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Coronavírus anuncia revolução no modo de vida que conhecemos (Folha de S.Paulo)

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Domenico De Masi – 22.3.2020


[RESUMO] Sociólogo italiano narra situação dramática em seu país e argumenta que as imposições em decorrência da pandemia, como o trabalho em casa, a solidariedade e o papel da esfera pública, demonstram que é possível e desejável mudar a lógica mercadista da economia e criar modos de viver mais racionais e proveitosos para o mundo contemporâneo.

A Itália de onde escrevo, um dos países mais vivazes e alegres do mundo, é hoje apenas um deserto. Cada um dos seus 60 milhões de habitantes acha que é imortal, que o vírus não o tocará, que irá matar não ele mas alguma outra pessoa. Porém, no silêncio do seu coração, cada um sabe que essa ilusão é pueril e que essa pandemia misteriosa, abstrata e tangível ao mesmo tempo, escolhe suas vítimas ao acaso, como numa roleta russa.

Em algum tempo vamos saber se o vírus pode ser debelado ou se nos matará em massa, assim como fez no século passado a famosa gripe espanhola, que matou 1 milhão de pessoas por semana durante 25 semanas seguidas.

Moro há 50 anos no centro de Roma, na rua mais movimentada da cidade, que leva da praça Veneza à Basílica de São Pedro.

Normalmente, essa rua está 24 horas por dia entupida de trânsito, de turistas e peregrinos. Há duas semanas, está muda e deserta. Só de vez em quando ouve-se o grito de uma sirene de ambulância e algum sem-teto passa. A cidade inteira está fantasmagórica como a Los Angeles de “Blade Runner”. Aqui, porém, desapareceram até os replicantes extraterrestres.

Fechados os lugares públicos, as escolas, as fábricas, as lojas, as estações, os portos e os aeroportos, a Itália é agora um país separado do resto da Europa e do mundo. Cada cidade está parada, cada família trancafiada em casa. Quem sai à revelia dos pouquíssimos motivos permitidos é interceptado imediatamente pelas rondas policiais que aplicam penas bastante severas.

Os gregos antigos consideravam que, quando algo é indispensável e todavia impossível, a situação é trágica. Foram necessários 50 dias, milhares de doentes e mortos para que os italianos entendessem que a situação é, enfim, irremediavelmente trágica.

O que significa uma pandemia como essa para Roma, para a Itália, para a humanidade como um todo? Como ela age nas mentes e nos corações de todos nós que, armados com tecnologias poderosas e inteligência artificial, até poucas semanas atrás nos sentíamos os senhores do céu e da terra?

Subitamente nos descobrimos frágeis pigmeus diante da onipotência imaterial de um vírus que, por vias misteriosas, escapou de um morcego chinês para vir matar homens e mulheres em nossas cidades.

A sujeição a um vírus desconhecido, para o qual não há nem cura nem vacina, transformou a Itália numa enorme caserna blindada e os 60 milhões de italianos noutros tantos dóceis soldadinhos empenhados num gigantesco exercício militar no qual estão obrigados a aprender a verdade que antes ignoravam obstinadamente. O que não quer dizer que irão apreendê-la.

Numa Europa onde, até ontem, era permitida a livre circulação de pessoas, mercadorias e dinheiro, agora cada país, em vez de abraçar uma colaboração ainda mais solidária com os demais, tranca suas próprias fronteiras, iludindo-se de forma cínica e infantil que seja possível deter o vírus com barreiras aduaneiras.

Contudo, hoje, mais do que nunca, os soberanismos parecem tentativas fantasiosas contra a globalização. Hoje, mais do que nunca, a difusão da pandemia e sua rápida volta ao mundo demonstraram que deter a globalização é como se opor à força de gravidade. Nosso planeta já é aquela “aldeia global” da qual falava McLuhan, unida por infortúnios e pela vontade de viver, precisando de uma direção unitária, capaz de coordenar a ação sinérgica de todos os povos que desejam se salvar. Nessa aldeia global, nenhum homem, nenhum país é uma ilha.

Talvez tenhamos aprendido que o caso agora é de vida ou morte e que ninguém pode enfrentar sozinho um vírus tão ardiloso e potente. Por isso, são necessários recursos, inteligências, competências, ações e instituições coletivas. Coordenação e coesão geral. É necessária uma cabine de comando, um governo competente que tenha autoridade, uma equipe formada por um vértice político de grande inteligência e apoiada pelos máximos representantes das ciências médicas, da economia, da sociologia, da psicologia social e da comunicação.

Talvez tenhamos aprendido que os fatos e os dados devem prevalecer sobre as opiniões, a competência reconhecida deva prevalecer sobre o simples bom senso, a prudência e a gradualidade das intervenções devem prevalecer às tomadas de decisões arrogantes e à improvisação imprudente. Por outro lado, é necessário tolerar os erros de quem possui a responsabilidade terrível de tomar decisões, líder que deve ser generosamente amparado para que sejam melhoradas.

Talvez tenhamos aprendido que, perante um vírus desconhecido, assim como diante de um problema complexo, as decisões sobre a pandemia não apenas devem ser tomadas pelas pessoas competentes mas também ser comunicadas de forma unívoca, com autoridade, prontamente, de forma abrangente e clara. Todo o alarmismo, todo o exagero, toda a subestimação é terrível porque confunde as ideias e nos faz perder um tempo precioso. Carência e excesso de informações são parâmetros nocivos. Talk shows superficiais e fake news delirantes levam ao cinismo e à desumanização.

