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Bem-vindos ao mundo dos adultos. Ou não? (Canal Ibase)

http://www.canalibase.org.br/bem-vindos-ao-mundo-dos-adultos-ou-nao/

11/03/2013

Renzo Taddei
Colunista do Canal Ibase

O texto abaixo é uma reflexão sobre o que significa hoje, em face às crises globais –  política, econômica e ambiental -, atravessar a fronteira que separa o mundo dos jovens do dos adultos. Foi escrito por ocasião de minha indicação a paraninfo da turma de formandos do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e lido em cerimônia de colação de grau, no dia 2 de março de 2013. O texto, no entanto, fala não apenas aos graduandos da referida turma, mas a todos os jovens que se acham de alguma forma interpelados pelas exigências do mundo adulto, interpelação esta que se dá na forma de pressão para que tais jovens se conformem e se adequem às estruturas e formas de organização social existentes. Por essa razão, decidi reproduzi-lo nesta coluna. O texto foi mantido tal qual foi apresentado.

 

Foto: adam.declercq/Flickr

Inicialmente não posso deixar de agradecer a minha indicação a paraninfo da turma, coisa que verdadeiramente me emocionou. Essa é a primeira vez que isso me acontece. E como seria de se esperar de um paraninfo de primeira viagem, fui pesquisar do que se trata. A rigor, o paraninfo é um padrinho ligado à identidade profissional dos formandos, alguém de quem se espera que diga algo no rito de passagem da formatura que seja ao mesmo tempo uma última aula – mas não exatamente, porque nesse momento vocês não são mais estudantes -, e que seja também o primeiro conselho profissional – mas não exatamente, porque nesse momento vocês ainda não estão formados. Vocês estão, nesse exato instante, em processo de transformação. Entraram nesse auditório como estudantes, e vão sair como bacharéis. Por isso a colação de grau é um rito de passagem: vocês saem diferentes do que entram, alguma coisa se transforma no processo. Nesse meu discurso, quero falar um pouco sobre isso que muda, que se transforma. E como isso se transforma, em que direção, pra onde vai.

Alguns de vocês certamente devem estar se perguntado se eu não vou simplesmente congratular os formandos e dizer que o Brasil precisa deles, que se esforcem para fazer desse um país melhor, que agora eles tem uma responsabilidade para com a sociedade, etc.– o discurso padrão, pré-formatado, disponível na Internet. Pois é, não vou. Isso seria perder o tempo de vocês e o meu. Se vocês me elegeram paraninfo – eu, que não sou jornalista, publicitário, editor, produtor, diretor, apresentador ou locutor; eu, que nem sequer sou professor das habilitações profissionais da Escola de Comunicação, mas ao invés disso sou um humilde professor de disciplina do ciclo básico, antropologia -, alguma razão deve haver. Nem que ela seja apenas certo gosto por viver perigosamente (dado que quem teve aula comigo sabe que eu tenho certa tendência a ser provocador e subversivo).

De qualquer forma, não posso evitar certo ponto de vista antropológico. Então, gostaria inicialmente de dizer que vocês são privilegiados. Já foram mais longe do que o Bill Gates e o Steve Jobs – ambos abandonaram os estudos universitários, e, portanto, não viveram esse rito de passagem que vocês vivem aqui hoje. Mas obviamente não é disso que quero falar. De certa forma, se há uma equivalência ou continuidade entre esse rito de passagem, a graduação universitária, e os ritos de passagem vividos por outras coletividades e grupos sociais, essa equivalência existe nos rituais nos quais um indivíduo passa a desempenhar, de forma integral, papéis de adulto. Esses são tradicionalmente chamados ritos de puberdade. “Mas a puberdade já passou faz tempo!”, vocês me dirão. Pois é aí mesmo onde reside o privilégio: entre deixar de ser criança e passar à condição de adulto, de forma integral, nossa civilização criou a adolescência, esse período que não acaba nunca, e onde tudo é mal definido, esquisito, tudo está de alguma forma fora do lugar, sem que se saiba exatamente o porquê. Em geral, a adolescência não existe nas culturas não ocidentais, e não existia no mundo ocidental até por volta da década de 1880. Na visão de muitos povos não ocidentais, o que nós ocidentais fazemos é infantilizar os indivíduos por quase uma década, e depois exigimos maturidade, como se ela surgisse num passe de mágica. Mas sabemos que as coisas entre nós não se dão exatamente dessa forma.

Ou seja, se vocês fossem índios – isto é, se não forem; quem sabe alguém aqui seja – já teriam passado pelo ritual que faz de alguém um adulto há muito tempo. Como vocês podem ver, não há qualquer relação entre ser adulto, no sentido que estou usando aqui, e uma determinada idade cronológica. Em algumas sociedades pode-se ganhar o status de adulto aos 7 anos; em outras,  como no mundo acadêmico em que eu vivo, por exemplo, a cidadania integral só se consegue com a obtenção do título de doutor, e a vida adulta raramente começa antes dos 30 anos. Tomemos então o conceito de adulto como equivalente a estar integrado de forma plena à ordem social vigente, às instituições centrais do meio social em que o indivíduo vive.

Voltando ao rito de passagem, um rito que funcione como tal não é apenas uma formalidade. Ele opera uma certa mágica, algo que efetivamente transforma quem por ele passa. A famosa frase “eu vos declaro marido e mulher”, ou a temida “eu declaro o réu culpado”, tem o poder de operar uma transformação real na identidade do sujeito; transformação que não ocorreria sem a existência do rito. Infelizmente, grande parte dos nossos ritos se burocratizou. O que os exemplos antropológicos mostram é que os ritos de passagem mais eficazes são aqueles em que o simbolismo associado à transformação da identidade é vivido materialmente, através de objetos capazes de grande mobilização emocional – como a hóstia, as alianças, o anel de formatura, o diploma, os trajes especiais -, e mais ainda quando essa materialidade é vivida no corpo – como as distintas formas de circuncisão, as escarificações (a produção de cicatrizes), tatuagens específicas, o corte dos cabelos, os estados de transe e outras práticas que envolvem alguma forma de dor. Numa conhecida prática que é parte do ritual de puberdade dos índios Maués e de outras tribos amazônicas, por exemplo, os jovens são levados a inserir uma das mãos em uma luva cheia de formigas tucandeiras, e devem suportar, por 15 minutos, a dor das ferroadas. Em nossa sociedade há muitos rituais que deixam marcas no corpo e que envolvem sofrimento: sem mencionar o “pede pra sair” do Capitão Nascimento, outro exemplo talvez igualmente chocante – pra quem não é da nossa tribo, obviamente – é o fato de que muita gente acha que antes de aparecer nas fotos de celebrações como essa, é preciso deformar o corpo de alguma forma: suando muito nas academias, submetendo-se a dietas alimentares agressivas, e até a cirurgias plásticas. Perto disso tudo, a monografia de graduação parece moleza.

Mas qual a necessidade disso tudo? Por que a transição à vida adulta não ocorre de forma gradual, sem que um ritual marque o momento, produzindo uma singularidade no transcorrer da vida que desordena e reordena as coisas? Num texto publicado há alguns anos no Brasil, Levi-Strauss narra e analisa um fato ocorrido na cidade de Dijon, França, no ano de 1951, que pode nos ajudar a entender essa questão. Mais precisamente no dia 24 de dezembro daquele ano, padres promoveram o enforcamento da figura do Papai Noel, que posteriormente foi queimado, em frente à catedral da cidade. A acusação: paganizar o Natal. No dia seguinte, o velhinho foi ressuscitado pela prefeitura da cidade, e apareceu no topo do prédio do governo municipal, falando às crianças, como fazia tradicionalmente. Essa sequência de eventos naturalmente gerou um intenso debate, que se espalhou por toda a França. Na opinião de Levi-Strauss, no entanto, mais importante do que discutir se se deve dar cabo ou não do Papai Noel, ou porque as crianças gostam tanto dele, é tentar entender por que é que os adultos o criaram, em primeiro lugar. Afinal, o Papai Noel não é invenção das crianças; estas são levadas a acreditar nele, por influência direta dos adultos. A resposta é bastante óbvia: o Papai Noel é um instrumento através do qual os adultos exercem controle sobre as crianças. “Só ganha presente quem se comportar bem, deitar-se quando mandado, comer tudo”. Levi-Strauss segue adiante para mostrar que os dados antropológicos são abundantes em relação ao fato de que os adultos temem as crianças, ou os não-ainda-plenamente-adultos.

E por que é que os adultos temem as crianças e os jovens, os não-ainda-plenamente-adultos? Porque esses têm o poder de bagunçar a vida adulta, desorganizar a ordem estabelecida, são subversivos por natureza – e, em muitas tradições, inclusive a nossa, isso literalmente é entendido como uma questão de natureza, em oposição à sociedade: as crianças são parte do mundo da natureza, mundo esse que é ao mesmo tempo uma ameaça ao mundo social, essencialmente dos adultos (e, frequentemente, dos homens), e precisa ser conquistado por este. Esse medo resulta na criação de personagens como o Papai Noel e o bicho papão, apenas para mencionar dois exemplos mais familiares; resulta também na necessidade de submeter os ainda-não-adultos a ritos de passagem psicologicamente intensos, de modo a construir, através do rito, um novo adulto, desnaturalizado e socializado.

E aqui estamos chegando ao que interessa. O que eu acabo de dizer é que todo ritual tem um duplo efeito: por um lado, transforma a identidade de quem passa por ele, de modo que o indivíduo interiorize os valores da sociedade e localize-se, de forma produtiva, nela; por outro, o ritual promove a ratificação dos poderes instituídos, o reforço das estruturas de poder, do status quo. Nesse mesmo ritual que vivemos aqui, no momento em que cada um de vocês ganha a credencial de bacharel, renova-se a sacralidade da universidade enquanto poder instituído legitimamente, com autoridade para traçar a linha dos que têm e dos que não têm acesso aos privilégios trazidos por tal credencial. Renova-se também a sacralidade da autoridade dos professores – vejam só como estamos em posições espaciais diferentes aqui hoje, vocês mais embaixo, os professores mais acima, vocês aqui para receber algo, os professores para dar algo. O mesmo ocorre num tribunal, em uma cerimônia de casamento ou em um batismo: ao mesmo tempo em que alguém é condenado ou absolvido, ou casado, ou batizado, é reforçado o poder do Estado ou da instituição religiosa.

