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Bolivianos apelam ao diabo contra montanha ‘comedora de gente’ (BBC)

4 outubro 2014

Foto: Catharina Moh/BBC

Minas de Cerro Rico são fonte de riqueza e temor para moradores da região (Foto: Catharina Moh/BBC)

As minas da montanha de Cerro Rico, na Bolívia, têm cerca de 500 anos de idade e delas saiu a prata que gerou riquezas ao antigo império espanhol.

Mas, agora, a região está cheia de túneis e perigos, o que transforma a montanha em uma armadilha para homens e meninos que trabalham no local.

Tanto que a população chega a apelar até para o diabo, rogando por segurança: a superstição fez com que os trabalhadores colocassem imagens de uma criatura com chifres nos túneis.

Marco, 15 anos, um dos moradores da região, trabalha em um destes túneis perigosos, coberto de suor e poeira. Ele carrega rochas em um carrinho de mão – algo que repete entre 35 e 40 vezes durante seu turno de cinco horas de trabalho, frequentemente à noite, depois de passar o dia na escola.

A mãe de Marco e se mudou para Cerro Rico com os quatro filhos, depois que o pai foi embora. Eles vivem na entrada de um dos túneis, sem água corrente e usando uma mina abandonada como banheiro.

“Quero ser uma pessoa melhor, não trabalhar na mina… Gostaria de me formar, ser advogado”, diz Marco, cuja família depende de seu salário.

Na era colonial espanhola, a montanha produziu toneladas e mais toneladas de prata. Durante o mesmo período, estima-se que 8 milhões de pessoas tenham morrido no local, o que deu a Cerro Rico o apelido de Montanha que Devora Homens.

Hoje cerca de 15 mil mineiros trabalham na montanha, e uma associação local informa que 14 mulheres da região ficam viúvas a cada mês. A expectativa de vida é de 40 anos em média.

Acidentes

Foto: Catharina Moh/BBCMarco trabalha na mina há um ano (Foto: Catharina Moh/BBC)

Como todos os que trabalham na montanha, Marco teme os acidentes e também a silicose, uma doença causada pela inalação de poeira. Marco conta que o cunhado morreu antes dos 30 anos devido à doença.

“Você come a poeira, vai para seus pulmões e te ataca”, disse Olga, mãe solteira que guarda os equipamentos para os mineiros.

Os filhos de Olga, Luis, 14 anos, e Carlos, 15, trabalham levando os carrinhos de mão, como Marco. Às vezes eles começam a trabalhar às 2h da madrugada para completar o turno de oito horas antes de ir para a escola.

Eles também enfrentam outro perigo da montanha – o gás tóxico liberado nas rochas.

“Os pés ficam fracos e você tem dor de cabeça. O gás é o que fica depois que a dinamite explode”, explicou Carlos.

Uma mulher contou que o marido respirou o gás, ficou tonto e caiu em um poço da mina, onde morreu.

O grande número de mortes acaba gerando superstições.

Os homens e meninos mastigam folhas de coca, afirmando que isso ajuda a filtrar a poeira. Eles também fazem oferendas de folhas de coca junto com bebida alcoólica e cigarros para El Tio, o deus-demônio das minas.

Cada uma das 38 empresas que gerenciam as minas na montanham tem uma estátua do El Tio em seus túneis.

Foto: Catharina Moh/BBCTúneis contam com estátuas de El Tio, que recebem oferendas (Foto: Catharina Moh/BBC)

“Ele tem chifres porque é o deus das profundezas”, disse Grover, chefe de Marco. “Geralmente nos reunimos aqui às sexta-feiras para fazer as oferendas, agradecendo por ele ter nos dado muitos minerais, e também para pedir proteção dele contra acidentes.”

“Fora da mina, somos católicos, quando entramos, adoramos o diabo”, disse.

Mais crianças

Marco e Luis não são os mais jovens trabalhando nas minas.

Foto: Catharina Moh/BBCLuis masca folhas de coca antes de começar a trabalhar (Foto: Catharina Moh/BBC)

“Há dez crianças que vejo (trabalhando). Quando elas vêm aqui, têm bolhas nas mãos, então acho que estão dentro das minas. Crianças de oito, nove, dez anos..”, disse Nicolas Marin Martinez, diretor da única escola da montanha, mantida por uma organização de caridade suíça.