Talvez tenhamos aprendido que, nos países civilizados, o bem-estar é uma conquista irrenunciável. Por sorte e pela sabedoria dos nossos pais, a Constituição italiana de 1948 considera a saúde como um direito fundamental de cada ser humano. Já a reforma sanitária de 1978 instituiu um serviço nacional universal que considera a saúde não como meramente a ausência de doença, mas como o bem-estar físico, psíquico e social completo.

Graças a esse regime de saúde, todos os residentes (e também os turistas) fruem dos cuidados médicos sem qualquer custo. Isso nos possibilitou descobrir e curar prontamente os contágios e reduzir o número de mortes.

No país mais rico e mais poderoso do mundo, os EUA, onde o bem-estar é estupidamente mortificado, os suspeitos de Covid-19 precisam desembolsar o equivalente a 1.200 euros pelo teste. O vírus corona, ao se difundir, causaria uma verdadeira hecatombe entre 90 milhões de estadunidenses que, desprovidos de seguro-saúde, seriam cinicamente rejeitados pelos hospitais.

A propaganda neoliberal, que se alastrou sob a bandeira insana de Reagan e Thatcher, desacreditou tudo o que é público em favor do setor privado. Porém, pelo contrário, nessas semanas trágicas, a reação eficiente dos hospitais e dos funcionários públicos diante do surgimento da pandemia nos ensinou que a nossa saúde pública, da mesma forma que outras funções públicas, dispõe, muito mais do que o setor privado, de pessoas preparadas profissionalmente, motivadas e generosas até o heroísmo.

Toda noite, às 18h, todas as janelas da Itália se escancaram e cada um canta ou toca o hino nacional para agradecer aos médicos e a todos os profissionais da saúde.

A pandemia está nos ensinando que o pensamento de Keynes permanece precioso. Em 1980, o prêmio Nobel Robert Lucas Jr. observou: “Não é possível encontrar nenhum bom economista com menos de 40 anos que se diga ‘keynesiano’. Nas universidades, as teorias keynesianas não são levadas a sério e provocam sorrisinhos de superioridade”.

Hoje, essa crise histórica, com seus mortos e com suas tragédias, se porum lado nos leva à recessão, por outro nos lembra que, para evitar uma crise irreparável, em vez de políticas de austeridade, é preferível dar lugar aos investimentos públicos maciços e “open-ended”, ainda que isso leve ao déficit público.

Talvez tenhamos aprendido tudo isso e várias outras coisas com aquilo que ocorreu fora do recinto doméstico, isto é, entre o governo e todo o povo do país. Entretanto, hoje, a nossa vida está segregada entre as paredes domésticas. Todos estão restritos entre as quatro paredes da própria casa: não só as famílias que vivem em harmonia e acordo, mas também os solitários, os casais em crise e os núcleos familiares em que o diálogo entre pais e filhos há muito tempo andava claudicante.

A sociedade industrial nos habituara a separar o local de trabalho do local de vida, nos fazendo passar a maior parte do nosso tempo com chefes e colegas nas empresas: os que a sociologia chama de grupos “secundários”, frios, formais, nos quais as relações são quase exclusivamente profissionais. Uma parte mínima do nosso tempo nos via reunidos em família ou com os amigos, ou seja, com grupos “primários”, calorosos, informais, envolventes.

De repente, o descanso compulsório em casa nos obrigou de forma inédita ao isolamento total, a uma convivência forçada que para alguns parece agradável e tranquilizadora, mas que para outros é invasiva e até opressora. Os mais sortudos conseguem transformar o ócio depressivo em ócio criativo, conjugando a leitura, o estudo, o lúdico com a parcela de trabalho que é possível desempenhar em regime de “smart working”.

Sabíamos teoricamente que essa modalidade de trabalho à distância permite aos trabalhadores uma preciosa economia de tempo, dinheiro, stress e alienação; e às empresas, evita os microconflitos, despesas na manutenção do local de trabalho e promove incremento da eficiência, recuperando de 15 a 20% da produtividade; à coletividade, evita a poluição, o entupimento de trânsito e despesas de manutenção das estradas.

Agora que 10 milhões de italianos, forçados pelo vírus, rapidamente adotaram o teletrabalho, minimizando seu sentimento de inutilidade e os danos à economia nacional, nos perguntamos por que as empresas não haviam adotado antes uma forma de organização tão eficaz e enxuta. A resposta está naquilo que os antropólogos definem como “cultural gap” —lacuna cultural— das empresas, dos sindicatos, dos chefes.

O tempo livre que, até um mês atrás, nos parecia um luxo raro, hoje abunda. O espaço, que nas cidades vazias se dilatou, por sua vez falta nas casas. Por isso, estamos apreciando a ajuda que nos chega da internet, graças à qual, mesmo permanecendo forçosamente distantes, é possível nos reunirmos virtualmente, nos informarmos, nos confrontarmos, nos encorajarmos.

Nessa reclusão, os jovens têm a maior vantagem, graças à sua facilidade com os computadores, enquanto os velhos têm mais vantagem por serem mais independentes, mais acostumados a estar em casa, fazendo pequenos trabalhos e jogos sedentários, contentando-se com a televisão.

Em todos se insinua o medo de que, mais cedo ou mais tarde, possa terminar o abastecimento dos mantimentos. O colapso da economia torna-se cada vez mais inevitável, já que tanto a produção como o consumo encontram-se bloqueados.

