Arquivo da tag: Burocracia

Com pandemia de covid-19, cartórios registram alta de 43% em mortes por causa indeterminada (Estadão)

saude.estadao.com.br

Fabiana Cambricoli, 27 de abril de 2020

SÃO PAULO – Os cartórios brasileiros registraram alta de 43% no número de mortes por causa indeterminada notificadas no País desde o início da pandemia de covid-19 em território brasileiro. Os dados, antecipados pelo Estado, serão divulgados nesta segunda-feira, 27, em novo painel do Portal da Transparência do Registro Civil, mantido pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil). Segundo especialistas, o aumento de óbitos sem causa definida pode estar associado a vítimas de coronavírus que morreram sem ter o diagnóstico da doença.

A alta refere-se ao período de 26 de fevereiro, data em que o primeiro caso de infecção por coronavírus foi registrado no Brasil, até 17 de abril – como os cartórios tem até dez dias para repassar os registros para a Central de Informações do Registro Civil (CRC Nacional), a reportagem optou por um recorte até dez dias atrás.

Em 2020, o País teve 1.329 mortes por causa indeterminada no periodo mencionado. Em 2019, 925 óbitos do tipo foram registrados pelos cartórios no mesmo intervalo. De acordo com especialistas, o dado pode ser mais um indício de subnotificação do número de óbitos por coronavírus no País. Com a falta de testes e a alta demanda sobre o sistema de saúde em algumas regiões, doentes podem estar morrendo sem ter uma avaliação médica.

Para Fátima Marinho, professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e integrante do grupo de especialistas que auxiliou a Arpen-Brasil na elaboração do painel, é provável que o aumento de mortes por causa indefinida tenha como uma das razões a morte de pessoas por covid-19 que não tiveram acesso ao sistema de saúde. “Em uma situação de uma doença nova, uma pandemia, a gente espera um aumento de mortes em casa, sem que a pessoa sequer consiga ter atendimento médico. Isso pode estar acontecendo agora”, explica.

Se analisadas as mortes também por faixa etária, o aumento de óbitos por causa indeterminada é maior entre idosos, principal grupo de risco para complicações do coronavírus. O número de mortes sem causa definida entre pessoas com idade a partir de 60 anos passou de 568 em 2019 para 879 em 2020, alta de 54,8%. Já entre indivíduos com menos de 60 anos, a variação foi de 30,5% – subiu de 321 para 419 no mesmo intervalo de tempo.

Fátima diz que outra razão que pode estar impactando na alta de mortes por causas indeterminadas é o provável crescimento de óbitos por outras causas que não estão chegando aos hospitais pela dificuldade de conseguir leitos no meio da pandemia ou pelo eventual medo de pacientes em procurar unidades de saúde e se contaminarem. “Provavelmente teremos um aumento de mortes por infarto, AVC e outros problemas registrados em casa porque as pessoas estão adiando a ida ao pronto-socorro ou tendo que disputar leitos com pacientes com covid-19”, diz ela.

Salto em mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave

O portal da transparência mantido pela Arpen-Brasil também passa a disponibilizar o número de mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), que registrou aumento de 680% entre 26 de fevereiro e 17 de abril de 2019 e o mesmo período de 2020. Os números contemplam casos dessa condição respiratória em que não foi especificado o agente causador da síndrome, que pode ser coronavírus, mas também influenza ou outro vírus respiratório.

De acordo com o portal, o número de mortes do tipo passou de 156 para 1.217 no período citado. A alta nos óbitos por SRAG não especificada registradas em cartórios seriam outro indício de subnotificação. Ela é ainda maior em Estados com muitos casos da doença. No Amazonas, o aumento foi de 1.214%. No Ceará, de 3.828%. Em São Paulo, Estado com o maior número de infectados, o crescimento observado foi de 916%.

Outros dados anteriormente divulgados pela Arpen-Brasil mostravam indícios de que o número de mortes por coronavírus no Brasil pode ser maior que o computado oficialmente pelo Ministério da Saúde. Como revelou o Estado em 13 de abril, o número de registros de mortes por insuficiência respiratória e pneumonia no Brasil teve um salto em março, contrariando tendência de queda que vinha sendo observada nos meses de janeiro e fevereiro. Foram 2.239 mortes a mais em março de 2020 do que no mesmo período de 2019.

O número de mortes suspeitas ou confirmadas por covid-19 registradas nos cartórios também vem se mostrando maior do que as registradas pelo Ministério da Saúde (que considera só os óbitos confirmados por coronavírus). Na tarde desta segunda, por exemplo, os cartórios já registravam 4.839 vítimas com confirmação ou suspeita da doença. Já o Ministério contabilizava 4.543 registros.

Para Luis Carlos Vendramin Júnior, vice-presidente da Arpen-Brasil, a disponibilização dos dados dos cartórios ajudam a entender o avanço da epidemia. “Como temos esses dados com atualização diária, avaliamos que ampliar a transparência e divulgar dados também sobre mortes por SRAG e causas indeterminadas, além das que já vínhamos divulgando, vai auxiliar tanto o poder público quanto a imprensa e a população em geral na análise de números”, destacou.

A Brief History of the “Testocracy,” Standardized Testing and Test-Defying (Truthout)

Wednesday, 25 March 2015 00:00

By Jesse Hagopian, Haymarket Books | Book Excerpt 

CHICAGO- 24 April, 2013: Demonstrator holds sign at a rally against school closings and over testing. (Photo: Sarah Jane Rhee)

Demonstrators rally against school closings and testing in Chicago, April 24, 2013. (Photo: Sarah Jane Rhee)

“We are experiencing the largest ongoing revolt against high-stakes standardized testing in US history,” according to Jesse Hagopian, high school history teacher, education writer and editor of More Than a Score. This remarkable book introduces the educators, students, parents and others who make up the resistance movement pushing back against the corporate “testocracy.” Click here to order More Than a Score today by making a donation to Truthout!