Até aqui, tudo certo: não é difícil encontrar livro de introdução à antropologia que diga, ou pelo menos dê a entender, que as sociedades sempre se organizaram dessa forma, de modo que esse é um fato da realidade. O problema é que, na minha visão, isso existe em contradição com a ideia, tão repetida em discursos de paraninfo mundo afora, de que os formandos devem contribuir na construção de um mundo melhor. Trata-se de um problema de incompatibilidade entre forma e conteúdo: falar em mudanças, ou seja, na construção de um mundo melhor, num ritual que promove a reprodução das coisas como elas são, que coopta mentes e corações jovens e os coloca no centro das estruturas sociais que criaram e mantém em funcionamento o mundo que se pretende mudar. Talvez, se vivêssemos em um mundo com problemas menores, precisando de pequenas reformas aqui e ali, mas no qual o estado geral da vida fosse o de plenitude e alegria, esse fosse o caso.

Mas não há nada mais radicalmente oposto à realidade na qual nos encontramos. O mundo não precisa de pequenas reformas; os problemas da atualidade são estruturais e profundos. Aproveitando que estamos aqui, no Centro de Tecnologia, coração da engenharia da UFRJ, eu diria que, se perguntarmos a um engenheiro civil o que se deve fazer com um edifício com problemas estruturais profundos, ele diria: é preciso demolir o edifício, e fazer outro, sobre base mais sólida, com estrutura mais adequada. Mas quais são esses problemas, tão sérios, no mundo em que vivemos? Eu certamente não precisaria (nem conseguiria, se quisesse) listar os problemas que temos diante de nós, dado o fato de que vocês talvez estejam entre as pessoas mais bem informadas do planeta. Mas permitam-me citar apenas alguns, de modo a colocar recheio no argumento que estou construindo aqui. O mundo vive, já há cinco anos, uma crise econômica global sem precedentes, crise na qual ficou claro o quanto os Estados nacionais funcionam para manter o mercado mundial em funcionamento, atendendo a interesses das grandes corporações, e em detrimento de suas próprias populações (basta analisar a relação entre governos, bancos e a população, em países como os Estados Unidos, Inglaterra, Itália e Espanha, para se ver isso com clareza; ou a relação entre governos, empreiteiras, mineradoras e a população, no caso do Brasil).

Além disso, o mundo vive há pelo menos trinta anos uma crise ambiental sem precedentes, e continuamos ouvindo dos governos americano e chinês a mensagem de que sua produção econômica no curto prazo é mais importante do que a vida no planeta no futuro. Isso dá certo alívio ao governo brasileiro, que pode apenas entrar no vácuo dos gigantes americano e chinês, sem ter que declarar explicitamente que tem a mesma posição. Ao mesmo tempo, vemos grande parte da Europa trabalhando na transição de suas matrizes energéticas em direção a fontes de energia que não agridem os ecossistemas locais (como a energia solar; detalhe que não estou falando de energias supostamente “limpas”, mas das que não agridem os ecossistemas. As hidrelétricas, por exemplo, não apenas são grandes agressoras dos ecossistemas, como alimentam a perversão política que é o papel das grandes empreiteiras no financiamento das campanhas políticas nesse país); enquanto isso o Brasil trabalha para tornar-se o sexto maior produtor de petróleo do mundo! Nada como ser capaz de mobilizar um time excelente de publicitários para ser capaz de andar na contramão do bom senso e ainda ter apoio popular. E some-se a isso tudo o fato de que no Brasil, os 20% mais ricos detém 60% de toda a riqueza nacional; metade da população economicamente ativa, mais de 50 milhões de pessoas, trabalha de sol a sol para o enriquecimento de duas ou três centenas de famílias.

E eu nem mencionei a política. Alguém acha que as estruturas políticas brasileiras funcionam bem? Ninguém sabe, porque ninguém sabe como elas funcionam!

Enfim, esse é o mundo dos adultos em que vocês são, agora, admitidos de forma integral. Não é de se estranhar que um bocado de gente jovem resista a esse processo, muitas vezes entendido, literalmente, como um processo ilegítimo de cooptação. O mundo dos adultos – ou seja, do status quo, das instituições de poder que nos trouxeram até aqui – está moralmente falido. Construir um mundo melhor, em qualquer sentido que não seja apenas a reprodução de retórica vazia, é tarefa necessária, mas que não vai deixar os adultos felizes. Ou seja, para que os jovens efetivamente construam um mundo melhor, o que se vislumbra não é a paz entre adultos e jovens, paz supostamente produzida pelos ritos de passagem mencionados por mim anteriormente; ao invés disso, o que se pode esperar é a espada, para usar termos bíblicos.

E, vejam só, não estou falando de algo – jovens comprometidos com a criação de um mundo melhor – que não esteja, já, acontecendo: a única novidade política interessante, na última década, é a novidade produzida por movimentos jovens, em reação à falência moral e material do mundo dos adultos: estou me referindo aos muitos movimentos de ocupação, como o Occupy Wall Street, que se multiplicou e se espalhou pelo mundo todo; às manifestações juvenis contra os partidos do status quo no México (o PAN e o PRI), além do movimento zapatista no estado de Chiapas; ao movimento Idle no More no Canadá, que, como o movimento zapatista, uniu a juventude às lideranças indígenas locais; ao 15-M, na Espanha; à participação dos jovens nos eventos ligados à chamada Primavera Árabe; à importância da Cúpula dos Povos, na Rio+20, onde se articularam ações políticas mais interessantes que a prevista paralisia política dos diplomatas que participaram da reunião oficial. Ainda no Brasil, está claro que podemos, através de movimentos descentralizados, combinando manifestações públicas e petições pela Internet, forçar o governo a ações específicas, como ocorreu no movimento em apoio aos índios Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul.

Ou seja, a boa novidade é que não é necessário inventar as soluções e ferramentas para um mundo melhor a partir do zero; muitas coisas interessantes já estão em movimento. Basta que vocês sejam conscientes e autônomos para decidir como vão se posicionar no mundo. Achar que as sociedades sempre se organizaram integrando os jovens às estruturas existentes, e que, portanto, não há nada a fazer a esse respeito, é discurso dos que tem interesse em manter os jovens sob controle, ou seja, é discurso de quem efetivamente tem medo dos jovens – porque tem algo a perder com qualquer mudança no status quo.

“Mas esses movimentos que você mencionou não foram capazes de se constituir como alternativa política efetiva!”, dirão alguns. Esse tipo de afirmação revela, por parte de quem a enuncia, a dificuldade em pensar um mundo efetivamente diferente; é como se a única política possível é aquela que toma o poder, e não aquela que transforma o próprio poder em alguma outra coisa. O que é radicalmente interessante nesses movimentos jovens é a recusa que têm em querer tomar as estruturas de poder existentes. O poder, da forma que este se constitui e manifesta no âmago das sociedades ocidentais, é herança do mundo adulto falido, que a juventude não quer. O que os movimentos juvenis querem é construir um outro mundo, um outro poder, um  mundo que, inclusive, não está predefinido, não existe ainda – e tais jovens não tem medo de viver em incerteza e ambiguidade, posto que estas são marcas de todo momento de transição. Isso, aliás, é uma das coisas que gera ansiedade no mundo dos adultos, porque pode desorganizar o processo através do qual Estados e corporações criam riscos, incutem nas pessoas níveis elevados de medo, e apresentam-se, então, como protetores. Como a história não cansa de mostrar, gente sem medo é um atentado à soberania de Estados fundados no medo.

Enfim, o que eu estou propondo aqui não é que todos rejeitem esse ritual, que desistam do título de bacharel, mas, ao invés disso, que vocês tomem controle sobre a mágica do ritual. Que o título de bacharel não seja uma forma de anular a sua capacidade de efetivamente transformar o mundo, mesmo que à revelia do que querem seus pais, professores, patrões, médicos, juízes, o Estado. Ao contrário, que vocês, ao invés de serem vítimas do título de bacharel, ou seja, de terem que se transformar para caber na persona social com direito oficialmente ratificado de usá-lo, tomem para si a missão de definir o que será ser bacharel, em suas vidas, e na sociedade que irão criar.

Ou seja, e para finalizar, o que eu quero propor de forma substantiva aqui são duas coisas, que considero fundamentais para que vocês estejam preparados para participar na criação de um mundo efetivamente, e não apenas retoricamente, melhor. A primeira é: não acreditem em identidades. Ou, pelo menos, não sejam vítimas delas. Nunca se deixem reduzir a uma ou a um número restrito de possibilidade de ser e estar no mundo: vocês nunca serão apenas jornalistas, publicitários, editores, produtores, diretores, apresentadores ou locutores. Vocês sempre serão muito mais do que isso. As identidades têm o potencial de se transformar em uma forma de tirania, de fascismo, mesmo quando isso se manifesta na forma de conflitos psicológicos internos ao indivíduo. Cada um de vocês não é um, são muitos. As possibilidades para o futuro são infinitas; nunca se deixem convencer, com ou sem rito de passagem, do contrário.

O segundo conselho: não vivam com medo. Do Papai Noel e bicho papão em diante, o mundo adulto administra quem pode efetivamente transformar a sociedade usando o medo. O medo é paralisante, algo que não convém quando o objetivo é mudar algo, e muito menos quando se quer mudar algo grande, como o mundo. A obra de construir um mundo melhor passa, necessariamente, pela desarticulação da grande burocracia do medo que nos controla a todos. Nesse sentido, o trabalho de vocês não será fácil, dado que tal burocracia tem na mídia uma de suas principais ferramentas.

Uma decorrência prática destes dois conselhos – não se deixar levar pela ilusão das identidades ou pelo discurso paralisante do medo -, é que vocês devem estar prontos para enfrentar resistência. Ou seja, não é possível querer mudar o mundo e, ainda assim, viver buscando aplausos; quem efetivamente mudou o mundo, no passado, enfrentou desafios homéricos. A boa notícia é que ninguém mais precisa ser um Ulisses ou um Aquiles; ninguém está sozinho, o movimento já está em curso, e, como diz um dos seus principais expoentes, “somos legião”. Basta a cada um escolher como irá participar: como agente, participante efetivo, ou como observador distante, alguém que, mais tarde, será inevitavelmente arrastado pela corrente.

Humanidade deve começar a se preocupar com descoberta de vida alienígena, diz relatório (O Globo)

Fórum Econômico Mundial listou cinco fatores X, problemas sérios e ainda remotos que devem ter impacto na vida na Terra

RENATA CABRAL

Publicado:9/01/13 – 12h09 / Atualizado:9/01/13 – 15h27

RIO – Enquanto o mundo concentra suas preocupações na crise nos países desenvolvidos e no aquecimento global, o Fórum Econômico Mundial alerta para os chamados “fatores X”, que, segundo a organização, já deveriam estar na pauta de discussão de países e organizações internacionais por terem consequências incertas e, por isso, poder de desestabilizar a atual ordem mundial — entre eles, a descoberta de vida alienígena. O abuso da tecnologia para aumentar a produtividade no trabalho e nos estudos também é citado.

