido, restringindo o financiamento privado de campanhas eleitorais, autorizando o voto universal, para todos, tratando com humanidade os trabalhadores migrantes, e levando a efeito uma política externa multilateralista que integrasse o poder dos EUA dentro da comunidade internacional etc. Ou seja, intervindo sobre o capitalismo mediante reformas profundas, de longo alcance… Se depois de fazer tudo isso, Badiou e Žižek ainda reclamarem de um monstro chamado Capitalismo a nos assombrar, eu estaria inclinado a receber o tal monstro com um bocejo.

Não se trata de “derrubar” o capitalismo. Mas de construir lógicasde uma sociedade que vá além dele. Isso inclui novas formas de democracia

O problema aqui não é a conclusão de Caputo: se se pode alcançar tudo isso dentro do capitalismo, por que não ficar aí mesmo? O problema é a premissa subjacente de que seja possível obter tudo isso dentro do capitalismo global em sua forma atual. Mas e se os emperramentos e mau funcionamento do capitalismo, que Caputo listou, não forem meras perturbações contingentes, mas necessários por estrutura? E se o sonho de Caputo é um sonho de ordem capitalista universal, sem sintomas, sem os pontos críticos nos quais sua “verdade reprimida” mostra a própria cara?

Os protestos e revoltas de hoje são sustentados pela combinação de demandas sobrepostas, e é aí que está a sua força: lutam por democracia (“normal”, parlamentar) contra regimes autoritários; contra o racismo e o sexismo, especialmente quando dirigidos contra imigrantes e refugiados; contra a corrupção na política e nos negócios (poluição industrial do meio ambiente etc.); pelo estado de bem-estar contra o neoliberalismo; e por novas formas de democracia que avancem além dos rituais multipartidários. Questionam também o sistema capitalista global como tal, e tentam manter viva a ideia de uma sociedade que avance além do capitalismo.

Duas armadilhas há aí, a serem evitadas: o falso radicalismo (“o que realmente interessa é abolir o capitalismo liberal-parlamentar; todas as demais lutas são secundárias”), mas, também, o falso gradualismo (“no momentos temos de lutar contra a ditadura militar e por democracia básica, todos os sonhos de socialismo devem ser, agora, postos de lado”).

Aqui, ninguém se deve envergonhar de acionar a distinção maoista entre antagonismo principal e antagonismos secundários, entre os que mais interessam no fim e os que dominam hoje. Há situações nas quais insistir no antagonismo principal significa perder a oportunidade de acertar golpe significativo, no curso da luta.

Só uma política que tome plenamente em consideração a complexidade da sobredeterminação merece o nome de estratégia. Quando se embarca numa luta específica, a pergunta chave é: como nosso engajamento ou desengajamento nessa luta afeta outras lutas?

Praça Tahrir, Egito 2011

Praça Tahrir, Egito 2011

A regra geral é que quando uma revolta contra regime semidemocrático começa – como no Oriente Médio em 2011 – é fácil mobilizar grandes multidões com slogans (por democracia, contra a corrupção etc.). Mas muito rapidamente temos de enfrentar escolhas muito mais difíceis. Quando a revolta é bem-sucedida e alcança o objetivo inicial, nos damos conta de que o que realmente nos perturbava (a falta de liberdade, a humilhação diária, a corrupção, o futuro pouco ou nenhum) persiste sob novo disfarce. Nesse momento somos forçados a ver que havia furos no próprio objetivo inicial. Pode implicar que se chegue a ver que a democracia pode ser uma forma de des-liberdade, ou que se pode exigir muito mais do que apenas a mera democracia política: que a vida social e econômica tem de ser também democratizada.

Em resumo, o que à primeira vista tomamos como fracasso que só atingia um nobre princípio (a liberdade democrática) é afinal percebido como fracasso inerente ao próprio princípio. Essa descoberta – de que o princípio pelo qual lutamos pode ser inerentemente viciado – é um grande passo em qualquer educação política.

Representantes da ideologia reinante mobilizam todo o seu arsenal para impedir que cheguemos a essa conclusão radical. Dizem-nos que a liberdade democrática implica suas próprias responsabilidades, que tem um preço, que é sinal de imaturidade esperar demais da democracia. Numa sociedade livre, dizem eles, devemos agir como capitalistas e investir em nossa própria vida: se fracassarmos, se não conseguirmos fazer os necessários sacrifícios, ou se de algum modo não correspondermos, a culpa é nossa.

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Istambul, maio de 2013

Em sentido político mais direto, os EUA perseguem coerentemente uma estratégia de controle de danos em sua política externa, recanalizando os levantes populares para formas capitalistas-parlamentares aceitáveis: na África do Sul, depois do apartheid; nas Filipinas, depois da queda de Marcos; na Indonésia, depois de Suharto etc. É nesse ponto que a política propriamente dita começa: a questão é como empurrar ainda mais adiante, depois que passa a primeira, excitante, onda de mudança; como dar o passo seguinte, sem sucumbir à tentação “totalitária”; como avançar além de Mandela, sem virar Mugabe.

O que significaria isso, num caso concreto? Comparemos dois países vizinhos, Grécia e Turquia. À primeira vista, talvez pareçam completamente diferentes: Grécia, presa na armadilha da ruinosa política de austeridade; Turquia em pleno boom econômico e emergindo como nova superpotência regional. Mas e se cada Turquia contiver sua própria Grécia, suas próprias ilhas de miséria? Como Brecht diz em sua Elegias Hollywoodenses (orig. Hollywood Elegies’ [1942]),

A vila de Hollywood foi planejada segundo a ideia
De que o povo aqui seria proprietário de partes do paraíso. Ali,
Chegaram à conclusão de que Deus
Embora precisando de céu e inferno, não precisava
Planejar dois estabelecimentos, mas
Só um: o paraíso. Que esse,
para os pobres e infortunados, funciona
como inferno.
[1]

Esses versos descrevem bastante bem a “aldeia global” de hoje: aplicam-se ao Qatar ou Dubai, playgrounds para os ricos, que dependem de manter os trabalhadores imigrantes em estado de semiescravidão, ou escravidão. Exame mais detido revela semelhanças entre Turquia e Grécia: privatizações, o fechamento do espaço público, o desmonte dos serviços sociais, a ascensão de políticos autoritários. Num plano elementar, os que protestam na Grécia e os que protestam na Turquia estão engajados na mesma luta. O melhor caminho talvez seja coordenar as duas lutas, rejeitar as tentações “patrióticas”, deixar para trás a inimizade histórica entre os dois países e buscar espaços de solidariedade. O futuro dos protestos talvez dependa disso.


* Em seu prefácio à Contribuição à Crítica da Economia Política, Marx escreveu (no seu pior modo evolucional) que a humanidade só se propõe problemas que seja capaz de resolver. E se invertermos a ganga dessa frase e declararmos que, regra geral, a humanidade propõe-se problemas que não pode resolver, e assim dispara um processo cujo desdobramento é imprevisível, no curso do qual, a própria tarefa é redefinida?

[1] Não encontramos tradução para o português. Aqui, tradução de trabalho, sem ambição literária, só para ajudar a ler [NTs].

Juventude “apolítica” reinventa a política (Envolverde/IPS)

02/7/2013 – 09h20

por Fabiana Frayssinet, da IPS

n11 300x225 Juventude “apolítica” reinventa a política

A estudante Stephany Gonçalves dos Santos escreve seu politizado cartaz. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 2/7/2013 – Com palavras de ordem contra os partidos políticos, as manifestações juvenis no Brasil trazem consigo o paradoxo de uma nova e efetiva forma de fazer política, que consegue respostas concretas dos poderes do Estado. A palavra de ordem nas ruas é “partidos políticos, não”, e a maioria dos manifestantes se declara, com orgulho “apolítica”. “Não tenho nenhum partido”, diz à IPS a estudante Stephany Gonçalves dos Santos.

Como centenas de milhares de estudantes que protestam, convocados por meio das redes sociais, como o Facebook, ela escreve um cartaz para um protesto no Rio de Janeiro, com lápis de cor em uma simples cartolina. E escolhe a frase “Um filho teu não foge à luta”, do hino nacional brasileiro. “Estou aqui por um ideal de país. quero que meu país seja democrático. Mas onde há repressão não há democracia”, argumentou Stephany, referindo-se à dura resposta policial que, longe de aplacar os protestos, estimulou muitos a aderirem a eles.

“O governo quer alienar o povo com o futebol”, acrescentou, ao abordar outro tema de descontentamento: os gastos milionários em instalações para competições esportivas como a Copa das Confederações, a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Stephany vive em um país onde diariamente se respira futebol e este é parte de uma cultura popular tão arraigada quanto o carnaval. Mas reclama, indignada, do dinheiro que se deixou de investir em educação e saúde para construir grandes instalações esportivas. “Construíram estádios de primeiro mundo, mas ao redor deles não temos nada. É uma falta de respeito com o povo”, afirmou.

A revolta nasceu de um tema específico: o aumento das passagens de ônibus, serviço já caro e ineficiente. Porém, se estendeu a outras áreas: saúde, educação e a suposta corrupção de muitos dirigentes políticos. “A maioria dos que participam do movimento constitui uma massa de jovens que se sentem muito desgostosos com a atual vida política”, apontou à IPS o especialista político William Gonçalves, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. “Eles repudiam a corrupção e a cumplicidade de forças que se apresentam como progressistas com as que são símbolo do atraso”, afirmou, referindo-se a alianças parlamentares forjadas pelos partidos para governarem.

Pelas dimensões e pela diversidade territorial do Brasil e da sua população, nenhum partido pode assegurar a Presidência e a maioria das cadeiras no Congresso. “Desta forma, temos um parlamentarismo disfarçado, já que todos os partidos que chegam à Presidência só podem governar aliando-se a outros que têm a única ambição de obter cargos em troca de apoio parlamentar”, explicou Gonçalves. “Até o Partido dos Trabalhadores é prisioneiro dessa aliança. A saída seria uma reforma política”, acrescentou.

Tal reforma, largamente reclamada, não saía das gavetas oficiais. E, curiosamente, foi o susto diante da “apolítica” ebulição das ruas que conseguiu em poucos dias que esse assunto entrasse na agenda oficial. Os manifestantes também conseguiram reduzir o preço do transporte público, a aprovação em tempo recorde de uma lei que declara a corrupção crime “hediondo” e a votação de outra lei para destinar royalties do petróleo para a saúde e educação.

Isto é ser apolítico? O dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, João Pedro Stédile, acredita que não. “A juventude não é apolítica, pelo contrário. Tanto não é, que levou a política às ruas, mesmo sem ter consciência de seu significado”, afirmou em uma entrevista ao jornal Brasil de Fato. “A juventude está cansada dessa forma de fazer política, burguesa e mercantilista. O mais grave é que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se amoldaram a esses métodos. E, portanto, gerou-se na juventude uma repulsa à forma de atuar dos partidos”, ressaltou.

Para o historiador Marcelo Carreiro, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, “este é um novo dado da história nacional, cujo contexto já era claramente observável no esvaziamento dessas instituições”. Carreiro disse à IPS que “as manifestações confirmam essa caducidade das instituições e mostram, apesar de tudo, que a população pode estar mais politicamente ativa que nunca”.

Os três poderes do Estado tomaram nota e já começam a propor e discutir formas alternativas de incluir a cidadania em mecanismos mais dinâmicos e participativos. A presidente Dilma Rousseff deu um passo nessa direção ao admitir que “estas vozes têm de ser ouvidas” porque “deixaram evidente que superam os mecanismos tradicionais das instituições, dos partidos, das entidades de classe e da própria imprensa”. Uma proposta em debate é estabelecer a consulta popular como instrumento permanente de democracia direta.

Algumas organizações não governamentais propõem, por outro lado, a participação efetiva de diferentes grupos sociais, comunidades e bairros, em decisões sobre onde e como aplicar orçamentos de saúde, educação, infraestrutura, transporte e saneamento. “Tudo o que está acontecendo com estas novas expressões da sociedade em rede – no Brasil e em outros países – aponta para uma reinvenção da política para reinventar a democracia”, opinou Augusto de Franco, diretor da organização Escola de Redes. Os jovens manifestantes atiraram a primeira pedra, e não somente contra a repressão policial.

Protestos no Brasil viram piada em telejornal cômico nos EUA; assista (FSP)

03/07/2013 – 11h21

DE SÃO PAULO

A onda de protestos que tomou conta do Brasil desde o mês passado virou piada no canal americano Comedy Central.

No programa “Colbert Report”, Stephen Colbert faz uma sátira aos comentaristas de telejornal e diz coisas completamente sem noção sobre o assunto.

“Pessoal, eu não entendo… Estamos falando do Brasil, o lugar mais alegre da Terra”, comenta após exibir imagens de manifestações pelo país.

“A única coisa com o que os brasileiros se irritam é com seus pelos púbicos”, brincou, fazendo referência à depilação brasileira, que faz sucesso no exterior.

Assista ao vídeo aqui.

As manifestações populares e as músicas de protesto (Áudio Ativo/UFRJ)

Enviado por  on 28/6/13  

37429a8f3c840dd9f821dc9033e6282cd5e09f8dNa História recente do Brasil, muitas vezes a população  foi às ruas para reivindicar mudanças, denunciar e se manifestar. Através das letras de certas músicas, nos sentimos representados. Há, inclusive, canções que se eternizaram a fim de se tornarem hinos de várias gerações.  Há outras que retratam um momento específico da nossa história. A proposta então desse programa especial é apresentar para os ouvintes uma historiografia do Brasil  diferente…. através das canções de protesto, vamos contar a história das manifestações populares. Para tanto escolhemos quatro datas marcantes do nosso país: 1968, 1985, 1992 e 2013. Entenda o contexto, ouça as principais canções, relembre as palavras de ordem e depoimentos de várias personalidades e especialistas.

Apuração e Reportagem: Rafael Amêndola, Yuri Brito, Marlon Câmara, Antonella Zugliani, Amanda Duarte, Marilise Mortágua, Ana Clara Veloso, Lucas Drummond, Elisa Ferreira, Patricia Valle, Mariana Bria, Gonçalo Luiz. Produção executiva: Taís Carvalho.

Edição de áudio: Sergio Muniz

Coordenação de Jornalismo: Prof. Gabriel Collares Barbosa

Escutar aqui.

Fifa vê gesto desrespeitoso de Dilma Rousseff por não ir à final (OESP)

Tradicionalmente, presidente do país sede do torneio está na decisão e entrega a taça ao campeão

29 de junho de 2013 | 20h 17

JAMIL CHADE – Enviado especial – Agência Estado

RIO – A Fifa tomou como um gesto de desrespeito a decisão da presidente Dilma Rousseffde não ir à final deste domingo no Maracanã entre Brasil e Espanha. Tradicionalmente, presidente do país sede do torneio está na decisão e entrega a taça ao campeão. Neste sábado, parte da cúpula da Fifa que conversou com a reportagem não escondia surpresa diante da decisão da chefe-de-estado de não viajar ao Rio de Janeiro. Apesar da ausência de Dilma, a ala VIP do estádio do Maracanã estará lotada de políticos.

