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Judith Butler: To Save the Earth, Dismantle Individuality (Time)

time.com

Judith Butler, April 21,2021


However differently we register this pandemic we understand it as global; it brings home the fact that we are implicated in a shared world. The capacity of living human creatures to affect one another can be a matter of life or death. Because so many resources are not equitably shared, and so many have only a small or vanished share of the world, we cannot recognize the pandemic as global without facing those inequalities.

Some people work for the common world, keep it going, but are not, for that reason, of it. They might lack property or papers, be sidelined by racism or even disdained as refuse—those who are poor, Black or brown, those with unpayable debts that preclude a sense of an open future.

The shared world is not equally shared. The French philosopher Jacques Rancière refers to “the part of those who have no part”—those for whom participation in the commons is not possible, never was, or no longer is. For it is not just resources and companies in which a share is to be had, but a sense of the common, a sense of belonging to a world equally, a trust that the world is organized to support everyone’s flourishing.

The pandemic has illuminated and intensified racial and economic inequalities at the same time that it heightens the global sense of our obligations to one another and the earth. There is movement in a global direction, one based on a new sense of mortality and interdependency. The experience of finitude is coupled with a keen sense of inequalities: Who dies early and why, and for whom is there no infrastructural or social promise of life’s continuity?

This sense of the interdependency of the world, strengthened by a common immunological predicament, challenges the notion of ourselves as isolated individuals encased in discrete bodies, bound by established borders. Who now could deny that to be a body at all is to be bound up with other living creatures, with surfaces, and the elements, including the air that belongs to no one and everyone?

Within these pandemic times, air, water, shelter, clothing and access to health care are sites of individual and collective anxiety. But all these were already imperiled by climate change. Whether or not one is living a livable life is not only a private existential question, but an urgent economic one, incited by the life-and-death consequences of social inequality: Are there health services and shelters and clean enough water for all those who should have an equal share of this world? The question is made more urgent by conditions of heightened economic precarity during the pandemic, exposing as well the ongoing climate catastrophe for the threat to livable life that it is.

Pandemic is etymologically pandemos, all the people, or perhaps more precisely, the people everywhere, or something that spreads over or through the people. The “demos” is all the people despite the legal barriers that seek to separate them. A pandemic, then, links all the people through the potentials of infection and recovery, suffering and hope, immunity and fatality. No border stops the virus from traveling if humans travel; no social category secures absolute immunity for those
it includes.

“The political in our time must start from the imperative to reconstruct the world in common,” argues Cameroonian philosopher Achille Mbembe. If we consider the plundering of the earth’s resources for the purposes of corporate profit, privatization and colonization itself as planetary project or enterprise, then it makes sense to devise a movement that does not send us back to our egos and identities, our cut-off lives.

Such a movement will be, for Mbembe, “a decolonization [which] is by definition a planetary enterprise, a radical openness of and to the world, a deep breathing for the world as opposed to insulation.” The planetary opposition to extraction and systemic racism ought to then deliver us back to the world, or let the world arrive, as if for the first time, a shared place for “deep breathing”—a desire we all now know.

And yet, an inhabitable world for humans depends on a flourishing earth that does not have humans at its center. We oppose environmental toxins not only so that we humans can live and breathe without fear of being poisoned, but also because the water and the air must have lives that are not centered on our own.

As we dismantle the rigid forms of individuality in these interconnected times, we can imagine the smaller part that human worlds must play on this earth whose regeneration we depend upon—and which, in turn, depends upon our smaller and more mindful role.

Zizek: Podemos vencer as cidades pós-humanas (Outras Palavras)

Em Nova York, constrói-se, agora, uma distopia: não haverá contato social; as maiorias sobreviverão de trabalhos braçais e subalternos; corporações e Estado controlarão os inseridos. Alternativa: incorporar as novas tecnologias ao Comum

Outras Palavras Tecnologia em Disputa

Por Slavoj Žižek – publicado 21/05/2020 às 21:49 – Atualizado 21/05/2020 às 22:06

Por Slavoj Zizek | Tradução de Simone Paz

As funções básicas do Estado de Nova York, muito em breve, poderão ser “reimaginadas” graças à aliança do governador Andrew Cuomo com a Big Tech personificada. Seria este o campo de testes para um futuro distópico sem contato físico?

Parece que a escolha básica que nos resta para lidar com a pandemia se reduz a duas opções: uma é ao estilo de Trump (com uma volta à atividade econômica sob as condições de liberdade de mercado e lucratividade, mesmo que isso traga milhares de mortes a mais); a outra é a que nossa mídia chama de o “jeitinho chinês” (um controle estatal, total e digitalizado, dos indivíduos).

Entretanto, nos EUA, ainda existe uma terceira opção, que vem sendo divulgada pelo governador de Nova York, Andrew Cuomo, e pelo ex-CEO do Google, Eric Schmidt — em conjunto com Michael Bloomberg e Bill Gates e sua esposa Melinda, nos bastidores. Naomi Klein e o The Intercept chamam essa alternativa de Screen New Deal [alusão jocosa ao Green New Deal, que pressupõe uma Virada Sócioambiental. Screen New Deal seria algo como Virada para dentro das Telas] Ele vem com a promessa de manter o indivíduo a salvo das infecções, mantendo todas as liberdades pessoais que interessam aos liberais — mas será que tem chances de funcionar?

