MPF prevê ações contra o uso de livro com erros pelo MEC
Para a procuradora da República Janice Ascari, os responsáveis pela edição e pela distribuição do livro “estão cometendo um crime” contra a educação brasileira.
Diante da denúncia de que o livro “Por uma vida melhor”, da professora Heloísa Ramos – que foi distribuído a 485 mil estudantes jovens e adultos pelo Programa Nacional do Livro Didático, do Ministério da Educação -, defende o uso da linguagem popular e admite erros gramaticais grosseiros como “nós pega o peixe”, a procuradora da República Janice Ascari, do Ministério Público Federal, previu que haverá ações na Justiça. Para ela, os responsáveis pela edição e pela distribuição do livro “estão cometendo um crime” contra a educação brasileira.
– Vocês estão cometendo um crime contra os nossos jovens, prestando um desserviço à educação já deficientíssima do País e desperdiçando dinheiro público com material que emburrece em vez de instruir. Essa conduta não cidadã é inadmissível, inconcebível e, certamente, sofrerá ações do Ministério Público – protestou a procuradora da República em seu blog.
No domingo, o livro já tinha sido duramente criticado por educadores e escritores. O MEC confirmou que não pretende retirar a publicação das escolas, alegando que não tem ingerência sobre o conteúdo das obras. Afirmando que se manifestava como mãe e sem analisar o aspecto jurídico da questão, Janice disse que ficou chocada com as notícias sobre o livro com erros aprovado e distribuído pelo MEC. Os autores defendem que essa linguagem coloquial não poderia ser classificada de certa ou errada, mas de adequada ou inadequada.
– Ainda não estou refeita do choque sofrido com as notícias sobre o conteúdo do livro aprovado pelo MEC, no qual consta autorização expressa para que os alunos falem “Nós pega o peixe”, “Os livro mais interessante estão emprestado” e por aí vai. Não, MEC e autores do livro, definitivamente isso não é certo e nem adequado – disse Janice Ascari.
Para o MEC, o debate é nas universidades – O MEC confirmou nesta segunda-feira que não cogita alterar o processo de seleção e avaliação de livros didáticos. As obras são lidas por professores de universidades públicas, a quem cabe selecionar os títulos que farão parte do catálogo nacional de livros. É com base nesse catálogo que escolas de todo o país escolhem as coleções que receberão gratuitamente, distribuídas pelo Programa Nacional do Livro Didático.
O MEC diz que o debate sobre a adequação ou não de uma obra didática deve ocorrer nas universidades, como é no sistema atual, e não dentro do ministério. Do contrário, segundo o MEC, haveria o risco de direcionamento político na escolha das obras a serem aprovadas para uso em sala de aula.
A professora Heloísa Ramos, autora do livro, discorda de que seja preciso modificar qualquer trecho. Ela argumenta que a frase discutida em seu livro trata de linguagem oral, e não escrita. E que a norma popular da língua é diferente da norma culta, mas não necessariamente errada, no caso da linguagem oral.
– Eu não admito mais que alguém escreva que o nosso livro ensina a falar errado ou que não se dedica a ensinar a norma culta – disse Heloísa. – Por que, em educação, todo mundo acha que conhece os assuntos e pode falar com propriedade? Este assunto é complexo, é para especialistas.
Professora aposentada de língua portuguesa da rede estadual de São Paulo, Heloísa presta serviços de consultoria e escreve uma coluna na revista “Nova Escola”, dedicada a tirar dúvidas de professores. Segundo ela, o livro “Por uma vida melhor” é pioneiro ao destacar a importância da norma popular da língua, o que considera um avanço, no sentido de não menosprezar a fala da população menos instruída.
Responsável por livro com erros admite mudar texto – Responsável pela produção do livro didático “Por uma vida melhor”, da Editora Global, a ONG Ação Educativa admite que poderá mudar o texto, numa eventual nova edição. É o que disse nesta segunda-feira a coordenadora-geral da ONG, Vera Masagão. Ela classificou como infeliz a frase que considera correto, em certos contextos, falar com erros de concordância:
– Não acho que seja necessário recolher os livros, de forma nenhuma. Eventualmente, numa próxima vez, a gente pode colocar uma frase que não gere mal-entendidos. Concordo que a frase é infeliz, ainda mais destacada do contexto.
“Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar os livro?’. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico”, diz a frase criticada por ela.
Para Vera, a leitura integral do capítulo deixa claro que o foco é o ensino da norma culta da língua. O capítulo se chama “Escrever é diferente de falar”. O professor Marcos Bagno, da Universidade de Brasília (UnB), disse que não há motivo para polêmica, porque já faz mais de 15 anos que os livros didáticos de língua portuguesa aprovados pelo MEC abordam o tema da variação linguística:
– Não é coisa de petista. Já no governo Fernando Henrique, sob a gestão do ministro Paulo Renato, os livros didáticos de português avaliados pelo MEC começavam a abordar os fenômenos da variação linguística, o caráter inevitavelmente heterogêneo de qualquer língua viva falada no mundo transforma qualquer idioma usado por uma comunidade humana.
(O Globo)
ABL critica livro distribuído pelo MEC que defende erro em fala
Segundo a Academia, professor deve ensinar a língua-padrão.
A Academia Brasileira de Letras divulgou ontem uma nota criticando o MEC (Ministério da Educação) e os autores do livro didático “Por uma Vida Melhor”, distribuído pelo ministério a 4.236 escolas do País.
Ao tratar da diferença entre a língua oral e a escrita, o livro didático afirma que é possível dizer “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” em determinados contextos. “A Casa de Machado de Assis vem estranhar certas posições teóricas dos autores de livros que chegam às mãos de alunos dos cursos fundamental e médio com a chancela do Ministério da Educação, órgão que se vem empenhando em melhorar o nível do ensino escolar no Brasil”, diz a nota.
A ABL argumenta que não cabe ao professor de língua portuguesa em sala de aula ensinar outras variedades da língua que não seja a padrão. “[O professor] espera encontrar no livro didático o respaldo dos usos da língua-padrão que ministra a seus discípulos, variedade que eles deverão conhecer e praticar no exercício da efetiva ascensão social que a escola lhes proporciona.”
O MEC afirmou na semana passada que o livro está em acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, que servem como orientação para escolas e professores. Sobre a nota da ABL, o MEC afirma que o programa de aquisição e seleção dos livros didáticos -em que há uma avaliação das obras e liberdade para as escolas escolherem os livros com que trabalharão- foi discutido e aprovado por várias associações, entre elas a ABL.
O livro em questão, elaborado pela ONG Ação Educativa, no capítulo em que trata das diferenças entre escrever e falar e das variações na linguagem oral, afirma: “Você pode estar se perguntando: “Mas eu posso falar os livro?”. Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico”.
A coordenadora da Ação Educativa, Vera Masagão Ribeiro, diz que a frase foi tirada de contexto e que o livro deixa claro que há uma norma culta da língua. De acordo com Ribeiro, não há o risco de um aluno entender que pode escrever dessa forma num concurso público ou falar assim numa entrevista de emprego.
(Folha de São Paulo)
Coluna de Merval Pereira no O Globo desta terça-feira (17)
Há um aspecto perverso nessa crise do livro didático de português, que o MEC insiste em manter em circulação, que ultrapassa qualquer medida do bom-senso de um governo, qualquer governo.
A pretexto de defender a fala popular como alternativa válida à norma culta do português, o Ministério da Educação está estimulando os alunos brasileiros a cultivarem seus erros, que terão efeito direto na sua vida na sociedade e nos resultados de exames, nacionais e internacionais, que avaliam a situação de aprendizado dos alunos, debilitando mais ainda a competitividade do país.
O ministro Fernando Haddad, que já protagonizou diversas confusões administrativas, agora se cala diante dessa “pedagogia da ignorância” que apresenta aos alunos da rede pública a defesa de erros de português, como se fossem corretas ou aceitáveis expressões populares como “nós pega o peixe” ou “dois real”.
(Aliás, cada vez que escrevo essas frases, o corretor de texto teima em sublinhá-las em verde, como se estivessem erradas. Esse computador ainda não passou pelo crivo do MEC).
Mas é o próprio MEC que veicula anúncios exaltando supostos avanços dos alunos brasileiros no Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Alunos).
O País registrou crescimento em todas as notas, embora continue muito abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e mesmo de alguns da América Latina.