Dilma foi vaiada na abertura e quer evitar desgaste - Dida Sampaio/Estadão

Dida Sampaio/Estadão. Dilma foi vaiada na abertura e quer evitar desgaste

Dilma foi vaiada no jogo de abertura, em Brasília, e decidiu que, diante dos protestos nas ruas e de sua queda de popularidade, não seria o momento de aparecer num estádio, mesmo que seja no evento-teste para a Copa do Mundo e uma espécie de cartão de visita do País.

Apesar das declarações de membros do Comitê Executivo da Fifa, a assessoria de imprensa insistiu em adotar posição diplomática e garante que seus cartolas não representam a posição oficial da entidade.

“A Fifa respeita totalmente a decisão da presidente Dilma Rousseff em relação à participação na final
no Maracanã, seja ela qual for”, disse a assessoria.

Entretanto, nos bastidores, parte dos funcionários da Fifa tentavam entender a decisão de Dilma de não estar no estádio. “Isso é bom ou ruim para ela?”, questionou um deles. Para outros mais próximos da presidência, a atitude é um “gesto de desrespeito”.

A relação entre governo e Fifa já não era das melhores. Mas um dos legados do torneio será um esfriamento ainda maior dos contatos. O governo ficou irritado com os comentários da Fifa sobre as manifestações e com as cobranças por mais segurança.

Se Dilma não estará no estádio, o Maracanã não sentirá falta de políticos. Além de governadores e do prefeito do Rio, Eduardo Paes, deputados, vereadores e senadores estão sendo aguardados na tribuna de honra.

Nas arquibancadas, a torcida já indicou nos meios sociais que irá usar a final para protestar. Nas ruas que dão acesso ao Maracanã, milhares de pessoas prometem protestar. O estádio estará blindado por mais de 6 mil policiais.

Para fontes na Fifa, a situação chega a ser irônica. Afinal, o governo brasileiro quer usar justamente os megaeventos esportivos para se promover no exterior e as autoridades não têm economizado recursos para o marketing baseado no torneio.

Até mesmo a Agência de Promoção das Exportações, ligada ao Ministério do Desenvolvimento, se transformou em associada da Fifa, pagando uma cota de patrocínio de R$ 20 milhões. Já o BNDES e diversos outros órgãos foram fundamentais em bancar estádios e infraestrutura para o evento.

Para outro experiente cartola, o que surpreende é o contraste em relação à participação de outros chefes-de-estado em torneios similares. Em 2009, o capitão da seleção brasileira na época, Lúcio, recebeu o troféu de campeão das mãos de Jacob Zuma, presidente sul-africano. Zuma ainda participou de todos os jogos em Johannesburgo, num esforço de mostrar o compromisso do governo com o torneio. Em 2005, na Alemanha, a cúpula do governo de Berlim também se fez presente.

Fontes próximas ao presidente Joseph Blatter insistem que o cartola suíça “entendeu” a decisão política de Dilma. Mas considerou que sua atitude mostra que o governo não está sempre disposto a bancar o evento e que cálculos políticos pesam mais que o torneio em si. “O que parece é que, quando as coisas vão bem, o Brasil quer usar a Copa para se promover. Mas quando não funciona ou há uma crise, todos querem se dissociar do futebol”, comentou um membro do Comitê Executivo da entidade, que pediu anonimato.

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Sobre as manifestações (OESP)

‘Epidemia’ de manifestações tem quase 1 protesto por hora e atinge 353 cidades

Movimento ganhou força depois do dia 17, ao monopolizar o noticiário das grandes redes de TV, e auge foi no dia 20, em 150 cidades

29 de junho de 2013 | 19h 49

Bruno Paes Manso e Rodrigo Burgarelli – O Estado de S. Paulo

SÃO PAULO – No dia 6 de junho, os jornais de São Paulo ainda repercutiam mortes violentas em tentativas de assalto quando uma primeira manifestação de 150 jovens, aparentemente despretensiosa, aconteceu no centro da cidade, na hora do rush, rumo à Avenida Paulista. Era o primeiro protesto do Movimento Passe Livre (MPL), que nos dias seguintes atrairia os holofotes da imprensa e se espalharia como “epidemia” pelo Brasil, contagiando rapidamente a população de diferentes cidades.

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Manifestantes na Avenida Paulista,  em São Paulo, na quarta-feira, 26 - JF Diorio/AE

JF Diorio/AE. Manifestantes na Avenida Paulista, em São Paulo, na quarta-feira, 26

Até quinta-feira, a população saiu às ruas com cartazes para protestar em pelo menos 353 municípios, conforme levantamento feito pelo Estado em eventos no Facebook e em menções na imprensa regional. Ao todo, houve pelo menos 490 protestos em três semanas (mais de 22 por dia). Já a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), em pesquisa feita nas prefeituras, identificou protestos em 438 cidades.

O papel das redes sociais (Twitter e Facebook) foi decisivo para a articulação dos discursos e para divulgar hora e local dos protestos. Mas a epidemia só ganhou força depois do dia 17, ao monopolizar o noticiário das grandes redes de televisão. “Fazendo um paralelo com o casamento, esses eventos não têm causa única. O casal não termina porque a toalha foi deixada em cima da cama. Essa toalha pode ser a gota d’água de brigas antigas. O mesmo ocorreu nos protestos, que explodiram por uma longa história de crises enfrentadas em silêncio”, diz o professor de comunicação digital Luli Radfahrer (ECA-USP).

Avanço. Em São Paulo, os primeiros três protestos aconteceram em um intervalo de seis dias e não ultrapassaram os 10 mil manifestantes. Mesmo assim, já eram a principal história dos jornais. No dia 13 de junho, outras dez cidades aderiram – capitais ou cidades médias, como Natal, Porto Alegre, Rio, Santos e Sorocaba. No dia 17, quando São Paulo parou, com 200 mil pessoas nas ruas, já eram 21 protestando.

O auge foi no dia 20, quando 150 municípios tiveram protestos. Pelo menos 1 milhão de brasileiros foram às passeatas, segundo dados das Polícias Militares de 75 cidades. Desde Belém, no Pará, até Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai. A menor cidade a se rebelar foi Figueirão (MS), que tem 2,9 mil habitantes.

O mote do transporte público foi o mais popular principalmente nas cidades que têm rede de ônibus. Mas os protestos também ganharam conotações regionais, especialmente nas cidades menores. Picos (PI), por exemplo, atraiu manifestantes contra os pistoleiros. Coxim (MS) protestou contra os buracos nas ruas e pediu a saída do secretário de obras. “Foi uma revolta típica da pós-modernidade, aparentemente sem causa. Do ponto de vista político, contudo, a multiplicidade de causas tornou os protestos mais fortes justamente porque permite várias interpretações dos que vão se manifestar”, diz o psicanalista Jorge Forbes.

Forbes enxerga, no entanto, um ponto em comum nas demandas. “Trata-se de uma sociedade civil renovada, mais informada e educada, que continua tendo de lidar com as instituições do século passado, anacrônicas, que não atendem mais os anseios da população.”

Difícil leitura. Mesmo para aqueles que acompanham a história do movimento, a epidemia de protestos surpreendeu. O filósofo Pablo Ortellado, coautor do livro Estamos Vencendo! (Conrad), sobre os movimentos autonomistas no Brasil, ainda se esforça para entender o que aconteceu. “A resistência e a desobediência civil já eram discutidas desde Seattle, em 1999, nos movimentos antiglobalização. A novidade foi o Passe Livre, que passou a ter uma pauta clara, com um grupo de referência para negociar. O governo foi acuado pelas passeatas e mudou sua decisão.” As manifestações continuaram em menor quantidade depois da redução das tarifas, apesar de muitos protestos contra a Copa das Confeder[ações.]

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‘Ativismo de sofá’ chegou às ruas, diz especialista

Para diretor de organização de petições online, recentes protestos mostram que assinar abaixo-assinado pela internet não é sinal de despolitização

30 de junho de 2013 | 2h 07

RICARDO CHAPOLA – O Estado de S.Paulo

O diretor de campanhas da Avaaz, uma das maiores organizações mundiais de abaixo-assinados online, Pedro Abramovay, acredita que a recente onda de protestos que tomaram conta do País desbanca o que especialistas e parte da sociedade apelidaram de “ativismo de sofá” – que nasce nas redes sociais e não chega às ruas.

Em atos que se espalharam por capitais e outras cidades brasileiras, manifestantes usaram a internet para dar musculatura à mobilização e, depois, foram às ruas. Abramovay avalia que esse fenômeno é o resultado de uma combinação de dois fatores: internautas mais politizados na rede diante de um cenário em que a política está muito obsoleta.

“Tinha gente que dizia: ‘Olha só, isso é uma despolitização, isso se resume a sofá’. E não, as pessoas não perceberam que a internet hoje faz parte da vida das pessoas”, afirmou ao Estado.

“Quando as pessoas compartilhavam uma petição pelo Facebook, pelo Twitter, elas estavam assumindo posição política diante dos seus amigos. Aquilo foi criando um caldo novo de cultura política num ambiente no qual a política e a forma de se fazer política está muito envelhecida. Uma hora tinha que explodir. E acho que explodiu, foi para as ruas.”

Reforma. Tanto a adesão maciça de pessoas aos atos quanto o número de protestos que ocorreram nas últimas semanas sinalizam, acredita Abramovay, que o eleitor está descontente com a falta de espaço político. Para ele, o poder público não dá abertura para participação social. “O que agora isso tem que gerar é uma mudança das instituições. E a criação de uma abertura política para esses movimentos, para essa vontade das pessoas participarem”, afirmou, em referência à necessidade de uma reforma política – a pauta entrou na agenda do governo federal na semana passada.

Respostas pontuais. Mas a postura do poder público não convence, na avaliação do diretor da Avaaz. Ele disse que a sociedade pede mudanças estruturais, a seu ver a única maneira de a política conseguir atender a todas as demandas existentes nos protestos. “Não bastam respostas imediatas e pontuais para o momento de movimentação aguda como a gente viu agora. Essa energia tem que ser canalizada para mudanças estruturais. A gente tem que ter canais pelos quais essa vontade de a sociedade participar seja acolhida permanentemente pelas instituições políticas”, disse Pedro Abramovay.

“A gente percebe que as pessoas querem falar de política e elas não veem nos canais normais os canais que as representem, que canalizem essas demandas. Então vão para a rua. É preciso reorganizar nossa democracia para que essas demandas encontrem lugar.”

Apartidarismo. Ex-secretário nacional de Justiça no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Pedro Abramovay ainda é filiado ao PT. Apesar de criticar o que classifica de engessamento das instituições políticas, como os partidos, e a sua indisposição às mudanças reivindicadas nas ruas, o diretor da Avaaz avalia que o clamor público não é pela extinção das siglas. A questão, de acordo com Abramovay, é a falta de representatividade.

“Eu não acho que as pessoas não querem mais partidos, elas se cansaram de partidos que não as representam. As pessoas se cansaram de partidos que estão descolados da opinião pública, que são clubes eleitorais, como se tem dito. E não a extinção dos partidos.”

Para ele, não existe democracia sem legendas. “A existência de partidos é algo que faz parte da democracia. O respeito à preferência partidária também tem que fazer parte da democracia. Agora os partidos têm que acordar para essa movimentação e por esse desprezo que as pessoas têm pela maneira que eles estão funcionando atualmente.”

Abramovay classificou a onda de manifestações impulsionadas pela internet como um passo importante na história do País. Ele ainda disse que o Brasil tem plenas condições de ser pioneiro nesse novo tipo de política democrática.

“O Brasil tem condições de ser pioneiro nessas inovações democráticas. Não é à toa que o Brasil é o primeiro país da Avaaz”, observou. A organização de petições online, segundo ele, tem cerca de 4,5 milhões de membros brasileiros.

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Onda de protestos tomou 353 cidades

30 de junho de 2013 | 7h 40

BRUNO PAES MANSO E RODRIGO BURGARELLI – Agência Estado

No dia 6 de junho, os jornais de São Paulo ainda repercutiam mortes violentas em tentativas de assalto quando uma primeira manifestação de 150 jovens, aparentemente despretensiosa, aconteceu no centro da cidade, na hora do rush, rumo à Avenida Paulista. Era o primeiro protesto do Movimento Passe Livre (MPL), que nos dias seguintes atrairia os holofotes da imprensa e se espalharia como “epidemia” pelo Brasil, contagiando rapidamente a população de diferentes cidades.

Até quinta-feira, a população saiu às ruas com cartazes para protestar em pelo menos 353 municípios, conforme levantamento feito pelo Estado em eventos no Facebook e em menções na imprensa regional. Ao todo, houve pelo menos 490 protestos em três semanas (mais de 22 por dia). Já a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), em pesquisa feita nas prefeituras, identificou protestos em 438 cidades.

O papel das redes sociais (Twitter e Facebook) foi decisivo para a articulação dos discursos e para divulgar hora e local dos protestos. Mas a epidemia só ganhou força depois do dia 17, ao monopolizar o noticiário das grandes redes de televisão. “Fazendo um paralelo com o casamento, esses eventos não têm causa única. O casal não termina porque a toalha foi deixada em cima da cama. Essa toalha pode ser a gota d”água de brigas antigas. O mesmo ocorreu nos protestos, que explodiram por uma longa história de crises enfrentadas em silêncio”, diz o professor de comunicação digital Luli Radfahrer (ECA-USP).

Avanço. Em São Paulo, os primeiros três protestos aconteceram em um intervalo de seis dias e não ultrapassaram os 10 mil manifestantes. Mesmo assim, já eram a principal história dos jornais. No dia 13 de junho, outras dez cidades aderiram – capitais ou cidades médias, como Natal, Porto Alegre, Rio, Santos e Sorocaba. No dia 17, quando São Paulo parou, com 200 mil pessoas nas ruas, já eram 21 protestando.

O auge foi no dia 20, quando 150 municípios tiveram protestos. Pelo menos 1 milhão de brasileiros foram às passeatas, segundo dados das Polícias Militares de 75 cidades. Desde Belém, no Pará, até Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai. A menor cidade a se rebelar foi Figueirão (MS), que tem 2,9 mil habitantes.

O mote do transporte público foi o mais popular principalmente nas cidades que têm rede de ônibus. Mas os protestos também ganharam conotações regionais, especialmente nas cidades menores. Picos (PI), por exemplo, atraiu manifestantes contra os pistoleiros. Coxim (MS) protestou contra os buracos nas ruas e pediu a saída do secretário de obras. “Foi uma revolta típica da pós-modernidade, aparentemente sem causa. Do ponto de vista político, contudo, a multiplicidade de causas tornou os protestos mais fortes justamente porque permite várias interpretações dos que vão se manifestar”, diz o psicanalista Jorge Forbes.

Forbes enxerga, no entanto, um ponto em comum nas demandas. “Trata-se de uma sociedade civil renovada, mais informada e educada, que continua tendo de lidar com as instituições do século passado, anacrônicas, que não atendem mais os anseios da população.”

