Arquivo mensal: maio 2020

Manaus testemunha a ‘hora da morte’ por covid-19. “As pessoas morrem sozinhas. Sozinhas, sozinhas, sozinhas” (El País)

A médica Uildeia Galvão atua em condições precárias no PS 28 de agosto, na capital do Amazonas, um retrato do colapso que se espalha pelo Brasil

Josette GoulartSão Paulo – 01 may 2020 – 17:28 BRT

Uildéia Galvão, médica de Manaus que atende paciente da covid-19.
Uildéia Galvão, médica de Manaus que atende paciente da covid-19.Divulgação

“Os pacientes que têm covid sentem muita sede. Tem momento que eles querem muita água. E aí você vê o paciente pedindo água e… você não pode, você não consegue, você está entubando alguém, vendo um outro paciente mais grave. E você não tem ninguém para dar essa assistência para esse paciente”. A médica Uildéia Galvão trabalha 12 horas por dia, todos os dias. Às vezes, 20 horas por dia, para dar conta dos pacientes que chegam ao Pronto Socorro 28 de agosto, em Manaus. A capital do Amazonas é uma das mais afetadas no Brasil pela crise do coronavírus e tem sido palco das histórias mais tristes da pandemia no Brasil. Superlotação em hospitais, avalanche de corpos nos cemitérios, centenas de mortos que não conseguem chegar ao hospital e morrem em casa.

Galvão atende os 120 leitos da Sala Rosa do PS, para onde são encaminhados os doentes graves de covid-19. Médica há 25 anos, ela não consegue aceitar essa nova modalidade de ‘hora da morte’ trazida pelo coronavírus: “É difícil você ver pessoas morrerem sozinhas. Sozinhas, sozinhas, sozinhas. Sozinhas”. Sim, ela repete o “sozinhas” cinco vezes como quem não acredita nas próprias palavras que saem da sua boca.

No 28 de agosto, não dá tempo de fazer uma teleconferência por celular na hora da despedida. No 28 de agosto, não dá tempo para nada. “Você vê pacientes quatro dias sem tomar banho, sem ter o asseio, porque você não tem o recurso humano ali para fazer isso”. O colapso do sistema de saúde de Manaus parece que estava para acontecer a qualquer momento, mas o coronavírus apressou as coisas. A doutora Galvão diz que é verdade que muitos profissionais de saúde pegaram o vírus e foram afastados, mas a bem da verdade, segundo ela, é que não havia recursos humanos suficientes há muito tempo.

Em plena pandemia, os profissionais de saúde dos pronto-socorros de Manaus estavam ainda para receber o salário de fevereiro. Em plena pandemia, os profissionais de saúde dos PSs de Manaus precisam comprar seus próprios equipamentos de proteção. Em plena pandemia, muitos dias sem que o laboratório de saúde pública do Amazonas não recolhesse material para fazer os testes de covid-19. E não é atraso em divulgar resultados. Não há coleta de material para produzir resultados mesmo. “E olha que só estamos atendendo pacientes realmente graves”, diz Uildeia.

Oficialmente, o Estado somava 476 mortes por covid-19 até sexta, e 5.723 infectados. Mas as imagens nos noticiários de cemitérios lotados e o choro na TV de famílias desesperadas deixam claro que a subnotificação ali é enorme. A distorção de dados parece mesmo gritante. Ao longo das semanas, o Brasil viu as imagens tenebrosas de enterros em valas comuns na cidade de Manaus até de madrugada. Pergunto à doutora Galvão se ela viu as imagens. “Não sei nem se é tocante, não sei se é trágica. Mas reflete realmente o nosso dia a dia. Tem sido bem difícil mesmo”.

Há duas semanas, o prefeito Arthur Vírgilio foi para as redes sociais dizer que a média diária de sepultamentos triplicou na cidade. Agora, quadruplicaram. No último domingo, houve um pico de 140 mortos. A média diária tem sido de 100. Em outros anos, os dias com maior pico de mortos não ultrapassava a 35 sepultamentos. No entanto, os dados informados ao Ministério da Saúde davam conta de apenas 17 mortos.

O prefeito ainda fez um outro alerta: o alto percentual de pessoas que morrem em casa, sem atendimento médico. Na segunda, mais de um terço das pessoas morreu em casa. A tempestade perfeita chegou em Manaus. Juntou um sistema de saúde já fragilizado, uma pandemia que levou uma avalanche de pacientes aos hospitais, uma população envelhecida aos 60 anos com uma série de doenças, propícias ao coronavírus e para coroar um completo desrespeito ao isolamento.

De acordo com os dados da start up In Loco, que tem feito um acompanhamento do movimento de celulares pelo país, desde o início do distanciamento social, em meados de março, o Amazonas foi o Estado que registrou os menores percentuais de adesão ao #fiqueemcasa. Durante a semana, bateu menos de 50%.

Mas ainda tem um outro ingrediente: o governador do Estado, Wilson Lima, do PSC. O pessoal não parece muito feliz com o governador, não. Na segunda, a assembleia legislativa do estado aprovou um pedido de intervenção federal na saúde do Amazonas. O pedido já foi encaminhado ao governo federal. Também o Sindicato dos Médicos entrou com um pedido de impeachment do governador na Assembleia Legislativa. O pedido foi aceito.

Além disso, o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Estado dizem que o governador não está sendo transparente nos gastos com a pandemia. Uma ação foi ajuizada pedindo que o governador divulgue como gastou cada tostão que recebeu do governo federal para o combate ao coronavírus. E os profissionais da saúde fazem coro. O governo do Estado não respondeu aos diversos questionamentos feitos pela reportagem.

Desde que falamos com a doutora Galvão pela primeira vez, ela diz que algumas coisas melhoraram. Os equipamentos de proteção passaram a ser entregues, mesmo que em sistema de racionamento. “Mas é até bom que sejam racionados para não faltar”. Foram abertos mais leitos de retaguarda, o que ajudou a desafogar os prontos-socorros. E o Governo do Estado abriu uma linha de comunicação direta com os médicos, além de prometer organizar um cronograma para atualizar os pagamentos de 2020, para que os salários não atrasem mais.

Enquanto tudo isso acontece ao seu redor, a doutora Galvão, mesmo que sutilmente, demonstra seu ressentimento com os governantes do Estado. Ela fala daqueles que vão à mídia dizer que as pessoas estão morrendo porque falta atendimento. Isso recai sobre o pessoal que está na linha de frente, trabalhando quatro vezes mais do que trabalhavam e enfrentando a revolta da população. “A população tem dificuldade imensa de entender que não é o profissional de saúde que é responsável por criar estrutura de atendimento razoável para que a probabilidade de sucesso seja a melhor. Entendeu? E a gente não consegue desmistificar isso.”

— Qual é seu medo?, pergunto.

Do outro lado do telefone, um segundo de silêncio e a resposta:

— Meu medo é que isso demore muito. É exaustão. É muito cansativo. É exaustão mesmo.

— Você já está há quantos dias nesse ritmo?

— (um suspiro ainda maior que o primeiro). Nesse ritmo? Desde o dia 20 de março… por aí.

— Já faz 30 dias.

— É… já faz 30 dias.

Conversamos mais um pouco. Ela acha que o pico será na próxima semana. E conta sua desesperança com o descaso aos profissionais que não têm um líder que elabore um plano de ação. Ela acha que nem dá mais tempo. Sofre ao constatar que famílias largam seus velhinhos no hospital. “Eu disse para a minha filha que nem sempre é só problema do sistema de saúde. Existe uma crise humanitária também”.

Faço uma última pergunta:

— Se você pudesse falar em rede nacional, qual recado você daria?

A doutora responde, sem pestanejar:

— Fiquem em casa. Fiquem em casa o tempo que for possível e necessário. Deem atenção aos seus velhinhos, aos seus pais… A gente tem que aprender alguma coisa com isso. A gente vê hoje uma polaridade não só de política, de tudo, de ideia, de sentimento, ou você é isso ou você é aquilo. Eu acho que a gente tem que repensar tudo isso e ver para onde a gente quer andar com o nosso país, com nossa política. Não é possível que a gente não vai aprender que tem que ser mais humano, mais gentil e mais educado e saber escolher melhor quem são as pessoas que vão definir o futuro dos nossos netos, bisnetos. A gente tem hoje o que a gente tem, vai ter que aprender a conviver com isso fazendo o nosso melhor. Mas, no futuro, não é possível não ter algum mecanismo de mudança.

