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>Bacia hidrográfica poderá determinar gestão de recursos hídricos (Agência Câmara)

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Jornal da Ciência da SBPC – 28/02/2011

PL 29/11, que promove alterações na Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97, também conhecida como Lei das Águas), propõe descentralizar a gestão de acordo com a bacia hidrográfica.

O projeto do deputado Weliton Prado (PT-MG) é idêntico ao PL 3522/08, do ex-deputado José Fernando Aparecido de Oliveira (PV-MG), arquivado ao final da última legislatura. No Brasil, a duração da legislatura é de quatro anos.

O autor pretende tornar a gestão menos dependente das decisões e da atuação dos órgãos públicos e com maior participação da sociedade – usuários da água e/ou pessoas e instituições com interesse no setor.

Pelo projeto serão necessários planos estaduais de recursos hídricos para o acesso das unidades da Federação a recursos e avais da União destinados ao setor.

Prado explica que tal condição foi a solução encontrada para corrigir um problema: apesar de haver consenso geral sobre a necessidade desses planos estaduais, eles não são legalmente obrigatórios, tendo em vista que lei federal não pode impor tal obrigação a outros entes federados.

Aplicação dos recursos

De acordo com a proposta, a arrecadação pela cobrança do uso dos recursos hídricos será feita pelas agências de águas, atendendo a decisões e orientações dos correspondentes comitês de bacias hidrográficas.

Os valores arrecadados passam a ser aplicados exclusivamente na mesma bacia hidrográfica em que foram gerados, e não mais apenas prioritariamente, como estabelece a lei atual.

Segundo Prado, esta mudança visa reforçar a gestão participativa e também o sentido pedagógico da cobrança, ressaltando, para o usuário, “o valor da água utilizada e a necessidade de enfrentar o problema da sua escassez”.

Tramitação – O projeto terá análise conclusiva (Rito de tramitação pelo qual o projeto não precisa ser votado pelo Plenário, apenas pelas comissões designadas para analisá-lo). O projeto perderá esse caráter em duas situações: – se houver parecer divergente entre as comissões (rejeição por uma, aprovação por outra); – se, depois de aprovado ou rejeitado pelas comissões, houver recurso contra esse rito assinado por 51 deputados (10% do total). Nos dois casos, o projeto precisará ser votado pelo Plenário das comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável; de Minas e Energia; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Fonte: Agência Câmara.

>Juventude e violência: proximidade perigosa (FAPERJ)

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Por Vilma Homero – 10/06/2010

Atos violentos de jovens de classes populares costumam ter resposta mais dura da sociedade, como mostra o filme Justiça.

A crescente violência entre os jovens é um fenômeno tipicamente contemporâneo. Vivendo uma adolescência prolongada, sem reconhecimento da sociedade organizada em função de sua não inserção no mercado de trabalho, eles se entregam a várias formas de comportamento violento: provocam acidentes ao dirigir em alta velocidade, sem respeitar quem ou o que estiver pela frente, aderem ao tráfico de drogas, tornam-se membros de gangues, provocam brigas em boates. Diante disso, a sociedade brasileira tem encontrado apenas duas formas de lidar: pelo assistencialismo ou pela repressão. Para o pesquisador e psicanalista Joel Birman, é preciso pensar criticamente essa situação.

Para promover essa reflexão, ele coordena a rede de pesquisas Juventude, Subjetivação e Violência/ou EPOS, sediada no Instituto de Medicina Social, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em que, com apoio do edital Pensa Rio – Apoio ao Estudo de Temas Relevantes e Estratégicos Para o Estado do Rio de Janeiro, da FAPERJ, especialistas de diferentes formações analisam a questão. “A violência hoje está intimamente associada à juventude. Um comportamento que até um tempo atrás era cativo das camadas populares, hoje se dissemina igualmente nas classes médias. Mas é preciso sair dessa concepção unicamente assistencialista ou repressiva e encontrar outras alternativas”, diz.

