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>O custo de Belo Monte (JC, O Globo)

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JC e-mail 4240, de 18 de Abril de 2011.

Artigo de Felício Pontes Jr* no jornal O Globo nesta segunda-feira (18).

A tecnologia para exploração da energia solar sempre foi apresentada como de alto custo, bastante superior aos de outras fontes de energia. Por isso, um país como o Brasil, privilegiado pela alta incidência de insolação em seu território, deixou de investir na
tecnologia solar em favor de outras fontes, principalmente a hídrica, responsável hoje pela geração de mais de 70% da energia no País. No entanto, esse argumento, o dos altos custos, não se justifica mais.

Nos Estados Unidos, dois projetos desenvolvidos na Califórnia de aproveitamento da energia térmica utilizando espelhos para a concentração de calor, Ivanpah e Blythe, provam que os custos dessa tecnologia já são bastante menores. O projeto Ivanpah, da empresa Brightsource, dobra a produção de energia solar no país. É prevista a geração de 370 MW de energia firme. São três usinas que, no total, terão um custo de R$ 3,4 bilhões. Já o projeto Blythe, das empresas Chevron e Solar Millennium, pretende produzir 960 MW ao custo de R$ 9,6 bilhões.

Se multiplicássemos o custo para geração de um megawatt nesses dois projetos de matriz solar por 4 mil megawatts médios – a quantidade, sendo otimista, de geração de energia prevista no projeto hidrelétrico de Belo Monte – teríamos um total de R$ 38 bilhões, no caso de Ivanpah, e de R$ 36,7 bilhões, se utilizarmos os valores relativos a Blythe.

Na primeira ação judicial contra Belo Monte, proposta em 2001, o governo dizia que a usina custaria R$ 10,4 bilhões. Ao pedir empréstimo ao BNDES, em 2011, o consórcio de empresas para fazer Belo Monte solicitou R$ 25 bilhões, o que representaria em torno de 80% dos custos. Logo, o custo oficial seria de R$ 31,2 bilhões. Nesse custo não estão previstos o valor do desmatamento que pode atingir 5,3 mil km² de floresta (segundo o próprio consórcio), o valor de 100 km de leito do Xingu que praticamente ficará seco, a indenização a povos indígenas e ribeirinhos localizados nesse trecho, todos os bairros de Altamira que estão abaixo da cota 100 e, portanto, serão inundados… só para mostrar alguns exemplos.

Os custos finais de Belo Monte ainda são incertos, graças ao descumprimento das leis do licenciamento ambiental em vários momentos. Conforme apontou o relatório de análise de riscos feito por especialistas e intitulado “Megaprojeto, Megarriscos”, Belo Monte tem elevados riscos associados a incertezas sobre a estrutura de custos de construção do empreendimento, referentes a fatores geológicos e topológicos, de engenharia e de instabilidade em valores de mercado. Tem elevados riscos financeiros relacionados à capacidade de geração de energia elétrica, que é muito inferior à capacidade instalada. E tem riscos associados à capacidade do empreendedor de atender obrigações legais de investir em ações de mitigação e compensação de impactos sociais e ambientais do empreendimento.

Assim, computando-se todos os custos socioambientais que normalmente estão fora do orçamento das hidrelétricas na Amazônia (vide Tucuruí, Jirau, Santo Antônio e Balbina) e mais os incertos custos da própria obra (como escavações), pode-se afirmar que o valor da energia solar já é competitivo com o de Belo Monte. Se não fosse, algumas das maiores empresas do mundo não estariam nessa área. O Grupo EBX investe na primeira usina solar comercial do País, no Ceará, a MPX Solar, com 4,4 mil painéis fotovoltaicos e capacidade de abastecer 1.500 residências. E a Google investe US$ 168 milhões no projeto Ivanpah.

Mas, enquanto países de clima temperado e com territórios muito menores, como a Alemanha e a Espanha, produzem mais energia a partir do sol do que o Brasil, aqui o governo prefere impor um modelo ultrapassado. E que agora não tem mais a vantagem de ser mais barato.

Em Belo Monte, senhores investidores, tenham certeza de que todos esses custos socioambientais serão cobrados se a barragem vier a ser construída.

*Procurador da República no Pará.
(O Globo)

>New documentary recounts bizarre climate changes seen by Inuit elders (Globe and Mail)

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Movies
By GUY DIXON
Globe and Mail – Tuesday, Oct. 19, 2010

Imagine how this feels: The land and weather are turning erratic and dangerous. Warmer, unpredictable winds are coming from strange directions. Severe floods threaten to wash away towns. And native animals, the food supply, aren’t behaving as they used to, their bodies less capable in the changing climate.

Even stranger is the fact that the sun now appears to set many kilometres off its usual point on the horizon, and the stars are no longer where they should be. Is the Earth shifting on its axis, causing the very look of the sun and stars to change?

These are the drastic conditions Northern Canadians, whose lives depend from childhood on their knowledge of the most minute details of the Arctic land and skies, say they see all around them. These observations by Inuit elders are detailed in a groundbreaking new documentary, Inuit Knowledge and Climate Change, by acclaimed Nunavut filmmaker Zacharias Kunuk (The Fast Runner, The Journals of Knud Rasmussen) and environmental scientist Ian Mauro.

The documentary – screening at Toronto’s imagineNATIVE film and media arts festival this weekend and streaming live at isuma.tv – is the first to ask Inuit elders to describe the severe environmental changes in the Arctic they are seeing and to do so in their own language. The tone of the film is intimate. The elders aren’t trying to cross a language barrier, or even speak to the Southern scientific community. They’re simply imparting their expert knowledge and wisdom – and the result will undoubtedly cause controversy.