Josette Goulart é fundadora e editora da Lagartixa Diária, @lagartixadiaria

Escalada da crise deixa mais de mil à espera de leitos no Rio e faz São Paulo cogitar levar doentes para o interior

Fé, café e família. A volta para casa depois de 10 dias na UTI pelo coronavírus

Gustavo Cabral, biólogo: “Vacina no Brasil começa a ser testada em animais nas próximas semanas”

Elio Gaspari: A fila única para a Covid-19 está na mesa (Folha de S.Paulo)

Os barões da medicina privada mantiveram-se em virótico silêncio

Folha de S.Paulo

3 de maio de 2020

O médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto defendeu a instituição de uma fila única para o atendimento de pacientes de Covid-19 em hospitais públicos e privados. Nas suas palavras: “Dói, mas tem que fazer. Porque se não brasileiros pobres vão morrer e brasileiros ricos vão se salvar. Não tem cabimento isso”.

Ex-diretor da Agência de Vigilância Sanitária e ex-superintendente do hospital Sírio Libanês, Vecina tem autoridade para dizer o que disse. A fila única não é uma ideia só dele. Foi proposta no início de abril por grupos de estudo das universidades de São Paulo e Federal do Rio.

Na quarta-feira (29), o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Zasso Pigatto, enviou ao ministro Nelson Teich e aos secretários estaduais de Saúde sua Recomendação 26, para que assumam a coordenação “da alocação dos recursos assistenciais existentes, incluindo leitos hospitalares de propriedade de particulares, requisitando seu uso quando necessário, e regulando o acesso segundo as prioridades sanitárias de cada caso”.

Por quê? Porque a rede privada tem 15.898 leitos de UTIs, com ociosidade de 50%, e a rede pública tem 14.876 e está a um passo do colapso.

O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (ex-diretor de uma Unimed) jamais tocou no assunto. Seu sucessor, Nelson Teich (cuja indicação para a pasta foi cabalada por agentes do baronato) também não. Depois da recomendação do conselho, quatro guildas da medicina privada saíram do silêncio, condenaram a ideia e apresentaram quatro propostas alternativas. Uma delas, a testagem da população, é risível e duas são dilatórias (a construção de hospitais de campanha e a publicação de editais para a contratação de leitos e serviços). A quarta vem a ser boa ideia: a revitalização de leitos públicos. Poderia ter sido oferecida em março.

Desde o início da epidemia os barões da medicina privada mantiveram-se em virótico silêncio. Eles viviam no mundo encantado da saúde de grife, contratando médicos renomados como se fossem jogadores de futebol, inaugurando hospitais com hotelarias estreladas e atendendo clientes de planos de saúde bilionários. Veio a Covid-19, e descobriram-se num país com 40 milhões de invisíveis e 12 milhões de desempregados.

Se o vírus tivesse sido enfrentado com a energia da Nova Zelândia, o silêncio teria sido eficaz. Como isso era impossível, acordaram no Brasil, com 90 mil infectados e mais de 6.000 mortos.

A Agência Nacional de Saúde ofereceu aos planos de saúde acesso ao recursos de um fundo se elas aceitassem atender (até julho) clientes inadimplentes. Nem pensar. Dos 780 planos só 9 aderiram.

O silêncio virótico provocou-lhes uma tosse com a recomendação do Conselho Nacional de Saúde. A fila única é um remédio com efeitos laterais tóxicos. Se a burocracia ficar encarregada de organizá-la, arrisca só ficar pronta em 2021. Ademais é discutível se uma pessoa que pagou caro pelo acesso a um hospital deve ficar atrás de alguém que não pagou. Na outra ponta dessa discussão, fica a frase de Vecina: “Brasileiros pobres vão morrer e brasileiros ricos vão se salvar”. Os números da epidemia mostram que o baronato precisa sair da toca.

A Covid-19 jogou o sistema de saúde brasileiro na arapuca daquele navio cujo nome não deve ser pronunciado (com Leonardo DiCaprio estrelando o filme). O transatlântico tinha 2.200 passageiros, mas nos seus botes salva-vidas só cabiam 1.200 pessoas. 34% dos homens da primeira classe salvaram-se.

Na terceira classe, só 12%.

The Coronavirus Is Rewriting Our Imaginations (New Yorker)

What felt impossible has become thinkable. The spring of 2020 is suggestive of how much, and how quickly, we can change as a civilization.

By Kim Stanley Robinson May 1, 2020

A heat map shows people standing in a distanced line.
Possibly, in a few months, we’ll return to some version of the old normal. But this spring won’t be forgotten.Photograph by Antoine d’Agata / Magnum

The critic Raymond Williams once wrote that every historical period has its own “structure of feeling.” How everything seemed in the nineteen-sixties, the way the Victorians understood one another, the chivalry of the Middle Ages, the world view of Tang-dynasty China: each period, Williams thought, had a distinct way of organizing basic human emotions into an overarching cultural system. Each had its own way of experiencing being alive.

In mid-March, in a prior age, I spent a week rafting down the Grand Canyon. When I left for the trip, the United States was still beginning to grapple with the reality of the coronavirus pandemic. Italy was suffering; the N.B.A. had just suspended its season; Tom Hanks had been reported ill. When I hiked back up, on March 19th, it was into a different world. I’ve spent my life writing science-fiction novels that try to convey some of the strangeness of the future. But I was still shocked by how much had changed, and how quickly.

Schools and borders had closed; the governor of California, like governors elsewhere, had asked residents to begin staying at home. But the change that struck me seemed more abstract and internal. It was a change in the way we were looking at things, and it is still ongoing. The virus is rewriting our imaginations. What felt impossible has become thinkable. We’re getting a different sense of our place in history. We know we’re entering a new world, a new era. We seem to be learning our way into a new structure of feeling.

In many ways, we’ve been overdue for such a shift. In our feelings, we’ve been lagging behind the times in which we live. The Anthropocene, the Great Acceleration, the age of climate change—whatever you want to call it, we’ve been out of synch with the biosphere, wasting our children’s hopes for a normal life, burning our ecological capital as if it were disposable income, wrecking our one and only home in ways that soon will be beyond our descendants’ ability to repair. And yet we’ve been acting as though it were 2000, or 1990—as though the neoliberal arrangements built back then still made sense. We’ve been paralyzed, living in the world without feeling it.

Now, all of a sudden, we’re acting fast as a civilization. We’re trying, despite many obstacles, to flatten the curve—to avoid mass death. Doing this, we know that we’re living in a moment of historic importance. We realize that what we do now, well or badly, will be remembered later on. This sense of enacting history matters. For some of us, it partly compensates for the disruption of our lives.

Actually, we’ve already been living in a historic moment. For the past few decades, we’ve been called upon to act, and have been acting in a way that will be scrutinized by our descendants. Now we feel it. The shift has to do with the concentration and intensity of what’s happening. September 11th was a single day, and everyone felt the shock of it, but our daily habits didn’t shift, except at airports; the President even urged us to keep shopping. This crisis is different. It’s a biological threat, and it’s global. Everyone has to change together to deal with it. That’s really history.

It seems as though science has been mobilized to a dramatic new degree, but that impression is just another way in which we’re lagging behind. There are 7.8 billion people alive on this planet—a stupendous social and technological achievement that’s unnatural and unstable. It’s made possible by science, which has already been saving us. Now, though, when disaster strikes, we grasp the complexity of our civilization—we feel the reality, which is that the whole system is a technical improvisation that science keeps from crashing down.

On a personal level, most of us have accepted that we live in a scientific age. If you feel sick, you go to a doctor, who is really a scientist; that scientist tests you, then sometimes tells you to take a poison so that you can heal—and you take the poison. It’s on a societal level that we’ve been lagging. Today, in theory, everyone knows everything. We know that our accidental alteration of the atmosphere is leading us into a mass-extinction event, and that we need to move fast to dodge it. But we don’t act on what we know. We don’t want to change our habits. This knowing-but-not-acting is part of the old structure of feeling.

Now comes this disease that can kill anyone on the planet. It’s invisible; it spreads because of the way we move and congregate. Instantly, we’ve changed. As a society, we’re watching the statistics, following the recommendations, listening to the scientists. Do we believe in science? Go outside and you’ll see the proof that we do everywhere you look. We’re learning to trust our science as a society. That’s another part of the new structure of feeling.

Possibly, in a few months, we’ll return to some version of the old normal. But this spring won’t be forgotten. When later shocks strike global civilization, we’ll remember how we behaved this time, and how it worked. It’s not that the coronavirus is a dress rehearsal—it’s too deadly for that. But it is the first of many calamities that will likely unfold throughout this century. Now, when they come, we’ll be familiar with how they feel.

