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Rio Acre diminui 18 cm e compromete o abastecimento de água no Estado (MCTIC)

Segundo Cemaden, água captada do rio chega às estações de tratamento com barro, o que prejudica o abastecimento. Relatório cita previsão de chuva a partir de 17 de agosto, mas em volume insuficiente

Em 12 dias, o rio Acre diminuiu 18 centímetros, atingindo 1,35 metro em Rio Branco, o menor nível já registrado. Os dados foram divulgados pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, no relatório sobre a seca no estado. Se a estiagem persistir, o rio pode atingir 1,06 metro em 10 de setembro.

“Há uma série de impactos decorrentes dessa situação. A agricultura é totalmente prejudicada. A navegação também é influenciada, pois os barcos não conseguem navegar, e o abastecimento de cidades do interior do estado fica comprometido”, observou o coordenador-geral de Operações do Cemaden, Marcelo Seluchi.

Outro ponto destacado pelo climatologista é o abastecimento de água para a população. Segundo ele, a água que chega às estações de tratamento tem maior quantidade de barro, e essas unidades precisam trabalhar mais para entregar um produto de qualidade para a população. Para isso, foi preciso ajustar as bombas de captação para o volume menor, processo semelhante ao adotado no Sistema Cantareira, em São Paulo (SP).

“Há dificuldade no abastecimento e perda de qualidade da água. O processo de tratamento é mais demorado e acaba encarecido”, afirmou Marcelo Seluchi.

De acordo com o relatório do Cemaden, as chuvas têm sido deficientes desde março, e o período entre junho e agosto é o mais seco do ano no Acre. O documento cita previsão de chuva a partir de 17 de agosto, mas em volume “pouco expressivo”. “Não há expectativa de recuperação do quadro hídrico até o mês de setembro, embora possam ocorrer chuvas ocasionais”, alerta o Cemaden no documento.

“Tivemos alguns quadros de chuvas nos últimos dias, mas não há indícios concretos de que o período chuvoso vá começar na época considerada normal. Precisamos coletar mais dados para poder fazer uma previsão mais acurada”, reforçou Seluchi.

Queimadas

No documento, os pesquisadores também alertam para o risco de incêndios florestais no estado, que registrou, até 26 de julho, três vezes mais ocorrências de focos de calor que o máximo já detectado desde 1998.

De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre janeiro e agosto de 2016, o Acre teve 1.120 focos de incêndio, um aumento de 222% em relação ao mesmo período do ano passado.

MCTIC

Seca pode levar o rio Acre ao seu nível histórico mais baixo (Pesquisa Fapesp)

15 de agosto de 2016

Seca pode levar o rio Acre ao seu nível histórico mais baixoSegundo o Grupo de Trabalho em Previsão Climática do MCTIC, estiagem deve afetar navegação e abastecimento dos ribeirinhos, além do risco de queimadas e incêndios florestais na Amazônia e área central do país (Foto: Rio Acre/Agência Acre)

Agência FAPESP – A seca que atinge o sudoeste da Amazônia, especialmente o Acre, deve se agravar ainda mais nos próximos meses, alertou o Grupo de Trabalho em Previsão Climática Sazonal (GTPCS) do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), de acordo com a Assessoria de Comunicação Social do Ministério.

Segundo a previsão, o rio Acre deve atingir o seu mais baixo nível histórico (entre 1,20m e 1,30m) e impactar a navegação e o abastecimento de comunidades ribeirinhas da região. O levantamento é válido para os meses de agosto, setembro e outubro deste ano.

O Acre é o estado mais afetado pela estiagem que se estende também para o norte da Amazônia. Desde março, o volume de chuvas é deficitário na região, em parte por conta do El Niño, que começou no outono do ano passado. O fenômeno está associado ao aquecimento das águas do Oceano Pacífico equatorial, alterando os ventos em boa parte do planeta e o regime de chuvas. Na região Norte, leva à seca. A partir de junho, o La Niña, fenômeno oposto, começou a se desenvolver de forma fraca.

“Esta estiagem é fruto de uma interação de vários fenômenos, notadamente o El Niño e a La Niña. Ela já se estende há quase seis meses, e não temos uma noção exata de quando vai normalizar. Estamos acompanhando a situação mensalmente para avaliar como ela se comporta”, afirmou o chefe da Divisão de Pesquisas do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), José Marengo, à Assessoria de Comunicação Social do MCTIC.

O documento alerta ainda para o alto risco de queimadas e incêndios florestais, especialmente na área central do Brasil e no sul e no leste da Amazônia. O número de focos de incêndio pode atingir máximas históricas. Contudo, a adoção de medidas de controle pode mitigar o problema no trimestre.

Poucas chuvas no Nordeste

A região Nordeste também deve sofrer mais com a estiagem no período analisado. De acordo com o grupo de previsão climática do MCTIC, tradicionalmente, agosto é o último mês da estação chuvosa na parte leste da região, mas tem chovido pouco desde abril, início do período de precipitações na região. Com a baixa incidência de chuvas nos últimos anos, a tendência é que a situação se repita na zona da mata, que já apresenta valores abaixo da média para a época do ano.

“O panorama de poucas chuvas nessa área vem se arrastando desde 2012, e os níveis dos reservatórios e dos rios estão muito baixos, mesmo na zona da mata. E isso gera problemas para a população, porque pode haver desabastecimento”, destacou José Marengo.

Participam do GTPCS o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa). A íntegra do documento pode ser acessada aqui no endereço http://www.cemaden.gov.br/previsao-climatica-para-o-trimestre-aso2016/.

New Territories in Acre and Why They Matter (E-flux)

Journal #59, 11/2014

Marjetica Potrč

The Croa River community consists of approximately four hundred families spread out across eighty thousand hectares of Amazonian forest. They aspire to see the land they inhabit become an extraction reserve, and in fact, it is in the process of becoming precisely this: one of the new territories in Acre. As such, it is a good example of the current trend toward territorialization in the Brazilian state. It is also a good example of what territories stand for: self-organization, sustainable growth, and local knowledge.


Territorialization of Acre State (1988, 1999, 2006), Courtesy the artist

The Croa community’s land is located a few hours’ drive and a short boat ride from Cruzeiro do Sul. A small city, Cruzeiro do Sul is a major center for the western part of Acre and the region around the Jurua River. There are daily flights from Rio Branco, and the town is accessible by road from Rio Branco six months of the year and by the Jurua River throughout the year. From Cruzeiro do Sul it takes two to three weeks to travel by boat to Manaus. In short, the Croa community is nestled in the western corner of Brazil’s Amazonian forest and, from the perspective of São Paulo, seems a remote and isolated place—something that, in our world of excessive connectivity, is considered a negative. But from the perspective of the people who live there, relative isolation can be a bonus. The communities I saw, including the Croa community, draw strength from their cultural identity and a sustainable economy. Not all these communities are strong, but they understand clearly that both these conditions are necessary if they are to thrive. The communities are well connected among themselves and, beyond Acre, with the world—strangely enough, many of the things that concern them are, in fact, more closely related to world issues than to specifically Brazilian ones.


Left: Ashanika Indian, Acre. Photo by Mauro Almeida. Right: Marjetica Potrč, Drawing No.1/7: Pattern Protects, 2007, 7 drawings. Courtesy the artist and Galerie Nordenhake, Berlin.

When such communities reach out to others, they want to do it on their own terms. They want to interact in a positive way with others and at the same time remain separate. By reaffirming their own territories, they are actively participating in the creation of twenty-first-century models of coexistence, where the melting pot of global cities is balanced by centers where people voluntarily segregate themselves. After all, one of the most successful and sought-after models of living together today is the gated community—the small-scale residential entity. But unlike gated communities, which represent static strategies of retreat and self-enclosure, the new territories in Acre are dynamic and proactive: they reach out to others.


Isolation and Connectivity, Left: Marjetica Potrč, drawing for project The Struggle for Spatial Justice (A luta por justiça espacial) for 27a. Bienal de São Paulo. Right: Marjetica Potrč, Drawing No.5/12, Florestania, 2006, 12 drawings. Courtesy the artist and Max Protetch Gallery, New York.

Statement #1: The world must be pixelized! Democracy is particles!

Over the past two decades, Acre has been pixelizing itself into new territories, such as extraction reserves and Indian territories, along with sustainable urban territories. The government supports the territorialization of the state. These new territories are the result of collaboration between the government and local communities. The communities are self-organized entities and, basically, bottom-up initiatives. Their focus is on empowering their own people (education is a primary concern); practicing the sustainable extraction of forest-based resources; and developing a small-scale economy as both a tool for their communities’ survival (several communities have been successfully selling their goods on the global market) and as a counter-model to the globalized economy created by multinational companies and organizations. The Acrean communities have a particular approach to land ownership. In the new territories, the emphasis is not on the individual owning land and extracting resources from it solely for his own benefit, but on the collective ownership and sustainable management of natural resources for the benefit of the whole community. Here, the existence of an individual is understood essentially as coexistence. Being always means “being with,” and “I” does not take precedence over “we.”1 In short, the new territories suggest forms of living together that go beyond neoliberalism and its understanding of individualism, liberal democracy, and market capitalism.

Notice that the new territories of Acre represent a social and economic alternative to China’s new territories, which are characterized by fast-growing, large-scale economies and an ideology of progress. The territories of Acre, by contrast, are grounded in a small-scale economy; the people who live there feel a personal responsibility both toward their own communities and toward the world community.

In fact, in their dynamics of deregulation and strategies of transition, Acre’s new territories suggest a different comparison: with the European Union as it is today. As a geopolitical entity, Europe is constantly expanding. It is a body in flux. Within its shifting boundaries, the consequences of the gradual dissolution of the social state and the ideology of multiculturalism can be seen in territories consolidated around ethnic groups and other kinds of communities. As last year’s rejection of the EU constitution by French and Dutch voters indicates, people want to live in a more localized European Union; similarly, the EU explores a paradigm in which regional entities serve as a counterbalance to the nation-state. An emphasis on the local means that more decisions are taken at the local level and bottom-up initiatives are on the increase. The state of “transition” is accepted as a working model, and there is a civil society in the making that is quite different not only from the society of twentieth-century modernism, which feared any threat to unity, but also from the present-day ideology of globalization. As regionalism and localism gain ground, new models of coexistence emerge, such as urban villages and urban villas, new typologies of residential architecture. In the heyday of the modernist national state, a residential community could mean some ten thousand people. Today, an urban village means two thousand people—a dramatic shrinkage from the earlier model. Another important distinction is that today’s urban villages are, again, bottom-up initiatives, while the modernist residential community was organized from the top down. The question is: just how far is it possible to “downscale” the world community?

The territories in Acre are the result of “degrowth,” the process by which society fragments and pixelizes itself down to the level of the local community, and sometimes even further, to the level of the individual.2 Age-old wisdom tells us that when individuals take responsibility for building their own lives, they also build their communities, and beyond that, the world community: “When I build my life, I build the world.” As the Acrean territories show, communities see the consequences of such practices very clearly: they see “upscaling”—the scaling down of the economy and the pixelation of territories produce a new kind of connectedness: “upgrowth.” In Acre, particles and group identities are forces of democracy.

Statement #2: We must grow up strong together!

A precondition for communities in the new territories to thrive is that they draw strength from a sustainable economy, local experience—a loose notion that embraces the importance of cultural identity—and education. The communities believe that territories which are strong in these areas have the best chance to prosper. Although the emphasis is clearly on the local (they see rural communities as guaranteeing greater dignity, in contrast to the kind of life migrants to urban centers experience), they do not romanticize localness. They see themselves as players in the contemporary world: they had to overcome both the colonial past and the dominant globalizing pressures of the present. Theirs is a post-colonial, post-neoliberal practice. From where they stand, they see the future as their present.

Universidade da Floresta (University of the Forest), Acre. Left: video still by Garret Linn, in Marjetica Potrč, Florestania: A New Citizenship, video, 2006. Courtesy the artist and Max Protetch Gallery, New York. Right: Marjetica Potrč, drawing for project The Struggle for Spatial Justice (A luta por justiça espacial) for 27a. Bienal de São Paulo.

Practice #1: We are growing up together strong; we are connected! But first, let’s isolate ourselves. Only then we will be able to connect on our own terms.

The new territories of Acre are, indeed, strong and well aware of the benefits that come from being connected. Clearly, local emphasis, self-esteem, and connectedness make a perfect match, not a contradiction. I am thinking in particular of an ongoing initiative by Indian tribes to connect their remote areas via satellite through solar-powered communication centers. Representatives from the tribes are traveling all the time—at least this was the impression I received from encountering them on the streets of Rio Branco and at airports, or, for that matter, not seeing them because they were in São Paulo while I was in Rio Branco, or in Rio Branco when I was in Cruzeiro do Sul. Indeed, I had the feeling that they traveled more than Paulistas. An Acrean can with justice say to a Paulista: “I know you, but you don’t know me.” The general feeling one gets in São Paulo is that Acre is very far away, an unknown, isolated region, not well connected at all. This perspective of the center toward the periphery is overturned in Acre, where territories are understood as centers that want to connect on their own terms. Acreans don’t see themselves as being too isolated. They like their degree of isolation. They draw on the wisdom of the forest: the “center” is a place in the forest where the “game”—the chance to make a good life for oneself thanks to the proximity of natural resources and community infrastructure—is strong and multiple connections to the outside world are not necessarily a bonus; the “periphery,” meanwhile, is along the river, where a person may be more connected to the world outside but the “game” is not so strong. As always—and as common wisdom tells us—the center is what’s most important.