Uma mudança recente na lei da Bolívia permite que crianças de dez anos trabalhem legalmente, mas não nas minas, consideradas perigosas demais.

No entanto, um relatório do ombudsman do governo da Bolívia estima que 145 crianças trabalham nas minas. Outra estimativa sugere que o número de crianças trabalhando na montanha possa chegar a 400.

Apesar de tudo isso, o FMI afirma que a Bolívia reduziu seus níveis de pobreza e quase triplicou a renda per capita desde que o presidente Evo Morales assumiu o cargo, em 2005.

No dia 12 de outubro, Morales tentará ser eleito para o terceiro mandato, prometendo devolver aos pobres as riquezas da terra.

Para os que vivem em Cerro Rico, os benefícios do governo de Morales parecem ainda não ter chegado.

Exclusivo: bolivianos culpam Brasil por enchentes e desejam processar o país por danos e prejuízos de bilhões de dólares (+RO)

21/02/2014

http://maisro.com.br/

Walter Justiniano: esta tragédia é como a Crônica de Uma Morte Anunciada, de Gabriel Garcia Marquez

Mais um imbróglio vem aí pela frente envolvendo as usinas do rio Madeira, o progresso e a discórdia. O consultor ambiental boliviano, Walter Justiniano Martinez, 54, de Guayaramerin (Bolívia), tem em mãos um relatório onde consta que o Brasil é o culpado pelas enchentes na Bolívia, que culminou com 60 pessoas mortas e 90 mil cabeças de gados perdidas. O prejuízo é de cerca de 50 milhões de dólares e mais de 40 mil hectares de culturas agrícolas afetadas. Segundo ele, “o governo boliviano sabia dos problemas que seriam provocados pelas barragens das usinas de Jirau e Santo Antônio e não fez nada a este respeito”. Explicando, as represas de Jirau e Santo Antônio não deixam a água escoar, culminando com enchentes rio acima, pegando o Beni. As fortes chuvas que caem sobre a Bolívia agravaram ainda mais o problema. Veja no mapa abaixo.

As represes de Jirau e S. Antônio alagaram o Beni

Bolívia conhecia os efeitos de barragens brasileiras na Amazônia.  O governo sabia que as barragens construídas na bacia do rio Madeira causariam grandes inundações no país por mais de seis anos.

Em 2006, o ministro dos Negócios estrangeiros David Choquehuanca, enviou uma carta para seu homólogo brasileiro manifestando o o perigo da construção destas barragens para a Bolívia. O governo boliviano  já tinha alertado sobre os impactos há mais de sete anos.

Cerca de 90 mil cabeças de gado perdidas

Na nota enviada por Choquehuanca, citado em La Razón (jornal boliviano), argumentou-se que entre os impactos prováveis “é considerado a inundação do território boliviano, como um efeito dos reservatórios que afetarão, de um lado, a existência da Floresta Amazônica, na bacia do Madeira, as riquezas em castanha”.

O processo de consulta bi-nacional com vários encontros e reuniões presidenciais, ministeriais e técnicas foi lançado em novembro do mesmo ano. O II encontro técnico realizado nos dias 30 e 31 de outubro de 2008, em La Paz, a troca de informações sobre os projetos hidrelétricos Jirau e Santo Antonio. Bolívia, então, expressa seu aborrecimento pela ausência de delegados técnicos suficientes, do Brasil, apesar do compromisso.
No mesmo tempo, organizações camponesas da Bolívia e do Brasil criaram o movimento em defesa da bacia do Rio Madeira e a Região Amazônica.
Estudos e declarações de organizações de proteção ambiental também alertaram para os riscos, incluindo a Liga de Defesa do Ambiente (Lidema), que, em 2009, exortou o governo “em conformidade com os acordos internacionais, independentemente da agenda positiva com o governo brasileiro”.
Em 2011, um seminário sobre projetos de energia no Brasil, o Vice Ministro Juan Carlos Alurralde, disse à Reuters que o governo não estava satisfeito com os relatórios do Brasil em defesa da hidrelétrica e esperava mais esclarecimentos e garantias.