What shocks might be coming? Everyone knows everything. Remember when Cape Town almost ran out of water? It’s very likely that there will be more water shortages. And food shortages, electricity outages, devastating storms, droughts, floods. These are easy calls. They’re baked into the situation we’ve already created, in part by ignoring warnings that scientists have been issuing since the nineteen-sixties. Some shocks will be local, others regional, but many will be global, because, as this crisis shows, we are interconnected as a biosphere and a civilization.

Imagine what a food scare would do. Imagine a heat wave hot enough to kill anyone not in an air-conditioned space, then imagine power failures happening during such a heat wave. (The novel I’ve just finished begins with this scenario, so it scares me most of all.) Imagine pandemics deadlier than the coronavirus. These events, and others like them, are easier to imagine now than they were back in January, when they were the stuff of dystopian science fiction. But science fiction is the realism of our time. The sense that we are all now stuck in a science-fiction novel that we’re writing together—that’s another sign of the emerging structure of feeling.

Science-fiction writers don’t know anything more about the future than anyone else. Human history is too unpredictable; from this moment, we could descend into a mass-extinction event or rise into an age of general prosperity. Still, if you read science fiction, you may be a little less surprised by whatever does happen. Often, science fiction traces the ramifications of a single postulated change; readers co-create, judging the writers’ plausibility and ingenuity, interrogating their theories of history. Doing this repeatedly is a kind of training. It can help you feel more oriented in the history we’re making now. This radical spread of possibilities, good to bad, which creates such a profound disorientation; this tentative awareness of the emerging next stage—these are also new feelings in our time.

Memento mori: remember that you must die. Older people are sometimes better at keeping this in mind than younger people. Still, we’re all prone to forgetting death. It never seems quite real until the end, and even then it’s hard to believe. The reality of death is another thing we know about but don’t feel.Video From The New Yorker Throwing Shade Through Crosswords

So this epidemic brings with it a sense of panic: we’re all going to die, yes, always true, but now perhaps this month! That’s different. Sometimes, when hiking in the Sierra, my friends and I get caught in a lightning storm, and, completely exposed to it, we hurry over the rocky highlands, watching lightning bolts crack out of nowhere and connect nearby, thunder exploding less than a second later. That gets your attention: death, all too possible! But to have that feeling in your ordinary, daily life, at home, stretched out over weeks—that’s too strange to hold on to. You partly get used to it, but not entirely. This mixture of dread and apprehension and normality is the sensation of plague on the loose. It could be part of our new structure of feeling, too.

Just as there are charismatic megafauna, there are charismatic mega-ideas. “Flatten the curve” could be one of them. Immediately, we get it. There’s an infectious, deadly plague that spreads easily, and, although we can’t avoid it entirely, we can try to avoid a big spike in infections, so that hospitals won’t be overwhelmed and fewer people will die. It makes sense, and it’s something all of us can help to do. When we do it—if we do it—it will be a civilizational achievement: a new thing that our scientific, educated, high-tech species is capable of doing. Knowing that we can act in concert when necessary is another thing that will change us.

People who study climate change talk about “the tragedy of the horizon.” The tragedy is that we don’t care enough about those future people, our descendants, who will have to fix, or just survive on, the planet we’re now wrecking. We like to think that they’ll be richer and smarter than we are and so able to handle their own problems in their own time. But we’re creating problems that they’ll be unable to solve. You can’t fix extinctions, or ocean acidification, or melted permafrost, no matter how rich or smart you are. The fact that these problems will occur in the future lets us take a magical view of them. We go on exacerbating them, thinking—not that we think this, but the notion seems to underlie our thinking—that we will be dead before it gets too serious. The tragedy of the horizon is often something we encounter, without knowing it, when we buy and sell. The market is wrong; the prices are too low. Our way of life has environmental costs that aren’t included in what we pay, and those costs will be borne by our descendents. We are operating a multigenerational Ponzi scheme.

And yet: “Flatten the curve.” We’re now confronting a miniature version of the tragedy of the time horizon. We’ve decided to sacrifice over these months so that, in the future, people won’t suffer as much as they would otherwise. In this case, the time horizon is so short that we are the future people. It’s harder to come to grips with the fact that we’re living in a long-term crisis that will not end in our lifetimes. But it’s meaningful to notice that, all together, we are capable of learning to extend our care further along the time horizon. Amid the tragedy and death, this is one source of pleasure. Even though our economic system ignores reality, we can act when we have to. At the very least, we are all freaking out together. To my mind, this new sense of solidarity is one of the few reassuring things to have happened in this century. If we can find it in this crisis, to save ourselves, then maybe we can find it in the big crisis, to save our children and theirs.

Margaret Thatcher said that “there is no such thing as society,” and Ronald Reagan said that “government is not the solution to our problem; government is the problem.” These stupid slogans marked the turn away from the postwar period of reconstruction and underpin much of the bullshit of the past forty years.

We are individuals first, yes, just as bees are, but we exist in a larger social body. Society is not only real; it’s fundamental. We can’t live without it. And now we’re beginning to understand that this “we” includes many other creatures and societies in our biosphere and even in ourselves. Even as an individual, you are a biome, an ecosystem, much like a forest or a swamp or a coral reef. Your skin holds inside it all kinds of unlikely coöperations, and to survive you depend on any number of interspecies operations going on within you all at once. We are societies made of societies; there are nothing but societies. This is shocking news—it demands a whole new world view. And now, when those of us who are sheltering in place venture out and see everyone in masks, sharing looks with strangers is a different thing. It’s eye to eye, this knowledge that, although we are practicing social distancing as we need to, we want to be social—we not only want to be social, we’ve got to be social, if we are to survive. It’s a new feeling, this alienation and solidarity at once. It’s the reality of the social; it’s seeing the tangible existence of a society of strangers, all of whom depend on one another to survive. It’s as if the reality of citizenship has smacked us in the face.

As for government: it’s government that listens to science and responds by taking action to save us. Stop to ponder what is now obstructing the performance of that government. Who opposes it? Right now we’re hearing two statements being made. One, from the President and his circle: we have to save money even if it costs lives. The other, from the Centers for Disease Control and similar organizations: we have to save lives even if it costs money. Which is more important, money or lives? Money, of course! says capital and its spokespersons. Really? people reply, uncertainly. Seems like that’s maybe going too far? Even if it’s the common wisdom? Or was.

Some people can’t stay isolated and still do their jobs. If their jobs are important enough, they have to expose themselves to the disease. My younger son works in a grocery store and is now one of the front-line workers who keep civilization running.

My son is now my hero: this is a good feeling. I think the same of all the people still working now for the sake of the rest of us. If we all keep thinking this way, the new structure of feeling will be better than the one that’s dominated for the past forty years.

The neoliberal structure of feeling totters. What might a post-capitalist response to this crisis include? Maybe rent and debt relief; unemployment aid for all those laid off; government hiring for contact tracing and the manufacture of necessary health equipment; the world’s militaries used to support health care; the rapid construction of hospitals.Advertisement

What about afterward, when this crisis recedes and the larger crisis looms? If the project of civilization—including science, economics, politics, and all the rest of it—were to bring all eight billion of us into a long-term balance with Earth’s biosphere, we could do it. By contrast, when the project of civilization is to create profit—which, by definition, goes to only a few—much of what we do is actively harmful to the long-term prospects of our species. Everyone knows everything. Right now pursuing profit as the ultimate goal of all our activities will lead to a mass-extinction event. Humanity might survive, but traumatized, interrupted, angry, ashamed, sad. A science-fiction story too painful to write, too obvious. It would be better to adapt to reality.

Economics is a system for optimizing resources, and, if it were trying to calculate ways to optimize a sustainable civilization in balance with the biosphere, it could be a helpful tool. When it’s used to optimize profit, however, it encourages us to live within a system of destructive falsehoods. We need a new political economy by which to make our calculations. Now, acutely, we feel that need.

It could happen, but it might not. There will be enormous pressure to forget this spring and go back to the old ways of experiencing life. And yet forgetting something this big never works. We’ll remember this even if we pretend not to. History is happening now, and it will have happened. So what will we do with that?

A structure of feeling is not a free-floating thing. It’s tightly coupled with its corresponding political economy. How we feel is shaped by what we value, and vice versa. Food, water, shelter, clothing, education, health care: maybe now we value these things more, along with the people whose work creates them. To survive the next century, we need to start valuing the planet more, too, since it’s our only home.

It will be hard to make these values durable. Valuing the right things and wanting to keep on valuing them—maybe that’s also part of our new structure of feeling. As is knowing how much work there is to be done. But the spring of 2020 is suggestive of how much, and how quickly, we can change. It’s like a bell ringing to start a race. Off we go—into a new time.


A Guide to the Coronavirus

Kim Stanley Robinson is a science-fiction writer who lives in Davis, California. His next novel, “The Ministry for the Future,” will be published in October.

