Bob Stein vem ao Brasil para congresso em que analisa uma mudança nas narrativas a partir da revolução digital (O Globo, JC)

JC e-mail 4307, de 25 de Julho de 2011.

Formas completamente novas de narrativa surgirão a partir da revolução tecnológica. A previsão é de Bob Stein, editor de 65 anos que desde os anos 1980, bem antes do advento da internet, dedica-se à produção de conteúdo eletrônico.

Foi pioneiro ao lançar uma enciclopédia para computadores pessoais e como criador de CD-ROMs interativos e multimídias. Fundador do Institute for the Future of the Book, com pesquisadores sediados em Nova York e Londres, Stein promete abalar as convicções da plateia de editores do 2º Congresso Internacional do Livro Digital da Câmara Brasileira do Livro, que acontece amanhã e quarta-feira em São Paulo.

O futuro do livro, prevê o especialista, é se tornar uma praça pública virtual, um mundo no qual leitores se reúnem e criam suas próprias histórias, uma forma de contar histórias bem parecida com a dos games. A leitura como uma experiência solitária e silenciosa está com os dias contados, assim como o livro impresso, cujo futuro é sobreviver apenas como objeto de arte para consumo dos mais afortunados.

Como surgiu e qual foi a função do Institute for the Future of the Book?
BOB STEIN: Há sete anos, fui convidado pela MacArthur Foundation a voltar a ser editor. Mas naquela época, com a internet, eu acreditava que já não havia mais lugar para um editor, não entendia qual seria sua função. Relutei em aceitar o convite. Tive então a ideia de propor à fundação que financiasse uma pesquisa sobre o papel do editor nesta nova era. Eles foram extremamente generosos, doaram US$ 1 milhão para a criação do instituto. O instituto foi criado em 2004. A princípio, era um projeto de cinco anos de duração cujo objetivo era entender como as narrativas, o discurso, mudam ao deixar as páginas impressas rumo às mídias eletrônicas e à internet. Acredito que conseguimos entender como o mercado editorial vai evoluir. O livro será uma praça, um ponto de encontro e reunião de leitores. Não é algo que acontecerá da noite para o dia, mas chegaremos lá. Fundei recentemente uma nova empresa, a Social Books, e estamos criando plataformas para publicações eletrônicas e sociais.

A geração digital será capaz de ler um livro impresso como fazemos, sozinhos, concentrados, em silêncio por horas a fio ou ela não terá mais as habilidades cognitivas para tanto?
Ler da maneira que você descreveu é algo recente, não é uma prática tão tradicional e arraigada assim. No século XIX, o normal era as pessoas lerem em voz alta, em grupo. Uma biblioteca pessoal com estantes cheias de livros era raríssimo, privilégio dos ricos até depois da Segunda Guerra Mundial. Os comportamentos que envolvem a leitura solitária são recentes. Temos medo de perder algo se estes hábitos mudarem. Mas a Humanidade evoluiu durante muito tempo sem isso. As novas gerações encontrarão algo novo que será tão valioso quanto este tipo de leitura foi para nós.

Como a revolução digital está transformando o mercado editorial?
O mercado editorial sabia há muito tempo da iminência dos livros digitais. Mas, em vez de investir, permitiu que Amazon e Apple pilotassem o navio. Foi um erro grave. As editoras perderam a dianteira e agora têm de correr atrás do prejuízo. O problema é que estão acostumadas e se agarram a um modelo de negócios no qual vendem objetos impressos por uma quantidade justa de dinheiro. Agora todas estão convertendo e lançando seus livros em formatos eletrônicos e acreditam que assim será possível manter a mesma margem de lucro. Isto nunca vai acontecer. A verdadeira energia de transformação vem de fora do mercado editorial, principalmente do mundo dos games. As editoras terão de seguir este exemplo para aprender como integrar diferentes formas de mídia – não apenas adicionar fotos, vídeos e áudios aos textos -, e como lidar com comunidades de leitores. A indústria dos games já sabe muito bem como fazer isso. Um exemplo é “World of warcraft”, espécie de role-playing game on-line, com mais de 12 milhões de assinaturas por mês. É um conceito a ser estudado. Talvez o futuro da literatura esteja em autores que criam um mundo a ser habitado pelos leitores, que dentro deste universo escrevem suas próprias histórias. Não me surpreenderá se uma empresa de game comprar uma grande editora em algum momento dos próximos dez anos.

O mercado editorial vai passar pela mesma crise da indústria fonográfica?
Sim, é bem parecido. As editoras acreditam que o que aconteceu com as gravadoras e a indústria do cinema não acontecerá com elas. Infelizmente não é verdade. No Pirate Bay é possível encontrar milhares de livros, muito mais do que seremos capazes de ler a vida inteira.

Houve um momento em que o futuro parecia estar nos enhanced books (o primeiro foi uma adaptação interativa, com áudio e vídeo de “Alice no País das Maravilhas, lançada em 2010 como um aplicativo para iPad). Este formato já está ultrapassado?
Sim. Embora muito do meu trabalho seja aprimorar livros, filmes ou músicas adicionando conteúdo para que eles sejam mais bem compreendidos e apreciados, no fim do dia isto jamais será tão importante quanto criar uma maneira completamente nova de se consumir conteúdo. A revolução tecnológica propicia a criação de novas formas de narrativas. Algo como a invenção de um novo gênero literário, adequado aos novos tempos, a exemplo do que aconteceu quando Miguel de Cervantes inventou, com “Dom Quixote” o romance moderno.

Livros impressos vão sobreviver?
Sim. Mas irão se tornar uma espécie de objeto de arte. Só quem é muito rico será capaz de comprá-los. Algo como os livros para mesas de centro que compramos hoje em dia porque são bonitos, decorativos. No futuro, o livro como uma forma de transmitir ideias será eletrônico.