Difícil leitura. Mesmo para aqueles que acompanham a história do movimento, a epidemia de protestos surpreendeu. O filósofo Pablo Ortellado, coautor do livro Estamos Vencendo! (Conrad), sobre os movimentos autonomistas no Brasil, ainda se esforça para entender o que aconteceu. “A resistência e a desobediência civil já eram discutidas desde Seattle, em 1999, nos movimentos antiglobalização. A novidade foi o Passe Livre, que passou a ter uma pauta clara, com um grupo de referência para negociar. O governo foi acuado pelas passeatas e mudou sua decisão.” As manifestações continuaram em menor quantidade depois da redução das tarifas, apesar de muitos protestos contra a Copa das Confederações. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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Quarta-feira, 26 de Junho 2013, 22h28

Congresso entra em ritmo frenético diante da pressão de manifestantes

Além de decisões de prefeitos e governadores, Câmara e Senado aprovam propostas que estavam engavetadas há anos; veja linha do tempo

Breno Lemos Pires/Estadão

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Aliados culpam políticos por queda da popularidade de Dilma nas pesquisas

Datafolha apontou queda de 27 pontos na aprovação do governo da presidente após os protestos

29 de junho de 2013 | 13h 13

Ricardo Brito e Ricardo Della Coletta – Agência Estado

BRASÍLIA – Aliados da presidente Dilma Rousseff preferiram atribuir a queda de 27 pontos porcentuais na popularidade da presidente Dilma Rousseff, apontada na pesquisa Datafolha, divulgada neste sábado, 29, a uma insatisfação geral da população com os políticos, canalizada na chefe do Executivo, após os protestos que tomaram as ruas nas últimas semanas. Já a oposição não quis comemorar abertamente o resultado, que apontou que 30% dos brasileiros consideram a gestão Dilma boa ou ótima, ante 57% de avaliação positiva registrada na sondagem da primeira semana de junho.

A presidente recebeu no Palácio da Alvorada seus principais operadores políticos dentro do governo para conversar sobre a pesquisa e as novas medidas a serem tomadas. Participaram do encontro na manhã deste sábado os ministros da Comunicação Social, Helena Chagas, das Comunicações, Paulo Bernardo, e da Educação, Aloizio Mercadante, que tem atuado como um ministro informal da articulação política.

Para os governistas do Congresso, é prematuro afirmar que Dilma, que em todas as sondagens eleitorais feitas até o momento venceria no primeiro turno das eleições presidenciais no ano que vem, perdeu seu favoritismo. “É muito cedo para falar sobre 2014. A oposição já está vendo-a fora do governo”, ironizou o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). “Não tem nada a ver com a reeleição (a pesquisa), estamos firmes e fortes. O nosso projeto é a reeleição da presidente Dilma. Eu não sou de abandonar o barco”, reforçou o líder do PT na Casa, José Guimarães (CE).

O líder petista lembrou que o ex-presidente Lula passou por dificuldades políticas maiores em 2005, quando eclodiu o escândalo do mensalão, e se reelegeu um ano depois. O líder do governo no Senado, Eduardo Braga (PMDB-AM), afirmou que a pesquisa está “contaminada” pela atual circunstância. “Qualquer pesquisa vai mostrar queda dos governantes, porque você esta fazendo pesquisa no olho do vulcão, em que estão acontecendo as manifestações e os protestos”, completou.

Oposição. A oposição não vê motivos para festejar a queda acentuada de Dilma de olho em 2014. “A gravidade do momento é tal que tanto o governo como a oposição não podem pensar em si próprios”, avaliou o presidente do Democratas, Agripino Maia (RN). “Com a eclosão das manifestações, o jogo zerou. A oposição sempre pregou no deserto e, de repente, essa mobilização dá à oposição a perspectiva de se preparar para um bom embate”, afirmou o líder do PPS na Câmara, Rubens Bueno (PR).

O presidente do Democratas, senador Agripino Maia (RN), disse que o resultado da pesquisa é uma “constatação clara” dos equívocos da gestão petista. “Acabou este tempo de governar em nome da reeleição”, disse, ao cobrar de Dilma “humildade de mudar” e ao ressaltar que a oposição está disposta a conversar com a presidente em torno do pacto lançado semana passada. Os oposicionistas, porém, são contrários à realização do plebiscito para se fazer uma reforma política. Agripino Maia defende melhorias na gestão fiscal e uma forte atuação para debelar o câmbio e a inflação altas no País.

O líder do PSDB do Senado, Aloysio Nunes Ferreira (SP), avaliou a queda de popularidade da presidente como um “tombo catastrófico, um sinal amarelo”. Para ele, Dilma desperdiçou a capacidade de liderança que tinha para fazer reformas importantes, como a tributária, enquanto ainda apresentava elevados índices de aprovação. “A capacidade de atuação agora fica mais difícil. Ela não atuou quando tinha gordura para queimar. Mas ainda há tempo, desde que se disponha a fazer a atribuição dela e não perca seu tempo com manobras políticas como a do plebiscito”, afirmou.

O parlamentar disse ainda que o Congresso Nacional tem boas lideranças, mas falta uma conversa que parta da presidente e seja capaz de sensibilizar inclusive a oposição, que “nunca se negou a apoiar com aquilo que pode para melhorar o país”.

Veja também:
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link Dilma está tranquila com pesquisa, diz ministro das Comunicações

 

Sobre as manifestações (OESP)

Onda de protestos no País já tem seis mortes

Na quarta-feira, estudante de 21 anos morreu ao cair de viaduto em Belo Horizonte e jovem de 16 foi atropelado no Guarujá

27 de junho de 2013 | 10h 37

Subiu para seis o número de mortes ligadas à onda de manifestações pelo País. Em Belo Horizonte, o estudante Douglas Henrique Oliveira, de 21 anos, morreu ao cair de um viaduto durante protesto nessa quarta-feira, 26. Também na noite de quarta, um jovem de 16 anos morreu atropelado por um motorista que desviou o caminhão de uma manifestação em um acesso à Rodovia Cônego Domênico Rangoni, no Guarujá (SP).

Na segunda-feira, 24, duas mulheres foram atropeladas durante um protesto em uma rodovia de Cristalina, em Goiás. Valdinete Rodrigues Pereira e Maria Aparecida morreram no local e o condutor fugiu sem prestar socorro. A Polícia Civil avalia se pede ou não a prisão temporária do motorista, Carlos Baromeu Dias, que depôs nessa quarta-feira, 26. Na quinta-feira, 20, o estudante Marcos Delefrate, de 18 anos, foi atropelado e morto por Alexsandro Ishisato de Azevedo, que avançou sobre as pessoas que protestavam em Ribeirão Preto (SP). A prisão do acusado já foi decretada. Na sexta-feira, 21,morreu em Belém a gari Cleonice Moraes, de 54 anos, que foi intoxicada por gás lacrimogêneo ao tentar fugir de confusão em protesto.

No Guarujá, o jovem morto estava de carona na bicicleta do amigo. Ele foi socorrido no Pronto-Atendimento Médico da Rodoviária, mas não resistiu aos ferimentos. O amigo, de 17 anos, ficou gravemente ferido, mas não corre risco de morte. Em depoimento prestado à polícia, ele disse que o motorista acabou arrastando os rapazes. O caminhoneiro foi preso em flagrante e levado à delegacia-sede do município, na Avenida Puglisi. De acordo com o motorista, ele tentou desviar o veículo de uma manifestação de protesto e não viu quando os jovens foram atropelados. Por isso, continuou dirigindo.

Em Belo Horizonte, segundo testemunhas, Douglas Oliveira tentou pular de uma pista do viaduto José Alencar para outra, mas caiu no vão que há no meio do viaduto. Ele foi levado de helicóptero pelo Corpo de Bombeiros para o Hospital de Pronto-Socorro João XXIII com fraturas múltiplas e traumatismo craniano e foi submetido a cirurgia, mas não resistiu.

Um vídeo divulgado na internet mostra a queda (aos 50 segundos). O acidente ocorreu no fim da tarde, quando um grupo de vândalos protagonizava um embate com os militares que faziam a segurança no entorno do Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão, onde o Brasil enfrentava o Uruguai por uma das semifinais da Copa das Confederações. Além de Douglas, Daniel de Oliveira Martins, de 28 anos, também caiu do viaduto durante o tumulto, mas foi socorrido com quadro menos grave, sem risco de morte.

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Hotéis do Rio têm queda de ocupação com onda de protestos

Região mais prejudicada foi o centro, a preferida dos manifestantes: a taxa de cancelamento de reservas foi de 27,57%, segundo a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis

26 de junho de 2013 | 14h 37
Roberta Pennafort – O Estado de S. Paulo

RIO – Iniciada dia 6, a onda de protestos no Rio – em parte, violentos – trouxe prejuízos para a indústria hoteleira. De acordo com pesquisa divulgada nesta quarta-feira, 26, pela Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih-RJ), relativa ao período de 17 a 24 de junho, o temor dos visitantes fez com que houvesse queda de ocupação. A região mais prejudicada foi o centro, a preferida dos manifestantes: a taxa de cancelamento de reservas foi de 27,57%.

Entre os bairros de Flamengo e Botafogo, o índice de cancelamentos foi de 12%; na área de Copacabana e Leme, a mais turística da cidade e com o maior número de hotéis, 7,14%; Ipanema e Leblon, 4,96%. Na Barra da Tijuca o índice não chegou a 1%.

“Os números confirmaram as estimativas da Abih-RJ de que acontecessem pontualmente cancelamentos nos locais onde as maiores manifestações se concentraram”, informou nota da entidade. No período estudado foram realizadas seis manifestações no Rio.

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Acompanhe os desdobramentos dos protestos pelo País (OESP)

27/06/2013

22h23 – SALVADOR – Um confronto entre policiais e manifestantes na Estação da Lapa, em Salvador, no início da noite desta quinta-feira, manchou a manifestação pacífica promovida ao longo da tarde pelo Movimento Passe Livre na cidade. Cerca de 1,5 mil manifestantes, segundo a PM, participaram do ato, caminhando pelos 2 quilômetros que separam a Praça do Campo Grande e a Prefeitura, no centro da cidade.

O confronto começou por volta das 18h30, cerca de uma hora depois de as lideranças do movimento decidirem que a manifestação estava encerrada. Segundo os organizadores, o ato foi concluído quando os objetivos principais do protesto – protocolar a pauta de 21 reivindicações para a mobilidade urbana da cidade na Prefeitura e agendar uma audiência pública sobre o tema – foram alcançados. (Tiago Décimo)

Veja vídeo postado no Youtube pelo internauta brunobellens:

21h55 – Manifestantes continuam bloqueando a  pista expressa da Rodovia Presidente Dutra, no sentido Rio de Janeiro. A interdição, na altura de Caçapava (SP), está agora no km 121 e gera lentidão até o km 134. Acompanhe a situação do trânsito nas ruas da capital e estradas de SP.

21h43– PORTO ALEGRE – A manifestação em Porto Alegre nesta quinta reuniu público bem menor que as 20 mil pessoas da quinta-feira passada e as 10 mil pessoas de segunda-feira desta semana. Também teve carros de som e shows musicais. Uma comissão de 11 representantes dos manifestantes foi recebida pelo governador Tarso Genro, apresentou as reivindicações do movimento e ficou de receber respostas nos próximos dias.

O grupo que se desgarrou e partiu para as depredações saiu gritando “protesto não é festa”. Por volta das 21 h,  o grupo maior deixou a praça e caminhou cinco quadras, até o Largo Zumbi dos Palmares, já na Cidade Baixa, onde permaneceu concentrado, pacificamente. (Elder Olgliari)

21h41 – PORTO ALEGRE – A manifestação pela redução das tarifas do transporte público e mais recursos para educação e saúde causou confusões e alguns confrontos entre ativistas e soldados da Brigada Militar na noite desta quinta-feira, em Porto Alegre. Enquanto a maioria dos cerca de 3 mil participantes do protesto permaneceu diante do Palácio Piratini, um grupo menor, com cerca de cem pessoas, saiu para o outro lado da Praça Marechal Deodoro e atirou pedras e rojões contra o Palácio da Justiça, sede de Judiciário. Na sequência, saiu depredando contêineres de lixo, virando dois deles, e chutando grades de lojas na Rua Jerônimo Coelho e Avenida Borges de Medeiros e se dispersou em direção ao bairro Cidade Baixa. (Elder Ogliari)

21h27 – JOÃO PESSOA – O Terminal de Integração Rodoviário de João Pessoa foi invadido nesta quinta-feira, 27, durante o segundo protesto em favor da redução de tarifas de transportes públicos. Mais de três mil pessoas participaram do ato organizado pelas redes sociais exibindo cartazes e gritando palavras de ordem, segundo a Polícia Militar da Paraíba. O local foi fechado pela Guarda Municipal para evitar vandalismo.

Os manifestantes se concentraram no colégio Lyceu Paraibano, no centro da cidade, onde cantaram músicas e exibiam cartazes. Depois do fim da PEC 37, o alvo agora é a PEC 33, que propõe a revisão de decisões do STF pelo Legislativo. Depois do Terminal Rodoviário, os estudantes e famílias seguiram pacificamente até o Paço Municipal, na Praça Pedro Américo. Apenas um grupo ateou fogo em objetos para chamar atenção, mas não houve incidentes maiores.

Os jovens seguiram até a Praça Três Poderes – local onde se concentra a Assembleia Legislativa da Paraíba, o Tribunal de Justiça e o Palácio da Redenção, sede do governo do Estado. Pediram políticas na educação, saúde e menos corrupção. (Janaína Araujo)

21h08 – A Rodovia Presidente Dutra está com a pista expressa bloqueada no sentido Rio na altura do km 133, em Caçapava (SP), por causa de uma manifestação. Acompanhe a situação das estradas paulistas no Blog do Trânsito. A fila de veículos se estende até o km 128.

20h10 – BAURU– Cerca de 400 manifestantes bloquearam no começo da noite desta quinta-feira a Rodovia Marechal Rondon, em  Bauru, no centro-paulista, para exigir melhorias no transporte coletivo. Eles fecharam a estrada nos dois sentidos. A Polícia Rodoviária desviou o trânsito. Ao menos 100 policiais militares acompanham o protesto.

O cancelamento no aumento do preço da passagem, desconto de 50% para estudantes de qualquer idade e a construção de um novo terminal rodoviário são as principais exigências dos manifestantes.

Até agora há pouco a rodovia continuava interditada. Os prédios da Prefeitura e da Câmara de Vereadores estão com a segurança reforçada. Não houve incidentes. É a terceira manifestação este mês em Bauru. (Sandro Villar)

19h14 – RIO –  Manifestantes que partiram da Igreja da Candelária, no  Rio, por volta das 17h30, se aproximam da Assembleia Legislativa (Alerj). A passeata é pacífica e acompanhada por policiais militares, que também fazem um cordão de isolamento na Alerj.

18h53 – Veja galeria de fotos dos protestos em Fortaleza:

18h16 – RIO – Na manifestação que segue pela Avenida Rio Branco, no centro do Rio, as pessoas levam faixas e cartazes pela desmilitarização da PM e lembram a morte de dez pessoas, na operação ocorrida na segunda-feira, 24, na Favela Nova Holanda, uma das comunidades do Complexo da Maré.

“A polícia que reprime na avenida é a mesma que mata na favela”, é o dizer de uma das faixas da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência. Mais cedo, um grupo de estudantes e moradores do Complexo da Maré se reuniu no Largo São Francisco, em frente ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ para discutir a ação da polícia e confeccionar cartazes para o ato. Eles marcaram ato ecumênico na Favela Nova Holanda, em memória dos dez mortos em confronto com a polícia militar, para terça-feira, 2. (Heloisa Aruth Sturm). Veja galeria de fotos.