Nesse sentido, a rede, que reúne psicanalistas, psicólogos, sociólogos, criminologistas, juristas e comunicólogos, vem refletindo sobre a questão em diversos trabalhos. Já foram promovidos dois colóquios, em 2008 e 2009, um deles transformado em livro, pela editora Contracapa, com o mesmo nome da rede, Juventude, Subjetivação e Violência. “Também estamos publicando uma revista eletrônica, em que colocamos os artigos dos especialistas da rede. Já publicamos o número zero, que submetemos à avaliação para indexação, e para 2010 temos previsão de mais duas edições”, expõe. Para junho, está sendo organizado um seminário para que os pesquisadores apresentem seus trabalhos. E, no segundo semestre, haverá outro, com conferencistas convidados.

Entre os vários estudos que integram a rede, a socióloga Vera Malaguti analisa exatamente como em vez de pensar formas de inclusão social, a sociedade lida com a questão da violência com políticas que criminalizam a juventude que apresenta comportamento deste tipo. A psicanalista Sílvia Nunes, que focaliza a gravidez adolescente, avalia como, especialmente entre as classes populares, essa gravidez funciona para a jovem mãe como a criação de uma certa respeitabilidade social e ainda como forma de proteção contra a violência, sobretudo sexual, em comunidades de baixa renda.

Para o psicanalista Joel Birman, a sociedade falha em promover a inclusão social do jovem.

“Já o professor de literatura Camilo Pena examina as novas formas de produção cultural e literatura das camadas populares, como blogs, panfletos e produção musical, que traduzem uma tentativa de criação de signos identitários”, exemplifica Joel Birman.

Outra pesquisa, de Wedencley Alves Santana, analisa o atual esvaziamento do potencial de promessa que a educação formal significava décadas atrás. Birman chama ainda a atenção para a participação de juristas que questionam o engessamento de nosso Código Penal, que cristaliza essa tendência criminalizante em seu olhar sobre o comportamento da juventude.

“Acreditamos que há uma lógica social maior nessas situações do que simplesmente a criminal. O grande eixo de nossa leitura é de questionar qual o lugar atual do jovem em nossa sociedade, levando-se em conta como a sociedade organizada falha em promover a inclusão social.”

Segundo o psicanalista, hoje, a ideia sobre o que é ser adolescente é diferente do que há décadas passadas. “A organização linear das idades foi quebrada nos anos 1970. A infância dura menos tempo, e, em compensação, a adolescência começa mais cedo e se estende indefiinidamente. Agora, ficou difícil distinguir o que é adolescente ou um adulto jovem”, explica. Outros fatores contribuem. “Diante na nova formação da família contemporânea, marcada pela volutibilidade do casamento, as crianças não vivem mais necessariamente com seus pais biológicos, e ainda passam por uma adolescência prolongada e sem autonomia, já que os jovens, particularmente os de classe média, mantêm-se durante mais tempo apenas dedicados aos estudos, antes de entrar para o mercado de trabalho”, explica Birman.

Para o psicanalista, “sem o reconhecimento simbólico de seu lugar na sociedade, numa infantilização que se estende, eles passam a cultivar uma cultura corporal, explorando não só a estética, como a cultura da força e das várias formas de violência, buscando distinguir-se entre seus pares”. E exemplifica: “Se entre os jovens de classe média, há as brigas em boates, ou a direção irresponsável em alta velocidade, para os jovens das camadas populares, há a adesão ao tráfico.”

A resposta da sociedade ao problema, no entanto, tem duas vertentes. “Costuma ser extremamente dura e repressiva para o jovem de origem humilde, que seguidamente são enviados a instituições penais, onde são transformados em criminosos propriamente ditos, e bem mais condescendente para os jovens de classe média, que em geral são encarados como problemáticos e alvo de medidas terapêuticas”, diz. Segundo o psicanalista, isso acontece porque a visão dos órgãos policiais e judiciais é fazer uma leitura a partir de um “potencial de periculosidade”, que encara sempre o jovem mais pobre como potencialmente mais perigoso.

No filme Meu nome não é Johnny, o protagonista da história, um jovem de classe média, é preso com grande quantidade de cocaína. Levado a julgamento, sua figura comove a juíza, que em vez de condená-lo como traficante, o envia para tratamento no manicômio judiciário. A história, real, ilustra bem a dualidade do olhar da sociedade brasileira, que certamente seria bem menos condescendente com réus das classes populares na mesma situação.