“Over the years, nobody has ever listened to these people. Every time [the discussion is] about global warming, about the Arctic warming, it’s scientists that go up there and do their work. And policy makers depend on these findings. Nobody ever really understands the people up there,” Kunuk says.

It quickly becomes clear that the film, which blends scenes of Inuit life with elders sharing their insights, is an invaluable document. The elders describe in precise detail how seal, for instance, a staple in their diet, are behaving troublingly due to the thinning ice, how warmer winds are changing the snow and ice banks, making overland navigation difficult, and how major floods are hitting communities.

Yet the elders talk about all this without anger, only a tinge of sadness. Kunuk says this is an Inuit characteristic, based on the belief that the world is forever changing, whether at the hand of man or through natural cycles. “We know for a fact that way up in the high Arctic, there are mummified tree trunks [showing that the Earth’s climate was once totally different]. Also, when Inuit hunters talk about animals, they always talk about cycles, everything goes in cycles. We just have to adapt to it.”

However, the faintest trace of anger does arise when the elders talk about polar bears. Contrary to what conservationists and scientists say, the elders interviewed in the film believe the polar-bear population is increasing. They say more bears finding their way into communities, and the animals are being traumatized by scientists, who are putting radio collars around the bears’ necks and doing other research that disturbs their natural life, usually spent in almost total isolation and silence.

Most startling for the filmmakers, though, was the Inuits’ belief that along with pollution and environmental changes, caused mainly by Southerners, the Earth has actually changed its tilt. The filmmakers kept hearing this theory in different communities. Perplexed, they contacted the U.S. National Aeronautics and Space Administration for answers, but experts said this was impossible.

When the filmmakers presented some of their findings at the Copenhagen conference on climate change last year, the media picked up on these views of the Inuit subjects, film co-director Ian Mauro says, and alarm bells started to ring in the scientific community. “We had a litany of scientists come back to us, responding after seeing this news, saying, ‘This was great to be speaking to indigenous people about their views, but if you continue to perpetuate this fallacy that the Earth had tilted on its axis, [the Inuit] …. would lose all credibility.’ And so there was really this backlash by the scientific community.”

Still, the Inuit insist they see changes in the sun’s course and the position of the stars in the night sky. “These elders, when they were growing up, they were told to go out every morning, before having anything to eat. They were told to go out at the age of 5 every morning to observe the weather,” Kunuk says. “So when they started talking about the sun and the sunset, I was puzzled too. Everywhere I went, each community, I was getting the same answer: The sun does not settle where it used to. I mean, it [causes] alarm.”

The scientific explanation is that the warming Arctic air is causing temperature inversions, which in turn cause the light of the sunset to refract so that the sun appears to be setting a few kilometres off-kilter. “There is so much garbage in the air, it’s refraction that’s causing our elders to think our world has tilted,” Kunuk says.

But the filmmakers don’t include that scientific explanation in the film, nor any other comments from the scientific community. Instead, the film deals strictly with the elders’ observations and their belief that they have no control over climate change and they simply have to adapt.

“We have to. We have no choice,” Kunuk says, repeating the elders’ quiet words.

Inuit Knowledge and Climate Change plays Toronto’s Al Green Theatre, 750 Spadina Ave., Saturday at 7 p.m., as part of the imagineNATIVE film and media arts festival. The film will be simultaneously streamed on http://www.isuma.tv.

>Navajos Hope to Shift From Coal to Wind and Sun (N.Y. Times)

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October 25, 2010
By MIREYA NAVARRO

BLUE GAP, Ariz. — For decades, coal has been an economic lifeline for the Navajos, even as mining and power plant emissions dulled the blue skies and sullied the waters of their sprawling reservation.

But today there are stirrings of rebellion. Seeking to reverse years of environmental degradation and return to their traditional values, many Navajos are calling for a future built instead on solar farms, ecotourism and microbusinesses.

“At some point we have to wean ourselves,” Earl Tulley, a Navajo housing official, said of coal as he sat on the dirt floor of his family’s hogan, a traditional circular dwelling.

Mr. Tulley, who is running for vice president of the Navajo Nation in the Nov. 2 election, represents a growing movement among Navajos that embraces environmental healing and greater reliance on the sun and wind, abundant resources on a 17 million-acre reservation spanning Arizona, New Mexico and Utah.

“We need to look at the bigger picture of sustainable development,” said Mr. Tulley, the first environmentalist to run on a Navajo presidential ticket.

With nearly 300,000 members, the Navajo Nation is the country’s largest tribe, according to Census Bureau estimates, and it has the biggest reservation. Coal mines and coal-fired power plants on the reservation and on lands shared with the Hopi provide about 1,500 jobs and more than a third of the tribe’s annual operating budget, the largest source of revenue after government grants and taxes.

At the grass-roots level, the internal movement advocating a retreat from coal is both a reaction to the environmental damage and the health consequences of mining — water loss and contamination, smog and soot pollution — and a reconsideration of centuries-old tenets.

In Navajo culture, some spiritual guides say, digging up the earth to retrieve resources like coal and uranium (which the reservation also produced until health issues led to a ban in 2005) is tantamount to cutting skin and represents a betrayal of a duty to protect the land.

“As medicine people, we don’t extract resources,” said Anthony Lee Sr., president of the Diné Hataalii Association, a group of about 100 healers known as medicine men and women.

But the shift is also prompted by economic realities. Tribal leaders say the Navajo Nation’s income from coal has dwindled 15 percent to 20 percent in recent years as federal and state pollution regulations have imposed costly restrictions and lessened the demand for mining.

