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Datafolha: 9 entre 10 brasileiros acham que mudanças climáticas terão impacto em suas vidas (Folha de S.Paulo)

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Preocupação com eventos extremos une apoiadores de Lula (PT) e Bolsonaro (PL)

Lucas Lacerda

6 de abril de 2023


Nove entre dez brasileiros acham que vão sofrer impactos das mudanças climáticas na vida pessoal, e dois terços da população enxergam que a vida será muito prejudicada por eventos climáticos extremos nos próximos cinco anos.

Também há consenso sobre a distribuição desse impacto: 95% das pessoas acham que a parcela mais pobre sofrerá com esses efeitos.

Os dados fazem parte de pesquisa do Datafolha que ouviu 2.028 pessoas, de 126 municípios, com mais de 16 anos, nos dias 29 e 30 de março. A margem de erro é de dois pontos percentuais.

Enquanto a maioria acha que as mudanças climáticas vão prejudicar muito a parcela mais pobre da população (82%), uma minoria acha que a população rica vai sofrer da mesma forma (24%).

Quando avaliam a preocupação com os impactos na vida pessoal, 70% das mulheres afirmam que haverá muito prejuízo —índice que cai para 62% entre os homens.

Um motivo possível é o dano desigual da crise do clima, que, como já identificado em estudos, gera problemas sociais como migração, violência infantil e casamentos forçados, que afetam mais a população feminina.

Para Lori Regattieri, senior fellow da Mozilla Foundation, o destaque indica ainda que as mulheres podem estar mais atentas a riscos para a saúde própria e da família, além de reagirem mais rápido.

“Elas despontam em nível de preocupação principalmente quando temos questões que envolvem a saúde delas, da família e dos filhos”, diz a pesquisadora, que estuda comportamento digital e desinformação na agenda climática e socioambiental.

Regattieri destaca que a percepção também precisa considerar aspectos de cor e renda. “Quando falamos de mulheres negras, há maior probabilidade de morarem em áreas de risco. É onde se percebe o racismo ambiental.”

A percepção de muito prejuízo na vida pessoal foi apontada por 69% das pessoas pretas e pardas ouvidas na pesquisa, contra 61% entre pessoas brancas. A margem de erro é de três pontos percentuais para pessoas pardas, e quatro e seis para brancos e negros, respectivamente.

A pesquisa revela ainda uma preocupação com as mudanças climáticas muito similar entre quem declarou voto no presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e quem disse ter votado no ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no segundo turno das eleições de 2022. Os percentuais também são próximos quando comparam-se os de apoiadores de PT e PL (quando citadas apenas as siglas, sem mencionar os candidatos em questão).

O prejuízo na vida pessoal decorrente de mudanças no clima é apontado por 89% dos eleitores de Lula e 88% dos de Bolsonaro. A pesquisa, assim, pode indicar que o medo de impactos na própria vida supera o posicionamento político —em campanha, Lula disse que priorizaria a agenda climática, enquanto a gestão Bolsonaro promoveu um desmonte das políticas públicas ambientais.

Na visão de Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de organizações socioambientais, isso ocorre porque a relação entre o apoio político e mudanças climáticas ainda não é tão direta no Brasil quanto problemas de emprego, fome, pobreza e saúde.

“Para a composição do voto, a questão de clima e ambiente não é tão decisiva [no Brasil] como em países que já venceram esses problemas”, diz.

Astrini opina ainda que os eleitores de Bolsonaro não creditam o enfraquecimento da política ambiental à figura do ex-presidente.

“O que verificamos é que há uma narrativa criada para esse público: que o Bolsonaro não é uma pessoa ruim para a agenda de meio ambiente, que as acusações são invenção de esquerdistas, que o movimento ambiental do mundo é bancado por comunistas contra o desenvolvimento do país.”

Os danos imediatos que possam ser causados por uma chuva extremamente forte são outra preocupação em destaque na pesquisa. Para mais da metade da população (61%), a precipitação extrema é um risco para a casa onde moram, e 86% apontam risco para a infraestrutura —ruas, pontes e avenidas— da cidade em que vivem.

A percepção ampla sobre mudanças climáticas não é novidade no Brasil, de acordo com pesquisas anteriores do Datafolha. Levantamento realizado em 2010 mostrou que 75% dos brasileiros achavam que as atividades humanas contribuíam muito para o aquecimento global —o que é um consenso científico, amplamente difundido. Em 2019, esse índice caiu para 72%.

O mais recente relatório do painel científico do clima da ONU (IPCC, na sigla em inglês), lançado em 20 de março —poucos dias antes da realização da pesquisa do Datafolha, portanto—, enfatiza que o mundo vive sob pressão climática sem precedentes e que alguns danos já são irreversíveis.

Os cientistas alertam que o prazo para agir e frear o aquecimento do planeta em 1,5°C, meta do Acordo de Paris, é curto e exige ações rápidas dos países.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

Tragédia no litoral norte indica necessidade de aprimorar previsão de chuvas (Folha de S.Paulo)

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Especialistas apontam falta de investimento e defasagem do modelo; temporal foi agravado por ciclone extratropical, diz meteorologista

Carlos Petrocilo

22 de fevereiro de 2023


A falta de investimento em novas tecnologias, aliada à aceleração das mudanças climáticas, torna a previsão do tempo mais imprecisa no Brasil, segundo especialistas ouvidos pela Folha.

O serviço de meteorologia é essencial para que órgãos públicos, como Defesa Civil, se preparem com antecedência na tentativa de mitigar os efeitos de um temporal.