School Bus, Croa Community, Acre. Left: video still by Garret Linn, in Marjetica Potrč, Florestania: A New Citizenship, video, 2006. Courtesy the artist and Max Protetch Gallery, New York. Right: Marjetica Potrč, drawing for project The Struggle for Spatial Justice (A luta por justiça espacial) for 27a. Bienal de São Paulo.

Practice #2: We marry local experience with hi-tech knowledge!

The new territories of Acre are strong “centers” with rich local experience; they balance connectedness and isolation well. In a way, these territories are perfect islands: you can reach anyone from here but not everyone can reach you. The next most important thing is their practice of self-sustainable management—the result of blending local experience and hi-tech knowledge. Hi-tech sustainable solutions help them upgrade their living conditions, and allow them to communicate and trade from remote locations with little or no energy infrastructure. Advanced technology (such as solar-powered satellite dishes) means that at last, in the twenty-first century, the remote territories of Acre can themselves become centers, no less than other places, by using self-generated energy, which in turn gives them greater freedom in communicating. Without a doubt, the combination of local experience (from the territories) with hi-tech knowledge (from Brazil) is potentially a geopolitical advantage. But can it really work without the support of the state?

Practice #3: Happiness is: growing in small steps! Ours is a dignified life! We are accountable for ourselves and to others!

Those who manage the sustainable extraction of forest-based resources see the small-scale economy both as a tool for their own survival as well as a new economic model that is necessary for the survival of the planet and society at large. In Acre, clichés acquire real meaning: “The survival of the rain forest is the survival of the earth; the rain forest is the final frontier; the world is one community.” It feels as if Acre’s government and its people are on a mission. Does the future of the world depend on locally managed territories and small-scale economies providing a balance to the globalizing forces of multinational companies and organizations? The people I spoke with in Acre are convinced of this. But there’s a Catch-22, an obvious contradiction that resides in the very notion of sustainability. While any nonsustainable extraction of forest resources would have dire consequences not only to these communities but also to the entire world, efforts to achieve self-sustainable management of the forest through a small-scale economy present important challenges. Can the territories really survive and even thrive on this? Apart from natural resources, how well does local knowledge trade on the global market?

Practice #4: We protect what belongs to us! Cupuaçu is ours!

The new territories of Acre are strong centers and well connected; they practice self-sustainability and self-protection. The protection of the new territories is a must, not only because of the long history of their cultures being abused—which means self-protection comes naturally to those who live here—but also because of the ongoing threat of bio-piracy. The unlawful theft of natural resources in a region whose greatest wealth is biodiversity ranges from famous incidents involving the theft of rubber tree seeds (which led to the collapse of the region’s rubber extraction economy), to recent cases of a Japanese company, among others, attempting to patent the indigenous fruit known as cupuaçu (the Japanese patent has recently been revoked). So it’s no surprise, really, that Acre’s efforts to protect the territories from outsiders may seem excessive. The remoteness of their location does not guarantee sufficient protection for the Indian territories. If visitors to an extraction reserve are viewed with healthy suspicion because of fears that they might be involved with bio-piracy, a visit to an Indian tribe is extremely difficult to arrange. The main reason for this is to shield indigenous cultures. In theory, all would-be visitors to an Indian tribe must state their reasons for wanting to travel there, and visits must then be approved by the community. In this way, the territories remind us of the fortified city-states of Renaissance Italy or today’s contested territories in the West Bank. Indeed, the Acrean practice of planting trees as border protection in defense of one’s territory mirrors practices by Palestinians and Jewish settlers before the erection of the Israeli Barrier Wall halted negotiations between the two communities. A major difference, however, is that, while the Acrean territories may recall walled cities, they are not closed off. Today, the borders of these fragile and contested territories are porous. They permit and even welcome negotiations. And as for any precise demarcation of these territories’ borders, this remains in flux for the simple reason that rivers change their course and villages relocate themselves in the search for natural resources. And here is a contradiction: these strong territories are in fact fragile territories. To be able to exist and prosper, they need to be constantly communicating with the world and negotiating with their neighbors.

Practice #5: We are not objects of study! We want to share our knowledge on equal terms! In a horizontal world, education must be horizontal! To each group, their own education! We are unique!

Education—learning and sharing knowledge—is a crucial issue for the new territories, but the same may be said for the whole of Brazil and beyond. We have learned that the riches of education, though seemingly immaterial, are what guarantee the material wealth of nations. Today, the richest countries are those with the strongest educational systems. This awareness is even more important in the context of Brazil, ranked first in the world in the gap between rich and poor—which also means there is an immense gap where education is concerned. The new territories of Acre, although wealthy in both natural and intellectual resources, cannot hope to provide the kind of high-quality education the rich world demands. But being so inventive, the people of Acre organize things differently. The goal is to customize education for particular groups in the community. Established hierarchies are put in question, and education is organized in a way that makes sense for the community. Schools and local knowledge are cherished and protected—just as the territories themselves are. It struck me that the demands that shape education are, in a way, similar to those that shape the territories. Both exist for their people and both are necessary for people’s prosperity and aspirations, framing the life of the community.

Two collaborations are under way in Acre that I find especially inspiring. One involves the building of schools in remote areas for primary education; this is a collaboration between the local communities and the government. A typical school of this sort is equipped with extensive solar paneling and a satellite dish—in other words, an energy supply and a means of communication with the world. The second collaboration concerns higher education. This is the University of the Forest, whose goal is to bring together the knowledge of rubber-tappers, Indians, academics, and scientists so as to marry local experience with Western science. This makes sense. Brazil, after all, is a hi-tech country where the knowledge of those who live in the forest is not taught in the classroom but experienced directly. Indians and rubber-tappers, the caretakers of the forest, don’t want to be objects of research. They want to contribute to our shared knowledge on an equal basis. They want to trade their knowledge as they see fit. I see the University of the Forest as a new and important model for higher education.

Statement #3: The people of the ’60s were thinkers; we are doers!

My aim in writing this was to make sense of what I experienced during my stay in Acre in March and April 2006. I know that my assessment of the situation is far from thorough, but so be it. For me, it all comes down to the question: “What does it mean to live a dignified and responsible life today?” I realize that the community structures in Acre are not intended as models for other communities. The things I have mentioned here are simply their practice—the practice of sustainable existence. For me, their strategies recall other twenty-first-century experiences, such as the new states of the Western Balkans, which were formed when the region collapsed in the wars in the 1990s; like Acre, this region, too, has become pixelized into small territories—territories that are rejuvenating themselves by implementing practices and pursuing aspirations similar to those of the people of Acre. In both cases, downscaling is producing a scaling up: these particles and group identities are not static and self-enclosed, but dynamic and open to the world. I believe that faster and slower worlds can exist simultaneously in parallel realities, and the Western Balkans and Acre seem to me to be fast worlds, in some ways ahead of the rest. So it’s possible for us to learn from their practices.

I loved what I saw in Acre. It would be nice to think that the proposals of Constant and Yona Friedman, as well as other thinkers of the 1960s, such as Hélio Oiticica and Lygia Clark, who dreamed of a world community, provided inspiration for the people who are today forging Acre’s new territories, but I know that the Acreans have very likely never heard of them. Still, it’s beautiful to see that the doers of today are materializing the ideas of the thinkers of the ’60s. I thought it was fantastic how everyone we talked with in Acre saw clearly the benefits of their practices, for both themselves and the world community, and understood how to implement them. The new Acrean territories make me hopeful for our future coexistence. Their success is evidence that humanity can function as an intelligent organism. As it reaches critical mass, the world community, combined with a free-market economy, is generating alternative approaches to today’s neoliberalism, whether this means an emphasis on small-scale economies or a society based on local communities. Most importantly, those who live in the Acrean territories understand themselves as particles in, and contributors to, the world community.


Rural School “Luiz Placido Fernandes,” Acre. Left: Courtesy of Seplands and Prodeem, the State of Acre, Brazil. Right: Marjetica Potrč, drawing for project The Struggle for Spatial Justice (A luta por justiça espacial) for 27a. Bienal de São Paulo.

For sharing their vision and experience, I am particularly grateful to Camila Sposati, who provided me with a superb introduction to Acre and its people, to Sergio de Carvalho e Souza, who was an incredible guide for understanding the new territories, to members of the Croa community (Gean Carlos de Oliveira and Silvana Rossi), to representatives of the Indians (Luiz Waldenir Silva de Souza and Mutsa Katukina), the extraction reserves, and the government (Chico Genu and Marcus Vinicius), as well as to Manuela Carneiro da Cunha, co-author of the Enciclopédia da Floresta and a key figure in the University of the Forest, and many others besides.

Em favor da florestania (Trópico)

entrevista: Mauro Almeida

Por Renato Sztutman

A Universidade da Floresta, no Acre, luta para combinar o conhecimento científico com os saberes dos povos da região

A função de uma universidade pública é, ao menos em teoria, garantir o acesso de todos os cidadãos ao conhecimento. Nisso reside o seu ideal de igualdade. Sabe-se, no entanto, que esse acesso “universal” acaba restrito a uma fatia da população que pôde contar com uma educação de alto nível e que partilha determinados valores culturais. O desafio passa a ser, então, como incluir no ensino superior a população menos favorecida, por vezes pertencente a diferentes segmentos étnicos e culturais, vetores minoritários da sociedade.

A esse desafio soma-se outro, igualmente urgente: conceber um plano de ensino e pesquisa que reconheça nessas pessoas não receptáculos de um conjunto de saberes assegurados como universais, mas sobretudo sujeitos do conhecimento, capazes de realizar sínteses próprias e, ainda, transformar os conhecimentos produzidos pelo Ocidente moderno. Nesse sentido, incluir pode deixar de significar o enquadramento necessário em uma realidade estabelecida para designar um diálogo simétrico e transformador.

Esses desafios têm sido bastante discutidos por Mauro Almeida, professor de antropologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), mais precisamente no que diz respeito à sua experiência com a concepção da Universidade da Floresta, inaugurada no início de 2006 na cidade de Cruzeiro do Sul.

Localizada no extremo ocidente do Brasil, no Estado do Acre, num ponto quase eqüidistante entre Rio Branco e o oceano Pacífico, a região de Cruzeiro do Sul caracteriza-se pela sua riquíssima biodiversidade. Para Mauro Almeida, como para os demais idealizadores desse novo centro de ensino, o importante é promover a convivência, no interior e nos interstícios do ambiente acadêmico, de saberes tradicionais e científicos, de modo que sejam produzidas reflexões sobre o futuro da região em questão, o que exige investigações sobre manejo ambiental, biodiversidade, saúde e diversidade lingüística e cultural.

Nota-se que o Acre revela uma luta já antiga em favor da “florestania”, neologismo bem-sucedido ali empregado para fazer referência a essa percepção de que a cidadania deve estender-se aos habitantes e seres da floresta, não podendo estar dissociada da questão ambiental.

O campus expandido da Universidade Federal do Acre (Ufac), em Cruzeiro do Sul, que já conta com cursos de biologia, enfermagem, engenharia florestal, pedagogia e letras, todos eles constituídos por pesquisadores formados em importantes centros acadêmicos, é apenas uma das pontas do que se chama Universidade da Floresta. O campus está associado em rede ao Instituto da Biodiversidade e Manejo dos Recursos Naturais, órgão voltado à pesquisa admitindo a presença de pesquisadores indígenas e seringueiros, e ao Centro de Formação e Tecnologia da Floresta (Ceflora), responsável pelo oferecimento de cursos profissionalizantes e oficinas técnicas.

Essa estrutura em rede permite articular o ensino com uma atividade de pesquisa de ponta e, ao mesmo tempo, integrar a população local. Assim, o conhecimento científico sobre o ambiente, bem como as condições para o uso de recursos naturais de maneira sustentável, são produzidos dentro de uma relação de respeito e diálogo com as populações indígenas, seringueiras e ribeirinhas. Estas se tornam agentes fundamentais nos processos de pesquisa e fazem valer suas demandas, como a comercialização de determinados produtos e a proteção de seus conhecimentos, freqüentemente ameaçados por interesses comerciais privados e predatórios.

Como aposta Almeida na entrevista abaixo, um novo conceito de universidade está sendo gestado, permitindo que o conhecimento acadêmico seja produzido em mão-dupla. Alunos da cidade são levados à floresta e impulsionados a conduzir suas pesquisas e rever seus pressupostos por meio da valorização dos conhecimentos dos povos da região, transmitidos sobretudo por determinados “mestres” -como os pajés- que detêm saberes específicos sobre o ambiente.

De modo reverso, índios e seringueiros são aos poucos trazidos às cidades, às salas de aula e aos laboratórios, tornando-se colaboradores e pesquisadores. (Num futuro não muito longínquo, quem sabe, eles poderão ser também incorporados como docentes.) Se esse intercâmbio der certo, resultando em sínteses criativas entre saberes científicos e locais, um ideal mais concreto de inclusão terá sido alcançado. As populações locais terão sido reconhecidas como sujeitos do conhecimento, e não apenas como sujeitos carentes de conhecimento. A universidade terá se tornado, enfim, espaço da pluralidade, uma “pluriversidade” aberta a todos.

*

Como nasceu a idéia da Universidade da Floresta? A que tipo de demandas ela vem atendendo no Acre?

Mauro Almeida: A idéia surgiu há vários anos e, em 2003, ela estourou em uma reunião pública que contou com a participação de 500 pessoas, incluindo 80 organizações de todos os tipos. Essa reunião discutiu o ensino superior em Cruzeiro do Sul, segunda cidade do Acre e que fica a 600 km da capital, Rio Branco. Atualmente, ela possui 60 mil habitantes, está em crescimento. Ela está sendo conectada ao Brasil por uma estrada asfaltada, a BR-364, que passa por Rondônia e provavelmente continuará até o Ucaiali, de onde já há ligação com o Pacífico, passando pelos Andes.