Um prejuízo de 50 bilhões de dólares

Então, o primeiro secretário da Embaixada do Brasil na Bolívia, Ruy Ciarlini, disse à Reuters que eles tinham “dados científicos que mostram que não há nenhum risco”. Até ontem, em Beni foram relatadas 84 mil carcaças (gado) e perdas de 50 milhões de dólares. Mais de 39 mil hectares de culturas afetadas, enquanto o número de vítimas cresce dia a dia devido às enchentes.

O presidente Evo Morales, solicitou na terça-feira,  investigações sobre o impacto das enchentes  no Beni.

Fonte: +RO http://www.maisro.com 

Pan-Amazônia à brasileira (Agência Pública)

Ambiente
02/12/2013 – 11h07

por Bruno Fonseca e Jessica Mota, para a Agência Pública

gasoduto Pan Amazônia à brasileira

Gasoduto de Camisea no Peru. Foto: Divulgação Skanska

Obras negociadas pelo BNDES na Amazônia sul-americana incluem hidrelétrica com rachaduras, gasoduto com vazamentos e rodovia que estremeceu a presidência da Bolívia.

Na vertente leste da Cordilheira dos Andes, início da Amazônia Peruana, o dinheiro brasileiro começa a erguer uma barragem de 200 metros de altura – e trata-se de muito dinheiro. São mais de US$ 320 milhões em empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), quantia que representa mais de um quarto do custo total da bilionária hidrelétrica de La Chaglla, que será uma das três maiores usinas do Peru em 2015, quando deve ser concluída.

Quem toca as obras, no Rio Huallaga, a mais de 400 km da capital, Lima, é a gigante brasileira Odebrecht. A usina é uma peça importante para a Odebrecht, que tem olhos especiais para o território peruano, onde atua há 33 anos e possui ao menos outros nove empreendimentos (AQUI AQUI) em execução, desde rodovias a gasodutos e portos.

Há razões de sobra para justificar o interesse da Odebrecht no Peru. As licitações para megaempreendimentos são menos concorridas no país vizinho que em terras brasileiras, onde há mais empreiteiras a disputar o filão. Tomemos como exemplo a própria usina de La Chaglla. Simplesmente não houve concorrência na licitação. Segundo reportagem da revista Carta Capital, o único adversário possível, a empresa peruana Chancadora Centauro, desistiu ainda na fase de estudos, alegando não ter condições de cumprir o prazo.

A conexão com a costa oeste do Peru é também um caminho precioso para os produtos brasileiros atingirem o Oceano Pacífico. Assim, uma empreiteira como a Odebrecht passa a contar com o apoio de outras empresas brasileiras que, por sua vez, ainda podem trazer consigo o suporte de financiadores públicos para grandes empreendimentos. É este o caso dos investimentos no porto de Bayovar, construído pela Odebrecht a partir de dinheiro da mineradora Vale para escoar sua produção de fosfato a partir de uma mina cujos investimentos chegaram a mais de US$ 560 milhões de dólares. (AQUI) A Vale, por sua vez, trouxe a Andrade Gutierrez, que conseguiu dinheiro do BNDES para construção de uma usina de dessalinização da água fornecida à mina. O BNDES, como de costume, não revela quanto repassou à Andrade Gutierrez através do fomento à contratação pós-embarque (leia mais sobre a falta de transparência do BNDES aqui).

Já na costa leste, a Amazônia Peruana é uma área estratégica para a produção de energia. Estratégica porque a alta declividade em algumas regiões permite represas com menor área de inundação e maior potencial energético. Mas também porque possibilita a venda de energia para o Brasil e, com isso, conquista o coração de financiadores públicos do porte do BNDES. Tanto é que, em 2010, Brasil e Peru firmaram um acordo energético para construção de hidrelétricas em território peruano para exportar energia para o Brasil (AQUI), consolidação de um namoro que começou em 1997 a partir de um memorando de entendimento sobre cooperação em energia (AQUI).

Em contato com a Pública, o BNDES, entretanto, se recusou a comentar quais projetos de hidrelétricas peruanas estariam sendo avaliados pelo banco. “O BNDES não faz comentários sobre se um projeto está ou não sendo analisado pela instituição. Podemos dizer apenas que nenhum daqueles projetos foi até o momento aprovado ou contratado pelo BNDES”, informou a assessoria, depois de uma evasiva troca de 27 e-mails com a Pública.