Ética cresce em importância no mundo com menos religião, diz Luciano Floridi (Folha de S.Paulo)

Folha de S.Paulo

Raphael Hernandes – 19 de fevereiro de 2020

Ser um pioneiro em um dos ramos de uma área do conhecimento que possui milênios de existência, a filosofia, é para poucos. E esse é o caso do italiano Luciano Floridi, 55, professor da Universidade de Oxford.

Ele é um dos primeiros, e mais proeminentes, nomes nos campos de filosofia e ética da informação. Esses ramos estudam tópicos ligados à computação e tecnologia. É conselheiro da área para o governo britânico e trabalhou para empresas gigantes da área, como Google e a chinesa Tencent.

Ele também se destaca quando o assunto é especificamente IA (inteligência artificial). Floridi foi um dos 52 autores das “Orientações éticas para uma IA de confiança”, da União Europeia.

À Folha, falou sobre temas que foram desde o elementar na sua área, como a definição de inteligência artificial, a discussões mais complexas acerca de como pensar nossa relação com a tecnologia.

Para ele, a discussão moral cresce em importância na era digital. “Temos menos religião. As pessoas tendem a associar ética à religião um pouco menos do que no passado”, diz. “Ela precisa se sustentar sozinha.”

A conversa por videochamada durou aproximadamente uma hora e foi interrompida apenas uma vez: quando a mulher de Floridi, brasileira, foi embarcar num avião para visitar o país natal e ele quis desejar uma boa viagem.

A fala paciente e educada deu lugar a irritação quando o assunto se tornou pensamento de Nick Bostrom, também filósofo da Universidade de Oxford, que versa sobre os riscos de a IA destruir a humanidade.

“A IA descrita na singularidade e na superinteligência de Nick Bostrom não é impossível”, diz. “Da mesma forma que é possível que uma civilização extraterrestre chegue aqui, domine e escravize a humanidade. Impossível? Não. Vamos nos planejar para o caso de isso acontecer? Só pode ser piada.”

*

Como definir IA? São artefatos construídos pelo homem capazes de fazer coisas no nosso lugar, para nós e, às vezes, melhor do que nós, com uma habilidade especial que não encontramos em outros artefatos mecânicos: aprender a partir de sua performance e melhorar.
Uma forma de descrever IA é como uma espécie de reservatório de operações para fazer coisas que podemos aplicar em contextos diferentes. Podemos aplicar para economizar eletricidade em casa, para encontrar informações interessantes sobre pessoas que visitam minha loja, para melhorar a câmera do meu celular, para recomendar em um site outros produtos dos quais o consumidor gostaria.

Na academia há muitas opiniões contrastantes sobre o que é IA. A definição de IA é importante? Uma definição diz “isso é aquilo” e “aquilo é isso”, como “água é H2O” e “H2O é água” e não tem erro. Não temos uma definição sobre IA dessa forma, mas também não temos definição de muitas coisas importantes na vida como amor, inteligência e por aí vai. Muitas vezes temos um bom entendimento, conseguimos reconhecer essas coisas ao vê-las. É crucial ter um bom entendimento da tecnologia porque aí temos as regras e a governança de algo que compreendemos.

Qual a importância da ética hoje, uma era digital? Ela se tornou mais e mais importante porque nós temos algo mais e algo menos. Temos menos religião, então ela precisa se sustentar sozinha. Não se pode justificar algo dizendo “porque a Igreja diz isso” ou porque “Deus mandou”. Um pouco menos de religião tornou o debate ético mais difícil, mas mais urgente.
E temos algo mais: falamos muito mais uns com os outros do que em qualquer momento no passado. Estou falando de globalização. De repente, diferentes visões sobre o que está certo e errado estão colidindo de uma forma que nunca aconteceu. Quanto mais tecnologia, ciência e poder tivermos sobre qualquer coisa –sociedade, o ambiente, nossas próprias vidas–, mais urgentes ficam as questões éticas.

E por que discutir ética em IA? Até recentemente, entendíamos em termos de “intervenções divinas” (para as pessoas do passado que acreditavam em Deus), “intervenções humanas” ou “intervenções animais”. Essas eram as forças possíveis. É como se tivéssemos um tabuleiro de xadrez em que, de repente, surge uma peça nova. Claramente, essa peça muda o jogo todo. É IA.
Se você tem algo que pode fazer coisas no mundo de forma autônoma e aprendendo, de modo que podem mudar seus próprios programas, sua atividade requer entendimento de certo e errado: ética.

Como respondemos essas perguntas e definimos os limites? No último ano tivemos um florescer de códigos éticos para IA. Dois em particular são bem importantes pelo alcance. Um é o da União Europeia. Fizemos um bom trabalho, penso, e temos uma boa estrutura na Europa para entender IA boa e não tão boa. O outro é da OCDE, uma estrutura semelhante.

Críticos dizem que esses documentos não são específicos o suficiente. O sr. vê eles como um primeiro passo? Mostra que, pelo menos, algumas pessoas em algum lugar se importam o suficiente para produzir um documento sobre essa história toda. Isso é melhor do que nada, mas é só isso: melhor que nada. Alguns deles são completamente inúteis.
O que acontece agora é que toda empresa, toda instituição, todo governo sente que não pode ser deixado para trás. Se 100 empresas têm um documento com suas estruturas e regras para IA, se sou a empresa 102 também preciso ter. Não posso ser o único sem.
Precisamos fazer muito mais. Por isso, as diretrizes verdadeiras são feitas por governos, organizações ou instituições internacionais. Se você tem instituições internacionais, como a OECD, União Europeia, Unesco, intervindo, já estamos em um novo passo na direção certa.
Olhe, por exemplo, a IA aplicada a reconhecimento facial. Já tivemos esse debate. Uso reconhecimento facial na minha loja? No aeroporto? Esse buraco tem que ser tapado e as pessoas o estão tapando. Eu tendo a ser um pouco otimista.

E como estamos nessa tradução de diretrizes em políticas práticas? Num contexto geral, vejo grandes empresas desenvolvendo serviços de consultoria para seus clientes e ajudando a verificar se estão de acordo com as regras e regulações, bem como se levaram em consideração questões éticas.
Há lacunas e mais precisa ser feito, mas algo já está disponível. As pessoas estão se mexendo em termos de legislação, autorregulação, políticas ou ferramentas digitais para traduzir princípios em práticas. O que se pode fazer é se certificar que os erros aconteçam o mais raramente possível e que, quando acontecerem, haja uma forma de retificar.

Com diferentes entidades, governos, instituições e empresas criando suas regras para uso de IA, não corremos o risco de ficar perdidos em termos de qual documento seguir? Um pouco, sim. No começo pode ter discordância, ou visões diferentes, mas isso é algo que já vivemos no passado.
Toda a história de padrões industriais e de negócios é cheia desses desacordos e, depois, reconciliação e encontrar uma plataforma comum para todos estarem em concordância.

As grandes empresas de tecnologia estão pedindo por regulação, o que é estranho, visto que elas normalmente tentam autoregulação. O sr. esteve com uma delas, a Google. Por que esse interesse das empresas de tecnologia agora? Há alguns motivos para isso. O primeiro é certeza: eles querem ter certeza do que é certo e errado. Empresas gostam de certeza, mais até do que de regras boas. Melhor ter regras ruins do que regra nenhuma. A segunda coisa é que entendem que a opinião pública pede por uma boa aplicação de IA. Dado que é opinião pública, tem que vir da sociedade o que é aceitável e o que não é. Empresas gostam de regulações desde que elas ajudem.

Há diferença ao pensar em regulações para sistemas com finalidades diferentes? Por exemplo, é diferente pensar em regulação em IA para carros automatizados e IA para sugestão de músicas? Sim e não. Há regulações que são comuns para muitas áreas. Pense nas regulações de segurança envolvendo eletricidade. Não importa se é uma furadeira elétrica, um forno elétrico ou um carro elétrico. É eletricidade e, portanto, tem regulações de segurança. Isso se aplicaria igualmente à IA. Mas aí você tem algo específico: você tem segurança ligada aos freios para o carro, não para o micro-ondas. Isso é bem específico. Penso, então, numa combinação dos dois: princípios que cubram várias áreas diferentes, diretrizes que se espalhem horizontalmente, mas também verticalmente pensando em setor por setor.

Quão longe estamos de ter essas diretrizes estabelecidas? Falamos de meses, anos, uma geração? Alguns anos. Eu não me surpreenderia se tivéssemos essa conversa em cinco anos e o que dissemos hoje fosse história.