Com o ritmo da exploração do espaço nas últimas décadas, diz o documento, é possível considerar que a humanidade pode descobrir vida em outros planetas. A maior preocupação seria sobre os efeitos nos investimentos em ciência e sobre a própria imagem do ser humano. Supondo que seja encontrado um novo lar em potencial para a humanidade ou a existência de vida em nosso sistema solar, a pesquisa científica teria deslocados grandes investimentos para robótica e missões espaciais. Além disso, as implicações filosóficas e psicológicas da descoberta de vida extraterrestre seriam profundas, desafiando crenças das religiões e da filosofia humana. Por meio de educação e campanhas de alerta, o público poderia se preparar melhor para as consequências desse processo, indica o fórum.

O relatório anual sobre os riscos globais, publicado duas semanas antes do encontro anual que ocorrerá em Davos, teve colaboração da revista científica “Nature” considerando cinco fatores X: além da descoberta de vida em outros planetas, o avanço cognitivo do cérebro humano pelo uso de estimulantes, o uso descontrolado de tecnologias para conter as mudanças climáticas, os custos de se viver mais e as próprias mudanças climáticas em curso. De acordo com o relatório, antecipando-se a essas questões, seria mais fácil agir preventivamente e não ser pego de surpresa quando eles emergirem.

Apesar de as ameaças das mudanças climáticas serem conhecidas, o relatório também indaga se já passamos de um ponto dramático de não retorno. Por isso, para além do tema que guiou os debates na última década — se os seres humanos seriam ou não responsáveis por alterar o clima da Terra —, poderíamos ter de caminhar para discussões forçadas sobre como fortalecer a resiliência e a capacidade de adaptação para lidar com um novo ambiente que pode nos levar a um novo e ainda desconhecido equilíbrio.

Segundo o Fórum Econômico Mundial, outra preocupação de hoje sobre problemas ainda remotos deve ser o avanço cognitivo do ser humano. Há o temor de que no futuro as pessoas abusem da tecnologia que permite turbinar a performance no trabalho e nos estudos. O esforço dos cientistas para tratar doenças como Alzheimer ou esquizofrenia leva a crer que num futuro não muito distante pesquisadores vão identificar substâncias que permitam melhorar os estimulantes de hoje, como a Ritalina. Apesar de serem prescritos para pessoas com doenças neurológicas, esses remédios seriam usados no dia a dia como já ocorre hoje.

O avanço poderia também vir de hardwares, diz o relatório. Estudos mostram que a estimulação elétrica pode favorecer a memória. Diante disso, seria ético aceitar que o mundo se dividisse entre os que tiveram oportunidade de ter a parte cognitiva reforçada ou não?, indaga o documento. Haveria, ainda, o risco de esse avanço dar errado. O impacto dessas novas tecnologias é esperado para dentro de 20 ou 50 anos.

A utilização descontrolada de tecnologias de geoengenharia também é vista como um problema pelo Fórum Econômico Mundial. Apesar de ter diferentes aplicações, espera-se usar a tecnologia para controlar as mudanças climáticas. A ideia básica é que poderiam ser jogadas pequenas partículas na estratosfera para bloquear a energia solar e refleti-la de volta ao espaço. Mas os efeitos colaterais poderiam ser custosos demais, diz o documento. Poderia haver alterações significativas em todo o sistema climático, com redução da luz solar, o que alteraria a forma como a energia e a água se movimentam no planeta. Essa opção não é considerada no curto prazo. Muitos estudiosos já chamaram atenção para os riscos dessa tecnologia. Por isso, poderia surgir um espaço para que experimentações sem regulação ocorressem, alerta o relatório.

Os custos de viver mais seriam outro fator X de preocupação, uma vez que os países não têm se preparado para viver com os altos custos que a terceira idade implica e com uma massa de pessoas que sofrerão de doenças como artrite e demências. Isso porque a medicina do século 20 avançou muito nas descobertas relativas às doenças genéticas, decifrando o genoma humano. São esperados ainda mais avanços em doenças do coração e do câncer. O relatório preocupa-se com o impacto na sociedade de uma camada da população que consegue prever, logo evitar, as causas mais comuns de morte hoje, mas com uma deterioração da qualidade de vida. Mais pesquisas seriam necessárias para encontrar soluções para essas condições, hoje consideradas crônicas.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/economia/humanidade-deve-comecar-se-preocupar-com-descoberta-de-vida-alienigena-diz-relatorio-7239466#ixzz2HZQ0ax47 
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The Decline of the ‘Great Equalizer’ (The Atlantic)

DEC 19 2012, 9:15 AM – DAVID ROHDE, KRISTINA COOKE, AND HIMANSHU OJHA

Massachusetts, home to America’s best schools and best-educated workforce, has seen income inequality soar. Why? The poor are losing an academic arms race with the rich.

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Reuters

“Education then, beyond all other devices of human origin, is a great equalizer of the conditions of men — the balance wheel of the social machinery.”
Horace Mann, pioneering American educator, 1848

“In America, education is still the great equalizer.”
Arne Duncan, U.S. Secretary of Education, 2011

BOSTON – When Puritan settlers established America’s first public school here in 1635, they planted the seed of a national ideal: that education should serve as the country’s “great equalizer.”

Americans came to believe over time that education could ensure that all children of any class had a shot at success. And if any state should be able to make that belief a reality, it was Massachusetts.

The Bay State is home to America’s oldest school, Boston Latin, and its oldest college, Harvard. It was the first state to appoint an education secretary, Horace Mann, who penned the “equalizer” motto in 1848. Today, Massachusetts has the country’s greatest concentration of elite private colleges, and its students place first in nationwide Department of Education rankings.

Yet over the past 20 years, America’s best-educated state also has experienced the country’s second-biggest increase in income inequality, according to a Reuters analysis of U.S. Census data. As the gap between rich and poor widens in the world’s richest nation, America’s best-educated state is among those leading the way.

Between 1989 and 2011, the average income of the state’s top fifth of households jumped 17 percent. The middle fifth’s income dropped 2 percent, and the bottom fifth’s fell 9 percent. Massachusetts now has one of the widest chasms between rich and poor in America: It is the seventh-most unequal of the 50 states, according to a Reuters ranking of income inequality. Two decades ago, it placed 23rd.

If the great equalizer’s ability to equalize America is dwindling, it’s not because education is growing less important in the modern economy. Paradoxically, it’s precisely because schooling is now even more important.

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One force behind rising inequality, in both America and other advanced economies, is well-known. The decline of manufacturing and the replacement of clerks and secretaries with software mean there are fewer high-paying jobs for low-skilled workers.

The good jobs that do exist increasingly require higher education: Since the recession started in the U.S. in 2007, the number of jobs needing a college degree has risen by 2.2 million, according to a recent Georgetown University study. The number of jobs for mere high-school graduates fell by 5.8 million.

FALLING BEHIND THE RICHJust to stay even, poorer Americans need to obtain better credentials. But that points to another rich-poor divide in the United States. Educators call it the scholastic “achievement gap.” It has been around forever, but it’s getting wider. Lower-class children are getting better educations than before. But richer kids are outpacing their gains, which in turn is stoking the widening income gap.

Across the country, a Stanford University study found last year, the achievement gap between rich and poor students on standardized tests is 30 to 40 percent wider than it was a quarter-century ago. Because excellent students are more likely to grow rich, the authors argued, income inequality risks becoming more entrenched.

“Now, we’re in a situation where we need to educate everyone at the level of the elite in the past,” said Paul Reville, Massachusetts secretary of education. “We don’t have a system to do that.”

It’s an academic arms race, and it can be seen in the sharply contrasting fortunes of Weston, a booming Boston suburb, and the blue-collar community of Gardner, where a 20-foot-tall chair sits on Elm Street as a monument to the town’s past as a furniture-manufacturing hub.

The percentage of Gardner children bound for four-year colleges has held steady at about half in the past decade, and median incomes have tumbled as furniture makers headed south or overseas. Gardner High School graduate Curtis Dorval dropped out of the University of Massachusetts this year after his father, a Walmart worker, ran short of money. He’s working at a Walmart now, too, and then heading off to the military.

In Weston, hedge-fund managers are tearing down modest homes to build mansions. Per-capita incomes have leaped 161 percent in the past two decades, and the high school is sending 96 percent of its graduates to universities.

Tanner Skenderian, president of the class of 2012, is now at Harvard; in her graduation speech, she told her classmates to “reach for the moon.”

VICIOUS CYCLE

This correlation between educational attainment and financial fortune is clear statewide. In the bottom fifth of Massachusetts households, the average income dropped 9 percent in the past 20 years to $12,000. They fared worse despite a sizable gain in educational attainment: The share of people 25 and older in the group with a bachelor’s degree rose to 18.5 percent from 11 percent.

The same thing happened to the middle fifth. Their average income slipped 2 percent to $63,000. The share of adults with a bachelor’s rose to 43 percent from 29 percent.

But the top fifth saw their average income leap 17 percent, to $217,000, as their education levels soared far higher. Three-quarters had a bachelor’s, up from half. Fully 50 percent had a post-graduate degree, up from a quarter.

GRAPHIC: Degrees of inequity: Bay State households at all levels of income are getting better educations. But only the richest are seeing income rise.

Some Massachusetts officials say they fear a vicious cycle is taking hold, in which income inequality and educational inequality feed off each other. Democrats and Republicans agree that the increased disparity is a threat to economic mobility in the state. But as in much of the rest of the United States, they disagree over what to do about it. Democrats argue the solution is more – and earlier – schooling. Republicans believe traditional public schools are part of the problem.

The education gap is just one factor behind growing inequality. The U.S. economy has been so weak that large numbers of graduates are underemployed: In 2010, according to Andy Sum, director of the Center for Labor Market Studies at Northeastern University in Boston, only 59 percent of Massachusetts adults with a bachelor’s degree were in jobs that actually required one.

Long-term changes in marriage patterns matter, too, because they are stoking the educational-attainment gap that in turn feeds the income chasm.

People are increasingly more likely to marry their educational equal, Sum’s research finds, creating well-paid two-income couples at the top. At the bottom fifth, the number of single-parent families has risen 15 percent since 1990. Those parents have lower incomes and less time to devote to their children’s schooling. In a pattern echoed nationwide, 70 percent of Massachusetts families with children in the bottom fifth are headed by a single parent – compared with 7 percent in the top fifth.