In this excerpt from More Than a Score, Jesse Hagopian explains who the “testocracy” are, what they want – for everybody else’s children and for their own – and why more people than ever before are resisting tests and working collectively to reclaim public education.

Who are these testocrats who would replace teaching with testing? The testocracy, in my view, does not only refer to the testing conglomerates—most notably the multibillion-dollar Pearson testing and textbook corporation—that directly profit from the sale of standardized exams. The testocracy is also the elite stratum of society that finances and promotes competition and privatization in public education rather than collaboration, critical thinking, and the public good. Not dissimilar to a theocracy, under our current testocracy, a deity—in this case the exalted norm-referenced bubble exam—is officially recognized as the civil ruler of education whose policy is governed by officials that regard test results as divine. The testocratic elite are committed to reducing the intellectual and emotional process of teaching and learning to a single number—a score they subsequently use to sacrifice education on the altar devoted to high-stakes testing by denying students promotion or graduation, firing teachers, converting schools into privatized charters, or closing schools altogether. You’ve heard of this program; the testocracy refers to it as “education reform.”

Among the most prominent members of the testocracy are some of the wealthiest people the world has ever known.

Among the most prominent members of the testocracy are some of the wealthiest people the world has ever known. Its tsars include billionaires Bill Gates, Eli Broad, and members of the Walton family (the owners of Walmart), who have used their wealth to circumvent democratic processes and impose test-and-punish policies in public education. They fund a myriad of organizations—such as Michelle Rhee’s StudentsFirst, Teach for America, and Stand for Children—that serve as shock troops to enforce the implantation of high-stakes testing and corporate education reform in states and cities across the nation. Secretary of Education Arne Duncan serves to help coordinate and funnel government money to the various initiatives of the testocracy. The plan to profit from public schools was expressed by billionaire media executive Rupert Murdoch, when he said in a November 2010 press release: “When it comes to K through 12 education, we see a $500 billion sector in the U.S. alone that is waiting desperately to be transformed by big breakthroughs that extend the reach of great teaching.”

Testing companies got the memo and are working diligently to define great teaching as preparing students for norm-referenced exams—available to districts across the country if the price is right. The textbook and testing industry generates between $20 billion and $30 billion dollars per year. Pearson, a multi-national corporation based in Britain, brings in more than $9 billion annually, and is the world’s largest education company and book publisher. But it’s not the only big testing company poised to profit from the testocracy. Former president George W. Bush’s brother Neil and his parents founded a company called Ignite! Learning to sell test products after the passage of No Child Left Behind.

“An Invalid Measure”: The Fundamental Flaws of Standardized Testing

The swelling number of test-defiers is rooted in the increase of profoundly flawed standardized exams. Often, these tests don’t reflect the concepts emphasized in the students’ classes and, just as often, the results are not available until after the student has already left the teacher’s classroom, rendering the test score useless as a tool for informing instruction. Yet the problem of standardized bubble tests’ usefulness for educators extends well beyond the lag time (which can be addressed by computerized tests that immediately calculate results). A standardized bubble test does not help teachers understand how a student arrived at answer choice “C.” The student may have selected the right answer but not known why it was right, or conversely, may have chosen the wrong answer but had sophisticated reasoning that shows a deeper understanding of the concept than someone else who randomly guessed correctly. Beyond the lack of utility of standardized testing in facilitating learning there is a more fundamental flaw. A norm-referenced, standardized test compares each individual student to everyone else taking the test, and the score is then usually reported as a percentile. Alfie Kohn describes the inherent treachery of the norm-referenced test:

No matter how many students take an NRT [norm-referenced test], no matter how well or poorly they were taught, no matter how difficult the questions are, the pattern of results is guaranteed to be the same: Exactly 10 percent of those who take the test will score in the top 10 percent. And half will always fall below the median. That’s not because our schools are failing; that’s because of what the word median means.

And as professor of education Wayne Au explained in 2011, when he was handed a bullhorn at the Occupy Education protest outside the headquarters of Gates Foundation, “If all the students passed the test you advocate, that test would immediately be judged an invalid metric, and any measure of students which mandates the failure of students is an invalid measure.”

Researchers have long known that what standardized tests measure above all else is a student’s access to resources.

Unsurprisingly, the Gates Foundation was not swayed by the logic of Au’s argument. That is because standardized testing serves to reinforce the mythology of a meritocracy in which those on the top have achieved their position rightfully—because of their hard work, their dedication to hitting the books, and their superior intelligence as proven by their scores. But what researchers have long known is that what standardized tests measure above all else is a student’s access to resources. The most damning truth about standardized tests is that they are a better indicator of a student’s zip code than a student’s aptitude. Wealthier, and predominantly whiter, districts score better on tests. Their scores do not reflect the intelligence of wealthier, mostly white students when compared to those of lower-income students and students of color, but do reflect the advantages that wealthier children have—books in the home, parents with more time to read with them, private tutoring, access to test-prep agencies, high-quality health care, and access to good food, to name a few. This is why attaching high stakes to these exams only serves to exacerbate racial and class inequality. As Boston University economics professors Olesya Baker and Kevin Lang’s 2013 study, “The School to Prison Pipeline Exposed,” reveals, the increases in the use of high-stakes standardized high school exit exams are linked to higher incarceration rates. Arne Duncan’s refusal to address the concerns raised by this study exposes the bankruptcy of testocratic policy.