E como funciona esse processo de pensamento na prática? Por exemplo, no caso de carros autônomos, como se chega a uma conclusão em relação à responsabilidade do caso de acidente: é do motorista, da fabricante, de quem? Tínhamos isso em muitos outros contextos antes da IA. A recomendação é distribuir a responsabilidade entre todos os agentes envolvidos, a menos que eles consigam provar que não tiveram nada a ver com acidente.
Um exemplo bem concreto: na Holanda, se você andar de bicicleta ao lado de alguém, sem problemas. Você pode andar na rua, lado a lado com alguém e tudo bem. Se uma terceira pessoa se junta a vocês, é ilegal. Não se pode ir com três pessoas lado a lado numa rua pública. Quem recebe a multa? Todos os três, porque quando A e B estavam lado a lado e o C chega até eles, A e B poderiam reduzir a velocidade ou parar totalmente para que o C passasse. Agora, na mesma Holanda, outro exemplo, se dois barcos estão parados na margem do rio lado a lado, é legal. Se um terceiro barco chegar e parar ao lado deles, é ilegal. Nesse caso, somente o terceiro barco tomaria uma multa. Por quê? Porque os outros dois barcos não podem ir para lugar algum. Não é culpa deles. Pode ver que são dois exemplos bastante elementares, bem claros, com três agentes. Em um caso igualmente responsáveis e a responsabilidade é distribuída, no outro caso apenas um responsável.
Com IA é o mesmo. Em contextos nos quais tivermos uma pessoa, doida, usando IA para algo mal, a culpa é dessa pessoa. Não tem muito debate. Em muitos outros contextos, com muitos agentes, quem será culpado? Todos, a menos que provem que não fizeram nada de errado. Então o fabricante do carro, do software, o motorista, até mesmo a pessoa que atravessou a rua no lugar errado. Talvez haja corresponsabilidade que precise ser distribuída entre eles.

Seria sempre uma análise caso a caso? Acho que é mais tipos de casos. Não só um caso isolado, mas uma família de casos.
Façamos um exemplo realista. Se uma pessoa dirigindo em um carro autônomo não tem como dirigir, usar um volante, nada. É como eu em um trem, tenho zero controle. Aí o carro se envolve num acidente. De quem é a culpa? Você culparia um passageiro pelo acidente que o trem teve? Claro que não. Num caso em que haja um volante, em que haja um grande botão vermelho dizendo “se algo der errado, aperte o botão”… Quem é responsável? O fabricante do carro e o motorista que não apertou o botão.
Precisamos ser bastante concretos e nos certificar de que existem tipologias e, não exatamente caso a caso, mas compreendendo que caso tal pertence a tal tipologia. Aí teremos um senso claro do que está acontecendo.

Em suas palestras, o sr. menciona um uso em excesso e a subutilização de IA. Quais os problemas nessas situações? O excesso de uso, com um exemplo concreto, é como o debate que temos hoje sobre reconhecimento facial. Não precisamos disso em todos os cantos. É como matar mosquitos com uma granada.
A subutilização é típica, por exemplo, no setor de saúde. Não usamos porque a regulação não é muito clara, as pessoas têm medo das consequências.

A IA vai criar o futuro, estar em tudo? Temos uma grande oportunidade de fazer muito trabalho bom, tanto para nossos problemas sociais, desigualdade em particular, e para o ambiente, particularmente aquecimento global. É uma tecnologia muito poderosa que, nas mãos certas e com a governança correta, poderia fazer coisas fantásticas. Me preocupa um pouco o fato de que não estamos fazendo isso, estamos perdendo a oportunidade.
O motivo de a ética ser tão importante é exatamente porque a aplicação correta dessa tecnologia precisará de um projeto geral sobre a nossa sociedade. Gosto de chamá-lo de “projeto humano”. O que a sociedade irá querer. Qual futuro queremos deixar para as próximas gerações? Estamos preocupados com outras coisas, como usar IA para gerar mais dinheiro, basicamente.

E os direitos dos robôs? Deveríamos estar pensando nisso? [Risos]. Não, isso é uma piada. Você daria direitos à sua lavadora de louças? É uma peça de engenharia. É um bom entretenimento [falar de direito dos robôs], podemos brincar sobre isso, mas não falemos de Star Wars.

O sr. é crítico em relação à ficção científica que trata do fim do mundo por meio de IA ou superinteligência. Não vê a ideia de Nick Bostrom como uma possibilidade? Acho que as pessoas têm jogado com alguns truques. Esses são truques que ensinamos a alunos de filosofia no primeiro ano. O truque é falar sobre “possibilidade” e é exatamente essa a palavra que usam.
Deixe-me dar um exemplo: imagine que eu compre um bilhete de loteria. É possível que eu ganhe? Claro. Compro outro bilhete de outra loteria. É possível que eu ganhe da segunda vez? Sim, mas não vai acontecer. É improvável, é insignificantemente possível. Esse é o tipo de racionalização feita por Nick Bostrom. “Ah! Mas você não pode excluir a possibilidade…” Não, não posso. A IA descrita na singularidade e na superinteligência de Nick Bostrom não é impossível. Concordo. Significa que é possível? Não.
Da mesma forma que é possível que uma civilização extraterrestre chegue aqui, domine e escravize a humanidade. Impossível? Hmmm. Não. Vamos nos planejar para o caso de isso acontecer? Só pode ser piada.

A IA é uma força para o bem? Acho que sim. Como a maioria das tecnologias que já desenvolvemos são. Quando falamos da roda, alfabeto, computadores, eletricidade… São todas coisas boas. A internet. É tudo coisa boa. Podemos usar para algo ruim? Absolutamente.
Sou mais otimista em relação à tecnologia e menos em relação à humanidade. Acho que faremos uma bagunça com ela. Por isso, discussões como a do Nick Bostrom, singularidade, etc. não são simplesmente engraçadas. Elas distraem, e isso é sério.
Conforme falamos, temos 700 milhões de pessoas sem acesso a água limpa que poderiam usar IA para ter uma chance. E você realmente quer se preocupar com algum Exterminador do Futuro? Skynet? Eticamente falando, é irresponsável. Pare de ver Netflix e caia na real.

Reportagem: Raphael Hernandes/ Edição: Camila Marques, Eduardo Sodré, Roberto Dias / Ilustrações e infografia: Carolina Daffara

Marcelo Leite: Desinteligência artificial agrava Covid-19 (Folha de S.Paulo)

www1.folha.uol.com.br

04 de maio de 2020

Terça-feira (28) participei de uma teleconversa curiosa, sobre inteligência artificial (IA) e humanização da medicina. Parecia contradição nos termos, em especial nesta pandemia de Covid-19, ou debate sobre sexo dos anjos, quando estamos fracassando já na antessala da alta tecnologia –realizar testes diagnósticos, contar mortes corretamente e produzir dados estatísticos confiáveis.

O encontro virtual, que vai ao ar amanhã, faz parte de uma série (youtube.com/rio2c) que vem substituir a conferência sobre economia criativa Rio2C, cuja realização neste mês foi cancelada. Coube-me moderar o diálogo entre Sonoo Thadaney, do Presence ­–centro da Universidade Stanford dedicado à humanização do atendimento de saúde–, e Jorge Moll Neto, do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor), conhecido como Gito.

O coronavírus CoV-2 já legou cerca de 3,5 milhões de infectados e 250 mil mortos (números subestimados). A pandemia é agravada por líderes de nações populosas que chegaram ao poder e nele se mantêm espalhando desinformação com ajuda de algoritmos de redes sociais que privilegiam a estridência e os vieses de confirmação de seus seguidores.

Você entendeu: Donald Trump (EUA, 1/3 dos casos no mundo) e Jair Bolsonaro (Brasil, um distante 0,2% do total, mas marchando para números dantescos). Trump corrigiu alguns graus no curso na nau de desvairados em que se tornou a Casa Branca; o Messias que não faz milagres ainda não deu sinais de imitá-lo, porque neste caso seria fazer a coisa certa.

Na teleconversa da Rio2C, Sonoo e Gito fizeram as perorações de praxe contra a substituição da ciência por ideologia na condução da pandemia. O diretor do Idor deu a entender que nunca viu tanta besteira saindo da boca de leigos e autointitulados especialistas.

A diretora do centro de Stanford, originária da Índia, disse que, se precisar preparar um frango tandoori, vai ligar e perguntar para quem sabe fazer. E não para qualquer médico que se aventura nos mares da epidemiologia dizendo que a Terra é plana, deduzo eu, para encompridar a metáfora, na esperança de que leitores brasileiros entendam de que deputado se trata.