“All the evidence shows that children born to two highly educated, high-income people tend to obtain the highest level of academic achievement,” said Sum. “At the bottom, where the mom is not that well-educated and tends to have lower income, children tend to do worse.”

EDUCATED BUT MEDIOCRE

A brainier workforce alone isn’t sufficient to drive growth, though. Even as education levels in the Bay State have risen lately, faster growth hasn’t followed. Between 2000 and 2010, Sum found, Massachusetts ranked just 37th in job creation. In fact, none of the 10 states with the top students placed in the top 10 on payroll growth.

“The best educated states were overwhelmingly mediocre in job creation,” he wrote in a study last year. He urges states to complement education with such steps as tax credits, infrastructure spending and on-the-job training.

Seventy miles northwest of Boston, Gardner once touted itself as the “chair-making capital of the world.” The factories employed thousands of workers who supported large families on single incomes. The first workplace time-recorder was invented here, too; as a result of its adoption, “punching the clock” became part of the vernacular.

Today, the factories have gone south or closed. Gardner still calls itself the furniture capital of New England but because of its outlet stores, not its factories. The biggest employers are a hospital and a community college. Retail jobs at Walmart and other chains have replaced better-paying factory work. Between 1989 and 2009, the town’s per capita income slipped 19 percent to $18,000.

A town of some 20,000 people, Gardner has roughly twice the population of wealthy Weston, but spends just 60 percent as much on education. The town’s high school has had six principals in the past eight years.

Even kids who excel at Gardner High School increasingly face financial hurdles after they graduate, say teachers and students. Mayor Mark Hawke said cost routinely prices high-achieving students out of elite private colleges. “It happens every day,” he said.

David Dorval, 47, was laid off in 2009 after working at an area hospital registering patients for 16 years. Dorval, who has an associate’s degree, struggled to find work, and he and his wife divorced. Today he takes home $1,000 a month at Walmart in Gardner and pays half of his earnings to his ex-wife in child support. He goes to his 79-year-old mother’s house for lunch each day.

“I don’t feel like I am able to do what my parents were able to do,” he said. “My parents were able to support eight kids.”

PRICED OUT

His son, Curtis Dorval, works at Walmart as well. When he was a senior at Gardner High School, Curtis was class president. He was accepted by Northeastern University, a private school in Boston.

But Northeastern cost $50,000 a year, which Curtis, then 17, felt he couldn’t afford. Instead, he enrolled last year at the state-run University of Massachusetts Amherst, studying mechanical engineering. With the help of a scholarship for graduating in the top quarter of his class, Curtis paid $10,200 a year.

He got some help from his father, who had saved up $10,000 in stocks and bonds from his days in the hospital job. This summer, that money ran out and Curtis left UMass to enlist in the Air Force. He will serve as an airman – and hopes to use military benefits to pay for parttime university classes.

“The main reason was I needed a way to pay for college,” he said.

David Dorval quickly used up his savings for Curtis's education. New England's excellent colleges are America's priciest - some 25 percent above the U.S. average. REUTERS/Brian Snyder

David Dorval quickly used up his savings for Curtis’s education. New England’s excellent colleges are America’s priciest – some 25 percent above the U.S. average. (Brian Snyder/Reuters)

That is the flip side of New England’s excellent universities: They are the most expensive in the country, according to a study by the College Board. A four-year education at a public or private university costs nearly one-fourth more than the national average.

Sticker shock is forcing those who do stay in college to pass up elite private schools for cheaper state ones. That’s also happening in the middle-class town of Leominster, a former plastics-manufacturing center 15 miles east of Gardner.

Among last year’s top students was Eric Marcoux, co-leader of the robotics team and member of the National Honor Society. He was accepted to Worcester Polytechnic Institute, a top private engineering university. WPI offered him a $20,000 annual scholarship – but he and his family still faced taking on roughly $30,000 a year in debt. Marcoux chose the University of Massachusetts Lowell, where he’ll have to borrow only half as much.

“It was a lot of going back and forth,” said Marcoux, whose dream is to work for Google. “It was a hard decision but I think it was the right one.”

Trading down can carry a stiff cost: A Harvard study published this year found that students who go to Massachusetts state colleges are less likely to graduate than those who attend Massachusetts private colleges.

The state has tried to help poorer kids. In the early 1990s, Massachusetts sharply increased state funding of local elementary and secondary schools and mandated comprehensive testing. The overhaul was designed to improve student performance and eradicate the achievement gap.

THE SAT GAP

Twenty years later, Massachusetts spends $4.8 billion a year on its public schools, up 83 percent from 1990. Children from lower income families have improved their scores on tests, but their results still lag, as a look at results from the Scholastic Aptitude Tests makes clear.

In the state’s five wealthiest school districts, students had average scores ranging from 594 to 621 on the 800-point college-admissions test in 2009-2010. In the five poorest districts for which data are available, the SAT scores averaged from 403 to 469.

Reville, the education secretary, wants a redoubled push on childhood education: The 1990s reforms were good but didn’t go far enough. “There is no way for someone who is poorly educated to be self-sufficient,” he said. “It’s in our national interest to do something that we should have done morally anyway.”

What he proposes is sweeping change.

Income depends on educational achievement, and the single best predictor of a child’s likelihood of academic success remains in turn the socio-economic status of his or her mother, said Reville. The solution to erasing the achievement gap involves, in essence, providing low-income students with the advantages their wealthier peers enjoy: pre-school at the age of three, tutors, summer camps, and after-school activities like sports and music lessons. Schools could contract with outside organizations to provide those activities, or lengthen their school day or school year by one-third.

Asked how much such an initiative might cost, Reville responded, “How much would it cost to give every child an upper-middle-class life?”

Such talk makes Massachusetts Republicans blanch. They say they care about income disparities that harm people’s ability to move up the income ladder. Americans are now less likely to move to a higher economic class in their lifetime than Western Europeans or Canadians, according to a number of recent studies.

Republicans argue that the problem is not resources in the public schools: Massachusetts already ranks No. 8 in the amount of money states spend per student, according to the Census Bureau.

CHOICE AND CHARTERS

“What Reville is suggesting is wraparound social services,” said Jim Stergios, executive director of the Pioneer Institute, a conservative think tank in Boston. “We think decentralized decision-making in the schools makes more sense.”

Instead of spending more, Stergios said, give parents greater choice over which schools their children attend. Expand the use of charter schools, financed by the public but managed independently. Make cities strictly follow the course of study set out by the state. Increase the accountability of teachers by linking pay to student test scores.

“We haven’t closed the (achievement) gap because the Massachusetts curriculum isn’t being taught rigorously enough in the urban areas, principals don’t have enough power and independence, and there’s a cap on charter schools,” said Stergios. “That’s why we haven’t seen the great equalizer working as it should.”

Adding to the complexity of addressing the income and educational gaps is a widening geographical divide in the state.

In Massachusetts, some 230,000 people were unemployed in October, Conference Board data show, and roughly 140,000 unfilled jobs were advertised online. Skilled professions, including software engineers and web developers, topped the list. Nearly seven out of 10 vacancies were in the Boston area.

Harvard economist Ed Glaeser calls this the new reality of a knowledge-based global economy. More than ever, innovation, growth and opportunity are clustered in large cities such as Boston. Let decaying factory towns become ghost towns. Instead of building better transportation links, Glaeser believes their inhabitants should be encouraged to move to the closest economic hub.

“In 1940, you wanted to be in an area with resources for your mill,” he said. “In 2012, you want to be in a cluster of smart people.”

CLASS CLUSTERS

Weston, where Glaeser himself lives, is such a cluster. But it isn’t for everyone. Its house prices and real estate taxes put it out of reach for most Massachusetts residents, which points up a conundrum.

As those who can afford to do so head for the clusters, inequality grows. Across the state, communities are becoming more homogenous by income group, said Ben Forman, research director at think tank MassInc.

“There are definitely more Westons now than there were a couple of decades ago,” Forman said. “What the research shows is that more economic segregation leads to high-income children performing better and better and lower-income children falling behind.”

The Boston suburbs where Weston is located are home to the most-educated workforce in the nation’s best-educated state, according to the Boston Federal Reserve.

A Reuters analysis of Census and American Community Survey data found that two-thirds of working-age adults in Weston and surrounding towns had at least a bachelor’s degree in 2010. That’s more than double the national average of 28 percent. Just 23 percent of their peers in Gardner and its neighbors had a bachelor’s or better. As earnings fell in Gardner they soared in Weston. In 1990, Weston residents made 3.5 times more than Gardnerites. By 2009, it was 12 to 1.

On a summer Tuesday afternoon, a man was reading a copy of “Horseback Riding for Dummies” outside Bruegger’s Bagels, the sole fast-food chain that Weston has allowed to open as it tries, with mixed success, to preserve its historic character.

One hedge-fund manager built a 22-room mansion with a basketball court, pool and 10-car garage. Another tore down two homes to build a private equestrian center for his wife and daughter with an indoor riding ring.

WESTON’S ADVANTAGES

Town leaders say they are struggling to keep the town from becoming even wealthier. “We have three selectmen who are trying to find ways to diversify our population with affordable housing,” said Michael Harrity, chairman of the board of selectmen. “It’s difficult when lots are selling for $700,000 for teardowns.”

One area where development is warmly welcome is education. This fall, the town opened a new $13 million science wing for Weston High School that includes nine state-of-the art labs and a multimedia conference center.

Weston High is one of the finest public schools in the country. In 2011, 96 percent of its graduates planned to go on to four-year degree programs. In Gardner, only about half did. Nationally, a 2011 University of Michigan study found that the gap in college-completion rates between rich and poor students has grown by about half since the late 1980s.

Those differentials have a long-term impact. An American with a bachelor’s degree earns on average about $1 million more over a lifetime than one with just some college, according to recent studies.

Another advantage Weston kids have is their involved and demanding parents.

Gardner High has no parent-teacher organization. In Weston, parents raised $300,000 last year for additional after-school activities in the public schools. Top scientists living in Weston help with school science fairs. Parental involvement is so intense that three parents sit on the interview panel for every prospective new teacher. Stay-at-home Weston mothers attend meetings of student-body leaders and help students organize events. They’re known as “Grade Moms”.

