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Solenidade marca entrega de título de doutor honoris causa da Unifesp ao Yanomami Davi Kopenawa (Unifesp)

Texto original

Quinta, 16 Março 2023 16:34

Cerimônia que contou com presenças de lideranças indígenas e de entidades acadêmicas destacou necessária união e encontro de saberes para a difusão do conhecimento e garantia da dignidade humana

Por Denis Dana
Fotos: Alex Reipert


Mesa de abertura da cerimônia de outorga do título de doutor honoris causa a Davi Kopenawa
Mesa de abertura da cerimônia de outorga do título de doutor honoris causa a Davi Kopenawa

Em cerimônia realizada na última quarta, 15 de março, que contou com presenças de lideranças indígenas e acadêmicas, além de representante do governo federal, por meio do Ministério dos Povos Indígenas, o Yanomami Davi Kopenawa, pensador, líder político e xamã de seu povo recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Inédita na universidade, a concessão do grau teve processo iniciado em 2021, após iniciativa da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos, da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro e do Projeto Xingu, com centenas de assinaturas de apoio de docentes, técnicos(as) e estudantes em reconhecimento ao trabalho e luta de Kopenawa pela defesa dos povos originários, do meio ambiente, da diversidade cultural e dos direitos humanos.

Odair Aguiar Junior, diretor acadêmico do Campus Baixada Santista e presidente da comissão de Títulos Honoríficos da universidade
Odair Aguiar Junior, diretor acadêmico do Campus Baixada Santista e presidente da comissão de Títulos Honoríficos da universidade

A mesa de honra da sessão solene foi composta por Raiane Assumpção, reitora pro tempore e presidenta do Conselho Universitário (Consu), Juma Xipaia, secretária de Articulações e Promoção dos Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, Odair Aguiar Junior, diretor acadêmico do Campus Baixada Santista, membro do Consu e presidente da comissão de Títulos Honoríficos da universidade, Renzo Taddei, docente do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) – Campus Baixada Santista e membro da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro, e Ilana Seltzer Goldstein, docente da Escola de Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) – Campus Guarulhos e membro da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos.

Ao abrir os discursos, Odair Aguiar celebrou a ocasião, que marcou o encerramento de todo o rito realizado na universidade, no processo de proposição do título honorífico para Davi Kopenawa, o primeiro da Unifesp. “Este é um momento histórico e de muita celebração para nós, não só como instituição, mas também como país, ao outorgar como doutor honoris causa essa grande liderança nacional que é Kopenawa”.

Ilana Seltzer Goldstein, docente da Escola de Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) - Campus Guarulhos e membro da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos
Ilana Seltzer Goldstein, docente da Escola de Letras e Ciências Humanas (EFLCH/Unifesp) – Campus Guarulhos e membro da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos

Responsável por apresentar o currículo de Davi Kopenawa ao público que acompanhava a sessão solene presencial e virtualmente, Ilana Goldstein teve como desafio resumir toda a trajetória de vida do agraciado. Ao construir uma linha do tempo, Ilana trouxe os principais passos de Kopenawa, desde seu nascimento, passando pelas dificuldades na infância e sua adolescência na cidade, onde aprendeu e desenvolveu o português, tão importante para lhe permitir a tradução entre mundos. A apresentação do currículo também destacou a construção de sua família, o desenvolvimento de atividades xamânicas e sua inserção nas mobilizações e lutas em defesa dos povos originários, bem como no universo da literatura e de outras manifestações artísticas, sempre com o objetivo de conscientização e educação para um planeta mais tolerante e mais saudável.


Marcos Antonio Pellegrini, docente da Universidade Federal de Roraima (UFRR) 

cineasta Edmar Tokorino Yanomami
Na primeira imagem, Marcos Antonio Pellegrini, docente da Universidade Federal de Roraima (UFRR) proferindo seu discurso. Já segunda imagem, o cineasta Edmar Tokorino Yanomami (de vermelho) fala sobre o filme Uma Mulher Pensando, exibido durante a cerimônia


Ao término da apresentação, a docente fez um agradecimento especial ao mais novo doutor da Unifesp: “neste encerramento do processo de titulação, diplomamos aqui um homem único e singular, celebrando sua vida e obra, de forma que possamos continuar aprendendo contigo outros modos de pensar a relação entre os seres humanos e os não humanos e de questionar os valores que nos movem. Muito obrigado Davi Kopenawa”.