Há razão para ver o vídeo da conversa (com legendas em português) e sair um pouco otimista. Gito afirmou que se dá mais importância e visibilidade para consequências não pretendidas negativas da tecnologia.

No caso, a IA e seus algoritmos dinâmicos, que tomam resultados em conta para indicar soluções, como apresentar em cada linha do tempo na rede social as notas com maior probabilidade de atraírem novos seguidores e de serem reproduzidas, curtidas ou comentadas (o chamado engajamento, que muitos confundem com sucesso).

Um bom nome para isso seria desinteligência artificial. A cizânia se espalha porque os usuários aprendem que receberão mais cliques quanto mais agressivos forem, substituindo por raiva os argumentos de que não dispõem para confirmar as próprias convicções e as daqueles que pensam como ele (viés de confirmação).

Já se pregou no passado que se deve acreditar mesmo que seja absurdo, ou porque absurdo (ouçam os “améns” com que fanáticos brindam Bolsonaro). Também já se disse que o sono da razão produz monstros.

O neurocientista do Idor prefere desviar a atenção para efeitos não pretendidos positivos das tecnologias. Cita as possibilidades abertas para enfrentar a Covid-19 com telefones celulares de última geração disseminados pelo mundo, mesmo em países pobres, como difusão de informação e bases de dados para monitorar mobilidade em tempos de isolamento social.

Há também os aplicativos multiusuário de conversa com vídeo, que facilitam o contato para coordenação entre colegas trabalhando em casa, a deliberação parlamentar a distância e, claro, as teleconsultas entre médicos e pacientes.

Sonoo diz que a IA libera profissionais de saúde para exercerem mais o que está na base da medicina, cuidar de pessoas de carne e osso. Mesmo que seja em ambiente virtual, o grande médico se diferencia do médico apenas bom por tratar o doente, não a doença.

Fica tudo mais complicado quando o espectro do contágio pelo corona paira sobre todos e uma interface de vídeo ou a parafernália na UTI afasta o doutor do enfermo. Mas há dicas simples para humanizar esses encontros, de portar uma foto da pessoa por trás da máscara a perguntar a origem de objetos que se vê pela tela na casa do paciente (mais sugestões em inglês aqui: youtu.be/DbLjEsD1XOI).

Conversamos ainda sobre diversidade, equidade, acesso e outras coisas importantes. Para terminar, contudo, cabe destacar o chamado de Gito para embutir valores nos algoritmos e chamar filósofos e outros especialistas de humanidades para as equipes que inventam aplicações de IA.

Os dois governos mencionados, porém, são inimigos da humanidade, no singular (empatia, mas também conjunto de mulheres, homens, velhos, crianças, enfermos, sãos, deficientes, atletas, patriotas ou não, ateus e crentes) e no plural (disciplinas que se ocupam das fontes e razões do que dá certo ou dá errado nas sociedades humanas e na cabeça das pessoas que as compõem).

São os reis eleitos da desinteligência artificial.

Not quite all there. The 90% economy that lockdowns will leave behind (The Economist)

It will not just be smaller, it will feel strange

BriefingApr 30th 2020 edition

Apr 30th 2020

Editor’s note: The Economist is making some of its most important coverage of the covid-19 pandemic freely available to readers of The Economist Today, our daily newsletter. To receive it, register here. For our coronavirus tracker and more coverage, see our hub

IN THE 1970s Mori Masahiro, a professor at the Tokyo Institute of Technology, observed that there was something disturbing about robots which looked almost, but not quite, like people. Representations in this “uncanny valley” are close enough to lifelike for their shortfalls and divergences from the familiar to be particularly disconcerting. Today’s Chinese economy is exploring a similarly unnerving new terrain. And the rest of the world is following in its uncertain steps.

Whatever the drawbacks of these new lowlands, they are assuredly preferable to the abyss of lockdown. Measures taken to reverse the trajectory of the pandemic around the world have brought with them remarkable economic losses.

Not all sectors of the economy have done terribly. New subscriptions to Netflix increased at twice their usual rate in the first quarter of 2020, with most of that growth coming in March. In America, the sudden stop of revenue from Uber’s ride-sharing service in March and April has been partially cushioned by the 25% increase of sales from its food-delivery unit, according to 7Park Data, a data provider.

Yet the general pattern is grim. Data from Womply, a firm which processes transactions on behalf of 450,000 small businesses across America, show that businesses in all sectors have lost substantial revenue. Restaurants, bars and recreational businesses have been badly hit: revenues have declined some two-thirds since March 15th. Travel and tourism may suffer the worst losses. In the EU, where tourism accounts for some 4% of GDP, the number of people travelling by plane fell from 5m to 50,000; on April 19th less than 5% of hotel rooms in Italy and Spain were occupied.

According to calculations made on behalf of The Economist by Now-Casting Economics, a research firm that provides high-frequency economic forecasts to institutional investors, the world economy shrank by 1.3% year-on-year in the first quarter of 2020, driven by a 6.8% year-on-year decline in China’s GDP. The Federal Reserve Bank of New York draws on measures such as jobless claims to produce a weekly index of American economic output. It suggests that the country’s GDP is currently running about 12% lower than it was a year ago (see chart 1).

These figures fit with attempts by Goldman Sachs, a bank, to estimate the relationship between the severity of lockdowns and their effect on output. It finds, roughly, that an Italian-style lockdown is associated with a GDP decline of 25%. Measures to control the virus while either keeping the economy running reasonably smoothly, as in South Korea, or reopening it, as in China, are associated with a GDP reduction in the region of 10%. That chimes with data which suggest that if Americans chose to avoid person-to-person proximity of the length of an arm or less, occupations worth approximately 10% of national output would become unviable.

The “90% economy” thus created will be, by definition, smaller than that which came before. But its strangeness will be more than a matter of size. There will undoubtedly be relief, fellow feeling, and newly felt or expressed esteem for those who have worked to keep people safe. But there will also be residual fear, pervasive uncertainty, a lack of innovative fervour and deepened inequalities. The fraction of life that is missing will colour people’s experience and behaviour in ways that will not be offset by the happy fact that most of what matters is still available and ticking over. In a world where the office is open but the pub is not, qualitative differences in the way life feels will be at least as significant as the drop in output.

The plight of the pub demonstrates that the 90% economy will not be something that can be fixed by fiat. Allowing pubs—and other places of social pleasure—to open counts for little if people do not want to visit them. Many people will have to leave the home in order to work, but they may well feel less comfortable doing so to have a good time. A poll by YouGov on behalf of The Economist finds that over a third of Americans think it will be “several months” before it will be safe to reopen businesses as normal—which suggests that if businesses do reopen some, at least, may stay away.

Ain’t nothing but tired

Some indication that the spending effects of a lockdown will persist even after it is over comes from Sweden. Research by Niels Johannesen of Copenhagen University and colleagues finds that aggregate-spending patterns in Sweden and Denmark over the past months look similarly reduced, even though Denmark has had a pretty strict lockdown while official Swedish provisions have been exceptionally relaxed. This suggests that personal choice, rather than government policy, is the biggest factor behind the drop. And personal choices may be harder to reverse.

Discretionary spending by Chinese consumers—the sort that goes on things economists do not see as essentials—is 40% off its level a year ago. Haidilao, a hotpot chain, is seeing a bit more than three parties per table per day—an improvement, but still lower than the 4.8 registered last year, according to a report by Goldman Sachs published in mid-April. Breweries are selling 40% less beer. STR, a data-analytics firm, finds that just one-third of hotel beds in China were occupied during the week ending April 19th. Flights remain far from full (see chart 2).

This less social world is not necessarily bad news for every company. UBS, a bank, reports that a growing number of people in China say that the virus has increased their desire to buy a car—presumably in order to avoid the risk of infection on public transport. The number of passengers on Chinese underground trains is still about a third below last year’s level; surface traffic congestion is as bad now as it was then.

Wanting a car, though, will not mean being able to afford one. Drops in discretionary spending are not entirely driven by a residual desire for isolation. They also reflect the fact that some people have a lot less money in the post-lockdown world. Not all those who have lost jobs will quickly find new ones, not least because there is little demand for labour-intensive services such as leisure and hospitality. Even those in jobs will not feel secure, the Chinese experience suggests. Since late March the share of people worried about salary cuts has risen slightly, to 44%, making it their biggest concern for 2020, according to Morgan Stanley, a bank. Many are now recouping the loss of income that they suffered during the most acute phase of the crisis, or paying down debt. All this points to high saving rates in the future, reinforcing low consumption.