Hypocrisy of the Testocracy

At first glance it would be easy to conclude that the testocracy’s strategy for public schools is the result of profound ignorance. After all, members of the testocracy have never smelled a free or reduced-price lunch yet throw a tantrum when public school advocates suggest poverty is a substantial factor in educational outcomes. The testocracy has never had to puzzle over the conundrum of having more students than available chairs in the classroom, yet they are the very same people who claim class size doesn’t matter in educational outcomes. The bubble of luxury surrounding the testocracy has convinced many that most testocrats are too far removed from the realities facing the majority of US residents to ever understand the damage caused by the high-stakes bubble tests they peddle. While it is true that the corporate reform moguls are completely out of touch with the vast majority of people, their strategy for remaking our schools on a business model is not the result of ignorance but of arrogance, not of misunderstanding but of the profit motive, not of silliness but rather of a desire for supremacy.

In fact, you could argue that the MAP test boycott did not actually begin at Garfield High School. A keen observer might recognize that the boycott of the MAP test—and so many other standardized tests—began in earnest at schools like Seattle’s elite private Lakeside High School, alma mater of Bill Gates, where he sends his children, because, of course, Lakeside, like one-percenter schools elsewhere, would never inundate its students with standardized tests. These academies, predominantly serving the children of the financially fortunate, shield students from standardized tests because they want their children to be allowed to think outside the bubble test, to develop critical thinking skills and prioritize time to explore art, music, drama, athletics, and debate. Gates values Lakeside because of its lovely campus, where the average class size is sixteen, the library contains some twenty thousand volumes, and the new sports facility offers cryotherapy and hydrotherapy spas. Moreover, while Gates, President Obama, and Secretary of Education Duncan are all parents of school-age children, none of those children attend schools that use the CCSS or take Common Core exams. As Dao X. Tran, then PTA co-chair at Castle Bridge Elementary School, put it (in chapter 20 of More Than a Score): “These officials don’t even send their children to public schools. They are failing our children, yet they push for our children’s teachers to be accountable based on children’s test data. All while they opt for their own children to go to schools that don’t take these tests, that have small class sizes and project-based, hands-on, arts-infused learning—that’s what we want for our children!” The superrich are not failing to understand the basics of how to provide a nurturing education for the whole child. The problem is that they believe this type of education should be reserved only for their own children.

A Brief History of Test-defying

The United States has a long history of using standardized testing for the purposes of ranking and sorting youth into different strata of society. In fact, standardized tests originally entered the public schools with the eugenics movement, a white-supremacist ideology cloaked in the shabby garments of fraudulent science that became fashionable in the late nineteenth and early twentieth centuries. As Rethinking Schools editorialized,

The United States has a long history of using intelligence tests to support white supremacy and class stratification. Standardized tests first entered the public schools in the 1920s, pushed by eugenicists whose pseudoscience promoted the “natural superiority” of wealthy, white, U.S.-born males. High-stakes standardized tests have disguised class and race privilege as merit ever since. The consistent use of test scores to demonstrate first a “mental ability” gap and now an “achievement” gap exposes the intrinsic nature of these tests: They are built to maintain inequality, not to serve as an antidote to educational disparities.

When the first “common schools” began in the late 1800s, industrialists quickly recognized an opportunity to shape the schools in the image of their factories. These early “education reformers” recognized the value of using standardized tests—first developed in the form of IQ tests used to sort military recruits for World War I—to evaluate the efficiency of the teacher workforce in producing the “student-product.” Proud eugenicist and Princeton University professor Carl Brigham left his school during World War I to implement IQ testing as an army psychologist. Upon returning to Princeton, Brigham developed the SAT exam as the admissions gatekeeper to Princeton, and the test confirmed in his mind that whites born in the United States were the most intelligent of all peoples. As Alan Stoskopf wrote, “By the early 1920s, more than 2 million American school children were being tested primarily for academic tracking purposes. At least some of the decisions to allocate resources and select students for academic or vocational courses were influenced by eugenic notions of student worth.”

Some of the most important early voices in opposition to intelligence testing came from leading African American scholars.

Resistance to these exams surely began the first time a student bubbled in every “A” on the page in defiance of the entire testing process. Yet, beyond these individual forms of protest, an active minority of educators, journalists, labor groups, and parents resisted these early notions of using testing to rank intelligence. Some of the most important early voices in opposition to intelligence testing—especially in service of ranking the races—came from leading African American scholars such as W. E. B. Du Bois, Horace Mann Bond, and Howard Long. Du Bois recalled in 1940, “It was not until I was long out of school and indeed after the [First] World War that there came the hurried use of the new technique of psychological tests, which were quickly adjusted so as to put black folk absolutely beyond the possibility of civilization.”

In a statement that is quite apparently lost on today’s testocracy, Horace Mann Bond, in his work “Intelligence Tests and Propaganda,” wrote:

But so long as any group of men attempts to use these tests as funds of information for the approximation of crude and inaccurate generalizations, so long must we continue to cry, “Hold!” To compare the crowded millions of New York’s East Side with the children of Morningside Heights [an upper-class neighborhood at the time] indeed involves a great contradiction; and to claim that the results of the tests given to such diverse groups, drawn from such varying strata of the social complex, are in any wise accurate, is to expose a fatuous sense of unfairness and lack of appreciation of the great environmental factors of modern urban life.

This history of test-defiers was largely buried until the mass uprisings of the civil rights and Black Power movements of the 1950s, ’60s, and ’70s transformed public education. In the course of these broad mass movements, parents, students, teachers, and activists fought to integrate the schools, budget for equitable funding, institute ethnic studies programs, and even to redefine the purpose of school.