‘VERY FORTUNATE’
At Harvard Yard. A study ranked Massachusetts No. 1 in education, No. 37 in job creation. REUTERS/Brian SnyderAt Harvard Yard. A study ranked Massachusetts No. 1 in education, No. 37 in job creation. (Brian Snyder/Reuters)

Liz Hochberger, a recent president of the Weston Parent-Teacher Organization, said the town’s excellent public schools had become a “self-fulfilling prophecy.” Professors from Harvard and the Massachusetts Institute of Technology, along with the wealthy, move to Weston for its public schools, which further improves test scores and college acceptance rates. “Whenever someone is moving to this area and they research the schools,” Hochberger said, “this is always on the list.”

Tanner Skenderian, president of this year’s Weston High graduating class, joked in a speech about her town’s hyper-competitive students. “Welcome to Weston, where third graders take AP Physics, middle-school students sleep for 42 minutes a night, and the most competitive race run by the 2012 boys state champion track team was the race to get the cookies in the cafeteria,” she said.

Competition in high school was fierce. In one advanced placement physics class, she said, six of the 12 students were the children of professors at MIT, America’s premier science university.

But Tanner thrived there. She also found school to be a source of support after her father died while she was in middle school. This fall, she headed to Harvard, after spending the summer interning at the governor’s office. Given the job market, she said she may apply to business or law school after graduating.

Weston, in short, gave her an education that raises her odds of joining her mother – who owns a marketing and event-planning company – at the top of America’s economic ladder.

“We’re very fortunate that we’re rather affluent,” she said. “We have more opportunities, more technology, more classes and more teachers.”

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Edited by Michael Williams and Janet Roberts. See more at our Income Inequality homepage.

Wallerstein: a crise estrutural do capitalismo vai continuar (Revista Fórum)

13/11/2012 8:05 pm

(http://www.flickr.com/photos/buridan/)

Para sociólogo, o que ele denomina como sistema-mundo tem problemas de tal magnitude que não será possível sua sobrevivência, mas o que virá depois é algo ainda totalmente incerto

Entrevista a por Lee Su-hoon | Tradução de Hugo Albuquerque e Inês Castilho para o Outras Palavras

Em dois sentidos, pelo menos, o sociólogo norte-americano Immanuel Wallerstein parece disposto a contrariar as ideias que ainda predominam sobre a crise iniciada em 2007. Primeiro, no diagnóstico do fenômeno. Para ele, estamos diante de algo muito mais profundo que uma mera turbulência financeira. Foram abaladas as bases do próprio capitalismo. Ou, para usar um conceito caro a Wallerstein, do “sistema-mundo” que se desenhou a partir do século 16, em algumas partes da Europa, e se tornou globalmente hegemônico desde os anos 1800. Tal sistema teria atingido “o limite de suas possibilidades”, sendo incapaz de sobreviver à crise atual. Se ainda temos dificuldade para compreender o alcance das transformações em curso é porque, presos à inércia, demoramos a aceitar que “há alguns dilemas insolúveis”. “Nada dura para sempre – nem o Universo”, lembra Wallerstein, um tanto irônico.

O segundo ponto de vista não-convencional deste sociólogo – também um pesquisador de enorme repercussão internacional nos terrenos da História e da Geopolítica – diz respeito ao que virá, diante do eventual colapso do atual sistema-mundo. Ele diverge dos que pensam, baseados numa interpretação pouco refinada do marxismo, que podemos permanecer tranquilos – já que o declínio do sistema atual dará necessariamente lugar a uma ordem fraterna e socialista.

Não – diz Wallerstein – o futuro está mais aberto que nunca. O declínio do capitalismo pode abrir espaço, inclusive, a um sistema mais desumano – como sugere a forte presença, em todo o mundo, de correntes de pensamento autoritárias e xenófobas.

Estamos, portanto, condenados à ação, sugere este pensador, em cuja obra destaca-se a tetralogia “O Sistema Mundial Moderno”. Se o sentido do século 21 é imprevisível, isso deve-se ao fato de ele estar sendo construído neste exato momento, “em uma infinidade de nano-ações, desempenhadas por uma infinidade de nano-atores, em múltiplos nano-momentos. Em outras palavras, convoca Wallerstein, não se trata de prever o futuro, mas de construí-lo, inclusive em ações e atitudes quotidianas.

Para transformar, contudo, é preciso conhecer. Talvez por isso, embora aos 83 anos e consagrado por vasta obra teórica, Wallerstein dedica-se, em seu site, a análises quinzenais sobre temas contemporâneos muito concretos. Boa parte do material produzindo nos últimos dois anos traduzida e publicada por “Outras Palavras”. Entrevistado há poucas semanas pelo cientista político coreano Lee Su-hoon, ele avança no exame destes temas, muitas vezes expressando pontos de vista pouco usuais.

Indigado sobre a Europa, onde os cortes de direitos sociais e serviços públicos parecem não têm fim, propõe que se busque alternativas olhando, por exemplo, para a Argentina e Malásia. Estes países saíram da crise porque contrariaram, nas décadas de 1990 e 2000. Agora, pensa Wallerstein, o espaço para fazê-lo é ainda maior – mas é preciso ter coragem política.

O mundo irá tornar-se mais seguro se o Irã for impedido de desenvolver energia atômica? A resposta é “não”, garante este professor da Universidade de Yale: o atual Tratado de Não-Proliferação nuclear (TNP) é absolutamente hipócrita e será cada vez mais ineficaz. Contra o que ele preconiza, prevê Wallerstein, diversos países do Sul desenvolverão armas atômicas nos próximos anos – inclusive o Brasil…

China e Estados Unidos tendem a se converter em potências globais inimigas? Nada demonstra esta hipótese, frisa ele. A despeito da retórica, e da necessidade de satisfazer audiências locais, na prática Washington e Beijing mantêm cada vez mais interesses em comum. A entrevista completa, publicada pelo ótimo jornal sul-coreano Hankioreh, vem a seguir. (Antonio Martins)

Lee Su-hoon: Você disse: “Nos próximos 50 anos o mundo vai mergulhar em uma turbulência econômica séria e, mais tarde, o capitalismo vai enfrentar uma crise tremenda, como a da Grande Depressão”. As pessoas dizem que a crise se deve à ganância de Wall Street e à bolha imobiliária etc. Como você analisa essa crise?

Wallerstein: Faz cinco anos que eu não mudo de opinião. Basicamente, a meu ver, estamos em uma crise estrutural da economia capitalista mundial desde os anos 1970, e ela vai continuar. E não vai ser totalmente resolvida até talvez 2040 ou 2050. É difícil prever a data exata, mas vai levar muito tempo. No momento, o sistema mundial está bifurcado. Tem problemas de tal magnitude que não poderá sobreviver, está tão longe do equilíbrio que não há como voltar atrás. Mas para onde ele vai é totalmente incerto, porque, como disse, essa bifurcação significa que, tecnicamente, há duas formas de resolver uma mesma equação, o que não é normal.

Em linguagem leiga, isso significa simplesmente que o futuro sistema mundial, ou sistemas mundiais (porque não sabemos se haverá um só) que vai ou vão surgir no final desse processo podem ter, no mínimo, duas variedades fundamentais. Assim, não se pode prever qual sistema teremos, porque ele vai ser uma consequência de uma infinidade de nano-ações, desempenhadas por uma infinidade de nano-atores, em múltiplos nano-momentos – e ninguém é capaz de elaborar tanta coisa. Mas vai acontecer. Então, aqui estamos nós, no meio de tudo isso. É caótico, como se diz.

E o que significa dizer “É caótico”? Significa que as flutuações são enormes e, portanto, há incertezas inclusive no prazo muito curto. Isso significa que uma pessoa que preveja qual será a relação entre o iene, o dólar, o euro e a libra dentro de um ano será alguém muito corajoso. Não há como saber. Mas os empresários precisam dessa informação. Eles têm de ter o mínimo de estabilidade, do contrário correm o risco de sofrer perdas enormes. Isso os deixa paralisados, com muito receio de se envolver em qualquer tipo de investimento, uma das coisas que está acontecendo no mundo todo. É por isso que o desemprego explodiu. E é também por isso que os governos estão em tal dificuldade financeira, pois sem essa produção adicional não há receitas fiscais, e sem receitas os governos passaram a sofrer um grande aperto. E então o desemprego aumenta, o que coloca mais pressão sobre o governo. É o que acontece hoje em praticamente todos os países do mundo. Os governos têm menos dinheiro e enfrentam demandas para gastar mais. Isso, naturalmente, é impossível: não se pode ter menos e gastar mais. Então, eles vêm com tudo quanto é tipo de solução. Nenhuma parece funcionar. É onde nos encontramos atualmente.

Lee: E muitos países europeus estão enfrentando uma crise fiscal, uma espécie de moratória, o que os leva a tentar obter ajuda da UE (União Europeia) e do BCE (Banco Central Europeu).

Wallerstein: Os europeus têm um problema básico. Possuem pelo menos nove moedas, e 17 países compartilham o euro. Mas não têm um governo federal. É uma situação muito complicada, pois significa que os governos não podem intervir em sua própria moeda. Uma dos instrumentos que os governos utilizam tradicionalmente para lidar com suas dificuldades é aumentar ou diminuir o valor da moeda. Ao diminuir o valor da moeda pode-se vender mais; aumentando o seu valor, pode-se comprar mais. Os países da zona do euro não têm essa opção, porque nenhum país tem moeda própria. E eles estão enfrentando os mesmos problemas de todos os outros. Ou seja, exigências crescentes, porque o aumento do desemprego gera mais demandas sobre o governo. Ao mesmo tempo, a receita do governo diminui, porque não há empregos.

Sua única opção (da Grécia, Espanha, Portugal ou Irlanda) é obter ajuda, algum tipo de solidariedade. Então eles se deparam com a relutância, por parte dos países mais ricos, em “salvar” os mais pobres. Isso não leva em conta o fato de que o único e maior beneficiário da zona do euro é, de fato, a Alemanha. E é justamente o país que está fazendo o maior estardalhaço sobre não querer ajudar outros países, a menos que façam X, Y ou Z – medidas que, na verdade, só pioram a situação. Essa é a questão da zona do euro. É o problema enfrentado por todo o mundo, acrescido do fato de que esses países não podem manipular individualmente suas próprias moedas. Mas o problema básico não é diferente daquele dos EUA, da Rússia, do Egito ou de qualquer outro lugar onde haja aperto.

Lee: Aqui na Coreia, os especialistas e a mídia apresentam dois argumentos diferentes. A Irlanda, a Grécia e outros gastam muito dinheiro em benefícios sociais – essa é uma linha de argumentação. A outra é o efeito de contágio, por causa da facilidade de migração na zona do euro.