A 90% economy is, on one level, an astonishing achievement. Had the pandemic struck even two decades ago, only a tiny minority of people would have been able to work or satisfy their needs. Watching a performance of Beethoven on a computer, or eating a meal from a favourite restaurant at home, is not the same as the real thing—but it is not bad. The lifting of the most stringent lockdowns will also provide respite, both emotionally and physically, since the mere experience of being told what you can and cannot do is unpleasant. Yet in three main ways a 90% economy is a big step down from what came before the pandemic. It will be more fragile; it will be less innovative; and it will be more unfair.

Take fragility first. The return to a semblance of normality could be fleeting. Areas which had apparently controlled the spread of the virus, including Singapore and northern Japan, have imposed or reimposed tough restrictions in response to a rise in the growth rate of new infections. If countries which retain relatively tough social-distancing rules do better at staving off a viral comeback, other countries may feel a need to follow them (see Chaguan). With rules in flux, it will feel hard to plan weeks ahead, let alone months.

Can’t start a fire

The behaviour of the economy will be far less predictable. No one really knows for how long firms facing zero revenues, or households who are working reduced hours or not at all, will be able to survive financially. Businesses can keep going temporarily, either by burning cash or by tapping grants and credit lines set up by government—but these are unlimited neither in size nor duration. What is more, a merely illiquid firm can quickly become a truly insolvent one as its earnings stagnate while its debt commitments expand. A rise in corporate and personal bankruptcies, long after the apparently acute phase of the pandemic, seems likely, though governments are trying to forestall them. In the past fortnight bankruptcies in China started to rise relative to last year. On April 28th HSBC, one of the world’s largest banks, reported worse-than-expected results, in part because of higher credit losses.

Furthermore, the pandemic has upended norms and conventions about how economic agents behave. In Britain the share of commercial tenants who paid their rent on time fell from 90% to 60% in the first quarter of this year. A growing number of American renters are no longer paying their landlords. Other creditors are being put off, too. In America, close to 40% of business-to-business payments from firms in the spectator-sports and film industries were late in March, double the rate a year ago. Enforcing contracts has become more difficult with many courts closed and social interactions at a standstill. This is perhaps the most insidious means by which weak sectors of the economy will infect otherwise moderately healthy ones.

In an environment of uncertain property rights and unknowable income streams, potential investment projects are not just risky—they are impossible to price. A recent paper by Scott Baker of Northwestern University and colleagues suggests that economic uncertainty is at an all-time high. That may go some way to explaining the results of a weekly survey from Moody’s Analytics, a research firm, which finds that businesses’ investment intentions are substantially lower even than during the financial crisis of 2007-09. An index which measures American nonresidential construction activity 9-12 months ahead has also hit new lows.

The collapse in investment points to the second trait of the 90% economy: that it will be less innovative. The development of liberal capitalism over the past three centuries went hand in hand with a growth in the number of people exchanging ideas in public or quasi-public spaces. Access to the coffeehouse, the salon or the street protest was always a partial process, favouring some people over others. But a vibrant public sphere fosters creativity.

Innovation is not impossible in a world with less social contact. There is more than one company founded in a garage now worth $1trn. During lockdowns, companies have had to innovate quickly—just look at how many firms have turned their hand to making ventilators, if with mixed success. A handful of firms claim that working from home is so productive that their offices will stay closed for good.

Yet these productivity bonuses look likely to be heavily outweighed by drawbacks. Studies suggest the benefits of working from home only materialise if employees can frequently check in at an office in order to solve problems. Planning new projects is especially difficult. Anyone who has tried to bounce ideas around on Zoom or Skype knows that spontaneity is hard. People are often using bad equipment with poor connections. Nick Bloom of Stanford University, one of the few economists to have studied working from home closely, reckons that there will be a sharp decline in patent applications in 2021.

Cities have proven particularly fertile ground for innovations which drive long-run growth. If Geoffrey West, a physicist who studies complex systems, is right to suggest that doubling a city’s population leads to all concerned becoming on aggregate 15% richer, then the emptying-out of urban areas is bad news. MoveBuddha, a relocation website, says that searches for places in New York City’s suburbs are up almost 250% compared with this time last year. A paper from New York University suggests that richer, and thus presumably more educated, New Yorkers—people from whom a disproportionate share of ideas may flow—are particularly likely to have left during the epidemic.

Something happening somewhere

Wherever or however people end up working, the experience of living in a pandemic is not conducive to creative thought. How many people entered lockdown with a determination to immerse themselves in Proust or George Eliot, only to find themselves slumped in front of “Tiger King”? When mental capacity is taken up by worries about whether or not to touch that door handle or whether or not to believe the results of the latest study on the virus, focusing is difficult. Women are more likely to take care of home-schooling and entertainment of bored children (see article), meaning their careers suffer more than men’s. Already, research by Tatyana Deryugina, Olga Shurchkov and Jenna Stearns, three economists, finds that the productivity of female economists, as measured by production of research papers, has fallen relative to male ones since the pandemic began.

The growing gender divide in productivity points to the final big problem with the 90% economy: that it is unfair. Liberally regulated economies operating at full capacity tend to have unemployment rates of 4-5%, in part because there will always be people temporarily unemployed as they move from one job to another. The new normal will have higher joblessness. This is not just because GDP will be lower; the decline in output will be particularly concentrated in labour-intensive industries such as leisure and hospitality, reducing employment disproportionately. America’s current unemployment rate, real-time data suggest, is between 15-20%.

The lost jobs tended to pay badly, and were more likely to be performed by the young, women and immigrants. Research by Abi Adams-Prassl of Oxford University and colleagues finds that an American who normally earns less than $20,000 a year is twice as likely to have lost their job due to the pandemic as one earning $80,000-plus. Many of those unlucky people do not have the skills, nor the technology, that would enable them to work from home or to retrain for other jobs.

The longer the 90% economy endures, the more such inequalities will deepen. People who already enjoy strong professional networks—largely, those of middle age and higher—may actually quite enjoy the experience of working from home. Notwithstanding the problems of bad internet and irritating children, it may be quite pleasant to chair fewer meetings or performance reviews. Junior folk, even if they make it into an office, will miss out on the expertise and guidance of their seniors. Others with poor professional networks, such as the young or recently arrived immigrants, may find it difficult or impossible to strengthen them, hindering upward mobility, points out Tyler Cowen of George Mason University.

The world economy that went into retreat in March as covid-19 threatened lives was one that looked sound and strong. And the biomedical community is currently working overtime to produce a vaccine that will allow the world to be restored to its full capacity. But estimates suggest that this will take at least another 12 months—and, as with the prospects of the global economy, that figure is highly uncertain. If the adage that it takes two months to form a habit holds, the economy that re-emerges will be fundamentally different.

Para escapar do coronavírus, Yanomami se refugiam no interior da floresta (Amazônia Real)

Artigo original

Por: Ana Amélia Hamdan | 28/04/2020 às 23:41

Os indígenas chamam a pandemia de xawara. Um jovem da etnia morreu de Covid-19, em Boa Vista, Roraima.

A imagem é da Expedição Yanomami Okrapomai (Christian Braga/Midia Ninja/2014)

São Gabriel da Cachoeira (AM) – “A floresta protege porque ela tem um cheiro muito saudável, isso é a proteção que a floresta dá para nós Yanomami. A floresta tem mais proteção porque o ar não é contaminado. Muitos já foram para se proteger na floresta porque evitam de pegar gripe e outras doenças aqui na comunidade. Estão por lá se alimentando com caça, pesca, agora é muito açaí e muita fruta que está tendo na floresta”.

É assim, como se vê na fala da liderança Yanomami, José Mário Pereira Góes, que os indígenas estão se protegendo contra o coronavírus. Ele é presidente da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), no Amazonas. Tal como os mais velhos fizeram para fugir de epidemias já enfrentadas no passado, como sarampo, gripes e coqueluche, os indígenas dessa etnia estão se refugiando no interior da floresta amazônica para se afastar do risco de contrair a Covid-19, a doença que causa uma pandemia no mundo e é responsável pela morte de um jovem da etnia.

A Terra Indígena Yanomami tem 9.664.975 hectares, localizada entre os estados do Amazonas e Roraima. São 380 comunidades e uma população de 28.148 pessoas, segundo a Secretaria Especial de Saúde Indígena, do Ministério da Saúde. A nova invasão de garimpeiros, que é um risco eminente da disseminação do novo coronavírus no território, foi denunciada pelo líder Davi Kopenawa Yanomami, em 2019.

Na comunidade Maturacá, localizada em São Gabriel da Cachoeira, no noroeste do Amazonas, pelo menos 12 famílias partiram para o interior da floresta. Outros grupos familiares se preparam para seguir o mesmo caminho. “O nosso povo Yanomami está alerta. A hora que chega em São Gabriel essa doença, vamos nos deslocar e estamos fazendo farinhada para a gente se isolar os 40 dias no mato. E a hora que tiver três casos, quatro casos, não vai ficar ninguém na comunidade. Só vai ficar pelotão, missão. Só isso que vai estar aqui na comunidade”, diz José Góes.