No litoral norte, a Defesa Civil havia emitido alerta na quinta-feira (16) para a possibilidade de registrar um acumulado de 250 milímetros no final de semana. Porém, o volume de chuva chegou a 682 mm, de acordo com o Governo de São Paulo.

Como consequência do temporal, 48 pessoas morreram, sendo 47 em São Sebastião e uma em Ubatuba, conforme os dados desta quarta (22).

Segundo o professor Eduardo Mario Mendiondo, coordenador científico do Ceped (Centro de Educação e Pesquisa de Desastres) da USP, os modelos atuais de previsão utilizam parâmetros atmosféricos calibrados por condições históricas e precisam ser atualizados.

“O clima está mudando, com maior magnitude e com maior frequência de ocorrência de extremos. Os modelos precisam ser atualizados de forma constante, em escala global e em regiões específicas, com microclima e dinâmicas peculiares, como é o caso da Serra do Mar e da Baixada Santista”, afirma Mendiondo.

O professor chama atenção para falta de investimentos públicos. Segundo ele, o governo precisa reforçar o quadro de servidores e investir em novas ferramentas para Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).

“Falta aumentar em 20 vezes o potencial de supercomputadores atuais em território nacional, falta contratar até 20 vezes o número servidores de manutenção e operação de supercomputadores e falta contratar até em dez vezes o número atual de técnicos operadores”, afirma o professor da USP.

Para suprir tais necessidades, Mendiondo estima que é necessário investimentos de R$ 25 bilhões por ano. “Isto para converter essas novas evidências científicas, melhorando as previsões, seguindo exemplos como Japão, Europa e Estados Unidos.”

O meteorologista Mamedes Luiz Melo afirma que o volume de chuva foi agravado pela ação do ciclone extratropical associado a uma frente fria que passou pelo Sul do país e por São Paulo. “A tecnologia vinha alertando, mas estamos lidando com algo móvel na atmosfera”, afirma Melo.

A Defesa Civil diz, em nota, que os boletins especiais e de aviso de risco meteorológicos são emitidos com base em simulações numéricas de previsão do tempo. “Tais limiares baseiam-se no histórico da chuva da região em que a chuva acumulada representa risco para transtornos, como deslizamentos, desabamentos, alagamentos, enchentes e ocorrências relacionadas a raios e ventos”, disse a Defesa Civil.

As projeções do Inmet, que emite alertas sobre riscos de deslizamentos para órgãos públicos, previram volumes de chuva menores do que um modelo usado pela empresa de meteorologia MetSul.

O modelo da empresa, chamado WRF, apontou que algumas áreas poderiam ter chuva acima de 600 mm em alguns pontos do terreno, o que acabou se confirmando. As previsões mais graves do instituto federal falavam em chuvas no patamar de 400 mm.

A previsão do Inmet para a chuva no litoral norte utilizou seis modelos numéricos diferentes. O instituto também usa o WRF, mas com uma resolução menor do que a da MetSul. Ou seja, a empresa conseguiu fazer os cálculos a partir de detalhes mais precisos do relevo do que o órgão público.

“O WRF tem se mostrado uma ferramenta muito importante na identificação de eventos extremos de chuva”, diz a meteorologista Estael Sias, da MetSul. “É importante assinalar que o modelo WRF é meramente uma ferramenta de trabalho, um produto, e não a previsão, e que o prognóstico final divulgado ao público e clientes leva em conta outros modelos e também a experiência do meteorologista para eventos extremos.”

Segundo o meteorologista Franco Nadal Villela, da equipe do Inmet em São Paulo, a resolução não é o fator mais decisivo na previsão de chuvas. Ele diz que os modelos usados pelo instituto deram conta de prever que o temporal em São Sebastião seria muito grave, embora não tenham chegado ao valor de 600 mm.

“Há modelos de menor resolução que pontualmente previram menos precipitação”, diz Villela. “As previsões modeladas estavam prevendo bem este evento e as variações na quantificação de precipitação [volume de chuva por hora] são mais uma das varáveis que ponderamos para emitir alertas.”

A Folha enviou perguntas através de email ao Inpe, que coordena o Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

Para José Marengo, climatologista e coordenador do Cemaden, defende mudanças [sic]. Ele explica que o modelo de previsão do tempo divide a região em áreas de até 200 quilômetros quadrados. Com isso, não é possível prever a quantidade de chuva aproximada em toda a região.

“O Brasil não está preparado tecnologicamente. É como se dividisse o Brasil em caixas grandes de 200 quilômetros quadrados, por isso há distorções dentro da mesma região. Pode ter áreas em que chove menos e outras que superaram os 600 milímetros, a modelagem não é perfeita”, afirma Marengo.

Ele também alerta para a falta de novas tecnologias. “O supercomputador do Inpe, o Tupã, que resolve as equações matemáticas em alta velocidade, é de 2010 e considerado obsoleto”, afirma o climatologista.

O professor Pedro Côrtes, do Instituto de Energia e Ambiente da USP, concorda que é área precise de mais recursos, mas pondera que as previsões dos órgãos do governo foram suficientes para apontar que uma tempestade grave se aproximava.

“A espera pelo investimento não pode postergar a solução do problema, as previsões já funcionam.”

A Folha publicou, no dia 28 de dezembro de 2010, a inauguração do supercomputador. Na ocasião, o Tupã custou R$ 31 milhões e era utilizado em países como Estados Unidos, China, Alemanha e Rússia. Para operá-lo, o Inpe precisou construir uma nova central elétrica, de mil quilowatts —antes tinha só 280 quilowatts disponíveis no instituto.

Até hoje os especialistas apontam o Tupã como o melhor equipamento que o Brasil possui para prever, além de enchentes, ondas de calor e frio e os períodos de seca.