18h00 –  A aula pública organizada pelo Passe Livre na frente da Prefeitura de São Paulo já começou e reúne cerca de 400 pessoas no calçadão em frente ao Edifício Matarazzo. O professor que iniciou o evento foi o  ex-secretário municipal dos Transportes Lúcio Gregori, que atuou na gestão de Luiza Erundina, nos anos 1990. Ele defende a tarifa zero no transporte público, que, na sua visão, deveria seguir a lógica de serviços como a coleta de lixo e a saúde, cujos custos já estão embutidos nos impostos. (Renato Vieira)

18h00 – PORTO ALEGRE – A 22ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sulmanteve a tarifa de R$ 2,85 para o transporte coletivo de Porto Alegre. A decisão foi tomada nesta quinta-feira, em julgamento de recurso das empresas de ônibus contra despacho de primeiro grau que havia reduzido o valor dos R$ 3,05 para o patamar atual.

A ação foi movida pelos vereadores Pedro Ruas e Fernanda Melchionna, ambos do PSOL, para contestar o reajuste de R$ 2,85 para R$ 3,05 estabelecido em 22 de março. Em 4 de abril o Juiz de Direito Hilbert Maximiliano Akihito Obara, da 5ª Vara da Fazenda Pública do Foro Central, deferiu a tutela antecipada e determinou a volta à tarifa anterior. A decisão do Tribunal considerou as desonerações de impostos sobre componentes do cálculo da tarifa ocorridas desde então. Os dois vereadores anunciaram que moverão nova ação porque entendem que o preço pode cair ainda mais. (Elder Ogliari)

17h41 – FORTALEZA – Depois que a Força Nacional foi acionada, a situação começou a ficar menos tensa nas imediações da Arena Castelão, onde jogam Espanha e Itália pela Copa das Confederações . Um canhão sônico foi utilizado para afastar os manifestantes. O equipamento é semelhante ao usado para evacuar o Parque Zuccotti, em Nova York, encerrando o acampamento do movimento Occupy Wall Street.

Grupo rompe isolamento das grades perto do Castelão. Foto: Natacha Pisarenko/AP

Dependendo da distância, a arma provoca desorientação, tontura, náuseas e dores no peito. Protetores de ouvido não são suficientes para se proteger. O de Fortaleza chegou a ser testado antes de ser utilizado na manifestação. De acordo com as autoridades locais, a menos de 20 metros no volume máximo não havia provocado ânsia de vômitos ou náuseas.

Mais cedo, manifestantes se aproximaram de um cordão de  isolamento de policiais na Arena Castelão e houve confronto. (Lauriberto Braga)

 

Em um dos momentos mais tensos, manifestantes atearam fogo em veículos. Foto: Natacha Pisarenko/AP

17h36 – RIO – Teve início há pouco a passeata no centro da cidade. Cerca de mil manifestantestomaram todas as faixas da Avenida Rio Branco. Quase não se veem cartazes, mas há muitas bandeiras, como as do PSTU, MST e do DCE da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). No último ato, as pessoas que levaram bandeiras foram hostilizadas. Mil e quatrocentos policiais, de três batalhões, acompanham a passeata. (Heloisa Aruth Sturm)

17h32– Veja depoimento de uma das representantes do Passe Livre, Luíza Madetta, de 19 anos.

 

17h19 – SÃO PAULO – A aula pública organizada por membros do Movimento Passe Livre  em frente à Prefeitura reúne cerca de 250 pessoas.  Os temas a serem discutidos serão a viabilidade da tarifa zero na capital e a mobilidade urbana de uma forma geral.

Público espera pela aula pública na frente da Prefeitura, no Viaduto do Chá, centro de São Paulo. Foto: Renato Vieira/Estadão

Cadeiras foram colocadas na frente da sede do governo municipal, cujas grades de proteção foram retiradas a pedidos dos organizadores do evento, para que  os interessados possam ocupar o  calçadão – apesar do que ocorreu na terça-feira passada, 18, quando vândalos destruíram vidraças e picharam o Edifício Matarazzo. O clima é pacífico e policiais militares  acompanham  a movimentação do outro lado da rua, onde também há uma viatura da Guarda Civil Municipal (GCM). (Renato Vieira)

ex-secretário municipal dos Transportes Lúcio Gregori, que atuou na gestão de Luiza Erundina, nos anos 1990, será um dos palestrantes, ao lado do professor Paulo Arantes, do Departamento de Filosofia da USP. Gregori é um dos idealizadores do conceito de tarifa zero nos ônibus de São Paulo.

17h01 – Os protestos que acontecem em todo o Brasil desde o começo de junho já deixaram umsaldo de seis mortos, alguns deles atropelados por motoristas presos nas manifestações.

Clique no mapa para ver o mapa em tamanho ampliado e ter mais detalhes sobre cada caso.

16h53 – RIO – Cerca de 250 pessoas estão reunidas neste momento na Igreja da Candelária, de onde sairão em breve em direção à Cinelândia para iniciar o 13.º protesto na cidade do Rio de Janeiro. Um grupo de 30 indígenas da Aldeia Maracanã participa do ato. Nesta tarde, os advogados da Aldeia entraram com novo recurso na Justiça para tentar a reintegração de posse do antigo Museu do Índio, de onde foram obrigados a sair por causa das obras no estádio do Maracanã.

“Viemos aqui pedir apoio à população”, disse o advogado Aarão da Providência Araújo Filho, índio da etnia guajajara.

Policiais de três batalhões vão acompanhar o protesto. Em frente à Assembleia Legislativa, que sofreu ataques em duas manifestações, está um grupo de 60 PMs. Antes de chegar à Cinelândia, os manifestantes pretendem ir à Rua da Assembleia, onde fica a sede da Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro), entidade que congrega os dez sindicatos de empresas de ônibus no Estado. (Heloisa Aruth Sturm)

16h49 – FORTALEZA – Policiais e parte dos manifestantes se enfrentaram na avenida Dedé Brasil antes de começar o jogo entre Itália e Espanha, nesta quinta-feira, na Arena Castelão, em Fortaleza. Um ônibus que conduzia torcedores foi invadido e apedrejado . Pedras, vidros e bombas caseiras estão sendo arremessados contra o Batalhão de Choque. Jornalistas são aconselhados pelos policiais a se afastarem.

Foi ateado fogo em um carro da TV Diário. Outro, da TV Jangadeiro, foi depredado. Balas de borracha estão sendo usadas pelos policiais contra os manifestantes. A Cavalaria continua tentando dispersar o grupo. Algumas pessoas correram para ruas intermediárias.

Pelo menos cinco policiais já foram socorridos pela ambulância dos Bombeiros. Entre eles há homens da Cavalaria que foram atingidos na perna por pedras e bolas de gude. Helicópteros da Força Nacional sobrevoam a área. (Lauriberto Braga)

16h37– SÃO PAULO – o Movimento Passe Livre, organizador da  série de atos pela redução  da tarifa de ônibus em São Paulo, promoverá nesta quinta-feira, 27, uma aula pública em frente à Prefeitura de São Paulo sobre tarifa zero e mobilidade urbana. O evento ocorrerá a partir das 17h no Viaduto do Chá, em frente à sede do governo municipal. Caso chova, segundo o MPL, a ação será realizada embaixo do viaduto.

ex-secretário municipal dos Transportes Lúcio Gregori, que atuou na gestão de Luiza Erundina, nos anos 1990, será um dos palestrantes, ao lado do professor Paulo Arantes, do Departamento de Filosofia da USP. Gregori é um dos idealizadores do conceito de tarifa zero nos ônibus de São Paulo. (Caio do Valle)

16h31 – SALVADOR –  A chuva atrapalha a caminhada do Movimento Passe Livre em Salvador, nesta quinta-feira. O protesto teve saída da Praça do Campo Grande pouco antes das 15h, uma hora depois do previsto pelos organizadores. Eles pretendem caminhar cerca de 2 quilômetros até a Prefeitura, no centro histórico, onde querem se encontrar com o prefeito ACM Neto (DEM).

O número de manifestantes no início da caminhada era pequeno, cerca de 500 pessoas, mas deve crescer durante o trajeto, com a passagem do grupo pela Avenida Sete de Setembro, tradicional ponto de comércio popular na cidade. A maioria das lojas da região fechou as portas depois das 14h – muitas instalaram tapumes de madeira para proteger as fachadas de vidro.  (Tiago Décimo)

16h10 – FORTALEZA – Por volta do meio-dia houve confronto entre um pequeno grupo de manifestantes e PMs e homens da Força de Segurança Nacional na Avenida Dedé Brasil, no entorno do estádio Castelão.  A capital cearense recebe o jogo entre Espanha e Itália pela semifinal da Copa das Confederações. A manifestação seguiu pacífica em seguida, mas há muito entulho na rua. (Tobias Saldanha)

Jogos na Copa das Confederações tem sido antecedidos por protestos, especialmente contra os gastos do governo para realizar a Copa do Mundo. Foto: Natacha Pisarenko/AP

15h58 – RECIFE – Sete pessoas detidas e dois menores apreendidos por depredação, resistência ou roubo e três policiais atingidos por pedras. Este foi o balanço da manifestação realizada na quarta-feira, 26, e organizada por estudantes, no Recife. O balanço foi divulgado nesta quinta-feira,27, pelo secretário estadual da Defesa Social, Wilson Damázio.

A presidente do Diretório Central dos Estudantes da faculdade Fafire, Cryslaine Maria da Silva, de 19 anos, chegou a ser encaminhada para a Colônia Penal Feminina porque não pagou a fiança estipulada em R$ 5 mil. De acordo com a polícia ela foi detida por agredir “com bombas e pedradas um funcionário público no exercício da função”. (Angela Lacerda)

15h52 – Acaba de ser aprovada na Câmara Municipal de São Paulo a CPI dos Transportes, que irá investigar a contas do setor na capital paulista. Por 40 votos favoráveis e 11 contrários, a Casa criou uma comissão comandada pela base governista do prefeito Fernando Haddad (PT). O grupo terá a tarefa de investigar, a partir de agosto, os contratos bilionários da Prefeitura com as empresas de ônibus e peruas.

Veja repercussão da medida entre manifestantes que protestavam na porta da Câmara nesta tarde:

 


15h46 – RIO – O governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), reuniu-se hoje durante cerca de uma hora e meia com cinco manifestantes que participaram do acampamento montado em frente ao prédio onde o governador mora, no Leblon, na zona sul.

Ao final da reunião, só um dos manifestantes, que se identificou como Eduardo Oliveira, atendeu a imprensa. Ele afirmou que ainda não tem uma pauta de reivindicações completa e que, durante a reunião, pediu que o governo “controle as manifestações, porque as pessoas estão se sentindo
Inseguras”.

Eduardo disse que integra um grupo chamado “Somos o Brasil” e ele e os quatro colegas romperam com os demais acampados. Por isso, o quinteto já deixou de participar do grupo que se mantém desde sexta-feira na porta da casa de Cabral.(Fábio Grellet)

15h38 – A onda de protestos pelo País desde o começo de junho já deixou  seis mortos até esta quinta-feira, 27. Em Belo Horizonte, o estudante Douglas Henrique Oliveira, de 21 anos, morreu ao cair de um viaduto durante protesto nessa quarta-feira, 26. Também na noite de quarta, um jovem de 16 anos morreu atropelado por um motorista que desviou o caminhão de uma manifestação em um acesso à Rodovia Cônego Domênico Rangoni, no Guarujá (SP).

Na segunda-feira, 24, duas mulheres foram atropeladas durante um protesto em uma rodovia de Cristalina, em Goiás. Valdinete Rodrigues Pereira e Maria Aparecida morreram no local e o condutor fugiu sem prestar socorro. A Polícia Civil avalia se pede ou não a prisão temporária do motorista, Carlos Baromeu Dias, que depôs nessa quarta-feira, 26. Na quinta-feira, 20, o estudante Marcos Delefrate, de 18 anos, foi atropelado e morto por Alexsandro Ishisato de Azevedo, que avançou sobre as pessoas que protestavam em Ribeirão Preto (SP). A prisão do acusado já foi decretada. Na sexta-feira, 21,morreu em Belém a gari Cleonice Moraes, de 54 anos, que foi intoxicada por gás lacrimogêneo ao tentar fugir de confusão em protesto.

No Guarujá, o jovem morto estava de carona na bicicleta do amigo. Ele foi socorrido no Pronto-Atendimento Médico da Rodoviária, mas não resistiu aos ferimentos. O amigo, de 17 anos, ficou gravemente ferido, mas não corre risco de morte. Em depoimento prestado à polícia, ele disse que o motorista acabou arrastando os rapazes. O caminhoneiro foi preso em flagrante e levado à delegacia-sede do município, na Avenida Puglisi. De acordo com o motorista, ele tentou desviar o veículo de uma manifestação de protesto e não viu quando os jovens foram atropelados. Por isso, continuou dirigindo.

Protestos apressam votação da lei de crimes de terrorismo no Brasil (Sul 21)

26/jun/2013, 9h44min

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Foto: Bernardo Jardim Ribeiro/Sul21

Rachel Duarte

Incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir meios de transporte ou qualquer bem público ou privado poderá ser enquadrado como terrorismo no Brasil. Está prevista para esta quinta-feira (27) a votação do projeto de lei 728/2011 que tipifica o crime de terrorismo, ainda não regulamentado no país. O texto será colocado em pauta em pleno contexto de sucessivos protestos nos estados brasileiro que estão sendo respondidos de forma repressiva pelo braço armado do estado. O motivo da urgência na aprovação, segundo a Comissão Mista que discute o tema no Congresso Nacional é a proximidade da Copa do Mundo de 2014. Especialistas avaliam como temerária a proposta, uma vez que aponta para os problemas da segurança urbana soluções com base na Lei de Segurança Nacional. “Isto é retroceder ao estado de exceção”, critica o professor da Faculdade de Direito de Santa Maria (FADISMA), Eduardo Pazinato.

A Constituição Federal prevê o crime de terrorismo, mas não estabelece pena nem tipifica as ações. Apenas a Lei de Segurança Nacional, editada na década de 1980, menciona o terrorismo, mas ainda com redação feita durante o regime militar. Porém, a minuta do texto em iminente aprovação no Congresso tem referência no texto da reforma do Código Penal e outros 43 projetos de lei, além de nove tratados, protocolos e convenções internacionais. Os crimes de terrorismo serão imprescritíveis, com pena cumprida em regime fechado, sem benefício de progressão e devem variar de 24 a 30 anos de cadeia.

Será considerado terrorismo ainda as ações que provoquem pânico generalizado praticadas por motivos ideológicos, políticos, religiosos e de preconceito racial, o que abre brecha para classificar como terroristas integrantes de movimentos sociais que cometerem crimes durante protestos públicos, acredita o coordenador do Núcleo de Segurança Cidadã da FADISMA, Eduardo Pazinato. “Este texto acompanha a tendência internacional de lei e ordem que propõem mais leis penais para resolver problemas contemporâneos. Por meio do discurso da pacificação, se aumenta a criminalização das pessoas e os encarceramentos. Utilizar o paradigma da segurança nacional para regular a segurança urbana proporcionará a criminalização dos movimentos sociais, uma vez que parte de um movimento de massa poderá ser entendida como terrorismo”, explica.