Wallerstein: Vamos lidar com os dois argumentos. O primeiro é “a Grécia está em apuros porque exagerou no bem-estar social”. Isso é exatamente o que o Partido Republicano diz sobre os EUA. É um mesmo argumento para todo o mundo, não um argumento especial para a Grécia. A reação das forças mais conservadoras a essa crise é dizer “corte benefícios”, o que significa “reduzir os gastos do governo”. Mas se você cortar benefícios reduz também o poder de compra das pessoas. Cria assim uma demanda menos eficaz. Por exemplo, uma pessoa que fabrica camisetas, ou algo assim, tem menos clientes. De forma que essa não parece ser a solução. Para mim, só piora o problema. De qualquer forma, a questão é que não é um problema específico da Grécia, da Espanha ou de Portugal. É um problema de todos os países.

Agora, o efeito de contágio. O que acontece é que, como os governos estão sem recursos, precisam de dinheiro emprestado. E para obter esse dinheiro, dependem do mercado. As pessoas emprestam dinheiro com mais facilidade quando veem possibilidades de obter reembolso. Então há, sim, um efeito de contágio na Europa: a Grécia começa a ter problemas, Portugal e Irlanda começam a ter problemas, e Espanha e Itália começam a ter problemas. E agora é a França que está se metendo em encrencas, e depois a Holanda e a própria Alemanha. É o efeito de contágio, em parte criado pelas agências de classificação de risco – que não são neutras –, mas também um problema muito real. O efeito de contágio vai da Europa para os EUA, e da Europa para o resto do mundo. Vai deixando as pessoas paralisadas. Isso significa que, quando veem as coisas indo tão mal, dizem “bem, pode dar errado em outros lugares também, portanto, não vamos emprestar o dinheiro”, ou “vamos exigir taxas de juro mais elevadas”.

Mas se tomamos o dinheiro emprestado a taxas de juros mais altas, sobra ainda menos dinheiro para gastar em outras coisas. Esse é exatamente o problema mundial. Então, novamente, não vejo isso como um problema especialmente europeu. A questão na Europa, no momento, é saber se as forças que dizem ”os países europeus estariam em situação melhor se não houvesse euro” conseguirão aboliro euro e voltar para suas moedas nacionais. Há um certo movimento nessa direção, tanto da direita como de alguns setores de esquerda.

A esquerda europeia não gosta do fato de que Bruxelas, com tanta influência, tenha um viés neoliberal tão forte. Diz-se (em alguns países escandinavos e mesmo na França): “estaríamos melhor se estivéssemos livres do controle de Bruxelas”, em oposição ao ponto de vista ainda dominante – o de que o euro fortalece a posição europeia frente ao resto do mundo e, mais especificamente, frente aos Estados Unidos.

Está acontecendo uma luta política, não há dúvida. Tendo a acreditar que, em geral, deve-se separar a retórica política da realidade e das pressões geopolíticas. A retórica política é em geral uma resposta a uma circunstância política imediata de um país. Se a chanceler Angela Merkel diz certas coisas na Alemanha, não é necessariamente porque ela acredita naquilo, mas porque, na próxima eleição, que pode ser muito em breve, ela julga que com isso ganharia votos. A mesma coisa vale para Obama. Vale também, tenho certeza, para o presidente da Coreia. Os políticos têm de se preocupar com a próxima eleição. Isso não significa que: (a) eles querem realmente dizer o que falam, e (b) o que dizem tem importância. Não acho que importe muito.

Ainda que, numa situação muito volátil, a estupidez possa prevalecer. Em geral, o que acontece é decorrente de pressões geopolíticas. Então, penso que a pressão para manter o euro, os benefícios em termos de geopolítica, são muito maiores do que a pressão para voltar às moedas individuais.

A chanceler Merkel está dizendo às pessoas, em toda a Europa, “deixem-me fazer isso, e então terei cacife político para convencer os políticos e eleitores alemães a me acompanhar”. Penso que a Europa vai concordar com um aumento do federalismo, ainda que não chamem isso de federalismo, porque não gostam dessa palavra. Mas um fortalecimento do poder central e, em consequência, um aumento do fluxo de dinheiro. Nos EUA, um estado como o Mississippi só não vai à falência porque o governo federal pode redirecionar dinheiro para lá. É disso que a Europa precisa. É isso o que querem realmente dizer as pessoas que estão clamando por “solidariedade”.

Se você me pedir que faça previsões, penso que a probabilidade de vermos, em três anos, não apenas um euro, mas um euro fortalecido, é muito maior do que o contrário. E algum tipo de mecanismo que permita enfatizar menos a prosperidade e mais a volta de recursos, ter o dinheiro fluindo novamente, é a única solução de curto prazo para os problemas europeus, assim como para os dos EUA.

Lee: Gostaria de acrescentar algo em sua análise da situação da zona do euro. Você mencionou os países escandinavos, que são mais fortes em termos de benefícios sociais. São os que mais gastam com bem-estar social e os que pagam mais impostos. Mas não estão em crise, embora se argumente que o chamado “populismo do bem-estar” social é inteiramente errado.

Wallerstein: Sim, evidente. Isso pode ser demonstrada de várias maneiras. É claro, existem cinco países nórdicos diferentes, cada um com uma situação um pouco diferente, inclusive aqueles que estão e aqueles que não estão na zona do euro, e os que estão e os que não estão na OTAN. Mas, em geral, você tem toda a razão ao dizer que aqueles cinco países nórdicos ainda são estados de bem-estar fortes, com impostos relativamente altos.

Lee: Sim, na verdade o problema fiscal da Europa é um problema mundial. Quando você olha para países específicos, há diferenças. Em alguns países, a corrupção é mais grave do que em outros.

Wallerstein: Vamos nos deter um pouco na corrupção. Penso que a corrupção é mais grave nos EUA, na Grã-Bretanha, na França e na Alemanha, do que em alguns casos de países muito citados em todo o mundo. Eles são fichinha, perto da corrupção real. Temos escândalos o tempo todo nos EUA, França e Grã-Bretanha. Quando você se depara com esses escândalos, de repente descobre que se trata de trilhões de dólares. Já quando ocorre algo do tipo em Myanmar ou no Iraque, por exemplo, estamos lidando com milhões, nem sequer com bilhões de dólares.

Assim, a corrupção é uma arma deveras etnocêntrica. Os países do Norte tendem a dizer que os do Sul são imorais, porque são corruptos. Mas não dizem que somos imorais porque somos corruptos. A corrupção é geral em nosso sistema. É geral porque, se você tem um sistema em que o principal objetivo é a acumulação de capital, a corrupção é simplesmente um aluguel que as pessoas que estão no lugar certo cobram, da acumulação sem fim do capital. Dizer que “eles não deveriam” é uma posição moral correta, mas retórica, porque eles irão até onde der, já que a opinião pública não gosta de enxergar a corrupção. E talvez uma ou duas pessoas sejam presas por um tempo relativamente pequeno, mas, basicamente, nada mais é feito contra a corrupção. Quando foi a última vez que uma pessoa corrupta dessas foi mandada para uma prisão de verdade, por um período realmente longo e teve de devolver todo o dinheiro que levou? Isso simplesmente não acontece.

Lee: Quando ouvi o discurso de feito por Obama ao se candidatar à reeleição, anotei o que ele apresentou como receitas para salvar os EUA dos tempos difíceis: criar mais postos de trabalho na indústria, reconstruir a classe média, enfatizar a educação, cortar tributos sobre a riqueza, uma nova política energética, a redução das importações e benefícios sociais que incluíssem assistência médica – um tema sempre muito controverso nas eleições norte-americanas. Mas eu me surpreendi ao ouvir as mesmas coisas dos candidatos presidenciais aqui na Coreia do Sul. Claro, a Coreia tem uma situação peculiar: a divisão da península, razão pela qual a questão da paz e a questão nuclear são importantes. Fora isso, os programas e políticas socioeconômicas eram mais ou menos idênticos. Isso me levou a pensar se a Coreia do Sul seria como os EUA socioeconomicamente. Cerca de vinte anos atrás a Coreia do Sul foi saudada como modelo para os países de Terceiro Mundo, uma vez que alcançou o crescimento econômico com relativa igualdade. Mas após as crises de 1997 e 2008 a Coreia do Sul revelou-se muito parecida com os EUA, e então as receitas políticas são quase idênticas nos dois países, penso eu.

Wallerstein: Bem, não discordo. Dentre os países mais ricos do mundo, a Coreia do Sul não está no topo, mas não está muito mal. As opiniões sobre o bem-estar social parecem estar divididas entre os conservadores e as pessoas de esquerda. Mas penso que, na verdade, a divisão pode ser mais ampla. Quando se olha para o papel do governo nos países mais pobres do mundo, ainda há a questão de quanto eles têm de benefícios sociais. Uma das coisas que o neoliberalismo, como um movimento atuante desde os anos 1980, tem prescrito para os países do Sul é: “Vejam, ocês têm todos esses problemas econômicos. Querem emprestar dinheiro de nós? Então reduzam os benefícios sociais, porque isso é dinheiro jogado fora”. A teoria age como uma força conservadora contra o governo local, que está atuando mais à esquerda. É o mesmo tipo de debate.

Você se lembra da chamada ”crise da dívida asiática” de 1997? De repente, uma série de países do Leste e do Sudeste da Ásia se viu encrencado economicamente. Ou seja, o dinheiro desapareceu. Os governos viram-se em apuros. Alguns buscaram ajuda, dizendo: “emprestem-nos dinheiro.” E esses governos contaram que a resposta recebida em geral foi: “emprestar dinheiro para vocês? Sim, desde que façam assim e assado”.

O único país que se recusou a tomar dinheiro emprestado nesses termos foi a Malásia — e ela foi o que se recuperou mais rapidamente, por ter recusado. Ao aceitar as exigências, a Indonésia provocou a queda de Suharto. E eu gostaria de citar este episódio. Trata-se de uma famosa atuação de Henry Kissinger, um político reconhecidamente de direita. Após a queda de Suharto, ele escreveu: ”como vocês (FMI e governo dos EUA) podem ser tão estúpidos? Vocês prescrevem para o governo de Suharto medidas que provocam sua queda e colocam, no seu lugar, um governo à esquerda dele. É mais importante manter Suharto no poder do que negar-lhe dinheiro. Vocês não entenderam suas prioridades. A prioridade é geopolítica, e não econômica”. Ele os repreendeu por fazer o que vinham fazendo há dez ou vinte anos em países menos importantes que a Indonesia.