A expectativa é que, num período próximo, haja um fluxo muito grande nessa região. E isso exige um planejamento adequado para o uso da floresta e dos recursos, e também para a proteção das populações indígenas e tradicionais que lá se encontram. A região de Cruzeiro do Sul abriga a maior parte das áreas indígenas e das unidades de conservação do Estado do Acre. Praticamente metade dessa microrregião é ocupada por parques nacionais, terras indígenas e reservas extrativistas. Trata-se de uma área que conta com uma altíssima biodiversidade.

O desafio que se apresenta é, portanto, compatibilizar a conservação da riqueza natural com o respeito aos direitos intelectuais e culturais das populações indígenas, seringueiros e agricultores locais e, além disso, encontrar meios para melhorar a qualidade de vida das pessoas que ali habitam. É preciso, então, fazer face às pressões que vão chegar quando a BR-364 estiver concluída. Uma das maneiras de fazer isso é pela educação.

O deputado federal Henrique Afonso (PT) transformou a demanda da população local pelo ensino superior na bandeira de seu mandato e foi buscar apoio entre cientistas e pesquisadores que já estavam trabalhando nessa região e entre indígenas e seringueiros. Não se tratava simplesmente de fazer uma campanha para criar novos cursos -cursos tradicionais, como o de direito.

A idéia era mais ousada, era articular a universidade com a criação de cursos que fossem voltados para a busca de soluções apropriadas para o uso dos recursos naturais da região e de uma forma de gerar renda que respeitasse o meio ambiente e as populações indígenas e tradicionais.
Como se deu a participação do governo do Acre no processo de implantação da universidade?

Almeida: O grupo de trabalho articulado em 2003 foi se encaminhando para criar um projeto que, em 2005, depois de muitos trâmites, finalmente teve um sinal verde do Ministério da Educação para se viabilizar. O ministro Tarso Genro prometeu liberar a contratação de 90 professores, dos quais 50 seriam para a Universidade Federal do Acre. Quarenta desses professores seriam destinados imediatamente para uma unidade autônoma, o campus Cruzeiro do Sul, e seriam seguidos por outros tantos num futuro próximo.

O então governador do Estado, Jorge Viana, se comprometia com investimentos na infraestrutura, na conclusão de estradas e na via telefônica. E o Ministério da Ciência e Tecnologia, com investimentos para recursos em pesquisa e equipamento de laboratório. A Universidade da Floresta começou, então, a ser implantada em 2005, contratando por concurso público um pessoal científico do mais alto nível e de várias universidades do Brasil: ecólogos, biólogos moleculares, enfermeiros, engenheiros florestais etc.

Um dos objetivos do governo era garantir que a universidade agisse junto com a população que não estava matriculada nos cursos acadêmicos, mas que manifestava demanda pela formação profissional nas mais diversas áreas. Essa formação seria dada, então, através das chamadas escolas da floresta, pólos de formação, espalhando-se ao mesmo tempo na cidade de Cruzeiro do Sul e dentro da floresta, por meio, por exemplo, de unidades fluviais itinerantes, os chamados “barcos-escola”.
Quais as expectativas das populações indígenas da região diante da proposta da Universidade da Floresta? Em que medida essa proposta se vê articulada às demandas já existentes de um curso superior diferenciado?

Almeida: Há indígenas ingressando na Universidade da Floresta, pois muitos deles possuem o curso médio completo. Mas os índios da região têm uma antiga reivindicação, que é a criação de um terceiro grau indígena, voltado para a formação em nível superior dos professores indígenas. Esses professores estão atuando há muitos anos em escolas organizadas por várias entidades indígenas, indigenistas e do governo; a principal delas é a ONG Comissão Pró-Índio do Acre (CPI). Uma estratégia possível seria que as escolas bilíngües e o treinamento de professores nativos adquirissem status de curso superior.

Outra idéia é a criação de um curso superior indígena para formar não apenas professores, mas também especialistas em manejo florestal, em línguas indígenas etc., dentro da universidade. E o setor de línguas e pedagogia da Universidade da Floresta já apresentou uma proposta nesse sentido. Então, há o caminho de cursos específicos para índios, com uma direção principal de formação de professores indígenas com especializações em manejo florestal e em línguas indígenas.

O modelo são os cursos para índios que funcionam atualmente no Mato Grosso e em Rondônia. Mas o conceito da Universidade da Floresta é, de fato, mais amplo, podendo combinar-se ao anterior: trata-se de produzir um estímulo para a entrada dos índios que passariam a fazer os mesmos cursos que os demais. Uma das questões que devem ser enfrentadas é, portanto, como propiciar essa entrada.
Há algum sistema que favoreça a inclusão de alunos indígenas, como um sistema de cotas, por exemplo?

Almeida: Não tem. Isso é um assunto em discussão. Eu pessoalmente sou favorável a algum sistema que permita a inclusão. Haveria um conjunto de vagas para indígenas, e esse curso superior indígena poderia ser articulado com os outros. E só pensar que há um conjunto de vagas, à parte, reservadas para uma certa demanda social. No futuro, poderia haver um grande número de alunos indígenas entrando nesse sistema com bolsas de estudos, sendo estimulados com a inclusão e fazendo os mesmos cursos que os não-indígenas, e não cursos especiais separados para os índios.

Eu acho que seria o que eles próprios gostariam. Por exemplo, aqueles que vão ser professores especializados em línguas estariam fazendo o curso de línguas da Universidade da Floresta. O curso de letras já existe, só que agora está recebendo uma injeção de novos professores, com lingüistas competentes contratados recentemente e que trabalham com as línguas indígenas da região.

Seria importante fortalecer a idéia de que a formação dos indígenas deve incluir no currículo as línguas e os conhecimentos locais. É preciso evitar que os professores indígenas, que se formaram numa trajetória educacional ligada ao povo deles, caiam num tipo de formação que os reduza a pessoas desgarradas, como se elas fossem carentes de conhecimentos relacionados, por exemplo, à tecnologia florestal.
Como se dá a inclusão da população local na figura de pesquisadores? Qual é a concepção de pesquisa implicada na proposta da Universidade da Floresta e em seu trabalho conjunto com outros órgãos, como o Instituto da Biodiversidade?

Almeida: O projeto da Universidade da Floresta não pode ser dissociado da criação do Instituto da Biodiversidade. Através dele, o Ministério da Ciência e Tecnologia canaliza recursos para pesquisas de caráter aplicado, tendo em vista os desafios da região e a participação de pessoas da população local como pesquisadores, muitas vezes bolsistas. Na verdade, o Instituto da Biodiversidade está funcionando de maneira ainda virtual. Ele conta com uma espécie de portfólio de projetos, financiados atualmente pelo Programa de Pesquisa em Biodiversidade.

Dentre esses projetos, há uma certa liberdade para especificar qual será a participação dos professores, dos pesquisadores, indígenas e seringueiros. Há alguns projetos, em que a maior parte de seus recursos é investida em bolsas para seringueiros. São bolsas muito baixas.

Na verdade, são estímulos para uma dedicação parcial em uma pesquisa colaborativa. A atividade principal dos seringueiros é escrever diários com temas variados, por exemplo, a fauna e o uso dela na forma de caça. Muitas vezes, esses seringueiros, que podem ser adultos ou adolescentes, estão em processo de alfabetização, entrando em contato com a técnica da escrita. O status dos seringueiros no Instituto da Biodiversidade é o de “pesquisadores da floresta”.

Nos cursos que a escola da floresta vai realizar na área, eles vão participar como alunos e, alguns, talvez, como professores. Por exemplo, um curso que já ocorreu em 2005, antes da instalação da Universidade da Floresta, tratava da tecnologia do processamento da mandioca para fazer a famosa farinha.

O Instituto da Biodiversidade tem como objetivo gerar conhecimento científico, oferecendo uma visão ampla sobre a floresta. Ele deverá fomentar oficinas, seminários e debates sobre os resultados da pesquisa, assim como publicações dos resultados, tanto em livros e manuais, mais acessíveis para as populações de lá, quanto em revistas científicas. Isso, aliás, já tem acontecido. Alguns desses pesquisadores locais já são co-autores em publicações científicas. O objetivo é tratar índios e seringueiros em pé de igualdade. É um objetivo difícil de atingir, pois tem muita resistência nesse sentido.
Como superar essas resistências? Em que medida essa simetria de saberes está sendo reconhecida e instituída?

Almeida: Nas instituições nacionais financiadoras de pesquisa não há uma maneira de incluir o indígena como pesquisador. É possível incluí-lo apenas como mão-de-obra de pesquisa, como auxiliar de campo, como guia. É possível remunerá-lo como técnico. Mas não existe uma categoria de pesquisador de notório saber ou de pesquisador tradicional como nós gostaríamos. Agora, é lutar para que a atividade de produção de conhecimento seja reconhecida como uma atividade de pesquisa, análoga à dos cientistas.

É muito freqüente que pesquisadores das áreas de biologia, antropologia ou outras sejam acompanhados em seu trabalho de campo por um guia local. Mas este aparece no mais das vezes como um trabalhador braçal, quando, em muitos casos, é um profundo conhecedor da floresta. Conhece as propriedades daquelas plantas, os hábitos daqueles animais, dá pistas, dicas e indicações. Atua como um verdadeiro colaborador. Ele é dono de um largo conhecimento, que vem sendo filtrado, utilizado e processado, mas que perde a autoria original.

Então, a nossa idéia é que seja possível produzir um trabalho com autoria, fazendo com que eles passem a escrever os seus próprios trabalhos em formatos que sejam melhores para eles. Pode não ser um formato tradicional, pode ser divulgado numa página da internet, pode ser um desenho, uma narrativa gravada.
A divulgação dos resultados de pesquisas como essas exige providências relativas à proteção dos conhecimentos tradicionais. Afinal, eles se tornam mais expostos para o uso comercial e privado. Como equacionar, então, a atividade de pesquisa e as políticas de proteção?

Almeida: Não se trata, é claro, de colocar em domínio público uma série de conhecimentos, embora a forma tradicional de transmissão desses conhecimentos corresponda a um uso bastante livre. A idéia é combinar pesquisa e políticas de proteção desses conhecimentos, que possuem um forte potencial econômico. O que não podemos fazer é entregar o ouro aos bandidos…

Há um projeto, incentivado por Manuela Carneiro da Cunha, de montar na Universidade da Floresta uma “extratoteca”, um repositório de extratos vegetais e animais, produtos com valor econômico potencial muito alto, juntamente com um laboratório para análise desse material. Ali, os índios trabalhariam em cooperação com os cientistas. Trata-se de um laboratório capaz de realizar análises biotecnológicas, e um dos focos possíveis seria criar uma “biblioteca” de moléculas identificadas nas secreções de animais e vegetais.

Seria possível, em princípio, identificar, registrar e, em alguns casos, gerar uma patente sobre processos biotecnológicos em benéfico das populações locais, impedindo, por exemplo, que o valor associado a isso seja apropriado. Vou citar o exemplo dos sapos, que representam um dos maiores índices de biodiversidade na região. Só em duas áreas, o Parque Nacional da Serra do Divisor e a Reserva Extrativista do Alto Juruá, foram detectadas 140 espécies de sapos. Cada uma delas é um armazém de substâncias distintas dotadas de propriedades específicas, e um dos exemplos são os sapos da espécie Philomedusa bicolor, mais conhecidos como sapos kampo, cuja secreção tem inúmeras propriedades relevantes para a saúde humana.

Um projeto, atualmente conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente, por iniciativa da ministra Marina Silva, pretende atender a reivindicações de proteção do uso tradicional da chamada vacina do sapo kampo e também dos direitos e potenciais sobre aplicações médicas dessa substância. Esse projeto surgiu em resposta à demanda dos índios Katukina. A discussão está sendo conduzida pelos próprios índios, junto com as entidades externas que estão colaborando no projeto, ou seja, as universidades e o próprio governo.
Você pensa que a proposta de inclusão de pajés e mestres da floresta no ambiente da Universidade da Floresta criou ou pode criar certa resistência ou mesmo “ciúmes” por parte dos pesquisadores e cientistas? Como você avalia o diálogo estabelecido entre esses diferentes agentes?

Almeida: Houve mesmo esse medo. Mas acho que o susto de certos cientistas com a idéia de que os pajés entrariam na Universidade da Floresta para dar aula se deve a um mal-entendido. O ideal dessa universidade é a criação de um espaço que tem como meta tratar simetricamente -com equivalência e com o respeito mútuo- os conhecimentos tradicionais e os conhecimentos científicos e acadêmicos.

Devem ser considerados ao mesmo tempo a atividade de produção de saber pelos moradores da floresta e o próprio espaço acadêmico como outro espaço de produção do conhecimento. Tanto os índios como os moradores tradicionais da floresta precisam de um tempo para estabelecer um relacionamento entre os conhecimentos que eles acumularam e a visão do mundo que eles encontram na cidade ou entre os cientistas.

Os cientistas, por sua vez, precisam de um tempo para entender e respeitar o ponto de vista dos moradores da floresta. Esse tipo de diálogo entre pesquisadores científicos e detentores de conhecimentos tradicionais é complicado. Mas, gradualmente, pode surgir uma convivência pacífica entre essas duas tradições. Isso não significa um se colocar no lugar do outro, ou misturar as duas formas de gerar e usar conhecimento. Não, os conhecimentos possuem teores diferentes, finalidades distintas e procedimentos também diferenciados.