Reconhecimento mais que necessário

Renzo Taddei docente do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) - Campus Baixada Santista e membro da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro, utiliza o púlpito para destacar o trabalho de Kopenawa
Renzo Taddei docente do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) – Campus Baixada Santista e membro da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro, utiliza o púlpito para destacar o trabalho de Kopenawa

Na sequência da cerimônia, ao ser convidado para um breve discurso, Marcos Antonio Pellegrini, docente da Universidade Federal de Roraima (UFRR), médico formado pela Escola Paulista de Medicina (EPM/Unifesp) – Campus São Paulo e integrante do Projeto Xingu, destacou o necessário reconhecimento do agraciado. “Esse título é um reconhecimento à sua coragem, sua luta e todo o seu conhecimento relacionado aos povos indígenas que você representa. É uma grande alegria ver o reconhecimento autêntico e necessário do conhecimento indígena e seu modo diferente de ver o mundo. Parabenizo também a Unifesp por esse reconhecimento”

O reconhecimento foi novamente ressaltado durante o discurso panegírico, proferido por Renzo Taddei. Logo em suas primeiras palavras, Taddei referenciou que “a Unifesp está localizada justamente em território ancestral dos povos indígenas Guarani Mbya, Tupi-Guarani, Kaingang, Krenak e Terena, a quem possuímos dívidas históricas não saldadas de honra, gratidão e reparação”.

Davi Kopenawa recebendo o título de doutor honoris causa pela Unifesp
Davi Kopenawa recebendo o título de doutor honoris causa pela Unifesp

“Este é um momento ímpar na história da Unifesp. É de beleza sublime o fato de que o primeiro título honorífico da universidade seja concedido a Davi Kopenawa. Contudo, façamos dessa celebração, um momento de reflexão e apoio à luta do agraciado, que vem em um contexto de violência hedionda sofrida pelo povo Yanomami”, disse Taddei.

Além de celebrar a trajetória e feitos de Davi Kopenawa, o docente da Unifesp destacou em seu discurso panegírico as implicações mais importantes de sua grande obra literária, A Queda do Céu, e de seu pensamento para o fazer da ciência e para o mundo universitário.

O discente Willian Jorge Pires 

a secretária do Consu/Unifesp, Maristela Feldman
Na primeira imagem, o discente Willian Jorge Pires da Silva lê um trecho do livro A Queda do Céu, de Davi Kopenawa. Na segunda imagem, a secretária do Consu/Unifesp, Maristela Feldman, faz a leitura do termo concessivo

Após destacar a inclusão da sabedoria indígena em debates de coletividades de cientistas de alto nível mais diretamente ligadas ao combate à crise ambiental causada pela modernidade ocidental, como o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), ambos diretamente ligados à ONU e suas agências, Taddei finalizou sua fala novamente com destaque à importância do reconhecimento do trabalho de Kopenawa: “a concessão desse título honorífico é mais do que simplesmente uma declaração de apreciação de sua atuação e de suas ideias, é também uma declaração de que somos seus aliados”.

Ritual contou com discursos impactantes

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Davi Kopenawa e os membros da mesa de abertura da cerimônia acompanhando os discursos

Davi Kopenawa passou por todo o ritual de concessão de título, incluindo a leitura e assinatura do ato concessivo do título de doutor honoris causa, a vestimenta doutoral, marcado pela colocação da beca com o auxílio de sua filha, Tuíra Kopenawa, o pronunciamento da concessão de grau, feito por Raiane Assumpção, e a entrega do diploma. Foram momentos de bastante atenção do público, bem como dos discursos que se seguiram, de maneira impactante.