A Coreia ficou no meio, tendo em vista o modo como respondeu. Teve uma atuação melhor do que a dos países que se entregaram completamente ao FMI, mas não tão boa quanto a da Malásia. Uma das coisas que se aprende com isso, e depois do que aconteceu na Argentina, é que esses países têm mais poder geopolítico do que acreditam ter e são mais capazes de reagir contra agências tipo FMI. Naturalmente, o FMI e o Banco Mundial aprenderam a lição. E começaram a falar em programas contra a pobreza. De repente, sua linguagem mudou, como resultado da crise da dívida asiática, porque se deram conta daquilo que Kissinger estava lhes dizendo: precisam ser mais astutos politicamente; não podem ser estritamente econômicos em suas exigências.

Lee: Na convenção do Partido Democrata norte-americano deste ano, Joseph Biden afirmou, repetidamente, que “os EUA não estão em declínio”, e Obama disse que “os EUA são um país do Pacífico”. Isso pode ser interpretado como um retorno dos EUA à zona asiática do Pacífico, inclusive sugerindo a contenção da China.

Wallerstein: Aqui há duas questões. Uma delas é afirmar que os EUA não estão em declínio. A outra é o que eles estão tentando fazer com essa ênfase na Ásia e no Pacífico.

“Os EUA não estão em declínio” é um mantra nos Estados Unidos. Nenhum político pode dizer que os EUA estão em decadência. Na verdade, todos eles se esforçam para negar essa realidade, porque a população dos EUA não está preparada para aceitar o fato de que os EUA não são mais o “Número 1”, um exemplo admirado no mundo inteiro. Eles não vão dizer isso publicamente. É uma pena porque, a meu ver, uma das coisas importantes é tornar a população dos Estados Unidos mais consciente da realidade geopolítica e do fato de que os EUA são um país muito forte – mas não mais, em nenhum sentido, acima dos demais. Há vários países com avaliação melhor que os EUA em determinadas questões. E a capacidade de os EUA para influenciar a situação em várias partes do mundo diminuiu enormemente. Então, penso que é preciso separar a retórica política da realidade política.

E agora, o que os Estados Unidos estavam fazendo na Ásia? A primeira coisa a notar é que os EUA não têm força econômica e militar suficiente para engajar-se por completo, como costumavam, na Europa e na Ásia. Se eles dizem publicamente “vamos estar fazer isso na Ásia”, querem dizer ao mesmo tempo que não vão fazer isso na Europa. Isso não está sendo ignorado pelos europeus. Está sendo ignorado pela opinião pública dos Estados Unidos. Ou seja: isso, em parte, é admitir o declínio.

Agora, a segunda parte é ”conter” a China. Os comunistas chegaram ao poder em 1948. A China não tem sido politicamente popular nos EUA. A Guerra da Coreia, entre o Norte e o Sul da península, foi também uma guerra entre os EUA e a China. Não a denominamos assim, mas essa é a realidade. E a linha de armistício não é tão diferente da linha anterior à guerra. Considero que houve um empate militar entre a China e os EUA. Nenhum dos lados ganhou. No entanto, a retórica era muito forte nos dois lados, China e EUA denunciando um ao outro de todas as maneiras possíveis, até que Nixon foi à China, guiado por seus instintos geopolíticos e os de Henry Kissinger. A combinação era bastante forte. Ambos eram muito cínicos e muito inteligentes. Naquele momento, a China travava uma grande disputa com a União Soviética. Tinham um terreno comum. Uniram-se contra a União Soviética, é simples assim.

Agora, a Guerra Fria acabou, e a União Soviética não existe mais, e há algo chamado Rússia, que é o mesmo país e ao mesmo tempo um país extremamente diferente. A China ficou mais forte do que era antes – militarmente e economicamente. Mas não se deve exagerar. A China está se afirmando geopoliticamente como líder da Ásia. Mas, trinta anos atrás, ninguém na África ou na América Latina pensava na China. A China simplesmente não fazia parte da cena. Agora, mudou. A China ambiciona ser uma potência, e uma potência mundial precisa interessar-se por todas as partes do mundo, da mesma forma que os EUA e a Grã-Bretanha, que são potências mundiais, estão interessados em todas as partes do mundo. Nesse sentido, a União Soviética era uma potência mundial.

A China e os Estados Unidos têm muitas diferenças sobre questões imediatas, e esfregam isso na cara um do outro, de modo errado, de tempos em tempos. E atualmente há um monte de difamadores da China nos EUA. Os políticos gostam de culpá-la por tudo. Isso irrita os chineses, mas é um jogo. Se você olhar para a realidade das políticas dos Estados Unidos e a realidade das políticas chinesas ao longo dos últimos trinta anos, verá que eles nunca fizeram nada que ultrapassasse os limites um do outro. Têm sido muito cuidadosos em manter boas relações geopolíticas.

Então, não considero tão significativa a nova ênfase dos EUA na Ásia e no Pacífico. Primeiro, vejo isso como um show de retórica, em parte para os EUA e em parte para os outros países da Ásia, porque há que se preocupar com a Coreia do Sul, Japão, Vietnã e Filipinas. Estes países são ambivalentes com relação aos EUA. Eles gostam dos EUA, porque Washington os ajuda em certas coisas. Por outro lado, não querem realmente os EUA. Então, têm relações complicadas. E os EUA sentiram que precisavam reassegurar a esses aliados que não os haviam excluído da cena completamente. Não acho que seja mais do que isso. Penso que, quanto a isso, os dois lados não vão cruzar a linha, a não ser a linha retórica, no máximo.

Agora, a península coreana é de fato uma das questões cruciais nas relações EUA-China, porque temos um país chamado Coreia do Norte e outro chamado Coreia do Sul. Ambos são muito coreanos, e o nacionalismo coreano é muito forte. A pressão geopolítica pela reunificação é enorme. E agora os EUA e a China têm de se preocupar com isso. Se as tropas americanas tiverem que sair, isso significa que a Coreia reunificada possuiria armas nucleares? E se eles tiverem armas nucleares, o que os japoneses diriam sobre isso? E Taiwan? Penso que a pressão para nuclearizar, para acabar com a abstenção de armas nucleares na Coreia do Sul, no Japão e em Taiwan é muito forte. Não acho que os EUA estejam felizes com isso. Nem a China. O que leva à aproximação, não ao distanciamento dos EUA e da China. E ambos estão tentando descobrir, “podemos parar este processo?”

Não posso enxergar o que têm em mente, mas suspeito que isso está no topo da sua lista de preocupações. O fato é que eles antecipam, não que a Coreia do Norte vá se desnuclearizar, mas que a Coreia do Sul, o Japão e Taiwan venham a se nuclearizar. Se você me pedir novamente uma previsão, diria que em dez anos, todos eles estarão nuclearizados. E não acho isso desastroso. O fato de os EUA e a União Soviética terem, ambos, armas nucleares, foi um fator importante para garantir que não haveria guerra entre eles. Foi uma coisa positiva, e não negativa.

Agora, é claro, com armas nucleares existe sempre a possibilidade de desastre. As armas nucleares estão em determinado lugar, sob um comandante militar. Ele pode apertar um botão qualquer e dispará-las. Nossa aposta é que ele, como indivíduo, irá obedecer ao comandante-em-chefe do seu país. Em 999 das vezes, é possível contar com isso. Mas há sempre uma chance em mil de haver um oficial descontrolado. Ademais, é bem verdade que, havendo mais armas nucleares no mundo, as pessoas podem roubá-las. Isso vem sendo discutido com relação ao Paquistão. Continua-se a dizer: ”Você sabe, o Paquistão tem de 70 a 80 armas nucleares e bombas” e “Será que os lugares onde estão armazenadas são realmente bem protegidos?”, “Alguém, afiliados à Al Qaeda ou talvez a outro grupo, poderia atacá-los e roubá-los?”

Assim, não excluo o potencial negativo da nuclearização generalizada. Mas não penso que isso significa que o Irã irá bombardear alguém. Na verdade, os governos usam as armas nucleares como um mecanismo de defesa, e não um mecanismo agressivo. Usam como um modo de se safar de ser bombardeados. Os EUA foram para o Iraque não porque ele tinha armas nucleares, mas porque ele não tinha. Os EUA sabiam que, portanto, Bagdá não poderia responder com uma arma nuclear.

Penso que essa é a lição que o Irã e a Coreia do Norte tiraram imediatamente do que aconteceu no Iraque. Na verdade, do ponto de vista da Coreia do Norte, essa é a única proteção real que eles têm militarmente, no momento. Minha previsão é de que, em dez anos, todos os países da Ásia Oriental terão essas armas. E também muitos outros países, como Brasil e Argentina. Suécia, Egito e Arábia Saudita as terão. Sempre pelas mesmas razões: para evitar de ser bombardeado pelos outros.

Lee: E se todo mundo desistisse das armas nucleares, inclusive aqueles que já as possuem?

Wallerstein: Isso seria o ideal, se você considera possível convencer os EUA ou o Paquistão, Índia, Israel, França e Grã-Bretanha. Mas não há política que possa persuadir esses países a reduzir os armamentos nucleares a zero. Você poderá persuadi-los a reduzir o número de bombas que têm, em certas condições. Mas voltar a zero não seria prático. Pela simples razão de que é difícil verificar se os outros estão de fato reduzidos a zero. Há muitas maneiras de esconder essas coisas. É por isso que eles não vão aceitar.

Mas essa é a razão porque o tratado de não-proliferação nuclear é uma farsa, pois basicamente o que ele diz é que ninguém deve possuir armas nucleares, exceto os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. O resto de vocês, o mundo todo, deve renunciar a qualquer tentativa de ter armas nucleares, e em troca disso nós prometemos duas coisas: (1) vamos reduzir significativamente o nosso estoque, e (2) vamos permitir que você desenvolva a energia nuclear para fins pacíficos.

Desde que o tratado entrou em vigor, não houve uma redução significativa, e agora todo o mundo está falando novamente em renovar e expandir. Os três únicos países que se recusaram a assinar o tratado são a Índia, o Paquistão e Israel. E isso agora está praticamente aceito. Eles desafiam o mundo, desafiam todas as regras, e agora são membros do clube. Os EUA têm boas relações com os três países, e nenhum foi penalizado por ter armas nucleares.

Lee: Então, o que você diz sobre a nossa tentativa de persuadir a Coreia do Norte a desistir das armas nucleares…

Wallerstein: É que é impossível. Se eu estivesse dirigindo a Coreia do Norte, certamente não concordaria.