In the Jim Crow–segregated South, literacy was inherently political and employed as a barrier to prevent African Americans from exercising their right to vote. The great activist and educator Myles Horton was a founder of the Highlander Folk School in Tennessee that would go on to help organize the Citizenship Schools of the mid-1950s and 1960s. The Citizenship Schools’ mission was to create literacy programs to help disenfranchised Southern blacks achieve access to the voting booth. Hundreds of thousands of African Americans attended the Citizenship Schools, which launched one of the most important educational programs of the civil rights movement, redefining the purpose of education and the assessment of educational outcomes. Horton described one of the Citizenship Schools he helped to organize, saying, “It was not a literacy class. It was a community organization. . . . They were talking about using their citizenship to do something, and they named it a Citizenship School, not a literacy school. That helped with the motivation.” By the end of the class more than 80 percent of those students passed the final examination, which was to go down to the courthouse and register to vote!

What the Testocracy Wants

The great civil rights movements of the past have reimagined education as a means to creating a more just society. The testocracy, too, has a vision for reimagining the education system and it is flat-out chilling. The testocracy is relentlessly working on new methods to reduce students to data points that can be used to rank, punish, and manipulate. Like something out of a dystopian sci-fi film, the Bill and Melinda Gates Foundation spent $1.4 million to develop bio-metric bracelets designed to send a small current across the skin to measure changes in electrical charges as the sympathetic nervous system responds to stimuli. These “Q Sensors” would then be used to monitor a student’s “excitement, stress, fear, engagement, boredom and relaxation through the skin.” Presumably, then, VAM assessments could be extended to evaluate teachers based on this biometric data. As Diane Ravitch explained to Reuters when the story broke in the spring of 2012, “They should devote more time to improving the substance of what is being taught . . . and give up all this measurement mania.”

But the testocracy remains relentless in its quest to give up on teaching and devote itself to data collection. In a 2011 TIME magazine feature on the future of education, readers are asked to “imagine walking into a classroom and seeing no one in the front of the classroom. Instead you’re led to a computer terminal at a desk and told this will be your teacher for the course. The only adults around are a facilitator to make sure that you stay on task and to fix any tech problems that may arise.” TIME goes on to point out, “For some Florida students, computer-led instruction is a reality. Within the Miami-Dade County Public School district alone, 7,000 students are receiving this form of education, including six middle and K–8 schools, according to the New York Times.” This approach to schooling is known as “e-learning labs,” and from the perspective of the testocracy, if education is about getting a high score, then one hardly needs nurturing, mentorship, or human contact to succeed. Computers can be used to add value—the value of rote memorization, discipline, and basic literacy skills—to otherwise relatively worthless students. Here, then, is a primary objective of an education system run by the testocracy: replace the compassionate hand of the educator with the cold, invisible, all-thumbs hand of the free market.

Mudança climática (Folha de S.Paulo)

7/11/2014

Eduardo Giannetti

Em “Reasons and Persons”, uma das mais inovadoras obras de filosofia analítica dos últimos 30 anos, o filósofo Derek Parfit propõe um intrigante “experimento mental”. A situação descrita é hipotética, mas ajuda a explicitar um ponto nevrálgico do maior desafio humano: limitar o aquecimento global a 2°C acima do nível pré-industrial até o final do século 21.

Imagine uma pessoa afivelada a uma cama com eletrodos colados em suas têmporas. Ao se girar um botão situado em outro local a corrente nos eletrodos aumenta em grau infinitesimal, de modo que o paciente não chegue a sentir. Um Big Mac gratuito é então ofertado a quem girar o botão. Ocorre, contudo, que quando milhares de pessoas fazem isso –sem que cada uma saiba dos outros– a descarga de energia produzida é suficiente para eletrocutar a vítima.

Quem é responsável pelo que? Algo tenebroso foi perpetrado, mas a quem atribuir a culpa? O efeito isolado de cada giro do botão é por definição imperceptível –são todos “torturadores inofensivos”. Mas o resultado conjunto dessa miríade de ações é ofensivo ao extremo. Até que ponto a somatória de ínfimas partículas de culpa se acumula numa gigantesca dívida moral coletiva?

A mudança climática em curso equivale a uma espécie de eletrocussão da biosfera. Quem a deseja? Até onde sei, ninguém. Trata-se da alquimia perversa de inumeráveis atos humanos, cada um deles isoladamente ínfimo, mas que não resulta de nenhuma intenção humana. E quem assume –ou deveria assumir– a culpa por ela? A maioria e ninguém, ainda que alguns sejam mais culpados que outros.

Os 7 bilhões de habitantes do planeta pertencem a três grupos: cerca de 1 bilhão respondem por 50% das emissões totais de gases-estufa, ao passo que os 3 bilhões seguintes por 45%. Os 3 bilhões na base da pirâmide de energia (metade sem acesso a eletricidade) respondem por apenas 5%. Por seu modo de vida e vulnerabilidade, este grupo –o único inocente– será o mais tragicamente afetado pelo “giro de botão” dos demais.

Descarbonizar é preciso. Segundo o recém-publicado relatório do painel do clima da ONU, limitar o aquecimento a 2°C exigirá cortar as emissões antropogênicas de 40% a 70% em relação a 2010 até 2050 e zerá-las até o final do século. Como chegar lá?

A complexidade do desafio é esmagadora. Contar com a gradual conscientização dos “torturadores inocentes” parece irrealista. Pagar para ver e apostar na tecnologia como tábua de salvação seria temerário ao extremo. O protagonista da ação, creio eu, deveria ser a estrutura de incentivos: precificar o carbono e colocar a força do sistema de preços para trabalhar no âmbito da descarbonização.