Ou seja, se a nova lei já estivesse em vigor, os manifestantes que invadiram as ruas do país nos últimos dias contra o aumento da passagem e a postura repressiva da polícia militar poderiam ser enquadrados como terroristas em razão de algumas práticas excessivas. “Isto é temerário nesta conjuntura de grandes eventos no país, em que inúmeras reivindicações populares surgem nas ruas. Está se preconizando mais uma vez um novo tipo penal para aumentar penas e reduzir direitos de minorias que serão enquadradas como praticantes de delitos, ao invés de buscar resposta para as cobranças da sociedade que não sejam por meio da criminalização”, avalia Pazinato.

“Repressão é resposta política dos governos contra a mobilização social”, critica ativista gaúcho

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Para o ativista em Software Livre, Marcelo Branco, que esteve nos diversos manifestos realizados em Porto Alegre no último período, “o 1% que faz quebra-quebra nos protestos são pessoas marginalizadas pelo próprio estado e que cansaram de cobrar nas manifestações’. De toda forma, ele reconhece que tais práticas não podem ser toleradas pelas autoridades, porém ressalta que responder com mais autoritarismo é a pior escolha do estado. “A violência policial em relação aos protestos que estão acontecendo em Porto Alegre e em todo o país não se justifica. Mesmo se concordamos ou não com a razão dos protestos, reivindicar pacificamente nas ruas é algo legítimo. A luta popular já deixou de ser em relação ao preço das passagens, é para cobrar a resposta dos governos a esta brutal repressão que se ergueu no país”, fala.

Segundo o ex-coordenador da campanha da presidenta Dilma Rousseff na internet, as redes sociais possibilitaram uma nova organização social das lutas no mundo, que não pode ser controlada pelo estado. E esta, seria a principal razão de uma reação tão extrema por parte das autoridades. “Eles não tem líderes definidos, porque a organização é horizontal na rede, então, agem de forma generalizada com bombas, gás e balas de borracha contra civis desarmados”, qualifica Branco.

Na visão do especialista em segurança pública Eduardo Pazinato, os chamados ‘novíssimos movimentos sociais’, organizados pela internet, não tem a mínima semelhança com práticas terroristas para se justificar uma legislação neste sentido no país. “O terrorismo é uma ação coletiva por um propósito de conjuntura onde se aplica a violência de forma deliberada. Não é o que estes movimentos pretendem. A dinâmica deles é uma luta democrática que não pode ser encarada com endurecimento penal máximo. Isto é uma atitude populista do governo que busca atingir o senso comum demonstrando ‘eficiência do estado’ para enfrentar a questão da violência. Isto é o que está declarado nesta votação em meio aos protestos. O que é equivocado, pois não há direito à segurança sem a garantia da segurança a outros direitos fundamentais”, salienta.

“Intenção nunca foi criminalizar os movimentos sociais”, diz deputado Vaccarezza

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr

O presidente da comissão de consolidação de leis e de dispositivos constitucionais, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), disse que a intenção da proposta não é e nem nunca foi criminalizar movimentos sociais. “Nossa Constituição é genérica neste ponto e precisamos deixá-la clara justamente para evitar que juízes possam interpretar que ações de massa são terrorismo, especialmente agora que teremos grandes eventos, pessoas de vários lugares do mundo. É preciso regulamentar”, defende.

Segundo Vaccarezza, a comissão mista para regulamentação das leis nacionais ainda está debatendo a matéria e aceita sugestões pela internet. “No site do Senado está a minuta do projeto e queremos a contribuição de todos. Estamos falando com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e vamos falar com o ministro da Justiça (José Eduardo Cardozo) e com o Supremo Tribunal Federal (STF)”, fala.

No dia 18 de junho, o deputado esteve reunido com o relator do texto no Senado Federal, senador Romero Jucá (PMDB-RR). A intenção da comissão é votar o texto nesta semana. “Se não for possível, aguardaremos e reapresentamos mais tarde”, garante Vacarezza.

POSTV, de pós-jornalistas para pós-telespectadores (Observatório da Imprensa)

ECOS DO PROTESTO

Por Elizabeth Lorenzotti em 25/06/2013 na edição 752

Como diria Henfil, deu até no New York Times. “One group, called N.I.N.J.A., a Portuguese acronym for Independent Journalism and Action Narratives, has been circulating through the streets with smartphones, cameras and a generator held in a supermarket cart – a makeshift, roving production studio” (NYT, 20/6/2013, íntegra aqui).

N.I.N.J.A., sigla em português para Narrativas Independentes Jornalismo e Ação é o grupo responsável pela POSTV, sua mídia digital independente. E não nasceu agora, mas há um ano e meio, e está ancorada no movimento nacional Circuito Fora do Eixo. Nas manifestações que tomaram as ruas de várias capitais, ganhou maior visibilidade e chegou a picos de audiência de 120 mil espectadores. O que significa uma marca de 1,2 dos ibopes oficiais – e não é pouco, pois muitos programas da TV aberta não o atingem.

Nesses tempos fora do eixo e de paradigmas, talvez seja este o embrião da nova mídia do futuro que já é hoje – uma POSTV feita por pós-jornalistas, para pós-telespectadores.

Com seus smartphones e câmeras, eles protagonizam uma grande novidade na cobertura dessas manifestações e na alternativa à mídia tradicional. Segundo um dos ninjas, Bruno Torturra, trata-se de outra concepção de mídia. E sua diferença com a tradicional começa pela “honestidade, a ética, o posicionamento integrado dentro dos protestos e não lançando mão de analistas; sem drones, sem helicópteros, mas testemunhando. E a credibilidade pela não edição, a não mediação de interesses comerciais. A grande mídia teve e tem grande papel no tamanho da alienação política do país”.

“Tenho de ficar”

Mas o que é, e como é feita a POSTV? Na semana passada, no meio das manifestações, um garoto tuitava: “Não precisamos de mídia partidarista, temos celulares!”.

Síntese perfeita de novos tempos aos quais os jornalistas da mídia tradicional precisam ficar atentos. Enquanto a Globo ficava do alto de edifícios, sitiada, a mídia independente sempre esteve no meio das ruas nesses dias de rebelião. “Estamos aqui, do alto deste edifício”, diziam os repórteres globais. Mas quem quer ficar vendo manifestação do alto de edifícios?, eu me perguntei. E fui às redes, onde encontreiwww.postv.orgpor meio de chamadas no Facebook, onde o N.I.N.J.A. tem uma página.

E vi, na noite/madrugada de terça-feira (18/6), a cobertura de Filipe Peçanha, 24 anos, comunicador da Casa Fora do Eixo já há alguns anos, documentando ao vivo, em São Paulo, durante horas e sem edição, os embates entre manifestantes e a tropa de choque da Polícia Militar, desde a Praça da Sé até a Avenida Paulista. “Antes de a polícia chegar, a manifestação era totalmente pacífica. Saímos por volta das 17 horas, demos a volta pelo Parque Dom Pedro, subimos de novo para a Sé, partimos para a Augusta. Em todo o trajeto que acompanhei, enquanto não houve polícia não houve tumulto. Daí voltamos porque soubemos dos incidentes na sede da Prefeitura. E voltamos para a Paulista, porque a tropa de choque foi para lá.”

Chegaram às 20 horas, não havia mais muitos manifestantes. Mas o painel da Copa do Mundo, da Fifa com Coca Cola, foi incendiado. Caíram muitas latinhas, um catador veio retirar e os manifestantes disseram: “Que bom, pelo menos alguém aproveita alguma coisa da Coca Cola”.

Estes relatos todos foram feitos pela POSTV. Quando chegou a polícia, manifestantes foram muito agredidos e um deles praticamente enforcado por meia dúzia de policiais. Filipe entrevistou dois rapazes de branco que ajudaram a apagar o fogo.

– Quem são vocês? Bombeiros?

– Não, nós somos protestantes.

– Protestantes? Da igreja?

– Não, viemos aqui por vontade própria protestar, mas somos contra o vandalismo.

“Depois”, conta Filipe, “entrevistei os dois de novo, sentados no meio fio. Um deles disse que tirar as latinhas do painel tudo bem, mas incendiar não, e que a PM estava de parabéns por ter acabado com aquilo.”

O repórter comentou: “Não, eu vi muita violência da PM, acho que você não viu o que eu vi”.

“Coloquei o meu ponto de vista”, diz Filipe.

Alguns criticam, via Twitter, e dizem que a cobertura não é plural. Responde Filipe: “Nós documentamos o que está acontecendo do ponto de vista de quem participa também. A Mídia Ninja se compreende como narrativa independente de jornalismo e ação, e essa ação é o ativismo, que nos coloca em movimento em tempo real, não só fazendo produção de conteúdo, mas também nos envolvendo com o processo. O Ninja está envolvido com as manifestações de rua. A gente estava dentro, junto com os manifestantes”.

Portanto trata-se de uma cobertura com lado. Mas quem não tem?

No meio das manifestações, eles dão voz a gente de todos os tipos e matizes, numa espécie de método socrático de entrevista. Como o rapaz que se dizia a favor do Movimento Passe Livre (MPL), mas contra partidos.

– E como você acha que deveriam dirigido o país?

– Ah, eu acho que quem devia dirigir é uma mulher de cabelos vermelhos que começou o movimento, não sei o nome dela.

– O país deveria ser dirigido por ela?

– É, eu acho. E não devia ter partidos.

– Mas o MPL não é contra partidos, você não apoia o movimento?

– Apoio, mas não nessa parte.

Um certo major Felix, durante os conflitos na Paulista, também foi entrevistado. Depois de muito tempo, deu este nome.

– Por que o senhor não está com a identificação na farda?

– (Sem resposta)

– Quem é seu comandante?

– Não sei.

– O senhor é comandando por ele e não sabe o nome dele?

Outra entrevista, feita em Belo Horizonte, palco de repressão violentíssima da Força Nacional em dia de jogo, no sábado (22/6), houve outra entrevista parecida feita por Gian Martins. Transmiti a íntegra do Facebook, onde muitos de nós sabemos que há censura e a sentimos, mas foi deletada, junto com vários outros posts referentes às manifestações. Mais ou menos assim, era uma espécie de coletiva de um coronel no meio da rua:

POSTV- A proibição de manifestações em capitais onde há Copa, imposta pela Fifa, na cria um Estado de exceção?

Coronel – Não posso opinar, mas quando você elege um representante político, está dando a ele um cheque em branco…

Depois de algum tempo a POSTV se retira e comenta: “Jornalistas são muito redundantes em suas perguntas, só querem saber quantos feridos.

Repórter do Hoje em Dia: “Que pergunta não foi feita?”

POSTV quer que conversem, mas o colega vai embora.

“É uma pena”, diz ele, “poderia ser um bom debate.”

Em certo momento a POSTV, junto a várias pessoas, leva gás lacrimogêneo e ninguém tem vinagre. Um fogo de artifício desencadeou o gás e muitas cacetadas.

“Estou com medo”, diz o repórter da POSTV na Praça Sete, que já estava havia doze horas trabalhando direto.

Já em Salvador, um colaborador que se juntou à POSTV no sábado (22/6), também dia de jogo de Copa e de manifestações, e de repressão violenta, que conquistou 8 mil pós-espectadores, exclamava: “Quero ver agora quem diz que baiano é preguiçoso”, enquanto corria esbaforido da polícia pelas ruas de Salvador. Atingido por gás pimenta, foi se recuperar no banheiro do Shopping Iguatemi, teve de tirar a camiseta e lavar, porque “ardia como churrasquinho”.

“Eu não vou embora, eu tenho de ficar” ele dizia. Em outro momento, comentou que um policial pediu para diminuírem o gás. Nem eles estavam aguentando.

Colaboradores no Brasil e no exterior

Pós-repórteres “precisam ter disposição e também coragem de ficar no meio dos manifestantes, questionar a polícia e os próprios manifestantes”, diz Bruno Torturra.

O bravo pós-repórter de Salvador é novíssimo membro da mídia, ofereceu seus serviços em cima da hora. Assim tem acontecido na POSTV por esses dias. Muita gente chegando, de todo o país e do exterior – onde várias transmissões são feitas na Europa, com brasileiros se solidarizando ao movimento.

No domingo (23/6), a página do NI.N.J.A. no Facebook postou uma convocação de correspondentes para ajudar na cobertura em tempo real dos protestos:

“Fotógrafos, repórteres, cinegrafistas, cidadãos a fim de entrar em nossas tropas, escrevam para midianinja@gmail.com dizendo de onde são e como podem colaborar. Estamos começando a cadastrar gente do país todo. Primeiro passo na montagem de uma rede nacional de jornalismo independente antes do lançamento do nosso site. Quem anima?”

Em 30 minutos já havia 125 compartilhamentos. No dia 24, até às 19 horas, havia 735 “curtir” e 413 compartilhamentos. Gente oferecendo material de todos os cantos, gente perguntando o que é preciso, muita gente.

Segundo Bruno Torturra, é impossível dizer o número de colaboradores porque, devido ao caráter de rede, há pessoas que se dispõem a ser um ninja por um dia, ou por horas. Na quinta-feira (20/6), o N.I.N.J.A. cobriu 50 cidades. Em São Paulo, o núcleo é de seis a oito pessoas, com idade média de 22 anos e nenhum com formação jornalística.

A cobertura via internet chama-se streaming. Da Wikipédia:

Streaming, fluxo de mídia, é uma forma de distribuir informação multimídianumaredeatravés de pacotes. É frequentemente utilizada para distribuir conteúdo multimédia através da Internet. Em streaming, as informações multimédia não são, usualmente, arquivadas pelo usuário que está recebendo o stream (a não ser a arqueação temporária no cache do sistema ou que o usuário ativamente faça a gravação dos dados) – a mídia é reproduzida à medida que chega ao usuário, desde que a sua largura de banda seja suficiente para reproduzir os conteúdos em tempo real. Isso permite que um usuário reproduza conteúdos protegidos por direitos de autor, na Internet, sem a violação desses direitos, similar ao rádio ou televisão aberta. A informação pode ser transmitida em diversas arquiteturas, como na forma Multicast IP ou Broadcast.”

A POSTV utiliza o TwitCasting, mas é possível usar também o Android, entre outras plataformas. E o trabalho é completamente copyleft. Em todas as praças, eles explicam como transmitem e convocam as pessoas a também serem o que chamam de “midialivristas”. Com um celular, uma banda 3G e um laptop na mochila para recarregar. A cada meia hora saem do ar, recarregam e voltam em minutos. Claro que perdem espectadores; os insistentes voltam, outros chegam.

Há dificuldades de sinal quando há muita gente com celular, há raros locais com wi-fi. “Fazemos cobertura de rua faz tempo, criando tecnologia há um ano e meio”, conta Bruno Torturra. E não é só streaming. A mídia tem fotógrafos que mandam da câmera para o fone, do fone para a rede, e a cobertura é instantânea na página do Facebook. “A gente faz o que dá, mas vai até o fim. Se não tem 3G, temos alguém com carro, que leva o cartão do fotógrafo até onde encontra internet e volta”.