Two coal mines on the reservation have shut down in the last five years. One of them, the Black Mesa mine, ceased operations because the owners of the power plant it fed in Laughlin, Nev., chose to close the plant in 2005 rather than spend $1.2 billion on retrofitting it to meet pollution controls required by the Environmental Protection Agency.

Early this month, the E.P.A. signaled that it would require an Arizona utility to install $717 million in emission controls at another site on the reservation, the Four Corners Power Plant in New Mexico, describing it as the highest emitter of nitrous oxide of any power plant in the nation. It is also weighing costly new rules for the Navajo Generating Station in Arizona.

And states that rely on Navajo coal, like California, are increasingly imposing greenhouse gas emissions standards and requiring renewable energy purchases, banning or restricting the use of coal for electricity.

So even as they seek higher royalties and new markets for their vast coal reserves, tribal officials say they are working to draft the tribe’s first comprehensive energy policy and are gradually turning to casinos, renewable energy projects and other sources for income.

This year the tribal government approved a wind farm to be built west of Flagstaff, Ariz., to power up to 20,000 homes in the region. Last year, the tribal legislative council also created a Navajo Green Economy Commission to promote environmentally friendly jobs and businesses.

“We need to create our own businesses and control our destiny,” said Ben Shelly, the Navajo Nation vice president, who is now running for president against Lynda Lovejoy, a state senator in New Mexico and Mr. Tulley’s running mate.

That message is gaining traction among Navajos who have reaped few benefits from coal or who feel that their health has suffered because of it.

Curtis Yazzie, 43, for example, lives in northeastern Arizona without running water or electricity in a log cabin just a stone’s throw from the Kayenta mine.

Tribal officials, who say some families live so remotely that it would cost too much to run power lines to their homes, have begun bringing hybrid solar and wind power to some of the estimated 18,000 homes on the reservation without electricity. But Mr. Yazzie says that air and water pollution, not electricity, are his first concerns.

“Quite a few of my relatives have made a good living working for the coal mine, but a lot of them are beginning to have health problems,” he said. “I don’t know how it’s going to affect me.”

One of those relatives is Daniel Benally, 73, who says he lives with shortness of breath after working for the Black Mesa mine in the same area for 35 years as a heavy equipment operator. Coal provided for his family, including 15 children from two marriages, but he said he now believed that the job was not worth the health and environmental problems.

“There’s no equity between benefit and damage,” he said in Navajo through a translator.

About 600 mine, pipeline and power plant jobs were affected when the Mohave Generating Station in Nevada and Peabody’s Black Mesa mine shut down.

But that also meant that Peabody stopped drawing water from the local aquifer for the coal slurry carried by an underground pipeline to the power plant — a victory for Navajo and national environmental groups active in the area, like the Sierra Club.

Studies have shown serious declines in the water levels of the Navajo aquifer after decades of massive pumping for coal slurry operations. And the E.P.A. has singled out the Four Corners Power Plant and the Navajo Generating Station as two of the largest air polluters in the country, affecting visibility in 27 of the area’s “most pristine and precious natural areas,” including the Grand Canyon.

The regional E.P.A. director, Jared Blumenfeld, said the plants were the nation’s No. 1 and No. 4 emitters of nitrogen oxides, which form fine particulates resulting in cases of asthma attacks, bronchitis, heart attacks and premature deaths.

Environmentalists are now advocating for a more diversified Navajo economy and trying to push power plants to invest in wind and solar projects.

“It’s a new day for the Navajo people,” said Lori Goodman, an official with Diné Citizens Against Ruining Our Environment, a group founded 22 years ago by Mr. Tulley. “We can’t be trashing the land anymore.”

Both presidential candidates in the Navajo election have made the pursuit of cleaner energy a campaign theme, but significant hurdles remain, including that Indian tribes, as sovereign entities, are not eligible for tax credits that help finance renewable energy projects elsewhere.

And replacing coal revenue would not be easy. The mining jobs that remain, which pay union wages, are still precious on a reservation where unemployment is estimated at 50 percent to 60 percent.

“Mining on Black Mesa,” Peabody officials said in a statement, “has generated $12 billion in direct and implied economic benefits over the past 40 years, created thousands of jobs, sent thousands of students to college and restored lands to a condition that is as much as 20 times more productive than native range.”

They added, “Renewables won’t come close to matching the scale of these benefits.”

But many Navajos see the waning of coal as inevitable and are already looking ahead. Some residents and communities are joining together or pairing with outside companies to pursue small-scale renewable energy projects on their own.

Wahleah Johns, a member of the new Navajo Green Economy Commission, is studying the feasibility of a small solar project on reclaimed mining lands with two associates. In the meantime, she uses solar panels as a consciousness-raising tool.

“How can we utilize reclamation lands?” she said to Mr. Yazzie during a recent visit as they held their young daughters in his living room. “Maybe we can use them for solar panels to generate electricity for Los Angeles, to transform something that’s been devastating for our land and water into something that can generate revenue for your family, for your kids.”
Mr. Yazzie, who lives with his wife, three children and two brothers, said he liked the idea. “Once Peabody takes all the coal out, it’ll be gone,” he said. “Solar would be long-term. Solar and wind, we don’t have a problem with. It’s pretty windy out here.”

>Guarani é oficializado como segunda língua em município do Mato Grosso do Sul

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Culturas Indígenas

Heli Espíndola
Comunicação – Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura

O guarani é a segunda língua oficial do município de Tacuru, no Mato Grosso do Sul. O município é o segundo do país a adotar um idioma indígena como língua oficial, depois da sanção, pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 24 de maio, do Projeto de lei que oficializa a língua guarani em Tacuru. Com a nova lei, os serviços públicos básicos na área de saúde e as campanhas de prevenção de doenças neste município devem, a partir de agora, prestar informações em guarani e em português.

