>FOME: Cúpula sem agricultores, sem prazos e sem números

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Por Sabina Zaccaro, da IPS – Revista Envolverde
17/11/2009 – 11h11

Roma, 17/11/2009 – Os agricultores do mundo não são parte das delegações oficiais enviadas à Cúpula Mundial sobre a Segurança Alimentar, iniciada nesta segunda-feira (16) em Roma. Mas, se acertaram para chegar e expressar seus pontos de vista. Suas comunidades são as que mais sofrem o impacto da crise alimentar. Pequenos produtores da selva amazônica, da África, das ilhas do Pacífico e do Himalaia se reuniram na capital italiana por ocasião do Fórum pela Soberania alimentar dos Povos, que começou sexta-feira e termina hoje, paralelamente à cúpula da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).

O objetivo do fórum foi debater sobre os sérios efeitos da crise nas comunidades agrícolas e camponesas. Os pequenos agricultores e outros pequenos produtores de alimentos representam mais de 1,5 bilhão de pessoas no mundo, estima o fórum da sociedade civil. “Produzem mais de 75% das necessidades alimentares do mundo mediante a agricultura camponesa e a pequena produção pecuária, além da pesca artesanal”, disseram os organizadores. Segundo a FAO, a quantidade de pessoas famintas no mundo aumentou este ano para 1,020 bilhão, devido à crise econômica mundial aos elevados preços dos alimentos e dos combustíveis, às secas e aos conflitos.

“A quantidade de famintos anunciada pela FAO inclui, em grande parte, os que produzem alimentos. E isto representa o aspecto mais incrível da fome”, disse à IPS Antonio Onorati, do Comitê Internacional de Planejamento da Sociedade Civil. Os conhecimentos e as práticas indígenas têm o potencial de melhorar a segurança alimentar local e mundial, mas ainda não são reconhecidos, de acordo com as organizações de produtores.

Por estes dias, as questões-chave sobre a mesa das entidades de agricultores e camponeses têm a ver com quem decide as políticas alimentares e agrícolas, onde são tomadas estas decisões, quem controla os recursos para produzir alimentos, como estes são obtidos e como ajudar as pessoas que não têm acesso diretamente a eles, isto é, os pobres das cidades. Os resultados de seu trabalho serão apresentados no fechamento da cúpula da FAO, amanhã.

Segundo Renée Vellvé, da organização não-governamental internacional Grain, o acesso e o direito à terra deveriam ser uma prioridade. “A atual tendência à compra e apropriação de terras se manifesta em países que têm dinheiro, mas dependem de compras no exterior para se alimentar, como Arábia Saudita, Coréia do Sul e outros. Vão à África e à Ásia para conseguir terras de cultivo a fim de produzir seus próprios alimentos no exterior”, disse Vellvé à IPS. “As companhias investidoras estão tentando fazer o mesmo apenas para ganhar dinheiro, por isso se vê governos e indústrias sacando os agricultores de suas terras, especialmente onde a posse não é segura. Isto afeta primeiro as mulheres, sobretudo na África”, acrescentou.

Nettie Wiebem, da rede internacional de movimentos e organizações rurais Via Camponesa, concorda que é fundamental devolver as terras aos pequenos agricultores. “É obvio, mas se esquece, que a produção de alimentos é absolutamente necessária para a segurança alimentar, ou seja, que os agricultores que produzem alimentos os coloquem no mercado”, disse à IPS. “Mas, agora estamos cada vez mais longe de nossos alimentos, particularmente nas nações em desenvolvimento, a ponto de a parte do produtor se esquecida, e, de fato, apagada por uma produção industrial corporativa”, acrescentou.

Segundo Wiebe, a agricultura e os mercados locais podem, inclusive, esfriar o planeta. “Uma reforma agrária real e genuína, adiada durante décadas, faria muito mais pelo clima do que qualquer acordo que possa resultar das próximas negociações em Copenhague”, afirmou. O especialista referia-se à 15ª Conferência sobre Mudança Climática que acontecerá de 7 a 18 de dezembro na capital dinamarquesa.

Vellvé afirmou que as organizações de agricultores já não acreditam nos códigos de conduta, pautas e princípios discutidos na FAO. “O problema é até onde pressionarão, e como se situam os governos”, disse. Assim, além dos recursos econômicos, o que os pequenos produtores pedem é uma mudança na tomada de decisões que afetam suas vidas. “Isto só pode acontecer se a comunidade local tem um papel nas decisões e se tem acesso e controle sobre os recursos produtivos locais”, afirmou Onorati.

O diretor-geal da FAO, Jacques Diouf – que no final de semana fez jejum de 24 horas em solidariedade aos que passam fome no mundo – pediu aos países ricos que aumentem a quantia que destinam anualmente à assistência agrícola de US$ 7,9 bilhões para US$ 44 bilhões. Mas o texto da declaração da cúpula já perdeu a cifra concreta de US$ 44 bilhões e a proposta da FAO de introduzir um compromisso com prazo preciso, no ano de 2025, para erradicar a fome no mundo.

“O texto é positivo quanto ao direito à alimentação, à promoção da agricultura sustentável e ao Comitê de Segurança Alimentar”, disse a ativista Sarah Gillam, da organização humanitária ActionAid, referindo-se ao corpo da FAO que está sendo reformado para ampliar a participação a novos atores e promover seu papel no combate à fome. Mas a declaração carece de “dentes’, dsse Gillam. Os Estados se comprometem a cumprir a meta do milênio de reduzir pela metade a população faminta até 2015 e prometem “agir de forma sustentada para erradicar a fome o mais rápido possível”.

A declaração inclui promessas de “elevar substancialmente a ajuda ao desenvolvimento destinada à agricultura e à segurança alimentar”. Mas, sem prazos e sem números, “este é um documento desprovido de instrumentos concretos para uma luta efetiva contra a fome”, disse Sergio Marelli, presidente do grupo assessor da sociedade civil na cúpula. (IPS/Envolverde)

* Com a contribuição de Paul Virgo (Roma).