É preciso entender, por outro lado, que há espaço para cada um deles e pode se estabelecer, sim, um diálogo. É possível, para cada um dos lados, vislumbrar uma maneira diferente de abordar o significado da vida humana, da natureza, das técnicas corporais, da saúde. Em países como a China, por exemplo, nos cursos universitários-acadêmicos de formação de médicos, a tradição ocidental e a medicina chinesa convivem de uma maneira bastante produtiva. Para chegar a um ponto em que o pajé indígena seja aceito como professor convidado ou como um sábio da floresta que tem um status reconhecido é preciso de muito tempo.

Uma impressão inicial foi a de que essa Universidade da Floresta talvez fosse misturar tudo, provocando uma inversão, uma espécie de anulação de todas as certezas do saber científico. Em vez disso, penso que é preciso um esforço para permitir que, dentro da universidade, possa se estabelecer um bom convívio com alunos e mesmo professores que saíram de outras tradições e possuem conhecimentos diversos daquele produzido pela nossa ciência. Isso não significa anular a especialização já existente.

Uma maneira de fazer essa aproximação importante entre os diferentes tipos de conhecimento é exatamente através da pesquisa. E aí o Instituto da Biodiversidade entra com seus projetos autônomos. Porque lá o pesquisador e os alunos -que estão na universidade- vão a campo fazer atividade de pesquisa e passarão a conviver com aqueles que eu tenho chamado de “mestres da floresta”. A idéia é que os alunos aprendam, na prática, a respeitar os conhecimentos adquiridos em outras fontes. Há uma série de curadores tradicionais que exercem uma atividade terapêutica reconhecida regionalmente como válida. Em suma, a idéia é de pluralismo epistemológico -reconhecer a diversidade de modos de gerar conhecimentos relevantes para a humanidade.
Quais as expectativas desses mestres da floresta em relação à universidade?

Almeida: Uma das demandas é que a universidade seja uma ponte para que os conhecimentos e os produtos produzidos na floresta -por exemplo, substâncias atualmente classificadas como “fitoterápicas”- possam chegar às prateleiras dos brancos e serem enfim reconhecidas e comercializadas como remédios. Atualmente essa transição é muito trabalhosa e fora do alcance de moradores locais. Os índios fazem pressão também para que a Universidade da Floresta seja respeitosa com seu saber e suas formas de vida, e assim leve a sociedade a respeitá-las. Mas os indígenas e seringueiros também querem aprender coisas que não sabem.

O desafio da Universidade da Floresta está, então, em articular cientistas e moradores da floresta, a fim de conhecer e utilizar sensatamente a biodiversidade, impedir o seu uso predatório, o seu saque. Trata-se de fazer face a uma pressão, como a do mercado biotecnológico, por substâncias da floresta. Mas como fazer? Quem vai pesquisar os conhecimentos da floresta? Quem vai articular essas ricas tradições de conhecimento com a realidade do mundo moderno?

É preciso formar pessoas lá mesmo para refletir sobre essas questões e encontrar respostas. E é preciso colocar os próprios índios e moradores da mata dentro dessa formação para que eles, juntos, encontrem essa solução. Eu não tenho essa solução e nem pretendo ter. A idéia dos cientistas se instalarem naquele “fim do mundo” funcionou, e a equipe que foi contratada lá é muito competente. Para ir para lá, é preciso agir movido por um ideal. Eu estou muito entusiasmado com esse grupo. Eu tenho certeza que eles irão interagir com o povo da região. Já estão interagindo.
Como trazer para uma universidade a idéia de diferença, de pluralidade? Em que medida o igualitarismo e o universalismo buscados nesses espaços podem abrigar o reconhecimento e a valorização das diferenças?

Almeida: Não podemos ficar de salto alto e dizer: “A universidade, quem quiser que entre, faça o vestibular, pois não existe diferença”. Existe diferença, sim, e as pessoas têm de ser reconhecidas, inclusive, na diferença em relação à sua competência, como sábios que geram conhecimento importante sobre a vida e, portanto, podem oferecer uma importante contribuição para a nossa sociedade.

As pessoas mantêm as suas identidades próprias, adquirem auto-respeito, passam por cima do que fizeram com elas no passado. E nós temos de tratá-las também com respeito. Isso tem de ser incluído na academia. A igualdade é, na verdade, o reconhecimento das diferenças. Se queremos garantir a igualdade de todos no acesso à universidade, uma das primeiras coisas que temos de fazer é tratar diferentemente as pessoas.

Um deficiente físico que precisa de uma cadeira de rodas não pode ser tratado da mesma maneira que aquela pessoa que não necessita de uma cadeira de rodas. Ele está sendo tratado desigualmente para garantir um acesso igual ao saber. O cego que entrar na universidade vai precisar de um livro especial. Os exemplos podem ser multiplicados. Não há novidade alguma nisso. O ideal de igualdade deve ser o reconhecimento da diversidade. Eu penso que isso é algo muito importante num país como o Brasil.
(Publicado em 7/4/2007)

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Renato Sztutman
É professor de antropologia da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), doutor em antropologia pela USP e co-editor da revista “Sexta-Feira”.

O tsunami fluvial que encanta, devasta e assusta o Acre (Conta D’Água)

por Laura Capriglione da Ponte com fotos de Mídia NINJA

3 de março de 2015

Relato da viagem de dois paulistas açoitados pela crise hídrica à maior cheia da história do estado amazônico.

Enquanto o sudeste angustia-se com reservatórios de água em situação crítica, e dá boas vindas às águas de março, o Estado do Acre, no extremo oeste do país, vive realidade absolutamente oposta. O nível do rio Acre atingiu os 17,80 metros na segunda-feira (2/03), em Rio Branco, a capital. Com a cheia histórica, o rio bateu seu próprio recorde de altura, obtido em 1997, quando cravou a cota de 17,66 metros acima do leito normal.

Já se contam mais de 8.000 desabrigados em todo o Estado, 5.450 apenas na capital, divididos em cinco abrigos públicos. A cheia atinge 40 dos 212 bairros da cidade. E as águas não param de subir.

Vista aérea de Brasiléia no ápice da cheia. Foto: Secom/AC

Nas ruas, no comércio, o Acre só fala nisso. Em períodos normais de chuvas, o rio sobe de seis a oito metros. Nas estações secas, desce três metros.

“Eu nunca vi uma situação como esta”, disse Raimundo Nonato da Silva, 85 anos, seringueiro aposentado, que perdeu tudo na atual cheia.

Com o nível do rio subindo dia após dia, Raimundo foi pouco a pouco subindo as coisas de casa. A televisão foi para cima do armário, a geladeira ficou deitada em cima da mesa, roupas escalaram os ganchos mais altos da rede.

Centenas de casas alagadas no Bairro 6 de Agosto, na capital Rio Branco. Foto: Mídia NINJA

Mas a cheia do rio surpreendeu e ultrapassou o teto da casa do seringueiro, no bairro 6 de Agosto –nesta segunda-feira quase totalmente submerso. Isso apesar de a casa ficar em cima de palafitas.

Raimundo só saiu no último instante, quando um bote de resgate da Defesa Civil do município propôs-lhe a derradeira chance de ainda tentar a retirada de umas coisinhas, agora pelo telhado da casa. Não deu tempo.

Selva urbana, o bairro de Taquari foi um dos mais afetados da capital. Foto: Mídia NINJA

O prefeito de Rio Branco, Marcus Alexandre (PT), decretou no domingo o estado de calamidade pública. Estado e município cancelaram as atividades normais do funcionalismo e pediram a todos os servidores públicos que ajudem na assistência aos desabrigados.

A equipe do Conta D’água acompanhou de perto a operação de resgate e suporte da alagação, realizada pela defesa civil na zona rural do estado. Foto: Mídia NINJA

O Acre está assustado com a cheia inédita, mas está também encantado com o espetáculo promovido pelo rio amazônicos.

No domingo, enquanto o rio Acre subia rapidamente, e engordava, avançando sobre o calçadão da Gameleira, um dos principais cartões postais de Rio Branco, milhares de moradores saíram de suas casas para apreciar o espetáculo da corredeira.

Carrinhos vendendo pipocas verdes, amarelas e vermelhas, as cores da bandeira do Acre, disputavam terreno com camelôs que ofereciam balões coloridos do Mickey, dos Angrybirds, de Minions (R$ 10 cada).

Turismo hídrico: a cheia virou atração nesse domingo na capital Rio Branco. Foto: Mídia NINJA

Foto: Mídia NINJA

Meninos jogavam-se no rio feroz e cheio de galhos arrancados das florestas por onde passou. Eram arrastados até a ponte velha, de lá emergindo. E, de novo, jogavam-se no rio. E, de novo.

Os ricos exibiam-se em acrobacias a bordo de jet skis.

Pulos dos mais diversos lugares e alturas marcaram o entretenimento fluvial dos acrianos. Foto: Mídia NINJA

“É triste ver as pessoas perderem tudo com a cheia do rio, mas que é bonito ver essa força das águas, ah, isso é!”, disseram, com variações pequenas, todas as pessoas que entrevistamos.

“Trata-se de uma outra relação com o rio, com a natureza, com os ciclos da vida”, explicou–nos a irmã Maria Amélia, uma freira católica gaúcha que morou em São Paulo durante oito anos. Ela também se admirava com o espetáculo fluvial, enquanto conversava com outra freira, traçando planos de viagem para Brasiléia, na fronteira com a Bolívia, para ajudar os desabrigados de lá.

Centro comercial de Brasiléia, no interior do estado, devastado pela alagação. Foto: Mídia NINJA

Banhada pelo rio Acre, Brasiléia é um município difícil de definir, por causa das incríveis contradições que contém. É por lá que entram os haitianos trazidos por coiotes (especialistas em tráfico de gente). São centenas (já foram milhares) esperando a documentação de refugiados no posto da Polícia Federal.

Também se veem cholas e bolivianos em geral andando pelas ruas, sempre acompanhados por suas famílias. Provêm do vizinho município de Cobija, onde se pode comprar muambas variadas, já que possui uma zona franca à moda de Ciudad Del Leste, no Paraguai. “Chegou Notebook — HP, Asus, Apple, Celulares”, lê-se à guisa de boas vindas, na fronteira.

Pela proximidade com a Bolívia, a região de Brasiléia é marcada pelo comércio. Foto: Mídia NINJA

A ação de limpeza e recuperação da cidade já dura dias. Foto: Mídia NINJA

Separados de Brasiléia apenas pelo rio Acre, os bolivianos pobres de Cobija percorrem as ruas brasileiras, investigando o lixo que os acrianos jogam fora. Reaproveitam quase tudo.

Com as inundações atingiram o centro comercial de Brasiléia como um tsunami fluvial, os brasileiros descartaram de tudo: de mesas com a madeira inchada pela água, roupas e sapatos sujos de lama, fantasias, fogões, geladeiras, colchões, pedaços de vidraças estouradas pela força das águas, pacotes de alimentos e até remédios.

Tudo que aparecesse envolto em um creme cor de chocolate, mas que pudesse recuperar alguma função uma vez lavado era ente recolhido pelas famílias bolivianas, e levado para o outro lado da fronteira.

Mesas, vidros, restos de roupas: de tudo se aproveita. Foto: Mídia NINJA

A inundação criou uma apreensão absolutamente original (e em boa parte imaginária) em Brasiléia. Nos bairros Leonardo Barbosa e Samaúma, situados em uma curva do rio Acre, a cheia ilhou os moradores brasileiros dentro do território boliviano.

“Minha família perdeu quase tudo. Estamos sem energia, sem água; estamos agora ilhados. Perdemos muito, porque não acreditamos que a água fosse subir tanto. Mas não perdemos a vida e o amor pelo Brasil. Não aceito, a esta altura da minha vida, virar boliviano”, disse Francisco Nogueira Cavalcanti, casado, uma filha, enquanto acompanhava a movimentação de uma retroescavadeira cedida pela Prefeitura, que recompunha a ligação entre os dois bairros e o Brasil. Ufa!

Oito dias sem luz, Dona Maria improvisa a iluminação de sua casa com velas. Foto: Mídia NINJA

A cheia dos rios da região amazônica é diferente da cheia dos rios em outras regiões do país. Na bacia amazônica, as cheias fazem parte do regime hidrológico da região. Quando chove, um rio não transborda imediatamente, como acontece em São Paulo, por exemplo. Como vasos comunicantes, os rios sofrem o impacto das cheias nas regiões altas, que “descem” por gravidade para as partes mais baixas do leito fluvial.

Eis porque Rio Branco viveu em suspense toda a semana passada, acompanhando as notícias sobre o comportamento do rio Acre quando passou por Brasiléia primeiro e, depois, por Xapuri. Se subisse fortemente em Brasiléia, se mantivesse a mesma força ao varrer Xapuri, provavelmente as águas chegariam desvastadoras em Rio Branco.

Foi o que aconteceu.


Continuaremos este relato de viagem com as histórias sobre como a cheia devastou a cidade de Xapuri, terra do líder seringueiro e sindicalista Chico Mendes. Também postaremos a entrevista com seu companheiro de sindicato e de luta pela preservação da floresta, Luiz Targino de Oliveira de 83 anos.

*   *   *

A alagação vista dos céus

Confira imagens de Rio Branco, no Acre, durante a maior cheia de sua história

fotos de Mídia NINJA

3 de março de 2015

Já se contam mais de 8.000 desabrigados em todo o Estado, 5.450 apenas na capital, divididos em cinco abrigos públicos. A cheia atinge 40 dos 212 bairros da cidade, com a elevação de 18m do rio. E as águas não param de subir..