Há alguns anos, Kennet Building, um dos pais da teoria geral dos sistemas, comentando a sociedade opulenta, afirmou: “Quem acredita na possibilidade do crescimento infinito num mundo finito ou é louco ou é economista”. E Serge Latouche acrescentou: “O drama é que agora somos todos mais ou menos economistas. Aonde estamos nos encaminhando? Diretamente contra um muro. Estamos a bordo de um bólido sem piloto, sem marcha a ré e sem freios que irá se chocar contra os limites do planeta”. Latouche propõe abandonar a sociedade de consumo com um decrescimento planificado, progressivo e sereno.

A marcha a ré e os freios que a cultura neoliberal se recusou obstinadamente a usar agora foram desencadeados: não graças a uma revolução violenta, mas sim a um vírus invisível que um morcego soprou sobre a sociedade opulenta, obrigando-a a se repensar.

“A Peste” (1947), obra-prima profética de Albert Camus, talvez possa nos ajudar nesse repensar. Naquele romance, a ciência era protagonista, ou seja, o médico Bernardo Rieux, ocupado até o fim, como médico e como homem, de socorrer os contagiados, enquanto “o cheiro de morte emburrecia todos os que não matava”.

Hoje, nós também, como o nosso tão humano irmão Rieux, estamos presos num limbo entre o pesar e a esperança, no qual temos que aprender que “a peste pode vir e ir embora sem que o coração do homem seja modificado”; que “o bacilo da peste não morre nem desaparece nunca, que pode permanecer adormecido por décadas nos móveis e nas roupas, que espera pacientemente nos quartos, nas adegas, nas malas, nos lenços e nos papéis, que talvez chegue o dia em que, infortúnio ou lição aos homens, a peste acordará seus ratos para mandá-los morrer numa cidade feliz”.


Domenico De Masi, sociólogo italiano, é autor dos livros “Ócio Criativo” e “O Futuro do Trabalho”.

Tradução de Francesca Cricelli.

Texto original

Coronavírus: Médicos defendem ‘abordagem cirúrgica’ em vez de lockdown indefinido (Brazil Journal)

Geraldo Samor e Pedro Arbex – 22.03.2020


Thomas Friedman, um dos colunistas mais influentes do mundo, ouviu três médicos e escreveu o artigo mais contundente até agora sobre o risco do lockdown global se estender por muito tempo.

No texto, publicado hoje à tarde no The New York Times, Friedman nota que os políticos estão tendo que tomar “decisões enormes de vida ou morte, enquanto atravessam uma neblina com informação imperfeita e todo mundo no banco de trás gritando com eles. Eles estão fazendo o melhor que podem.”

Mas com o desemprego se alastrando pelo mundo tão rápido quanto o vírus, “alguns especialistas estão começando a questionar: ‘Espera um minuto! O que estamos fazendo com nós mesmos? Com nossa economia? Com a próxima geração? Será que essa cura — mesmo que por um período curto — será pior que a doença?’”

Friedman diz que as lideranças políticas estão ouvindo o conselho de epidemiologistas sérios e especialistas em saúde pública. Ainda assim, ele diz que o mundo tem que ter cuidado com o “pensamento de grupo” e que até “pequenas escolhas erradas podem ter grandes consequências.”

Para ele, a questão é como podemos ser mais cirúrgicos na resposta ao vírus de forma a manter a letalidade baixa e ao mesmo tempo permitir que as pessoas voltem ao trabalho o mais cedo possível e com segurança.

Friedman diz que “se a minha caixa de email for alguma indicação, uma reação mais inteligente está começando a brotar.”

Ele cita um artigo publicado semana passada pelo Dr. John P. A. Ioannidis, um epidemiologista e co-diretor do Centro de Inovação em Meta-Pesquisa de Stanford. No artigo, Ioannidis diz que a comunidade científica ainda não sabe exatamente qual é a taxa de mortalidade do coronavírus. Segundo ele, “as evidências disponíveis hoje indicam que a letalidade pode ser de 1% ou ainda menor.”

“Se essa for a taxa verdadeira, paralisar o mundo todo com implicações financeiras e sociais potencialmente tremendas pode ser totalmente irracional. É como um elefante sendo atacado por um gato doméstico. Frustrado e tentando fugir do gato, o elefante acidentalmente pula do penhasco e morre.”

Friedman também cita o Dr. Steven Woolf, diretor emérito do Centro Sobre a Sociedade e Saúde da Universidade da Virgínia, para quem o lockdown “pode ser necessário para conter a transmissão comunitária, mas pode prejudicar a saúde de outras formas, custando vidas.”

“Imagine um paciente com dor no peito ou sofrendo um derrame — casos em que a rapidez de resposta é essencial para salvar vidas — hesitando em chamar o serviço de emergência por medo de pegar coronavírus. Ou um paciente de câncer tendo que adiar sua quimioterapia porque a clínica está fechada.”

Friedman complementa: “Imagine o estresse e a doença mental que virá — já está vindo — de termos fechado a economia, gerando desemprego em massa.”

Woolf, o médico da Virgínia, afirma no artigo que a renda é uma das variáveis mais fortes a afetar a saúde e a longevidade. “Os pobres, que já sofrem há gerações com taxas de mortalidade mais altas, serão os mais prejudicados e provavelmente os que receberão menos ajuda. São as camareiras dos hotéis fechados e as famílias sem opções quando o transporte público fecha.”

Há outro caminho?, pergunta Friedman.

Para ele, a melhor ideia até agora veio do Dr. David Katz, diretor do Centro de Prevenção e Pesquisa da Universidade de Yale e um especialista em saúde pública e medicina preventiva.