O primeiro município do Brasil a adotar idioma indígena como língua oficial, além do português, foi São Gabriel da Cachoeira, localizado no extremo norte do Amazonas. Além do português, São Gabriel tem três línguas indígenas oficiais: o Nheengatu, o Tukano e o Baniwa.

Em Tacuru, pequeno município no cone sul do estado do Mato Grosso do Sul, próximo ao Paraguai formado por uma população de 9.554 habitantes, segundo estimativa do IBGE de 2009, 30% de seus habitantes são guarani residentes na aldeia de Jaguapiré, situada no município. A maioria dos 3.245 indígenas de Tacuru não é bilíngue, ou seja, fala somente o Guarani o que dificulta o acesso aos serviços públicos mais essenciais.

Com a nova lei, a Prefeitura de Tacuru se compromete a apoiar e a incentivar o ensino da língua guarani nas escolas e nos meios de comunicação do município. A lei estabelece também que nenhuma pessoa poderá ser discriminada em razão da língua oficial falada, devendo ser respeitada e valorizada as variedades da língua guarani, como o kaiowá, o ñandeva e o mbya.

O Ministério Público Federal do Mato Grosso do Sul (MPF-MS) elogiou a aprovação da medida e argumentou que o Brasil é multiétnico e que o português não pode ser considerado a única língua utilizada no país. O MPF lembrou que o Brasil é signatário do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, que determina que, nos Estados onde haja minorias étnicas ou linguísticas, pessoas pertencentes a esses grupos não poderão ser privadas de usar sua própria língua.

A Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre os Povos Indígenas e Tribais determina, dentre outras coisas, que deverão ser adotadas medidas para garantir que os membros das minorias étnicas possam compreender e se fazer compreender em procedimentos legais, facilitando para eles, se for necessário, intérpretes ou outros meios eficazes.

Em Paranhos, também no Mato Grosso do Sul, tramita um projeto de lei semelhante ao aprovado em Tacuru, que propõe a oficialização do idioma guarani como segunda língua do município. Em Paranhos existem 4.250 indígenas guarani. Em todo o estado do Mato Grosso do Sul são 68.824 indígenas, divididos em 75 aldeias.

Para o secretário da Identidade e Diversidade Cultural/MinC, Américo Córdula, a oficialização da língua guarani em mais um município brasileiro vai de encontro à política cultural desenvolvida pelo Ministério da Cultura de proteção e proteção dos saberes tradicionais dos povos indígenas.

No mês de fevereiro (de 2 a 5), a SID/MinC realizou, juntamente com a Itaipu Binacional, o Encontro dos Povos Guarani da América do Sul – Aty Guasu Ñande Reko Resakã Yvy Rupa que reuniu cerca de 800 índios da etnia do Brasil, Bolívia, Paraguai e Argentina, em Diamante D”Oeste, no Paraná, para discutir formas de fortalecer o intercâmbio cultural entre as comunidades dos quatro países.

“Temos no Brasil uma comunidade de aproximadamente um milhão de indígenas, formada por 270 povos diferentes, falantes de mais de 180 línguas”, informa Córdula. Segundo ele, a população indígena brasileira é detentora de uma grande diversidade cultural, que deve ser protegida por seu caráter formador da nacionalidade brasileira. Com esse objetivo, a SID/MinC já realizou dois prêmios culturais (2006 e 2007) voltados para as comunidades tradicionais indígenas. Foram investidos R$ 3,6 milhões para a premiação de 182 projetos em todo o Brasil.

Este ano, no mês de março, foi criado o primeiro Colegiado de Culturas Indígenas, formado por 15 titulares e 15 suplentes representantes do segmento. No último dia 1º, foi eleito o conselheiro do Colegiado para o Plenário do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC).

Maria das Dores do Prado, da etnia Pankararu, foi escolhida para defender, junto ao CNPC, as políticas públicas voltadas para a valorização da cultura de todas as comunidades indígenas brasileiras. Um das reivindicações defendidas pelo segmento durante a Conferência Nacional de Cultural, realizada em março, quando se deu a eleição do Colegiado, é a manutenção de todas as línguas nativas.

>Marcelo Leite: Águas turvas (FSP)

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“Preconceitos, estridência, falácias, invenções e estatísticas, aliás, transformam todo o debate público numa bacia amazônica de turbidez. Não é privilégio da questão indígena. Tome a usina hidrelétrica de Belo Monte. Ou o tema explosivo da disponibilidade de terras para o agronegócio”

Marcelo Leite
Folha de S.Paulo, 09/05/2010 – reproduzido no Jornal de Ciência (JC e-mail 4006)

Por uma dessas coincidências sintomáticas que a época produz, duas frases que abrem a reportagem de capa da presente edição do caderno Mais! – “No Brasil todo mundo é índio, exceto quem não é” e “Só é índio quem se garante” – estão no centro de um bate-boca entre seu autor, o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, e a revista “Veja”.

A abertura foi escrita antes do quiproquó, mas pouco importa. Se ela e todo o texto sobre educação indígena forem recebidos como tomada de posição, tanto melhor.

De qualquer maneira, é instrutivo ler a reportagem da revista que deu origem a tudo, assim como as réplicas e tréplicas que se seguiram. Permite vislumbrar a profundidade dos preconceitos anti-indígenas e da estridência jornalística que turvam essa vertente de discussão no país.

Preconceitos, estridência, falácias, invenções e estatísticas, aliás, transformam todo o debate público numa bacia amazônica de turbidez. Não é privilégio da questão indígena. Tome a usina hidrelétrica de Belo Monte. Ou o tema explosivo da disponibilidade de terras para o agronegócio, epicentro da indigitada reportagem da revista “Veja”.