Fato é que, em 2011, a pressão de comunidades indígenas levou a Odebrecht a desistir da construção da usina de Tambo 40, na região Central do país, que seria financiada pelo BNDES. Os grupos populares contestavam a previsão de alagamento de 73 mil hectares de florestas amazônicas e o deslocamento de 14 mil pessoas (AQUI). A hidrelétrica seria construída pela brasileira OAS.

perfuracao Pan Amazônia à brasileira

Perfuração de túnel nas obras da Hidrelétrica-de Chaglla, no Peru. Foto: Divulgação Odebrecht

BNDES financia exploração de gás e tragédia ambiental no Peru

O projeto de gás Camisea, no departamento de Cuzco, na Amazônia peruana, próxima ao estado do Acre, foi iniciado em 2003 por uma parceria público-privada, com grande aporte de financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Localizado em uma região próxima a comunidades indígenas – como a Reserva Territorial Kugapakori, Nahua, Nanti (RTKN), onde vivem os índios Nahua, Nanti, Matsigenka e Mashco-Piro – o projeto foi visto com preocupação por ambientalistas. O objetivo era transportar gás natural e líquidos de gás natural até a área costeira do Peru, no Oceano Pacífico.

O Consórcio Camisea é liderado pela argentina Pluspetrol, junto à Repsol-YPF, Sonatrach, Hunt Oil, Techpetrol e SK Energy. Durante os primeiros anos de desenvolvimento do projeto, ocorrerm seis vazamentos de gás. Glenn Shepard, antropólogo e etno-botânico convidado pelo Import-Export Bank, dos Estados Unidos a integrar um painel de estudo – o South Peru Panel – sobre o projeto, como condição de empréstimo do banco à Hunt Oil, esteve na região durante duas semanas no final de 2011. Em seu blog, o especialista comentou o descaso com infraestrutura na região, que não tem nem saneamento básico, e ressaltou o que lhe disse um morador local: “não há vida para viver. Sem peixe, não há nada. A água está contaminada. Há muitas doenças”. (Leia o informe do antropólogo AQUIe o último relatório lançado pelo painel AQUI, ambos em inglês)

O BID chegou a realizar duas auditorias, e fez um empréstimo de US$5 milhões para o governo, destinado a fortalecer seu sistema de proteção ambiental e social associado ao projeto, de acordo com o próprio banco. A segunda parte do projeto recebeu aprovação de financiamento do Banco Interamericano em 2007 – não sem protestos de organizações ambientais, que alegaram omissão a certos critérios nas auditorias realizadas pelo BID, referentes a danos à biodiversidade e comunidades indígenas.

Em 2009, o BNDES aprovou um empréstimo para exportação da Confab Industrial S/A com destino à Transportadora de Gás do Peru, na modalidade de buyer’s credit, na qual o banco estabelece o contrato diretamente com a empresa importadora, por meio do exportador. Como sempre, o valor não é divulgado pelo banco. Este ano, o caso culminou em uma crise no governo peruano, com pedido de demissão do então vice-ministro de Interculturalidade do Peru, Paulo Vilca (leia mais AQUI).

BNDES na Bolívia: ex-ministro aponta má fama de empresas brasileiras

Os problemas envolvendo obras de empreiteiras brasileiras financiadas pelo BNDES se estendem pela região amazônica de outros países da América do Sul. Talvez um dos mais notórios exemplos é a construção da estrada San Ignacio de Moxos / Villa Tunari, na Bolívia – obra que se tornou um fiasco político e diplomático.

A estrada, também conhecida como rodovia Cochabamba-Beni, é um antigo antigo projeto do governo boliviano que cobria mais de 300 km, mas tomou corpo depois do BNDES firmar um contrato de US$ 332 milhões, através da aliança do então presidente Lula e o mandatário boliviano Evo Morales (AQUI). Faltaria à Bolívia apenas completar US$ 80 milhões para bancar a obra.

A construção da estrada foi entregue à empreiteira brasileira OAS em meio a uma delicada situação: pouco antes, a construtora brasileira Queiroz Galvão havia sido expulsa por não cumprir especificações do projeto de construção de duas rodovias no sul da Bolívia. As estradas apresentavam rachaduras nas obras e utilização de asfalto no lugar de cimento, segundo apontou o governo boliviano em 2007. A Bolívia chegou a decretar a prisão de um dos diretores da companhia, que escapou do país.