Num artigo publicado sexta-feira no The New York Times, o Dr. Katz diz que há três objetivos neste momento: salvar tantas vidas quanto possível, garantindo que o sistema de saúde não entre em colapso, “mas também garantir que no processo de atingir os dois primeiros objetivos não destruamos nossa economia e, como resultado disso, ainda mais vidas.”

Como fazer isso?

Katz diz que o mundo tem que pivotar da estratégia de “interdição horizontal” que estamos empregando agora — restringindo o movimento e o comércio de toda a população, sem considerar a variância no risco de infecção severa — para uma estratégia mais “cirúrgica”, ou de “interdição vertical”.

“A abordagem cirúrgica e vertical focaria em proteger e isolar os que correm maior risco de morrer ou sofrer danos de longo prazo — isto é, os idosos, pessoas com doenças crônicas e com baixa imunidade — e tratar o resto da sociedade basicamente da mesma forma que sempre lidamos com ameaças mais familiares como a gripe.”

Katz sugere que o isolamento atual dure duas semanas, em vez de um período indefinido. Para os infectados, os sintomas aparecerão nesse período. “Aqueles que tiverem uma infecção sintomática devem se auto-isolar em seguida, com ou sem testes, que é exatamente o que fazemos com a gripe. Quem não estiver sintomático e fizer parte da população de baixo risco deveria voltar ao trabalho ou a escola depois daquelas duas semanas.”

“O efeito rejuvenescedor na alma humana e na economia — de saber que existe luz no fim do túnel — é difícil de superestimar. O risco não será zero, mas o risco de acontecer algo ruim com qualquer um de nós em qualquer dia da nossa vida nunca é zero.”

SAIBA MAIS

O custo econômico do shutdown global (e a busca por alternativas)

Texto original

O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã, segundo o filósofo Byung-Chul Han (El País)

Países asiáticos estão lidando melhor com essa crise do que o Ocidente. Enquanto lá se trabalha com dados e máscaras, aqui se chega tarde e fecham fronteiras

Byung-Chul Han – 22 mar 2020 – 20:01 BRT

Um oficial de polícia vigia diante de um cartaz dia 23 de janeiro em Pequim.
Um oficial de polícia vigia diante de um cartaz dia 23 de janeiro em Pequim.Kevin Frayer/Getty Images

O coronavírus está colocando nosso sistema à prova. Ao que parece a Ásia controla melhor a epidemia do que a Europa. Em Hong Kong, Taiwan e Singapura há poucos infectados. Em Taiwan foram registrados 108 casos e 193 em Hong Kong. Na Alemanha, pelo contrário, após um período muito mais breve já existem 19.000 casos confirmados, e na Espanha 19.980 (dados de 20 de março). A Coreia do Sul já superou a pior fase, da mesma forma que o Japão. Até a China, o país de origem da pandemia, já está com ela bem controlada. Mas Taiwan e a Coreia não decretaram a proibição de sair de casa e as lojas e restaurantes não fecharam. Enquanto isso começou um êxodo de asiáticos que saem da Europa. Chineses e coreanos querem regressar aos seus países, porque lá se sentem mais seguros. Os preços dos voos multiplicaram. Já quase não é possível conseguir passagens aéreas para a China e a Coreia.

A Europa está fracassando. Os números de infectados aumentam exponencialmente. Parece que a Europa não pode controlar a pandemia. Na Itália morrem diariamente centenas de pessoas. Retiram os respiradores dos pacientes idosos para ajudar os jovens. Mas também vale observar ações inúteis. Os fechamentos de fronteiras são evidentemente uma expressão desesperada de soberania. Nós nos sentimos de volta à época da soberania. O soberano é quem decide sobre o estado de exceção. É o soberano que fecha fronteiras. Mas isso é uma vã tentativa de soberania que não serve para nada. Seria muito mais útil cooperar intensamente dentro da Eurozona do que fechar fronteiras alucinadamente. Ao mesmo tempo a Europa também decretou a proibição da entrada a estrangeiros: um ato totalmente absurdo levando em consideração o fato de que a Europa é justamente o local ao qual ninguém quer ir. No máximo, seria mais sensato decretar a proibição de saídas de europeus, para proteger o mundo da Europa. Depois de tudo, a Europa é nesse momento o epicentro da pandemia.

As vantagens da Ásia

Em comparação com a Europa, quais vantagens o sistema da Ásia oferece que são eficientes para combater a pandemia? Estados asiáticos como o Japão, Coreia, China, Hong Kong, Taiwan e Singapura têm uma mentalidade autoritária, que vem de sua tradição cultural (confucionismo). As pessoas são menos relutantes e mais obedientes do que na Europa. Também confiam mais no Estado. E não somente na China, como também na Europa e no Japão a vida cotidiana está organizada muito mais rigidamente do que na Europa. Principalmente para enfrentar o vírus os asiáticos apostam fortemente na vigilância digital. Suspeitam que o big data pode ter um enorme potencial para se defender da pandemia. Poderíamos dizer que na Ásia as epidemias não são combatidas somente pelos virologistas e epidemiologistas, e sim principalmente pelos especialistas em informática e macrodados. Uma mudança de paradigma da qual a Europa ainda não se inteirou. Os apologistas da vigilância digital proclamariam que o big data salva vidas humanas.