Esqueça mitos coloniais: o contato dos Xatanawa no Acre põe fim a uma resistência centenária (Blog do Milanez)

Por Felipe Milanez e Glenn Shepard

Reproduzido em ,

07/08/2014 19:52

indios-isolados-acre

O que está por trás do contato com os sete indígenas de uma população que vive de forma autônoma na Amazônia

No Blog do Milanez

Eles são jovens. Todos saudáveis. Corpos esbeltos, cabelos bem cortados, algumas leves pinturas no rosto. Carregam arcos e flechas bem feitas, bem apontadas, com as penas impecavelmente cortadas. Portam um cinto de casca de envira, que utilizam para segurar um machado, e amarram o pênis nesse mesmo cinto. Imitam animais da floresta com perfeição e cantam belas melodias características das sociedades falantes a língua pano, como as músicas dos Kaxinawa e dos Yawanawa que se pode escutar em CDs. Por trás dessa bela aparição de jovens indígenas que tomaram coragem e decidiram passar a interagir com a violenta sociedade que os cerca, estão terríveis histórias de massacres – um provavelmente recente, e suspeita-se perpetrado por um narcotraficante.  A história do “contato” dos Xatanawa é uma extraordinária história de resistência.

Vídeos e fotografias sobre a chegada de um povo tido como em “isolamento voluntário” em uma aldeia do povo Ashaninka, no Acre, tem provocado comoção nas redes sociais, questionamentos, comentários racistas, e ganharam atenção da imprensa nacional e internacional e da televisão. Dois vídeos divulgados com exclusividade no blog do jornalista Altino Machado romperam com o silêncio da Funai, muda sobre os riscos do contato e apenas expressando-se em notas à imprensa cheias de mistérios. A notícia saiu desde o Jornal Nacional ao britânico Guardian.  Tem merecido manchetes de portais sensacionalistas até revistas científicas como a Science. Quase sempre, a história dos massacres e da resistência dessa população é deixada em um segundo plano para dar espaço ao sensacionalismo, exotismo e colonialismo da relação com essa nação indígena.

Ideias tais como “emergiram da floresta” ou “saíram do isolamento”, “um grupo de índios isolados da civilização” que estão “vindo até nós” contribuem muito mais para esconder o real significado desse processo de aproximação e interação em curso. Nas caixas de comentários há sempre a surpresa pelo machado, terçado, a espingarda, ou a “carteira do Corinthians” portada pelos indígenas. “Será que a FUNAI vai, também, demarcar o Itaquerão?”

Essa perspectiva etnocêntrica contribui para se deixar de lado a responsabilidade dos Estados brasileiro e peruano em protegerem e dar garantias para que essa população possa continuar vivendo livre – e se quiserem, mesmo contra o Estado.

Fronteiras de sangue

As câmeras que mostram os jovens indígenas poderiam também apontar para o outro lado dessa fronteira: o tráfico de cocaína do Peru, maior produtor mundial, e suspeito de ter cometido um massacre contra essa população; para a indústria madeireira peruana, ilegal e predatória, que abastece os Estados Unidos de mogno, também suspeita de violência e massacres por ali; para a indústria madeireira brasileira que falsifica documentos, mesmo no Acre, e está explorando o entorno das terras indígenas, e é uma das campeãs de conflitos e mortes; para a exploração de petróleo e ouro, avançada no Peru e em processo de prospecção no lado brasileiro, que contamina vastas áreas de floresta; para as obras de infraestrutura na América Latina, pelo IIRSA, e também o PAC, que impactam e destroem ambientes e vidas humanas que não são levadas em contas nas planilhas.

Foi somente após o contato desse grupo que fala língua da família Pano, e que a princípio se autodenominam Xatanawa segundo identificou um dos intérpretes, é que o governo brasileiro decidiu liberar recursos para a construção e manutenção de quatro bases de fiscalização da Frente de Proteção Etnoambiental Envira. Foi feita a promessa de R$ 5 milhões e mais recursos de emergência para que não ocorram mortes decorrentes do contato. Essa população passa a viver uma situação de vulnerabilidade epidemiológica em razão de baixa imunidade a diversas doenças. Tempos atrás, metade iria morrer nos próximos meses. Será que agora é possível fazer diferente? Algumas experiências como o contato com os Korubo, em 1996, no Vale do Javari, e com os Arara da Cachoeira Seca do Iriri, em 1987, mostra que é possível, se houver uma equipe organizada, evitar epidemias e mortes.

Acontece que para se construir equipe e estrutura é necessário a chamada “vontade política”: ou seja, o governo cumprir a lei e destinar recursos. As quatro bases de fiscalização que foram agora prometidas já eram uma demanda antiga do sertanista José Carlos Meirelles e passou a ser também de seus jovens sucessores na Frente de Proteção Etnoambiental Envira, da Coordenação Geral de Índios Isolados, no Acre, como o dedicado indigenista Guilherme Daltro Siviero.

Há anos Meirelles e outros indigenistas, como Terri de Aquino, alertam sobre a possibilidade de um eventual contato nessa área com um povo em isolamento voluntário. E alertam para a chance de um provável desastre humanitário. No entanto, isso nunca serviu para acordar os burocratas da chefia da Funai, do Ministério da Justiça e do Ministério do Planejamento. Mais fácil deixar sangrar em campo os dedicados funcionários, e depois culpá-los por “despreparo” como alega reportagem recente publicada no jornal britânico Guardian. Como o próprio Meirelles desabafou em entrevista concedida à Revista Terra semana passada: “Ou faz, dando estrutura, ou o estado brasileiro diz: tudo bem, mais um genocídio no meu currículo.”

Em 2007, já com suspeita de que um contato eventual poderia ocorrer com a vinda dos indígenas, Meirelles alertou em entrevista para Felipe Milanez sobre os riscos que ele temia: “Não temos condições de prover saúde e dar assistência, seria um massacre.” O risco agora é de um massacre epidêmico após essa população ter relatado que sofreram um massacre por um grupo fortemente armado.

Portanto, esses jovens Xatanawa que habitam as cabeceiras do Envira são conhecidos há tempos pelo Estado brasileiro. Meirelles montou a primeira base de fiscalização na confluência do rio Envira com o igarapé Xinane em 1988. Ele já havia mapeado a região e encontrou esse ponto com equidistância do território de diferentes povos nessa situação de isolamento, em uma posição intermediária com as comunidades Ashaninka e também bem localizada para controlar a subida do rio: a partir dali, subindo as águas do Envira, estaria vigiado o acesso pela água.

A proteção do lado brasileiro da fronteira passou a ser eficiente. E pelo lado peruano, passou a piorar após os anos 2000, quando Meirelles começou a perceber os resíduos da exploração madeireira no lado de lá, como tambores de combustíveis, sacos plásticos e pranchas de mogno descendo o rio. Se vinham todas essas tralhas de acampamentos ilegais, por que não poderia descer o rio também, por exemplo, uma carteira do Corinthians ou um machado boiando cravado numa tora, objetos encontrados com os Xatanawa?

Ameaças e riscos desde o início da década

O sertanista Meirelles e seus colegas na Coordenação de Índios Isolados e Recente Contato passaram a denunciar a situação de ameaça ao indígenas em isolamento na fronteira do Brasil com o Peru, região do Paralelo 10, no início da década. Em 2004, Meirelles foi atacado por um grupo Mashco Piro, levou uma flechada no rosto e quase morreu. Já desconfiava ele que a agressividade dos Mashco poderia estar relacionada com violência contra eles na região. Em 2005, um grupo de indígenas passou em aldeias e nas casas de ribeirinhos para se apropriar de alimentos e ferramentas. Meirelles tentou recursos do governo para repor esses equipamentos e tentar lançar, em sobrevoos, ferramentas próximo às aldeias dos isolados.

As madeiras de sangue, como chamamos a exploração ilegal e predatória de madeiras nativas, cada vez mais penetrou nos territórios dessas populações indígenas autônomas. Nos anos de 2006 e de 2007 foram feitas denúncias internacionais da invasão de madeireiros peruanos no território brasileiro, que atingiam tanto comunidades Ashaninka quanto o território dos isolados. Nessa crise, durante uma reunião interministerial, um diplomata brasileiro falou sobre a necessidade de denunciar o Peru na Organização Mundial do Comércio.

Meirelles costumava dizer a amigos: “cada caixão de mogno nos Estados Unidos deveria vir com uma placa: aqui jaz um índio isolado que foi morto para essa madeira vir até aqui enterrar um americano”.

Na segunda metade da década, com a eminência do contato, e durante processos de reestruturações da Coordenação Geral de Índios Isolados (que passou também a trabalhar com os povos de Recente Contato – CGIIRC) em 2006, que passou a se falar, internamente no ambiente sertanista, da necessidade urgente de se constituir equipes preparadas para o contato. Em reunião interna da coordenação, em 2010, essas equipes foram longamente discutidas: elas deveriam sempre contar com a presença de um tradutor e agentes especializados de saúde.

Assim é que pelo menos há uma década é que a possibilidade de um contato é tida como grande na Funai. Mesmo assim, a sucessão de chefes na pasta, desde Sydney Possuelo, Marcelo dos Santos, Elias Bigio, e hoje, Carlos Travassos, nunca conseguiram aumentar o orçamento e romper os entraves burocráticos interministeriais para o treinamento de equipes.

Desenvolvimentismo e os impactos que não aparecem nas planilhas

O advento do PAC, em 2007, trouxe novas pressões, que foram ampliadas com o PAC 2 em 2010. As Frentes de Proteção Etnoambiental foram duplicadas. Passaram de seis para as atuais 12 e a proteger 30 milhões de hectares. Em 2010, foi feita uma proposta para ampliação do orçamento da CGIIRC para 5 milhões de reais. No entanto, não veio a resposta do governo. Agora em 2014 o orçamento foi de R$ 2,3 milhões, e grande parte foi gasto para as operações de desintrusão da Terra Indígena Awá, no Maranhão, onde o povo indígena Awá também vive risco de genocídio. Na hora de realizar as operações no Xinane para salvar os Xatanawa, faltou recurso.

Não é apenas dinheiro que o governo nega para os sertanistas. Faltam recursos, gente e estrutura. E não é apenas com relação às populações em isolamento, esse é apenas um reflexo exposto da caótica política indigenista do atual governo, violenta de diversas formas contra os povos indígenas. Uma breve leitura no diagnóstico do relatório do Conselho Indigenista Missionário serve para expor o tamanho da tragédia em curso. A política de saúde indígena é uma tragédia geral, e a Funasa – atual Sesai –, desde que foi desmembrada da Funai no início dos anos 1990, nunca formou uma equipe especial para os contatos, nem para o contato com os Karubo, no Vale do Javari, em 1996, nem com os Piripkura, em 2007: em ambas as situações os sertanistas da Funai tiveram de se virar como puderam convidando enfermeiros conhecidos e amigos.

Dar condições de trabalho e assumir a proteção aos povos indígenas em isolamento voluntário determinada pelo Estatuto da Funai (Decreto 7778) (“proteger os povos indígenas isolados, assegurando o exercício de sua liberdade, cultura e atividades tradicionais”) é uma regra muito pouco seguida no último século, desde que Rondon fundou o Serviço de Proteção ao Índio. Infelizmente, os vídeos recentemente divulgados mostram funcionários da Funai dedicados, mas sem os planos discutidos pela própria Funai de dispor de equipe de saúde especializada e treinada, junto de equipe de interpretes e sertanistas. Um dos indigenistas usava um corte de cabelo que assustou os índios, sem intérpretes, falam em portunhol, diziam “não” quando isso não significa nada (em Kayapó a palavra “nã” quer dizer “sim”, por exemplo). As equipes foram deslocadas às pressas, com aperto financeiro e estresse. A base Xinane, que poderia prover alimentos como banana, mandioca e frutas, estava abandonada.

A questão é que a história desse contato deve se repetir nos próximos anos em diferentes partes da Amazônia, como com um grupo Korubo isolado, no Vale do Javari, no Amazonas, ou com um grupo Yanomami, em Roraima, ameaçado por garimpos ilegais. Não são situações em que o Estado provoca o contato, como durante o desenvolvimentismo da Ditadura, por exemplo, o caso dos Panará, atingidos pela BR 163, ou os Arara, na rota da Transamazônica. Mas é difícil acreditar que, hoje, o Estado brasileiro esteja preparado para dar proteção a essas comunidades que estão sendo vencidas pelas violentas frentes de expansão.

Dentro da CGIIRC há planos de constituição de equipes treinadas e preparadas. Mas é preciso multiplicar por dez o orçamento, segundo estimativa dos sertanistas, facilitar a contratação de mateiros e pessoas treinadas em campo e descontigenciar os gastos para que possam ser aplicados nas situações de urgência e de forma condizente com a necessidade de custos dessas regiões remotas.

O histórico: quem são os Xatanawa, ou Chitonahua, os “isolados do Envira”?

Os sete sobreviventes enfrentaram o medo do contato e visitaram a comunidade Simpatia do povo Ashaninka para pedir comida e materiais. Como não falavam a mesma língua, o encontro foi tenso. Apenas após a chegada de dois intérpretes Jaminawa (ou Yaminahua na grafia peruana) que a comunicação foi estabelecida. A língua que falam é um dialeto do Jaminawa, o que permite fluência na comunicação. Suspeitava-se a partir das fotografias e vestígios materiais da presença, com base em sua localização e adornos corporais, que estes indígenas pertenciam a um grupo falante da língua Pano isolado. Os intérpretes confirmaram essa filiação linguística e sugeriram que eles estão relacionados com o Chitonahua do Peru (escrito ‘Xitonawa’ na ortografia brasileira), porém eles se chamam “Xatanawa”, que significa: “Povo Arara”.