“Áreas de preservação ecológica, reservas indígenas e supostos antigos quilombos abarcam, hoje, 77,6% da extensão do Brasil”, afirmam seus autores, sem citar a fonte. “Se a conta incluir também os assentamentos de reforma agrária, as cidades, os portos, as estradas e outras obras de infraestrutura, o total alcança 90,6% do território nacional.”

É provável que a origem omitida seja o estudo “Alcance Territorial da Legislação Ambiental e Indigenista”, encomendado à Embrapa Monitoramento por Satélite pela Presidência da República e encampado pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA, leia-se senadora Kátia Abreu, DEM-TO). Seu coordenador foi o então chefe da unidade da Embrapa, Evaristo Eduardo de Miranda. A estimativa terminou bombardeada por vários especialistas, inclusive do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Nesta semana veio à luz, graças às repórteres Afra Balazina e Andrea Vialli, mais um levantamento que contradiz a projeção alarmante. O novo estudo foi realizado por Gerd Sparovek, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP), em colaboração com a Universidade de Chalmers (Suécia).

Para Miranda, se toda a legislação ambiental, fundiária e indigenista fosse cumprida à risca, faltariam 334 mil km2 – 4% do território do Brasil – para satisfazer todas as suas exigências. O valor dá quase um Mato Grosso do Sul de deficit.

Para Sparovek, mesmo que houvesse completa obediência ao Código Florestal ora sob bombardeio de ruralistas, sobraria ainda 1 milhão de km2, além de 600 mil km2 de pastagens poucos produtivas usadas para pecuária extensiva (um boi por hectare). Dá 4,5 Mato Grosso do Sul de superavit.

A disparidade abissal entre as cifras deveria bastar para ensopar as barbas de quem acredita em neutralidade científica, ou a reivindica. Premissas, interpretações da lei e fontes de dados diversas decerto explicam o hiato.

Mas quem as examina a fundo, entrando no mérito e extraindo conclusões úteis para o esclarecimento do público e a tomada de decisão? Faltam pessoas e instituições, no Brasil, com autoridade para decantar espuma e detritos, clarificando as águas para que se possa enxergar o fundo. De blogueiros e bucaneiros já estamos cheios.

>SBPC: o jornalismo irresponsável da revista Veja

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Em nota, SBPC repudia reportagem de ‘Veja’

Jornal da Ciência – JC e-mail 4007, de 11 de Maio de 2010

Reportagem trata da demarcação de terras indígenas e é acusada de distorcer informações

Intitulada “A farra da antropologia oportunista”, a reportagem foi publicada na edição de 5 de maio da revista semanal. O texto já havia sido objeto de nota da Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Leia a nota da ABA em http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=70689.

No domingo, a coluna do jornalista Marcelo Leite, no caderno “Mais!”, da “Folha de SP”, também tratou da polêmica reportagem e da reação de membros da comunidade científica da antropologia. Leia a coluna em http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=70771

A reportagem da “Veja” pode ser lida no acervo digital da revista, em http://www.veja.com.br/acervodigital/home.aspx

Leia abaixo a íntegra da nota da SBPC:

“A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) vem a público hipotecar inteira solidariedade a sua filiada, a Associação Brasileira de Antropologia (ABA), que em notas de sua diretoria e da Comissão de Assuntos Indígenas repudiou cabalmente matéria publicada pela revista ‘Veja’ em sua edição de 5 de maio do corrente, intitulada “Farra da Antropologia Oportunista”.

Registra, também, que a referida matéria vem sendo objeto de repulsa por parte de cientistas e pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, os quais inclusive registram precedentes de jornalismo irresponsável por parte da referida revista, caracterizando assim um movimento de indignação que alcança o conjunto da comunidade científica nacional.

Por outro lado, a maneira pela qual foram inventadas declarações, o tratamento irônico e preconceituoso no que diz respeito às populações indígenas e quilombolas e a utilização de dados inverídicos evidenciam o exercício de um jornalismo irresponsável, incitam atitudes preconceituosas, revelam uma falta total de consideração pelos profissionais antropólogos – cuja atuação muito honra o conjunto da comunidade científica brasileira – e mostram profundo e inconcebível desrespeito pelas coletividades subalternizadas e o direito de buscarem os seus próprios caminhos.

Tudo isso indo em direção contrária ao fortalecimento da democracia e da justiça social entre nós e à constituição de uma sociedade que verdadeiramente se nutra e se orgulhe da sua diversidade cultural.

Adicionalmente, a SBPC declara-se pronta a acompanhar a ABA nas medidas que julgar apropriadas no campo jurídico e a levar o seu repúdio ao âmbito da 4ª. Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, que se realizará no final deste mês de maio em Brasília.”

>"A ciência não é um deus que sabe tudo", diz líder ianomâmi (FSP)

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Folha de S.Paulo, da Redação
12/05/2010 – 09h24

O líder ianomâmi Davi Kopenawa disse estar “muito contente” com a notícia de que as mais de 2.000 amostras de sangue de seu povo, que desde 1967 repousam em centros de pesquisa dos Estados Unidos, serão devolvidas à tribo. Conforme a Folha adiantou no último domingo, há um acordo sendo finalizado entre cinco universidades e o governo brasileiro para a devolução, que ainda não tem data.

Da Alemanha, onde está para assistir a uma ópera que tem seu povo como protagonista, o líder indígena respondeu por e-mail, por intermédio do antropólogo Bruce Albert, a perguntas feitas pela reportagem. (CA)

Folha – Como o sr. recebeu a notícia de que as universidades aceitaram devolver o sangue?

Davi Kopenawa Yanomami – Foi uma luta de dez anos. Agora, fiquei muito contente que os brancos acabaram entendendo a importância desse retorno.

