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Provas #8.754.392.312 e #8.754.392.313 de que o Brasil Odeia Ciência (Meio Bit)

Postado Por  em 12 08 2016

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O brasileiro tem um problema sério com ciência. Ele acha que não precisamos dela. Temos basicamente zero programas sobre ciência na TV aberta, versus centenas de horas semanais de programas religiosos. Todo fim de ano canais abrem espaço para videntes e suas previsões para o ano novo, apenas para misteriosamente esquecer de todas as previsões erradas feitas pelas mesmas pessoas no ano anterior.

O Fantástico dedica 95% do tempo de uma reportagem sobre uma pirâmide idiota flutuando por causa de uns imãs, e 5% com cientistas explicando o truque óbvio. Nos comentários do MeioBit? Vários DEFENDENDO a matéria.

Um tempo atrás o Romário apresentou um Projeto de Lei para desburocratizar a importação de material científico como reagentes, que ficam tanto tempo na aduana que acabam estragando. Teve gente que escreveu cartas pra jornal reclamando, dizendo que não se deve investir em ciência, “e sim em saúde e educação”. No final o projeto foi arquivado.

Estatisticamente as chances de achar um astrólogo em um programa desses de entrevistas tipo Fátima são imensas, tanto quanto são ínfimas as de achar um cientista, sendo que o cientista sempre terá um pastor ou pai de santo como “contraponto”.

No Brasil a profissão de BENZEDEIRA é reconhecida pelo governo e tratada como “patrimônio cultural”. Sendo que a diferença entre benzedeiras e charlatões é que elas rezam antes de cobrar.  Agora, como cereja do bolo de bosta, temos isto:

ufeiro

Isso mesmo. Segundo o G1 o excelentíssimo sr deputado Edmir Chedid, do DEM apresentou uma moção propondo o reconhecimento da profissão de ufeiro, que iria garantir direitos aos ufeiros. Ele diz que

reconhecer a atividade científica que busca entender esses fenômenos, possibilitando financiamentos e linhas de pesquisa destinadas a esse fim junto à Universidades e outras instituições públicas ou privadas”.

Ancient-aliens-guy

Não é surpresa que o Google desconheça projetos do deputado relacionados com ciência de verdade. Ele pelo visto passa boa parte do tempo assistindo History Channel, mas os programas errados. E não, não estou exagerado. Ainda o Deputado:

“os contatos ufológicos acontecem desde os mais remotos tempos da humanidade”. “Há muito tempo atrás, acreditavam que os tais seres ou mesmo suas manifestações eram de origem quase divina, onde estes mesmo seres eram os nossos ‘salvadores’, nossos mediadores entre a ignorância e a sabedoria, para viver uma vida digna e feliz.”

Ele quer gastar dinheiro público com “pesquisadores” dessa bobagem que é basicamente uma seita, e preenche todos os requisitos de pseudociência: é quase 100% baseado em informação anedótica, não é reproduzível, não traz justificativas das hipóteses, etc, etc, etc.

Enquanto isso a FAPESP — Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo teve reduzidos em R$ 17 milhões seus repasses para Mestrados e Doutorados, nos últimos 4 anos. Assim não sobra nem pros ufeiros, deputado. O que o senhor tem feito para ajudar a FAPESP? É, eu imaginava.

Acha que acabou? Temos aquele “fenômeno”, aquele grupo picareta chamado Fundação Cacique Cobra Coral, que diz “controlar o tempo” e abusam da credulidade dos retardados, incluindo aí a Prefeitura do Rio que por anos contratou os caras para garantir bom tempo no Réveillon. A taxa de acerto deles? Eu diria que no máximo 50%. A mesma da minha Pedra Controladora do Clima que tenho aqui na minha mesa.

Pior: como todo “místico” no Brasil essa gente é incensada pela mídia, até o Marcelo Tas, que eu julgava inteligente enche a bola dos caras.

Estamos em 2016, imagina-se que gente prometendo controlar o clima através de magia seria no mínimo alvo de risada, certo? Errado. ALGUÉM pagou pra esses espertos irem na Olimpíada de Londres, onde juraram que foram os responsáveis pela pouca chuva na Abertura, e tinham até credencial para um evento com a Dilma. E agora temos… isto:

cacique

Isso mesmo. O tempo está uma bosta, mas eles não falharam. Na matéria do Globo o porta-voz da Fundação diz que o foco deles era garantir o tempo bom na abertura da Olimpíada. Então tá.

Que o clima já estivesse previsto por ciência de verdade, é apenas um detalhe.

O mais triste disso tudo é que todo mundo que promove divulga e protege pseudociência e misticismo faz uso dos benefícios da ciência que diz não “acreditar”. Se ciência é tão ruim assim, incluindo a malvada “alopatia” que tal parar de vacinar suas crianças, rasgar o cartão do pediatra, jogar fora a Insulina e o Isordil e se tratar com chazinhos e homeopatia? GPS? Coisa do capeta, use uma varinha de radbomancia para se achar. Tem uma plantação? Contrate a Cacique Cobra Coral, e não acesse mais as previsões do INPE.

A reserva genética da Humanidade agradecerá.