Alguns anos atrás, um pequeno grupo de cerca de 15 Chitonahua, fugindo de conflitos semelhantes com madeireiros, em 1996, refugiou-se ao longo do alto rio Minuya, no Peru. Estavam sendo atacados por madeireiros de mogno: a mencionada indústria madeireira de sangue. Dois jovens do grupo tinham ferimentos provocados por tiros de espingarda. Quase a metade do grupo havia morrido por doenças misteriosas que eles atribuíam a feitiçaria, mas que no entanto incluía gripe, malária e outras doenças contagiosas.

Os Chitonahua por sua vez são muito próximos dos Yora ou Nahua do alto rio Manu e do rio Mishagua, do Peru. Trata-se de um grupo guerreiro e resistente, que ganhou as manchetes internacionais, em 1983, quando atacaram um grupo de fuzileiros navais peruanos que acompanhava o então presidente do país Fernando Belaúnde (1912-2002). A comitiva dirigia-se para as cabeceiras do rio Manu para inaugurar a parte peruana da rodovia Transamazônica. Há uma fotografia famosa que mostra o presidente Belaúnde ao lado de um soldado com uma flecha Nahua no seu pescoço.

Essa resistência Nahua foi, em grande parte, responsável por impedir o que teria sido um projeto de estrada ecologicamente desastroso no coração da primeira e mais famosa área protegida do Peru, o Parque Nacional de Manu. No entanto, com intensa prospecção petroleira no seu território pela Shell Oil, e a recente invasão de madeireiros, os Nahua foram finalmente contatados em 1985. Em dez anos, a população foi reduzida quase pela metade, principalmente devido a doenças introduzidas.

Como os Chitonahua e, antes, os Nahua, o grupo que recentemente apareceu ao longo do rio Envira também contraiu doenças respiratórias e foi necessário tratamento médico de emergência.

Narcotraficante português é o principal suspeito de massacre

Os sete indígenas Xatanawa que vieram até a aldeia Ashaninka no Acre são verdadeiros sobreviventes. Eles detalharam aos intérpretes o crime de genocídio que teria sido cometido contra eles. A suspeita, pelas descrições físicas feita pelos indígenas, é que o massacre teria sido liderado por um narcotraficante português chamado Joaquim Antônio Custódio Fadista, com cerca de 60 e poucos anos.

Fadista organizou a invasão da base Xinane da Funai, em 2011, liderando um grupo fortemente armado. Desde então, a base Xinane foi desativada. Além do risco aos servidores, houve também limites orçamentários e de direitos trabalhistas. Acontece que Fadista foi duas vezes preso dentro do território indígena, em março e em agosto de 2011. Na primeira, pela PF, foi extraditado e retornou à região. Depois, pela polícia civil, foi liberado em seguida. Foi condenado por tráfico pela Justiça do Maranhão e do Ceará, e também em Luxemburgo e procurado pela polícia peruana. Impune no tráfico e, a princípio, até então, impune na prática de genocídio que deve ser investigada.

Na época, o sertanista José Carlos Meirelles enviou um e-mail para os “companheiros de luta e família” no qual dizia: “Como todos sabem a nossa base do Xinane foi invadida por um grupo paramilitar peruano, onde foi preso por uma operação da polícia federal, um único integrante. O famoso Joaquim Fadista, que já tinha sido pego aqui por nosso pessoal, foi extraditado e voltou. Com um grupo de pessoas cuja quantidade não sabemos.”

Carlos Travassos, coordenador de Índios Isolados na Funai, já suspeitava, na época, da prática de violência por fadista. Ele havia relatado, em 2011, para este blog:  “Esses caras fizeram correria (como se chamavam as matanças de indígenas na época dos seringais) de índios isolados. Decidimos voltar para cá por conta de acreditarmos que esses caras possam estar realizando um massacre contra eles”.

Despois de capturado, foi encontrado em posse de Fadista pontas de flechas dos índios isolados e levantou-se ainda mais a suspeita do genocídio. Não houve investigação policial da denuncia dos sertanistas da Funai, nem no Brasil, nem no Peru. A descrição dos Xatanawa do massacre, segundo servidores da Funai, bate com a descrição física de Fadista, com a quantidade de pessoas e possíveis armamentos. O tráfico de cocaína vem a somar-se à indústria madeireira ilegal e a extração ilegal de ouro como as maiores ameaças físicas e diretas aos povos em isolamento voluntário na região.

Nações livres e autônomas: o isolamento como estratégia

Nas conversas entre os Xatanawa e os intérpretes também foram informados detalhes da existência de pelo menos oito populações indígenas isoladas que residem nesta remota região de fronteira entre Brasil e Peru, praticamente ao longo da linha do 10º paralelo sul.

Esses e outros grupos em situação semelhante hoje têm, de fato, conscientemente adotado o isolamento como uma estratégia para sobreviver em face da violência e da doença que foram levadas para essas regiões remotas durante o ciclo da borracha, entre 1895 e 1915. Na verdade, as primeiras referências ao Chitonahua remetem a 1895. Antes das correrias dos seringais, violentos massacres, esses grupos não eram “sem contato”. Estas sociedades participavam de intensas redes regionais, culturais e comerciais, amplos mecanismos de comércio interétnico, de trocas e  de casamentos. Por esta razão, o termo “isolamento voluntário” foi cunhado pelo antropólogo Glenn Shepard em um relatório de 1996 sobre o estado de grupos isolados no Peru.

Shepard cunhou o termo “grupo indígena em isolamento voluntário” em virtude de avistamentos de índios nômades, nus, “sem contato”, no Rio de las Piedras e regiões próximas, na bacia do Madre de Dios no Peru onde a Mobil estava realizando prospecção para gás e petróleo. A ideia do termo era justamente para tentar superar as noções românticas e falsas geradas por termos como “índio não-contatado” de grupos na “Idade de Pedra” que tinham vivido numa espécie de Jardim de Éden até o presente.

A realidade é que os grupos autônomos remanescentes na Amazônia hoje são descendentes de grupos que, em resposta aos massacres, exploração e epidemias sofridos especialmente durante a Época da Borracha em adiante, escolheram o isolamento radical de todos os outros povos ao seu redor como último recurso para a sobrevivência. Nenhum grupo humano, em condições normais, vive isolado dos outros grupos ao seu redor: na Amazônia são testemunhadas na arqueologia e na etno-história grandes redes de troca que alcançavam desde as regiões mais remotas da Amazônia até os capitais de grandes civilizações andinas e até a costa do Peru.

O isolamento é, portanto, um fenômeno recente na etno-história desses povos. E também altamente “moderno”: o “isolamento voluntário” desses grupos é uma resposta à inovação tecnológica essencial da modernidade, o automóvel, e à demanda que isso criou nos mercados internacionais para borracha nativa da Amazônia no início do século XX. A industrialização provocou violência e o isolamento foi uma resposta a isso. Em certo sentido, esses povos que são tidos na imprensa sensacionalista como sendo da “Idade da Pedra” são tão modernos quanto qualquer outra pessoa em qualquer cidade, pois vivem o impacto dessa modernização. A verdade é que essa modernização distante trouxe para estas regiões terror, violência, mortes, massacres, escravidão. “Isolar-se” transformando o modo de vida para o nomadismo, buscando refúgio em regiões distantes nas cabeceiras dos rios – onde não havia seringa – e evitar aproximação com a sociedade do entorno é, no fundo, uma estratégia política.

Contato e diplomacia: é preciso respeitar os Xatanawa

Em 1910, o Marechal Candido Rondon escreveu que “Os índios não devem ser tratados como propriedade do Estado dentro de cujos  limites ficam seus territórios, mas como Nações Autônomas, com as quais queremos  estabelecer relações de amizade”

As expressões correntes para designar essas relações diplomáticas e categorizar essas populações, sejam as correntes da imprensa, ou do governo, ou as da academia, são todas problemáticas e carregadas de preconceito. Primeiro, a própria ideia de classificar essas populações diversas em si é um limite e implica numa tentativa de dominação. Segundo, chamar de “isolados”, ou mesmo “autônomos”, significa dizer que há aqueles que não estão isolados, ou seja, nós, uma perspectiva etnocêntrica e preconceituosa, e a ideia de autonomia exclui toda a pressão externa e o interesse de algumas dessas por tecnologias, como machados, facões, armas de fogo.

A final, essas populações, como os Xatanawa, vivem mais ou menos onde sempre viveram, podendo ter adaptado seu território para se proteger das diferentes pressões que surgiram nos últimos séculos. O fato é que há 77 evidências de existir populações nessa situação de “isolamento voluntário”, uma situação em que passam a ser vulnerabilizadas a epidemias a partir do aumento das interações.

Ao longo do século passado, surgiu a função dos sertanistas como defensores humanitários dos povos indígenas. Foi o marechal Candido Rondon quem deu essa conotação para a palavra – que até então designava os matadores de índios, como os bandeirantes. E a profissão se tornou uma especialidade do indigenismo para o contato com povos “arredios”, “bravos”, “isolados”, a partir do trabalho dos irmãos Villas Bôas na Fundação Brasil Central – que depois em 1967 passou a fazer parte da Funai, junto do Serviço de Proteção ao Índio.

Em toda a história dos contatos, seja durante a Ditadura, seja antes, os sertanistas, como os Villas Bôas ou Chico Meireles, trabalhavam em condições sofríveis, com urgência para evitar o pior. A diplomacia sertanista consistia em se posicionar à frente das “frentes de expansão” para proteger os índios das guerras travadas pelos seringalistas, fazendeiros, pecuaristas, garimpeiros, ou do próprio governo, como no caso da construção de obras de infraestruturas, tais como a Transamazônica. Em 1987, por iniciativa dos sertanistas, liderados por Sydney Possuelo, foi criado o Departamento de Índios Isolados, e os processos de contatos passaram a ser evitados. A escolha passaria a ser dos povos indígenas. E o Estado brasileiro, através dos sertanistas, deveria realizar a proteção dos territórios para que essas populações que vivem de forma autônoma do Estado possam continuar a viver do jeito que desejam.

Essa política, hoje, vive um esgotamento, ao mesmo tempo que é mais garantida pela Constituição Federal e pela Convenção 169 da OIT. O esgotamento é que os planos desenvolvimentistas do governo não são alterados se eles impactam um território habitado por uma população nessa situação. Cria-se uma terra indígena, destinam-se recursos, mas se a Coordenação geral de Índios Isolados disser que não é possível realizar o empreendimento, é difícil imaginar, hoje, que ele não saia do papel por isso. E há 33 empreendimentos do PAC que impactam diretamente o território de povos indígenas considerados “isolados”, desde as usinas de Belo Monte, Jirau, Santo Antônio, Teles Pires, São Luiz do Tapajós, até estradas e hidrovias. Se o empreendimento for produzir risco de destruição do território e um consequente genocídio, ele não deve ocorrer. Acontece que, como declarou o sertanista José Carlos Meirelles, parece que o Brasil não tem vergonha de acrescentar genocídios ao seu currículo.

Ayahuasca: A Strong Cup of Tea (New York Times)

Then, one at a time, each got up to receive a cup of thick brownish liquid with a muddy herbal taste. It was ayahuasca (eye-uh-WAH-skuh) tea, a hallucinogenic brew from the Amazon that they hoped would open them to personal insights through optic and auditory hallucinations.

Once they drank and had settled into their spots, they waited in the darkness with just one candle flickering. The shaman played traditional stringed and wind instruments while chanting ritualistic melodies, some sweet, some guttural.

A participant who asked that her name not be used because it might jeopardize her teaching positions at several graduate programs in Manhattan settled in for the all-night journey. She had abstained for several days from alcohol, red meat, spicy foods, aged cheese and television, as prescribed by email. She had not had sex and she was not on antidepressants.

Those who have spoken positively of ayahuasca’s powers include, clockwise from top left, Lindsay Lohan, Tori Amos, Penn Badgley, Devendra Banhart and Sting. Credit Scott Roth/Invision/AP; Mike Marsland/WireImage; Dimitrios Kambouris/Getty Images; Robert Wright for The New York Times; Frazer Harrison/Getty Images

This would be the second time she would be in Brooklyn to participate since February, when she decided to have an ayahuasca experience just a month after her husband, who was Peruvian, had died. She had done it in Lima several years ago and found it meaningful.

“It’s a transitional time for me right now, and I want to stay open,” she had said in a phone interview the night before. “I find ayahuasca to be a purifying psychological journey.”

She’s not alone. In a world increasingly dominated by screen time, not dream time, it is not surprising that many people, having binged on yoga and meditation for years, are turning to a more dramatic catalyst for inner growth. But those who swear by ayahuasca’s usefulness (many say it’s like having 10 years of therapy in a night) also caution that it has to be treated seriously, calling their experiences while under its influence “work” because, in addition to causing them to vomit and sometimes have diarrhea, it can be frightening and challenging to the psyche.

And although two religious organizations in the United States are sanctioned to use it legally, the N, N-Dimethyltryptamine (or D.M.T.) in ayahuasca is a Schedule I controlled substance — considered to have no medical use and a high potential for abuse. It is in the same category as ecstasy and heroin.

“It must be used carefully, but it has a good mind and body connection,” said Rick Doblin, the founder of the Multidisciplinary Association for Psychedelic Studies in Santa Cruz, Calif., who has a doctorate in public policy from Harvard. “You have a sense of inner light in your brain.”

Or as William S. Burroughs put it in a letter to Allen Ginsberg collected in the book, “The Yage Letters” about his ayahuasca experience in Panama in 1953, “I experienced first a feeling of serene wisdom so that I was quite content to sit there indefinitely.”