Liberdade de expressão e força da rede

O projeto começou em junho de 2011, após o sucesso das transmissões ao vivo das Marchas da Maconha e da Liberdade, em São Paulo, Depois, foram lançados alguns programas, como o Supremo Tribunal Liberal(Claudio Prado), o Segunda Dose (Bruno Torturra) e Desculpe a Nossa Falha (Lino Bocchini). E começaram as transmissões de festivais independentes de música em todo o país.

Eles explicam que a POSTV, na prática, reinventa e potencializa a tecnologia do streaming, baseando-se em dois pontos centrais: “Liberdade de expressão absoluta (aproveitando que não temos anunciantes nem padrinhos) e a força da nossa rede, que é grande e divulga forte todos os programas”.

Os formatos também são livres: programas de debate, transmissão de shows, sofá armado no meio da rua com o apresentador entrevistando os passantes. E como estão na internet sempre ao vivo, a interatividade é outro ponto responsável pelo sucesso da iniciativa. Quem está assistindo manda comentários e perguntas por Twitter, e-mail e até mesmo entra por Skype e participa do papo. Já deram vários furos, como as imagens da prisão do rapper Emicida durante um show em Belo Horizonte. E também foi o veículo escolhido pelo ex-ministro Franklin Martins para sua primeira entrevista após deixar o governo.

E o financiamento? Quem sustenta?

A rede Ninja faz parte do Circuito Fora do Eixo; em São Paulo tem base em uma das Casas, no Cambuci. Circuito Fora do Eixo é uma rede de trabalhos concebida por produtores culturais das regiões centro-oeste, norte e sul no fim de 2005. Começou com uma parceria entre produtores das cidades de Cuiabá (MT), Rio Branco (AC), Uberlândia (MG) e Londrina (PR) que queriam estimular a circulação de bandas, o intercâmbio de tecnologia de produção e o escoamento de produtos nesta rota desde então batizada de Circuito Fora do Eixo.

Hoje o circuito está em 25 das 27 unidades federativas do Brasil. O sul, o centro-oeste, o sudeste e o norte são regiões totalmente associadas, já que contam com todos os estados inclusos. Há 72 pontos espalhados pelo país, que “gostam de produzir eventos culturais, debater comunicação colaborativa, pensar sustentabilidade, pensar políticas públicas da cultura”.

Dezesseis gestores de diferentes pontos do Brasil migraram para São Paulo, formando a Casa Fora do Eixo SP, nos limites da Liberdade. “Mas basicamente, nós experimentamos, compartilhamos e aprimoramos tecnologias livres de se produzir cultura”, dizem em seu site.

Atualmente a sustentabilidade da POSTV se dá via Circuito Fora do Eixo, mas continuam as discussões sobre crowdfunding – ou financiamento coletivo, que consiste na obtenção de capital para iniciativas de interesse coletivo por meio da agregação de múltiplas fontes de financiamento, em geral pessoas físicas interessadas nos projetos – e toda e qualquer ideia de autossustentabilidade.

Aliás, na terça-feira (25/6) foi convocada uma discussão aberta na Praça Roosevelt, em São Paulo, atual “Praça Rosa”, para “discutir as saídas para garantir a comunicação como um direito e não como um simples negócio comercial”.

Esta é a integra da convocação

“A cobertura das manifestações mostrou que a velha mídia está mais caduca do que nunca, mas que ainda tem um grande poder. A mídia tradicional no Brasil é concentrada, nada plural e nada diversa. Muitas vezes ela se comporta como um partido político, tentando dar a pauta e organizar os setores mais conservadores. Enquanto isso, a internet tem sido o espaço arejado de diálogo e organização, mas o acesso à rede ainda é limitado a 40% das residências, com um serviço péssimo das empresas de telecomunicações, que ainda querem acabar com a neutralidade da rede. As grandes corporações que atuam na rede faturam bilhões sobre a violação de privacidade dos usuários, e vários governos usam essas informações para controlar os cidadãos. Venha discutir as saídas para garantir a comunicação como um direito e não como um simples negócio comercial.

Censura no Facebook

No sábado (22/6), amigos denunciaram no Facebook o bloqueio da página do N.I.N.J.A.

“Fomos denunciados por conteúdo impróprio ou pornográfico. Estão ‘analisando o caso’. Mas não tivemos qualquer argumento detalhado ou chance de defesa escrita. Acreditamos que pode ter sido fruto de denúncias de usuários contra fotos da manifestação anti-cura gay, anti-Feliciano de ontem. Fotos em que não havia qualquer pornografia, apenas material de afeto e felicidade explícita. Pedimos que compartilhem e pressionem o Facebook a recolocá-la no ar. Infelizmente, por enquanto, essa é nossa principal plataforma de divulgação da nossa dedicada cobertura independente dos protestos no Brasil.”

A página foi desbloqueada depois de cerca de quatro horas. O mesmo não aconteceu com a do jornalBrasil de Fato, bloqueada desde o dia 16 de junho. Os jornalistas não conseguem postar a não ser com um programa especial (ver aqui).

Portanto, não se trata de paranoia, e existem páginas em todo o mundo denunciando a censura no Facebook. No ano passado, jornalistas, escritores, poetas e artistas protagonizaram um “Dia contra a Censura ao Nu no Facebook”. O robô censor de Mark Zuckerberg atira a esmo e censura qualquer nu, seja de Michelangelo, Leonardo, os grandes clássicos e/ou menos famosos. Nem Lady Godiva escapou. Além de mães amamentando, que são alvos planetários da censura facebookiana. O protesto consistiu em publicar nus variadíssimos e foi parar nos jornais.

Instalou-se a discussão sobre quem censura. Robôs? Censores contratados? Denúncias de anônimos? Muitos concluíram que se trata de todas as alternativas, em vigor até hoje. O portal UOL divulgou texto, no ano passado, afirmando a existência de censores contratados em todo o mundo por um dólar a hora de trabalho. Além de imagens, textos também são censurados. O que se estranha é que, por mais que denúncias sejam feitas, páginas como “Golpe Militar 2014” continuem no ar, assim como páginas neonazistas e propagadoras de violência (ver aqui).

O poeta, ensaísta e tradutor Claudio Willer deste então compõe um dossiê sobre censura nesta rede, que até o dia 24 de junho contabilizava 61 relatos (ver aqui).

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Elizabeth Lorenzotti é escritora e jornalista, autora de Suplemento Literário – Que Falta ele Faz (ensaio),Tinhorão, o Legendário (biografia) e As Dez Mil Coisas (poesia)

Muita calma agitada nessa hora… (Combate Racismo Ambiental)

Por , 25/06/2013 09:02

Castelão e burro

Em frente ao Castelão das elites, a vala a céu aberto, a negação da cidade ao povo-Nação. Foto captada de vídeo.

Por Cris Faustino, para Combate Racismo Ambiental

É muito provável que no calor da hora não tenhamos como fazer análises mais completa e complexa sobre o que está acontecendo Brasil adentro e Brasil afora. É provável que não se trate de uma revolução, mas é possível que as coisas jamais sejam as mesmas. Ou pelo menos, que haja mudanças, se não estruturantes, ao menos conjunturais nos discursos e nos rumos de algumas políticas e políticos (falo dos ruins, de direita ou esquerda).

Não se pode negar a potência criativa do momento, nem tampouco as preocupações que ele gera. É preciso analisar com a sabedoria possível na excitação, surpresa e perplexidade que nos pegou, enquanto movimentos e lutas sociais (as velhas e os novas), considerando a pressão histórica e a multiplicidade de questões que se impõem agora sobre nós e sobre os outros. Pois, se ficamos estarrecidas com algumas leituras e demandas da multidão revoltada, imagine ela com algumas das nossas. Tampouco se pode perder de vista as desigualdades de condições em que estamos pautando as disputas. Portanto, se é preciso ter firmeza, uma boa dose de humildade no diálogo com a multidão não fará mal.

Contudo, creio que nossa meta imediata deve ser incidir nos rumos do desfecho do que vem se tornando uma confusão, menos dos fatos mobilizadores e mais das leituras da realidade e formas de organização. A movimentação está desorganizada. Se isso a torna ampliada do ponto de vista da multidão que a adere, também a torna suscetível às leituras simplistas, enquadradas e direitistas. Como lidar com isso?

Nesse momento, as divergências entre nós são fatores que podem determinar o tamanho da nossa capacidade de ação coletiva. Mas já temos acúmulo de debates e questões suficientemente construídas para saber o que nenhum de nós quer, ou precisa. Sabemos que não queremos injustiças, desigualdades, racismo, misoginia, homo/lesbo e transfobia, nem na vida cotidiana e nem nos manifestos. Sabemos que, para a quentura do momento, não precisamos e nem temos como ter o fim dos partidos, nem tampouco a negação da participação dos partidos de esquerda nas mobilizações e nas lutas de um modo geral.

Os movimentos sociais críticos que não querem os partidos muito nos ajudam a pensar a realidade, mas precisam se dar conta de que insuflar isso agora não ajuda no nosso esforço e, nem é preciso dizer, favorece as tendências reacionárias e conservadoras. Não queremos o rechaço a nenhuma luta popular que reivindique melhores condições de vida.  Não queremos que políticos e mídias oportunistas tomem definitivamente as rédeas do processo. E, decididamente, não queremos fazer mobilizações com a “playboiada” nazifascistas, e nem queremos a violência do estado contra quem quer seja.

Sabemos que temos que encontrar jeitos de dialogar com as pessoas de boa fé, mas que são influenciadas por lideranças e tendências reacionárias. Sabemos que a massa mobilizada dificilmente teria como organizar um movimento 100% politizado desde as nossas demandas, leituras e jeito de fazer. Provavelmente, boa parte das pessoas envolvidas nas mobilizações não entende a profundidade das questões, ou mesmo sobre as institucionalidades dos fatos e demandas.  Outras tantas compreendem um pouco alguns temas. É possível que muitas não estejam nem sabendo bem o porquê de estarem ali, e que tantas outras vejam apenas nas pessoas dos políticos o mal do País e/ou personificam os problemas e responsabilidade de resolvê-los na pessoa da presidenta. Quanto a isso, é preciso ter paciência, já que em grande parte, é verdade. Particularmente não acho que é uma boa estratégia tentar convencer o povo de que tudo isso é ilusão; não teremos como.

Acho que a tarefa “estruturante” mais possível é tentar incidir de diferentes formas na cultura dos que vão às ruas movidos pelas incertezas e dos que estão olhando de fora a movimentação. Esses últimos estão fortemente pautados pelos interesses da mídia conservadora, tendenciosa e/ou mal informada; pela cultura alienada e alienante. Alguns reconhecem a legitimidade das mobilizações, principalmente sob a perspectiva das “bandeiras nacionais”, mas estão cansados dos transtornos, ou só têm a oportunidade de ver, não com “bons olhos”, principalmente se se sentem ameaçados, o “quebra-quebra”. Disputar o senso comum sobre o significado da violência, desnudando o banditismo cometido pelo estado e capitalistas, assim como reinventar o sentimento coletivo desde uma visão político-solidária, são bons fatores de diálogo.

Os movimentos críticos das cidades precisam se articular, realizar atos gerais e ações individuais. Mas também precisa haver uma liga com os movimentos camponeses, pois muitos dos descontentamentos expressos nas ruas urbanas estão fortemente vinculados ao processo de dizimação dos povos do campo. Esses não podem se furtar a se pronunciar e a colocar a sua força em ação para denunciar suas questões, dialogar com as lutas urbanas.  Potencializar a urgente e necessária articulação campo-cidade é preciso. Se os movimentos do campo não podem vir para as cidades e nem têm como demarcar suas questões no seu local, é preciso que os movimentos e militantes que fazem a “ponte” levantem as problemáticas. Isso não pode ser impossível.

Rechacemos a palavra vandalismo! Se os manifestantes nacionalistas estão mandando mensagens e imagens para a Rede Globo e as outras de seu naipe, precisamos mandar muitas mensagens e imagens de nosso campo para a mídia internacional e para a nossa mídia engajada de todos os dias.

A força dos cartazes é incrível, e parece que isso foi importante para expressão e decisão “saí do facebook”. Interessante observar como fazemos milhares de análises e criamos muitos conceitos engajados que explicam brilhantemente a realidade e que sempre ficam entre nós. É preciso “recomunicar” ainda mais nossas críticas e projetos. As frases de efeito do Facebook dizem logo a “coisa”, de forma direta, simples e descontraída. Além disso, a militância online afinal tem um papel importantíssimo nesse momento e nesse processo todo. Não a desprezemos ou subestimemos!

O sofrimento das pessoas e os privilégios dos poderosos quando contrastados têm muita potencia de indignação. Vale muito denunciar veementemente o coronelismo na política brasileira, o enriquecimento ilícito e as vantagens dos poderosos, em contraste com os problemas denunciados e que são partes do cotidiano de todos: insegurança pública, precarização das políticas e violências entre as classes sociais. Entretanto cair no moralismo das tendências direitistas e do pensamento simplista é um risco a ser atentado. Nas pautas temos que dar nosso tom de forma a dialogar bem com a população.

Existem questões fervilhantes que ajudam muito. Só para falar de alguns: os temas das Copas têm muito potencial, pela pujança das elites e da Fifa, por seu caráter excludente da torcida e pelas suas zonas de sacrifício. O enriquecimento ilícito, a corrupção e perversões dos fundamentalistas contra mulheres, LGBTs, população negra e as diversidades culturais são alvos importantíssimos. A Reforma Política é questão gritante. Sobre o tema dos transportes públicos, vale pautar também o caos urbano das cidades construídas para os automóveis privados e as políticas voltadas para esse modelo de mobilidade urbana, associado à mobilidade social e bem estar individual, que torna as cidades “bombas relógios”. O genocídio contra os povos indígenas, que todos presenciamos, em nome do desenvolvimento também é fator que indigna e envergonha.

Não acho que devamos  ter a pretensão de “direcionar” o movimento ou nos precipitar na armadilha de negociar, mediante representações, pautas com o poder público. O que não impede de elegermos focos de conquistas imediatas que expressem o poder popular. Entretanto “sentar” com autoridades para negociar pode afrouxar precipitadamente a tensão necessária que as autoridades públicas precisam experimentar nesse momento, frente às besteiras e atrocidades que cometem ou se omitem de enfrentar. Ou, de outro modo, pode lhes proporcionar oportunidade de fazerem promessas só para acalmar as massas, justificar políticas injustas para suprir as demandas e satisfazer os “sujeitos emergentes”, como têm sido os pronunciamentos da presidenta da república. Negociar também pode fazer recrudescer, no pós-diálogo, a violência da polícia e criminalização de militantes.

Se preocupar com o momento de parar as mobilizações não faz parte de nossas vontades históricas! Pelo contrário. Mesmo que haja dispersão das multidões, continuaremos a fazê-las, como sempre fizemos (às vezes mais, às vezes menos). Se conseguirmos incidir mais no senso comum, pode ser que tenhamos mais adesão daqui pra frente. Nós sabemos fazer, gostamos e compreendemos a importância das ruas politizadas.

Temos algumas vantagens, pois somos povo; bem ou mal, muitas de nossas questões estão pautadas também pelos outros e, quem sabe, teremos mais força daqui pra frente. Fato é que o momento exige construir uma frente múltipla e amarrada em acordos, desde um campo crítico, que incida no senso comum e enfrente as tendências reacionárias que se veem legitimadas para, por dentro das mobilizações populares, empurrarem a multidão para a direita das coisas.  E parece que, se não nos acertamos minimamente, é pior.