Ora, se o próprio governo baliza sua atuação pela régua do Pisa, como justificar que a defesa de uma alternativa da fala correta seja uma política oficial do Estado brasileiro?
A professora Heloísa Ramos, autora do livro “Por uma vida melhor”, da Coleção Viver, Aprender (Editora Global) acredita ser “importante que o falante de português domine as duas variantes e escolha a que julgar adequada à sua situação de fala”.
Seria preciso então que as escolas e faculdades ensinassem o português popular para os que foram alfabetizados pela norma culta, numa radicalização esdrúxula que esse raciocínio estimula.
O caráter ideológico de certos livros didáticos utilizados pelo MEC, especialmente de história contemporânea, ganha assim uma nova vertente, mais danosa que a primeira, ou melhor, mais prejudicial para a vida do cidadão-aluno.
Enquanto distorções políticas que afetem posições pessoais do aluno podem ser revertidas no decorrer de sua vida, por outros conhecimentos e vivências, distorções didáticas afetam a perspectiva desse aluno, que permanecerá analfabeto, sem condições de melhorar de vida.
Fosse o livro uma obra de linguística da professora Heloísa Ramos, nada a opor quanto à sua existência, embora seus métodos e conclusões rasteiras do que seja preconceito contra a fala popular possam, sim, ser refutados como uma mera mistificação política.
Se fosse um romance, não haveria problema algum em reproduzir a maneira de falar de uma região, ou os erros de português de um personagem.
Mas o livro didático não pode aceitar como certo o erro de português. Didática, pelo dicionário (?) é “a arte de transmitir conhecimento, técnica de ensinar” ou “que proporciona instrução e informação”.
O fato de falarem de certa maneira em algumas regiões não quer dizer que este ou aquele linguajar represente o português correto.
A visão deturpada do que seja ensinar aparece na declaração de um assessor anônimo do MEC no Globo de ontem, alegando que não cabe ao ministério dizer “o que é certo e o que errado”, e nem mesmo fazer a análise do conteúdo dos livros didáticos.
Se não exerce esses deveres básicos, o que faz o MEC em relação ao ensino do País?
Seria um equívoco lamentável e perigoso se o MEC, com essa postura, estivesse pretendendo fazer uma política a favor dos analfabetos, dos ignorantes, como se ela fosse a defesa dos que não tiveram condições de estudar. Na verdade, está é agravando as condições precárias do cidadão-aluno que busca na escola melhorar de vida, limitando, se não impossibilitando, que atinjam esse objetivo.
Se, porém, a base da teoria for uma tentativa de querer justificar a maneira como o presidente Lula fala, aí então teremos um agravante ao ato criminoso de manter os estudantes na ignorância.
Querer transformar um defeito, uma falha da educação formal do presidente-operário, em uma coisa meritória é um desserviço à população.
Os erros de português de Lula não têm mérito nenhum, ele os explora para fazer política, é um clássico do populismo, cuja consequência é deseducar a população.
Mas ele nunca teve a coragem de defender a fala errada, embora goste de ironizar palavras ou expressões que considera rebuscadas.
Ele desvaloriza o estudo, com frases como “não sei por que estudou tanto, e eu fiz mais do que ele”, ou quando se mostra como exemplo de que é possível subir na vida sem estudar.
Mas em outras ocasiões, estimula que a universidade seja acessível a todos, numa atitude que parece paradoxal, mas que ganha coerência quando se analisam os objetivos políticos de cada uma das atitudes.
Se, no entanto, o desdém pela norma culta do português transformou-se em política de Estado, aí teremos a certeza de termos chegado ao fundo do poço.
UFRN aprova obra que defende fala popular
Segundo o MEC, o aval ao livro que admite uso de linguagem oral com erros para estabelecer comunicação partiu de comissão de docentes potiguares.
Uma comissão formada por professores da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) aprovou o livro Por uma Vida Melhor, da Coleção Viver e Aprender. O livro, que chegou a 484.195 alunos de todo o País, defende que a forma de falar não precisa necessariamente seguir a norma culta. “Você pode estar se perguntando: ‘Mas eu posso falar os livro?’. Claro que pode”, diz um trecho.