A consciência crítica diante da vigilância digital é praticamente inexistente na Ásia. Já quase não se fala de proteção de dados, incluindo Estados liberais como o Japão e a Coreia. Ninguém se irrita pelo frenesi das autoridades em recopilar dados. Enquanto isso a China introduziu um sistema de crédito social inimaginável aos europeus, que permitem uma valorização e avaliação exaustiva das pessoas. Cada um deve ser avaliado em consequência de sua conduta social. Na China não há nenhum momento da vida cotidiana que não esteja submetido à observação. Cada clique, cada compra, cada contato, cada atividade nas redes sociais são controlados. Quem atravessa no sinal vermelho, quem tem contato com críticos do regime e quem coloca comentários críticos nas redes sociais perde pontos. A vida, então, pode chegar a se tornar muito perigosa. Pelo contrário, quem compra pela Internet alimentos saudáveis e lê jornais que apoiam o regime ganha pontos. Quem tem pontuação suficiente obtém um visto de viagem e créditos baratos. Pelo contrário, quem cai abaixo de um determinado número de pontos pode perder seu trabalho. Na China essa vigilância social é possível porque ocorre uma irrestrita troca de dados entre os fornecedores da Internet e de telefonia celular e as autoridades. Praticamente não existe a proteção de dados. No vocabulário dos chineses não há o termo “esfera privada”.

Na China existem 200 milhões de câmeras de vigilância, muitas delas com uma técnica muito eficiente de reconhecimento facial. Captam até mesmo as pintas no rosto. Não é possível escapar da câmera de vigilância. Essas câmeras dotadas de inteligência artificial podem observar e avaliar qualquer um nos espaços públicos, nas lojas, nas ruas, nas estações e nos aeroportos.

Toda a infraestrutura para a vigilância digital se mostrou agora ser extremamente eficaz para conter a epidemia. Quando alguém sai da estação de Pequim é captado automaticamente por uma câmera que mede sua temperatura corporal. Se a temperatura é preocupante todas as pessoas que estavam sentadas no mesmo vagão recebem uma notificação em seus celulares. Não é por acaso que o sistema sabe quem estava sentado em qual local no trem. As redes sociais contam que estão usando até drones para controlar as quarentenas. Se alguém rompe clandestinamente a quarentena um drone se dirige voando em sua direção e ordena que regresse à sua casa. Talvez até lhe dê uma multa e a deixe cair voando, quem sabe. Uma situação que para os europeus seria distópica, mas que, pelo visto, não tem resistência na China.

Na China e em outros Estados asiáticos como a Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura, Taiwan e Japão não existe uma consciência crítica diante da vigilância digital e o big data. A digitalização os embriaga diretamente. Isso obedece também a um motivo cultural. Na Ásia impera o coletivismo. Não há um individualismo acentuado. O individualismo não é a mesma coisa que o egoísmo, que evidentemente também está muito propagado na Ásia.

Ao que parece o big data é mais eficaz para combater o vírus do que os absurdos fechamentos de fronteiras que estão sendo feitos nesses momentos na Europa. Graças à proteção de dados, entretanto, não é possível na Europa um combate digital do vírus comparável ao asiático. Os fornecedores chineses de telefonia celular e de Internet compartilham os dados sensíveis de seus clientes com os serviços de segurança e com os ministérios de saúde. O Estado sabe, portanto, onde estou, com quem me encontro, o que faço, o que procuro, em que penso, o que como, o que compro, aonde me dirijo. É possível que no futuro o Estado controle também a temperatura corporal, o peso, o nível de açúcar no sangue etc. Uma biopolítica digital que acompanha a psicopolítica digital que controla ativamente as pessoas.

É possível que no futuro o Estado controle também a temperatura corporal, o peso, o nível de açúcar no sangue

Em Wuhan se formaram milhares de equipes de pesquisa digitais que procuram possíveis infectados baseando-se somente em dados técnicos. Tendo como base, unicamente, análises de macrodados averiguam os que são potenciais infectados, os que precisam continuar sendo observados e eventualmente isolados em quarentena. O futuro também está na digitalização no que se refere à pandemia. Pela epidemia talvez devêssemos redefinir até mesmo a soberania. É soberano quem dispõe de dados. Quando a Europa proclama o estado de alarme e fecha fronteiras continua aferrada a velhos modelos de soberania.

Não somente na China, como também em outros países asiáticos a vigilância digital é profundamente utilizada para conter a epidemia. Em Taiwan o Estado envia simultaneamente a todos um SMS para localizar as pessoas que tiveram contato com infectados e para informar sobre os lugares e edifícios em que existiram pessoas contaminadas. Já em uma fase muito inicial, Taiwan utilizou uma conexão de diversos dados para localizar possíveis infectados em função das viagens que fizeram. Na Coreia quem se aproxima de um edifício em que um infectado esteve recebe através do “Corona-app” um sinal de alarme. Todos os lugares em que infectados estiveram estão registrados no aplicativo. Não são levadas muito em consideração a proteção de dados e a esfera privada. Em todos os edifícios da Coreia foram instaladas câmeras de vigilância em cada andar, em cada escritório e em cada loja. É praticamente impossível se mover em espaços públicos sem ser filmado por uma câmera de vídeo. Com os dados do telefone celular e do material filmado por vídeo é possível criar o perfil de movimento completo de um infectado. São publicados os movimentos de todos os infectados. Casos amorosos secretos podem ser revelados. Nos escritórios do Ministério da Saúde coreano existem pessoas chamadas “tracker” que dia e noite não fazem outra coisa a não ser olhar o material filmado por vídeo para completar o perfil do movimento dos infectados e localizar as pessoas que tiveram contato com eles.