If the proliferation of websites, blogs, books and conferences are any indication, interest of late has been soaring for ayahuasca tea, a mix of two Amazonian plants, one a vine, the other a leaf. Combined, they contain D.M.T. and monoamine oxidase inhibitors, which promote psychedelic visions and euphoria.

Following the paths of Paul Simon, Oliver Stone, Tori Amos and Sting (who wrote in his 2005 autobiography, “Broken Music,” that it was the only religious experience he ever had), younger musicians like Devendra Banhart, Ben Lee and Father John Misty of the Fleet Foxes are speaking out and creating work about their ayahuasca use in the Amazon or at home.

In an interview with L.A. Weekly, which last November put ayahuasca on its cover (calling it “exceedingly trendy” and referencing “ladies at Soho House discussing their transcendental experiences”), Chris Robinson, the lead singer of the Black Crowes and the former husband of Kate Hudson, attributed it to the opening of his mind and heart.

And at a 2012 event, Ayahuasca Monologues, Penn Badgley, who made his mark with the less than transcendent “Gossip Girl,” called it a “glittering spiritual tool.” Jennifer Aniston has a notably inauthentic Ayahuasca experience in the 2012 movie “Wanderlust,” and it has also shown up on “Weeds” and “Nip/Tuck.”

Then, in April, to push things into another level of trending, Lindsay Lohan confided on the OWN channel’s series about her that she had participated in an ayahuasca cleanse and it was helping with her addiction issues and keeping her sober.

“I saw my whole life in front of me,” she told the camera while putting on thigh high black boots and having her lips done by a makeup man. “And I had to let go of past things.” She added that she saw herself die and then being reborn.

“It was intense,” she said.

One could imagine a better advocate. On the other hand, researchers have for years been investigating psychedelics for stopping addiction to everything from cigarettes and alcohol to methamphetamine. Ibogaine (an African bark derivative with psychoactive properties that is banned in the United States) is used for heroin addiction in other countries, including Canada, Mexico and New Zealand. Ayahuasca is under study for similar uses.

“It’s a fascinating compound with a great deal to be learned from its effects,” said Dr. Charles Grob, a psychiatrist who is the director of the division of child and adolescent psychiatry at the Harbor-U.C.L.A. Medical Center and who helped administer a study in Manaus, Brazil, in the 1990s that linked dramatic positive transformations among alcoholics and drug addicts with ayahuasca use. But along with its positives, Dr. Grob is quick to list its dangers.

“When used with antidepressants it creates an excess of serotonin in the central nervous system, which can cause confusion and tremulousness,” he said. “And it can affect cardiovascular function when people have heart issues.” There are also risks of adverse effects among people with psychological problems like bipolarity or schizophrenia.

“It all comes down to preparation and setting,” he said. “If the individual is prepared, following medical and dietary restrictions in advance, and is having the experience with a knowledgeable facilitator like a traditional shaman, it is relatively safe.”

Soaring popularity has been increasing greed and trouble. In Amazonian regions of Brazil and Peru, where ayahuasca is deemed a traditional and legal medicine, tourists flock to partake in ceremonies. Most are conducted at jungle retreats by legitimate medicine men that screen for physical and mental stability and are skilled in handing severe psychological responses.

But increasingly, wrote Kelly Hearn in 2013 in Men’s Journal, a visit for ayahuasca tourists can become a nightmare, “and some don’t go home at all.” Inexpertly mixed brews or the use of another more dangerous plant, Toe, have contributed to bad reactions, as well as poor screening for medical issues. There have been cases of sexual molestation, too.

In the United States, perhaps because of the secrecy surrounding ayahuasca use and the law, there have been no negative reports. But ayahuasca made the news in 2006 when a Supreme Court ruling deemed its use legal as a tea for religious purposes. A group based in New Mexico with Brazilian roots called Centro Espírita Beneficente União do Vegetal, commonly known as U.D.V., had won its case. (The United States Court of Appeals for the Ninth Circuit also sanctioned another religious organization with Brazilian roots, Santo Daime, to use ayahuasca.)

Jeffrey Bronfman, whose family once controlled the Seagram Company, is the national vice president of the U.D.V. church. “The tea really is an instrument to help us get in touch with our own spiritual nature,” he told National Public Radio last year.

Several years ago, Dr. Doblin of the Multidisciplinary Association of Psychedelic Studies attended a ceremony at the U.D.V. church in Santa Fe. The intense ritualistic singing prompted him to think about his own inability to sing and lack of emotional connection. He went home to the Boston area, took voice lessons and started sharing lullabies with his children.

“I felt such relief when I finally sang to them,” he said.

Stories of transcendence and psychological advancement triggered by ayahuasca are a regular part of the conversation. But if visions are achieved that psychologists link to the collective unconscious, they are only made useful with rigorous interpretation upon waking.

Abby Aguirre, reporting for Marie Claire in February, described a hairdresser in her group in California using ayahuasca for addiction problems and an actress who found it helped her get over a romantic breakup by suggesting that her ex-boyfriend didn’t matter anymore.

“It’s as though a lens has been dropped over my vision, giving me heightened self-awareness and emotional intelligence,” she wrote of her own experience. The outcome? A realization that the extensive to-do lists she carries are an absurd manifestation of anxiety.

If it sounds banal to an outsider, for her, as for many others, the takeaway is profound. One fashion insider hallucinated a snake coming toward her that she perceived as representing a difficult work colleague and found herself saying, “I won’t harm you,” which reduced the threat’s size. Dr. Eduardo Gastelumendi, a psychiatrist in Lima, Peru, recalled hearing from a patient who had a troubled and distant relationship with his father. He hallucinated hugging him. A few days later, he knocked on his father’s door, threw his arms around him and they reconciled in tears.

“It opened a transformative experience for him,” said Dr. Gastelumendi, who is also a psychoanalyst. “With ayahuasca, empathy is enhanced and you see things in a different light.”

In the ayahuasca ceremony in Brooklyn, after taking a second dose of the brew and regurgitating violently (commonly referred to as a purge), the woman who had recently lost her husband was starting to see things.

“It was like a collage or jigsaw puzzle of words that was bright as an LED display in Times Square,” she recalled the next day. “It was very beautiful, but the only words I could decipher in all of it were ‘Enjoy life.’ ” She thought it might be a message from her late husband.

Not long after that, the shaman and his assistant awakened her and the rest of the group, including a young couple with a baby, to the light of a Brooklyn morning. The woman got a ritual hug, a ceremonial brushing with a frond from the jungle, ate the healthy foods people had brought, and listened to and shared hallucinatory experiences. A man in the group seemed unmoored as he talked about his discovery on this evening that everything written on paper is a lie. Others shared gentler visions and insights. Then, with two friends she had brought along, the woman left to drive back to Manhattan.

One of her friends wasn’t so sure of what she had just experienced.

“It was cool, but what did I learn from it?” she asked.

Correction: June 15, 2014
An earlier version of this article described Ayahuasca as a stimulant. It is a hallucinogen.

Acre: In defence of life and the integrity of the peoples and their territories against REDD and the commodification of nature

Letter from the State of Acre

In defence of life and the integrity of the peoples and their territories against REDD and the commodification of nature

We gathered in Rio Branco, in the State of Acre, on 3-7 October 2011 for the workshop “Serviços Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES: Salvação da Amazônia ou Armadilha do Capitalismo Verde?” (Environmental Services, REDD and BNDES Green Funds: The Amazon’s Salvation or a Green Capitalism Trap?)

The participants included socio-environmental organizations, family agriculture associations, Extractive Reserve (RESEX) and Extractive Settlement organizations, human rights organizations (national and international), social pastoral organizations, professors, students, and members of civil society committed to the struggle of “the underdogs”.

We saw the emergence of a consensus around the belief that, since 1999 and the election of the Popular Front of Acre (FPA) government, initiatives have been adopted to establish a “new model” of development in the state. Since then, this model has been praised as a prime example of harmony between economic development and the preservation of forests, their natural resources and the way of life of their inhabitants. With strong support from the media, trade unions, NGOs that promote green capitalism in the Amazon region, multilateral banks, local oligarchies and international organizations, it is presented as a “successful model” to be emulated by other regions of Brazil and the world.

Over these past few days we have had the opportunity to learn first hand, in the field, about some of the initiatives in Acre that are considered as exemplary. We saw for ourselves the social and environmental impacts of the “sustainable development” underway in the state. We visited the Chico Mendes Agro-Extractive Settlement Project, the NATEX condom factory, and the Fazendas Ranchão I and II Sustainable Forest Management Project in Seringal São Bernardo (the São Bernardo rubber plantation). These field visits presented us with a reality that is rather far removed from the image portrayed nationally and internationally.

In Seringal São Bernardo, we were able to observe the priority placed on the interests of timber companies, to the detriment of the interests of local communities and nature conservation. Even the questionable rules of the forest management plans are not respected, and according to the local inhabitants, these violations are committed in collusion with the responsible state authorities. In the case of the Chico Mendes Agro-Extractive Settlement Project in Xapuri, we saw that the local population remains subjugated to monopoly control: they currently sell their timber to the company Laminados Triunfo at a rate of R$90 per cubic metre, when this same amount of wood can be sold for as much as R$1200 in the city. This is why we support the demands of various communities for the suspension of these famous forest management projects. We call for the investigation of all of the irregularities revealed, and we demand punishment for those guilty of the criminal destruction of natural resources.

During the course of the workshop we also analyzed the issues of environmental services, REDD and the BNDES (Brazilian Development Bank) Green Funds. We gained a greater understanding of the role of banks (World Bank, IMF, IDB and BNDES), of NGOs that promote green capitalism (e.g. WWF, TNC and CI) and other institutions such as the ITTO, FSC and USAID, and also sectors of civil society and the state and federal governments who have allied with international capital for the commodification of the natural heritage of the Amazon region.

It was stressed that, in addition to being anti-constitutional, Law Nº 2.308 of 22 October 2010, which regulates the State System of Incentives for Environmental Services, was created without the due debate with sectors of society directly impacted by the law, that is, the men and women of the countryside and forests. Slavishly repeating the arguments of the powerful countries, local state authorities present it as an effective means of contributing to climate equilibrium, protecting the forests and improving the quality of life of those who live in the forests. It should be noted, however, that this legislation generates “environmental assets” in order to negotiate natural resources on the “environmental services” market, such as the carbon market. It represents a reinforcement of the current phase of capitalism, whose defenders, in order to ensure its widespread expansion, utilize an environmental discourse to commodify life, privatize nature and plunder the inhabitants of the countryside and the cities. Under this law, the beauty of nature, pollination by insects, regulation of rainfall, culture, spiritual values, traditional knowledge, water, plants and even popular imagery are converted into merchandise. The current proposal to reform the Forest Code complements this new strategy of capital accumulation by authorizing the negotiation of forests on the financial market, through the issuing of “green bonds”, or so-called “Environmental Reserve Quota Certificates” (CCRAs). In this way, everything is placed in the sphere of the market, to be administered by banks and private corporations.

Although it is presented as a solution for global warming and climate change, the REDD proposal allows the powerful capitalist countries to maintain their current levels of production, consumption and, therefore, pollution. They will continue to consume energy generated by sources that produce more and more carbon emissions. Historically responsible for the creation of the problem, they now propose a “solution” that primarily serves their own interests. While making it possible to purchase the “right to pollute”, mechanisms like REDD strip “traditional” communities (riverine, indigenous and Afro-Brazilian communities, rubber tappers, women coconut gatherers, etc.) of their autonomy in the management of their territories.

As a result, roles are turned upside down. Capitalism, the most predatory civilization in the history of humankind, would not pose a danger; on the contrary, it would be the “solution”. The “destroyers” would now be those who fight to defend nature. And so those who have historically ensured the preservation of nature are now viewed as predators, and are therefore criminalized. It comes as no surprise then that the state has recently become more open in its repression, persecution and even the expulsion of local populations from their territories – all to ensure the free expansion of the natural resources market.

With undisguised state support, through this and other projects, capital is now promoting and combining two forms of re-territorialization in the Amazon region. On one hand, it is evicting peoples and communities from their territories (as in the case of mega projects like hydroelectric dams), stripping them of their means of survival. On the other hand, it is stripping those who remain on their territories of their relative autonomy, as in the case of environmental conservation areas. These populations may be allowed to remain on their land, but they are no longer able to use it in accordance with their ways of life. Their survival will no longer be guaranteed by subsistence farming – which has been transformed into a “threat” to the earth’s climate stability – but rather by a “bolsa verde” or “green allowance”, which in addition to being insufficient is paid in order to maintain the oil civilization.

Because we are fully aware of the risks posed by projects like these, we oppose the REDD agreement between California, Chiapas and Acre, which has already caused serious problems for indigenous and traditional communities such as those in the Amador Hernández region of Chiapas, Mexico. This is why we share our solidarity with the poor communities of California and Chiapas, who have already suffered from its consequences. We also share our solidarity with the indigenous peoples of the Isiboro Sécure National Park and Indigenous Territory (TIPNIS) in Bolivia, who are facing the threat of the violation of their territory by a highway linking Cochabamba and Beni, financed by the BNDES.

We are in a state which, in the 1970s and 1980s, was the stage for historical struggles against the predatory expansion of capital and in defence of territories inhabited by indigenous peoples and peasant communities of the forests. These struggles inspired many others in Brazil and around the world. In the late 1990s, however, Acre was converted into a laboratory for the IDB’s and World Bank’s experiments in the commodification and privatization of nature, and is now a state “intoxicated” by environmental discourse and victimized by the practice of “green capitalism”. Among the mechanisms used to legitimize this state of affairs, one of the most striking is the manipulation of the figure of Chico Mendes. To judge by what they present us with, we would have to consider him the patron saint of green capitalism. The name of this rubber tapper and environmental activist is used to defend oil exploitation, monoculture sugar cane plantations, large-scale logging activity and the sale of the air we breathe.