Folha – O sangue foi coletado nos anos 1960, mas só nesta última década os ianomâmis começaram a se esforçar para tê-lo de volta. Por quê?

Kopenawa – O sangue foi tirado do nosso povo quando eu era menino. Os cientistas não explicaram nada direito. Só deram presentes, panelas, facas, anzóis e falaram que era para coisa de saúde. Depois todo mundo esqueceu. Ninguém pensou que o sangue seria guardado nas geladeiras deles, como se fosse comida! Só em 2000 que eu soube que esse sangue estava ainda guardado e sendo usado para pesquisa. Aí me lembrei da minha infância, e os velhos também se lembraram de que nosso sangue foi tirado. Todo mundo ficou muito triste de saber que esse sangue nosso e de nossos parentes mortos ainda estava guardado.

Folha – Napoleon Chagnon e James Neel agiram errado com vocês?

Kopenawa – Eu acho que estavam muito errados, porque eles pensaram que os ianomâmis podem ser tratados como crianças e não têm pensamento próprio. Não dá para fazer pesquisa com povos indígenas sem explicação. Pesquisa que interessa à gente é para melhorar nossa saúde. Não dá para pesquisar e deixar a gente depois morrer de doenças. Um tempo depois que esses cientistas foram embora, em 1967, morreu quase todo o meu povo do Toototobi de sarampo.

Folha – Por que o sangue será jogado no rio quando ele voltar?

Kopenawa – Vamos entregar esse sangue do povo ianomâmi ao rio porque o nosso criador, Omama, pescou sua mulher, nossa mãe, no rio no primeiro tempo. Mas não gosto da palavra “jogar”, não vamos jogar o sangue dos nossos antigos; vamos devolver para as águas.

Folha – Os cientistas dizem que, sem poderem estudar o sangue e o DNA de vocês, informações que podem ser preciosas para toda a humanidade se perderão para sempre. Como o sr. reage a essa crítica?

Kopenawa – A ciência não é um deus que sabe tudo para todos os povos. Se querem pesquisar o sangue do povo deles, eles podem. Quem decide se pesquisas são boas para nosso povo somos nós, ianomâmis.

>UnB forma primeira aluna indígena

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UNB Agência de Notícias, 24/03/2010

Maria Amazonir, da etnia Fulni-ô, é a primeira aluna indígena a graduar-se na UnB. Ela recebeu o diploma de bacharel em Comunicação Social na última quarta feira, dia 17 de março. Amazonir está entre os 60 estudantes indígenas que entraram na UnB desde que o convênio com a Funai foi firmado, em 2004. Como jornalista, Amazonir pretende mudar a forma como os indígenas são tratados pela mídia.

Maria Amazonir entrou na UnB no primeiro semestre de 2004, por meio de transferência facultativa. Segundo ela, já trabalhava com Comunicação em sua aldeia, de forma amadora, organizando eventos e palestras para as crianças sobre conscientização dos seus direitos, mas não pensava em ser jornalista. “Era o que eu gostava de fazer e queria me profissionalizar nesta área. Mas a palavra ’jornalista’ parecia grande demais para a minha realidade. Quando mencionava, era ridicularizada pelos outros”, conta Amazonir.

Mas Amazonir não desistiu do que queria. Conseguiu ajuda de uma colega, que pagou cursinho para ela. Passou em uma faculdade particular, conseguiu fazer a matrícula com dinheiro emprestado, mas logo saiu o convênio da Funai com a UnB e a estudante conseguiu a transferência facultativa.

A estudante escolheu Jornalismo porque percebeu que havia pouco espaço para os povos indígenas na mídia e acreditava que isso se devia à falta de profissionais na área. Agora que se formou, quer dar continuidade ao trabalho que começou com seu projeto de conclusão de curso, um programa para debater questões indígenas sob o ponto de vista do índio. “Não é justa a forma de como os meios de comunicação e principalmente a televisão tratam a imagem do índio. Não somos mais dependentes, somos capazes de desenvolver qualquer função social e/ou cultural que o não-índio desenvolve”, defende.

O coordenador acadêmico dos Alunos Indígenas, Paulo Câmara, comemora a formatura de Amazonir. “É chato quando ouvimos que os índios não devem estar aqui, que universidade é só para a elite intelectual. Por isso é muito bom ver a Amazonir se formar com bom rendimento”, enfatiza.

A decana de Ensino de Graduação, Márcia Abrahão, que estava na colação de grau da aluna, acredita que a formatura de Amazonir representa a vitória da diversidade. Segundo ela, a ambientação dos alunos indígenas e o choque de cultura são desafios que ainda precisam ser contornados. “Mesmo assim, sentimos que estamos contribuindo para o desenvolvimento do país e, por outro lado, estamos ganhando, aprendendo com a cultura desses estudantes”, explica.

A UnB tem hoje 60 alunos indígenas, que entram por meio de convênio firmado entre a Funai e a UnB. A universidade disponibiliza as vagas, e a Funai oferece bolsas de permanência, que variam entre R$ 150 e R$ 900. Em 2004, quando a parceria começou, os estudantes ingressavam por transferência facultativa. Desde 2005, a seleção é feita anualmente por vestibular específico, que ano passado teve 162 inscritos para preencher dez vagas nos cursos de Agronomia, Enfermagem e Obstetrícia, Engenharia Florestal, Medicina e Nutrição.

Dificuldade de entrosamento

Camila de Magalhães
Correio Braziliense, 24/06/2009

“Caí de paraquedas na universidade”, relata Amazonir. “Quando fui jogada aqui, era que nem cego em tiroteio, acho injusto fazerem isso”, reclama. A indígena diz que sofreu muito para acompanhar os textos dados em aula. E afirma que tinha vergonha de perguntar o que era resenha ou fichamento, para não parecer ignorante.