Ao representar o Ministério dos Povos Indígenas do Brasil e sua ministra Sonia Guajajara, Juma Xipaia afirmou “estar honrada em fazer parte desse momento tão importante de respeito da ciência e dos saberes indígenas. Não há uma única ciência, há inúmeros povos com suas ciências. Esse título da Unifesp apresenta ao mundo o reconhecimento de toda a ancestralidade e de todo o saber dos povos indígenas do Brasil representada por essa grande liderança que é Davi Kopenawa”.

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Renzo Taddei docente do Instituto do Mar (IMar/Unifesp) – Campus Baixada Santista e membro da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro

Em seu discurso, Juma fez um alerta para que a humanidade desperte para o que tem acontecido com o mundo. “Nossa luta nunca foi somente pelo povo indígena, algo isolado, é algo muito maior. Sempre foi por todos, pelo planeta e pela existência de todos nós. Temos que garantir para as nossas e para as próximas gerações o direito não somente de resistir, mas, principalmente, de existir”.

“É preciso que esse exemplo de valorização e reconhecimento que a Unifesp dá seja multiplicado, não só com os povos indígenas, bem como com todos aqueles detentores de saberes que habitam nessa diversidade ainda existente no Brasil,o que faz nosso país tão lindo e com tanta riqueza”, destacou.

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Juma Xipaia, secretária de Articulações e Promoção dos Direitos Indígenas do Ministério dos Povos Indígenas, discursando no evento

Seu discurso foi seguido pelo do então mais novo doutor da Unifesp, Davi Kopenawa, que logo em suas primeiras palavras agradeceu o título concedido pela universidade. “Estou muito contente com esse reconhecimento da universidade em ver a minha luta pela defesa dos Yanomami e de todos os povos indígenas do Brasil. Para mim, esse título representa mais uma flecha para seguir nessa luta”.

Sem deixar de citar o horror vivido pela comunidade Yanomami nos últimos anos em decorrência do avanço do garimpo ilegal, Kopenawa também aproveitou o momento para alertar os povos não indígenas sobre o necessário cuidado com o planeta. “Hoje, com vocês da universidade, vejo que nós não estamos sozinhos. Nossa defesa é por todos. Somos um planeta só”. (Veja aqui a íntegra do discurso de Davi Kopenawa).

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Raiane Assumpção, presidenta do Consu/Unifesp, durante seu discurso

O discurso final ficou por conta da reitora pro tempore da Unifesp, Raiane Assumpção. Honrada por ter Davi Kopenawa como o primeiro doutor honoris causa da universidade, Raiane ressaltou o significado da sessão pelo ineditismo e também pela figura do agraciado, mas também por toda a responsabilidade de reafirmação do compromisso compartilhado com Kopenawa e suas causas no que diz respeito à defesa do planeta e da sociedade.

“Há décadas a nossa instituição vem construindo vínculo com os povos indígenas, possibilitando assistência e produzindo conhecimento em conjunto, reiterando o compromisso da Unifesp com a formação na graduação, pela extensão e pela pesquisa e que não é no fazer por, mas no fazer com, numa produção de conhecimento que é feito com as pessoas”.

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A presidenta do Consu/Unifesp assinando o termo de outorga do título de doutor honoris causa

“Ao longo dos anos fomos construindo uma forma de encontro de saberes. Saberes científicos, tradicionais, populares, que são necessários para que a nossa sociedade caminhe mais e melhor. Que possamos seguir nesse rumo, construindo uma melhor forma de existência e de formação e uma contribuição para que nosso estado brasileiro tenha um desenvolvimento para a dignidade humana”, concluiu Raiane.

Um pouco da arte de Kopenawa

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Davi Kopenawa asssinando o termo de outorga do título de doutor honoris causa

Durante a cerimônia de entrega do título honoris causa à Davi Kopenawa, o público pode acessar um pouco da obra do agraciado, com a leitura de trecho do livro A Queda do Céu, feita pelo discente Willian Jorge Pires da Silva, e com a exibição de um trecho do filme Uma Mulher Pensando, do cineasta Edmar Tokorino Yanomami, que, em suas palavras, “foi feito com o objetivo de incomodar e de servir como sinal de alerta e apoio para a luta em defesa da vida”.