A engrenagem das prisões em massa (GGN)

qua, 23/07/2014 – 08:26

Enviado por Leo V

Do Ponte.org

A engrenagem das prisões em massa. O caso Hideki

Bruno Paes Manso

Como produzimos provas para condenar tanta gente?

Já foi dito que as perguntas certeiras são o ponto de partida para boas reportagens e pesquisas. Concordo e já coloco uma questão que há tempos me intriga: como São Paulo (e o Brasil) consegue mandar tanta gente para a prisão se possui uma polícia civil com sérias dificuldades para investigar? Já somos o terceiro País do mundo no ranking de pessoas presas, sendo que nas prisões paulistas há um terço do total de presos nacionais. Como produzimos provas para condenar tanta gente?

As respostas ajudam a decifrar como funcionam as engrenagens dessa fábrica de aprisionamento em massa que estamos construindo em São Paulo e no Brasil. O caso das prisões de Fábio Hideki e de Rafael Marques, detidos sob a acusação de prática de crimes durante os protestos em São Paulo, servem para mostrar a lógica desse mecanismo.

Os dois foram presos no dia 23 de junho numa manifestação na Avenida Paulista durante a Copa do Mundo. A Secretaria de Segurança Pública paulista defendeu a legitimidade das prisões afirmando ter provas de que eles portavam explosivos. Diversas testemunhas afirmaram, no entanto, que o flagrante foi forjado, incluindo o padre Julio Lancelotti, vigário do Povo da Rua, que estava ao lado dos jovens quando eles foram detidos. A SSP rebate e diz que o Ministério Público acompanha de perto as investigações e que os promotores denunciaram Hideki e Marques à Justiça.

hidekiNa semanas que se seguiram às prisões, campanhas foram feitas para que os dois fossem soltos, entidades contestaram a legitimidade da ação, o diretor da Politécnica da USP escreveu carta aberta, mil origamis de tsurus (pássaro da sorte) foram confeccionados para libertá-lo, houve manifestações em São Paulo, Guarulhos e Rio, juristas e juízes democráticos reclamaram, funcionários da USP marcharam, uma página no Facebook foi criada e recebeu mais de 6 mil curtidas, além de inúmeros memes que se espalharam pelas redes sociais.

Mesmo com a pressão legítima, baseada em depoimentos e vídeos que contestavam a credibilidade das ações da segurança pública e as decisões da Justiça, nossas instituições não se deram o trabalho de apresentar as supostas provas ou de justificar seus atos de força. Como se não se sentissem obrigadas a prestar contas de seus atos aos cidadãos que pagam suas contas. Talvez porque se sentem intocáveis. Porque acham que somos todos cegos, que não enxergamos os erros que eles cometem.

Mas já é possível juntar as peças. A figura do quebra-cabeças está ficando cada vez mais visível. A prisão de Hideki e de Marques é apenas a ponta de um profundo iceberg do frágil mecanismo de encarceramento de pobres moradores das periferias. Hideki e Marques foram exceção à regra.

Sem estrutura para realizar investigações competentes, o sistema de Justiça vem condenando faz tempo com base em frágeis evidências. Essa foi uma das principais conclusões da pesquisa feita por Maria Gorete Marques do Núcleo de Estudos da Violência (USP) sobre a aplicação da Lei de Drogas em São Paulo. Boa parte do crescimento do total de presos decorre do aumento da prisão de pequenos traficantes.

Em 2006, havia cerca de 17 mil presos por tráfico. Cinco anos depois, já era 52 mil. Conforme a pesquisa, quase nove entre cada dez prisões feitas no Estado foram ocorrências em flagrante, quando a maioria estava circulando na rua. A maioria (52%) não tinha antecedentes em sua ficha criminal e eram negros e pardos (59%). Na primeira etapa do processo de aprisionamento em massa, a polícia vê um negro em atitude suspeita andando na rua. Ele é abordado e preso em flagrante.

No Judiciário, o depoimento do policial militar que prendeu o suspeito acaba sendo sobrevalorizado. O que ele fala é considerado verdade, mesmo quando a vítima acusa o flagrante de ser forjado. Isso ocorre porque são depoimentos que gozam de fé pública, termo que define juridicamente os documentos e testemunhos que são dados por autoridades públicas no exercício de sua função. São presumivelmente considerados verdadeiros, o que acaba dispensando a necessidade de provas robustas para a condenação.

Na prática, isso significa que, depois de acusado pelo policial, o suspeito passa a ter que provar a sua inocência. As provas materiais do crime ou outros testemunhos de acusação acabam sendo meros complementos em muitos processos. O que não impede o promotor de acusar e o juiz de condenarem o réu. Na pesquisa do NEV-USP, as autoridades explicaram que a gravidade do crime justificaria a decisão de condenar com base em depoimentos de PMs e em provas frágeis.

Não foi o caso do crime Hideki e Marques. Não eram graves. Eles eram meros bodes expiatórios para que a segurança pública e o judiciário dessem uma resposta aos protestos durante a Copa do Mundo. Eles são black blocs? Só dando risada. Acompanhei o movimento e sei sobre os dois presos. Essa afirmação é ridícula. Mas qual é o ponto nevrálgico da questão? Depois de anos e anos prendendo e condenando por nada, nosso sistema já estava acostumado a engolir acusações mal feitas. Qual o problema em condenar mais dois sem que haja provas?

Será que eu estou sendo injusto com nosso sistema de segurança e de Justiça? Há apenas dois meses, eu me deparei com um caso emblemático que foi publicado neste blog em maio. Foi a história de José, um jovem negro de 17 anos que estava em seu apartamento num sábado à noite. A PM perseguia quatro assaltantes de carro pelas ruas. O grupo bateu em um poste durante a fuga, mas tiveram tempo de descer do carro e correr dos policiais. Os PMs acharam que um dos jovens havia subido em um edifício que ficava perto do local da batida. Era onde José morava. Falaram com o porteiro, invadiram o apartamento do garoto às 2 horas da manhã e o prenderam.