O que mais valeu a pena, na avaliação da jornalista, foi a base acadêmica adquirida no período. No entanto, a adaptação com os colegas foi o mais difícil. “A gente tem um sentimento de inferioridade, me sinto diferente”, comenta.

Quando andava sozinha, as pessoas não percebiam sua origem pela aparência, mas ao passear pelas ruas com o ex-marido e as filhas, ela diz que as pessoas tinham um olhar desconfiado, por conta dos fortes traços indígenas. Junto com a necessidade de dedicação ao curso, o preconceito foi um dos motivos para que o companheiro quisesse deixar Brasília e voltar para a aldeia.

Para Amazonir, seu sotaque também foi um empecilho na universidade. “Fazia de tudo para não falar porque eu abria a boca e as pessoas perguntavam de onde eu era”, observa. Durante os cinco anos de experiência acadêmica, a indigena conta que não fez amizades porque a diferença de idade atrapalhava (os alunos eram mais novos) e ela não se enquadrava no tipo de grupo que faz trabalho e vai para o barzinho. “Prefiro ficar de for a, é uma auto-defesa”.

>A proibição da língua brasileira

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JOSÉ DE SOUZA MARTINS

TENDÊNCIAS/DEBATES – Opinião – Folha de S.Paulo
São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

Matéria publicada na Ilustrada de 18 de junho dava conta de que uma nota da Anatel, de agosto de 2002, sobre um programa radiofônico da FM Educativa, de Campo Grande (MS), transmitido na língua nheengatu, levantava a questão da sua legalidade em face de uma lei de 1963 que proíbe veiculações radiofônicas em língua estrangeira. A dúvida da Anatel põe em questão a legalidade da língua ainda falada por brasileiros de várias regiões do país e em suas variantes residuais ainda falada por milhões de brasileiros, especialmente crianças e iletrados, que só aparentemente falam o português oficial dos decretos.

O nheengatu, também conhecido como “língua geral”, a língua que se quer proibir, é a verdadeira língua nacional brasileira. O nheengatu foi desenvolvido pelos jesuítas nos séculos 16 e 17, com base no vocabulário e na pronúncia tupi, que era a língua das tribos da costa, tendo como referência a gramática da língua portuguesa, enriquecida com palavras portuguesas e espanholas. A língua geral foi usada correntemente pelos brasileiros de origem ibérica, como língua de conversação cotidiana, até o século 18, quando foi proibida pelo rei de Portugal. Mesmo assim continuou sendo falada.

Da língua geral ficou como remanescente o dialeto caipira, tema de dicionário e objeto de estudos linguísticos até recentes. Sobraram pronúncias da língua tupi, reduções e adaptações da língua portuguesa. Um jesuíta, no século 16, já observara que os índios da costa tinham grande dificuldade para pronunciar letras como o “l” e o “r”. Especialmente na finalização de palavras como “quintal” e “animal”; ou verbos como “falar”, “dizer” e “fugir”. Essas letras foram simplesmente suprimidas e as palavras transformadas em “quintá”, “animá”, “falá”, “dizê”, “fugi”.

Dificuldades também havia para pronunciar as consoantes dobradas. Daí que, no dialeto caipira, “orelha” tenha se tornado “orêia” (uma consoante em vez de três; quatro vogais em vez de três), “coalho” seja “coaio”, “colher” tenha virado “cuié”, “os olhos” sejam “o zóio”… E no Nordeste ainda se ouve a suave “fulô” no lugar da menos suave “flor”. Uma abundância de vogais em detrimento das consoantes, até mesmo com a introdução de vogais onde não existiam. Exatamente o contrário da evolução da sonoridade da língua em Portugal, em que predominam os ásperos sons das consoantes. No Brasil, a língua portuguesa ficou mais doce e mais lenta, mais descansada, justamente pela enorme influência das sonoridades da língua geral, o nheengatu.

Somos um povo bilíngue, e o reconhecimento desse bilinguismo seria fundamental no trabalho dos educadores

Nossa língua cotidiana está algo distanciada da língua portuguesa, que é a oficial e, num certo sentido, é uma língua importada. Não raro viajamos entre toponímicos tupi. Na cidade de São Paulo, transito regularmente entre o Butantã e Carapicuíba e o Embu, aonde levo meus alunos, periodicamente, para uma aula de rua. Ou os levo ao Museu Paulista, no Ipiranga, para outra aula, ou à Moóca, para observações etnográficas sobre uma festa italiana. Faço tudo isso dentro da língua tupi. Como posso ir do rio Guaíba à Paraíba ou ao Pará ou ao Piauí sem achar que estou falando uma língua estrangeira, que ela não é.

Em escolas rurais de povoados do Mato Grosso, do Pará e do Maranhão, observei um fato curioso. Uma vez que as crianças escrevem como falam, não é raro que acrescentem de preferência um “r” às palavras oxítonas, a letra usada como acento agudo: “ater”, em vez de “até”; “Joser”, em vez de “José”. Algo que tem sua curiosa legitimidade no modo como se escrevia oficialmente o português até meados do século 19, letras fazendo as vezes de acentos e sinais. A própria língua falada, no confronto com a escrita, oferece às crianças inteligentes a chave de adaptação de uma à outra: se elas dizem “falá” e vêm que a palavra escrita é “falar”, logo entendem que o “r” é aí acento, e não letra para ser pronunciada.