Autoridades presentes na sessão solene: Dácio Roberto Matheus, reitor da Universidade Federal do ABC (UFABC); Soraya Smaili, reitora da Unifesp gestão 2013 a 2021; Andrea Rabinovici, vice-reitora da Unifesp gestão 2020 e 2021; Rafael Alves Scarazzati, pró-reitor de Extensão do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), representando o reitor da instituição; Dan Levy, chefe de gabinete da Unifesp; Maria Beatriz de Souza Henriques, coordenadora da Unidade de Preservação do Patrimônio Museológico da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo; Carlos Papá, cineasta e líder espiritual do povo Guarani; Cristine Takuá, diretora do Instituto Maracá e educadora das Escolas Vivas; Zysman Neiman, coordenador da Cátedra Sustentabilidade e Visões de Futuro da Unifesp, Valéria Macedo, da coordenação colegiada da Cátedra Kaapora de Conhecimentos Tradicionais e Não Hegemônicos; Sofia Mendonça, coordenadora do Projeto Xingu; Douglas Rodrigues, médico coordenador do Ambulatório de Saúde dos Povos Indígenas do Hospital São Paulo; Artionka Capiberibe, diretora do Centro de Pesquisa em Etnologia Indígena, Áurea Gil, coordenadora do Centro de Memória da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Fernando Stickel, diretor-presidente da Fundação Stickel; Kelly Adriano de Oliveira, gerente adjunta de Ação Cultural do SESC São Paulo; Rubens Belfort Jr, professor emérito e membro titular da Academia Brasileira de Medicina; Marlon Alberto Weichert, Procurador Regional da República no Ministério Público Federal; Daniel Munduruku, diretor presidente do Instituto Uk´A; Tata Katuvanjesi, autoridade tradicional de matriz centro africana; Renato Sztutman, diretor do Centro Ameríndios da USP; Martin Grossman, diretor da Cátedra Olavo Setubal da USP; Ana Maria Gomes, docente da UFMG e coordenadora do Observatório Educacional Intercultural Indígena, Fernanda Pitta, curadora do Museu de Arte Contemporânea da USP; Luísa Valentini, supervisora do Centro de Pesquisa e Referência do Museu das Culturas Indígenas, além de representante da liderança indígena Xokleng.

Defensor da causa Ianomâmi, Davi Kopenawa receberá título de doutor honoris causa da Unifesp (O Globo)

oglobo.globo.com


Pensador é reconhecido internacionalmente por sua luta pelos direitos dos povos indígenas

Por O GLOBO — RIO

13/05/2022 16h11

Davi Kopenawa Yanomami, liderança indígena brasileira Agência O Globo — Foto:
Davi Kopenawa Yanomami, liderança indígena brasileira Agência O Globo

O pensador e xamã Yanomami, Davi Kopenawa, vai ser a primeira pessoa a receber o título de doutor honoris causa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A instituição escolheu a liderança indígena em reunião do Conselho Universitário realizada nesta quarta-feira.

A titulação é concedida a personalidades com destaque nas ciências, nas artes, na cultura, na educação, e na defesa dos direitos humanos. De acordo com a Unifesp, a escolha de Kopenawa “coroa um processo de busca por diálogos e descolonização de saberes em andamento na Unifesp”.

Kopenawa autor da obra A Queda do Céu: palavras de um xamã yanomami, em coautoria com o antropólogo Bruce Albert. O livro questiona a noção de progresso e desenvolvimento dos homens brancos.

— Davi Kopenawa é uma das vozes mais lúcidas e importantes a respeito dos problemas contemporâneos, no nosso contexto brasileiro e no que tange aos desafios planetários, como a emergência climática. É de fundamental importância que as suas ideias sejam disseminadas e discutidas. Espero que o título ajude, ainda, na mobilização da sociedade contra os ataques brutais que o povo Yanomami tem sofrido em seu próprio território — disse o professor Renzo Taddei, integrante do grupo que iniciou o processo da concessão do título, ao site da Unifesp.

O homenageado é reconhecido internacionalmente por sua luta pelos direitos do povo Ianomâmi. Para ele, os 30 anos da demarcação da maior terra indígena, neste mês, não é motivo para comemoração.