A situação foi revertida após negociações entre Brasil e Bolívia, mas novamente a Queiroz Galvão foi expulsa após divergências no custo de conserto das duas rodovias. A empresa afirmou por nota, na época, que iria buscar ressarcimento pelos danos pela “rescisão unilateral e injustificada do contrato pela Administradora Boliviana de Estradas”.

Após a desastrosa operação, a OAS assumiu o contrato de reparo das estradas e, coincidentemente, venceu a licitação para a construção da rodovia San Ignacio de Moxos / Villa Tunari na mesma época.

Apenas dois anos depois, em 2009, a OAS passou a ser investigada pela Controladoria-Geral da Bolívia após avaliações oficiais apontarem superfaturamento na estrada de Villa Tunari. Um estudo da Sociedade dos Engenheiros da Bolívia (SIB, em espanhol) afirmou que o preço de cada quilômetro era o dobro de outras obras na Bolívia, em locais de topografia similar. Além disso, a OAS foi a única empresa a participar da licitação.

Como se não bastasse, um trecho da rodovia passava dentro das terras do Parque Nacional y Territorio Indígena Isiboro-Secure (TIPNIS). O resultado: em agosto de 2011, a Confederação de Povos Indígenas da Bolívia (CIDOB) e outras organizações iniciaram uma marcha em oposição ao projeto, que durou meses e enfrentou prisões e espancamentos de manifestantes. A pressão popular foi tão intensa que balançou o primeiro governo de um indígena no país vizinho e, em outubro do mesmo ano, Evo Morales acabou promulgando uma Lei que impedia a rodovia de passar por TIPNIS e o declarava como território intangível.

O imbróglio acabou com o cancelamento do contrato com a OAS e o desgaste foi tamanho que, através da sua assessoria de imprensa, a empresa afirmou que atualmente não possui nenhum outro empreendimento na Bolívia.

O BNDES também foi afetado pela polêmica, e teve de publicar nota oficial afirmando que o banco havia determinado o cumprimento de todas as exigências ambientais cabíveis para que fosse firmado o contrato de financiamento à exportação de bens e serviços utilizados na estrada boliviana. “A assinatura do contrato foi condicionada às exigências usuais do BNDES, além de requisitos adicionais, elaborados em coordenação com o governo boliviano e fiscalizados por auditoria independente. Nos trechos da estrada que não passam por reserva indígena, o licenciamento ambiental já foi concluído, o que permitiu o início das obras”. Nenhum desembolso foi realizado pelo banco, visto que o contrato foi cancelado.

Mas, para Alejandro Almaraz, que foi vice-ministro de Terras do governo de Evo Morales até 2010 – e hoje é um dos maiores opositores da obra – todo o caso envolvendo a estrada do TIPNIS demonstra uma postura prejudicial das empresas brasileiras para com o povo boliviano, com conivência do governo local. “A imagem da empresa brasileira ficou muito desgastada, entretanto não é algo tão chamativo por não se tratar de nenhuma novidade. Está é a tradicional imagem das empresas construtoras brasileiras na Bolívia. Há várias décadas as empresas brasileiras têm uma espécie de monopólio na construção de estradas bolivianas, ao menos das grandes. Sempre houve esse tipo de denúncias, com bastante fundamento, mostrando superfaturamentos que beneficiam as empresas brasileiras. Isto é uma história eterna”, critica.

Para Almaraz, há pouca transparência sobre o tema na Bolívia. “Se abriu um processo judicial que, como tantos outros que envolvem agentes do governo, está congelado. Recentemente, pouco se fala [sobre o caso] na Bolívia e na imprensa. Tampouco há transparência sobre os ressarcimentos [entre a empresa brasileira e o governo boliviano] e na resolução do contrato” avalia.

Atualmente, a rodovia San Ignacio de Moxos / Villa Tunari segue em construção – exceto pelo trecho que passaria por TIPNIS – por empresas bolivianas. Entretanto, o governo boliviano vem realizando consultas com as populações afetadas para tentar retomar a construção do trecho (leia mais AQUI).