É comovente a reação dos jovens quando descobrem que são falantes do que resta de uma língua que já foi a língua do povo brasileiro e que conhecem um grande número de sons e palavras tupi. O que lhes dizem ser erro e ignorância é, na verdade, história social, valorosa sobrevivência da nossa verdadeira língua brasileira. Se não fosse assim, seria impossível rir daquela história de dois mineiros que resolveram temperar a prosa com café. E foram para a cozinha. Água fervida, coador pronto, um pergunta para o outro: “Pó pô o pó?”. E o outro responde, firme: “Pó pô!”.

De fato, somos um povo bilíngue, e o reconhecimento desse bilinguismo seria fundamental no trabalho dos educadores, em particular para enriquecer a compreensão da língua portuguesa, última flor do Lácio, inculta e bela, mais bela ainda porque invadida por esse outro lado da nossa identidade social, que teimamos em desconhecer.

José de Souza Martins, 64, é professor titular do Departamento de Sociologia da USP.

>Índios recrutam líderes para tentar vitória inédita nas urnas em 2010

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Vannildo Mendes, BRASÍLIA
O Estado de São Paulo – Segunda-Feira, 05 de Outubro de 2009

Divididos em 220 etnias, falando 180 línguas, os índios brasileiros estão se organizando para aumentar a representação política nas eleições de 2010. Eles somam mais de 700 mil, dos quais 150 mil eleitores, e querem mais protagonismo nas decisões do País para defender as suas bandeiras sem depender unicamente da tutela da Fundação Nacional do Índio (Funai) ou das bênçãos de igrejas. A ideia é eleger ao menos cinco deputados federais no País e uma bancada forte nas Assembleias Legislativas de 19 Estados onde estão mais organizados.

As tribos e seus caciques estão recrutando em suas regiões os principais puxadores de votos, reconhecidos pela articulação e eloquência, que serão lançados para a Câmara. Já estão definidos os nomes de Almir Suruí, em Rondônia, Sandro Tuxa, na Bahia, e Júlio Macuxi, em Roraima. Este último teve atuação destacada na pressão pela demarcação da reserva Raposa Serra do Sol em área contínua, aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) este ano.

Os três devem sair pelo PV, partido preferencial dos indígenas. Podem, no entanto, optar por outro partido que ofereça melhores possibilidades de vitória, o que será avaliado com lupa pelos conselhos indígenas e pelas assembleias que serão realizadas nas diversas aldeias, entre este mês e março.

“Vou aguardar a decisão coletiva, antes de definir a melhor legenda, com chances reais de eleição”, disse Macuxi. Pragmático, o líder pediu a desfiliação do PT porque o partido já tem uma prioridade para a Câmara, a deputada Angela Portela, que disputará a reeleição em 2010.

Filiado ao PT do Distrito Federal, onde vive há oito anos como servidor da Funai, Álvaro Tukano, líder de uma etnia que habita as margens do alto Rio Negro, no Amazonas, deve buscar a confirmação do seu nome entre os candidatos da legenda. “Queremos eleger a maior bancada parlamentar de todos os tempos”, declarou.

O quinto puxador de voto deve sair das hostes do PDT, partido da preferência dos xavantes desde os tempos em que o deputado e cacique Mário Juruna, já falecido, cumpriu mandato parlamentar (1983-1987) como primeiro e único indígena eleito para o Congresso. Ele foi cooptado na época pelo líder trabalhista Leonel Brizola, também falecido. Desde esse fato, o PDT tem por praxe oferecer vagas para índios na legenda.

VEREADORES

Na última eleição municipal, os índios já deram uma primeira mostra do seu potencial nas urnas, elegendo seis prefeitos e mais de 90 vereadores em várias partes do País. Em São Gabriel da Cachoeira (AM), o prefeito, o vice e todos os vereadores são índios. Localizada em região conhecida como Cabeça do Cachorro, a cidade tem 95% da população de origem indígena.

Em Roraima, foram eleitos prefeitos indígenas em Uiramutã e Normandia, ambos da etnia macuxi. São João das Missões (MG), Marcação (PB) e Barreirinha (AM) também têm prefeitos índios. “É muito positiva essa presença no processo político para legitimar a democracia brasileira”, afirmou o presidente da Funai, Márcio Meira.

Em quatro Estados onde têm maior nível de organização, os índios já decidiram que vão lançar candidatos a deputado federal, além de nomes competitivos para a Assembleia Legislativa. São eles Roraima, Amazonas, Acre e Rondônia.

Em outros 18 Estados serão lançados candidatos a deputado estadual e, eventualmente, algum para federal. São eles: Pará, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Amapá, Paraíba, Goiás, Minas, Tocantins, Rio, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Distrito Federal.

SELEÇÃO

A escolha dos candidatos, de acordo com Macuxi, é feita democraticamente, em assembleias regionais. Em Roraima, haverá uma na segunda quinzena deste mês, para a apresentação dos candidatos e debate em torno das propostas. A segunda ocorrerá em março, para a confirmação dos escolhidos.

Para o líder, esse é um modo de escolha mais legítimo que as convenções partidárias. “São levadas em conta a liderança, a eloquência e a vida limpa do candidato”, explicou. “Aqui ninguém cai de paraquedas, não se compra legenda, nem se é escolhido pelo dono do partido.”

Após a peneira, os índios são pragmáticos na escolha do partido. O preferencial é o PV, principalmente após a adesão da senadora Marina Silva (AC), que disputará a Presidência. Dizem que a ex-ministra do Meio Ambiente dará visibilidade às questões ambientais e indígenas.

NÚMEROS

700 mil é a população atual de indígenas em todo o País

150 mil deles são eleitores

220 etnias existem hoje no Brasil, com um total de 180 línguas

5 prefeitos descendentes de índios foram eleitos em 2008

90 vereadores também indígenas foram aprovados nas urnas ano passado