Para o indígena, este é o pior momento para os 30 mil ianomâmis que vivem nas comunidades invadidas em Roraima, onde há, segundo ele, muito mais garimpeiros.

‘Mulheres como você precisam ser fortes’, diz psiquiatra à paciente negra (Yahoo! Notícias)

br.noticias.yahoo.com

Alma Preta – seg., 4 de outubro de 2021 1:17 PM


Unidade da Universidade Federal de São Paulo. (Foto: Divulgação)
Unidade da Universidade Federal de São Paulo. (Foto: Divulgação)
  • Universitária buscou atendimento psiquiátrico na Unifesp, instituição de ensino que oferece o serviço médico gratuitamente aos alunos
  • Thayná Alexandrino conta que há tempos percebe alguns sintomas associados à depressão e ansiedade
  • Segundo a jovem de 24 anos, a médica que a atendeu a julgou pela aparência física; universidade não se pronunciou

Texto: Letícia Fialho Edição: Nadine Nascimento

A estudante de geografia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Thayná Alexandrino (24), buscou ajuda psiquiátrica na unidade de atendimento gratuito oferecida pela instituição aos alunos, há cerca de um mês. A jovem relata ter sido julgada pela sua aparência física no atendimento, quando ouviu da profissional que a atendeu: “você não tem cara de paciente psiquiátrica. Mulheres como você precisam ser fortes”.

“Ingressei na universidade e tive a oportunidade de cuidar da minha saúde através dos serviços gratuitos oferecidos por eles. Contudo, ao chegar lá, me deparei com algo totalmente diferente do que esperava. Fui mal tratada pela psiquiatra, que me julgou do começo ao fim”, relata Thayná.

A estudante conta que há tempos percebe alguns sintomas associados à depressão e ansiedade e que, por conta dos estigmas relacionados a doenças mentais, demorou a procurar ajuda. Durante a pandemia, ela perdeu pessoas próximas e se sentiu fragilizada para lidar com o luto.

“Mesmo contando para ela sobre o luto pelo qual estou passando, sobre meu histórico familiar e pré-disposições, escutei a pior justificativa ‘você está muito bem vestida para ter algum problema de ordem mental’ e também que ‘não pode se dar ao luxo de ser fraca’”, relata a vítima que desistiu do atendimento quando a profissional disse: “Mulheres como você sabem lidar muito bem com a dor”.

A estudante conta que sentiu-se impotente e negligenciada no atendimento prestado pela unidade de atendimento da universidade. Segundo ela, a profissional que a atendeu era uma mulher branca, na faixa etária dos 40 anos, com bagagem profissional e acadêmica.

“Parece que a única alternativa sugerida por profissionais brancos é que nós, mulheres negras, precisamos ser fortes o tempo todo. Pessoalmente, na visão dela, eu não poderia sofrer. Lembro que na minha infância uma professora disse que a vida seria dura pra quem fosse fraco. E agora ouvi quase a mesma coisa, vindo de uma profissional de saúde mental”, reflete Thayná.

Insegurança da aluna

Em busca de atendimento adequado, a estudante recorreu a um psicólogo, seguindo orientação médica, em outra unidade de atendimento. E novamente teve uma abordagem pouco acolhedora.

“Quando relatei sobre o episódio em que fui vítima de racismo. Fui surpreendida com a colocação de mais um profissional branco. Ele disse que eu não era negra e, sim, ‘mulata’, em vista de outros pacientes negros que ele atende. Até quando um cara branco pode julgar a negritude de outras pessoas?”, conta.

A estudante diz que, até o momento, não recorreu a nenhum outro profissional por conta dos valores altos e por sentir-se insegura. “Eu adoro a área da saúde e ser atendida por profissionais que não tiveram a sensibilidade de olhar para a minha dor, me toca bastante. Outra coisa é a falta de representatividade. O fato de não ter pessoas negras inseridas nesses espaços, perpetua o racismo estrutural”, reitera a Thayná.