Em uma de suas reflexões sobre a morte, o comediante de stand-up Anthony Jeselnik fala sobre sua avó: “Nós achávamos que ela tinha morrido feliz, enquanto dormia. Mas a autópsia revelou uma verdade horrível: ela morreu durante a autópsia”. Esse é o problema da autópsia de Eric Schmidt sobre nossa situação: a autópsia e suas implicações tornam nossa situação muito mais catastrófica do que é para ser.

Cuomo e Schmidt anunciaram um projeto para “reimaginar a realidade pós-Covid do estado de Nova York, com ênfase na integração permanente da tecnologia em todos os aspectos da vida cívica”. Na visão de Klein, isso levará a um “futuro-sem-contato permanente, altamente lucrativo”, no qual não existirá o dinheiro vivo, nem a necessidade de sair de casa para gastá-lo. Todos os serviços e mercadorias possíveis poderão ser encomendados pela internet, entregues por drone, e “compartilhados numa tela, por meio de uma plataforma”. E, para fazer esse futuro funcionar, seria necessário explorar massivamente “trabalhadores anônimos aglomerados em armazéns, data centers, fábricas de moderação de conteúdo, galpões de manufatura de eletrônicos, minas de lítio, fazendas industriais, plantas de processamento de carne, e prisões”. Existem dois aspectos cruciais que chamam a atenção nesta descrição logo de cara.

O primeiro é o paradoxo de que os privilegiados que poderão usufruir de uma vida nos ambientes sem contato serão, também, os mais controlados: toda a vida deles estará nua à verdadeira sede do poder, à combinação do governo com a Big Tech. Está certo que as redes que são a alma de nossa existência estejam nas mãos de empresas privadas como Google, Amazon e Apple? Empresas que, fundidas com agências de segurança estatais, terão a capacidade de censurar e manipular os dados disponíveis para nós ou mesmo nos desconectar do espaço público? Lembre-se de que Schmidt e Cuomo recebem imensos investimentos públicos nessas empresas — então, não deveria o público ter também acesso a elas e poder controlá-las? Em resumo, como propõe Klein, eles não deveriam ser transformados em serviços públicos sem fins lucrativos? Sem um movimento semelhante, a democracia, em qualquer sentido significativo, será de fato abolida, já que o componente básico de nossos bens comuns — o espaço compartilhado de nossa comunicação e interação — estará sob controle privado

O segundo aspecto é que o Screen New Deal intervém na luta de classes num ponto bem específico e preciso. A crise do vírus nos conscientizou completamente do papel crucial daqueles que David Harvey chamou de “nova classe trabalhadora”: cuidadores de todos os tipos, desde enfermeiros até aqueles que entregam comida e outros pacotes, ou os que esvaziam nossas lixeiras, etc. Para nós, que conseguimos nos auto-isolar, esses trabalhadores se tornaram nosso principal contato com outro, em sua forma corpórea, uma fonte de ajuda, mas também de possível contágio. O Screen New Deal não passa de um plano para minimizar o papel visível dessa classe de cuidadores, que deve permanecer não-isolada, praticamente desprotegida, expondo-se ao perigo viral, para que nós, os privilegiados, possamos sobreviver em segurança — alguns até sonham com a possibilidade de que robôs passem a tomar conta dos idosos e lhes façam companhia… Mas esses cuidadores invisíveis podem se rebelar, exigindo maior proteção: na indústria de frigoríficos nos EUA, milhares de trabalhadores tiveram a covid, e dezenas morreram; e coisas semelhantes estão acontecendo na Alemanha. Agora, novas formas de luta de classes vão surgir

Se levarmos esse projeto à sua conclusão hiperbólica, ao final do Screen New Deal existe a ideia de um cérebro conectado, de nossos cérebros compartilhando diretamente experiências em uma Singularidade, uma espécie de autoconsciência coletiva divina. Elon Musk, outro gênio da tecnologia de nossos tempos, recentemente declarou que ele acredita que em questão de 10 anos a linguagem humana estará obsoleta e que, se alguém ainda a utilizar, será “por motivos sentimentais”. Como diretor da Neuralink, ele diz que planeja conectar um dispositivo ao cérebro humano dentro de 12 meses

Esse cenário, quando combinado com a extrapolação do futuro em casa de Naomi Klein, a partir das ambições dos simbiontes de Big Tech de Cuomo, não lembra a situação dos humanos no filme Matrix? Protegidos, fisicamente isolados e sem palavras em nossas bolhas de isolamento, estaremos mais unidos do que nunca, espiritualmente, enquanto os senhores da alta tecnologia lucram e uma multidão de milhões de humanos invisíveis faz o trabalho pesado — uma visão de pesadelo, se é que alguma vez existiu alguma

No Chile, durante os protestos que eclodiram em outubro de 2019, uma pichação num muro dizia: “Outro fim de mundo é possível”. Essa deveria ser nossa resposta para o Screen New Deal: sim, nosso mundo chegou ao fim, mas um futuro-sem-contato não é a única alternativa, outro fim de mundo é possível.