‘Estudos de neurociência superaram a psicanálise’, diz pesquisador brasileiro (Folha de S.Paulo)

Juliana Cunha, 18.06.2016

Com 60 anos de carreira, 22.794 citações em periódicos, 60 premiações e 710 artigos publicados, Ivan Izquierdo, 78, é o neurocientista mais citado e um dos mais respeitados da América Latina. Nascido na Argentina, ele mora no Brasil há 40 anos e foi naturalizado brasileiro em 1981. Hoje coordena o Centro de Memória do Instituto do Cérebro da PUC-RS.

Suas pesquisas ajudaram a entender os diferentes tipos de memória e a desmistificar a ideia de que áreas específicas do cérebro se dedicariam de maneira exclusiva a um tipo de atividade.

Ele falou à Folha durante o Congresso Mundial do Cérebro, Comportamento e Emoções, que aconteceu esta semana, em Buenos Aires. Izquierdo foi o homenageado desta edição do congresso.

Na entrevista, o cientista fala sobre a utilidade de memórias traumáticas, sua descrença em métodos que prometem apagar lembranças e diz que a psicanálise foi superada pelos estudos de neurociência e funciona hoje como mero exercício estético.

Bruno Todeschini
O neurocientista Ivan Izquierdo durante congresso em Buenos Aires
O neurocientista Ivan Izquierdo durante congresso em Buenos Aires

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Folha – É possível apagar memórias?
Ivan Izquierdo – É possível evitar que uma memória se expresse, isso sim. É normal, é humano, inclusive, evitar a expressão de certas lembranças. A falta de uso de uma determinada memória implica em desuso daquela sinapse, que aos poucos se atrofia.

Fora disso, não dá. Não existe uma técnica para escolher lembranças e então apagá-las, até porque a mesma informação é salva várias vezes no cérebro, por um mecanismo que chamamos de plasticidade. Quando se fala em apagamento de memórias é pirotecnia, são coisas midiáticas e cinematográficas.

O senhor trabalha bastante com memória do medo. Não apagá-las é uma pena ou algo a ser comemorado?
A memória do medo é o que nos mantém vivos. É a que pode ser acessada mais rapidamente e é a mais útil. Toda vez que você passa por uma situação de ameaça, a informação fundamental que o cérebro precisa guardar é que aquilo é perigoso. As pessoas querem apagar memórias de medo porque muitas vezes são desconfortáveis, mas, se não estivessem ali, nos colocaríamos em situações ruins.

Claro que esse processo causa enorme estresse. Para me locomover numa cidade, meu cérebro aciona inúmeras memórias de medo. Entre tê-las e não tê-las, prefiro tê-las, foram elas que me trouxeram até aqui, mas se pudermos reduzir nossa exposição a riscos, melhor. O problema muitas vezes é o estímulo, não a resposta do medo.

Mas algumas memórias de medo são paralisantes, e podem ser mais arriscadas do que a situação que evitam. Como lidar com elas?
Antes parado do que morto. O cérebro atua para nos preservar, essa é a prioridade. Claro que esse mecanismo é sujeito a falhas. Se entendemos que a resposta a uma memória de medo é exagerada, podemos tentar fazer com que o cérebro ressignifique um estímulo. É possível, por exemplo, expor o paciente repetidas vezes aos estímulos que criaram aquela memória, mas sem o trauma. Isso dissocia a experiência do medo.

Isso não seria parecido com o que Freud tentava fazer com as fobias?
Sim, Freud foi um dos primeiros a usar a extinção no tratamento de fobias, embora ele não acreditasse exatamente em extinção. Com a extinção, a memória continua, não é apagada, mas o trauma não está mais lá.

Mas muitos neurocientistas consideram Freud datado.
Toda teoria envelhece. Freud é uma grande referência, deu contribuições importantes. Mas a psicanálise foi superada pelos estudos em neurociência, é coisa de quando não tínhamos condições de fazer testes, ver o que acontecia no cérebro. Hoje a pessoa vai me falar em inconsciente? Onde fica? Sou cientista, não posso acreditar em algo só porque é interessante.

Para mim, a psicanálise hoje é um exercício estético, não um tratamento de saúde. Se a pessoa gosta, tudo bem, não faz mal, mas é uma pena quando alguém que tem um problema real que poderia ser tratado deixa de buscar um tratamento médico achando que psicanálise seria uma alternativa.

E outros tipos de análise que não a freudiana?
Terapia cognitiva, seguramente. Há formas de fazer o sujeito mudar sua resposta a um estímulo.

O senhor veio para o Brasil com a ditadura na Argentina. Agora, vivemos um processo no Brasil que alguns chamam de golpe, é uma memória em disputa. O que o senhor acha disso enquanto cientista?
Eu vim por conta de uma ameaça. Não considero um golpe, mas é um processo muito esperto. Mudar uma palavra ressignifica toda uma memória. Há de fato uma disputa de como essa memória coletiva vai ser construída. A esquerda usa o termo golpe para evocar memórias de medo de um país que já passou por um golpe. Conforme essa palavra é repetida, isso cria um efeito poderoso. Ainda não sabemos como essa memória será consolidada, mas a estratégia é muito esperta.

A jornalista JULIANA CUNHA viajou a convite do Congresso Mundial do Cérebro, Comportamento e Emoções