Protestos – de onde vêm e para onde irão (O Estado de S. Paulo/Envolverde)

24/6/2013 – 10h27

por Washington Novaes*

ca17 300x225 Protestos   de onde vêm e para onde irãoAo mesmo tempo que se amiúdam na comunicação análises preocupadas com a situação econômica do País, vão-se tornando mais frequentes também manifestações populares de inconformismo e desapreço por governos, de protesto contra preço e qualidade de transportes, custo de vida, insatisfação com a saúde e educação ou ainda por causa do custo de construção de estádios de futebol. Que significado político mais amplo podem ter? Muitos, certamente. Mas índices de inflação e custos de alimentos têm tido presença importante.

Índices de inadimplência de famílias perante o sistema financeiro podem ser, por isso, um dos indicadores, já que em abril (Estado, 11/5) atingiram 7,6%. Já a porcentagem de famílias endividadas subiu, em maio, para 57,1%, a maior desde 2006. E 19,5% delas tinham mais de 50% da renda comprometido com dívidas. Os calotes no sistema bancário subiram para 19,5% em abril. Essa é uma das razões para o índice de confiança do consumidor haver baixado uns 6% desde abril do ano passado.

Segundo artigo de Amir Khair neste jornal (16/6), “o que causou a inflação foram os alimentos in natura”, cujo preço cresceu 53% nos últimos 12 meses, inclusive por motivos climáticos (onde nos faltam políticas adequadas). Mas não apenas por isso. Diz a Organização para Alimentação e Agricultura da ONU (FAO) que é alta a perda de áreas plantadas com alimentos no mundo por causa do alto custo dos agrotóxicos e da produção em geral (25/3). No Brasil, arroz e feijão já perderam 50% das áreas plantadas há 25 anos (Folha de S.Paulo, 7/4). O feijão, inclusive por causa da seca no Semiárido, teve a produção reduzida em 7%. E agora os preços subiram 20% em um ano.

Tudo isso pesa muito num país que, embora tenha reduzido a pobreza por meio de programas como o Bolsa Família, de até R$ 70 mensais por pessoa, ainda tem estas e milhões de outras vivendo abaixo da linha da pobreza, que segundo a ONU é de US$ 1,25 (cerca de R$ 2,50) por dia, ou R$ 75 por mês, por pessoa. E nas palavras do papa Francisco (Estado, 2/5), “viver com 38 (pouco mais de R$ 100) por mês é trabalho escravo, vai contra Deus”. Em sete regiões metropolitanas a taxa de desemprego nos primeiros meses do ano passou de 10%. E a população ocupada em fevereiro diminuiu 2% (Estado, 29/3). Caíram os índices de ocupação na indústria, na construção e nos serviços (26/4).

Christine Lagarde, dirigente do FMI, chama a atenção (5/6) para o “enfraquecimento da economia mundial em meses recentes”. A seu ver, “perde ritmo a expansão econômica dos países emergentes” e no Brasil são “menos brilhantes” as perspectivas de investimentos. Não chega a surpreender. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) adverte (3/5) para os riscos de nova crise bancária na Europa, onde os bancos estão “precariamente capitalizados” e o PIB de 34 países pouco passará de um crescimento de 1% este ano. No Brasil, o superávit nas contas externas, de US$ 1,6 bilhão em 2007, recuou para um rombo de US$ 54,2 bilhões em 2012 (Panorama Econômico, 9/6). Por tudo isso, não são otimistas as projeções do mercado financeiros para o crescimento econômico este ano, juntamente com um “rombo externo” recorde e taxas de juros altas.

É inevitável, assim, retornar à crise econômico-financeira externa e às perguntas que vem suscitando nos últimos anos: quem pagará o custo astronômico das “bolhas financeiras” que explodiram, os bancos ou a sociedade (por meio da redução dos programas sociais e da alta do desemprego)? As classes de maior renda ou as menos favorecidas? Esses custos se limitarão aos países industrializados ou eles também tentam e tentarão repassá-los aos demais? Como tudo isso se traduzirá nos países fora da Europa e da América do Norte?

O desemprego nos EUA continua alto para padrões norte-americanos (7,6%). A crise de 2008 “deixou um déficit de 14 milhões de empregos no mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho; somados aos 16,7 milhões de jovens que chegarão ao mercado de trabalho em 2013, o déficit global será de 30,7 milhões de empregos” (Agência Estado, 4/6). Na Europa, o desemprego já está em 12,2%, ou 19,37 milhões de pessoas. Entre os menores de 15 anos, num recorde de 24,4% – 1 em 4 jovens desempregado; na Espanha, total de 26,7%; Portugal, 17,5%; Grécia, quase 27% (entre jovens, 64%). Não por acaso, 1 milhão de pessoas migraram da Europa desde 2008, o maior êxodo em meio século. Ainda assim, 40 milhões de pessoas no mundo ascenderão à classe C (6/4), o que aumentará o consumo e, certamente, terá reflexos nos preços, principalmente de alimentos.

É preciso dar atenção especial, no Brasil – pelas características da população -, ao quadro dos alimentos. Os preços dos insumos usados na agropecuária, controlados por um cartel global de fabricantes, estão em forte alta e o País é o maior consumidor mundial. O dos herbicidas subiu 71,1%; o dos inseticidas, 66,4%; e o dos fungicidas, 55,3% (IBGE, 13/5). Consumimos mais de 1 milhão de toneladas em 2010, segundo a Anvisa. Cerca de 1/5 do consumo mundial.

É fundamental ter muita atenção nessa área. Inclusive porque os protestos e manifestações de insatisfação recentes mostram que chega também a nós o caminho observado em muitos países da África e do Oriente Médio, de movimentação política não comandada por partidos, e, sim, por redes sociais – sem projetos políticos claros e definidos. Se não reorientarmos nossas políticas – que insistem num desenvolvimentismo à outrance (que inclui, por exemplo, incentivos bilionários à fabricação de automóveis que ninguém sabe onde poderão trafegar), conjugado com heranças da política externa concebida na década de 1960 -, certamente teremos pela frente momentos muito difíceis. Ainda mais com a grande maioria da corporação política praticamente descolada da sociedade, voltada para os interesses diretos de seus membros.

* Washington Novaes é jornalista.

** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.

Protestos brasileiros deixam detenções arbitrárias (IPS/Envolverde)

Inter Press Service – Reportagens
25/6/2013 – 09h51

por Fabíola Ortiz, da IPS

ca18 300x168 Protestos brasileiros deixam detenções arbitrárias

Concentração na praça da Cinelândia, no Rio de Janeiro, em um dos muitos protestos pacíficos no Brasil. Foto: Fabíola Ortiz/IPS

Rio de Janeiro, Brasil, 25/6/2013 – Matheus Mendes Costa, universitário, 21 anos, passou 13 horas detido em uma cela com não mais que três metros quadrados, em uma delegacia da cidade do Rio de Janeiro. Ele foi preso sob a acusação de agressão a policiais e destruição de instalações públicas. Costa, estudante de economia foi detido na madrugada do dia 18, durante uma das numerosas manifestações que paralisaram centenas de cidades pelo Brasil, dentro dos protestos detonados pelo movimento contra o aumento no preço do transporte público em algumas cidades e que, depois, passaram a exigir direitos sociais e políticos. Costa foi preso quando participava pacificamente, assegurou, ao lado de seu pai na manifestação que naquela noite tomou as ruas da cidade.

A dura e nada seletiva repressão policial é vista pelos analistas como um dos elementos que mais contribuíram para avivar a onda de protestos que sacodem o Brasil. A própria presidente Dilma Rousseff pediu contenção às forças da ordem em seu discurso ao país na noite do dia 21, destacando que a população tem o direito de protestar e garantiu que as desordens são provocadas por uma minoria de infiltrados. Além disso, ontem, Dilma se reuniu com o Movimento Passe Livre, e horas depois com os governadores dos 27 Estados e os prefeitos das maiores cidades. Nos dois encontros, a mudança da atuação policial estava na agenda.

“Estava com a mochila da faculdade e não imaginei que poderia me acontecer alguma coisa. O policial me agarrou pela mochila e arrancou o cartaz que eu carregava”, contou o jovem à IPS. O rapaz foi levado a um destacamento do Batalhão de Choque da Polícia Militar em um grupo de dez pessoas, na maioria estudantes e, inclusive, um sem-teto. “Nenhum de nós tinha perfil de vândalo. Um policial nos aterrorizou dizendo que lançaria uma bomba de gás lacrimogêneo contra nós. Os policiais que me pegaram não tinham identificação”, acrescentou o jovem.

Para serem liberados, Costa e os demais detidos tiveram que pagar fianças altíssimas. O estudante disse que não foi observado nenhum critério nos valores estabelecidos. “Éramos dez em uma cela pequena e nem todos puderam avisar suas famílias. Os policiais nos submeteram a diferentes humilhações. Até o mendigo, para ser libertado, precisou pagar uma fiança, a maior de todas, e tivemos que nos cotizar para ajudá-lo”, ressaltou Costa.

Analistas políticos e ativistas de direitos humanos coincidem em indicar que nas manifestações houve repressão policial indiscriminada junto com desordens e vandalismos cometidos majoritariamente por grupos infiltrados, responsáveis por saques de dependências públicas e lojas, que ofuscaram o objetivo pacífico das manifestações. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) informou que, somente no Rio de Janeiro, foram detidos arbitrariamente, até o dia 21, cerca de 60 manifestantes que ficaram presos em meio a batalhas entre forças policias e grupos de vândalos.

“Fiquei angustiado porque a polícia não fez seu trabalho de deter os violentos, mas se dedicou a deter inocentes com falsas acusações. Tive que pagar a fiança sem que me deixassem demonstrar que não havia feito nada agressivo”, criticou Costa, que deve enfrentar um julgamento por participação em grupo para delinquir.

O que aconteceu com Jorge Luiz de Jesus, de 18 anos, foi pior. Ele passou uma semana preso e esteve parte do tempo na rigorosa prisão de Bangu, onde compartilhou a cela com traficantes, assaltantes e violadores. Depois foi transferido para outra prisão, misturado com outros cem detentos. Sua prisão se agravou porque a polícia o acusou de carregar uma mochila com uma granada. “Expliquei que aquela mochila não era minha, e então o policial lançou um aerossol no meu rosto e disse ‘agora é sua’. A acusação foi forjada”, denunciou Jesus à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.

Essa comissão está recolhendo dezenas de casos de detenção arbitrária durante as manifestações na cidade. O Ministério Público estadual iniciou uma investigação sobre os denunciados abusos policiais e militares, principalmente por parte do Batalhão de Choque. Para evitar que os manifestantes sejam confundidos com gente violenta e detidos por vandalismo, a OAB do Rio de Janeiro mobilizou 70 advogados que percorrem as ruas, delegacias e hospitais da cidade para prestar assistência legal.

O presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, destacou à IPS a presença de grupos fascistas infiltrados nos protestos e criticou a falta de preparo das forças de segurança para proteger os manifestantes de grupos que vão às manifestações para criar violência. “A polícia não tem um histórico repressivo, mas está militarizada e sua conduta é de enfrentamento. Isso facilitou a atuação de grupos neonazistas infiltrados, que atacaram com suas barras de ferro desde o começo das manifestações. A polícia deve garantir o direito ao protesto, mas acabou atacando os manifestantes”, afirmou Santa Cruz.

A falta de preparo das forças de segurança é alvo de inúmeras críticas. O pai do jovem Costa, um ativista pelos direitos humanos que preside a organização não governamental  Rio Paz, qualificou a desordenada atuação policial de “atentado à democracia”. Antônio Carlos Costa afirmou que “a polícia não tem preparo para atuar com a população em condições normais, quanto mais em situações de grandes protestos. O movimento foi espontâneo, ganhou o povo e as pessoas foram às ruas pelas razões mais nobres”.

As demandas se centram em pedir a reforma do Brasil, disse Antônio Carlos, para quem o movimento popular se caracteriza por seu caráter reformista e não por pretender subverter a ordem, mas gerar “uma limpeza moral” da maior democracia latino-americana. Este ativista considera que, por isso, é um erro o poder público ver e apresentar suas ações como agressivas e de caráter terrorista.

O que levou a população às ruas, segundo o presidente da Rio Paz, foi uma revolta contra os multimilionários gastos na construção e remodelação dos estádios de futebol para a Copa do Mundo no ano que vem, com seu preâmbulo da atual Copa das Confederações. A Copa das Confederações começou no dia 15, paralelamente ao início dos protestos, e terminará no dia 30.

Entre 23 e 28 de julho, o Rio de Janeiro também receberá a Jornada Mundial da Juventude, da qual participará o papa Francisco, e em 2016 será sede dos Jogos Olímpicos. “As autoridades subestimaram a conscientização da população”, opinou o ativista Costa. “Houve muita vontade política e muito gasto de dinheiro público para fazer as construções pedidas pela Fifa, enquanto há dívidas sem pagar em nossas escolas e nossos hospitais. A rua gritou, e é preciso ouvir esse grito”, enfatizou Antônio Carlos Costa. Envolverde/IPS

Momento histórico vivido no Brasil (Adital/Envolverde)

Sociedade
26/6/2013 – 09h29

por Leonardo Boff*

ca28 300x160 Momento histórico vivido no BrasilEstou fora do país, na Europa a trabalho e constato o grande interesse que todas as mídias aqui conferem às manifestações no Brasil. Há bons especialistas na Alemanha e França que emitem juízos pertinentes. Todos concordam nisso, no caráter social das manifestações, longe dos interesses da política convencional. É o triunfo dos novos meios e congregação que são as mídias sociais.

O grupo da libertação e a Igreja da libertação sempre avivaram a memória antiga do ideal da democracia, presente, nas primeiras comunidades cristãs até o século segundo, pelo menos. Repetia-se o refrão clássico: “o que interessa a todos deve poder ser discutido e decidido por todos”. E isso funcionava até para a eleição dos bispos e do Papa. Depois se perdeu esse ideal nas nunca foi totalmente esquecido. O ideal democrático de ir além da democracia delegatícia ou representativa e chegar à democracia participativa, de baixo para cima, envolvendo o maior número possível de pessoas, sempre esteve presente no ideário dos movimentos sociais, das comunidades de base, dos Sem Terra e de outros. Mas, nos faltavam os instrumentos para implementar efetivamente essa democracia universal, popular e participativa.

Eis que esse instrumento nos foi dado pelas várias mídias sociais. Elas são sociais, abertas a todos. Todos agora têm um meio de manifestar sua opinião, agregar pessoas que assumem a mesma causa e promover o poder das ruas e das praças. O sistema dominante ocupou todos os espaços. Só ficaram as ruas e as praças que, por sua natureza, são de todos e do povo.

Agora, surgiram a rua e a praça virtuais, criadas pelas mídias sociais.

O velho sonho democrático segundo o qual o que interessa a todos, todos têm direito de opinar e contribuir para alcançar um objetivo comum pode, enfim, ganhar forma.