José tinha provas de que havia saído de casa somente para fumar no portão. As imagens das 19 câmeras do edifício eram claras. Batom na cueca. Mesmo assim, José continuou preso. O promotor pediu sua condenação e o juiz bateu o martelo. No processo, sobre as imagens que provavam a inocência do acusado, foi afirmado que o “condomínio não tinha fé pública”. O testemunho dos policiais foi suficiente para prendê-lo e condená-lo. As imagens de nada adiantaram. José foi solto apenas depois que a reportagem mostrou neste blog as provas de sua inocência. A Justiça foi forçada a soltá-lo no mesmo dia.

A sociedade merece respostas sobre o flagrante e as provas contra Hideki e Marques. As polícias demandam reformas urgentes. O Estado pode nos tirar os olhos, mas isso não significa que estamos cegos. Segue abaixo, aliás, o belo vídeo feito pela Ponte sobre Alex e Sérgio, fotógrafos baleados durante manifestações.

Governo reconhece número recorde de decretos de emergência em 2013 (G1)

JC e-mail 4883, de 29 de janeiro de 2014

Foram 3.747, o maior dos últimos dez anos, segundo dados da Defesa Civil

O governo federal reconheceu 3.747 decretos de situação de emergência e estado de calamidade pública no ano passado. O número, o maior de toda a série histórica da Secretaria Nacional de Defesa Civil (Sedec), representa uma média de dez decretos reconhecidos por dia no país. Trata-se de um aumento de 182% em relação a 2003 (Veja o mapa ao lado com todos os decretos).

Ao todo, 1.940 cidades requisitaram ajuda federal, sendo que 2/3 delas fizeram isso mais de uma vez durante o ano. Ao decretar situação de emergência ou estado de calamidade pública, os municípios comunicam ao governo federal a ocorrência de um grande desastre natural e pedem a liberação de verba de emergência da União para tentar amenizar os danos.

A seca que assolou o Nordeste, por exemplo, considerada por alguns estados como a pior dos últimos 50 anos, fez com que 75% dos municípios da região tivessem decretos reconhecidos. Treze cidades (11 do Piauí e duas da Bahia) tiveram situação de emergência reconhecida quatro vezes em 2013.

A Bahia é o estado que concentra o maior número de municípios (284) em emergência e calamidade e é também o que detém a maior parcela dos decretos (680). O Piauí aparece logo atrás, com 612 reconhecimentos. No estado, 212 das 224 cidades entraram em emergência no ano passado.

A maioria (87%) dos reconhecimentos em todo o país se deu em razão de seca ou estiagem, que ainda persiste em parte do território nacional. Houve também decretos por inundações, geadas e granizo, erosões e deslizamentos, incêndios, vendavais e tornados, doenças infecciosas virais e até por infestação de uma praga em árvores – caso registrado em Belo Horizonte, em março.

Segundo o secretário nacional de Defesa Civil, Adriano Pereira Junior, muitos decretos foram renovados durante o ano passado em razão de eventos prolongados, provocando um aumento na estatística. Além disso, o fato de a população diretamente afetada nos municípios que tiveram reconhecimento do decreto poder sacar uma parte do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para refazer a vida ajuda a entender esse aumento de pedidos, já que várias ocorrências graves, com muitas pessoas atingidas, foram registradas em 2013, explica o secretário.

Alguns reconhecimentos realizados em 2013 são de pedidos feitos pelas cidades em 2012. Como eles tiveram efeito retroativo (ou seja, mesmo quando reconhecidos, passaram a valer a partir da data da solicitação) e a validade expirou, novos decretos foram reconhecidos em uma data próxima. Um erro da Sedec também fez com que alguns municípios tivessem um mesmo decreto reconhecido duas vezes, com publicação no Diário Oficial da União. O Ministério da Integração Nacional não sabe precisar o número, mas diz que isso não causou prejuízo às cidades nem aos cofres públicos, já que verbas só são repassadas após a apresentação de um plano de ação pelas administrações municipais.

Em 2013, houve ainda a criação do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID). Antes, os municípios precisavam entregar, em papel, documentos para comprovar os prejuízos sofridos. Atualmente, todo o processo é feito digitalmente, o que torna mais ágeis a ação dos municípios e o reconhecimento por parte do governo federal.

Em 2014, já foram feitos 141 reconhecimentos de decretos de emergência e calamidade pública em todo o país, sendo 65 (46%) em Minas Gerais, em decorrência das chuvas intensas.

Situação de emergência e estado de calamidade
Dos decretos reconhecidos em 2013, 3.740 são de situação de emergência e sete de calamidade pública. A situação de emergência é o reconhecimento pelo poder público de uma situação anormal provocada por um desastre natural com danos superáveis. Já a calamidade se refere a uma situação anormal que causa sérios danos à comunidade, à segurança e à vida dos moradores.

A partir do reconhecimento do decreto, os municípios podem receber uma verba de emergência, que chega mais rápido aos cofres locais, por meio das chamadas transferências obrigatórias. Os decretos têm uma validade máxima de 180 dias (não há um prazo mínimo). Já os recursos para reconstruir as áreas atingidas dependem da apresentação de um plano de trabalho no prazo de 90 dias da ocorrência do desastre.

Para ações de socorro imediato, como assistência a vítimas, aquisição de cestas básicas e aluguel social para desabrigados, as prefeituras precisam apenas do reconhecimento da emergência. A transferência é feita pelo Cartão de Pagamento de Defesa Civil (CPDC).