Assembleia para discutir turismo no Pico da Neblina, em Maturacá
(Foto: João Claudio Moreira/Amazônia Real)

Em Boa Vista, capital de Roraima, o vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, Dario Vitório Kopenawa explica que esse movimento de isolamento no interior da floresta amazônica não é uma tarefa fácil para os Yanomami. Muitas das comunidades se fixaram perto de locais onde há posto de saúde. É por isso que há divisão entre quem se refugiou na floresta e quem permaneceu na comunidade. “Algumas minorias foram para o isolado. A maioria ainda está na comunidade, ficando isolado na maloca”, explica.

Dario acompanha a movimentação dos Yanomami para dentro da floresta, recebendo informações via radiofonia, da sede da Hutukara, e relata que a ida para o mato vem acontecendo no Marauiá (região do Rio Marauiá); Parawa-u e Demini, todos no Amazonas. Em Roraima, é o subgrupo Ninam que segue a mesma estratégia. A família de Dario – inclusive seu pai, a liderança e xamã Yanomami Davi Kopenawa -, está na região Demini, buscando proteção na floresta.

Também via rádio, o vice-presidente da Hutukara tem notícias de que os xamãs vêm trabalhando na tentativa de conhecer a doença. “Pandemia coronavírus para nós é xawara. Os Yanomami pajés e médicos da floresta estão trabalhando reconhecendo essa doença. Assim os xamãs me falaram”, diz Dario Kopenawa. 

O isolamento em São Gabriel

Fiscais orientam população em São Gabriel da Cachoeira na terça-feira, 28 de abri
(Foto: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real)

A viagem da sede de São Gabriel da Cachoeira para Maturacá leva cerca de 10 horas, dependendo das condições da estrada e de navegação pelo Rio Negro e seus afluentes. No domingo (26), a prefeitura do município confirmou os dois primeiros casos de coronavírus e, no dia seguinte, houve a confirmação outros dois. É grande a possibilidade de já estar havendo a transmissão comunitária. Desses quatro pacientes, três são indígenas e um é militar do Exército.

José Mário Góes, presidente da Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca), está em Maturacá e respondeu à reportagem da Amazônia Real por meio da mensagem de áudio de WhatsApp. O acesso à internet é possível porque durante parte do dia eles conseguem captar o sinal pela proximidade com o 5º Pelotão Especial de Fronteira do Exército.

“Quando uma família vai, outras famílias vão, a vizinhada vai. Porque na comunidade somos todos parentes, então eles levaram toda a família”, disse a liderança indígena. Cada grupo está construindo pequenos abrigos para morar por cerca de 40 dias. Além de se manterem com frutas, caça e pesca, levam alimentos. Se for necessário, voltam à comunidade para reforçar os mantimentos. “Levaram alimentos principais como farinha, banana, tapioca, beiju, e também café, açúcar, arroz, feijão e materiais de caça e pesca. E quando acaba os alimentos eles vêm buscar banana, pegar estoque de farinha”, relata Góes.

“Deixar as casas e ficar por um tempo na floresta é uma estratégia que algumas famílias já estão fazendo. Diferente de nós que estamos enfrentando pela primeira vez uma epidemia, os Yanomami têm experiências recentes que dizimaram comunidades inteiras e os sobreviventes foram os que se isolaram no mato”, explica o assessor do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental (ISA), Marcos Wesley de Oliveira.

Essa estratégia pode ser comparada ao isolamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Ministério da Saúde, aponta Marcos Wesley. “Os Yanomami sabem que até o momento não há remédio ou vacina eficazes contra a Covid-19”, reforça.

O município de São Gabriel da Cachoeira tem uma população de mais de 45 mil habitantes, a maioria indígenas de 23 etnias, segundo a taxa atualizada do Censo do IBGE. Desse total, 25 mil moram nas aldeias e comunidades, em territórios demarcados, segundo a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn). 

Para evitar que os indígenas de Maturacá, cuja população total é de cerca de 2.000 pessoas, façam a viagem até São Gabriel para fazer compras, o ISA e a Foirn enviam cestas básicas e kits de higiene para a comunidade. Esse material será levado por avião do Exército, segundo protocolo de higienização e distribuição para evitar a contaminação da Covid-19. 

Em artigo publicada na Amazônia Real, o antropólogo francês Bruce Albert citou um trecho do livro A queda do Céu, escrito em conjunto por ele e pelo xamã e líder Davi Kopenawa Yanomami, para falar sobre a morte do jovem, em Boa Vista. O adolescente foi sepultado sem o conhecimento dos pais e sem o respeito aos rituais de seu povo. Ao tratar do tema funeral, o antropólogo sugeriu ao leitor “reler A queda do Céu, pp. 267-68, onde Davi Kopenawa conta como sua mãe morreu numa epidemia de sarampo trazida pelos missionários da Novas Tribos do Brasil (aliás, Ethnos360) e como estes sepultaram o cadáver à revelia num lugar até hoje desconhecido: Por causa deles, nunca pude chorar a minha mãe como faziam nossos antigos. Isso é uma coisa muito ruim. Causou-me um sofrimento muito profundo, e a raiva desta morte fica em mim desde então. Foi endurecendo com o tempo, e só terá fim quando eu mesmo acabar. ”

Bruce Albert, que trabalha com os Yanomami desde 1975, também escreveu em sua rede social sobre a saúde do adolescente Yanomami, de 15 anos, da aldeia Helepe, no Rio Uraricoera (RR), antes dele morrer vítima da Covid-19.

O alerta das epidemias do passado

Movimento nas ruas de São Gabriel da Cachoeira na manhã de segunda-feira (27/04/2020) (Foto: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Real)

A morte do adolescente Yanomami despertou o temor desse povo, inclusive em Maturacá. “Essa morte traz alerta para que isso não acabe com povo Yanomami. Como aconteceu na região do Irokae, morrendo adultos, jovens e crianças, os idosos, como aconteceu isso não queremos que aconteça mais. Por isso estamos alerta por aqui”, afirma José Mário Góes.

Irokae é o primeiro acampamento para o Pico da Neblina, denominado pelos Yanomami de Yaripo, a Montanha de Vento. Essa trilha seria reaberta para o turismo em abril, mas foi adiada devido à pandemia. Anos atrás, na tentativa de fugir da coqueluche, os grupos seguiram por esse caminho, mas alguns acabaram morrendo.

“Essa doença de agora, o coronavírus, aqui em Maturacá, representa epidemia de coqueluche como aconteceu na região de Irokae. O que está acontecendo com os napë (forasteiro, homem branco), isso já aconteceu aqui para nós Yanomami na região do Irokae, onde fica a trilha do Yaripo”, relata José Mário. “Nossos avós já tiveram outra doença, como epidemia de coqueluche, que matou muitas crianças e os mais velhos. Eles não querem que repita essa história. Morreu até um pajé nessa epidemia. Então como fizeram agora, eles foram para a floresta, na região do frio, chegaram até lá no pico. É lá que ficam os restos mortais dos nossos parentes e por isso que nós falamos que temos histórias no caminho do Yaripo”, relata José Góes.

Outro problema enfrentado no passado foi o sarampo. “Aqui na comunidade, em Maturacá, onde está situado o polo base de saúde. Então era um xapono (casa coletiva) onde tivemos epidemia de sarampo. Também nós fizemos o movimento como estamos fazendo hoje aqui, mas não teve jeito. Pessoas fugiram, mas teve óbito nas crianças. Morreu muita criança e adulto. É a mesma história que eles não querem que repita. ”

Para os Yanomami, o vírus é um tipo de envenenamento. “Nós observamos que o próprio napë faz envenenamento no ser humano para dizer que é vírus. Isso é epidemia, é um vírus que afeta qualquer ser humano e acaba com a vida do ser humano. Isso tem na nossa realidade como aconteceu com nossos antepassados o que está acontecendo hoje no mundo inteiro. Até no Brasil e no exterior”, diz José Góes.

Em busca de proteção, os Yanomami recorrem a ensinamentos de seus antepassados. Após a confirmação dos casos em São Gabriel, as lideranças tradicionais iniciaram a chamada “recura’ para que a doença saia do lugar e seja levada pelo vento para onde não tem ser humano.

Expedição Yanomami Okrapomai (Christian Braga/ Midia Ninja/2014)

*Este texto foi atualizado em 29/04/2020 às 11h27 para corrigir o número da população Yonomami.