Chineses, todos de máscara, fazem fila no ponto de ônibus em Pequim, em 20 de março.
Chineses, todos de máscara, fazem fila no ponto de ônibus em Pequim, em 20 de março.Kevin Frayer / Getty Images

Uma diferença chamativa entre a Ásia e a Europa são principalmente as máscaras protetoras. Na Coreia quase não existe quem ande por aí sem máscaras respiratórias especiais capazes de filtrar o ar de vírus. Não são as habituais máscaras cirúrgicas, e sim máscaras protetoras especiais com filtros, que também são utilizadas pelos médicos que tratam os infectados. Durante as últimas semanas, o tema prioritário na Coreia era o fornecimento de máscaras à população. Diante das farmácias enormes filas se formaram. Os políticos eram avaliados em função da rapidez com que eram fornecidas a toda a população. Foram construídas a toda pressa novas máquinas para sua fabricação. Por enquanto parece que o fornecimento funciona bem. Há até mesmo um aplicativo que informa em qual farmácia próxima ainda se pode conseguir máscaras. Acho que as máscaras protetoras fornecidas na Ásia a toda a população contribuíram decisivamente para conter a epidemia.

Os coreanos usam máscaras protetoras antivírus até mesmo nos locais de trabalho. Até os políticos fazem suas aparições públicas somente com máscaras protetoras. O presidente coreano também a usa para dar o exemplo, incluindo em suas entrevistas coletivas. Na Coreia quem não a usa é repreendido. Na Europa, pelo contrário, frequentemente se diz que não servem para muita coisa, o que é um absurdo. Por que então os médicos usam as máscaras protetoras? Mas é preciso trocar de máscara frequentemente, porque quando umedecem perdem sua função filtradora. Os coreanos, entretanto, já desenvolveram uma “máscara ao coronavírus” feita de nanofiltros que podem ser lavados. O que se diz é que podem proteger as pessoas do vírus durante um mês. Na verdade, é uma solução muito boa enquanto não existem vacinas e medicamentos.

Está surgindo uma sociedade de duas classes. Quem tem carro próprio se expõe a menos riscos

Na Europa, pelo contrário, até mesmo os médicos precisam viajar à Rússia para consegui-las. Macron mandou confiscar máscaras para distribui-las entre os funcionários da área de saúde. Mas o que acabaram recebendo foram máscaras normais sem filtro com a indicação de que bastariam para proteger do coronavírus, o que é uma mentira. A Europa está fracassando. De que adianta fechar lojas e restaurantes se as pessoas continuam se aglomerando no metrô e no ônibus durante as horas de pico? Como guardar a distância necessária assim? Até nos supermercados é quase impossível. Em uma situação como essa, as máscaras protetoras realmente salvariam vidas humanas. Está surgindo uma sociedade de duas classes. Quem tem carro próprio se expõe a menos riscos. As máscaras normais também seriam de muita utilidade se os infectados as usassem, porque dessa maneira não propagariam o vírus.

Nos países europeus quase ninguém usa máscara. Há alguns que as usam, mas são asiáticos. Meus conterrâneos residentes na Europa se queixam de que são olhados com estranheza quando as usam. Por trás disso há uma diferença cultural. Na Europa impera um individualismo que traz atrelado o costume de andar com o rosto descoberto. Os únicos que estão mascarados são os criminosos. Mas agora, vendo imagens da Coreia, me acostumei tanto a ver pessoas mascaradas que o rosto descoberto de meus concidadãos europeus me parece quase obsceno. Eu também gostaria de usar máscara protetora, mas aqui já não existem.

No passado, a fabricação de máscara, da mesma forma que tantos outros produtos, foi externalizada à China. Por isso agora não se conseguem máscaras na Europa. Os Estados asiáticos estão tentando prover toda a população com máscaras protetoras. Na China, quando também começaram a escassear, fábricas chegaram a ser reequipadas para produzir máscaras. Na Europa nem mesmo os funcionários da área de saúde as conseguem. Enquanto as pessoas continuarem se aglomerando nos ônibus e metrôs para ir ao trabalho sem máscaras protetoras, a proibição de sair de casa logicamente não adiantará muito. Como é possível guardar a distância necessária nos ônibus e no metrô nos horários de pico? E uma lição que deveríamos tirar da pandemia deveria ser a conveniência de voltar a trazer à Europa a produção de determinados produtos, como máscaras protetoras, remédios e produtos farmacêuticos.

O presidente da Coreia do Su, terceiro na imagem, em 25 de fevereiro.
O presidente da Coreia do Su, terceiro na imagem, em 25 de fevereiro.South Korean Presidential Blue House/Getty Images / South Korean Presidential Blue H

Apesar de todo o risco, que não deve ser minimizado, o pânico desatado pela pandemia de coronavírus é desproporcional. Nem mesmo a “gripe espanhola”, que foi muito mais letal, teve efeitos tão devastadores sobre a economia. A que isso se deve na realidade? Por que o mundo reage com um pânico tão desmesurado a um vírus? Emmanuel Macron fala até de guerra e do inimigo invisível que precisamos derrotar. Estamos diante de um retorno do inimigo? A gripe espanhola se desencadeou em plena Primeira Guerra Mundial. Naquele momento todo o mundo estava cercado de inimigos. Ninguém teria associado a epidemia com uma guerra e um inimigo. Mas hoje vivemos em uma sociedade totalmente diferente.