Por uma Vida Melhor, de autoria de Heloísa Ramos, afirma que o uso da língua popular – ainda que com seus erros gramaticais – é válido na tentativa de estabelecer comunicação. O livro lembra que, caso deixem de usar a norma culta, os alunos podem sofrer “preconceito linguístico”. “Fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas.”
O livro foi escolhido por um total de 4.236 escolas que definiram a obra “mais apropriada a cada contexto”, considerando as “propostas pedagógicas e curriculares desenvolvidas”, informou o Ministério da Educação. O MEC não comenta o mérito do livro – ressalta que coube a docentes da UFRN aprovar a obra e a cada escola a decisão de adotá-la ou não nas salas.
Padrões – Em nota divulgada pelo MEC, a autora defendeu que a ideia de “correto e incorreto no uso da língua deve ser substituída pela ideia de uso da língua adequado e inadequado, dependendo da situação comunicativa”. Cercado pela polêmica que o livro levantou, o MEC observa que a seleção do conteúdo didático não coube ao ministério.
Os livros do Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLDEJA) são encaminhados para uma comissão, responsável pela avaliação e seleção das coleções didáticas. No caso de Por uma Vida Melhor, o debate ficou entre um grupo de docentes da UFRN. Depois de aprovadas, as obras são colocadas à disposição no Guia do Livro Didático, que funciona como uma ferramenta de orientação
na definição dos títulos.O ministério arca com as despesas dos livros.
Programa – Ao tratar dos componentes curriculares, o edital do programa do Ministério da Educação previa que os alunos do segundo segmento – do 6.º ao 9.º ano do ensino fundamental, que receberam a obra – “demandam novos tipos de reflexão sobre o funcionamento e as propriedades da linguagem em uso” e “a sistematização dos conhecimentos linguísticos correlatos mais relevantes”.
O edital também diz que “cabe ao ensino de língua materna, nesse nível de ensino-aprendizagem, aprofundar o processo de inserção qualificada do aluno na cultura da escrita”. O MEC afirmou que até ontem não havia pedidos de devolução dos exemplares. A Editora Global informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que é responsável pela comercialização e pela produção do livro, mas não pelo seu conteúdo. Procurada, a assessoria da UFRN disse que não se pronunciaria.
‘O livro é fruto da minha carreira. Escrevi o que já havia praticado’
Entrevista com Heloisa Cerri Ramos, coautora do livro “Por uma vida melhor”.
● Foi um mal entendido?
Pegaram uma frase sem contexto. Dentro do capítulo que trata de concordância nominal e verbal, explico que, na língua oral, quando se diz “os livro é popular”, entende-se que é plural. Mas, na verdade, acho que houve uma falta de aceitação. A mídia diz que a escola não produz aprendizagem, mas quando se mostra um aspecto pedagógico ou didático, ela tem posição conservadora, trata com ironia.
● A discussão, então, é antiga?
Sim. Há pelo menos 30 anos se fala disso entre os que se preocupam em democratizar o ensino. Talvez em um tempo em que só a elite ia para escola, a normal culta bastasse. Hoje, com o acesso da classe popular, a formação tem de ser mais ampla. E nosso livro é direcionado ao Ensino de Jovens e Adultos. Foi feito para aquele que pode ter sido discriminado por falar errado. Não defendo uma escola que fique parada na linguagem popular. Com o aprendizado, o estudante se vê como um falante da sua língua e sabe que, sem a norma culta, não terá acesso a bens culturais e conhecimentos científicos.
● O espanto, então, é por que você escreveu, colocou no papel, o que já se discute há tempos?
Sim. Acho que nenhum livro didático falou diretamente disso. Nosso livro tem a linguagem voltada para o aluno. Por isso, explicito essa questão da concordância. Recebi elogios de colegas. Muitos deles disseram que eu fui corajosa.
● E como é receber críticas de professores e de membros da Academia Brasileira de Letras?
Estou muito tranquila. Não cometi nenhum erro conceitual. O livro é fruto da minha carreira. O que eu escrevi, já havia praticado com meus alunos. E o livro também recebeu pareceres antes da publicação. Os outros dois autores da coleção e eu sempre falamos: se ninguém quiser os nossos livros, nós queremos.
(O Estado de São Paulo)
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