Imbróglios diplomáticos

Em 2004, o BNDES aprovou financiamento referente à exportação de bens e serviços da Odebrecht para a construção da hidrelétrica de San Francisco, na província amazônica de Pastaza, no Equador. O consórcio construtor contou também com as internacionais Alstom e Vatech.

A usina começou a operar em 2007, e no ano seguinte apresentou as primeiras falhas, que incluíam rachaduras em um dos túneis e defeitos em uma turbina. De seu lado, a Odebrecht afirmou que “durante seu primeiro ano de operação, a Central (hidrelétrica) trabalhou continuamente, sob a responsabilidade de empresa do governo equatoriano, e acima da capacidade projetada”, segundo comunicado. A empresa ainda alegou que as falhas se deviam a um aumento significativo de sedimentos” nas águas do rio Pastaza devido à erupção do vulcão Tungurahua, a 20 quilômetros da usina. Por outro lado, o governo equatoriano de Rafael Correa afirmou que a usina hidrelétrica apresentava “falhas estruturais” e exigiu uma indenização de US$ 43 milhões pelas perdas, além da reparação da obra.

A crise culminou com a emissão de dois decretos de Correa que pediam a tomada dos bens da construtora, o término de todos os contratos da empresa no país e expulsão de seus funcionários do território equatoriano. Foi o início de uma crise bilateral entre o Equador e o Brasil, com a declaração de que o governo de Correa não pagaria o crédito fornecido pelo BNDES para a importação dos serviços da Odebrecht para a concessionária equatoriana. Ao fim, o Equador voltou atrás, pagou o financiamento e, em 2010, entrou em acordo com a Odebrecht, que retomou suas operações no país.

mapa Pan Amazônia à brasileira

Mapa Investimentos negociados pelo BNDES na Pan-Amazônia

Como saber o que o BNDES faz na Pan-Amazônia?

Os diversos casos de conflitos socioambientais envolvendo os megaempreendimentos tocados por empresas brasileiras vêm se acumulando, e lançando dúvidas sobre a atuação das corporações brasileiras na Amazônia sulamericana – problema que se estende aos financiadores, sobretudo às instituições públicas como o BNDES, que, supostamente, deveria primar pelo desenvolvimento regional antes de abraçar tais projetos.

A situação se torna ainda mais dramática devido à dimensão dos investimentos do BNDES na região. Desde o início do governo Lula, o banco investiu mais de US$ 2 bilhões em apoios à exportação de empresas brasileiras somente para países que abarcam a Amazônia internacional (Bolívia, Colômbia, Equador, Bolívia e Venezuela). O principal país beneficiado é a Venezuela, que recebeu mais de dois terços desse valor (cerca de US$ 1,4 bi).

Toda essa quantia pode ser ainda maior, visto que o BNDES divulga apenas os números das exportações da modalidade de pós-embarque (quando o banco apoia a comercialização de bens e serviços nacionais no exterior), deixando de divulgar as cifras da modalidade de pré-embarque (quando o banco apoia a produção no Brasil das mercadorias que serão exportadas).

Além disso, o BNDES não disponibiliza uma lista clara de quais projetos no exterior foram ou estão sendo apoiados ou negociados pela instituição. A Pública enviou uma lista ao banco com quase 30 projetos, apenas da Pan-Amazônia (veja abaixo), que em algum momento haviam sido assinalados pela imprensa como destinos de financiamento do BNDES. Apenas o projeto da hidrelétrica de Chaglla foi confirmado pelo banco – a todos os demais, o BNDES se recusou a comentar, ainda que alguns deles tivessem documentos do Itamaraty que comprovavam o interesse do Governo Brasileiro em financiar obras bilaterais através do banco. O BNDES também se recusou a comentar quais motivos poderiam ter levado ao cancelamento do financiamento desses projetos e até mesmo se o banco ainda estaria em processo de avaliação dos contratos. Ou seja, o BNDES e o Governo Federal argumentam sigilo bancário para negar uma gama gigantesca de informações – desde negociações em curso até valores e projetos beneficiadas – e defender que o sigilo tem supremacia sobre o direito à informação da sociedade brasileira.

Veja a lista de projetos enviada à assessoria de imprensa do BNDES no link original da matéria.

A série BNDES na Amazônia é uma parceria da Agência Pública com O Eco.

