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Pecuária é responsável por 15% dos gases do efeito estufa (O Globo)
Renato Grandelle, 24/11/2015
Desmatamento na Região de Xapuri no Acre – Gustavo Stephan/ 05-12-2013
RIO— Parte expressiva da liberação de carbono na atmosfera fica bem longe da fumaça liberada por usinas ou carros. Um novo estudo do Chatham House, o Real Instituto de Relações Internacionais do Reino Unido, indica que cerca de 15% dos poluentes que levam ao aquecimento global são provenientes da pecuária — seja pelo metano da digestão e estrume dos animais, ou pela produção de culturas para alimentação. De acordo com o relatório “Mudanças climáticas, mudanças na alimentação”, reduzir a quantidade de carne no prato é fundamental para assegurar que a temperatura global não avance mais do que 2 graus Celsius neste século.
O planeta, porém, ignora a recomendação. Estima-se que, com o aumento da classe média nos países em desenvolvimento — especialmente na China e no Brasil —, o consumo de carne crescerá até 76% nos próximos 35 anos.
Mudar a alimentação pode cortar pela metade os custos das futuras medidas contra o aquecimento global. E o clima não será a única área favorecida pela nova dieta. Coautora do estudo, Laura Wellesley ressalta que conter o consumo exagerado de carne também traz benefícios imediatos à saúde.
— Não estamos sugerindo que todo mundo deve se tornar vegetariano. A carne, consumida com moderação, pode fazer parte de uma dieta saudável para o indivíduo e o meio ambiente — ressalta. — De acordo com a Escola de Medicina de Harvard, a porção diária não deve ultrapassar 70 gramas, que é um hambúrguer de tamanho médio. Se nada for feito para nos limitarmos a este valor, os padrões alimentares atuais serão incompatíveis com o aumento de temperatura de apenas 2 graus Celsius.
DIETA SAUDÁVEL FORA DA COP-21
Atualmente, o consumo dos brasileiros é de duas vezes e meia a quantidade diária recomendada; nos EUA, é de três vezes mais. Um estudo divulgado em outubro pela Organização Mundial de Saúde alertou que a ingestão exagerada de carnes vermelhas e processadas pode levar à ocorrência de doenças não transmissíveis, principalmente o câncer.
— Mudanças de alimentação devem estar no topo da lista das discussões na Conferência do Clima de Paris (COP-21). É uma estratégia rápida e econômica para conter as emissões de gases-estufa — avalia Laura.
Ainda assim, o debate sobre a dieta mundial deve ficar fora da mesa de negociações da COP-21. Para os pesquisadores do Chatham House, os governos temem que campanhas reivindicando limitações ao consumo de carne desagradem a opinião pública e a indústria de alimentos.
Desde o início do ano, cerca de 150 países apresentaram à ONU metas voluntárias para cortar a emissão de gases de efeito estufa. A diminuição do consumo de carne não foi mencionada em nenhum projeto.
— Como são cautelosos em assumir um risco, os governos têm favorecido a inércia e permanecem em silêncio sobre a questão das dietas sustentáveis — lamenta Laura. — As pesquisas revelam que inicialmente muitas pessoas não gostam da ideia de comer menos carne, e por isso são resistentes à ideia de intervenção do poder público. No entanto, depois que são informadas sobre a relação entre dieta e clima, a maioria recomenda que o governo promova intervenções e forneça orientações e incentivos para a mudança na alimentação.
No Brasil, diz o levantamento, a população sente orgulho da pecuária, mas demonstra preocupação com sua potencial expansão desordenada para a Floresta Amazônica. A pecuária é uma das atividades econômicas mais importantes do país — representa 6,8% do PIB —, mas também corresponde a uma das mais ineficientes do mundo, já que é baseada na prática extensiva. Os lucros estão no tamanho da área usada, e não na eficiência produtiva. No Cerrado há, em média, apenas 1 boi por hectare — estima-se que é possível triplicar esta ocupação sem qualquer comprometimento dos rendimentos do setor.
A força econômica da pecuária e o hábito do consumo exagerado de carne — a “tradição do churrasco de fim de semana”, como destaca o Chatham House — são os maiores obstáculos para que o governo federal desenvolva projetos que promovam a alimentação saudável e, ao mesmo tempo, aumente o alerta da população contra as mudanças climáticas. O brasileiro é conhecido como um dos povos mais preocupados no mundo com o aquecimento global, mas nunca foi informado sobre sua ligação com mudanças na dieta.