In view of this situation, we would have to ask if there is anything that could not be made to fit within this “sustainable development” model. Perhaps at no other time have cattle ranchers and logging companies met with a more favourable scenario. This is why we believe it is necessary and urgent to fight it, because under the guise of something new and virtuous, it merely reproduces the old and perverse strategies of the domination and exploitation of humans and nature.

Finally, we want to express here our support for the following demands: agrarian reform, official demarcation of indigenous lands, investments in agroecology and the solidarity economy, autonomous territorial management, health and education for all, and democratization of the media. In defence of the Amazon, of life, of the integrity of the peoples and their territories, and against REDD and the commodification of nature. Our struggle continues.

Rio Branco, Acre, 7 October 2011

Signed:

Assentamento de Produção Agro-Extrativista Limoeiro-Floresta Pública do Antimary (APAEPL)

Amazonlink

Cáritas – Manaus

Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular do Acre (CDDHEP/AC)

Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (CEPEDES)

Comissão Pastoral da Terra – CPT Acre

Conselho Indigenista Missionário – CIMI Regional Amazônia Ocidental

Conselho de Missão entre Índios – COMIN Assessoria Acre e Sul do Amazonas

Coordenação da União dos Povos Indígenas de Rondônia, Sul do Amazonas e Noroeste do Mato Grosso – CUNPIR

FERN

Fórum da Amazônia Ocidental (FAOC)

Global Justice Ecology Project

Grupo de Estudo sobre Fronteira e Identidade – Universidade Federal do Acre

Instituto Madeira Vivo (IMV-Rondônia)

Instituto Mais Democracia

Movimento Anticapitalista Amazônico – MACA

Movimento de Mulheres Camponesas (MMC – Roraima)

Nós Existimos – Roraima

Núcleo Amigos da Terra Brasil

Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental -Universidade Federal do Acre.

Oposição Sindical do STTR de Brasiléia

Rede Alerta Contra o Deserto Verde

Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bujarí (STTR – Bujarí)

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri (STTR- Xapuri)

Terra de Direitos

União de Mulheres Indígenas da Amazonia Brasileira

World Rainforest Movement (WRM)

Carta del Estado de Acre

En defensa de la vida, de la integridad de los pueblos y de sus territorios contra el REDD y la mercantilización de la naturaleza

Estuvimos reunidos en Rio Branco – Estado de Acre, entre los días 3 y 7 de octubre de 2011 en el Taller: “Serviços Ambientais, REDD e Fundos Verdes do BNDES: Salvação da Amazônia ou Armadilha do Capitalismo Verde?” (Servicios Ambientales, REDD y Fondos Verdes del BNDES: ¿Salvación de la Amazonia o Trampa del Capitalismo Verde? )

Estábamos presentes organizaciones socioambientales, de trabajadoras y trabajadores de la agricultura familiar, organizaciones de Resex (Reservas Extractivistas) y Asentamientos Extractivistas, de derechos humanos (nacionales e internacionales), organizaciones indígenas, organizaciones de mujeres, pastorales sociales, profesores, estudiantes y personas de la sociedad civil comprometidas con la lucha “de los de abajo”.

Percibimos la formación de un consenso en torno a la idea de que, desde 1999, con la elección del gobierno del Frente Popular de Acre (FPA), se tomaron iniciativas para la implantación de un “nuevo modelo” de desarrollo. Desde entonces, dicho modelo es celebrado como primor de armonía entre desarrollo económico y conservación del bosque, de sus bienes naturales y del modo de vida de sus habitantes. Con fuerte apoyo de los medios de comunicación, de sindicatos, de ONGs promotoras del capitalismo verde en la región amazónica, de bancos multilaterales, de oligarquías locales, de organizaciones internacionales, éste es presentado como “modelo exitoso” a ser seguido por otras regiones del Brasil y del mundo.

En estos días tuvimos la oportunidad de conocer, en el campo, algunas iniciativas consideradas como referencia en Acre. Vimos de cerca los impactos sociales y ambientales del “desarrollo sustentable” en curso en el estado. Visitamos el “Projeto de Assentamento Agroextrativista Chico Mendes”, “Fábrica de Preservativos NATEX” y el “Seringal São Bernardo” (“Projeto de Manejo Florestal Sustentável das Fazendas Ranchão I e II”). Las visitas nos colocaron frente a un escenario bastante distinto a aquello que es publicitado a nivel nacional e internacional.

En “Seringal São Bernardo” pudimos constatar que la atención de los intereses de las madereras se hace en detrimento de los intereses de las poblaciones locales y de la conservación de la naturaleza. Incluso las cuestionables reglas de los planes de manejo no son respetadas y, según dicen los pobladores, con connivencia de gestores estatales. En el caso del “Projeto de Assentamento Agroextrativista Chico Mendes Cachoeira” (en Xapuri), constatamos que los pobladores continúan subyugados al dominio monopolista, actualmente venden la madera a la empresa “Laminados Triunfo” a R$90,00 el m3, cuando la misma cantidad de madera llega a valer hasta R$1200 en la ciudad. Por ello, apoyamos la reivindicación de diversas comunidades por la suspensión de los célebres proyectos de manejo. Solicitamos la determinación de todas las irregularidades y exigimos la penalización de los culpables por la destrucción delictiva de los bienes naturales.

Los días en que estuvimos reunidos fueron dedicados asimismo al estudio sobre Servicios Ambientales, REDD y Fondos Verdes del BNDES. Comprendimos el papel de los Bancos (Banco Mundial, FMI, BID y BNDES), ONGs comprometidas con el capitalismo verde, tales como WWF, TNC y CI; así como el papel de otras instituciones como ITTO, FSC y USAID, sectores de la sociedad civil y Gobiernos de los Estados y Federal que se han aliado al capital internacional con la intención de mercantilizar el patrimonio natural de la Amazonia.

Destacamos que, además de desprovista de amparo constitucional, la Ley Nº 2.308 de fecha 22 de octubre de 2010, que reglamenta el Sistema del Estado de Incentivo a Servicios Ambientales, se creó sin el debido debate con los sectores de la sociedad directamente impactados por ella, esto es, los hombres y mujeres del campos y del bosque. Reproduciendo servilmente los argumentos de los países centrales, los gestores estatales locales la presentan como una forma eficaz de contribuir con el equilibrio del clima, proteger el bosque y mejorar la calidad de vida de aquellos que habitan en él. Debe decirse, sin embargo, que la referida ley genera “activos ambientales” para negociar los bienes naturales en el mercado de “servicios ambientales” como el mercado de carbono. Se trata de un desdoblamiento de la actual fase del capitalismo cuyos defensores, con el fin de asegurar su reproducción ampliada, recurren al discurso ambiental para mercantilizar la vida, privatizar la naturaleza y despojar a los pobladores del campo y de la ciudad. Por la ley, la belleza natural, la polinización de insectos, la regulación de lluvias, la cultura, los valores espirituales, los saberes tradicionales, el agua, las plantas y hasta el propio imaginario popular, todo pasa a ser mercadería. La actual propuesta de modificación del Código Forestal complementa esta nueva estrategia de acumulación del capital, al autorizar la negociación de los bosques en el mercado financiero, con la emisión de “papeles verdes”, el llamado “Certificado de Cuotas de Reserva Ambiental” (CCRA). De este modo, todo se coloca en el ámbito del mercado para ser administrado por bancos y empresas privadas.

Aunque sea presentada como solución para el calentamiento global y para los cambios climáticos, la propuesta REDD permite a los países centrales del capitalismo mantener sus estándares de producción, consumo y, por lo tanto, también de contaminación. Continuarán consumiendo energía de fuentes que producen más y más emisiones de carbono. Históricamente responsables de la creación del problema, ahora proponen una “solución” que atiende más a sus intereses. Posibilitando la compra del “derecho de contaminar”, mecanismos como REDD fuerzan a las “poblaciones tradicionales” (ribereños, indígenas, afrobrasileños, trabajadoras del coco, caucheros, etc.) a renunciar a la autonomía en la gestión de sus territorios.

Con esto, se confunden los papeles. El capitalismo, la civilización más predadora de la historia de la humanidad, no representaría ningún problema. Por lo contrario, sería la solución. Los destructores serían ahora los grandes defensores de la naturaleza. Y aquellos que históricamente garantizaron la conservación natural son, ahora, encarados como predadores y por eso mismo son criminalizados. No sorprende, por lo tanto, que recientemente el Estado haya vuelto más ostensiva la represión, la persecución y hasta la expulsión de las poblaciones locales de sus territorios. Todo para asegurar la libre expansión del mercado de los bienes naturales.

Con el indisfrazable apoyo estatal, por ese y otros proyectos, el capital hoy promueve y conjuga dos formas de reterritorialización en la región amazónica. Por una parte, expulsa pueblos y comunidades del territorio (como es el caso de los grandes proyectos como las hidroeléctricas), privándolos de las condiciones de supervivencia. Por otra parte, quita la relativa autonomía de aquellos que permanecen en sus territorios, como es el caso de las áreas de conservación ambiental. Tales poblaciones pueden incluso permanecer en la tierra, pero ya no pueden utilizarla según su modo de vida. Su supervivencia ya no sería más garantizada por el cultivo de subsistencia –convertido en amenaza al buen funcionamiento del clima del planeta-, sino por “bolsas verdes”, que, además de insuficientes, son pagadas para el mantenimiento de la civilización del petróleo.

Conscientes de los riesgos que dichos proyectos traen, rechazamos el acuerdo de REDD entre California, Chiapas, y Acre que ya ha causado serios problemas a comunidades indígenas y tradicionales, como en la región de Amador Hernández, en Chiapas, México. Por ello nos solidarizamos con las poblaciones pobres de California y Chiapas, que ya han sufrido con las consecuencias. También nos solidarizamos con los pueblos indígenas del TIPNIS, en Bolivia, bajo amenaza de que su territorio sea violado por la carretera que liga Cochabamba a Beni, financiada por el BNDES.

Estamos en un estado que, en los años 1970-80, fue escenario de luchas históricas contra la expansión predatoria del capital y por la defensa de los territorios ocupados por pueblos indígenas y poblaciones campesinas del bosque. Luchas que inspiraron muchas otras en el Brasil y en el mundo. Convertido, sin embargo, a partir de fines de los años 90 en laboratorio del BID y del Banco Mundial para experimentos de mercantilización y privatización de la naturaleza, Acre es hoy un estado “intoxicado” por el discurso verde y victimizado por la práctica del “capitalismo verde”. Entre los mecanismos utilizados con el fin de legitimar ese orden de cosas, adquiere relevancia la manipulación de la figura de Chico Mendes. A juzgar por lo que nos presentan, deberíamos considerarlo el patrono del capitalismo verde. En nombre del cauchero se defiende la explotación de petróleo, el monocultivo de la caña de azúcar, la explotación maderera en gran escala y la venta del aire que se respira.

Ante tal cuadro, cabe preguntar qué es lo que no cabría en este modelo de “desarrollo sustentable”. Tal vez en ningún otro momento los ganaderos y madereros hayan encontrado un escenario más favorable. Es por esa razón que creemos necesario y urgente combatirlo, puesto que, bajo la apariencia de algo nuevo y virtuoso, reproduce las viejas y perversas estrategias de dominación y explotación del hombre y de la naturaleza.

Finalmente dejamos aquí nuestra reivindicación por la atención de las siguientes demandas: reforma agraria, homologación de tierras indígenas, inversiones en agroecología y economía solidaria, autonomía de gestión de los territorios, salud y educación para todos, democratización de los medios de comunicación. En defensa de la Amazonia, de la vida, de la integridad de los pueblos y de sus territorios y contra el REDD y la mercantilización de la naturaleza. Estamos en lucha.

Rio Branco, Acre, 07 de octubre de 2011.

Firman esta carta:

Assentamento de Produção Agro-Extrativista Limoeiro-Floresta

Pública do Antimary (APAEPL)

Amazonlink

Cáritas – Manaus

Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular do Acre (CDDHEP/AC)

Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia (CEPEDES)

Comissão Pastoral da Terra – CPT Acre

Conselho Indigenista Missionário – CIMI Regional Amazônia Ocidental

Conselho de Missão entre Índios – COMIN Assessoria Acre e Sul do Amazonas

Coordenação da União dos Povos Indígenas de Rondônia, Sul do Amazonas e Noroeste do Mato Grosso – CUNPIR

FERN

Fórum da Amazônia Ocidental (FAOC)

Global Justice Ecology Project

Grupo de Estudo sobre Fronteira e Identidade – Universidade Federal do Acre

Instituto Madeira Vivo (IMV-Rondônia)

Instituto Mais Democracia

Movimento Anticapitalista Amazônico – MACA

Movimento de Mulheres Camponesas (MMC – Roraima)

Nós Existimos – Roraima

Núcleo Amigos da Terra Brasil

Núcleo de Pesquisa Estado, Sociedade e Desenvolvimento na Amazônia Ocidental -Universidade Federal do Acre.

Oposição Sindical do STTR de Brasiléia

Rede Alerta Contra o Deserto Verde

Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bujarí (STTR – Bujarí)

Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri (STTR- Xapuri)

Terra de Direitos

União de Mulheres Indígenas da Amazonia Brasileira

World Rainforest Movement (WRM)