Controle
A Controladoria Geral da União (CGU) diz que tem acompanhado a execução dos gastos referentes aos repasses federais para as cidades em emergência ou calamidade. Em nota, a CGU informa que faz relatórios de diagnóstico situacional e de fiscalização, monitora as verbas do CPDC e orienta estados e municípios, elaborando manuais e participando de fóruns.

Segundo a CGU, de 2008 a 2010 foram fiscalizados recursos na ordem de R$ 1,8 bilhão, quantia que foi repassada para subsidiar ações de reconstrução.

“Buscou-se avaliar a confiabilidade das informações relacionadas à localização e aos danos provocados por desastres naturais sofridos pelos municípios, e a regularidade da execução das obras, bem como se as mesmas atingiram os benefícios esperados”, diz a CGU, em nota.

De acordo com o órgão, diversos problemas foram verificados. “As principais irregularidades identificadas foram falhas nos relatórios de avaliação de danos, conclusão de obras extrapolando o prazo de 180 dias ou ultrapassando o prazo estipulado para dispensa de licitação, falhas/impropriedades relativas à especificação das obras, como a inexecução de itens, superestimativa de quantitativos e obras em desacordo com as especificações técnicas, falhas/impropriedades relativas à medição, como o pagamento por serviços não executados, medição de quantidades maiores que as executadas, bem como o superfaturamento de alguns serviços.”

NÚMERO DE DECRETOS RECONHECIDOS NO BRASIL, POR ANO:
2013 – 3.747
2012 – 2.776
2011 – 1.282
2010 – 2.765
2009 – 1.292
2008 – 1.502
2007 – 1.615
2006 – 991
2005 – 1.711
2004 – 1.760
2003 – 1.325

(Thiago Reis / Portal G1)

A burocracia e as violências invisíveis (Canal Ibase)

Renzo Taddei – Colunista do Canal Ibase

2 de agosto de 2012

matéria de capa da revista Time da semana passada chama a atenção para dados impressionantes sobre o suicídio entre militares norte-americanos. Desde 2004, o número de militares americanos que se suicidaram é maior do que os que foram mortos em combate no Afeganistão. Em média, um soldado americano na ativa se suicida por dia. Dentre os veteranos, um suicídio ocorre a cada 80 minutos. Entre 2004 e 2008, a taxa de suicídio entre militares cresceu 80%; só em 2012, esse crescimento já é de 18%. O suicídio ultrapassou os acidentes automobilísticos como primeira causa de morte de militares fora de situação de combate.

Foto: Matthew C. Moeller (Flickr)

O exército americano naturalmente busca, preocupado, identificar as causas do problema – até o momento sem sucesso. O problema está longe de ser óbvio, no entanto. Um terço dos suicidas nunca foi ao Afeganistão ou ao Iraque. 43% só foram convocados uma vez. Apenas 8,5% dos suicidas foram convocados três vezes ou mais. E, em sua maioria, são casados. Ou seja, nem todos os suicídios estão relacionados com traumas de campos de batalha.

Como é de se esperar, a burocracia militar busca um diagnóstico burocrático, para que a solução seja burocrática – de modo que não seja necessário cavar muito fundo na questão. O exército americano não tem psiquiatras e profissionais de serviço social suficientes. Muitos soldados se suicidam na longa espera por uma consulta psiquiátrica; outros, após terem sido receitados soníferos e oficialmente diagnosticados como “não sendo um perigo para si ou para os demais”. A cultura militar estigmatiza demonstrações de fraqueza, de modo que muitos evitam procurar ajuda a tempo. Viúvas acusam o exército de negligência; oficiais militares dizem que os soldados se suicidam devido a problemas conjugais.

Enquanto eu refletia sobre o assunto, chegou até mim a indicação de um livro chamadoDays of Destruction, Days of Revolt, do jornalista americano Chris Edges. O livro descreve a situação de algumas das cidades mais pobres dos Estados Unidos e chega à conclusão de que a pobreza de tais cidades não tem ligação com a ideia de subdesenvolvimento, mas sim ao que se poderia chamar de contra-desenvolvimento: são cidades que foram destruídas pela exploração capitalista.

Uma dessas cidades, Camden, no estado de Nova Jersey, é velha conhecida: durante meu doutorado nos Estados Unidos, trabalhei como fotógrafo para complementar minha renda, e estive em Camden várias vezes. Sempre me impressionaram os sinais explícitos de decadência do lugar: gente vivendo em prédios em ruínas; equipamentos públicos em decomposição; tráfico de droga à luz do dia. Agora descubro que se trata nada menos da cidade com menor renda per capita do país.

Chris Edges chama tais cidades de zonas de sacrifício do capitalismo. Ou seja, para que a exploração capitalista possa ocorrer sem impedimentos, o capital se move de um lugar para outro assim que os recursos ou as oportunidades se esgotam, deixando para trás cidades fantasmas, desemprego e depressão. A lógica desse padrão de exploração é bem conhecida desde Marx, pelo menos. O que Chris Edges faz é, com a ajuda do artista gráfico e também jornalista Joe Sacco, dar nova visibilidade a um problema que a burocracia oficial e a mídia fazem questão de não enxergar.