A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Unifesp para solicitar um posicionamento sobre o caso, mas até o momento não teve retorno. Caso a instituição se posicione, o texto será atualizado.

Pesquisa sobre portuários é questionada pela Câmara de Santos (Diário do Litoral)

Levantamento aponta uso de drogas pela categoria. Intenção dos vereadores era redigir uma moção de apoio aos trabalhadores

Da Reportagem

Atualizado em 22 de setembro de 2015 às 11h45

Dois presidentes de sindicatos ligados ao Porto de Santos protestaram, na sessão de ontem da Câmara, contra a divulgação de uma pesquisa feita pela Universidade Federal Paulista (Unifesp) apontando o consumo de entorpecentes e ingestão de álcool entre os trabalhadores avulsos do cais.

As críticas partiram do presidente do Sindicato dos Operários Portuários (Sintraport), Claudiomiro Machado, o Miro, e do presidente do Sindicato dos Estivadores, Rodnei Oliveira, o Nei da Estiva. Eles afirmaram que o levantamento feito pela universidade feriu a honra da “família portuária”.

Quase todos os vereadores apoiaram a fala dos sindicalistas e questionaram o método de como a pesquisa foi feita. A pesquisa apontaria que 25% dos trabalhadores avulsos usam crack ou cocaína e 80% fazem ingestão de bebida alcoólica.

Miro questionou, por exemplo, o local onde o levantamento foi feito. “Dentro do Porto o acesso é liberado apenas ao trabalhador. Não foram lá entrevistar trabalhador portuário”.

O presidente do Sintraport relatou o drama vivido por um associado, cujo filho foi questionado na escola sobre a profissão do  pai. “Falaram para o garoto: teu pai é portuário? Então ele usa cocaína, usa crack”.

Já Nei da Estiva se mostrou indignado pelo fato de nenhum sindicato ter sido procurado para comentar os dados da pesquisa.

Intenção dos vereadores era redigir uma moção de apoio aos trabalhadores ( Foto: Matheus Tagé/DL)Intenção dos vereadores era redigir uma moção de apoio aos trabalhadores ( Foto: Matheus Tagé/DL)

O vereador Antônio Carlos Banha Joaquim (PMDB) lembrou que a Unifesp já foi alvo de uma investigação de uma Comissão de Inquérito aberta na casa, que apurou contratos da universidade com a Prefeitura. “Um trabalho científico tem de ser feito com metodologia”, comentou.

Banha também se disse atingido com o resultado da pesquisa. “Meu avô era trabalhador portuário. Ele deve estar rolando no caixão”, comentou, antes de sugerir que a Unifesp seja questionada judicialmente sobre o levantamento.

Para o vereador Benedito Furtado (PSB), o resultado da pesquisa “dá a entender que 80% dos portuários são alcoólatras”. Ele também atacou ferozmente a universidade. “Essa tal de Unifesp não cumpre lei municipal”.

Ressaltando ser filho de estivador, Geonísio Pereira de Aguiar, o Boquinha (PSDB), além de questionar a seriedade da pesquisa, disse que quase todos os alunos da instituição não são de Santos e, por isso,  devem conhecer pouco o cais.

Igor Martins de Melo, o Professor Igor (PSB), foi outro a lembrar que os pesquisadores precisam ter autorização para entrar na área portuária. “Quer dizer, então, que o maior porto da América Latina é tocado por um bando de irresponsáveis? O que é isso?”

Vereador e professor de Matemática, José Lascane (PSDB) disse que é preciso tomar extremo cuidado ao se fazer um levantamento feito pela Unifesp. “A amostra precisa ser bem avaliada, bem como a formulação da pergunta, que precisa ser bem clara”.

Cobrou posição

Marcelo Del Bosco (PPS) deu uma sugestão ao líder do Governo na Câmara, Sadao Nakai (PSDB): o secretário municipal de Assuntos Portuários e Marítimos, José Eduardo Lopes, deve se manifestar sobre o levantamento.

Roberto Oliveira Teixeira, o Pastor Roberto (PMDB), disse que as esposas dos trabalhadores portuários “se sentiram humilhadas com o resultado dessa pesquisa”.