** Publicado originalmente no site Agência Pública.

‘Universal’ Personality Traits Don’t Necessarily Apply to Isolated Indigenous People (Science Direct)

Jan. 3, 2013 — Five personality traits widely thought to be universal across cultures might not be, according to a study of an isolated Bolivian society.

Researchers who spent two years looking at 1,062 members of the Tsimane culture found that they didn’t necessarily exhibit the five broad dimensions of personality — openness, conscientiousness, extraversion, agreeableness and neuroticism — also known as the “Big Five.” The American Psychological Association’s Journal of Personality and Social Psychologypublished the study online Dec. 17.

While previous research has found strong support for the Big Five traits in more developed countries and across some cultures, these researchers discovered more evidence of a Tsimane “Big Two:” socially beneficial behavior, also known as prosociality, and industriousness. These Big Two combine elements of the traditional Big Five, and may represent unique aspects of highly social, subsistence societies.

“Similar to the conscientiousness portion of the Big Five, several traits that bundle together among the Tsimane included efficiency, perseverance and thoroughness. These traits reflect the industriousness of a society of subsistence farmers,” said the study’s lead author, Michael Gurven, PhD, of the University of California, Santa Barbara. “However, other industrious traits included being energetic, relaxed and helpful. In small-scale societies, individuals have fewer choices for social or sexual partners and limited domains of opportunities for cultural success and proficiency. This may require abilities that link aspects of different traits, resulting in a trait structure other than the Big Five.”

The Tsimane, who are forager-farmers, live in communities ranging from 30 to 500 people dispersed among approximately 90 villages. Since the mid-20th century, they have come into greater contact with the modern world but mortality rates remain high (approximately 20 percent of babies born never reach age 5) and the fertility rate is very high (approximately nine births per woman), the study said. Most Tsimane are not formally educated, with a literacy rate close to 25 percent. Some 40 percent speak Spanish in addition to their native language. They live in extended family clusters that share food and labor and they limit contact with outsiders unless absolutely necessary, according to the authors.

Researchers translated into the Tsimane language a standard questionnaire that assesses the Big Five personality traits. Between January 2009 and December 2010, they interviewed 632 adults from 28 villages. The sample was 48 percent female with an average age of 47 years (ranging from 20 to 88) and little more than a year of formal education.

Researchers also conducted a separate study between March 2011 and January 2012 to gauge the reliability of the model when answered by peers. They asked 430 Tsimane adults, including 66 people from the first study, to evaluate their spouse’s personality. The second study revealed that the subject’s personality as reported by his or her spouse also did not fit with the Big Five traits.

The researchers controlled for education level, Spanish fluency, gender and age. Previous research has suggested that formal schooling and greater interaction with others, such as when villagers venture to markets in other towns, can lead to more abstract reflection and may be one reason why the Big Five replicates in most places, according to the authors. However, there were no significant differences between the less educated, Tsimane-only speakers and the more educated bilingual participants.

Other recent research, some of which was outlined in an article in the American Psychologist, has shown the existence of Big Five personality traits may be lacking in some developing cultures, particularly in Asia and Africa, but this is the first study of a large sample of an exclusively indigenous population completed with rigorous methodological controls, according to Gurven. He suggested personality researchers expand beyond the limited scope of more Western, industrialized and educated populations. “The lifestyle and ecology typical of hunter-gatherers and horticulturalists are the crucible that shaped much of human psychology and behavior,” he said. “Despite its popularity, there is no good theory that explains why the Big Five takes the form it does, or why it is so commonly observed. Rather than just point out a case study where the Big Five fails, our goal should be to better understand the factors that shape personality more generally.”

The study was part of the University of California-Santa Barbara’s and University of New Mexico’s Tsimane Health and Life History Project, co-directed by Gurven and study co-author Hillard Kaplan, PhD, of the University of New Mexico, and was funded by the National Institute on Aging.

Journal Reference:

  1. Michael Gurven, Christopher von Rueden, Maxim Massenkoff, Hillard Kaplan, Marino Lero Vie. How Universal Is the Big Five? Testing the Five-Factor Model of Personality Variation Among Forager–Farmers in the Bolivian Amazon.Journal of Personality and Social Psychology, 2012; DOI: 10.1037/a0030841