Na verdade, vivemos durante muito tempo sem inimigos. A Guerra Fria terminou há muito tempo. Ultimamente até o terrorismo islâmico parecia ter se deslocado a áreas distantes. Há exatamente dez anos afirmei em meu ensaio Sociedade do Cansaço a tese de que vivemos em uma época em que o paradigma imunológico perdeu sua vigência, baseada na negatividade do inimigo. Como nos tempos da Guerra Fria, a sociedade organizada imunologicamente se caracteriza por viver cercada de fronteiras e de cercas, que impedem a circulação acelerada de mercadorias e de capital. A globalização suprime todos esses limites imunitários para dar caminho livre ao capital. Até mesmo a promiscuidade e a permissividade generalizadas, que hoje se propagam por todos os âmbitos vitais, eliminam a negatividade do desconhecido e do inimigo. Os perigos não espreitam hoje da negatividade do inimigo, e sim do excesso de positividade, que se expressa como excesso de rendimento, excesso de produção e excesso de comunicação. A negatividade do inimigo não tem lugar em nossa sociedade ilimitadamente permissiva. A repressão aos cuidados de outros abre espaço à depressão, a exploração por outros abre espaço à autoexploração voluntária e à auto-otimização. Na sociedade do rendimento se guerreia sobretudo contra si mesmo.

Limites imunológicos e fechamento de fronteiras

Pois bem, em meio a essa sociedade tão enfraquecida imunologicamente pelo capitalismo global o vírus irrompe de supetão. Em pânico, voltamos a erguer limites imunológicos e fechar fronteiras. O inimigo voltou. Já não guerreamos contra nós mesmos. E sim contra o inimigo invisível que vem de fora. O pânico desmedido causado pelo vírus é uma reação imunitária social, e até global, ao novo inimigo. A reação imunitária é tão violenta porque vivemos durante muito tempo em uma sociedade sem inimigos, em uma sociedade da positividade, e agora o vírus é visto como um terror permanente.

Mas há outro motivo para o tremendo pânico. Novamente tem a ver com a digitalização. A digitalização elimina a realidade, a realidade é experimentada graças à resistência que oferece, e que também pode ser dolorosa. A digitalização, toda a cultura do “like”, suprime a negatividade da resistência. E na época pós-fática das fake news e dos deepfakes surge uma apatia à realidade. Dessa forma, aqui é um vírus real e não um vírus de computador, e que causa uma comoção. A realidade, a resistência, volta a se fazer notar no formato de um vírus inimigo. A violenta e exagerada reação de pânico ao vírus se explica em função dessa comoção pela realidade.

Espero que após a comoção causada por esse vírus não chegue à Europa um regime policial digital como o chinês.

A reação de pânico dos mercados financeiros à epidemia é, além disso, a expressão daquele pânico que já é inerente a eles. As convulsões extremas na economia mundial fazem com que essa seja muito vulnerável. Apesar da curva constantemente crescente do índice das Bolsas, a arriscada política monetária dos bancos emissores gerou nos últimos anos um pânico reprimido que estava aguardando a explosão. Provavelmente o vírus não é mais do que a gota que transbordou o copo. O que se reflete no pânico do mercado financeiro não é tanto o medo ao vírus quanto o medo a si mesmo. O crash poderia ter ocorrido também sem o vírus. Talvez o vírus seja somente o prelúdio de um crash muito maior.

Žižek afirma que o vírus deu um golpe mortal no capitalismo, e evoca um comunismo obscuro. Acredita até mesmo que o vírus poderia derrubar o regime chinês. Žižek se engana. Nada disso acontecerá. A China poderá agora vender seu Estado policial digital como um modelo de sucesso contra a pandemia. A China exibirá a superioridade de seu sistema ainda mais orgulhosamente. E após a pandemia, o capitalismo continuará com ainda mais pujança. E os turistas continuarão pisoteando o planeta. O vírus não pode substituir a razão. É possível que chegue até ao Ocidente o Estado policial digital ao estilo chinês. Com já disse Naomi Klein, a comoção é um momento propício que permite estabelecer um novo sistema de Governo. Também a instauração do neoliberalismo veio precedida frequentemente de crises que causaram comoções. É o que aconteceu na Coreia e na Grécia. Espero que após a comoção causada por esse vírus não chegue à Europa um regime policial digital como o chinês. Se isso ocorrer, como teme Giorgio Agamben, o estado de exceção passaria a ser a situação normal. O vírus, então, teria conseguido o que nem mesmo o terrorismo islâmico conseguiu totalmente.

O vírus não vencerá o capitalismo. A revolução viral não chegará a ocorrer. Nenhum vírus é capaz de fazer a revolução. O vírus nos isola e individualiza. Não gera nenhum sentimento coletivo forte. De alguma maneira, cada um se preocupa somente por sua própria sobrevivência. A solidariedade que consiste em guardar distâncias mútuas não é uma solidariedade que permite sonhar com uma sociedade diferente, mais pacífica, mais justa. Não podemos deixar a revolução nas mãos do vírus. Precisamos acreditar que após o vírus virá uma revolução humana. Somos NÓS, PESSOAS dotadas de RAZÃO, que precisamos repensar e restringir radicalmente o capitalismo destrutivo, e nossa ilimitada e destrutiva mobilidade, para nos salvar, para salvar o clima e nosso belo planeta.

Byung-Chul Han é um filósofo e ensaísta sul-coreano que dá aulas na Universidade de Artes de Berlim. Autor, entre outras obras, de ‘Sociedade do Cansaço’, publicou há um ano ‘Loa a la tierra’, na editora Herder.

Texto original

World Bank’s Jim Yong Kim: ‘I want to eradicate poverty’ (The Guardian)

World Bank president says he will bring sense of urgency to efforts to end global poverty in exclusive Guardian interview

Sarah Boseley, health editor, in Washington
guardian.co.uk, Wednesday 25 July 2012 13.48 BST

Jim Yong KimJim Yong Kim, president of the World Bank, speaks at the opening session of the International Aids Conference in Washington on 22 July. Photograph: Jacquelyn Martin/AP

The new president of the World Bank is determined to eradicate globalpoverty through goals, targets and measuring success in the same way that he masterminded an Aids drugs campaign for poor people nearly a decade ago.