“Hoje, há uma tendência internacional de questionar essa visão criminalizante, de ver mais criticamente essas políticas de aprisionamento. No Instituto Carioca de Criminologia, coordenado pelo jurista Nilo Batista, já temos uma abordagem que dialoga com essa perspectiva”, diz Birman. Unindo todos esses estudos, fica a perspectiva de uma maior reflexão que traga outras alternativas de solução.

© FAPERJ – Todas as matérias poderão ser reproduzidas, desde que citada a fonte.

>Justiça e jurisprudencia no Brasil imperial

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Especiais
Da resistência aos crimes miúdos

20/5/2010

Por Alex Sander Alcântara

Agência FAPESP – Quando se discutem os crimes cometidos por escravos, geralmente se discutem os chamados “crimes de resistência”, como as insurreições e rebeliões contra a situação de cativeiro. Mas um estudo publicado na revista História (São Paulo) indica que, no Brasil Imperial (1822-1889), diversos crimes cotidianos eram cometidos tanto pela população livre como por escravos.

O trabalho foca em delitos como briga de vizinhos, conflitos em tabernas, conflitos conjugais e crimes contra a pessoa e aponta que muitas foram as situações jurídicas em que não era feita distinção entre réus livres e escravos.

De acordo com Ricardo Alexandre Ferreira, professor do Departamento de História da Universidade Estadual do Centro-Oeste, em Guarapuava (PR), e recém-aprovado no concurso para docente no Departamento de História da Universidade Estadual Paulista (Unesp) no campus de Franca, o estudo busca entender o conceito de criminalidade escrava, com base na análise dos códigos penais e nos relatórios emitidos anualmente pelos ministros de justiça no período em questão.

“Com base nessa documentação, procurei entender a criminalidade escrava, que é um tema vinculado às insurreições, mas verifiquei que também havia um conjunto muito grande de crimes cometidos por escravos que não eram ligados a esse conceito porque foram somados aos problemas mais amplos da criminalidade no Império”, disse à Agência FAPESP.

O artigo é um apanhado das pesquisas que desenvolveu na iniciação científica, mestrado e doutorado, com Bolsa FAPESP nas três modalidades. Sua pesquisa de mestrado “Escravidão, criminalidade e cotidioano: Franca 1830-1888”, foi selecionada com uma das melhores dissertações no ano na Unesp e publicada no livro Senhores de Poucos Escravos – o cativeiro e criminalidade num ambiente rural (1830-1888), pela editora da universidade em 2005.

De acordo com o pesquisador, ao analisar a documentação se percebe que o maior volume de crimes cometidos, principalmente nas regiões de pequenas e médias propriedades no interior do Brasil, estava muito mais vinculado ao cotidiano de uma população livre e pobre.

“Havia uma prática enraizada entre as autoridades de reunir, em seus relatórios, os criminosos escravos, libertos e livres com expressões genéricas como ‘classes menos favorecidas’, ‘classes inferiores’ ou ‘classes ínfimas da sociedade’. Além de reforçar o estereótipo de vadiagem, o que se percebe é uma incapacidade do Estado de coletar, organizar e analisar os registros de criminalidade produzidos em todo o país”, afirmou Ferreira.

Não havia no Império um código criminal exclusivo para julgar e punir os escravos. Segundo o autor, há uma omissão sobre o termo “escravo” na Constituição de 1824. “A ideia era a de que os escravos não faziam parte do contrato social e que, portanto, não existiam”, disse.

Havia no código apenas um artigo – de número 60 – que tratava das punições dos cativos condenados a penas que não fossem de morte ou galés e, pelo menos em teoria, o escravo era julgado e tinha os mesmos direitos a recursos que uma pessoa livre.

“O escravo tinha direito a advogado pago, em muitos casos pelo próprio proprietário. A diferença estava na hora de se aplicar a lei. Ao confirmar a culpa e impor a sentença, o juiz estabelecia uma diferença para o escravo, cuja punição poderia ser açoites ou mesmo carregar ferro no pé ou no pescoço pelo período determinado pelo juiz”, disse.

