19/02/2015
O Protocolo de Kyoto –controverso tratado de 1997 para conter a mudança do clima– teve escasso sucesso. A melhor evidência disso está no fato de as negociações internacionais sobre o tema tomarem hoje rumo muito diferente.
Nada assegura, no entanto, que uma trilha bem-sucedida se iniciará na decisiva conferência de Paris, a ser realizada em dezembro.
Neste fevereiro faz dez anos que o protocolo entrou em vigor, após a ratificação por 189 países. O acordo estabelecia que 37 nações industrializadas reduziriam suas emissões de gases do efeito estufa em 5% no período de 2008 a 2012, tomando por base o ano de 1990.
A meta foi alcançada com folga. Os países comprometidos cortaram em 22,6% a poluição que aprisiona radiação solar na atmosfera, aquecendo-a além da conta. Assim, falar em fracasso parece mesquinho.
Ocorre que as emissões globais subiram 16,2% até 2012. O clima mundial seguiu firme na rota do aquecimento porque não participavam do tratado os dois maiores poluidores, China e Estados Unidos.
O primeiro, por ser um país em desenvolvimento –e que desenvolvimento: sua economia cresceu a taxas próximas de 10% ao ano. O segundo, por força da política doméstica, uma vez que a eleição do presidente democrata Barack Obama foi incapaz de reverter o veto congressual a qualquer acordo que excluísse a China.
Ao final do primeiro período de Kyoto, em 2012, tentou-se em Doha (Qatar) um novo e mais ambicioso objetivo: reduzir em 18% as emissões até 2020. Apenas 23 nações aderiram à meta até agora.
O fracasso da via aberta em 1997 e pavimentada em 2005 foi sobretudo político. Obter consenso entre diversos países em torno de objetivos que possam ser monitorados e cobrados por uma instância internacional parece cada vez mais inviável, assim como a transferência de recursos e tecnologia, anátema entre potências desenvolvidas.
A alternativa surgida na tortuosa negociação diplomática sobre mudança do clima, após o fiasco da Cúpula de Copenhague (2009), foi afrouxar compromissos. Eles podem agora ser voluntários, e cada nação propõe quando planeja alcançá-lo e com base em qual ano.
Há amplo ceticismo, porém, quanto à chance de que a estratégia desvinculante produza o resultado esperado, a saber, impedir que o aquecimento ultrapasse 2°C neste século. Além desse limite, a ciência indica risco acentuado de desastres como secas duradouras e enchentes avantajadas.
Todas as atenções se voltam para o fim do outono em Paris.
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Kyoto, 10, engatinha
16/02/2015
Protocolo, que entrou em vigor em 2005, fracassou em reduzir emissões mundiais de gases-estufa; para piorar, novas metas, traçadas em 2012, só tiveram 23 adesões
MAURÍCIO TUFFANI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Dez anos após ter entrado em vigor, o Protocolo de Kyoto tem um diagnóstico claro: o acordo fracassou em reduzir as emissões mundiais de gases-estufa, que cresceram 16,2% de 2005 a 2012.
O pacto internacional, porém, não foi de todo inócuo e teve certo sucesso em conscientizar a sociedade e implantar projetos ambientais, tecnológicos e de desenvolvimento econômico para prevenir o agravamento do aquecimento global.
Concluído em 1997 em Kyoto, no Japão, o protocolo estabelecia metas de redução das emissões de gases-estufa. Só em 2005 ele adquiriu força para entrar em vigor, com a ratificação pela Rússia.
O protocolo teve 189 ratificações, entre elas a do Brasil, em 2002. Mas suas novas metas de redução de emissões de 2013 a 2020, estabelecidas em 2012 no Qatar, só tiveram até agora 23 adesões.
Em um balanço, a secretaria da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) destacou que 37 países, a maioria da União Europeia, superaram sua meta de reduzir em 5% suas emissões até 2012.
A agência, contudo, deixou de lado os números do aumento global das emissões e o alerta enfático feito em 2014 por seu braço científico, o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática): não há mais tempo para reduzir a concentração de gases-estufa para que o aumento médio da temperatura da superfície terrestre até 2100 seja inferior a 2º C.
Essa elevação traria como consequência mais secas, derretimento de geleiras e inundações de zonas costeiras pela elevação dos oceanos.
Para evitar esse cenário, seria preciso reduzir as emissões em 80% até 2050.
PERDAS E GANHOS
“Estou convencida de que sem o protocolo de Kyoto não estaríamos avançados como hoje na crescente penetração das energias renováveis”, disse Christiana Figueres, secretária-executiva da UNFCCC.
Figueres também destacou cerca de 7.800 projetos de apoio a países em desenvolvimento, envolvendo benefícios de até US$ 13,5 bilhões para reduzir emissões por desmate e para “sequestro de carbono” da atmosfera por meio de recuperação e ampliação de florestas.
“Se olharmos quantitativamente para as emissões, o protocolo falhou. Mas sem ele a União Europeia não teria atingido grandes avanços nas reduções”, diz Carlos Nobre, que acaba de assumir o cargo de diretor do Cemaden (Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais).
Nobre ressalta que a Alemanha mostrou que é possível reduzir os gases-estufa sem diminuir seu PIB. “Vejo com otimismo esse efeito pedagógico”, disse Nobre.
Já para o físico da USP e membro do IPCC Paulo Artaxo, ainda que o tratado tenha aumentado a adesão de novas tecnologias e a conscientização para o que ele chama de “problema mais sério já enfrentado pela humanidade”, houve, além do aumento da concentração de carbono na atmosfera, acúmulo de CO2 nos oceanos, o que pode causar desequilíbrios para a vida marinha.
PERSPECTIVAS
Segundo Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, a próxima conferência do clima, em dezembro, em Paris, poderá ter avanços graças ao recente acordo entre EUA (que assinaram mas não ratificaram o Protocolo de Kyoto) e China.
Para ele, um dos grandes desafios para os governos, inclusive o do Brasil, é o planejamento econômico e energético. Ele afirma que isso ainda é feito sem assimilar as mudanças climáticas, e a atual crise energética e hídrica do país é prova disso.
Fabio Feldmann, secretário-executivo do Fórum Paulista de Mudanças Climáticas e de Biodiversidade e ex-secretário estadual do Meio Ambiente de São Paulo, afirma ainda que a redução de desmatamentos no Brasil criou uma “falsa impressão” de que o país pode continuar com os mesmos níveis de emissões em outros setores.
De fato, enquanto as emissões por desmates no país diminuíram 64% de 2005 a 2013, as das atividades agropecuárias e do consumo de energia cresceram, respectivamente, 6% e 42%, segundo o Observatório do Clima.