Jim Yong Kim, in an exclusive interview with the Guardian, said he was passionately committed to ending absolute poverty, which threatens survival and makes progress impossible for the 1.3 billion people living on less than $1.25 a day.

“I want to eradicate poverty,” he said. “I think that there’s a tremendous passion for that inside the World Bank.”

Kim, who took over at the World Bank three weeks ago and is not only the first doctor and scientist (he is also an anthropologist) to be president but the first with development experience, will set “a clear, simple goal” in the eradication of absolute poverty. Getting there, however, needs progress on multiple, but integrated, fronts.

“The evidence suggests that you’ve got to do a lot of good, good things in unison, to be able to make that happen,” said Kim. “The private sectorhas to grow, you have to have social protection mechanisms, you have to have a functioning health and education system. The scientific evidence strongly suggests that it has to be green – you have to do it in a way that is sustainable both for the environment and financially. All the great themes that we’ve been dealing with here have to come together to eradicate poverty from the face of the Earth.”

Kim, who was previously head of the Ivy League Dartmouth College, is probably best known for his stint at the World Health Organisation (WHO), where he challenged the system to move faster in making Aids drugs available to people with HIV in the developing world who were dying in large numbers. In 2003, he set a target of 3 million people being on treatment by 2005 – thereafter known as “3 by 5”. The target was not met on time, but it did focus minds and rapidly speed up the pace of the rollout, which included setting up clinics and training healthcare staff.

Now, he says, he thinks he can do the same for poverty. “What 3 by 5 did that we just didn’t expect was to set a tempo to the response; it created a sense of urgency. There was pace and rhythm in the way we did things. We think we can do something similar for poverty,” he said.

Asked if he would set a date this time, he said he was sorely tempted, but would not yet. “We don’t know what they will be yet, but [there will be] goals, and counting. We need to keep up and say where we are making successes and why, and when are we going to be held to account next for the level of poverty. If we can build that kind of pace and rhythm into the movement, we think we can make a lot more progress,” he said in his office at the Bank in Washington.

Kim was seen by many as a surprise choice for president. During the election, critics argued there should be an economist at the helm. Some said that, as a doctor, he would focus too much on health.

But Kim, who co-founded Partners In Health, which pioneered sustainable, high-quality healthcare for poor people, first in Haiti and later in Africa, said his three years at the WHO have been the only ones of his career that were solely devoted to health.

“It’s always been about poverty, so for me, making the switch to being here at the Bank is really not that much of a stretch. I’ve been doing this all my life and we’re in a bit of the spotlight because of the stuff we did in healthcare but it was really always about poverty,” he said.

Partners in Health offered HIV and tuberculosis treatment to poor people in Haiti for the first time. “We were trying to make a point. And the point we were trying to make was that just because people are poor shouldn’t mean that they shouldn’t have access to high quality healthcare. It was always based in social justice, it was always based in the notion that people had a right to live a dignified life. The good news is that this place – the Bank – is just full of people like that.”

Kim, who has spent his first weeks talking to Bank staff with expertise in a huge range of areas, strongly believes in the integration of all aspects of development, and says the staff do too. He cites a new hospital Partners built in Rwanda, which led to the building of a road to get there and then the expansion of mobile phone networks in the area. “In a very real sense, we’ve always believed that investing in health means investing in the wellbeing and development of that entire community,” he said.

Speaking to the International Aids Conference in Washington this week – the first World Bank president to do so – Kim told activists and scientists that the end of Aids no longer looked as far-fetched as the 3 by 5 plan had appeared in 2003. Science has delivered tools, such as drugs that not only treat but prevent infection.

But the cost of drugs for life for 15 million or more people is not sustainable, he says. Donors are unlikely to foot the bill. Hard-hit developing countries have to be helped to grow so they can pay for the drugs and healthcare systems they need.

Kim would like the highly active HIV community to broaden its focus. “We’ve had Aids exceptionalism for a long time and Aids exceptionalism has been incredibly important. It has been so productive for all of us,” he said. “But I think that as we go beyond the emergency response and think about the long-term sustainable response, conversations such as how do we spur growth in the private sector have to be part of the discussion.”

Every country wants economic growth, he says, and people want jobs. “If I care about poverty, I have to care a lot about investments in the private sector. The private sector creates the vast majority of jobs in the world and social protection only goes so far,” he said.

Nevertheless, he is a big proponent of social protection policies. “I’ve always been engaged in social protection programmes. But now it is really a signature of the World Bank. We’re very good at helping people look at their public expenditures and we say to them things like, fuel subsidies really aren’t very helpful to the poor – what you really need is to remove fuel subsidies and focus on things like conditional cash transfer plans. The Bank is great at that.”

New to him are climate change and sustainability, he says. “We are watching things happen with one degree changes in ocean temperature that we thought wouldn’t happen until there were two or three degree changes in ocean temperature. These are facts. These are things that have actually happened … I think we now have plenty of evidence that should push us into thinking that this is disturbing data and should spur us to think ever more seriously about clean energy and how can we move our focus more towards clean energy.”

But poor countries are saying they need more energy and we must respect that, he says. “It’s hard to say to them we still do it but you can’t … I think our role is to say the science suggests strongly to us that we should help you looking for clean energy solutions.”