Tais redes sociais podem desbancar ditaduras, como no Norte da África; enfrentar regimes repressivos, como na Turquia; e agora mostram no Brasil que são os veículos adequados de revindicações sociais, sempre feitas e quase sempre postergadas ou negadas: transporte de qualidade (os vagões da Central do Brasil têm quarenta anos), saúde, educação, segurança, saneamento básico. São causas que têm a ver com a vida comezinha, cotidiana e comum à maioria dos mortais. Portando, coisas da Política em maiúsculo. Nutro a convicção de que a partir de agora se poderá refundar o Brasil a partir de onde sempre deveria ter começado, a partir do povo mesmo que já encostou nos limites do Brasil feito para as elites. Estas costumavam fazer políticas pobres para os pobres e ricas para os ricos. Essa lógica deve mudar daqui para frente. Ai dos políticos que não mantiverem uma relação orgânica com o povo. Estes merecem ser varridos da praça e das ruas.

Escreveu-me um amigo que elaborou uma das interpretações do Brasil mais originais e consistentes, o Brasil como grande feitoria e empresa do Capital Mundial, Luiz Gonzaga de Souza Lima. Permito-me citá-lo: “Acho que o povo esbarrou nos limites da formação social empresarial, nos limites da organização social para os negócios. Esbarrou nos limites da Empresa Brasil. E os ultrapassou. Quer ser sociedade, quer outras prioridades sociais, quer outra forma de ser Brasil, quer uma sociedade de humanos, coisa diversa da sociedade dos negócios. É a Refundação em movimento”.

Creio que este autor captou o sentido profundo e, para muitos, ainda escondido das atuais manifestações multitudinárias que estão ocorrendo no Brasil.

Anuncia-se um parto novo. Devemos fazer tudo para que não seja abortado por aqueles daqui e de lá de fora que querem recolonizar o Brasil e condená-lo a ser apenas um fornecedor de commodities para os países centrais que alimentam ainda uma visão colonial do mundo, cegos para os processos que nos conduzirão fatalmente a uma nova consciência planetária e à exigência de uma governança global. Problemas globais exigem soluções globais. Soluções globais pressupõem estruturas globais de implementação e de orientação. O Brasil pode ser um dos primeiros nos quais esse inédito viável pode começar a sua marcha de realização. Dai ser importante não permitirmos que o movimento seja desvirtuado. Música nova exige um ouvido novo. Todos são convocados a pensar este novo, dar-lhe sustentabilidade e fazê-lo frutificar num Brasil mais integrado, mais saudável, mais educado e melhor servido em suas necessidades básicas.

Leonardo Boff é filósofo, teólogo, escritor e comissionado da Carta da Terra.

** Publicado originalmente no site Adital.

O êxtase da conexão nas ruas (Observatório da Imprensa/Envolverde)

Sociedade
26/6/2013 – 08h19

por Muniz Sodré*

ca47 300x200 O êxtase da conexão nas ruasUma cena exemplar. Um conhecido repórter dispõe-se a cobrir na rua um momento do protesto quando um dos manifestantes o proíbe de trabalhar. Ante a ponderação do jornalista de que nem a ditadura o havia impedido, o outro retruca: “Eu sou o povo, sou eu quem decide sobre quem trabalha ou não”.

O episódio pode servir de paradigma para o ethos de incerteza a propósito das manifestações de rua que se espalham como rastilho de pólvora por já mais de cem cidades do país. A frase do manifestante pode ser lida tanto como uma insólita afirmação de soberania popular quanto como um exemplo da velha truculência daqueles que no passado assumiam o poder absoluto em nome do povo – algo como um pequeno Stalin redivivo.

A verdade, porém, é que ainda não há um guia para a perplexidade (ou, como disse um colunista, para “o mundo da total complexidade”) que se abateu não apenas sobre políticos e jornalistas, mas também sobre alguns acadêmicos a propósito das manifestações de rua. Quando arriscam explicações, estas oscilam entre uma difusa indignação com o estado de coisas e a atração pela pura e simples ausência de finalidade. Uma coisa é certa: a finalidade inicial, que era protestar contra o aumento da passagem de ônibus (já atendida pelas principais prefeituras) foi ultrapassada por um fenômeno ainda pouco palpável do ponto de vista público.

Convocaram-se especialistas estrangeiros em comunicação, a exemplo do sociólogo espanhol Manuel Castells, autor de alentados volumes sobre as redes, que não hesitou em eleger a internet como protagonista dos acontecimentos. De fato, um dos vários slogans (hashtags, diz-se agora) brandidos por manifestantes dizia: “Saímos do Facebook”.Algo assim como aquela conhecida cena de A Rosa Púrpura do Cairo,em que Woody Allen faz o personagem sair da tela e entrar na vida real. A tela é agora a rede social, seus personagens teriam ganhado a rua.

Discurso ininterrupto

Mas aí é possível levantar alguma dúvida. De fato, mesmo com a ressalva de que se devem pôr ao lado da internet outras motivações sociais, permanece a impressão de que, na opinião absoluta dos especialistas, a internet é “a condição necessária para os movimentos sociais nos dias de hoje”. Não seria esta uma necessidade tíbia, mero “castelo” no ar dos argumentos? Suponhamos que, numa pequena cidade, se convocassem as pessoas por megafone a uma manifestação. Seria “megafônica” a essência desse movimento?

Só para variar um pouco o ramerrão argumentativo, pensemos na hipótese, mesmo provisória, de que o sucesso fabuloso da tecnologia eletrônica possa estar toldando a plena percepção dos fenômenos sociais. Isto não é novo na história ocidental. O velho e atualíssimo Karl Marx já havia observado que “as revoluções burguesas, como as do século 18, precipitam-se rapidamente de sucesso em sucesso, seus efeitos dramáticos ultrapassam um ao outro, homens e coisas parecem envoltos em resplendores de diamante, o entusiasmo que chega ao êxtase é o estado permanente da sociedade – mas são de breve duração” (18 de Brumário de Luis Napoleão).

É de extraordinária pertinência esse “homens e coisas envoltos em resplendores de diamante”, esse “entusiasmo que chega ao êxtase”, pois a tecnologia eletrônica – produto notável da consciência hegemônica – propicia a todos, a todos nós, um entusiasmo extático. Não se trata de nenhuma grande mensagem transmitida, nenhuma revelação partilhada, pois toda essa história de conteúdo na mídia se resume na popularíssima expressão americana bullshit. Trata-se mesmo do êxtase da conexão.E dificilmente se entra em êxtase de olhos abertos. Não à toa, um dos cartazes da manifestação de rua pedia à polícia: “Não atirem nos meus sonhos!”

Não há dúvida, entretanto, de que a internet é um poderoso recurso de mobilização de jovens e adultos, principalmente jovens de classe média. Em outras palavras, é um extraordinário “megafone”. Têm razão aqueles que disseram ter saído do Facebook.Politicamente, a rede tem seus problemas, pois agora se sabe que informa sobre seus peões aos serviços americanos de espionagem. Comercialmente, nunca foi tão bem: segundo o site Olhar Digital, a rede digital atingiu, nos últimos 28 dias, a marca de um milhão de anunciantes ativos, assim como a marca de 16 milhões de pequenas empresas que frequentam regularmente as suas páginas. Os pequenos anunciantes são fundamentais para os negócios: no ano passado, injetaram 32 bilhões de dólares nos cofres da empresa, que ainda conta com outras receitas publicitárias.

Só que a influência de uma rede social sobre o seu “público” é diferente daquela que teria a mídia jurássica, e de nada vale buscar ali explicações para o comportamento coletivo nas ruas por parte de seus membros ativos. Talvez, porém, uma frase em outro cartaz forneça alguma pista: “País mudo é um país que não muda”. O que dizer então do discurso ininterrupto da televisão, do rádio, da enxurrada de revistas e das próprias redes sociais? A se levar a sério o cartaz, tudo isso não diz nada. É o “falatório” temido por filósofos.

Arrogância visível

O cartaz proclama um desejo de mudança. Mas mudar por que, é o que perguntava semana passada o El País:

“O Brasil está pior do que há dez anos? Não, está melhor. Pelo menos, é mais rico, tem menos pobres, e aumentam os milionários. É mais democrático e menos desigual. Como se explica então que a presidenta Dilma Rousseff com um consenso popular de 75% – um recorde que chegou a superar o do popular Lula da Silva – possa ter sido vaiada repetidamente na estreia da Copa das Confederações em Brasília por quase 80.000 torcedores de classe média que puderam dar-se ao luxo de pagar até 400 dólares por um ingresso?”

Para o prestigiado jornal espanhol, os protestos contra o aumento dos preços de ônibus por jovens que em sua maioria têm carros, os aplausos aos manifestantes por parte da classe média “C” que está ascendendo economicamente, os aparentes protestos contra a Copa por parte de gente que sempre se orgulhou de seu futebol e assim por diante – tudo isso seria estranho num país invejado até pela Europa e pelos Estados Unidos por seu desemprego quase nulo.

O próprio jornal, entretanto, arrisca uma resposta. Chegados à nova classe média, os pobres teriam tomado consciência de ter dado um salto qualitativo na esfera do consumo e agora querem mais. Mais o quê?

“Serviços públicos de primeiro mundo, ensino de qualidade, hospitais dignos sem filas desumanas, políticos menos corruptos, partidos que não sejam meros negócios privados, uma polícia que não atue como na ditadura e uma sociedade menos excludente. Definitivamente, querem “aquilo que aprenderam a desejar para ser mais felizes ou menos infelizes do que foram no passado”.

Isso é, evidentemente, pura especulação. Dizeres de cartazes podem ser sintomáticos, mas não realmente explicativos, pois é bastante provável que componham apenas um cenário estético para as incursões. Na realidade, ainda é muito cedo para se ter alguma clareza sobre o que realmente move os manifestantes. Nesse meio tempo, fazem-se apostas teóricas no advento de uma nova era, em que não é mais o futuro (portanto, nada de projetos políticos) e sim o presente que importa. E para compreendê-lo, diz-se, seriam necessárias novas ferramentas e narrativas.

Para a turma da euforia tecnológica, as ferramentas estariam nos posts dos sites.Exemplo de narrativa nova é a do sociólogo Michel Maffesoli, um apaixonado pelo Brasil e bastante conhecido nos círculos acadêmicos, para quem os jovens manifestantes são aquilo que ele chama de “a sociedade oficiosa”, ou seja…

“…a sociedade au noir, na sombra, escondida, que não se sente mais representada. Mas que não vai afrontar a sociedade oficial. E vai criar os seus próprios espaços, as suas utopias intersticiais: um lugar para se encontrar, cantar, eventualmente protestar, tirar proveito das reuniões para estar junto. O tripé dos valores modernos da sociedade oficial é: razão, trabalho e progresso. A nova geração acentua não o trabalho, mas a criação. Não o progresso, mas o presente. Não a razão, mas a imaginação”.

Bem, aqui no Brasil, o oficioso está decididamente afrontando o oficial. No fosso entre o oficial e o oficioso, cava-se o espaço para uma indignação que pode ser pacífica ou violenta. A pacífica foi anunciada anos atrás pelo francês Stéphane Hessel (1917-2013), num livrinho consumido por centenas de milhares de pessoas. Chamava-se Indignem-se!, publicado na coleção “Os que andam contra o vento”. Indignar-se contra o quê? Para ele, contra o poder do dinheiro, “que nunca foi tão grande, insolente e egoísta”.

Aqui, apenas a violência parece dar a medida real do grau de indignação nas manifestações brasileiras. Há algumas pistas, mas não palavras fortes. Também não há lideranças, mas “referências”, conforme a definição de suas “não-lideranças”. Realmente, não se sabe quem comanda, mas isso não deve ser recebido como algo tão estranho assim, já que também não se sabe muito bem quem é o verdadeiro poder no Brasil. A presidente manda em seus ministros, que não parecem mandar em nada, ao mesmo tempo em que é evidente não estarem as fontes do poder presidencial na figura da presidente, e onde estão ninguém sabe bem ao certo. Visível mesmo é arrogância dos executivos secundada pela surdez da classe política. Aliás, antiga surdez e nova mudez, porque ninguém tem visto político falando muito nestes dias. Onde se esconderiam os falastrões de sempre?

Espetáculo da violência

Quanto aos manifestantes nas ruas, não são todos exatamente os “jovens” de que fala o sociólogo, e sim um amálgama indefinido de gente saída da “Matrix” (a internet, as redes sociais), membros de pequenos partidos sem votos (mas beneficiários do Fundo Partidário), vândalos, bandidos mascarados que depredam e saqueiam, enfim o chienlit de que falou De Gaulle em maio de 1968. Talvez a violência seja uma resposta à costumeira ação policial, mas é também parte do espetáculo da revolta: na tevê e nas redes sociais, gera imagens que repercutem. Vale lembrar Rivarol, cronista da Revolução Francesa, para quem a revolução terminou quando chegou ao fim o espetáculo das execuções pela guilhotina. Mas também vale lembrar que a violência serve à velha direita golpista.

Nada disso invalida, porém, a potência da experiência que tomou de assalto as ruas – a experiência da revolta. Re-volta, ao pé do étimo, significa o retorno a um sentido que se perdeu, daí a sua possibilidade de mover-se por um ideal ético no rumo de uma renovação política. As massas revoltam-se para obter alguma coisa. Mas não está claro o que pretende obter a revolta de agora ­­­– nem sequer se pretende mesmo alguma coisa. Não há reivindicações; as demandas, se há, são fragmentárias.

O certo mesmo é que algo transbordou, o “saco” coletivo encheu diante da arrogância do poder, da impunidade dos puníveis, da indiferença das classes dirigentes ao desmantelamento da vida nas cidades (imobilidade urbana, criminalidade epidêmica, exorbitância dos impostos, preços atuais enlouquecidos por causa da futura festa olímpica) e também do falatório vazio da mídia (carros de tevê e jornalistas foram apupados). Indignado, o “espírito comum” virou Poltergeist, essa entidade mítica que às vezes perturba a tranquilidade das casas e, agora, das ruas.

Ora, essa metamorfose, a despeito daqueles que só enxergam a sua superfície eletrônica, também parece-nos justamente o contrário da catatonia verborrágica das redes sociais, onde o sujeito apõe a sua assinatura digital num manifesto qualquer e, de consciência limpa, agenda a balada. Manifestação é coisa anticatatônica, porque se faz com mãos e pés, com o confronto dos corpos num território concreto, sob a forma de um “nós” inquietante, monstruoso, chamado multidão. Esta última é uma besta que dorme e, uma vez acordada, pode dar medo.

Por isso, há algum alento humano na redescoberta do poder das ruas, ainda que tudo isso possa ser efêmero. A revolta de maio de 1968 na França começou a acabar quando a ela se juntaram organizações políticas e quando as ações de rua passaram a visar mais a sua reprodução midiática do que a real contestação do poder. Ou seja, quando se converteram no espetáculo da violência.

Por enquanto, como ninguém parece saber muito bem o que acontece, também não sei por que me vem à cabeça o poema “Gaúcho” do tão esquecido Ascenso Ferreira: “Riscando os cavalos!/ Tinindo as esporas!/ Través das coxilhas!/ Saí de meus pagos em louca arrancada!/ – Para quê?/ – Para nada!”

* Muniz Sodré é jornalista e escritor, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

** Publicado originalmente no site Observatório da Imprensa.