Que relação há entre os suicídios militares e a pobreza urbana dos Estados Unidos? Na verdade, me dei conta que há uma analogia fundamental entre os dois casos: em ambos há a conjugação do fato de que para que o sistema funcione – e estamos falando de sistemas diferentes para cada caso – alguém tem que ser sacrificado; e esse sacrifício e suas vítimas sacrificiais devem permanecer invisíveis para a maioria da população. O esforço dos Estados Unidos para manter sua hegemonia militar produz de forma sistemática a morte de uma imensa quantidade de gente, dentre americanos e seus supostos inimigos. E, para que a lucratividade se mantenha alta, florestas, cidades e empregos são destruídos, também de forma sistemática. Uma das expressões usadas nas ciências sociais para descrever esse estado de coisas é violência estrutural.

A invisibilidade dessas coisas é imprescindível – só assim pessoas bem intencionadas e de boa fé podem participar do sistema perverso, sem enxergar sua perversidade. Por isso, por exemplo, o governo Bush (pai) articulou com a imprensa americana um pacto para que não fossem publicadas fotos de caixões de soldados mortos em combate na primeira Guerra do Golfo. O pacto esteve em vigor por quase vinte anos, até que foidesfeito por Obama em 2009.

Mas a forma mais comum, e eficaz, de produzir as formas de violência estrutural que reproduzem desigualdades de forma invisível é a burocracia. E isso se dá, como nos lembra David Graeber, em razão do fato de que é função da burocracia ignorar as minúcias da vida cotidiana e reduzir tudo a fórmulas mecânicas e estatísticas. Isso nos permite focar nossas energias em um número menor de variáveis, e assim realizar coisas grandiosas e incríveis – para o bem e para o mal. O papel que a burocracia tem na produção da invisibilidade que mantém violências estruturais em funcionamento pode ser exemplificado através do uso de estatísticas em políticas públicas, por exemplo. Um dos programas oficiais de apoio à população rural do Nordeste mais importantes da atualidade, o Garantia Safra – em que pequenos agricultores adquirem um seguro e são indenizados em caso de perda de safra -, sistematicamente exclui agricultores em função de miopia burocrática. Para que os agricultores de um município recebam a indenização, as regras do programa exigem que haja 50% de perda da safra de todo o município. No entanto, basta ver a dimensão e os contornos dos municípios brasileiros para rapidamente concluir que não há relação necessária entre os limites municipais e os fenômenos meteorológicos. Há municípios que, de tão extensos, apresentam variações climáticas dramáticas dentro de suas fronteiras. Nesses casos, é comum que muitos agricultores com grandes perdas não recebam qualquer indenização, se outras regiões do município tiverem perdas menores. Por que é que o município tem que ser tomado como unidade de referência nesse caso? Porque há um aparato burocrático municipal para gerir o programa, e não há níveis burocráticos oficiais em escala menor. Ou seja, o sistema é burro mesmo que ninguém o seja, e quem sofre as consequências são os agricultores.

De forma correlata, índices nacionais ou estaduais de desemprego, crescimento do PIB e do PIB per capita, são unidades de referência centrais das políticas públicas atuais, ainda que sejam médias que não levem em consideração as situações extremas onde efetivamente existe vulnerabilidade socioeconômica. É como se o ditado que diz que “a corda sempre se parte no lado mais fraco” fosse sistematicamente ignorado. A vulnerabilidade de qualquer sistema – uma máquina, por exemplo – é definida pelo seu componente mais frágil. Qualquer engenheiro sabe disso; na verdade, a ideia é tão óbvia que qualquer um sabe disso. É ai que entra a burocracia: . Nesse contexto, não importa muito o que as pessoas sabem ou não: elas não serão capazes de identificar como a burocracia produz inconsistências e violência estrutural, a menos que sejam diretamente afetadas. Dessa forma, cidades como Camden ficam sistematicamente fora do radar, camufladas por estatísticas de âmbito estadual ou nacional.

Isso tudo está relacionado a outra notícia veiculada nos jornais na semana passada: a posição do Brasil nos debates na ONU sobre a regulação do comércio mundial de armas. Apesar das evidências de que as armas fabricadas no Brasil foram e continuam sendo vendidas a governos com histórico de violação dos direitos humanos, o Brasil se colocou frontalmente contra a regulação e criação de mecanismos que deem transparência a esse mercado. A justificativa, como não poderia deixar de ser, é burocrática: a disseminação de informações sobre capacidade bélica “poderia expor os recursos e a capacidade dos países […] de sustentar um conflito prolongado”. Colocar isso como argumento que tem precedência sobre a necessidade de proteger os direitos humanos é um escândalo. Por trás dessa desculpa esfarrapada, está a intenção de proteger a lucrativa indústria bélica brasileira. O que faz a história toda mais indigesta é o fato da Dilma ter sido vítima de tortura, durante o período em que o Brasil era dirigido pela burocracia militar. Como pode a mesma presidente que criou aComissão da Verdade ser conivente com uma indústria e um mercado manchados de sangue?

Esse episódio mostra que, em termos éticos, há menos diferença entre Estados Unidos e Brasil do que os brasileiros gostam de acreditar. Para proteger o capitalismo – já não mais num campo de luta ideológica, como à época da guerra fria, mas na forma de interesses privados reais e específicos de empresas norte-americanas -, os Estados Unidos passam a ser um perigo não apenas para nações vulneráveis não-alinhadas, mas a si mesmo, como revela a epidemia de suicídios entre militares. Da mesma forma, e pelas mesmas razões – ou seja, na caminhada rumo à sua consolidação como poder imperialista – o Brasil se preocupa com seus mortos políticos, e estrategicamente finge não ver que, para a engorda do seu PIB e para a prosperidade de sua indústria bélica, uma imensa quantidade de vidas – na África, no Oriente Média, no sul do Pará e nos morros cariocas –  é sacrificada.

Renzo Taddei é professor da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É doutor em antropologia pela Universidade de Columbia, em Nova York. Dedica-se aos estudos sociais da ciência e tecnologia.