Lee: Se for esse o caso, acha que o impasse atual entre os EUA e a Coreia do Norte vai continuar? E o que dizer da China?

Wallerstein: Mais uma vez, há a retórica e a realidade. De fato, os diplomatas norte-americanos sabem, todos, que essa proibição é impossível. Mas não sabem o que fazer. Eles certamente não podem dizer, por razões políticas internas, que “não há esperança”. Então imaginam que, colocando pressão sobre a China, estão, por tabela, pressionando a Coreia do Norte. E usam um mecanismo de retardo, não um mecanismo sério. Os militares dos EUA dizem “não vamos enviar tropas ao Irã em hipótese nenhuma”. Por outro lado, os EUA estão comprometidos com Israel e Israel, por sua vez, está dizendo: “Temos que bombardear o Irã”. Então, o que fazem os EUA? Operam com seu mecanismo de retardo. Isso reflete as limitações essenciais do poder dos EUA, o que revela parte de seu declínio. Houve um tempo em que eles não precisavam retardar. Houve um tempo em que podiam tomar decisões fortes sobre outros países. Já não podem. Aqui estamos. Separemos a retórica da realidade geopolítica.

Lee: Isso deixa muitos coreanos progressistas, que são-aliança, pró-negociações, pró-diplomacia, pró-processo de paz, muito pessimistas.

Wallerstein: Por que? Há muitos possíveis acordos entre as Coreias do Norte e do Sul, a começar pelas questões econômicas. Veja, se você está no comando de um regime como o da Coreia do Norte, tem que levar em conta a realidade geopolítica. Por outro lado, quer permanecer no poder. Até agora, eles contaram com um regime de mão pesada, muito repressivo, e o apoio do exército. Podem tentar continuar a reprimir a maioria, os famintos, podem tentar ludibriá-los com a ideologia, tentando fazê-los acreditar que vivem maravilhosamente bem. Mas hoje é cada vez mais difícil fazê-los acreditar nisso. Então é preciso dar-lhes um pouco de bem-estar social – o que significa que deve haver algumas mudanças na política econômica da Coreia do Norte, na linha das que foram feitas pela China e Vietnã. Tanto a China quanto o Vietnã mostraram a eles um modelo, no qual um partido único pode permanecer no poder e ainda assim promover uma abertura econômica. E acho que o novo líder está tentado pela idéia, mas é um caminho difícil. Ele tem as mesmas dificuldades em negociar com o seu público interno que a chanceler Merkel tem, que Obama tem, e certamente todo o mundo precisa se preocupar em manter a retórica satisfatória, internamente. Assim, ele pode ser capaz de ter algo equivalente ao que os chineses fizeram, como as Zonas Econômicas Especiais.

Lee: Se você fosse o presidente da Coreia do Sul, interessado em desenvolver boas relações com a Coreia do Norte, se esforçaria mais para ajudá-la nesse esforço?

Wallerstein: Se eu fosse o presidente da Coreia do Sul é o que eu faria, até onde fosse politicamente possível. Você precisa assegurar um equilíbrio, mantendo o poder político na sua base e as demandas geopolíticas. Mas penso que esse vai ser o caminho a seguir. Sei que a resposta das forças mais conservadoras na Coreia do Sul seria dizer ”bem, nós tentamos uma política de diálogo e não funcionou.” E a resposta é ”sim, não funcionou, em parte porque os tempos eram diferentes, o líder era diferente, com uma atitude diferente. E em segundo lugar porque as coisas foram feitas sem entusiasmo. Talvez a gente tenha que fazer ainda mais.” Esse tipo de debate acontece o tempo todo na política.

Lee: Tocamos em muitas questões hoje. Uma última questão é sobre o capitalismo fundamentalista. Depois da crise de 2008, houve uma volta à abordagem keynesiana do mercado. Pessoalmente, acho que eles não estão certos, mas isso levanta a questão do futuro do capitalismo.

Wallerstein: Algumas reformas vão resolver esse problema. Mas as pessoas estão muito reformistas na sua abordagem dos problemas. É muito difícil para elas aceitar o fato de que há alguns dilemas insolúveis. Quando digo que alguma coisa é insolúvel, elas dizem “oh, nós gostamos do seu argumento até aqui, mas esse ponto nos incomoda.” Os sistemas têm vida. Nenhum sistema dura para sempre. Seja o universo, o maior sistema que possamos conhecer, ou o menor dos nano-sistemas que não podemos ver, nenhum deles vai durar para sempre. Em sua vida, os sistemas se movem gradualmente para mais e mais longe do equilíbrio até atingir um ponto em que já não podem equilibrar-se novamente. E nós somos um sistema. É o chamado sistema mundial moderno. Foi um sistema bem sucedido, mas atingiu o limite das possibilidades. Quando comecei a dizer isso, trinta anos atrás, as pessoas riam. Agora elas não riem, argumentam contra. Já é um progresso. Penso que daqui a vinte anos as pessoas vão estar bem conscientes disso. Pelo menos assim espero, porque é muito difícil empenhar-se em políticas inteligentes para tentar empurrar o mundo para a direção certa, sem que se esteja ciente da realidade.

Suicidas pensam o impensável (FSP)

26/07/2012 – 03h00

Clóvis Rossi

Até na Espanha, campeã

Que a Espanha está se suicidando lentamente não há muitas dúvidas. Desde 2010 pelo menos, os governos adotam pacotes de austeridade, compostos pela receita óbvia: aumento de impostos mais corte de gastos.

O objetivo é saciar o apetite dos mercados, que querem ter certeza de que a Espanha vai pagar a sua dívida, para o que necessita reduzi-la e reduzir igualmente o déficit público, sem o que é obrigada a tomar empréstimos para continuar operando.

Funcionou? Nada. Não funcionou do ponto de vista social (o desemprego, por exemplo, está beirando os 25%, taxa que só alcançam países devastados por guerras ou fenômenos naturais).
Por mim, é o ponto principal, mas admito que sou muito solitário ao pensar desse jeito.

Mas tampouco funcionou no seu propósito de sossegar os mercados: a Espanha está pagando mais de 7% para colocar seus títulos, nível considerado crítico e que, ao ser atingido em Portugal e na Grécia, levou ao naufrágio desses dois países.

Aí, as autoridades descobrem o óbvio, como o fizeram anteontem não só o ministro espanhol de Finanças, Luis de Guindos, como o alemão, Wolfgang Schäuble. Constataram que “as taxas [impostas à Espanha pelos mercados] não representam nem seus fundamentos econômicos nem seu potencial de crescimento nem sua capacidade de pagar suas dívidas públicas”.

O “Financial Times” em seu noticiário sobre a crise reforça essa sensação, ao culpar pelo pânico “falhas dos mercados de títulos, não a economia espanhola ou a política econômica”.

É bom lembar que nem De Guindos nem Schäuble nem o FT são anti-mercado.

Falta, no entanto, que alguém ponha de pé algo que possa superar as “falhas” dos mercados para fazer cessar o pânico.

Enquanto isso não acontece, pensa-se o impensável, como é próprio de situações próximas do suicídio. Pela primeira vez que eu tenha lido, um espanhol ousou mencionar a hipótese de a Espanha deixar o euro e voltar à peseta.

Foi Antonio Estella, catedrático de Direito Administrativo da Universidade Carlos 3.o de Madri, em artigo para “El País”.

Digo impensável porque a integração com a Europa tem sido, há mais de meio século, o pote de ouro da Espanha, responsável em grande medida pela volta da democracia e, com ela, por um surto formidável de desenvolvimento, que mudou radicalmente a face daquele país atrasado, exportador de mão-de-obra, fechado, cinzento.

Talvez o impensável esteja sendo pensado porque a política de suicídio lento trouxe de volta a exportação em massa de espanhóis: só no primeiro semestre, 40.025 pessoas deixaram um país que até a crise importava estrangeiros em massa. Há um ano, havia 5,144 milhões de estrangeiros em uma Espanha de 46,24 milhões de habitantes.

O pior é que o impensável não é uma boa alternativa, como explica Martin Feldstein, professor de Harvard e crítico de toda a vida do euro: “Embora a criação da eurozona tenha sido um erro econômico, permitir que se dissolva agora seria muito custoso para governos, investidores e cidadãos”, escreveu para o FT.

IMF’s Peter Doyle scorns its ‘tainted’ leadership (BBC)

20 July 2012 Last updated at 11:50 GMT

Christine LagardePeter Doyle claims there was a “fundamental illegitimacy” in Christine Lagarde’s appointment

A top economist at the International Monetary Fund has poured scorn on its “tainted” leadership and said he is “ashamed” to have worked there.

Peter Doyle said in a letter to the IMF executive board that he wanted to explain his resignation after 20 years.

He writes of “incompetence”, “failings” and “disastrous” appointments for the IMF’s managing director, stretching back 10 years.

No one from the Washington-based IMF was immediately available for comment.

Mr Doyle, former adviser to the IMF’s European Department, which is running the bailout programs for Greece, Portugal and Ireland, said the Fund’s delay in warning about the urgency of the global financial crisis was a failure of the “first order”.

In the letter, dated 18 June and obtained by the US broadcaster CNN, Mr Doyle said the failings of IMF surveillance of the financial crisis “are, if anything, becoming more deeply entrenched”.

He writes: “This fact is most clear in regard to appointments for managing director which, over the past decade, have all-too-evidently been disastrous.

“Even the current incumbent [Christine Lagarde] is tainted, as neither her gender, integrity, or elan can make up for the fundamental illegitimacy of the selection process.”

Mr Doyle is thought to be echoing here widespread criticism that the head of the IMF is always a European, while the World Bank chief is always a US appointee.

Mr Doyle concludes his letter: “There are good salty people here. But this one is moving on. You might want to take care not to lose the others.”

The IMF could not be reached immediately by the BBC. However, CNN reported that a Fund spokesman told it that there was nothing to substantiate Mr Doyle’s claims and that the IMF had held its own investigations into surveillance of the financial crisis.

Analysis

image of Andrew WalkerAndrew WalkerBBC World Service Economics correspondent

Peter Doyle’s letter is short but the criticism excoriating. Perhaps the bigger of the two main charges is that the IMF failed to warn enough about the problems that led to the global financial crises.

The IMF has had investigations which have, up to a point, made similar criticisms, but not in such inflammatory terms. The IMF did issue some warnings, but the allegation that they were not sustained or timely enough and were actively suppressed raises some very big questions about the IMF’s role.

Then there is the description of the managing director as tainted. It’s not personal. It’s a familiar attack on a process which always selects a European. It’s still striking, though, to hear it from someone so recently on the inside.