A única exceção era se o escravo cometesse homicídio a superiores, insurreição e roubo com morte; nesses casos, era condenado à pena de morte. No restante, segundo Ferreira, todos os casos de infração que valiam para o livre eram válidos também para o escravo.

“Analiso o artigo 60 como uma espécie de exceção. Isso se dava porque o Brasil herdou de Portugal uma tradição de não ter códigos específicos para os escravos. Nas colônias francesas, havia o chamado Código Negro (Code Noir)”, destacou Ferreira.

Outro artigo – de número 115 – também punia todos aqueles que participassem da insurreição, incitando ou ajudando os escravos a se rebelar e “fornecendo-lhes armas, munições ou outros meios para o mesmo fim”.

Mesmo julgados culpados por crimes punidos com a morte, cidadãos livres e escravos condenados em primeira instância só subiriam ao patíbulo após terem sido negados todos os recursos jurídicos previstos, como apelação, protesto por novo julgamento e revista.

“Ainda assim, antes da forca era facultado ao condenado o direito de recorrer à Imperial Clemência que, por meio de uma das atribuições do Poder Moderador, podia perdoá-lo, mudar a pena (comutação) ou mandar executar a sentença”, ressaltou Ferreira.

Segundo ele, o Código Criminal do Império, criado em 1830, contemplou também o “mundo da segurança individual”, como disputas por divisas que acabavam em brigas e tiros, conflitos matrimoniais, brigas de rua, entre outros conflitos, como assunto de Estado.

Substituição da pena de morte

A partir da criação do Código, houve um primeiro esforço na produção de um “perfil dos delitos praticados” no país. No relatório de 1837, o então ministro da justiça Bernardo Pereira Vasconcelos argumentou que, diante da recorrente reclamação contra a impunidade que se espalhava por todo o território, ela só poderia ser adequadamente avaliada quando os mapas com os perfis de crimes e criminosos fossem produzidos a partir das informações enviadas pelas províncias.

“No perfil apresentado pelo ministro destaca-se um aumento maior do número de crimes contra a pessoa em relação aos cometidos contra a propriedade e, consequentemente, a impunidade”, disse.

Uma das dificuldades alegadas pelos ministros para obter informações a respeito de homicídios e ferimentos se referia à deficiência das comunicações entre vilas e a capital do Império, o que impedia o estudo dos padrões de criminalidade individual.

A recorrente queixa a respeito da ineficiente integração das autoridades da Corte com as das diferentes províncias figurou, segundo Ferreira, na base dos principais argumentos que conduziram às reformas sofridas pela justiça criminal do Império.

“A reforma do Judiciário de 1840 promoveu uma série de iniciativas para impedir em parte a atuação localizada dos juízes de paz e também dos jurados. Como desdobramento, em 1842 foi criada a figura do delegado de polícia. Na prática, a ideia era acabar com a impunidade nas pequenas vilas e promover uma centralização do judiciário”, disse.

Com as sucessivas modificações de 1840 a 1850, a pena de morte na prática foi abolida e a lei passou a conceder aos escravos a possibilidade dos mesmos recursos que os livres.

“Embora o Código ainda não esteja modificado, na prática o Imperador D. Pedro II, a partir das décadas finais do Império, começou a substituir penas de morte por penas de prisão perpétua”, apontou Ferreira.

Segundo ele, havia um conceito de criminalidade no Brasil Colônia (1500-1822) típico do antigo regime no qual o crime estava vinculado a posições sociais e à relação que as pessoas mantinham com o rei.

“Já no Império vigorou a ideia de liberdade e igualdade entre os homens, apesar da manutenção da escravidão. A grande questão era como criar um conceito moderno de criminalidade em um país que mantinha a escravidão. Os códigos criminais modernos operaram a concepção de que os crimes são os mesmos e as penas deveriam ser as mesmas para todos. Essa é uma forma de conceber crime e punição que, em muitos aspectos, continuou vigente pelo Período Republicano até os nossos dias”, disse.

Para ler o artigo Livres, escravos e a construção de um conceito moderno de criminalidade no Brasil Imperial, disponível na biblioteca on-line SciELO (Bireme/FAPESP), clique aqui.